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O texto literário

em

SALA DE AULA

Rosiane Marli Antônio Damazio


Cristiani Bereta da Silva
(Organizadoras)
O texto literário
em sala de aula
Conselho Editorial Técnico-Científico Mares Editores e Selos Editoriais:

Renato Martins e Silva (Editor-chefe)


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Vitor Cei
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O texto literário
em sala de aula
1ª Edição

Rosiane Marli Antônio Damazio


Cristiani Bereta da Silva
(Organizadoras)

Rio de Janeiro
Eulim
2017
Copyright © da editora, 2017.

Capa e Editoração
Mares Editores

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)

O texto literário em sala de aula / Rosiane Marli


Antônio Damazio; Cristiani Bereta da Silva
(Organizadoras). – Rio de Janeiro: Eulim, 2017.
178 p.
ISBN 978-85-93442-03-2
1. Uso de livros de texto. 2. Ensino. 3. Literatura I.
Título.

CDD 371.32
CDU 37/49

2017
Todos os direitos desta edição reservados à
Mares Editores
Eulim é um selo editorial de Mares Editores
Contato: mareseditores@gmail.com
Sumário

Apresentação ......................................................................... 9
Leitura e formação do leitor: limites e possibilidades da
escola e da Universidade ..................................................... 22
Entre a tradição do livro didático e a utilização de poemas
históricos nos anos iniciais................................................... 36
Literatura na escola: a mediação de poemas narrativos no
Ensino Fundamental ............................................................ 67
Da biografia para as cartas: proposta de produção de texto
por meio de sequência didática .......................................... 93
Aprofundando diálogos entre a literatura e a oratura na
escola moçambicana: desafios, debates e caminhos ....... 108
Quando o direito de ler é incentivado: O gato Malhado e a
andorinha Sinhá na sala de aula ........................................ 140
Sobre os autores ................................................................ 174
Apresentação: Importância da linguagem na produção de
sentidos culturais na escola

Rosiane Marli Antônio Damazio1


Cristiani Bereta da Silva2

A linguagem é um dos “meios” através do qual


pensamentos, ideias e sentimentos são
representados numa cultura. A representação pela
linguagem é, portanto, essencial aos processos
pelos quais os significados são produzidos.
Stuart Hall (2016, p. 18)

Tomando por empréstimos as palavras de Hall (2006), sobre a


importância da linguagem na produção dos sentidos culturais, inicia-
se a apresentação da obra “O texto literário em sala de aula”,
reconhecendo que o conceito de cultura permeia todas as produções
reunidas sob tal título. Nesse viés, pensa-se a cultura como um
conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para
explicar e se relacionar no mundo. Enfatizando, ainda, que a cultura se
relaciona a sentimentos, emoções, pertencimento, ideias e conceitos,

1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do
Estado de Catarina (UDESC). Bolsista da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e
Tecnológica do Estado de Santa Catarina (FAPESC).
2
Doutora em História. Professora Associada do Departamento de História e dos
Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UDESC. Bolsista
Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).

-9-
organizando e regulando práticas sociais ao mesmo tempo em que é
geradora de efeitos reais e objetivos, permeando todas as sociedades.
A representação conecta o sentido e a linguagem à cultura, fazendo
com que as pessoas se reconhecem com pertencentes a determinado
grupo social, se identificando por meio de ideias, objetos, sujeitos e
ações (HALL, 2006). A atribuição de sentido é algo produzido, mediado
pela linguagem, pois a língua integra a vida, constituindo os sujeitos.
O ato de representar mentalmente algo ou alguém se traduz
por meio de signos, em geral linguísticos, que realizam o processo de
intercambiar ou tornar comum as especificidades de dado sistema
cultural. Evidentemente, as representações acompanham o fluir dos
tempos sendo, sutilmente, alterados no devir das práticas culturais.
Assim, tem-se por fio condutor a concepção de cultura como um
conjunto de significados que se enunciam nos discursos ou nas
condutas aparentemente “menos culturais” e que estão presentes nos
mais diferentes campos de práticas e produções sociais. De acordo
com Geertz (1989, p. 20), “as formas das sociedades são a substância
da cultura”, que se fundamenta na “teia de significados”, amarradas
coletivamente:

Acreditando, como Marx Weber, que o homem é


um animal amarrado a teias de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas
teias e a sua análise; portanto, não como uma
ciência experimental em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa, à procura do

- 10 -
significado. É justamente uma explicação que eu
procuro, ao construir expressões sociais,
enigmáticas na sua superfície”. (GEERTZ, 1989, p.
04).

Nessa perspectiva, percebe-se que as sociedades estabelecem


seu modelo cultural a partir das experiências vivenciadas pelo grupo,
muito embora essa construção esteja sujeita a disputas, tensões e
conflitos, visto que há membros dos grupos que pretendem sua
homogeneização e/ou hegemonia. Nada é por acaso, se algo se institui
é por que houve um movimento que o produziu, ou seja, as ações
humanas não são naturais: são, em verdade, pensadas, certa cultura
as produziu, por mais obscuro que seja o processo que a fez emergir.
A experiência humana é totalmente cultural, segue o fluxo poroso dos
tempos por meio de um emaranhado de significações estabelecidas
nesse devir. É a cultura que dota de sentido as diversas situações
vivenciadas. Por meio das narrativas, o homem tem a perspectiva de
assimilar e apreender o outro, além de compreender o legado que
tanto a memória individual quando coletiva impõem a concepção que
tem de si mesmo.
Ricoeur (2007), vê na narrativa um modo privilegiado,
temporal e lógico, de organização do tempo humano. Os estudantes
precisam ser oportunizados a organizar seus conhecimentos, também,
por meio de narrativas. Apresenta-se tal essa assertiva por concordar
com o historiador alemão Jorn Rüsen (2001), responsável pela

- 11 -
elaboração e organização de diversas obras relativas à teoria, a
didática e ao ensino de História, em sua proposição de que a narrativa
é um artifício fundamental no processo de ensino e aprendizagem. Nas
narrativas produzidas é possível verificar no que os estudantes têm
dificuldades para expressar seus conhecimentos de forma clara e
coerente. A produção de narrativas e a leitura de diferentes textos
literários não deve restringir-se às disciplinas, teoricamente, mais
associadas a linguagem, pois a apreensão e a expressão necessária a
todos os componentes curriculares passam, inevitavelmente, pela
leitura e compreensão de textos.
As diferentes sociedades possuem um complexo sistema
organizacional e de valores que compõe seu panorama cultural. É na
escola que as gerações mais jovens são introduzidas ao sistema de
valores culturais que as antecederam. Porém, a escola, do modo que
conhecemos, é uma invenção bastante recente: sala de aula, carteiras
enfileiradas, quadro de giz, disciplinas curriculares, obras literárias,
metodologias de ensino, conteúdos escolares, dentre outros,
compõem o modelo de escola inaugurado, sobretudo, no século XIX.
Mesmo que venha sofrendo alterações, a escola, como local de
disputas, tem sido palco de mudanças e transformações, mas, de
modo geral, há mais permanências que inovações. Em sua atual forma
de organização institucional, a escola tem a complexa finalidade de
responder pelas demandas educacionais no tempo presente. Na

- 12 -
opinião de Ricardo Oriá (2006, p. 130), a escola tem a função maior de
formação para a cidadania, nesse sentido afirma que “ao socializar o
conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras
gerações para a construção de novos conhecimentos, a escola está
cumprindo seu papel social”.
Evidentemente que dar conta das complexas relações que se
delineiam no interior do sistema de ensino não é tarefa que a escola,
com seus entraves pedagógicos, humanos e materiais, venha
conseguindo. Efetivamente, muitos desafios se colocam perante
professores e gestores, bem como aos estudantes que a têm quase
como única forma de acesso a melhores condições de vida. É nessa
escola multifacetada, de valores cambiantes, repleta de tensões, que
as crianças, já aos seis anos, são encaminhadas, obrigatoriamente (Lei
nº 11.114 de 2005), pelas famílias, para “aprender” a viver e a
conviver, fazendo a transição dos conhecimentos que possui a priori
para conhecimentos que se tornaram integrantes do currículo escolar.
Nos anos iniciais, possibilitar que os estudantes dominem a
leitura, a escrita e os cálculos básicos consiste em objetivo central e
que mobiliza a ação do professor, porém, essa não é a única
intencionalidade dessa fase da escolarização. Atualmente, alfabetizar
no sentido apenas de decodificar símbolos gráficos não é suficiente. A
alfabetização somente se efetiva acompanhada do letramento, ou
seja, a aprendizagem escolar só se torna significativa quando torna a

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criança capaz de utilizar esses conhecimentos em contextos
diversificados de comunicação, sendo tal meta perseguida durante
toda a Educação Básica.
A escola constitui-se em arena polifônica, espaço sócio
histórico que congrega diferentes modos de pensar e fazer, gerando
lutas das múltiplas falas pela supremacia e pelo poder. Para a escola
convergem concepções e valores que denotam a complexidade do
todo social no qual está inserida. Os professores adquirem a cultura
docente por meio de programas de formação acadêmicos específicos
como, também, pela adesão, parcial ou total, a um conjunto de
práticas e códigos que circulam no ambiente escolar e constituem sua
própria cultura – a cultura escolar. A escola funciona como agência
legitimadora dos conhecimentos constituídos historicamente, sendo
assim, palco de disputas pela hegemonia social.
Nada na escola é neutro: currículo, organização do tempo,
disposição de objetos, métodos, linguagens e, até mesmo, as relações
interpessoais, dentre outros aspectos do universo escolar, são
definidos por meio de interesses pontuais. As mais diferentes ações
educativas traduzem leituras de mundo e ações político-sociais. Tais
assertivas sustentam-se, em parte, nas prerrogativas do educador
Paulo Freire, para quem “a natureza da prática educativa, a sua
necessária diretividade, os objetivos, os sonhos que se persegue na
prática não permitem que ela seja neutra, mas política sempre”

- 14 -
(FREIRE, 2006, p. 28). Contudo, a especificidade da escola é ensinar,
constituindo-se em “espaço de palavras que possibilitam a objetivação
do mundo” (CHARLOT, 2014, p. 58).
A educação, como todas as ações humanas, é um processo que
se constrói social e historicamente, sendo que é no espaço escolar,
mas não somente, que os conhecimentos são socializados, e mais que
isso, consolidados - evidentemente, na medida que os objetivos de
ensino são alcançados. A escola se situa em uma encruzilhada, sendo
perpassada por diferentes caminhos (CHARLOT, 2014) e para ela
convergem, afora os conhecimentos legitimados, outros
conhecimentos que povoam a cultura de um determinado grupo
social.
No amplo espectro da cultura, algumas manifestações se
tornam imprescindíveis para o intercâmbio entre as gerações. Por
meio da leitura, caracterizada com uma atividade de produção de
novos sentidos, que vai além da decodificação e compreensão de
sinais gráficos que constituem determinado gênero do discurso, os
estudantes acessam elementos constitutivos da cultura ao mesmo
tempo em que participam da elaboração de novos conhecimentos,
repondo e intercambiando valores. Contudo, a participação dos
estudantes na constituição de sentidos por meio da leitura pressupõe
que o professor, elemento central nessa dinâmica, disponha de
condições didáticas para despertar o interesse, o gosto e o hábito da

- 15 -
leitura. Uma possibilidade para que tal objetivo pedagógico se efetive
diz respeito a utilização de textos literários em sala de aula, atividade
que não pode se dar deliberadamente, necessitando que um
planejamento consubstanciado seja, previamente, elaborado.
Os trabalhos selecionados para a obra em questão destacam as
práticas de leitura no âmbito escolar por meio de narrativas que
traduzem experiências nas quais a literatura foi utilizada para
desenvolver habilidades relativas a linguagem oral e escrita junto aos
estudantes. O primeiro texto, intitulado “Leitura e formação do leitor:
limites e possibilidades da escola e da Universidade”, de autoria de
Rodrigo Corrêa Martins Machado, indica que que o hábito da leitura
vem se ampliando assim como a diversidade de gêneros lidos,
salientando que esse é um movimento que tem início nas
universidades e que, aos poucos, foi alcançando a Educação Básica. O
autor compreende que não basta impor aos alunos títulos clássicos
para ser lidos em função do estilo e outras características pontuais.
Para Machado, a Literatura, como disciplina escolar, tem o
dever de dar opções aos estudantes, de torná-los capazes de fazer
escolhas e decidir o que desejam ler. A multiplicidade de textos
literários e suportes disponibilizada ou sugerida nas aulas é um dos
caminhos para o desenvolvimento de escolhas conscientes do leitor.
Sua percepção vai ao encontro das assertivas de Roger Chartier no
livro “A aventura do livro: do leitor ao navegador” (1999), sendo assim,

- 16 -
não crê na morte ou no fim da leitura e do livro em detrimento das
tecnologias, mas na coexistência de ambos, de maneira que, desde a
escola, o sujeito possa se tornar hábil usuário de ambas, crítico de si e
da sua própria realidade.
O segundo texto, “Entre a tradição do livro didático e a
utilização de poemas históricos nos anos iniciais”, escrito por Rosiane
Marli Antônio Damázio e Cristiani Bereta da Silva, tem por objetivo
apresentar dois livros, em forma de versos e com forte viés da cultura
de tradição oral, que narram aspectos da história de Garopaba/SC.
Verificam, também, a inserção das mesmas na cultura escolar,
estabelecendo, ainda, contraponto com o livro didático adotado pela
rede de ensino da referida cidade para os anos iniciais do ensino
fundamental. Para as autoras, a utilização de livros didáticos constitui-
se em uma das continuidades mais fortes no âmbito do ensino escolar.
Seu uso, muitas vezes, imobiliza o ensino e torna as aulas, no caso de
História, pouco atrativas e instigantes. O uso de literatura diversificada
pode tornar a história mais atraente e inspiradora, dando enfoque
libertador aos estudantes. Contudo, a pesquisa desenvolvida indicou
ser essa uma iniciativa muito tímida e particular, que depende da
metodologia de ensino que o professor desenvolve em sala de aula.
Em “Literatura na escola: a mediação de poemas narrativos
no Ensino Fundamental”, Rayonnara Késsia de Souza, apresenta os
resultados de pesquisa realizada em função da conclusão do curso de

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especialização – Literatura na Escola. A autora fundamenta-se na
premissa de que a utilização de narrativas em sala de aula, se bem
mediada, poderá trazer mudanças no tocante à forma como o leitor vê
o mundo. Utiliza o gênero poema em função da existência de um ritmo
e uma sonoridade nas palavras, o que pode ser visto por meio dos
versos. A experiencia narrada diz respeito a sequência didática
desenvolvida com uma 5ª série, momento em que o ensino de
literatura é deixado um pouco para trás, sendo, na maioria das vezes,
utilizado para acalmar os estudantes. Seu texto evidencia que o
processo de leitura provoca o leitor a se posicionar diante do mundo,
contribuindo para romper com o tradicional. Destaca a importância da
mediação estabelecida pelo professor, afirmando que o planejamento
é essencial.
Em seguida, Glauciane da Conceição dos Santos Faria, no texto
“Da biografia para as cartas: proposta de produção de texto por meio
de sequência didática”, apresenta a análise de uma proposta de
produção de texto solicitada aos estudantes dos oitavos e nonos anos
de uma escola da rede particular de ensino, na cidade mineira de
Ponte Nova. Faria toma por base os conceitos de gênero textual e
sequência didática propostos por Marcuschi (2008) e Dolz; Noverraz;
Schneuwly (2004). O trabalho junto aos estudantes, resumidamente,
dá conta da leitura do livro “Eu sou Malala”, de biografia da Malala
Yousafzai, e a escritura de cartas a serem enviados para a autora.

- 18 -
Destaca, por fim, que a atividade “Cartas para Malala” foi muito útil
para que os estudantes pudessem conhecer um pouco mais sobre a
cultura do povo paquistanês - bem diferente da nossa. Além disso, os
mesmos, puderam, ainda, perceber que apesar de ser adolescente
como eles, Malala é um exemplo para todas as pessoas que lutam pelo
direito à educação e pela igualdade de direito das mulheres.
O quinto texto “Aprofundando diálogos entre a literatura e a
oratura na escola moçambicana: desafios, debates e caminhos”, de
Alexandre António Timbane, expressa a complexidade inerente ao
processo de ensino e aprendizagem, fator que exige uma formação
sólida e contínua do professor. Pensando na transmissão de valores
culturais e tradicionais a partir da oratura em contraponto com a
literatura em sala de aula, a pesquisa visa discutir a importância da
literatura versus oratura no contexto do ensino fundamental
moçambicano, problematizando como os dois contribuem na
formação da identidade e do espírito crítico do estudante. Os debates
se sustentaram nas pesquisas de Brait (2011), Vieira (2008), Silva (s.d.)
e Alves; Timbane (2016), dentre outros. As palavras finais indicam que
é papel da escola formar leitores capazes de ter espírito crítico, sendo
que para isso é necessário trazer para as salas de aula outras
realidades socioculturais. Quando a escola recusa, separa a literatura
da oratura cria preconceito como se a educação tradicional não tivesse
importância na formação do cidadão. Para além disso, a

- 19 -
multidisciplinaridade é relevante numa educação moderna e renovada
do século XXI.
O último texto, de Nadir Francisco Rodrigues Pinheiro e Maria
Aparecida Barros de Oliveira Cruz, intitulado “Quando o direito de ler
é incentivado: O gato Malhado e a andorinha Sinhá na sala de aula”,
tem como proposta analisar o livro “O gato Malhado e a andorinha
Sinhá”, de Jorge Amado, procurando evidenciar as relações que se
estabelecem entre literatura e sociedade. As autoras partem do
pressuposto de que a obra literária é uma transfiguração da realidade
e, como tal, representa as relações sociais que construímos como
sujeitos inseridos em uma dada realidade. Constitui-se em pesquisa de
caráter bibliográfico e crítico, que analisa as particularidades do corpus
selecionado, buscando averiguar quais fatores atuam na economia
interna da obra, chamando atenção para o uso desse tipo de gênero
em sala de aula. Por fim, corroborando a hipótese de Candido (2006),
de que a literatura influi na formação do homem, destacam de que
forma o comportamento das personagens pode influenciar na
formação do caráter de crianças e adolescentes, indicando, também,
estratégias pedagógicas que facilitam a formação de leitores.
Tem-se a perspectiva de que a obra ora apresentada fomente
a diversificação de metodologias que utilizam a literatura como
suporte didático nas salas de aula, contribuindo para a definição de
uma cultura escolar mais plural. Ainda que os textos aqui reunidos

- 20 -
venham a diferir no trato com as fontes ou na articulação teórica,
espera-se que o leitor identifique a potencialidade dos mesmos,
estabelecendo diálogos profícuos com a área do conhecimento na qual
atuam, especialmente, na exploração de diferentes textos no contexto
da educação escolar.

Referências

BRASIL. Lei nº 11.114 DE 2005. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Lei/L11114.htm. Acesso em: 23 out. 2015.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas educativas.


[Livro eletrônico]. São Paulo: Cortez, 2014.

FREIRE, Paulo. A educação na cidade. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2006.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC,


1989.

ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In. BITTENCOURT (Org.).


O saber Histórico na Sala de aula. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2006,
p. 128-148.

RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP:


Editora da Unicamp, 2007.

RÜSEN, Jörn. A constituição da narrativa do sentido histórico. In: Razão


histórica – teoria da história: os fundamentos da ciência histórica.
Brasília: UNB, 2001.

- 21 -
Leitura e formação do leitor: limites e possibilidades da
escola e da Universidade

Rodrigo Corrêa Martins Machado3

Ao falar de leitura e formação de leitura, é impossível não me


remeter de imediato à escola. Esta, enquanto espaço institucional de
educação formal, tem um papel imprescindível para a formação
intelectual e pessoal de seus alunos, uma vez que ali eles se deparam
com inumeráveis mundos que serão responsáveis pela formação
pessoal, psicológica e social do sujeito. Sendo assim, a escola é um
espaço ímpar no qual os estudantes se verão diante de incontáveis
Outros de si e isso é muito importante ao considerarmos, de acordo
com Jean-Paul Sartre em O existencialismo é um humanismo (2013),
que os outros são a condição da própria existência do Eu, assim como
para o meu autoconhecimento.
No tocante ao ensino de literatura, é válido considerar que as
obras literárias enquanto criação ficcional de personagens, mundos,
histórias distintas da vivência do próprio leitor lhe possibilitam contato
com os Outros de si, o conhecimento do mundo e o
autoconhecimento. Para tanto, é preciso que o leitor em formação

3
Doutorando em Literatura Comparada, UFF.

- 22 -
seja cativado não somente pelos textos com os quais se depara, como
também pelos métodos de ensino utilizados por seus professores.
A escola é, como pontua Ítalo Calvino, em Por que Ler os
Clássicos?, o espaço institucionalizado que deve fazer com que os
alunos conheçam bem ou mal o maior número de gêneros literários
(textos clássicos e não clássicos) e textuais, aprofundando-se
paulatinamente na leitura de textos cada vez mais desafiadores e, para
tanto, é preciso que os próprios professores sejam leitores.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998) dizem que,
para o desenvolvimento da leitura dos alunos, é preciso ensinar
“textos que rompam com o universo de expectativas [dos alunos], por
meio de leituras desafiadoras para sua condição atual, apoiando-se em
marcas formais do próprio texto ou em orientações oferecidas pelo
professor” (BRASIL, 1998. p. 50). É preciso, para os PCNs, que o aluno
“compreenda a leitura em suas diferentes dimensões: o dever de ler,
a necessidade de ler e o prazer de ler” (BRASIL, 1998. p. 51).
Márcia Abreu, em Cultura Letrada: literatura e leitura (2006),
apresenta uma outra preocupação importante acerca do ensino de
literatura nas escolas e, consequentemente, da formação dos leitores.
Para ela, a escola tem papel de ensinar a ler e a gostar de literatura,
de maneira que alguns se tornem leitores literários, porém a formação
do leitor se vê comprometida, muitas vezes, pelo fato de que “quase
todos aprendem é o que devem dizer sobre determinados livro e

- 23 -
autores, independente de seu verdadeiro gosto pessoal” (p. 19). Essa
fala da estudiosa brasileira converge com a de Todorov (2010) no
instante em que ele aponta como a principal falha do ensino literário
nas escolas: o fato de os professores não explorarem o texto literário
com os alunos e sim dele se utilizar para exemplificação e
compreensão das regras e formações da língua escrita, além de
resumir a aula de literatura ao ensino da história e dos gêneros
literários. Para os PCNs, “Postos de forma descontextualizada, tais
procedimentos pouco ou nada contribuem para a formação de leitores
capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a
extensão e a profundidade das construções literárias” (PCNs, 1998, p.
30).
É muito importante ressaltar que o ensino que não se centra
na obra literária e sim nas metodologias de sua produção, bem como
nas histórias literárias ou mesmo como exemplificação para as aulas
de regras linguística, se torna não cativante e distante daqueles a
quem se dirige – primeiro, ao não ensinar a ler a literatura e também
por desconsiderar o gosto particular do aluno.
Para o Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), a literatura e
os diversos gêneros que a compõem devem ser compreendidos como
construção/constituição baseada em práticas sócio-históricas e
culturais. Desta forma, Márcia Abreu e os próprios PCNs indicam que,
nos dias atuais, as aulas necessariamente devem garantir um espaço

- 24 -
para a diversidade de textos e leituras, garantindo o espaço do Outro.
Nisto, a pesquisadora e os PCNs estão em total consonância com
Todorov em A literatura em Perigo (2010). Pois, segundo o autor, mais
do que se basear somente no ensino de obras clássicas da literatura
nacional e universal, a escola deve encorajar as crianças, adolescentes
e até mesmo adultos à leitura por todos os meios, inclusive a dos livros
que os críticos profissionais consideram com condescendência ou com
desprezo, como Harry Potter e outros best sellers, uma vez que obras
como essas levam milhares de adolescentes ao hábito de leitura e lhes
possibilita uma primeira leitura de mundo, a partir da qual os
professores podem se aprofundar em novas leituras e questões mais
complexas, contribuindo para uma aproximação entre leitor e
literatura.
A escola tem papel imprescindível de dar aos alunos
instrumentos para efetuar uma opção; “mas as escolhas que contam
são aquelas que ocorrem fora e depois da escola” (CALVINO, 2007, p.
13). Assim, “é só nas leituras desinteressadas que pode acontecer
deparar-se com aquele que se torna o ‘seu’ livro” (CALVINO, 2007, p.
13). Com a modernização do ensino e o surgimento de novas práticas
pedagógicas, a criança assume um papel ativo na construção do saber,
na leitura e na construção de seu próprio cânone, de forma a que cada
livro fale diretamente com cada leitor e que, dessa relação, nasça uma
construção de conhecimento crítico capaz de permitir àquele que lê

- 25 -
incluir ou não o texto lido entre os seus interesses. O professor, por
mais que se depare com situações limitantes, como acontece em
algumas escolas, como a falta de materiais, por exemplo, dentre
outras situações, consciente do papel ativo do aluno na leitura, pode
e deve estimulá-lo com atividades nas quais o livro não é visto como
mero objeto estético e sim como possibilidade de mudança,
transformação, uma vez que ao colocar o leitor em relações com os
Outros, a literatura revela uma ampla riqueza de saberes,
conhecimentos acerca de si mesmo e do mundo.
A leitura escolar perpassa os textos selecionados pela
instituição e pelo estado, os quais têm sim uma intenção ideológica,
política, social e cultural e isso, durante muito tempo corroborou com
a hierarquização da própria literatura e no ensino. Dessa forma, textos
que faziam uso semelhante da linguagem, que contavam histórias
parecidas eram “classificados” de maneira distinta. Por exemplo,
houve tempo em que produções literárias feitas por mulheres, com
temática homossexual, relacionados às minorias de uma maneira
ampla, não foram considerados literatura. Para Márcia Abreu (2006),
o que faz uma obra ser declarada “literária” são as instâncias de poder,
como a universidade, as revistas especializadas, os livros didáticos, os
suplementos culturais dos grandes jornais. O que faz de uma obra
“literatura” são as instâncias de poder, as quais introduziram a
literatura como disciplina escolar, difundindo a ideia de que ela é um

- 26 -
bem comum ao ser humano, que deve ser lida por todos e da mesma
maneira (ABREU, 2006, p. 58). E, é importante ressaltar, que durante
muito tempo essas instâncias estavam diretamente relacionadas a um
desejo de “elitização” interno e externo, de forma a que temas como
as minorias étnicas, sociais e sexuais relacionavam a obra literária
como “menor”.
Acho importantíssimo destacar que a evolução do próprio
ensino escolar que foi capaz de questionar esse caráter unívoco da
literatura e até mesmo dos clássicos, a partir do momento que a ele
teve acesso uma maior parcela da população brasileira. Essa abertura,
para Marisa Lajolo e Márcia Abreu em A formação da leitura no Brasil
(1996), tem um relacionamento direto com as políticas públicas do
estado no que diz respeito ao acesso e permanência dos sujeitos na
escola. As autoras dão destaque ao ano de 1930, época de uma virada
econômica e cultural no Brasil (após queda da bolsa de Nova York em
1929, concomitante crescimento industrial no Brasil), em que o Estado
criou o Ministério da Educação e um projeto, mesmo que com muitas
lacunas, de ensino púbico no país.
A essa época, o ensino ainda não era para todos e era
hierarquicamente dividido de acordo com as classes sociais.
Entretanto, esse ano é um pontapé em direção à conquista de 1988,
quando a Constituição Federal brasileira é promulgada e traz, no artigo
205, os dizeres “A educação, direito de todos e dever do Estado e da

- 27 -
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O
Estado se compromete com uma educação para todos e,
paulatinamente, o número de analfabetos diminui, o acesso à escola e
permanência aumentam. Ainda hoje há população analfabeta no
Brasil e problemas quanto ao acesso e permanência na escola, mas o
que quero destacar é que a educação formal no século XX foi
ganhando corpo e abrindo espaço cada vez maior para a população.
Novos métodos de ensino foram surgindo, substituindo, por exemplo,
materiais didáticos importados e os alunos, abertas as portas para a
leitura e para a escrita, foram se familiarizando com os livros. De início,
na escola, e posteriormente foram se tornando independentes.
A escolarização, a meu ver foi um dos principais elementos
responsáveis para o aumento da leitura e formação dos leitores no
Brasil. Nesse caso, é impossível minimizar o poder da escola que,
certamente é envolvido por ideologias e moral provindos do Estado,
mas que se torna, como vimos, uma ponte entre o leitor e o mundo de
possibilidades que lhe é aberto a partir do momento em que se torna
independente para escolher o que deseja ler.
A Universidade também tem hoje papel de suma importância
tanto na formação de professores leitores, nos novos modos de leitura
do texto literário, quanto no que diz respeito às políticas públicas da

- 28 -
educação, as quais, como é pontuado por Márcia Abreu, passam a
reconhecer que há culturas, literaturas, cânones, pluralidades, de
forma que entre elas deve haver mais possibilidades do que apenas a
sua hierarquização.
Os estudos universitários, com a ajuda da Estética da Recepção
(originada dos trabalhos de Hans Robert Jauss, na década de 60 do
século XX), abrem-se a essa horizontalização do conhecimento e se
voltam para o que antes era esquecido. Uma leitura formalista do
texto literário, totalmente desvinculada da realidade social, cultural
dos que travam contato com o texto passa a ser questionada e será,
aos poucos, substituída por uma nova concepção na qual se entende
que os textos são plurais, abertos a distintas leituras, assim como os
leitores também são diversificados. Certamente, um leitor de Romeu
e Julieta, de Shakespeare, do século XVI é completamente distinto de
um leitor inglês do século XXI, ou ainda de um leitor que leia essa peça
hoje no Brasil. A Universidade tem papel importantíssimo no
reconhecimento de que a relação erótica e amorosa do leitor com o
texto pode ser tão plural quanto for o número de leitores.
Chancelado pelos estudos e pelas pesquisas universitárias, o
ensino básico ampliou os campos de abrangência no que diz respeito
à leitura e formação do leitor de maneira que, atualmente, é comum
que os alunos estudem não somente autores clássicos, mas também
literatura de cordel, música popular entre outros elementos que levam

- 29 -
em conta a afirmação de que uma obra literária não é boa ou ruim e
que esse julgamento depende do ponto de vista de quem o faz.
A Universidade, enquanto espaço que ratifica o
descentramento dos valores hierárquicos referentes à literatura, não
deve mais privilegiar somente aquela obra que antes era tida em “alta
conta”, ou “clássica”, mas deve dar espaço a outros escritos de cunho
mais “popular” e de “massa”, que vá ao encontro daquilo que Todorov
apresenta como uma das chaves para se salvar a literatura de um
possível perigo de silenciamento: saber que “todas as grandes obras,
qualquer que seja a sua origem, demandam uma reflexão dessa
dimensão [da existência humana]” (TODOROV, 2010, p. 90).
O ensino universitário passou, dessa forma, a também olhar
para os Outros, abrir suas portas para uma ampla gama de alteridades
e isso foi feito, não com uma simples recusa do cânone do tradicional
e dos métodos tradicionais de ensino, mas, sim, a partir de uma
discussão destes e de um ‘repensar’ o cânone muitas vezes unívoco de
forma a pluralizá-lo. E isso é muito bem exemplificado por Guglielmo
Cavallo e Roger Chartier (1999), em História da leitura no mundo
ocidental Vol. 2, no instante em que demarcam que, a partir da
segunda metade do século XX, houve sintomas de recusa explícita do
cânone tradicional, partindo de setores cada vez mais amplos e
conscientizados, condicionados, não mais por mercados, ou por listas

- 30 -
elaboradas por “ilustres” pensadores, mas por orientações específicas
e peculiares. Essa recusa se deu, de início, na Universidade.
Os historiadores citam um movimento de calouros acontecido
na Universidade da Califórnia, em 1988, que contestou as obras
exigidas para leitura obrigatória e que representavam um paradigma
clássico da cultura europeia. Os jovens que participaram desse
movimento pediam que o cânone fosse modificado, tornando-se mais
“americano” e que nele fossem incluídos também autores africanos ou
sul-americanos. É muito interessante notar que esse movimento se
espalhou pelo país e tem, em seu cerne, um desejo democrático de
pluralizar a ideia de cânone dando voz e abertura a culturas, vozes
distintas das estabelecidas como de mais alto prestígio.
E, no caso de Brasil e de Portugal, destaco que, a partir do
Modernismo, autores à margem começaram a publicar suas obras, a
serem lidos e, paulatinamente, abriram espaço para os escritores que
lhes sucederam. São exemplos disso, em Portugal, António Botto,
autor de poesias de caráter abertamente homossexual e Florbela
Espanca, uma mulher escrevendo sobre os seus sentimentos íntimos e
desejos; e, no Brasil, mais próximo de nós temporalmente, Caio
Fernando Abreu; e, aos poucos, as figuras femininas também ganham
voz, como Raquel de Queiróz, Cecília Meireles e Clarice Lispector. Não
poderia me esquecer do caso espantoso de Carolina Maria de Jesus
que, moradora de favela, negra, pobre, vivendo à custa de catar papel,

- 31 -
escreveu Quarto de Despejo, trabalho somente foi publicado em 1960
após o jornalista brasileiro Audálio Dantas ter visitado a favela do
Canindé e se encantado com a lucidez daquela mulher – essa obra hoje
é de suma importância no Brasil.
A Universidade enquanto instância de poder que pesquisa e
constrói as balizas para a Educação Básica, além de formar os
profissionais capacitados para atuar efetivamente no espaço escolar,
ao modificar o seu modo de compreender a literatura e a leitura
literária, descentrando-a e pluralizando-a, necessariamente,
possibilitará que o ensino básico em algum momento acompanhe esse
movimento, não mais educando cidadãos que apenas sabem dizer
acerca das técnicas linguísticas e estilísticas que há na construção de
uma obra literária, mas que forme leitores de literatura e do mundo
capazes de assumir o papel ativo na construção do saber, na leitura e
na construção de seu próprio cânone, de forma que cada livro fale
diretamente com cada leitor e que, dessa relação, nasça uma
construção de conhecimento crítico capaz de permitir àquele que lê
incluir ou não o texto lido entre os seus interesses.
Hoje, conforme afirma Ítalo Calvino, o rendimento máximo da
leitura dos clássicos advém de quem sabe alterná-la com a leitura da
atualidade, ou seja, com todas as tecnologias. Dessa forma, ele não
prevê, assim como também não o faz Roger Chartier em A aventura do
livro: do leitor ao navegador (1999), a morte ou o fim da leitura e do

- 32 -
livro em detrimento das tecnologias, mas a coexistência de ambos, de
maneira que, desde a escola, o sujeito possa se tornar hábil usuário de
ambas, crítico de si e da sua própria realidade.

- 33 -
Referências

ABREU, Márcia. Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: Editora


UNESP, 2006.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional. Brasília: Ministério da Educação, 1996.

______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa (5ª à 8ª
séries). Brasília: Ministério da Educação, 1998.

______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e


Tecnológica. PCN+: Ensino Médio – Orientações Educacionais
Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília:
Ministério da Educação, 2002.

______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica.


Orientações Curriculares para o ensino Médio, Volume 1. Brasília:
Ministério da Educação, 2006.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. Trad. Jaime Ginsburg. São Paulo:


Perspectiva, 2008.

CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger (org.). História da leitura no


mundo ocidental. São Paulo: editora ática, vol. I, 1999.

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Trad. Nilson Moulin. São
Paulo: Cia das Letras, 2007.

CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Trad. Fulvia M Moretto. São


Paulo: Editora UNESP, 2012.

______. A leitura do livro: do leitor ao navegador. Trad. Reginaldo de


Moraes. São Paulo: Editora da UNESP, 1999.

- 34 -
COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Trad. Laura Brandini.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo:


Martins Fontes, 2006.

LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil.


São Paulo: Ática, 19996.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Trad. João


Batista Kreuch. Petrópolis: Vozes, 2013.

______. Que é a literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo:


Editora Ática, 1993.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de


Janeiro: Difel, 2010.

ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: Editora
Senac, 2001.

- 35 -
Entre a tradição do livro didático e a utilização de poemas
históricos nos anos iniciais

Rosiane Marli Antônio Damazio4


Cristiani Bereta da Silva5

Introdução
Neste estudo trabalha-se na perspectiva de explorar obras
literárias que têm por mote a História Local de Garopaba/SC,
excluindo, no entanto, livros entendidos como propriamente
históricos, ou seja, escritos com a finalidade maior de narrar a história
do lugar. Volta-se, então, para duas obras: “Homenagem a Garopaba:
‘Poesia’ – Garopaba do passado e do presente” (1993), de autoria de
Manoel Valentim, professor garopabense, dos anos iniciais,
aposentado e pastor evangélico e “Versos do Moriço: Garopaba”
(2007), fruto dos versos que o pescador afro-brasileiro Maurício dos
Passos (Garopaba, 1944 – 2014) ditava para que outros registrassem,
já que era analfabeto.

4
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do
Estado de Catarina (UDESC). Bolsista da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e
Tecnológica do Estado de Santa Catarina (FAPESC).
5
Doutora em História. Professora Associada do Departamento de História e dos
Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UDESC. Bolsista
Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).

- 36 -
Tais livros emergem da chamada cultura histórica: um
entrelaçar de vivências, memórias, tradições, invenções, numa
simbiose que não a torna homogênea tampouco uniforme, mas, que,
no entanto, dá vida a acontecimentos singulares que circulam em
“nosso sangue”, ou seja, constituem nosso ser. Por meio de tais fontes
pretende-se adentrar ao ambiente escolar e sua cultura, com a
inquietação de verificar se os professores costumam utilizá-los em
suas aulas e/ou as possuem no acervo escolar, realizando, ainda, um
contraponto com o livro didático “Uma aventura pela história e
geografia de Garopaba” (FARIAS, 2011), adotado pela rede municipal
de ensino da referida cidade, a partir de 2012.
Os outros registros em forma de livro que remetem a História
de Garopaba foram, como os selecionados para essa discussão,
produzidos entre as décadas de 1990 e os anos iniciais do corrente
século, sendo eles: “De Igara-Mpaba a Garopaba: Sete mil anos de
História” (2003), de Luiz Fernando Alves Bitencourt; “História de
Garopaba da armação baleeira a comarca” (2007), de Manoel
Valentim. Escapa dessa periodização apenas uma obra: “1830-1980:
São Joaquim de Garopaba Recordações da Freguesia”, de José Artulino
Besen, publicado em 1980, a qual considera-se como resultante de
uma operação que faz uso de regras estabelecidas pela comunidade
acadêmica, ou seja, consiste em historiografia, conforme Certeau
(2002) e Ricoeur (2007).

- 37 -
Miudezas da vida: a história de Garopaba narrada por meio de versos
As obras ora abordadas têm forte viés da cultura de tradição
oral: “veículo acumulador de significados novos ao longo da história
cultural dos homens” (SOUSA, 2011, p. 47). Os versos são elaborados
por meio de conhecimentos populares, do que vem passando de
geração a geração sendo contado e recontado, transmitindo, assim,
valores, crenças, visões de mundo e culturas morais. Se considerarmos
que Garopaba, assim como diversos lugares do interior do Brasil, viveu
longos anos sob a égide do analfabetismo, é compreensível que muito
do que hoje se sabe sobre o modo de vida dos antepassados locais
deva-se a tradição oral.
Os registros escritos restringiam-se aos documentos
eclesiásticos ou cartoriais. Os nomes dos lugares, os remédios
caseiros, dentre toda sorte de estratégias de vida eram repassados
boca a boca, por meio da palavra. Foi assim que se constituiu um
substrato cultural que agrega os conhecimentos Guarani, afro-
brasileiro e açoriano, numa mistura eclética, mas que aos poucos foi
deixando o protagonismo para o branco europeu, em detrimento das
culturas africana e Guarani. Isso se deu, justamente, quando esses
fazeres e saberes populares adquiriram a forma estática de folclore e
colocaram a cultura europeia como matriz cultural preponderante. No

- 38 -
entanto, nos versos sobre Garopaba, ainda é possível encontrar
aspectos que imbricam todas essas expressões culturais.
Fruto da tradição oral, “Versos do Moriço: Garopaba” (2007),
narra situações que Maurício dos Passos sabia por ter presenciado ou
porque ouviu dizer. No livreto de oitenta e quatro páginas, o autor vem
logo anunciando quem teceu aqueles versos: na contracapa aparece a
cópia de sua carteira de pescador e, na primeira página, uma fotografia
acompanhada de um breve verso que o apresenta.

Eu vivo em Garopaba
Natural deste lugar
Pois nunca aprendi a ler
Por isso vivo a pescar
O que trago pra comer
É um presente do mar (PASSOS, 2007, p. 01)

É possível estabelecer, por meio dos versos, um diálogo com o


modo de viver e ver o mundo de Maurício dos Passos. A obra resultou
da compilação de versos que costumava ‘tirar’ para os amigos
pescadores e para os companheiros de boteco. Maria Nadir Araujo de
Souza, Secretária Municipal de Educação de Garopaba (gestão 2009 –
2016), foi uma das pessoas que registrou seus versos. “Meu pai tinha
venda e o Seu Moriço estava sempre por lá. Ele ditava os versos e eu
escrevia nos papéis de embrulho”.6 A ligação que tinha com a família

6
Conversa informal realizada em 17 de abril de 2014, na Secretaria Municipal de
Educação de Garopaba/SC.

- 39 -
de Maria Nadir fica evidente em seus versos, já que dedicou grande
parte de seus poemas a Secretária de Educação e sua família,
demonstrando uma relação de amizade que vem desde os tempos de
criança de Maria Nadir – menina que viu crescer, se tornar professora,
esposa e mãe.
A riqueza dos versos de Maurício dos Passos está na
representação que elabora sobre o cotidiano dos pescadores; a luta
das famílias comuns pelo sustento; dos quilombolas, dos quais
descende e que aparecem como protagonistas de uma história de
Garopaba pouco conhecida. Traz elementos relativos à colonização do
município ao comparar passado e presente; enfim, uma obra simples,
mas com potencial para ser explorada no ensino da História Local de
Garopaba, como no excerto em que se refere ao fundador do
Quilombo Morro do Fortunato:

No Fortunato nasceu
E ali mesmo cresceu
Um negro trabalhador
Este homem que estou falando
Hoje estou lembrando
Que muito dinheiro emprestou

Hoje me lembro quieto


De quem sou bisneto
Tem anos, meses ou semana
Pego a lembrar do bisavô
Que da minha mãe era avô
Chamada de Joana

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Tinha mulher e filha
Ali formou família
Ajudou irmão e cunhado
Não faltava pão na mesa
Tinha ali uma riqueza
O café que foi plantado (PASSOS, 2007, p. 34)

Maurício dos Passos foi narrador do que viu ou ouviu dizer,


fonte ao qual recorrem todos os narradores, despertando prazer
naqueles que o escutaram. Essa é uma característica comum aos
narradores, com já enunciou Walter Benjamin (2012, p. 214): “A
experiência que passa de boca em boca é a fonte de todos os
narradores”. E não é necessário conhecer muitos lugares e situações
para se tornar um grande narrador, afinal, “‘Quem viaja muito tem
muito pra contar’, diz o povo [...]. Mas também escutamos com prazer
o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair do seu país e
que conhece suas histórias e tradições” (BENJAMIN, 2012, p. 214). O
registro escrito de suas narrativas garantiu que outros, para além de
seus contemporâneos, possam conhecer algumas histórias de
Garopaba, histórias essas que não se distinguem das que costumava
contar para os que se dispunham a ouvi-lo.
O poeta pescador deixou como legado uma obra simples,
marcada por sua fé cristã e pelo misticismo religioso, típico dos
homens do mar e daqueles que aprenderam a enfrentar a vida
seguindo os ditos dos mais antigos, de uma tradição que teve na
oralidade seu veículo transmissor.

- 41 -
Sou filho de Pai de Santo
Rezo pra Deus toda hora
Quando saiu pro serviço
Ou quando eu vier embora
Que um anjo me acompanhe
Junto com a nossa Senhora (PASSOS, 2007, p. 25)

“Homenagem a Garopaba: ‘Poesia’ – Garopaba do passado e


do presente” (1993) foi escrita pelo Professor aposentado, Manoel
Valentim, nascido em Garopaba em 1927. Filho de agricultores, deixou
de estudar aos doze anos em função da morte do pai. Retomou os
estudos aos dezoito anos, cursando o supletivo no período noturno. Já
ministrava aulas quando fez o exame de admissão e se formou
professor no Curso Normal Regional do município de Palhoça (SC), a
qual Garopaba pertencia antes da emancipação em 1961. O livro mede
11 x 16 centímetros e possui 100 (cem) páginas onde estão distribuídas
627 (seiscentas e vinte e sete) estrofes constituídas por quatro versos
cada. Os versos exaltam as belezas locais e os feitos dos políticos, mas,
também, apresentam informações bastante pertinentes a História
Local das pessoas comuns, elencando crenças, costumes e valores,
constituindo-se em importante material de ensino. Esse
entrelaçamento de temáticas revela que as narrativas dos homens
comuns são urdidas com fios de texturas, cores e dimensões variadas,
exprimindo seus sentidos dentro de um determinado contexto
cultural. Além disso, os fatos não acontecem isoladamente sendo que

- 42 -
na narrativa eles são incluídos e excluídos num ir e vir de palavras que
se completam. Eis alguns versos:

De tudo os índios eram donos.


Ninguém vendeu nem comprou.
Mas quando os brancos chegaram,
A situação mudou!

Surgiram os primeiros engenhos.


Trazem os escravos, os senhores.
Para trabalhar no pesado,
Sofrendo tantos dissabores.

Ergue-se uma cruz, uma capela.


Chega uma imagem, um capelão.
Domingo lá vai o povo,
Fazer sua devoção.

Lavrador lá na coivara
Corta lenha e amontoa.
Os pescadores ao lado
Modelam sua canoa.

Partindo os índios com mágoa


Incertas flechas atiraram.
Ficando como lembranças
Para aqueles que as acharam.
(VALENTIM, 1994, p. 11-13)

Seus versos expressam a tradição oral que circulava na região


onde morava – o bairro Encantada. Fala de situações pertinentes ao
imaginário popular em relação aos Guarani e os vestígios que deixaram
no lugar, referindo-se as pontas de flechas que já foram encontradas
na região; sobre a troca de mercadorias que se estabeleceu entre

- 43 -
pescadores e agricultores; dos remédios caseiros e benzeduras; da
arquitetura e dos mobiliários; da alimentação; dos divertimentos; das
disputas e tensões entre os moradores de comunidades distintas e
entre os próprios vizinhos; da República Juliana e da Revolução de
Trinta; da fala peculiar dos moradores locais e de tantos outros
aspectos da vida cotidiana que vão sendo descobertos na cadência da
leitura. Abordam as soluções que as pessoas comuns encontraram
para problemas rotineiros, em um contexto circunscrito – a vida
hodierna em Garopaba até o início do turismo nos anos de 1970. Para
Marieta de Moraes Ferreira:

As drásticas e aceleradas mudanças nas sociedades


contemporâneas geram movimentos sociais
majoritariamente fragmentados, locais, com
objetivos específicos e efêmeros. Nesse contexto,
as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de
identidades primárias (religiosas, étnicas,
territoriais, nacionais) como forma de lidar com a
diluição de fronteiras e a fragilização das tradições
e dos laços interpessoais. (FERREIRA, 2002, p. 325).

Seguramente, os versos emergem em um momento de


transição socioeconômica e cultural dos municípios da orla
catarinense, motivando a preocupação em resguardar o passado
diante da intensidade das investidas do turismo e suas novidades. Na
perspectiva de Ferreira (2002, p 321), “na rememoração, nós não
lembramos as imagens do passado como elas aconteceram, e sim de

- 44 -
acordo com as forças sociais do presente que estão agindo sobre nós”.
A ação de tais forças pode ser lida nos versos que seguem:

A cidade vai crescendo.


Tudo vai se modificando.
O povo troca os costumes
Por outros que vão chegando.

No verão é um corre-corre,
Com a chegada dos turistas.
Grandes multidões nas praias.
O movimento nas pistas. (VALENTIM, 1993, p. 72)

Considera-se que as obras em questão, pertinentes a História


Local de Garopaba, têm valor histórico, pois permitem identificar
diversos aspectos da cultura local relativos ao imbricamento dos
conhecimentos das etnias Guarani, africana e europeia; o
enfrentamento as incertezas do mar; às técnicas de pescaria e
conservação dos pescados; a produção de bens agrícolas e a economia
de subsistência; a relação com o meio ambiente; as soluções
encontradas por meio de ervas medicinais e rituais de benzedura para
enfrentar as doenças; as formas de diversão; os valores morais que
orientavam as práticas sociais; a cultura política; os cultos religiosos e
suas manifestações; a toponímia; os sabores mais apreciados na
culinária e tudo uma gama de singularidades das vivências dos
garopabenses vigentes até os anos de 1980.
Nos poemas, não há indicativos que os autores vejam alguma
tradição como majoritária, citando costumes e valores sem se referir

- 45 -
à procedência cultural. As narrativas em questão são representações
de tempos idos, delineadas a partir do lugar social de seus autores e
seus próprios sentimentos. Do pescador vêm os versos que narram às
dificuldades da vida na pesca, as intempéries climáticas, a pobreza e o
difícil acesso que os afro-brasileiros tinham em relação à escola bem
como a forte ligação dos mesmos com a fé cristã, revelando que a
aceitação das dificuldades vinha dos céus. Os versos do professor,
apesar de priorizarem belezas naturais e ações dos políticos, são
repletos de miudezas da vida, de saberes e sabores populares, do
imaginário e, também, da fé. Todas essas informações e referências
constituem um material rico e diversificado a ser explorado no ensino
de História, sendo essa a preocupação que guiará o texto que segue.
Assim, apresenta-se o livro didático produzido pela Secretaria
Municipal de Educação e Cultura (SMEC) em parceria com o Grupo de
Pesquisa em Educação Patrimonial e Arqueologia da Universidade do
Sul de Santa Catarina (Grupep/Unisul), adotado, a partir de 2012, pela
rede municipal de ensino, nas turmas do 4º ano do ensino
fundamental, intitulado “Uma aventura pela história e geografia de
Garopaba”, organizado por Deisi Scunderlick Eloy de Farias, em 2011.
Logo na apresentação do livro, a SMEC7 deixa claro que foi a demanda
pedagógica das professoras da rede quem deu tônus ao projeto:

7
A apresentação não é assinada pelo(s) autor(s), mas sinalizada como produção da
Secretaria Municipal de Educação.

- 46 -
Em uma iniciativa pioneira no Município, a
Secretaria de Educação em parceria com a
Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul
buscou atender uma necessidade da comunidade
escolar: a sistematização dos conteúdos dos
primeiros anos do Ensino Fundamental. [...] Além
de auxiliar os professores nas atividades formativas
em sala de aula, este busca levar o reconhecimento
do Patrimônio natural e histórico de Garopaba para
que as novas gerações possam valorizar suas raízes
e sua terra. (SMEC apud FARIAS, 2011, p. 05, grifos
nossos)

Ao organizá-lo, tendo por base o Planejamento Anual de Ensino


de História e Geografia para o 4º ano, as autoras se desdobraram para
conseguir abordar todas as temáticas, das duas disciplinas, em um
livro de sessenta e quatro páginas, no formato, aproximado, de meia
carta8. Contudo, os principais aspectos históricos e geográficos de
Garopaba são abordados no livro.
Evidentemente, existem algumas fragilidades na obra,
principalmente, em relação ao vasto enfoque dado aos sítios
arqueológicos em detrimento, por exemplo, da presença dos afro-
brasileiros na constituição da cultura local, sendo os dois quilombos
existentes no município, praticamente, ignorados. As próprias
referências bibliográficas que o embasam explicitam o quanto seu foco
está na chamada “pré-história” local: do total de vinte e seis
referências, doze se relacionam a arqueologia, sendo cinco voltadas

8
22 X 14 cm.

- 47 -
para a geografia, cinco trabalhos acadêmicos sobre Garopaba, uma
relativa ao povoamento açoriano do litoral catarinense, sendo citados,
ainda, três livros da história oficial de Garopaba. Os livros de versos
que abordamos anteriormente não foram utilizados com fonte para a
composição do livro didático.
No entanto, há uma série de fotografias e ilustrações, em torno
de cinquenta, que, por si só, abrem caminho para uma exploração
didática importante. Vale salientar, que a boa apresentação do livro,
em termos gráficos, tem a função de chamar a atenção dos
estudantes, instigando a leitura e, como isso, fomentando a aquisição
do conhecimento histórico. Contudo, é frágil no que diz respeito às
atividades propostas, priorizando “certas habilidades ou operações
mentais de cunho mais didático do que relacionados ao pensamento
histórico” (CAINELLI, 2010, p. 28). Muitas vezes, é o próprio livro
didático quem elabora as estruturas e as condições de ensino para o
professor, pois, para além dos textos e das imagens, apresenta
exercícios, questionários, sugestões de trabalho, enfim as tarefas que
os estudantes devem desempenhar no processo de aprendizagem (ou
não!) dos conteúdos selecionados. Ou seja, muitas vezes o livro
didático acaba definindo o modo pelo qual os conteúdos serão
ensinados (BITTENCOURT, 2006).
Mas é possível desencadear outro tipo de relação entre
professores e livros didáticos? Para uma das autoras de “Uma

- 48 -
aventura pela História e Geografia de Garopaba”, Elaine Coelho da Luz,
quando o projeto do livro teve início a ideia era que, após seu
lançamento e antes de sua distribuição nas escolas, houvesse uma
formação com as professoras que iriam utilizá-lo, mas isso acabou não
acontecendo. Assim, o material chegou às escolas e vem se tornando
uma espécie de ‘cartilha’ quando, efetivamente, deveria mediar o
conhecimento e não o mostrar como pronto e acabado, mas, por
diferentes motivos, muitas vezes, a atividade docente se limita as
páginas do livro didático. A busca de um novo sentido para ensinar
História não descarta o livro didático, mas sugere olhar os conteúdos
como possibilidades de levantar novos questionamentos, discutir
evidências e estabelecer diálogo com os sujeitos históricos em tempos
e espaços diferenciados.
Sabe-se que o livro didático é um artefato cultural que foi
inserido na cultura escolar desde, praticamente, a organização do
modelo escolar vigente, desta forma passou a ser considerado como
algo imprescindível, sem o qual o ensino não se faz e, apesar das
críticas, o conteúdo veiculado acaba sendo bem-vindo. Ou seja, o livro
didático é um dos elementos constitutivos da prática pedagógica do
professor, seja utilizado como guia ou apoio, o que se percebe é que
essa fonte didática se tornou uma ferramenta indispensável à maioria
dos professores, sobretudo para as disciplinas que, como a História,
trabalham com um volume maior de textos escritos.

- 49 -
Perfil da História Local ensinada nos anos iniciais das escolas de
Garopaba – SC
Mesmo tendo clareza que a escola não é responsável pela
constituição de uma cultura histórica, que essa se estabelece por meio
das experiências vivenciadas pelas sociedades em determinados
tempos e espaços, perpassadas por variáveis processos e práticas,
coube a instituição escolar sedimentar determinada cultura histórica.
A História só se torna, efetivamente, objeto de ensino impulsionada
pela Revolução Francesa, tal qual indicou Le Goff (1990), quando as
massas tiveram acesso à escola sistematizada. Assim, no século XIX
passou a existir a difusão de uma cultura histórica, sendo os
compêndios escolares os mais profícuos nessa tarefa. Segue-se,
praticamente, com o mesmo modelo de escola inaugurado no
período; portanto, a escola segue auxiliando, decisivamente, na
difusão de dada cultura histórica.
Por meio de entrevistas constitui-se um perfil da História Local
ensinada nas escolas da rede municipal de Garopaba. O mesmo
procedimento, também, indicou qual material didático fundamenta o
trabalho pedagógico. A professora Maria Odete Adelino de Carvalho
(50 anos), que atua na rede desde quando concluiu o curso de
Magistério (1991) salientou que, atualmente, está mais fácil trabalhar
a história do município, porque “Tem todo material pronto, num livro

- 50 -
com informações precisas e bem ilustrado. Não precisamos mais
recorrer às velhas apostilas9, é só pegar o livro didático e seguir as
aulas, não se sai muito dele por que está tudo ali. É só trabalhar”.10
Valdira Teixeira Correa (48 anos), atualmente é diretora do Centro
Educacional de Ibiraquera, mas, entre os anos de 1990 e 2008,
trabalhou como professora dos anos iniciais. Ela relatou, que “dava
aula seguindo o material que o seu José Alves organizava. Não usava
um livro pra dar aula de história de Garopaba, a gente só usava a
apostila dele”. 11
Durante as entrevistas, pedi que as professoras falassem dos
livros que conheciam sobre a história de Garopaba. Ambas sinalizaram
que conhecem todas as obras e que já realizaram leituras parciais das
mesmas, mas que não as utilizaram em suas aulas porque não têm
uma linguagem apropriada para as crianças. No entanto, quando
explicavam determinado conteúdo procuravam enriquecê-lo com
informações dos livros. “Os livros de Seu Manoel Valentim, do
Fernando e do padre eram usados para enriquecer as aulas, mas o livro

9
Material organizado por José Alves, professor que coordenou o ensino de História
e Geografia na rede municipal entre a década de 1990 e o início do século XXI. No
entanto, as apostilas começaram a ser organizadas no início da década de 1980,
quando José Alves se tornou professor.
10
Entrevista realizada em 12 de janeiro de 2015, na residência da entrevistada, à
Avenida Porto Novo, Praia do Rosa, Imbituba/SC (20 min. de duração).
11
Entrevista realizada em 17 de janeiro de 2015, na residência da entrevistada, à Rua
Vereador Laudelino Antônio Teixeira, Grama, Garopaba/SC (18 min. de duração).

- 51 -
do Seu Moriço só conheci há pouco tempo, não li quase nada”.12
Atualmente, no acervo da escola, só existem os livros didáticos
enviados pela SMEC. As professoras afirmam que havia o livro de
Besen (1980), de Bitencourt (2003) e o livro de Valentim (1993), mas
que os exemplares foram extraviados. “Tinha um livro que era da
igreja, que foi um padre quem escreveu, que nós professores às vezes
usávamos pra saber alguma data, coisa assim, mas como a gente não
tinha muito conhecimento do assunto não foi muito usado”.13
Justirene Zanelato da Silveira (38 anos)14 que é Coordenadora
Pedagógica do Centro Educacional de Ibiraquera, mas que atuou por
oito anos com a 3ª série (atual 4º ano), também falou sobre a presença
dos livros no espaço escolar, enfatizando que o material usado nas
aulas de História é o livro didático:

Tem o da Elaine15, o amarelinho da Elaine, esse do


Fernando, de capa dura, outro dia eu vi na sala dos
professores, tá circulando por aí. E tem aquele que
tem a igreja na capa, esse também anda por aí
xerocado, as professoras estão usando pra estudar
pro concurso. Mas as professoras não dão aula com
esses livros, a base agora é o da Elaine. Usam esse
livro por que ele está bem dentro do conteúdo, tá

12
Idem.
13
Idem.
14
Entrevista realizada no Centro Educacional de Ibiraquera, localizado à Estrada
Geral do Ouvidor, bairro Ibiraquera – Garopaba/SC, em 16 nov. 2015 (27 min. de
duração).
15
Ao falar “livro da Elaine”, a professora está se referindo ao livro “Uma aventura
pela história e geografia de Garopaba” (FARIAS, 2011).

- 52 -
igual ao plano de curso. Eu acho que o plano de
curso foi feito com base nele ou ele com base no
plano de curso.16

Ao acompanhar as aulas da professora Emerenciana Maciel (32


anos), efetiva na rede municipal de ensino desde 2012, junto ao 4º Ano
do Ensino Fundamental, no Centro Educacional de Ibiraquera –
Garopaba/SC, durante o ano letivo de 2014, percebeu-se que
desenvolve suas aulas a partir do livro didático “Uma aventura pela
história e geografia de Garopaba” (2011). A professora costumava
explicar o conteúdo do livro, solicitar que os estudantes lessem o texto
e, ao final de um rol de conteúdos, aplicar uma avaliação no modelo
prova sem consulta. Também, solicitou trabalhos de pesquisa, tal qual
entrevista com pessoas mais velhas sobre brincadeiras tradicionais e a
educação no município.

Para dar aula de História eu uso os recursos


disponíveis, principalmente o livro História e
Geografia de Garopaba e sites da internet.
Também gosto de trabalhar com pesquisas,
pedindo pras crianças conversar com pessoas mais
velhas que conhecem a história daqui. A gente tem
tanta coisa pra trabalhar que quando tem um
material com tudo certinho, como o livro de
Garopaba, a gente tem que aproveitar e explorar
bem.17

16
Entrevista realizada em 11 de novembro de 2015, no CEI de Ibiraquera,
Garopaba/SC (35 min. de duração).
17
Entrevista realizada em 09 de janeiro de 2015, em minha residência, a Rua do
Ouvidor, 1287, Campo Duna, Garopaba/SC (13 min. de duração).

- 53 -
O Plano de Curso que a SMEC organizou para 2014, e que
segundo os professores, não mudou em quase nada desde a década
de 1990, elenca somente conteúdos presentes no livro didático, o que,
segundo a professora Emerenciana, facilita bastante o trabalho em
sala de aula, pois “tem tudo ali, inclusive na ordem que a gente tem
que trabalhar”.18 Quanto à utilização das demais obras sobre a história
de Garopaba, informou que não conhecia os dois livros escritos em
forma de versos, mas que iria procurar trabalhar com eles.
Experiência do legado da ação humana no tempo e experiência
escolar são mobilizadas na constituição do conhecimento histórico,
nesse sentido “aprende-se com o que se encontra ou com que nos
encontramos, inversamente, aprendem conosco aqueles com quem
convivemos [...] os processos de mediação são constantes e
intercambiáveis (MARTINS, 2011, p. 09). Dentro de tal premissa,
embora o livro didático coloque-se como peça chave na definição do
conteúdo escolar de História, enfatiza-se que há outros elementos que
se entrelaçam de modo a constituir o conhecimento que o professor
irá mediar junto aos estudantes. Sim, pois o indivíduo que se encontra
na condição de professor tem sua própria bagagem histórica,
constituída na vivência diária e, sobretudo, nos anos de escolarização
da educação básica, já que a disciplina História o acompanhou desde

18
Idem.

- 54 -
seu ingresso nos anos iniciais até a conclusão do ensino médio. Nesse
sentido, atribuir aos cursos de formação em Pedagogia toda
responsabilidade por certos desafios e limitações que os professores
se deparam ao ensinar História não parece justo. No entanto, essa é
uma situação que preocupa os formadores de pedagogos, como
explicitou Clarícia Otto (2013):

É necessário pensar na formação de professores,


haja vista que os primeiros anos de escolarização
são de suma importância, dado que muitas
representações obtidas no tempo de criança vão
perdurar ao longo da vida adulta. Nesse sentido, é
necessária uma série de cuidados acerca do ensino
da História e da maneira de compreendê-la. (OTTO,
2013, p. 169)

Voltando a circulação e presença dos livros relativos a história


de Garopaba, após visitar todas as escolas da rede, foi possível
organizar o gráfico 1, que demonstra a quantidade de cada uma das
obras presente no acervo das instituições. Destaca-se que somente o
livro didático “Uma aventura pela história e geografia de Garopaba”
(2011) tem espaço reservado no acervo bibliográfico de todas as
escolas da rede municipal de Garopaba. Os demais livros aparecem
num percentual bastante reduzido: vinte e três por cento das escolas
possui Besen (1980), Valentim (1993), Bitencourt (2003), por outro
lado, Passos (2007) aparece em quarenta e seis por cento das unidades
escolares. Uma justificativa para tal situação?

- 55 -
Para Maria Nadir Araújo Souza, Secretaria Municipal de
Educação (professora de História efetiva da Escola de Educação Básica
Professor José Rodrigues Lopes), esta situação se deve ao comodismo
causado pela distribuição do livro didático: “Elas querem tudo pronto,
acham que não precisa mais nada, só trabalhar o livro, mas nós
sabemos que não pode ser por aí, que tem que pesquisar e enriquecer
as aulas”.19 A argumentação da Secretária se alinha a fala das
professoras entrevistadas, pois como visto anteriormente, há as que
consideram o livro didático como principal recurso, já que traduz as
orientações do plano de ensino municipal.

Gráfico 1 – Presença das obras sobre a história de Garopaba nos acervos das
treze escolas municipais de Ensino Fundamental I – Garopaba/SC.

13

6
3 3 3 3

1830-1980: Homenagem De Igara- História de Versos do Uma


São Joaquim a Garopaba: Mpaba a Garopaba da Moriço aventura
de Garopaba ‘Poesia’ – Garopaba: armação (2007) pela história
RecordaçõesGaropaba do Sete mil baleeira a e geografia
da Freguesia passado e anos de comarca de Garopaba
(1980) do presente História” (2007) (2011)
(1993) (2003)

Fonte: Pesquisa acadêmica (2015/2016), editado pela autora.

19
Conversa informal realizada na SMEC em 14 mar. 2016.

- 56 -
Contudo, essa regra não se mostra exclusiva: a professora
Maribel Aguiar (48 anos) relatou que não trabalha só com o livro
didático e que, na verdade, o usa bem pouco. Tal atitude pedagógica
ocorre porque o livro didático acaba sendo usado nos anos anteriores
e quando chegam ao 4º ano, as crianças já estão cansadas do livro.
Dessa forma, a professora procura utilizar os textos e apostilas que
mantem em seu armário e desenvolver pesquisas e entrevistas junto
aos moradores mais antigos. Em ser assim, comodismo não representa
a relação estabelecida entre professores e livro didático, sendo mais
apropriado o uso do termo segurança, já que o material se mostra
completo, afinal, é o recurso didático subsidiado pela rede.
Depois do livro didático, “Versos do Moriço: Garopaba” é a
obra que existe no maior número de escolas, encontrado em seis
delas. Porém, a existência material do livro não significa que venha
sendo utilizado para explorar a história de Garopaba. “A gente tem o
livro, temos até dois, mas nunca foram utilizados” (Ana Paula Raupp,
diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental - EMEF Aduci
Arbuis do Nascimento - Siriu)20. Em duas escolas as professores
explicaram que usaram o livro quando trabalharam o gênero21 poema.

20
Entrevista realizada em 03/02/2016 na EMEF Aduci Arbuis do Nascimento – Siriu,
Garopaba/SC (16 min. de duração).
21
A metodologia de ensino da Língua Portuguesa na rede municipal de ensino de
Garopaba/SC se dá por meio dos gêneros do discurso na perspectiva de Bakhtin
(1997).

- 57 -
“Nós compramos o livro do seu Moriço ano passado porque
desenvolvemos um projeto dos poetas garopabenses e alguns
catarinenses, mas nas aulas de História não foi utilizado” (Rosa Maria
de Souza, diretora da EMEF Ary Manoel dos Santos – Costa do
Macacu)22.
Não é possível afirmar que “Versos do Moriço: Garopaba”
(2007) foi assimilado pela cultura escolar de rede municipal de ensino
de Garopaba, no entanto, está começando a se fazer presente, sendo
lido como poema, fazendo com que os conteúdos históricos transitem
entre uma parcela, embora pequena, de estudantes e professores.
Essa visibilidade se tornou mais forte depois de sua morte em 2014, já
que o poeta pescador foi homenageado pela Câmera Municipal de
Vereadores com a criação “Espaço Permanente de Cultura Maurício
dos Passos – o Moriço”, no hall de entrada da casa legislativa. Além
disso, no corredor que dá acesso a SMEC há um banner com sua foto,
apresentando-o como “O poeta pescador de Garopaba”. A SMEC
informou que em 2014, na III Feira do Livro organizada pelo município,
Maurício dos Passos fez o lançamento de seu livro (editado e vendido
na praça desde 2007) e que a Secretaria comprou exemplares que
foram distribuídos para todas as escolas da rede. Além disso, informou
que o poder público municipal apoiava seu trabalho, já que custeava

22
Entrevista realizada em 03/02/2016 na EMEF Ary Manoel dos Santos – Costa do
Macacu, Garopaba/SC (18 min. de duração).

- 58 -
metade do valor necessário para publicação dos livros. “Ele gostava de
vender os livros na rua, aqui pela praça, gostava de conversar e dizer
seus versos” (Maria Nadir Araújo)23.
O livro “Homenagem a Garopaba – Poesia, de Manoel Valentin
(1993) é encontrado em poucas escolas - somente em três escolas, isto
é, vinte e três por cento. Os professores que atuam a mais tempo na
rede conhecem o livro, mas seu conteúdo não foi explorado nas
turmas que trabalharam. As miudezas da vida, narradas por Valentim
(1993), mostram-se difíceis de se encaixar nos conteúdos escolares
propostos para os anos iniciais, afinal não são textos que costumam
ser utilizados em aulas de História. Em geral, tira-se de versos a poesia
que subjaz e, mais costumeiramente, as coincidências sonoras que
ajudam as crianças a perceberem a repetição de sílabas e, nas turmas
mais avançadas, interpreta-se e produz-se novos textos a partir do
gênero e suas características como forma de discurso, tudo isso dentro
dos estudos de Língua Portuguesa.
Habituados a lidar com textos históricos do tipo informativo,
“mais didáticos”, como costuma-se ouvir, desbravar poemas históricos
não parece procedimento prático. Para encontrar informações
históricas nas páginas do livreto de Valentim (1993) seria preciso uma
leitura mais atenta, com objetivos definidos, pois correr os olhos

23
Conversa informal realizada em 17 de abril de 2014, na Secretaria Municipal de
Educação de Garopaba/SC.

- 59 -
realizando uma leitura dinâmica não contribui, significativamente,
para tal empresa. Ir além, procurar nas famosas entrelinhas, desviar
das rimas para encontrar o conteúdo histórico são possibilidades de
atravessar o limiar entre as palavras e o sentido, bem como os
sentimentos que carregam. Utilizar os versos em sala de aula,
deixando que as crianças os explorem, também trará bons resultados.
Muitas vezes, o professor quer encontrar um assunto pontual, tal qual
brincadeiras, por exemplo, como se fosse preciso ensinar uma coisa de
cada vez, ou dito de outra forma, como se a história coubesse em
gavetinhas. Esse aspecto, certamente, reduz as chances de explorar
historicamente os versos de Valentim em sala de aula, já que não
obedecem a uma lógica temporal fixa, pululando entre situações das
mais variadas.
Quanto a representatividade do livro didático, em termos
quantitativos, deve-se levar em conta que, em se tratando de História
Local de um município pequeno como Garopaba, de modo geral, o
alcance de uma obra didática acaba extrapolando os limites das
escolas, pois os estudantes os levam para casa, podendo então vir a
ser compartilhados com as famílias, dependendo, evidentemente, do
interesse das mesmas, ou seja, o livro didático é polissêmico,
produzindo sentidos a partir de seu uso. Desta forma, o livro didático
de Farias (2011) entra na disputa pelas memórias e representações,

- 60 -
pois se constitui em veículo transmissor que atinge um espectro além
do previsto para esse tipo de material.
Ousa-se, de certa forma, afirmar que esse é o livro de história
de Garopaba mais conhecido e lido no município. Para tanto,
considera-se que desde 2012 todos os estudantes que cursaram o 4º
ano do ensino fundamental, seja nas treze escolas municipais ou nas
duas estaduais, utilizam o livro, que é levado para casa quando há uma
avaliação a ser feita ou para resolver atividades. Mas, há escolas em
que a criança fica com o livro nos materiais que transitam entre casa e
escola por todo o ano letivo. Algumas escolas informaram, inclusive,
que já faltam livros, pois a cada ano o número que retorna dos
estudantes diminui.
Portanto, o material atinge uma parcela considerável da
população, o que torna ainda mais importante os usos e
encaminhamentos dados a História Local a partir dos textos, imagens
e atividades que veicula. São os ecos desse acervo impresso que
reverberam no processo de construção do conhecimento escolar e da
identidade local. Vale, ainda, salientar que o livro didático em uso na
rede municipal apresenta um apanhado geral da História, e, se bem
explorado pelos professores, abre diversas possibilidades aos
estudantes se reconheceram como sujeitos da História. Contudo, o
material precisa ser lido “a contrapelo”, como já pontuava Benjamin
(2012) e socializado junto às crianças, solidificando o ensino relativo à

- 61 -
História Local, já que a empatia com o vencedor ainda assombra a
História. Ler o texto procurando identificar o que ficou nas franjas
dessa trama pode conduzir a um “passado que só se deixa capturar
como imagem que relampeja irreversivelmente no momento de sua
conhecibilidade” (Benjamin, 2012, p. 243).

Considerações Finais
Quando vai dar aula, inevitavelmente, o professor dos anos
iniciais toma para si o modelo de ensino que recebeu e, embora haja
novas tendências metodológicas, há sempre um resquício do que
viveu na condição de estudante. O ensino de História linear, aditivo e
conteudista, baseado na decoreba de fatos, nomes e datas, permeou
a formação escolar dos professores que vêm atuando nas últimas
décadas. Assim, uma História não linear, problematizadora e
polissêmica ainda é um desafio para as escolas dos anos iniciais.
Talvez, a atual geração de professores, teve a sorte de receber
uma educação histórica de um professor que fez um trabalho
diferenciado, crítico, deixando o estudante construir seus
conhecimentos a partir de discussões e debates. Essa é uma
possibilidade, contudo, há de se levar em conta que mudanças na
cultura escolar demandam um período, às vezes, bastante longo para
acontecer. Além disso, dominar conceitos, teorias e métodos é ainda
mais complexo quando se trata do professor que atua nos anos iniciais

- 62 -
e precisa trabalhar conteúdos de todas as áreas do conhecimento
(OTTO, 2013, p. 173)
Ao ensinar História, o professor pode fazer escolhas
pedagógicas capazes de promover reflexões relativas aos valores e
práticas cotidianas, além do estabelecimento de relações entre o que
o estudante vive e a problemática histórica própria ao seu grupo de
convívio social, bem como as questões regionais, nacionais e mundiais.
O uso de literatura semelhantes aos versos enfatizados nesse estudo
poderia tornar a história mais atraente e inspiradora, dando um
enfoque libertador aos alunos. Porém, essa é uma iniciativa muito
particular, que depende da metodologia de ensino que o professor
desenvolve em sala de aula, ou seja, é preciso que se desprenda de um
jeito de trabalhar já arraigado na cultura escolar.
Os professores, dependendo do tempo que têm de magistério,
tiveram maior ou menor contato com os livros destacados:
“Homenagem a Garopaba: ‘Poesia’ – Garopaba do passado e do
presente” (1993), “Versos do Moriço: Garopaba” (2007). A geração
que ingressou no quadro de professores municipais ainda na década
de 1980 tinha poucas opções de informações, então recorria a um
professor mais experiente, José Alves, que lhes fornecia o material que
dispunha. Os professores que passaram a atuar em meados de 1990 já
dispunham da obra de Valentim (1993), mas ainda buscavam as
‘velhas’ apostilas organizadas pelo professor já citado. Passos (2007)

- 63 -
só bem recentemente se tornou conhecido pelos professores, mas a
leitura de suas narrativas não despertou grande interesse, com certas
exceções. Atualmente, os professores não têm preocupações pontuais
com o ensino de História, pois confiam no livro didático (FARIAS,
2011), considerando-o apropriado e suficiente para desenvolver suas
aulas.

- 64 -
Referências

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São Paulo: Contexto, 2006.

CAINELLI, Marlene. O que se ensina e o que se aprende em História.


In: Oliveira, Margarida Maria Dias de. História: ensino fundamental.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Editora


Forense Universitária, 2002.

FARIAS, Deisi Scunderlick Eloy de (Org.). Uma aventura pela História e


Geografia de Garopaba. Palhoça: Unisul, 2011.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História, tempo presente e história


oral. Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 314-332. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/topoi/v3n5/2237-101X-topoi-3-05-
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LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora da


Unicamp, 1990.

MARTINS, Estevão de Rezende. Historicidade e consciência histórica.


In. BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende; Maria Auxiliadora
SCHMIDT (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed.
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PASSOS, Maurício dos. Versos do Moriço: Garopaba. Garopaba, SC:


MARÉ, 2007.

RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP:


Editora da Unicamp, 2007.

SOUSA, Silvana Vieira de. Tradição e fé: memórias e histórias de uma


religiosidade popular na Paraíba do século XX. Tese – PPGH UNICAMP.
Campinas, 2011. Disponível em:

- 65 -
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=0007852
21&fd=y . Acesso em: 12 jan. 2016.

VALENTIM, Manoel. Homenagem a Garopaba – Poesia: Garopaba do


passado e do presente. Florianópolis: Gráfica Continente, 1993.

- 66 -
Literatura na escola: a mediação de poemas narrativos no
Ensino Fundamental

Rayonnara Késsia de Souza24

Introdução

Uma educação para a leitura literária deve


pressupor uma educação para mudança de
percepção sobre o mundo factual e sobre a própria
linguagem. Sem dúvida aquilo que lemos
determinará o que somos... Essa é a percepção que
revela o “professor criativo”, do qual dependem os
novos rumos da educação, nesse nosso tempo em
mutação.
Nelly Novaes Coelho

O texto apresentado sob o título “Literatura na Escola: o


trabalho com poemas narrativos no Ensino Fundamental” surge,
primeiramente, como forma de concluir o curso de especialização –
Literatura na Escola - que ao longo de dois anos incentivou um novo
olhar sobre a literatura. Um olhar mais atencioso e, sobretudo, uma
visão de que a literatura é educativa e humanizadora. Justifica-se a
opção em utilizar a temática narrativas na experiência em sala de aula
porque a literatura, como cita Nelly Novaes Coelho (1991), se bem

24
Mestranda em Educação pela UFRN.

- 67 -
mediada, poderá trazer mudanças no tocante à forma de como o leitor
ver o mundo.
No que diz respeito ao gênero escolhido – poema, salienta-se
que no poema existe um ritmo e uma sonoridade nas palavras, o que
pode ser visto por meio dos versos. Uma das características principais
do poema narrativo é a inovação na linguagem que conta uma história
como uma dança em que as palavras vão se movimentando por meio
do ritmo, da musicalidade e das rimas.
A narrativa contemporânea nos filmes, por exemplo, é uma
narração de conto pelas imagens, sons e ritmos que oferecem à
linguagem poética todas as possibilidades expressivas. Ali, as imagens
e a sonoridade acham seus ritmos próprios e podem atingir uma
comunicação de alto dramatismo poético (CORREA, 2000). Assim é o
poema narrativo, todos os sons e ritmos se fazem presentes.
Seguindo essa linha de pensamento, escolheu-se uma escola
para colocar em prática uma sequência didática. Essa escolha não foi
aleatória, três requisitos foram pensados:
a) Que a escola fosse de fácil acesso para a pesquisadora, tendo em
vista todos os materiais necessários para as aulas;
b) Que a escola apresentasse um sistemático trabalho com a leitura
de literatura;
c) Que a escola dispusesse de uma turma de quinto ano do ensino
fundamental para desenvolvimento da sequência didática.

- 68 -
É importante ressaltar que esse último quesito foi uma
proposta do próprio curso de especialização, pois, acredita-se, que o
ensino de literatura é deixado um pouco para trás nos últimos anos
dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Amarilha (1991), indica em
sua pesquisa que “uma das razões para ausência da literatura na
escola é que os professores não acham que esse seja um conteúdo ou
atividade significativa” (AMARILHA, 1991, p. 17). Na maioria das vezes
a literatura é usada como forma de acalmar os alunos.
O estudo ora apresentado teve como locus de pesquisa uma
escola pública de Parnamirim/RN, com uma turma do 5º Ano dos
Ensino Fundamental.

Objeto e objetivos de estudo


O envolvimento com o objeto/problema – Ensino de literatura
– teve início nas atividades desenvolvidas no grupo de pesquisa
“Educação, Comunicação, Linguagem e Movimento”: grupo voltado às
questões de formação do leitor e do professor; alfabetização;
neurociências cognitivas; atividades linguístico-pedagógicas;
processos de mediação e letramento midiático. Temas com grande
relevância social, pois o direcionamento é pautado nas reflexões sobre
o cenário da educação, buscando soluções para o aprimoramento de
práticas pedagógicas que favoreçam o processo de ensino-
aprendizagem. Em seguida, com a inserção no curso de especialização

- 69 -
literatura na escola, foi-se aprimorando os saberes no tocante à
mediação de literatura em sala de aula.
Desse contexto, priorizou-se o estudo voltado para a temática
poemas narrativos e argumentação oral com textos literários, a qual
considera-se muito importante para a formação de pesquisadores e,
principalmente, profissionais da educação, à medida que nos conduz
a pensar sobre o cenário educacional que vivenciamos, buscando
discutir encaminhamentos futuros que possam melhorá-lo. Assim,
elegeu-se como objetivo geral abordar o gênero poema narrativo na
perspectiva de trabalhar com a literatura em sala de aula e, como
objetivos específicos:
 Identificar quais as características do poema narrativo;
 Diferenciar o gênero poema narrativo de outros textos
narrativos;
 Ampliar as capacidades de argumentação oral no momento de
pós-leitura.
É dentro desses parâmetros que se encontra o trabalho em
questão.

Aspectos teóricos e metodológicos


Para a realização do trabalho, tomou-se como base alguns
autores que subsidiaram a compreensão sobre a temática e alguns

- 70 -
pressupostos inerentes a ela. Nesse sentido, são importantes os
conceitos de leitura, literatura e mediação pedagógica.
Estudos esclarecem que o conceito de leitura é um
procedimento que vai além da decodificação de palavras, ou seja, vai
além de uma simples leitura e está cheio de sentidos sendo, portanto,
“complexo”, que segue várias direções, como aponta Jouve (2002). Em
consonância a esses pensamentos, Amarilha (2009) faz reflexões
importantes sobre o ato de ler. Segundo a autora, ler é, então,
participar de um teatro íntimo, ser ator e espectador ao mesmo tempo
e não ter outra plateia que não a si mesmo. Percebe-se, dessa forma,
que a relação existente entre o leitor e o texto no momento da leitura
é pessoal e afeta as sensações mais particulares, fazendo com que o
leitor ative seu senso de percepção sobre o mundo.
A leitura já é, portanto, um mundo. Ler literatura é ter certeza
de que a essência da literatura é a palavra. Amarilha (2009, p. 54)
afirma que “Na literatura, a palavra é o elemento mais importante, é
ela que desencadeia o universo imaginado”. Nesse sentido, para
compreender um texto é fundamental que o leitor tenha experiencia
com as palavras contidas nele, pois a literatura é pautada em um
vocabulário próprio, cheio de significações.
Percebe-se que é muito importante o trabalho com a literatura
em sala de aula, neste caso, nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Considerando-se a amplitude do texto literário, como depositário de

- 71 -
experiências de dimensões humanas, sociais, que se oferece como
uma possibilidade de leitura, do estar no mundo, pode-se dizer, então,
que possui em sua essência capacidade de fazer com que o leitor se
envolva e se posicione diante desse mundo mediado pela ficção, em
diálogo com a experiência de vida, o que se mostra campo fértil para
a exploração da linguagem, da argumentação, visto que o trânsito
entre ficção e realidade que ocorre no processo de leitura provoca o
leitor a se posicionar diante desse mesmo mundo.
Pensar em leitura de literatura em sala de aula pressupõe
imaginar a ação de um mediador de leitura. Assim, adentramos em um
campo já muito explorado, mediação pedagógica. De acordo com
Gasparin (2007, p.115), “a mediação implica, portanto, em releitura,
reinterpretação e ressignificação do conhecimento”. Pensando sobre
essa afirmação, pode-se dizer que a ênfase da mediação não é o
conteúdo em sua íntegra, mas o aprender, despertando no aluno o
“desejo”, sentir vontade de fazer algo é sempre um ponto de partida
positivo. Na concepção Vygtskyana, o homem se constitui homem no
momento que vai sendo inserido nas práticas culturais em processo
de interação com outras pessoas. A mediação entre professor/aluno
requer essa interação. Vygotsky (1987, apud Moysés, 1994, p.25),

Ao contrário do conhecimento espontâneo, o que


se aprende na escola é (ou deveria ser)
hierarquicamente sistematizado e exige, para ser
compreendido, que seja intencionalmente

- 72 -
trabalhado num processo de interação
professor/aluno. Mas insistimos: tal aprendizagem
só irá ocorrer se quem ensina souber conduzir o
processo na direção desejada, o que implica
reconstrução do saber.

Para mediar a leitura de literatura em sala de aula, o professor


precisa ter clareza de seu papel. Saber que direções está tomando, se
está conduzindo alunos capazes de pensar por si próprios, mediados
por suas provocações. É nesse sentido que Vygotsky afirma que
“aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de
desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que uma criança pode
fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã”
(REGO, 1999, p. 74).
Quando nos reportamos ao cotidiano, percebe-se que a
mediação em parceria com a criança acontece de forma espontânea
pelo adulto, sobretudo com o uso da linguagem. A criança vai
reproduzindo os ensinamentos apresentados pelo adulto em um
contexto de prática social. Nesse caso, as trocas de palavras se
realizam como “transmissão prática interessada”, segundo conceito
de Bakhtin (1988, p. 140). O que chama atenção do adulto e da criança
é a própria situação na qual estão envolvidos e não o próprio ato de
raciocínio intelectual. Disso não há vestígios. A propósito da mediação
que ocorre em âmbito escolar, Fontana (2000, p. 20) aponta que

Já nas interações escolarizadas, que têm uma


orientação deliberada e explícita no sentido da

- 73 -
aquisição de conhecimentos sistematizados pela
criança, as condições de produção do processo de
elaboração conceitual modificam-se sob vários
aspectos.

Quanto aos aspectos aferidos a essas interações, entende-se


como papel da criança a compreensão das atividades que lhes são
solicitadas como forma de perceber as concepções científicas. Nessa
relação de ensinar-aprender é que se estabelece a mediação
pedagógica.

Metodologia
Como metodologia de trabalho cada sessão de leitura foi
planejada no modelo da leitura por andaime desenvolvido por Graves
e Graves (1995). A leitura por andaimes consiste em três momentos:
pré-leitura, leitura e pós-leitura. A pré-leitura é destinada a explorar as
hipóteses e os conhecimentos prévios do leitor-ouvinte quanto à
leitura a ser feita. Vygotsky (1994), ressalta que é importante
recorrermos a atividades que ativem os conhecimentos prévios.
No momento da leitura e de sua realização pelo mediador, no
caso da leitura em voz alta, é importante utilizar estratégias prosódicas
no texto de maneira a valorizar seus componentes emotivos, ideias
surpreendentes, realizações linguísticas e, assim, atrair a atenção do
leitor-ouvinte. Isso possibilita um maior envolvimento do leitor-
ouvinte e o convoca para a interlocução com o texto.

- 74 -
E a pós-leitura se dá mediada por perguntas lançadas ao leitor-
ouvinte, oferecendo voz aos leitores para discussões, deixando que
façam reflexões sobre o texto, tenham oportunidade de desenvolver
competência argumentativa.

Escolha das obras literárias


Para a escolha das obras utilizadas na sequência didática,
seguimos os critérios estabelecidos pelo curso:
 Ser um livro adotado pelo Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE);
 Observar se o livro traz aspectos que favoreçam uma discussão
em sala com os alunos.
Uma discussão feita no decorrer da especialização literatura na
escola foi sobre a biblioteca escola. Na oportunidade ouvimos relatos
de colegas que trouxeram muitas realidades de diferentes escolas.
Relatos de bibliotecas desativadas que servem apenas de depósitos ou
de bibliotecas com muitas caixas cheias de livros, porém lacradas.
Ficou claro que existe mesmo um problema a ser resolvido em
muitas dessas bibliotecas. Sejam de estrutura, ou de formação de
profissionais. Muitos dos responsáveis por dar essa assistência aos
alunos são professores readaptados, afastados de sala de aula por
motivos variados, em sua maioria problemas de saúde.

- 75 -
É bem verdade que em muitas escolas ainda há uma
precariedade de livros, mas o PNBE, programa desenvolvido desde
1997, e que tem como objetivo promover o acesso à cultura e o
incentivo à leitura nos alunos e professores, faz distribuição de acervos
de obras de literatura. Todos os níveis de educação são contemplados,
desde a educação infantil, ensino fundamental (anos iniciais e finais),
educação de jovens e adultos até o ensino médio.
E foi com essa informação que procurou-se dentro das
bibliotecas os livros a serem usados na sequência didática. Sendo
assim, as obras escolhidas foram A caligrafia de Dona Sofia (André
Neves) e Um garoto chamado Rorbeto (Gabriel o Pensador).

Primeira sessão de leitura

A música é um poderoso agente de estimulação,


sensorial, emocional e intelectual, informa a
psicologia.
Zampronha

Iniciou-se o primeiro contato com os alunos por meio da


música, isso porque percebe-se o quanto o ser humano é composto de
sons. Vivemos cercados por eles desde o nascimento, seja na voz, no
choro, no riso ou na própria melodia, para além, a música, assim como
a literatura, é arte. Com o auxílio de um violão, cantamos a música

- 76 -
para conhecer o nome de cada aluno e fizemos um acordo de ritmo:
teriam que acompanhar nas palmas no ritmo 2x2.

Eu tenho um nome
Você também tem o seu
Quero saber se seu nome é parecido com o meu.

Após repetirmos essa estrofe duas vezes, o aluno dizia seu


nome. E assim fomos nos conhecendo e interagindo. Em seguida,
conversamos sobre como seria desenvolvido o trabalho na turma e
fizemos acordos de leitura: quando a mediadora estivesse lendo, eles
estariam cada um com seu respectivo livro nas mãos, acompanhando
a leitura; para falar levantavam as mãos e a mediadora daria a palavra;
não podiam abrir os livros antes que fossem liberados para isso. Não
foi difícil obter bons resultados nesses acordos, a escola já trabalha
nesse sistema e o aluno já é acostumado a ouvir os professores.
A caligrafia de Dona Sofia foi o livro escolhido para abrir as
sessões. Foi entregue um livro a cada aluno e pedido para não abrir.
Assim começamos a explorar a capa do livro e as hipóteses do que iria
acontecer na história.

Episódio de Pré-leitura Nº 1
PP: O que vocês imaginam que poderá acontecer nessa história, levando
em consideração o título: “ A Caligrafia de dona Sofia”
VINÍCIUS: Vai falar sobre caligrafia
MARINA: É sobre poesia
PP: Por que você acha que é sobre poesia, Marina?

- 77 -
MARINA: Porque nas bordas da capa tem umas letras. Acho que é poesia
CARLOS: Eu já acho que vai ensinar como é bom escrever. Olha! Ela está
com um lápis na mão.
MANOEL: A história vai falar sobre uma professora
PP: O que te faz pensar que é uma professora, Manoel?
MANOEL: Veja, ela usa óculos e está escrevendo.
PP: Só quem escreve e usa óculos é professor?
FMT: Não!
PP: Quem será dona Sofia?
CORA: Escritora
ADÉLIA: É uma poeta
MANOEL: Acho que é só uma pessoa que gosta de escrever
PP: Será que existem outros personagens na história?
CECÍLIA: Tem alunos
VINÍCIOS: Dona Sofia tem filhos, netos e sobrinhos. Acho que ela não pode
ser só.
PP: Por que você acha que ela não pode ser só, Vinícius?
VINÍCIUS: Porque ela já é velha, tá vendo aqui na imagem? O cabelo dela
é branco e tá velhinha mesmo. Tem que ter alguém que cuide dela.
PP : Vocês concordam com essa afirmação de Vinicius?
FMT: Sim.
PP: Alguém pode dizer mais algo sobre essa afirmação?
MARIA: Professora, porque se ela tivesse alguém, não ia viver escrevendo.
Ela ia ter com quem conversar e ter outras coisas para fazer.

O momento da leitura foi feito em voz alta pela mediadora


enquanto os alunos acompanhavam no livro. Após, a discussão da
história foi iniciada.
Episódio de discussão de história Nº 1
PP: Que ideias vocês trazem agora após a leitura? As hipóteses se
confirmaram?
OLAVO: Professora, algumas sim, outras não. Por exemplo, que era uma
professora que gostava de escrever... isso se confirmou.
MARTA: Eu amei a história.
PP: por quê?

- 78 -
MARTA: Porque me fez lembrar de quando eu tinha uma letra horrível. E
eu sempre quis ter uma letra bonita igual a de Dona Sofia. Então, eu usei
aquele caderninho para arrumar minha letra.
PP: E como você se sente hoje em relação a sua caligrafia?
MARTA: Feliz. Veja! Minha letra a bonita.
VINIVIUS: Professora, eu amei a leitura, porque na hora que a senhora
estava lendo, era como se eu estivesse dentro da leitura.
PP: Como assim? Você pode me explicar melhor?
VINICIUS: Assim... era como..
ADÉLIA: Professora, acho que sei o que Vinicius quer dizer. É porque da
maneira que a senhora lê, a gente fica tão concentrado que se imagina
vivendo ali naquele momento.
PP: O que vocês sentiram ao ouvir a história?
FMT: Foi muito bom.
PP: Como assim bom?
CORA: Foi bom porque eu fiquei feliz com dona Sofia. Que coisa mais
linda ela escrever para todo mundo.
MARINA: Mas eu fiquei com pena. Dona Sofia vivia sozinha.
PP: Vocês concordam?
OLAVO: Eu não concordo não. Ela era cheia de poesias. Quem ler nunca
está só!
PP: Olavo, você pode explicar mais sobre isso?
OLAVO: Professora, porque quando a gente lê, conhece mundo, está
sempre viajando e nunca só.
ADÉLIA: Gente, olhem aqui. Ela não vivia só. E seu Ananias? Vocês
esqueceram?
FMT: Ah...

Segunda sessão de leitura


O livro utilizado nessa sessão foi Um Garoto chamado Rorbeto.
Acrescentou-se à metodologia de leitura uma musicalização da
narrativa. Pensando na trajetória do autor do livro, que é um dos mais

- 79 -
importantes nomes do rapper nacional, Gabriel o Pensador, decidiu-se
ler uma parte da história em forma de rapper.
Como feito nas sessões anteriores, entregou-se os livros a cada
um dos alunos e realizou-se a pré-leitura.

Episódio de Pré-leitura Nº 2
PP: O que será que vai acontecer na história desse livro se pensarmos em
seu título: um garoto chamado Rorbeto?
OLAVO: Eu acho que é um menino que vai viajar muito.
PP: Por que você acha isso?
OLAVO: Aqui na capa tem essa mão que parece um mapa.
JOSÉ: Eu acho que é sobre uma aventura.
MARTA: Acho que é um garoto que vai explorar.
PP: Por que explorar?
MARTA: Tem essas linhas, acho que são os lugares que ele explora.
PP: Vocês concordam com que os colegas disseram até agora?
CORA: Eu não concordo.
PP: Por quê?
CORA: Essa história vai falar sobre a biografia desse menino.
PP: Por que você acha isso, Cora?
CORA: Pelo título da história: Um Garoto chamado Rorbeto. Com toda
certeza vai falar sobre esse Rorbeto.
PP: Observem a palavra RORBETO. Tem algo de diferente nela?
VINÍCIUS: Tem sim, professora. Está errado. Deveria ser ROBERTO. A letra
“R” está no lugar errado.
PP: Por que será que foi escrito assim?
CARLOS: Acho que é porque ele é um menino atrapalhado.
ADÉLIA: Nada a ver, Carlos. Eu acho que foi alguém que errou o nome
dele.

Houve, também, uma última pergunta de pré-leitura para


saber como os alunos imaginavam a aparência do Rorbeto. Cada um

- 80 -
foi dizendo e assim seguimos para o momento da leitura. A primeira
parte da história foi cantada.
A sala estava em silêncio quando o play back com uma base
musical de rapper começou a tocar. Os alunos olharam assustados e
ficaram esperando o que iria acontecer. Foi quando a mediadora
começou a cantar. No início, alguns alunos ficaram balançando as
mãos seguindo o ritmo da música, mas depois se envolveram na leitura
e não tiravam os olhos do livro.

Episódio de discussão de história Nº 2


PP: Quais foram as sensações que vocês tiveram ao ouvir essa história?
VINÍCIUS: Gostei muito. É uma linda história.
PP: Por que você acha linda?
VINÍCIUS: Porque é uma superação. Ele tinha um defeito na mão e mesmo
assim escrevia lindo.
MARINA: Eu fiquei com pena do Rorbeto, professora. O pai dele era ruim
e errou o nome dele.
PP: Vocês concordam com essa afirmação de Marina?
CORA: Não. Porque o pai dele não era ruim. Ele apenas não sabia ler,
muitas pessoas são assim.
PP: As hipóteses se confirmaram sobre a história?
TODOS: Algumas sim, outras não.
PP: Que ideias vocês trazem do Rorbeto após a leitura?
JOSÉ: Que ele era muito corajoso.
CECÍLIA: Não achei ele tão corajoso assim.
PP: Por que, Cecília?
CECÍLIA: Porque se ele fosse realmente corajoso, não teria escondido sua
mão na sacola com medo dos outros.
MANOEL: É verdade. A gente não pode ter medo do que os outros vão
dizer.
PP: Alguém já se sentiu como Rorbeto?

- 81 -
CORA: Eu já. Quando cheguei nessa escola, eu sentia que todo mundo me
olhava estranho.
PP: E o que você fez em relação a isso?
CORA: Eu fiquei na minha e deixei o tempo passar. Daí percebi que as
coisas foram mudando aos poucos.
ADÉLIA: Eu me sinto parecido com Rorbeto. Porque assim... sinto medo
porque sei que as pessoas esperam muito de mim.
PP: Que pessoas?
ADÉLIA: Minha família, aqui na escola e em todo lugar. Minha família é
muito católica e quer que eu seja exemplo. Eu não nasci para ser exemplo
para ninguém.
PP: O que vocês acharam em relação à uma parte da leitura ter sido feita
cantada?
OLAVO: Eu gostei muito daquela parte do rap. Das rimas bem legais. Senti
que poderia também aprender a rimar
MARINA: Eu gostei, porque a senhora tipo deu uma aula, como é que
posso dizer, na linguagem atual.
PP: Como assim?
MARINA: A senhora procurou satisfazer a gente no estilo de música que tá
tocando atualmente, então a senhora pegou um estilo de música e a gente
se identificou muito. Entendeu?
CARLOS: Eu me senti bem feliz, quando a senhora cantou e me aprofundei
no rap, pensei que eu tava numa balada.
MANOEL: Eu gostei, professora, porque eu achei bem interativo, não
querendo excluir a parte lida, mas queria que fizesse isso mais vezes. Eu
vou amar
PP: Alguém quer falar mais alguma coisa?
ADÉLIA: Eu quero dizer três palavras: gostei pra caramba.

Análises
Neste momento de análise, toma-se por premissa alguns
conceitos que permeiam o ensino de literatura em aspectos
fundamentais sobre o processo de leitura: prosódia, ilustração e

- 82 -
argumentação. Sabe-se que existem outros fatores sobre o ensino de
literatura, mas delimitamos a observação nos aspectos citados.
Segundo a Wikipédia, uma das páginas responsáveis por dar
significados às palavras na internet (dicionário online), Prosódia (do
grego προσῳδία, transl. prosodía, composto de προσ, pros-, "verso",
e ᾠδή, odé, "canto") é a parte da linguística que estuda a entonação,
o ritmo, o acento (intensidade, altura, duração) da linguagem falada e
demais atributos correlatos na fala.
A prosódia descreve todas as propriedades acústicas da fala
que não podem ser preditas pela transcrição ortográfica (ou similar);
em resumo, cuida da correta acentuação tônica das palavras. No
ensino de literatura, a prosódia é primordial no momento da leitura,
por esta razão que o planejamento da obra a ser trabalhada é tão
importante. Compreende-se que mediar literatura é explorar, é a

Modulação da altura, intensidade, tom,


duração e ritmo da leitura oral de um texto
pautada em sua coesão e coerência. Considera
as relações hierárquicas do texto, a
aceitabilidade da interpretação feita pelo (a)
leitor (a) e as condições de interpretação
leitor-texto-contexto em sua dimensão 4
voz/audição. (CASTELLO-PEREIRA, 2003, p. 53
Apud AMARILHA, 2010, p. 98)

- 83 -
Assim, a prosódia é um elemento que chama à atenção e
provoca os sentidos. Nas sessões ficou evidenciado o trabalho feito
com a prosódia.

1ª sessão
VINICIUS: - Professora, eu amei a leitura, porque na hora que a
senhora estava lendo, era como se eu estivesse dentro da leitura.
PP: - Como assim? Você pode me explicar melhor?
ADÉLIA: - Professora, acho que sei o que Vinicius quer dizer. É
porque da maneira que a senhora lê, a gente fica tão concentrado que
se imagina vivendo ali naquele momento.

2ª sessão
PP: - O que vocês acharam em relação à uma parte da leitura
ter sido feita cantada?
OLAVO: - Eu gostei muito daquela parte do rap. Das rimas bem
legais. Senti que poderia também aprender a rimar.
MARINA: - Eu gostei porque a senhora tipo deu uma aula, como
é que posso dizer, na linguagem atual.
Na fala desses alunos percebe-se que quando a prosódia é
consistente, seguindo os preceitos de ritmo, sonoridade e intensidade,
faz a diferença no momento de leitura e na recepção do leitor/ouvinte.
Quando Adélia fala que se imagina vivendo no momento da história,

- 84 -
nos faz refletir sobre esse papel que a literatura tem - equilibrar o real
e o imaginário. Ressalta-se que a escolha em cantar parte da história
da segunda sessão em rap - estratégia de prosódia - foi bem acolhida
pelos alunos, porque, a própria literatura possui aspectos que
encontramos na música. Cantar foi apenas uma junção entre as artes
literatura/música.
As ilustrações nos livros literários funcionam como elemento
enriquecedor das obras, sendo aspecto visual que impulsiona pela sua
beleza e favorece a contação da história, não devendo, portanto, ser
relegada pelos mediadores de leitura. Sobre as imagens presentes nos
livros infantis, Amarilha (2012, p. 41), afirma que "a ilustração
contribui para o desenvolvimento de alguns aspectos do leitor”, como,
por exemplo, a análise mais crítica sobre o que foi lido. Vale salientar
que é necessário que o mediador, também, observe se as imagens de
fato favorecem, se não estão ali apenas para referenciar o que já está
escrito, perceber se a ilustração traz algo novo, contribuindo para a
discussão da história.

Pré-leitura 1ª sessão
PP: - Por que você acha que é sobre poesia, Marina?
MARINA: - Porque nas bordas da capa tem umas letras. Acho
que é poesia

- 85 -
VINÍCIUS: - Dona Sofia tem filhos, netos e sobrinhos. Acho que
ela não pode ser só.
PP: - Por que você acha que ela não pode ser só, Vinícius?
VINÍCIUS: - Porque ela já é velha, tá vendo aqui na imagem? O
cabelo dela é branco e tá velhinha mesmo. Tem que ter alguém que
cuide dela.
É importante que o mediador de leitura explore os aspectos do
livro. A ilustração é um poderoso agente para trazer as hipóteses dos
alunos sobre a história. Evidencia-se que os alunos falam com muita
propriedade sobre o que imaginam que irá acontecer na história.
Mediados pelas imagens, conseguem, também, criar expectativas
sobre o personagem.
Sobre processo argumentativo, a leitura resulta na capacidade
que o leitor terá que desenvolver para organizar as informações
fornecidas pelo texto, e dessa forma se posicionar criticamente, ao
mesmo tempo em que reflete sobre o que foi lido.
O simbolismo destaca que a leitura interage diretamente com
o contexto cultural ao qual o leitor se insere, ou se inseriu em outro
momento, para dar simbologia ao texto. Thérien (1990) acrescenta
que esse modo imaginário, que cada um possui, é inerente à prática
de convivência social. GARCIA (1996, p. 374) afirma que a
argumentação ocorre da seguinte forma:

- 86 -
 Construção de uma tese - consiste em uma opinião, deve ser
definida quando se afirma, seja positiva ou negativamente, sem
deixar dúvidas ao receptor. Para Garcia (1996, p.381),

Proposição [é] uma afirmativa suficientemente


definida e limitada; não deve conter em si
mesma nenhum argumento, isto é, prova ou
razão.

 Formulação de argumentos - forma de provar, convencer alguém


em relação à tese explícita. Pode ser por meio de argumentos:
exemplo, dedução, autoridade, ilustração, dados estatísticos,
fatos ou testemunhos. Com esses princípios e com as orientações
de Garcia (1996, p.381), é que será realizada a análise dos
episódios de pós-leitura.
Vamos observar algumas construções de tese e formulação de
argumentos trazidas pelos alunos em nossas sessões de leitura.
Construção de tese na pós-leitura 1ª sessão
MARINA: - Mas eu fiquei com pena de dona Sofia. Vivia sozinh.
PP: - Vocês concordam?
Formulação de argumentos
OLAVO: - Eu não concordo. Ela era cheia de poesia. Quem lê
nunca está só!
PP: - Olavo, você pode explicar mais sobre isso?

- 87 -
OLAVO: - Professora, porque quando a gente lê, conhece o
mundo, está sempre viajando e nunca só.
Pelo fato de provocar muitos sentidos, a literatura oportuniza
ao sujeito leitor desenvolver sua capacidade de reflexão, de maneira a
poder enfrentar desafios que exijam maior capacidade de
pensamento. Se bem mediada, explorando sua estrutura comunicativa
em sala de aula, como nos aponta Zilbermam (2003), a literatura se
apresenta como um fio condutor que se atrela à educação por um viés
mais reflexivo, rompendo, de alguma forma, com o ensino tradicional.

Algumas considerações

O processo de leitura possibilita essa operação


maravilhosa que é o encontro do que está
dentro do livro com o que está guardado na
nossa cabeça.
Ruth Rocha

O ensino de literatura é muito importante na formação do


leitor. O texto literário por sua natureza ficcional ativa no leitor o
imaginário, o que possibilita a liberdade para se colocar diante do que
foi lido. Como mostra Amarilha (2012), “A literatura é educativa em
aspectos fundamentais; contribui para o acesso à língua (oral e
escrita); provoca a inteligência do leitor; sistematiza as experiências
humanas; proporciona a autonomia; oportuniza o contato com o

- 88 -
simbólico”. Percebe-se, assim, que a literatura desperta o
desenvolvimento de várias áreas do psiquismo humano, favorecendo
que o leitor de literatura seja um leitor ativo e participativo.
A prática, em sala de aula, como mediadora de leitura literária,
produziu convicções sobre alguns pontos apreendidos no decorrer do
curso de Especialização “Literatura na Escola: o trabalho com poemas
narrativos no Ensino Fundamental”:
 SER UM LEITOR: Gostar de ler é um fator importantíssimo nesse
processo de mediação de leitura. Pensemos: como um professor
deseja ter alunos leitores se ele próprio não lê?
 EMBASAMENTO TEÓRICO: O professor que deseja obter êxito em
suas aluas de leitura necessita ter clareza dos conceitos com os quais
irá trabalhar. Estar subsidiado de autores estudiosos da área;
 PLANEJAMENTO DE LEITURA: Para mediar a leitura não basta
apenas abrir o livro e ler. É uma tarefa bem mais laboriosa e detalhista.
Então, o planejamento é uma ferramenta crucial.
O curso de especialização Literatura na Escola ofertou de forma
precisa esses três pontos. Durante todo o tempo envolveu os discentes
com leituras literárias de diversos gêneros, abrindo as mentes quanto
as possibilidades de desenvolver um bom trabalho. O embasamento
teórico oferecido auxiliou na construção da unidade didática, no
conhecimento dos conceitos principais, como leitura, literatura e
mediação, fundamentais ao planejamento.

- 89 -
Evidencia-se que todo professor ciente de seu papel, que busca
a formação de educando, para que este se torne leitor proficiente,
pode conduzi-lo na tentativa de um conhecimento significativo, para
que tenha condições de expressar, colocar suas ideias e,
posteriormente, persuadir ao longo de sua comunicação, em seu
discurso argumentativo. Isso foi notório em nas observações. Quando
bem mediada, planejada com antecedência, a aula de leitura de
literatura se torna um campo de descobertas favoráveis ao
desenvolvimento da argumentação.
Pensando em todos esses pontos, pode concluir que a
literatura liberta a alma, eleva o coração e faz transcender por entre
os sentimentos que permeiam o nosso ser. O encantamento
decorrente da leitura de literatura se dá mediado pela grandeza de
sentidos que podemos encontrar nos textos literários, isto por que a
literatura proporciona a imersão no imaginário, desencadeia a
criatividade, faz com que o leitor experimente sensações nunca
vivenciadas.

- 90 -
Referências

AMARILHA, Marly. A multimodalidade na leitura do poema e do livro


de poesia em aprendizes da escola fundamental – estudo
longitudinal. Natal-RN: Programa de Pós-graduação em pesquisa; Pró-
Reitoria de Pesquisa da UFRN. Brasília-DF: Conselho Nacional do
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 2010. (Projeto de
pesquisa).

______. Alice que não foi ao país das maravilhas: a leitura crítica na
sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

______. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática


pedagógica. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

COELHO, Nelly Novais. Panorama histórico da literatura


infantil/juvenil: das origens indo europeias ao Brasil contemporâneo.
4 ed. Ática, 1991.

CORREA, Julio. La narración de cuentos al grupo: un modelo de


construcción narrativa grupal. Revista de Ciencias Sociales,
[Universidad de Costa Rica], v. 4, n. 98, p.137-153, 2002.

FONTANA, Roseli Ap. Cação. Mediação Pedagógica na Sala de Aula.


Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica.


4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. p.113-115.

GRAVES, M. F.; GRAVES, B.B. The scaffolding reading experience: a


flexible framework for helping students get the most out of text. In:
Reading. April. 1995. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pros%C3%B3dia.
Acesso em 12/01/2017.

MOYSÉS, Lúcia Maria. O desafio de saber ensinar. Campinas, SP:


Papirus, 1994. p.25.

- 91 -
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: Uma perspectiva histórico-cultural
da educação. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. p.74,104.

ZILBERMAM, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global,


2003.

- 92 -
Da biografia para as cartas: proposta de produção de texto
por meio de sequência didática

Glauciane da Conceição dos Santos Faria25

O presente trabalho apresenta uma análise de uma proposta


de produção de texto solicitada a alunos dos oitavos e nonos anos de
uma escola da rede particular de ensino, na cidade mineira de Ponte
Nova. Tomaremos como base os conceitos de gênero textual e
sequência didática propostos por Marcuschi (2008) e Dolz, J.;
Noverraz, M.; Schneuwly, B (2004).
A ação de produzir textos permeia toda a atividade docente,
pois é algo comum para todo aluno, em qualquer disciplina, em
qualquer nível de ensino. Entenda-se produzir texto como qualquer
atividade que exija do aluno construir um texto, seja ele curto ou
extenso, oral ou escrito.
Porém, nos níveis fundamental e médio, os alunos costumam
ter momentos específicos de produzir o texto, seja como parte da
disciplina Língua Portuguesa, ou ainda, como acontece em algumas
escolas, na disciplina específica chamada de Produção de Textos ou
Redação. Nesses momentos, os professores procuram trabalhar com
os alunos a produção específica de diversos gêneros textuais.

25
Doutoranda em Estudos Linguísticos, UFMG.

- 93 -
O primeiro a empregar a palavra “gêneros” com um sentido
mais amplo foi o russo Mikhail Bakhtin, no início do século XX. Utilizou
a palavra para se referir também às diversas modalidades de texto que
utilizamos nas situações de comunicação cotidianas.
De acordo com Bakhtin (1992), os textos por nós produzidos,
escritos ou orais, apresentam um conjunto de características
relativamente estáveis, tenhamos ou não consciência delas.
A partir de Bakhtin (1992), vários outros estudiosos foram
desenvolvendo diversos estudos sobre os gêneros textuais e, com isso,
várias propostas sobre como trabalhá-los em sala de aula surgem
constantemente.

Por que trabalhar os gêneros textuais em sala de aula?


O trabalho com os gêneros permite garantir que os alunos se
apropriem das práticas de linguagem estabelecidas na sociedade para
que possam ter ativa participação social.
De acordo com DOLZ, SCHNEUWLY (2004)

Na ótica do ensino, os gêneros constituem um


ponto de referência concreto para os alunos. Em
relação à extrema variedade das práticas de
linguagem, os gêneros podem ser considerados
entidades intermediárias, permitindo estabilizar os
elementos formais e rituais das práticas. Assim, o
trabalho sobre os gêneros dota os alunos de meios
de análise das condições sociais efetivas de
produção e de recepção dos textos. Fornece um

- 94 -
quadro de análise dos conteúdos, da organização
do conjunto do texto e das sequências que o
compõem, assim como das unidades linguísticas e
das características específicas da textualidade oral.
(DOLZ, SCHNEUWLY, 2004, p. 172)

Quais gêneros devem ser trabalhados e de que forma?


O Ceale (Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – FAE –
UFMG) propõe, de acordo com as semelhanças (e diferenças) entre os
gêneros, que eles sejam distribuídos em 11 agrupamentos:

Voltados para a narrativa de fatos e


episódios do mundo imaginário (contos,
1 - Textos literários ficcionais
lendas, fábulas, crônicas, obras teatrais,
novelas e causos).
Sem registro escrito, tornam-se anônimos,
passando a ser patrimônio das
2 - Textos do patrimônio oral
comunidades (trava-línguas, parlendas,
quadrinhas, adivinhas, provérbios).
3 - Textos com a finalidade Analisam e narram situações vivenciadas
de registrar e analisar as pelas sociedades (biografias, testemunhos
ações humanas individuais e orais e escritos, obras historiográficas e
coletivas noticiários).
Textos mais expositivos, que socializam
4 - Textos com a finalidade
informações (as notas de enciclopédia, os
de construir e fazer circular
verbetes de dicionário, os seminários orais,
entre as pessoas o
os textos didáticos, os relatos de
conhecimento
experiências científicas e os textos de
escolar/científico
divulgação científica).
5 - Textos com a finalidade
Os sujeitos exercitam suas capacidades
de debater temas que
argumentativas (cartas de reclamação,
suscitam pontos de vista
cartas de leitores, artigos de opinião,
diferentes, buscando o
editoriais, debates regrados e reportagens)
convencimento do outro

- 95 -
Marcado pela persuasão, mas com a
6 - Textos com a finalidade
finalidade de fazer o outro adquirir
de divulgar produtos e/ou
produtos e/ou serviços ou mudar
serviços e promover
determinados comportamentos (cartazes
campanhas educativas no
educativos, anúncios publicitários, placas e
setor da publicidade
faixas).
7 - Textos com a finalidade
Os chamados textos instrucionais (receitas,
de orientar e prescrever
os manuais de uso de eletrodomésticos, as
formas de realizar atividades
instruções de jogos, as instruções de
diversas ou formas de agir
montagem, os regulamentos).
em determinados eventos.
8 - Textos com a finalidade
de orientar a organização do
São eles: as agendas, os cronogramas, os
tempo e do espaço nas
calendários, os quadros de horários, os
atividades individuais e
mapas.
coletivas necessárias à vida
em sociedade.
São textos que fazem parte,
9 - Textos com a finalidade
principalmente, dos espaços de trabalho (os
de mediar as ações
requerimentos, os formulários, os ofícios,
institucionais.
os currículos e os avisos).
As cartas pessoais, os bilhetes, os e-mails,
10 - Textos epistolares
os telegramas medeiam as relações entre as
utilizados para as mais
pessoas, em diferentes tipos de situações
diversas finalidades.
de interação.
Os textos que não veiculam a linguagem
verbal escrita, tendo, portanto, foco na
linguagem não verbal (as histórias em
11 - Textos não verbais
quadrinhos só com imagens, as charges,
pinturas, esculturas e algumas placas de
trânsito).

- 96 -
Por que distribuir os gêneros em grupos?
Se forem trabalhados apenas os gêneros pertencentes a um
único grupo, os alunos com dificuldades de lidar com gêneros deste
grupo poderão encarar o ato da escrita como um obstáculo constante,
algo difícil de ser superado, desmotivando-os para as outras
aprendizagens. Variando os gêneros, dá-se oportunidades aos alunos
para também mostrarem suas melhores habilidades e contribui para
que se mantenham motivados a continuar seu processo de
apropriação das práticas de linguagem.
Uma das formas de se trabalhar com os gêneros textuais dá-se
por meio das sequências didáticas. Através delas é possível criar
situações reais que permitam aos alunos a possibilidade de
reprodução da situação concreta da produção do texto incluindo,
ainda, sua circulação. Eles teriam a oportunidade de reconstruírem e
de se apropriarem das práticas de linguagem construídas
historicamente.
Conforme Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a sequência
didática deve ser desenvolvida em quatro fases: apresentação da
situação, produção inicial, módulos e produção final.

- 97 -
...
Apresentaçã Produção Módulo Módulo Módulo Produção
o da situação Inicial 1 2 3 final

Figura 1: etapas da sequência didática

Antes da análise de cada uma das fases da sequência didática


sugeridas por Dolz, J.; Noverraz, M.; Schneuwly, B (2004), será
apresentada proposta de produção textual que é o objeto de análise
neste trabalho.

CARTAS PARA MALALA

Atividade avaliativa sobre o livro Eu sou Malala.

Após assistirem a palestra sobre o islamismo e a leitura do livro


“Eu sou Malala”, desenvolvam o trabalho descrito abaixo.

Dividam-se em duplas;
 Observem abaixo alguns assuntos que são tratados no livro:

- Liberdade de escolha do ser humano;


- Os direitos da mulher;
- O papel da educação na formação do cidadão;
- A guerra e suas consequências;

 Escolham um dos temas acima (ou outro que esteja presente


no livro) e escrevam uma carta para Malala na qual vocês discutam com
ela os pontos em que a história do livro se assemelha e se diferencia da
realidade da sua escola, da sua cidade, da sua região, do seu país.

- 98 -
 Na sua carta vocês devem apresentar possíveis soluções para
os problemas que vocês levantaram. Lembrem-se de que vocês estão
escrevendo para uma menina adolescente como vocês.

 Após a escolha do tema sobre o qual você quer escrever, vocês


devem, antes de escrever a carta, realizar uma pesquisa sobre o mesmo.
Essa etapa é de extrema importância, pois é ela que irá possibilitar a vocês
a analogia com a história do livro e é dela que dependem as soluções que
vocês irão propor.

 Façam a leitura da carta para a turma.

 Entreguem a carta ao professor para as devidas correções.

 Após a correção, a turma escolherá uma carta que deverá ser


traduzida e enviada para a Fundação Malala.

Retomando as fases da sequência didática propostas por Dolz,


Noverraz e Schneuwly (2004), na primeira etapa, a apresentação, está
representada pelo momento inicial no qual será apresentada aos
alunos dificuldade de comunicação, esta deve ser sanada por meio da
produção de um texto escrito ou oral.
Na atividade em análise, esse momento da problematização
não foi contemplado, o primeiro contato dos alunos com a atividade,
na verdade, não foi com a mesma propriamente dita, mas sim com o
livro Eu sou Malala que serviria de motivador da produção textual.
Foi dado aos alunos um tempo determinado para que
adquirissem e lessem o livro, aproximadamente 30 dias,

- 99 -
posteriormente, à medida que os alguns alunos liam, surgiam algumas
discussões em sala.
De acordo com os autores Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004),
na segunda etapa da sequência didática apresentada na figura 1,
produção inicial, os alunos devem elaborar, ou tentar elaborar, um
primeiro texto, percebendo assim as ideias que têm dessa atividade.
A produção inicial é de crucial importância tanto para alunos
quanto para professores. Para os docentes, é o momento em que têm
a oportunidade de analisarem o que já sabem e descobrirem os
problemas que poderão aparecer durante a atividade. Para os
discentes, a produção inicial possibilita “momentos privilegiados de
observação, que permitem refinar a sequência, modulá-la e adaptá-la
de maneira mais precisa às capacidades reais dos alunos de uma dada
turma” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 102).
A produção inicial na proposta em análise foi desenvolvida
quando foi pedido aos alunos que, em sala, montassem um esquema
e posteriormente um resumo da carta que deveriam escrever, nesse
momento foram levantadas dúvidas, muitas vezes simples, como, por
exemplo, se o texto deveria ter local e data como numa carta normal,
qual seria a saudação que deveriam utilizar para se dirigirem a Malala,
qual a variação linguística deveriam utilizar (mais ou menos próxima
do padrão?).

- 100 -
Antes de passarmos para a próxima etapa da sequência
didática, cabe aqui um aparte. É válido esclarecer que a destinatária
da carta era mais do que um personagem, ela é uma menina de carne
e osso, pois o livro é uma biografia da Malala Yousafzai, garota
paquistanesa que ficou famosa no mundo todo após levar um tiro de
integrantes do talibã pelo fato de lutar pelo direito das mulheres de
seu país a terem acesso à educação. Em 2014, Malala tornou-se a
pessoa mais jovem a ganhar o Prêmio Nobel da Paz.
Na terceira fase da sequência didática, os módulos, deve-se
procurar trabalhar os problemas que surgiram na produção inicial e
orientar os alunos a superá-los. O professor deve avaliar as
dificuldades fundamentais da expressão dos alunos e, a partir de
então, construir atividades para trabalhar os problemas levantados.
Na atividade em análise, após a construção do rascunho, os
alunos tiveram 4 dias para realizarem as pesquisas e construírem o
texto final para ser entregue à professora. Essa etapa não foi
desenvolvida em sala. No dia da entrega, as duplas tiveram alguns
minutos para exporem para a turma quais foram os problemas que
levantaram e as soluções que propuseram.
Na quarta e última etapa da sequência didática, é realizada
uma produção final para dar ao aluno a oportunidade de colocar em
prática os instrumentos e noções vistas separadamente nos módulos
após a análise da produção inicial.

- 101 -
Essa etapa não foi pensada para a atividade em análise, pelo
fato de constituir-se como uma atividade avaliativa. Porém, durante o
momento de escrita deste trabalho, ficou claro que a não realização
dessa etapa foi uma grande falha da atividade, pois, a reescrita deveria
ter sido proposta aos alunos, podendo contar até mesmo como uma
possibilidade de melhoria da nota.
A atividade Cartas para Malala foi muito útil para que os alunos
pudessem conhecer um pouco mais sobre uma cultura do povo
paquistanês que é bem diferente da nossa. Puderam ainda perceber
que, mesmo sendo adolescente como eles, Malala é um exemplo para
todas as pessoas que lutam pelo direito à educação e pela igualdade
de direito das mulheres. Para corroborar essa conclusão, será
apresentada a seguir a carta vencedora de uma das turmas do oitavo
ano.
Ponte Nova, 22 de abril de 2015.

Querida Malala,
Somos Nicole Carneiro, 13, e Elisa Martins, 13, estudantes de uma
escola em Minas Gerais, no Brasil. Lemos o seu livro a pedido da nossa
professora de português, ficamos muito comovidas com a sua história e
acreditamos que você será lembrada, heroicamente, assim como a
guerreira Malalai, na qual seu nome foi inspirado.
Você falou por todos aqueles que não poderiam ser ouvidos,
ergueu sua voz em um país onde a liberdade de expressão e de escolha é
muito restrita, teve muita coragem para sua pouca idade. Achamos que
seria ótimo ter uma sociedade com mais pessoas como você, que tenham

- 102 -
a iniciativa e a crença de que podem fazer a diferença e tornar o mundo
um lugar melhor.
Quando lemos o seu livro, começamos a pensar em como não
conhecemos a realidade de alguns países e até regiões do nosso próprio
país, mesmo não estando tão distantes de nós. Pensamos também como
as verdades chegam para nós, distorcidas pela mídia, ou por aqueles que
possuem o poder sutilmente nos manipulando a pensar dentro de um
molde que lhes convém, como se quisessem determinar nossas escolhas e
opiniões. Apenas alguns que pensam de outra forma têm a coragem de se
expressar para o mundo, e aqueles que não se expressam não o fazem
muitas vezes pelo medo do julgamento, ou em alguns casos mais extremos,
pelo medo de perseguição, por serem considerados uma ameaça e por
desejarem sair do padrão.
Seu livro nos levou a nos questionar: Como somos manipulados?
Segundo Milly Lacombe, “Pela comercialização do medo. Com medo, nos
entregamos àqueles que nos protegem e vigiam. É, por isso, importante
que sintamos medo do terror islâmico. Medo de explodir na próxima
esquina por causa da ação religiosa de algum terrorista que sai às ruas
para defender a honra do profeta”. Ninguém deveria viver com medo,
todos deveriam ter a liberdade de serem como são e não serem julgados
por isso. Alguns acreditam que ao questionar lideranças colocam em risco
a suposta estabilidade de um governo, no qual tudo que é visto como
diferente é capaz de incentivar e influenciar as pessoas, sendo formal ou
não.
Como somos de outra nação e de outra cultura, não conhecemos
a vida de outros povos justamente porque não vivemos das mesmas
maneiras e não compartilhamos os mesmos hábitos. Cada povo é criado e
educado para agir de determinada forma, e isso influencia o modo em que
vemos o mundo. Enfim, julgar a cultura de um outro povo é uma ação

- 103 -
muito pretensiosa, não é essa a nossa intenção, mas, de acordo com o que
acreditamos, podemos perceber que o que o Talibã fez com o seu e vários
outros povos é cruel.
O nosso país, o Brasil, sofreu durante 21 anos a ditadura militar,
nessa época não existia a liberdade de expressão ou de escolha, as pessoas
eram oprimidas, exiladas e até mortas por tentarem defender os ideais nos
quais acreditavam. Em 1983, após anos de luta, protestos diretos e
indiretos, torturas e outros modos desumanos de opressão, o povo
conseguiu se libertar. Através das “Diretas Já”, que propôs as eleições
diretas para o cargo de Presidente da República, o povo brasileiro
conseguiu finalmente seu poder de voz. Esse movimento atingiu seu ponto
mais alto em 1988, na Constituição, quando os rastros desse regime foram
apagados pela mesma, estabelecendo a democracia no país.
Hoje em dia já superamos essa terrível fase do Brasil, mas isso não
quer dizer que todos tenham liberdade de escolha e expressão. Tudo
depende do ambiente em que vivem, das pessoas com quem convivem, das
suas opiniões e vários outros fatores que influenciam nesse quesito. Pelo
que percebemos na sua história, em sua terra, o Paquistão, apesar de
todos os seus encantos e do amor que você tem pela pátria, por causa do
medo, o que era para ser liberdade, se tornou um aglomerado de opiniões
escondidas por trás das normas ditadas pelo Talibã.
Uma das soluções possíveis para que esse problema de falta de
liberdade e de escolha seja resolvido seria educar as crianças desde
pequenas para respeitar a opinião dos outros, além de entender que todos
têm o direito de se expressar. Sabemos que isso é uma questão cultural,
não é simples mudar a cultura de uma nação, mas acreditamos que esse
seria um bom caminho. As leis teriam que se adequar para que todas elas
permitissem a liberdade de expressão e de escolha, essa permissão teria
que ser feita de modo que não ocorressem protestos violentos, ações desse

- 104 -
gênero e nem punições. Se as pessoas quisessem falar, seriam ouvidas. As
decisões governamentais e religiosas seriam feitas levando em conta a
opinião do povo.
Após o conhecimento de sua história não quer dizer que sairemos
nas ruas discursando e protestando pelos nossos direitos. Mas passamos a
enxergar o mundo de uma maneira mais crítica, não importa a nossa
idade, ou o quanto às vezes nos sentimos pequenas nesse universo imenso.
Podemos fazer a diferença! Mesmo que sejam pequenas ações. Não
precisa ser algo pelo qual seremos lembradas, mas algo que torne o mundo
um lugar um pouquinho melhor, onde possamos nos expressar livremente
e fazer escolhas como quisermos. Isso sim seria liberdade.
Queremos especialmente expressar nossa profunda admiração
pela pessoa que você é e pelo o que você transmitiu com seu livro.
Com carinho,
Nicole Carneiro e Elisa Martins

Sendo avaliada exclusivamente como atividade de produção


textual, suas falhas estão principalmente na ausência de uma
discussão maior no momento da produção textual e na falta de
oportunidade de reescrita do texto.
Uma questão interessante dessa atividade consiste no fato de
que os alunos escreveram para alguém de uma idade próxima a deles
que além de ser o personagem de um livro, pois trata-se de uma
biografia, é também uma pessoa real, e que eles podem, mesmo sua
carta não sendo escolhida pela turma, se interessarem e enviar a carta
de fato para Malala. Apesar de ser visto pelos alunos como um

- 105 -
“trabalho que vale nota”, a escrita da carta pode ser considerada uma
atividade que proporciona aos docentes uma grande proximidade de
um contexto real de produção.

- 106 -
Referências

BAKHTIN, M. (1992). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins


Fontes

DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o


oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY,
B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de: Campinas:
Mercado de Letras

MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, análise de gêneros e


compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

SILVA, A. A.; TORRES, M. G. P. As sequências didáticas no ensino de


produção de textos escritos: concepções de egressos do curso de
letras, V. 2, n. 2, ago.-dez. 2011

Revista do Mestrado em Letras Linguagem, Discurso e Cultura –


UNINCOR.

- 107 -
Aprofundando diálogos entre a literatura e a oratura na
escola moçambicana: desafios, debates e caminhos

Alexandre António Timbane

Considerações iniciais
Moçambique é um país lusófono, tal como o Brasil. O povo
moçambicano, na sua maioria é de origem bantu e fala diversas línguas
desse grupo. O país possui vinte línguas do grupo Bantu (LB), uma
língua de sinais e várias línguas de origem asiática faladas por
comunidades que trouxeram a cultura árabe principalmente na região
centro e norte de Moçambique. As LB estão distribuídas de forma
desigual ao longo do território de 801 590 km² e pouco mais de 25
milhões de habitantes.
As línguas maternas mais faladas em Moçambique são: “o
emakhuwa (26,3%), o xichangana (11,4%), português (10,8%), o cisena
(7,8%), o lomwé (7,2%), o cinyanja (5,8%), o echuwabu (4,8), o cindau
(4,5%), o citswa (4,4%), cinyungwe (2,9%), ciyaawo (2,2%), cicopi
(1,9%)”. (TIMBANE, 2015). A Língua Portuguesa (LP) é falada por 50,3%
da população como língua segunda e 10,7% da população como língua
materna, segundo os dados do Recenseamento Geral da População
Habitação-2007 (INE, 2008). Está clara a ideia de que Moçambique não

- 108 -
é monolíngue porque coabitam no mesmo espaço geográfico as
línguas do grupo bantu, as línguas asiáticas e o português.
Aprender uma língua é ao mesmo tempo aprender uma
cultura, pois a língua e a cultura estão intimamente interligados. O
multilinguismo tem sido confundido com o multiculturalismo. É que
não existe uma cultura homogênea do mesmo modo que não existe
uma língua homogênea. Tanto as línguas quanto a cultura estão em
constante contato, variando, mudando e criando novas influências aos
membros da comunidade. O plurilinguismo em África não é uma
exceção, mas sim um fenômeno normal, pois quase todos os africanos
falam pelo menos duas línguas. Algumas políticas e planejamentos
políticos privilegiaram a oficialização de pelo menos uma língua
africana.
Moçambique adotou o ensino do português como língua
segunda devido ao predomínio de línguas do grupo bantu faladas (e
não escritas) pela maioria da população. Segundo Timbane (2015,
p.93) “o grande problema encarado pelos professores no ensino
formal é o português, que é a segunda ou terceira língua da maioria
das crianças, principalmente nas zonas suburbanas e rurais”. Os alunos
chegam à escola sem ter nenhuma noção de português principalmente
nas zonas rurais onde reside a maior parte da população.
A maioria dos moçambicanos é bilíngue no contexto das LB e
por vezes, trilíngue, sobretudo dentro de um mesmo grupo linguístico.

- 109 -
É importante referir que o português é a língua de prestígio, da justiça
e da burocracia deixando-se as línguas do grupo bantu para situações
de comunicação informais.
Segundo dados de Malik (2013), Moçambique está no 185º
lugar no ranking mundial em desenvolvimento humano com cerca de
56,1% de taxa de analfabetismo de adultos, com uma satisfação de
qualidade em 63.3% e com 64.6% de taxa de abandono escolar. Um
dos problemas do fraco aproveitamento escolar é o fato de que a
criança estuda utilizando uma língua desconhecida. Para além disso, a
variedade do português de Moçambique se distancia da variedade
europeia fato que entra em choque com a gramática e o dicionário
português e que é utilizado em Moçambique.
Por outro lado, a escrita é adquirida através da educação
formal. O acesso às novas tecnologias também está intimamente
ligado ao domínio da escrita e ao mesmo tempo do nível de
alfabetização. Sendo assim, cidadãos que têm acesso às novas
tecnologias são aqueles que pelo menos têm o ensino fundamental,
na sua maioria. O acesso à internet tem vindo a crescer nos últimos
anos, fato que permite os menos escolarizados tenham acesso a esses
meios tecnológicos.
Para a presente pesquisa levanta-se uma questão importante:
Que diálogos a escola pode promover para que a literatura e a oratura
possam avançar em prol de uma educação que não despreze a cultura

- 110 -
local, mas ao mesmo tempo focando na perspectiva do mundo
globalizado? Entende-se que tanto a literatura quanto a oratura têm
um papel importante nas nossas vidas, embora a educação moderna
tem se distanciado da oratura (ALVES; TIMBANE, 2016). A formação de
um cidadão que respeite a sua cultura e suas tradições passa
necessariamente pela educação tradicional e formal, espaço onde a
escola deveria saber dialogar com a literatura e a oratura por forma a
encontrar um meio termo.
O povo moçambicano pela sua natureza é de tradição oral.
Muitos textos que hoje consideramos literários em algum momento
da história de Moçambique já foram oraturas e assim, tiveram muita
importância para a transmissão da cultura e das tradições. O espaço
“a volta da fogueira” é o palco dessa partilha de conhecimentos e de
experiências que passam de geração em geração.
Nesta pesquisa de caráter bibliográfico pretende-se discutir
dentre vários aspetos a importância da oratura e da literatura a
formação do aluno moçambicano em seu contexto local. Não adianta
importar teorias sem saber aplicá-las na realidade sociocultural de um
povo. Essa disparidade provoca todo tipo de recuo e desanimo das
crianças da escola fundamental. Moçambique tem registrado taxas de
reprovações altas resultado de adoção de métodos e metodologias
que se distanciam da realidade da criança, fato que por outro lado
provoca preconceito.

- 111 -
Na primeira seção discutiu-se a diferença entre a oratura e
literatura como o ponto de partida do debate, pois sabe-se que a
oratura sofre todo tipo de preconceito e é rejeitada pela escola como
se não tivesse importância para a cultura da criança que está na escola.
Na segunda seção falou-se da organização da escola fundamental
moçambicana e a problemática do ensino da literatura nos manuais
escolares. Na terceira seção, levanta os problemas para uma oratura e
literatura construtiva em Moçambique debatendo o que pode vir a ser
caminhos para uma educação inovadora. Na quarta seção, coloca
algumas propostas para o estudo da literatura na escola e do reforço
da oratura no seio familiar visto que as novas tecnologias como a
televisão fazem com que os pais deixem de ser contadores das
histórias e passam a ser telespectadores assíduos das novelas
brasileiras e mexicanas. Antes da apresentação das referências
bibliográficas, o artigo apresenta as considerações finais, trazendo os
principais pontos a serem considerados nesta pesquisa.

A tradição oral e a oratura moçambicana


O português sendo a única língua da literatura em
Moçambique tem tido mais privilégio se compararmos com as línguas
locais. Segundo Ngunga e Faquir (2012) a padronização só foi possível
no 3º Seminário da padronização realizada em Maputo em 2008. O
atraso na elaboração de dicionários e gramáticas das línguas bantu se

- 112 -
deve ao fato de que o Governo jamais tinha financiado nem dado
espaço para que estas línguas sejam estudadas. O marco mais
importante se deu na Universidade Eduardo Mondlane (a maior
universidade pública de Moçambique) que criou um Departamento de
Línguas Bantu. Nesse Departamento alunos da graduação iniciaram
pesquisas que descreveram as diversas línguas bantu. As oraturas são
difundidas pelas línguas bantu e a literatura através da língua
portuguesa, a língua oficial do país.
Falamos sobre as línguas bantu no parágrafo anterior por que
é através destas línguas que se concretiza a oratura no contexto
moçambicano. Há múltiplas manifestações oraturescos em
Moçambique: narrativas históricas, contos e lendas, adivinhas, poesias
e canções. A oratura é a mais antiga que a literatura, pois como se
sabe, a escrita foi “inventada na metade do quarto milênio a.C. quando
os sumérios em Uruk buscaram um método melhor de lidar com
contabilidade complexa” (FISCHER, 2009, p.14).
A importância dos mais velhos nas tradições africanas, em
especial dos povos do grupo bantu é importante porque são eles que
passam a bagagem de conhecimentos acumulados ao longo da vida
para as novas gerações. Os contos são, sem dúvidas, o ponto de
partido para essa troca de conhecimentos culturais. O ensinamento se
baseia em uma história ou um conto onde se extrai a moral, quer dizer,
o conhecimento.

- 113 -
Toda a oratura não tem dono, quer dizer, as histórias e os
contos não têm autoria atitude que contraria os princípios da
literatura onde cada autor se identifica e toma posse das estórias
inventadas. Enquanto a oratura possui público específico (jovens e
crianças) e exige a presença física dos ouvintes, a literatura atinge
público distante e não são previsíveis os futuros leitores nem a sua
faixa etária. O contador de histórias certifica (em presença) a
compreensão do conto ou vai tirando dúvidas e incompreensões,
enquanto que, o texto escrito pode ser interpretado de formas
diversas dependendo da instrução, da cultura ou das influências do
leitor.
Os ‘contadores’ não têm a possibilidade de criar palavras novas
(neologismos) enquanto que os escritores têm mais tempo para
pensar, inventar e colocar os seus estilos nos textos. Os textos
produzidos oralmente são sujeitos a mudanças (acréscimos ou
omissões) segundo os objetivos do ‘contador’, enquanto que, na
literatura se mantém fiel o texto original do autor com o fim e a moral
pré-determinada. É importante notar que a cultura moçambicana é
única, é social, é oralizada no pensamento, o que significa que o
discurso é falado no cérebro. Desta forma se entende que a voz e a
imagem constituem um ponto de partida de nossa narrativa oral.
Antunes (2012, p. 47) afirma que “as palavras têm a cor, o gosto
da terra em que circulam, da casa em que habitam”. Neste caso, as

- 114 -
narrativas oralizadas carregam consigo os ensinamentos e as
experiências que se transmitem dos mais velhos para as novas
gerações. É importante lembrar que os povos bantu são de tradição
oral e a escrita só chegou com a colonização (ALVES; TIMBANE, 2016).
Desta forma, a tradução do contexto social e cultural de uma
determinada comunidade linguística depende da perspectiva como
essa comunidade enxerga o mundo. Em Moçambique, a coruja é ligada
à feitiçaria, à superstição enquanto no Brasil, a mesma ave é sinônimo
de ‘sabedoria’. Em todas as histórias o animal mais esperto e manhoso
é o coelho enquanto que em outras culturas o rato é o mais espero.
Esses significados estão intimamente ligados à cultura de um
determinado povo.
A transmissão dos valores culturais, morais e éticos,
importantíssimos para o desencadeamento e integração do ator social
dentro da comunidade só são possíveis porque os responsáveis pela
transmissão se valem do sistema linguístico (línguas bantu) para de
modo particularizado expor ao outro, aspectos culturais remotos no
tempo e no espaço, dos quais o aprendiz não participou. É essa a
importância das línguas africanas na marcação da identidade e na
afirmação da cultura do povo. Já que as línguas africanas não são
oficiais, então a sua expansão e uso se restringe apenas para as zonas
rurais, por conseguinte, locais onde reside a maior parte da população.

- 115 -
Com estas palavras, abrimos o caminho para melhor
compreender porque propomos a oratura e a literatura em prol da
formação dos jovens leitores e pensadores do presente e do futuro.
Vejamos a seguir como a escola moçambicana lida com os aspectos da
literatura versus experiência das crianças que entram ou que estão no
ensino fundamental.

A escola moçambicana e o ensino da literatura


O ensino fundamental é o único grau de ensino que é gratuito.
O ensino médio é custeado por cada moçambicano, pois o estado não
se responsabiliza. É importante explicar como o ensino fundamental
está organizado para melhor discutirmos os assuntos inerentes ao
ensino. Segundo Timbane, o currículo do ensino básico do Sistema
Nacional de Educação tem sete classes organizadas em 2 graus. O 1º
grau (Ensino Primário do 1º grau-EP1) compreende cinco classes (da
1ª à 5ª classes) e o 2º grau (Ensino Primário do 2º grau-EP2)
corresponde a duas classes (6ª e 7ª classes). A idade de ingresso para
esse ensino é de 6 anos.
O Estado não se responsabiliza pelo ensino pré-escolar. Esse
ensino é assegurado por instituições privadas. Cada turma do EP1 é
ensinada por um professor que leciona todas as disciplinas
curriculares, enquanto que no EP2, cada disciplina é lecionada por um
único professor (TIMBANE, 2014, 2015; LOBO e NHEZE, 2008).

- 116 -
Entendemos que a 1ª classe (1º ano, no Brasil) é uma classe inicial e é
nesta classe (série) onde é necessário criar-se bases fortes e sólidas
para que o aluno aprenda com facilidade nas classes seguintes. No
caso de Moçambique, observa-se

que há fraco domínio da escrita, da leitura e da


expressão oral por parte de muitos alunos fato que
faz com que alguns pais reclamem a baixa
qualidade de ensino em Moçambique,
comparando com o ensino no período colonial ou
com o pós-colonial. (TIMBANE, 2013, p.210).

O professor deve ser capaz de permitir que seus alunos


compreendam, de forma reflexiva e crítica, os textos lidos e discutidos
em sala de aula. A evolução do mundo natural e social do ponto de
vista das relações humanas com o progresso tecnológico um dos
grandes problemas da educação é o fato de o português ser a segunda
ou a terceira língua para a maioria das crianças. Por isso que na
perspectiva de Timbane (2015) seria importante dar-se enfoque na
educação bilíngue por forma a atender o insucesso escolar que
prolifera na escola moçambicana. Para Timbane (2015, p.101)

a educação bilíngue devolve a autoestima dos


alunos e reduz o preconceito linguístico que ainda
prevalece no seio da sociedade. A valorização das
LB locais pela escola traria à tona o conhecimento
tradicional que é adquirido na comunidade por
meio das LB. Há muitos desafios a ser enfrentados,
desde a publicação de dicionários, gramáticas e

- 117 -
manuais que refletem a realidade sociolinguística
dessas línguas locais. Há necessidade da
oficialização das LB moçambicanas por forma a
servir como meio de comunicação plena e sem
restrições.

A literatura é a arte de compor e expor escritos artísticos, logo,


os textos produzidos e difundidos pela oralidade não são inclusos. Por
isso que “o conceito de literatura é multifacetado e está condicionado
à linha teórica adotada pelos estudiosos da literatura” (VIEIRA, 2008,
p.456). A escola exige a literatura e não a oratura. A criança domina a
oratura e a literatura se torna algo novo. A leitura coloca muito alunos
moçambicanos em desanimo porque a língua de casa é diferente da
língua da escola, e consequentemente, da literatura. O aluno que não
tem domínio do português é fraco na leitura e nas restantes disciplinas
curriculares ministradas em português.
A língua é cultura e a cultura está impregnado na língua. Uma
história contada em xichangana (uma língua bantu moçambicana)
torna-se diferente quando contada em português porque perde alguns
traços característicos da língua bantu. Para Brait (2011, p.82) “ao longo
da narrativa, nos muitos e humorados diálogos, é possível surpreender
alguns aspectos dessa dimensão fortemente enfatizada,
circunscrevendo elementos existenciais, culturais, sociais e até mesmo
políticos”. Para sustentar as argumentações colocadas pode-se tomar
exemplo da obra “Terra Sonâmbula” de Mia Couto. Nesta obra, o autor

- 118 -
apresenta realidades socioculturais e, sobretudo políticos que
ocorrem/ocorreram na realidade moçambicana.
A obra de Couto (2007) descreve o sofrimento causado pela
guerra política que se fez sentir no país. “Os doze cadernos de que
compõem o diário de Kindzu estão recheados de histórias e fantasias
míticas ancoradas tanto na cultura tradicional do sudeste Africano
quanto na vivencia dos horrores de um conflito que mais parece um
pesadelo sem fim”. Em muitos momentos deste romance percebe-se
a presença de moçambicanismos lexicais, sintáticos e semânticos que
só podem ser entendidos pelos compatriotas do autor. Alguns
fenômenos que acontecem com as personagens são, de fato, uma
realidade e não espantam a um leitor moçambicano enquanto que
para um brasileiro pode ser estranho. O conjunto da obra tem mais
profundidade de informação do que um trecho ou um conto presente
no manual escolar.
Para Lobo e Nheze (2008) há que se pensar na qualidade do
ensino olhando nos elementos da política educacional vigente. Os
autores citados defendem investimentos no ensino fundamental
sugerindo um currículo equilibrado que atende a realidade local. Para
além disso há que se apoiar nas políticas de materiais de ensino. É
neste âmbito que se pode investir na compra de livros e outros
materiais para a criação de bibliotecas nas escolas

- 119 -
independentemente do nível. O tempo letivo é inadequado (2h30 por
dia) e o controle de saúde nutrição nas escolas do país é inexistente.
A falta dessas condições pode participar para insucesso escolar.
Os pais dos alunos das zonas urbanas e suburbanas incentivam seus
filhos para vender a fim de aumentar a renda da família enquanto que
os pais da zona urbana incentivam seus filhos a aprender a pastar o
gato, a lavrar a terra para a produção da comida. Estes problemas
merecem muita atenção por parte dos coordenadores do ensino
moçambicano, pois não apenas se pode lamentar a ausência de
recursos financeiros, mas sim pode-se produzir para se fazer a
merenda escolar em nível local.
Timbane (2014) realça a necessidade de apetrechamento das
escolas em obras literárias como forma de incentivar a leitura; os
conteúdos e os materiais oferecidos aos alunos devem ir ao encontro
das necessidades educativas das crianças. O recurso a educação
bilíngue pode servir de alavanca para reduzir a baixa qualidade de
ensino e o preconceito com relação às línguas locais. O que se constata
é que há casos em que a criança repete várias vezes a mesma
classe/ano só porque não domina a língua portuguesa. A criança já
conhece, por exemplo, as partes da planta na sua língua africana e até
conhece quais são as doenças que podem ser curadas a partir de
planta. O maior pecado é que não sabe isso em português. Não é justo
que ela reprove tantas vezes só porque não sabe falara em português.

- 120 -
E mais, esta criança domina muitos conhecimentos científicos em sua
língua materna, aprendizagem que adquiriu em casa com os pais, os
avós e nos ritos de iniciação.
Estes problemas no sistema de ensino não ocorrem apenas em
Moçambique. Estudos de Namone e Timbane (2017) mostram
claramente como a Guiné-Bissau enfrenta problemas inerentes às
línguas e à cultura. Isso significa que a diversidade linguística é um
patrimônio da humanidade que deve ser valorizado e protegido; o
respeito por todas as línguas e culturas é fundamental no processo da
construção e manutenção do diálogo da paz e no desenvolvimento do
mundo; todo humano tem direito de aprender na sua própria língua;
as línguas são apenas instrumentos de comunicação, mas também
defensores da cultura e da identidade; a tradução, a interpretação na
língua do sujeito é um direito.

Problemas para uma oratura e literatura construtiva em


Moçambique
Em todo mundo, a chegada dos meios de comunicação de
massa e tecnológicos afastaram cada vez mais os leitores de obras
imprensas e os leitores usam e-books e outros formatos digitais.
Moçambique não é exceção. A televisão é um dos meios mais comuns
nas zonas urbanas e suburbanas de Moçambique, mas também raro
nas zonas rurais onde em muitos casos nem tem energia elétrica.

- 121 -
O aluno moçambicano, desde 1975, ano da independência, já
vinha tendo problemas na área literária porque primeiro, os
professores não eram/são apreciadores assíduos da literatura; em
segundo lugar, não há cultura literária no seio da comunidade uma vez
que predomina a oratura; em terceiro lugar porque os manuais
escolares adaptam os textos originais reduzindo-os para poucas
páginas, o que não permite ter contato com a obra completa e,
finalmente, porque o custo do livro é muito alto que chega a quatro
salários mínimos. Desses problemas se inclui a falta de políticas claras
que incentivam o avanço da literatura na escola moçambicana.
Analisando os manuais escolares percebe-se que o ensino de
textos literário privilegia o ensino da gramática, quer dizer, utilizam-se
frases de textos literários para analisar sintática e morfologicamente.
O uso de textos literários para o estudo da gramática conduz aos
problemas de insucesso que tanto se comenta na sociedade. No seio
dos linguistas há consenso segundo o qual a língua literária não pode
servir de modelo para o estudo da gramática, pois o escritor utiliza
uma arte literária na produção do seu discurso fato que se distancia da
fala real do dia a dia (PERINI, 2010; CASTILHO, 2010; BAGNO, 2012).
A nossa experiência como professores de português nas
diversas escolas públicas e privadas de Moçambique nos permite
concluir que há necessidade de primeiro formar-se um professor leitor
para depois formar um aluno leitor. A falta de motivação literária dos

- 122 -
professores que saem dos institutos de magistério comparticipa no
fraco trabalho com textos literários. À estas questões acrescemos os
baixos salários que não permitem que um professor possa comprar
uma obra literária.
Em todas as classes do ensino fundamental, os professores só
usam o manual distribuído pelo Ministério da Educação apenas. Aliás,
os poucos textos que aparecem no livro didático foram adaptados.
Desta forma é impossível que o aluno valorize a cultura literária.
Entendemos que a cultura é uma herança social que se constitui
através das contribuições individuais provenientes de experiências
pessoais e representativas de atitudes comuns ao grupo de pertença.
Partindo desse raciocínio se percebe que as manifestações
culturais são para evidenciar as diversidades culturais que compõem o
mundo e por isso é necessário a valorização das raízes que
originariamente os representa. Tendo em conta a composição
heterogênea das sociedades como prova de não unicidade e sim de
origens várias dos povos que as compõem.
Em Moçambique observa-se a entrada massiva de telenovelas
brasileiras (incluindo mexicanas dubladas em português do Brasil) em
quase todos os canais televisivos abertos e fechados fato que permite
aprendizagem de brasileirismos de todo tipo. Na fala cotidiana,
verifica-se uma rivalidade entre a variedade do português europeu e
português brasileiro principalmente na camada juvenil e adolescente.

- 123 -
Em contrapartida os manuais escolares moçambicanos ensinam
preconceituosamente que a variedade europeia é a mais correta, é o
padrão, contradições que têm provocado insucesso escolar e a baixa
da qualidade de ensino.
Estes fatores contribuem para que os moçambicanos prefiram
o português europeu, deixando para segunda preferência as línguas
locais que são a identidade sociocultural. Partindo do princípio de que
não existe uma cultura homogênea chegou-se à conclusão de que não
existe uma língua homogênea. Aliás, a criação de gramática do
Português brasileiro prova mais uma vez que não existe uma variedade
melhor que a outra. As novelas brasileiras contribuem com léxico e
variações semânticas que de certo modo enriquecem o português de
Moçambique.
Todas as línguas são fruto de variações e de mudanças ao longo
do tempo. A aculturação linguística permite com que o português seja
o meio de comunicação com outros povos ou nações, pois é uma
língua internacional se compararmos com as línguas bantu. Esse é um
ganho, pois a diversidade linguística de Moçambique não permite com
que haja comunicação entre os próprios moçambicanos e o português
aparece como língua de união, mesmo sabendo que a maior parte dos
moçambicanos não fala português. A língua está intimamente ligada à
cultura, por isso que o português de Moçambique é rico em

- 124 -
empréstimos e estrangeirismos proveniente das diversas línguas
bantu e de outras faladas no país.
Quando se fala de oratura construtiva ou literatura construtiva
referimo-nos aos textos (orais e escritos) que fornecem uma bagagem
de conhecimentos que visam a formação do ser humano que se
integra na comunidade. Tal como Alves e Timbane (2016) sustentam,
muitas estórias e histórias contadas ou relatadas possuem alguma
lição de vida, uma forma de passar as regras de ser e de estar na
sociedade. A educação formal e informal tem um objetivo comum: a
formação da identidade sociocultural. Acreditamos que a literatura é
importante no âmbito da escola moderna enquanto que a oratura tem
o seu valor na escola tradicional como é o caso dos ritos de iniciação.

Propostas de estudo da literatura na escola e a oratura no seio


familiar
A literatura é fundamental na educação moderna. A leitura
ganha um espaço privilegiado, pois “qualquer disciplina apoia suas
aulas em textos escritos (embora alguns sejam explicados oralmente),
o que é facilitado até mesmo pela indicação de um livro didático
específico” (ANTUNES, 2009, p.187). Por esta razão a ‘guerra’ pelo
ensino da literatura não deveria ser apenas dos professores de língua
portuguesa, mas sim de todos professores das diversas disciplinas
curriculares sem exceção. Entendemos que há necessidade de

- 125 -
valorizar a multidisciplinaridade na escola, pois os benefícios e os
sucessos de um aluno que sabe ler, interpretar um texto se estendem
à todas as disciplinas. Para Antunes (2009), a leitura ocupa um lugar
de destaque no currículo escolar e constitui um instrumento de
cidadania.
Os manuais não poderiam trazer textos adaptados, porque
essa atitude camufla a criatividade linguística dos escritores
moçambicanos que é a riqueza artística literária característica local.
Cremos que os moçambicanismos presentes nas obras literárias de
moçambicanos dão uma oportunidade para que os professores
discutam a variação linguística em sala de aula. É preciso lembrar que
nenhum livro escolar tanto do fundamental quanto no médio discute
a variação linguística. A variação ainda é tida como desvio e assim, cria-
se todo tipo de preconceito com relação a ela.
Concordamos com Gomes (2011) quando afirma que é
importante que se escolha sempre um texto que seja compreensível,
interessante, mas principalmente, que seja significativo e acrescente
algo àquela criança. Os professores deviam ser incentivados ou
motivados pela escola para interagirem com pais e encarregados de
educação sobre a literatura. Conversando com pais é possível cada pai
contribuir com um ou mais livros literários que poderão ser lidos e
discutidos em sala de aula. Essa ideia é positiva, porque é importante
envolver os pais e a comunidade para que a escola logre sucessos.

- 126 -
Criação de bibliotecas nas escolas é fulcral e fundamental para
o sucesso desta tarefa. Jamais o Estado terá dinheiro para esse fim.
Seria importante que a escola seja criativa e ativa juntando as mãos
com pais, a comunidade, as empresas públicas e privadas no sentido
de cada um dar o seu contributo em prol da literatura. O convite de
pais (anciãos) da comunidade para vir contar estórias e histórias da
comunidade seria interessante. Por que a escola não pode se
distanciar da comunidade, dos usos e costumes bem como da cultura
em que o aluno está envolvido.
O Ministério da Educação de Moçambique é a peça
fundamental para o sucesso do ensino da literatura e da oratura. O
Ministério tem a missão de planificar, coordenar, dirigir e desenvolver
atividades no âmbito da educação, contribuindo para a elevação da
consciência patriótica, o reforço da unidade nacional da
moçambicanidade. Todas as dificuldades que os professores
enfrentam em sala de aula são em grande parte pela falta de
cumprimento das obrigações do Ministério. A falta de biblioteca, de
obras literárias na escola, o manual escolar com textos adaptados é da
responsabilidade deste Ministério. Se queremos uma sociedade lida e
culta é necessário apostar nos hábitos de leitura que iniciam na escola,
no ensino fundamental.
Na sala de aula, os moçambicanismos se manifestam de
diversas formas tanto na fala quanto na escrita dos alunos embora

- 127 -
sejam “bloqueados”, ou melhor, corrigidos pelos métodos da escola
moçambicana através do conceito de “erro” que pune, que sanciona e
faz com que os alunos repitam de classe (ou série) várias vezes. A
escola finge ter professores especializados no português europeu e ao
fim do ano colhe fracos resultados e baixa qualidade por causa dessa
falsa crença de que a melhor variedade do português é a europeia.
Essa atitude incentiva a intolerância linguística no contexto
moçambicano.
Em muitas partes da zona rural o aluno só fala em português
na sala, como o professor e colegas. Fora da sala e junto à família
língua predominante é uma língua do grupo bantu. É preciso criar
atividades em sala que impulsionam o desenvolvimento da oralidade,
da leitura e da escrita. Atividades do tipo: a) leitura em voz alta; b)
redação do fim da história lida ou comentários sobre uma história; c)
debates e discussão sobre um assunto tratado numa história.
O professor, sendo um ator participante precisa aproveitar ao
máximo possível, o tempo em que está em contato com o aluno,
porque esse é o momento especial uma vez que em casa, a criança
pode falar as diversas línguas bantu faladas pelos seus familiares. A
“criação dos exercícios de expressão oral (conversas, simulações,
dramatizações) pode ajudar às crianças moçambicanas a superar o
fraco domínio da língua portuguesa”. (TIMBANE, 2013, p.225).

- 128 -
O texto literário apresenta um conjunto de sutilezas linguísticas
que dão forma especial ao mundo narrado (BRAIT, 2011). Este
conjunto de sutilezas linguísticas criam estilo próprio do autor, tal
como se pode observar na obra de “Terra sonanbula” de Mia Couto.
Cita-se exemplos de: ‘brincriações’ (p.10), ‘machimbombo’ (p.10)
‘charruando’ (p.12), ‘boquinhaberto’ (p.15), ‘lumezito’ (p.59),
‘cambalinhando’ (p.149), ‘logo-logo’ (p.149) que só podem ser
compreendidas dentro do contexto textual.
Na obra “Terra sonâmbula” e “O fio das missangas” ambos de
Couto apresentam muitos moçambicanismos. As palavras nhamussoro
(curandeiro), timaca (problema), mamba (cobra venenosa), siwale
(compadre), ximandjemandje (dança) são exemplos lexicais que
ocorrem nessas obras. É isso que deve ser explorado e discutido em
sala de aula, na aula de literatura. Desta forma,

O professor deve realizar seleção de textos


literários, tendo em vista os interesses e a
capacidade interpretativa dos alunos. É preciso
mostrar que qualquer obra literária é formada por
meio do entrelaçamento de registros linguísticos e
estéticos. Além disso, é importante que o aluno
tenha a liberdade de selecionar seus próprios
textos, a partir de suas experiências prévias de
leitura, no sentido de descobrir o prazer de ler
(SILVA, s.d. p.517).

O aluno deveria ser orientado para compreender o papel


estético da literatura, bem como a função social desta manifestação

- 129 -
artística. Não encontrando uma relação direta entre o texto literário e
o seu cotidiano, o aluno não percebe a literatura como espaço de
construção de mundos possíveis que dialogam com a realidade. É
fundamental que a escola aborde a função social da literatura como
uma possibilidade de ‘ler o mundo’, contribuindo, assim, para a
formação de leitores críticos, capazes de articular a leitura de mundo
à leitura produzida em sala de aula (SILVA, s.d. p.517).
Pensar na interdisciplinaridade permite olhar para a literatura
como um campo que pode ser discutido por outras disciplinas
curriculares. Selbach (2013, p.66) defende que a língua portuguesa
“pode propor temas para a discussão oral, o emprego adequado da
linguagem escrita, os fundamentos que caracterizam a prática da
síntese, argumentação e a análise da importância e respeito às
opiniões ouvidas”. É preciso fomentar a criatividade dos alunos na
produção de ideias partindo de textos lidos ou estórias ouvidas. O
Currículo Local (doravante CL)

é uma componente do currículo nacional


correspondente a 20% do total do tempo previsto
para a leccionação de cada disciplina. Esta
componente é constituída por conteúdos definidos
localmente como sendo relevantes, para a
integração da criança na sua comunidade
(INDE/MINED, 2003, p. XVII).

A definição dos conteúdos relevantes, em nível local, é feita por


todos os intervenientes na educação da criança, isto é, todos os

- 130 -
elementos que fazem parte da comunidade onde se situa a escola,
nomeadamente professores, alunos, pais e encarregados de
educação, líderes e autoridades locais, representantes das diferentes
instituições afins, organizações comunitárias. Este processo é
coordenado pela direção da escola e pelo conselho de pais a quem
cabe a planificação das atividades que culminarão com elaboração de
um programa do CL para a escola. Concordamos com a ideia de que o
sucesso da educação só terá qualidade se envolvermos as entidades
citadas neste parágrafo. Para Lobo e Nheze (2008, p.12),

é importante envolvimento dos pais na educação


dos filhos (controle do processo educativo –
controle do trabalho de casa dos alunos, estudo
acompanhado das crianças, gestão do descanso
dos alunos – dar às crianças tempo suficiente para
o descanso, evitar o envolvimento das crianças em
trabalhos extenuantes e por longos períodos de
tempo (vender até altas horas da noite, carregar
baldes pesados de água) saúde das crianças, asseio
e nutrição – desparasitação, controle de doenças
da pele e malárias; o cumprimento dos horários
pelas crianças e matrícula aos 6 anos na 1ª classe);
Envolvimento dos pais na gestão da escola (gestão
dos recursos humanos e financeiros da escola)

Respondendo à pergunta “como vem o gosto pela leitura?”,


Antunes (2009) mostra que o papel do professor é preponderante para
o alcance desse propósito. Um professor que gosta de ler, obviamente
poderá incentivar seus alunos para esse feito. A ligação entre o aluno,
o professor e o autor do texto literário deveria ser intrínseca para que

- 131 -
estes intervenientes possam interagir e discutir o mundo literário. O
aluno é o explorador da primeira viagem, o professor é o
intermediário, quer dizer, aquele que facilita o acesso ao texto
enquanto que o autor é quem cria e faz as personagens dialogarem no
tempo e no espaço.
A visão do autor é importante, pois o autor está inserido numa
sociedade e essa sociedade tem uma cultura. Os textos de Mia Couto,
Ungulane BA-ka Kossa, Paulina Chiziane, José Craveirinha, Noémia de
Souza, Juvenal Bucuane, Nelson Saúte, Luís Bernardo Honwane, Lina
Magaia, Bento Sitoe entre muitos outros apresentam um conteúdo
próprio de Moçambique, relatam assuntos próprios de moçambicanos
e usam recursos léxico-semânticos próprios de Moçambique. O acesso
à cultura moçambicana permite ao mesmo tempo compreender os
mundos que os autores apresentam em seus textos. É importante
ressalvar os benefícios da leitura: aquele que transita pelo mundo das
páginas, que deixa rastro de sua experiência de leitor (ANTUNES,
2009).

Considerações finais
A fuga (ou o abandono) ao uso de textos literários em outras
disciplinas revela a falta de cultura de leitura por parte de muitos
professores no ensino fundamental e médio. Engana-se quem entende
que a literatura é só para professores de língua portuguesa! Isto

- 132 -
porque literatura é cultura mesmo para sociedades ágrafas onde
predomina a oratura. Essa falta de ânimo ou motivação para ler deixa
a responsabilidade de leitura e estudo da literatura apenas para os
professores de língua portuguesa.
Este aspecto é muito interessante, pois se formos a entrevistar
quantos professores de outras disciplinas que não seja língua
portuguesa leem livros literários teríamos respostas desastrosas e
negativas. Sendo assim, todos os professores, mas todos mesmo,
independentemente da disciplina que ensinam deviam pensar,
organizar, fomentar e incentivar textos literários nas suas disciplinas
por forma a trazer mais motivação na arte literária.
Entendemos que o sistema educativo deixa o estudo e o
incentivo da literatura apenas para o professor de português.
Entendemos que todo professor (de qualquer disciplina) deve ser
sensível ao lado literário trazendo nas suas aulas diversas obras, textos
ou trechos que vão despertar interesse ao aluno. É claro que essa
‘ginástica’ passa por uma preparação minuciosa do professor. Passa
por uma formação e preparação individual atempada e profunda por
forma a que os objetivos sejam alcançados satisfatoriamente.
A língua portuguesa constitui um obstáculo na aprendizagem,
principalmente nas crianças que possuem língua portuguesa como
segunda língua. Nas classes subsequentes (de 3ª em diante), os alunos
têm mais disciplinas onde são avaliados de forma escrita. O aluno que

- 133 -
não domina a expressão e a compreensão escrita não aprova nas
várias disciplinas, pois não conseguirá ler, entender e responder às
perguntas das provas. Logo, a língua portuguesa “bloqueia” e/ou
“condena” o aluno que esteja nas condições acima descritas.
É papel da escola formar leitores capazes de ter um espírito
crítico. Tanto na oratura quanto na literatura há sempre um aspecto
crítico a observar, a aprender. Nas tradições moçambicanas, a
criança/o adolescente/o jovem já sai de casa sabendo diversas
histórias e estórias da sua comunidade. Esses contos carregam consigo
uma carga de conhecimentos das tradições. Por isso é necessário
trazer para a escola essas realidades socioculturais do meio do aluno.
Quando a escola recusa ou melhor separa a literatura da oratura cria
preconceito como se a educação tradicional não tivesse importância.
O preconceito de todo tipo deve ser evitado nas aulas de literatura ou
oratura, pois não existe uma cultura evoluída que outra apenas
diferente.
Tal como sublinha Ki-Zerbo (2006, p.132), “África contribuiu
para seu próprio declínio, dado que alguns grupos sociais africanos
ajudaram na exploração a África”. Observando a maioria dos países
africanos, quase todos adotaram a língua do colonizador, adotaram a
civilização do colonizador incluindo a educação do colonizador que
menospreza as tradições locais. É nesta ordem de ideia que a oratura
ficou a margem sendo repreendida pela escola a todo momento.

- 134 -
Hoje, se formos a perguntar entre a oratura e a literatura o que
é mais importante a resposta mais comum seria ‘é a literatura’, pois
ela é feita em língua de prestígio (língua portuguesa) e circula em
ambientes mais privilegiadas da alta e média sociedade. Vejamos que
até o custo dessa mesma obra literário é proibitivo, pois populações
economicamente desfavorecidas nem conseguem comprar tal obra.
Nesta ordem de ideia a escola pode combater este desnível
social trazendo ao debate em sala de aula toda oratura incluindo a
literatura mostrando o valor que cada tem formação de jovens
formadores de opiniões. Concordamos com Silva (s.d.) quando apoia a
necessidade de transformar o ensino de literatura num espaço que
busque meios de persuadir o aluno-leitor a encontrar, na leitura do
texto literário, um espaço lúdico de reconstrução de sentidos, em que
a imaginação do leitor é guiada pelos indícios textuais no ato dinâmico
da leitura.
Por isso que “cabe aos africanos descobrir, inventar novos
paradigmas para a sua sociedade” (KI-ZERBO, 2006, p.136). África e os
africanos precisam caminhar olhando para sua cultura e para as suas
tradições que por um lado trazem a identidade, mas por outro,
revelam a importância das suas culturas e a oratura está sempre
embutida. É preciso pensar na interdisciplinaridade discutida com
propriedade por Selbach (2013) quando afirma que é preciso que
pensemos no ensino baseado em habilidades ou competências; numa

- 135 -
aprendizagem centrada no aluno; num construtivismo e aprendizagem
reflexiva; num ensino em espiral e inovadora; uma abordagem
interdisciplinar dos conteúdos; uma abordagem integrada dos
conteúdos e; um ensino orientado para a atividade.

- 136 -
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- 139 -
Quando o direito de ler é incentivado: O gato Malhado e a
andorinha Sinhá na sala de aula

Nadir Francisco Rodrigues Pinheiro26


Maria Aparecida Barros de Oliveira Cruz27

Desde o seu surgimento, a literatura traz como função principal


a atuação nas mentes do indivíduo. É através do contato com essa arte
que o sujeito encontra a situação ideal para ampliar e transformar a
sua experiência de vida, uma vez que ela pode contribuir com a
inserção de valores e/ou com a propagação desses, assim também
como pode ser um elemento subversivo. (CANDIDO, 2006). Segundo a
ensaísta e crítica literária Nelly Novaes Coelho (2000, p.41), os contos
de fada, por exemplo,

[...] antes de se perpetuarem como literatura


infantil, foram literatura popular. Em todas elas
havia a intenção de passar determinados valores
ou padrões a serem respeitados pela comunidade
ou incorporados pelo indivíduo em seu
comportamento.

26
Aluna do programa de pós-graduação lato sensu Educação e Linguagens da UEG
campus Porangatu.
27
Professora efetiva de Literaturas de Língua Portuguesa, Teoria literária e estudos
e práticas do letramento da UEG Campus Porangatu; doutoranda do programa de
pós-graduação em Letras e Linguística, com área de concentração em Estudos
Literários; bolsista CAPES.

- 140 -
Também para o crítico e sociólogo Antonio Candido (2006), a
literatura possui um caráter social, produzindo, assim, na criança um
efeito prático, estimulando mudanças na sua conduta e na percepção
de mundo, reforçando sentimentos e valores morais, sociais e
culturais. A literatura está presente na vida da criança, mesmo antes
da existência dos livros. Séculos atrás, o ensino era realizado através
da oralidade e a infância não era concebida como hoje, sendo a criança
tratada como “adulto em miniatura”. (COELHO, 2000). Mesmo nesses
tempos, a literatura, que era transmitida oralmente, tinha o caráter
formador. (ZILBERMAN, 1989).
A literatura oral, que é transmitida pela mãe e por outros
mediadores, coloca a criança em contato com o texto mesmo antes de
ela ter aprendido a ler, abrindo-lhe a possibilidade de obter caminhos
para conhecer o mundo. Apesar de os contos diversos, os mitos, o
teatro, os contos de fadas e todos os modos de comunicação oral
serem veículos de transmissão de regras e valores sociais, podendo ser
utilizados tanto para o bem quanto para o mal, difícil é negar a
importância dessa literatura para a formação psíquica do indivíduo.
Conforme Bruno Bettelheim (1979), o contato com histórias contadas
ou lidas possibilita à criança a percepção de novas realidades bem
como a reflexão sobre as já existentes, em especial quando bem
orientadas por um adulto, isso porque uma das necessidades
fundamentais da criança é dar sentido ao mundo e a si mesma. Assim,

- 141 -
a leitura é uma atividade capaz de interferir na formação do indivíduo
e nas suas formas de se relacionar com o mundo.
Desta forma, torna-se inegável a afirmação de que a literatura
exerce papel importante no que diz respeito ao aspecto formativo.
Neste sentido, entender que a literatura, por seu caráter libertador,
traz em sua essência a função de humanizar, é imprescindível
(CANDIDO, 2006). Além disso, ela pode ser uma forma de extravasar
traumas, conflitos, angústias, etc. Para Bettelheim (1979), usar
narrativas literárias para dar voz a alguns conflitos, anseios e fantasias
da criança é fundamental.
Mesmo reconhecendo que a leitura é imprescindível para a
construção de conhecimentos e para o desenvolvimento intelectual,
ético, social e cultural do indivíduo, há inúmeros empecilhos no
processo de aproximação entre o livro e a criança/adolescente.
Cabendo, portanto, à escola servir como agente de formação e de
contato entre o aluno e o livro, já que a escola é um espaço privilegiado
para a disseminação da literatura e de seu caráter formador (COELHO,
2000). Se a aproximação entre o livro e o leitor não se dá com a
frequência que deveria, o que é possível fazer para garantir ao aluno o
direito de ler? Quais mensagens as crianças assimilam com maior
frequência a partir da leitura de um livro? De que forma a literatura
ecoa na mente da criança e do infante? Quais traços da sociedade a
literatura pode e deve incorporar?

- 142 -
Mediante a tudo isso, esse artigo tem como proposta analisar
o livro O gato Malhado e a andorinha Sinhá, procurando evidenciar as
relações que se estabelece entre a literatura e a sociedade. Partimos
do pressuposto de que a obra literária é uma transfiguração da
realidade, e como tal ela representa, em miniatura, as relações sociais
que construímos enquanto sujeitos inseridos em uma dada realidade.
É nosso propósito também investigar de que forma as personagens e
espaços refletem microcosmos sociais bem como os vícios e as
ideologias recorrentes na cultura e na sociedade em geral. Por fim,
corroborando a hipótese de Candido (2006) de que a literatura influi
na formação do homem, queremos destacar de que forma o
comportamento das personagens pode influenciar na formação do
caráter de crianças e adolescentes.
O enredo de O gato Malhado e a andorinha Sinhá do autor
Jorge Amado apresenta de forma poética o problema das relações
humanas, sobretudo no que se refere às diferenças sociais. O autor do
chamado romance de 1930 faz uso de alegorias para retratar uma
determinada sociedade, daí recorrer aos animais, colocando-os como
“indivíduos” ligados a um dado contexto que em muito se aproxima da
nossa sociedade. São eles personagens-tipo, porque representam uma
determinada classe como: papagaio/padre; rouxinol/músico;
coruja/filósofa, entre outros.

- 143 -
A pesquisa será de caráter bibliográfico e crítico e o método é
o hermenêutico, pautando-se em analisar as particularidades do
corpus selecionado, buscando averiguar quais fatores atuam na
economia interna da obra em destaque e chamando a atenção para o
bom uso desse texto em sala de aula. Para o embasamento teórico
buscam-se autores como: Candido (2006), (1995); Zilberman (2014),
(1989); Resende (1993), Coelho (2000); Bettelheim (1979),
principalmente.

A literatura e a formação do sujeito


Candido, no seu livro “A literatura e a formação do homem”,
relata que o ponto fundamental da literatura está em seu caráter
humanizador. Para esse autor (1972, p. 805):

a literatura pode formar; mas formar não segundo


a pedagogia oficial, que costuma vê-la
pedagogicamente como um veículo da tríade
famosa – o Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos,
conforme os interesses dos grupos dominantes,
para reforço da sua concepção de vida [...]ela age
com o impacto indiscriminado da própria vida e
educa como ela, - com altos e baixos, luzes e
sombras. Ela não corrompe nem edifica, portanto,
mas, trazendo livremente em si o que chamamos o
bem e o mal, humaniza no sentido profundo,
porque faz viver.

O autor citado (1972) mostra em seu estudo que a função da


obra literária está além daquilo que é considerado politicamente

- 144 -
correto, ela tem o caráter de influenciar de maneira significativa na
formação do indivíduo; isso não significa que ela traga consigo apenas
o lado positivo da vida. É justamente porque lida com o bem e o mal
que seus efeitos podem ser tão produtivos ao homem. A literatura
contribui para que o leitor lance novos olhares sobre a realidade
vivenciada e a partir dela modifique a sua visão de mundo. O leitor, ao
se deparar com uma obra literária, pode receber dessas várias
influências que provocarão nele reações diversas em relação a vários
aspectos de sua vida, seja cultural, social ou até psicológico.
A literatura, através de seus textos, proporciona a base cultural
indispensável à criança para que esta possa viver plenamente sua
intangibilidade integrada à vida prática. O escritor interage com o
mundo, buscando responder às suas ansiedades e, neste movimento
de busca pela verdade, cria-se a obra literária como uma possibilidade
a mais para se pensar determinada situação social ou condição
existencial. Por exercer uma função social importante, a literatura
desempenha um papel fundamental na vida do sujeito.
Para Regina Zilberman, (1999, p.84) é através da literatura que
“o indivíduo abandona temporariamente sua própria disposição e
preocupa-se com algo que até então não experimentara”. Do mesmo
modo, a experiência vivenciada pelo leitor literário está diretamente
relacionada ao horizonte de sua expectativa, em sua compreensão do
mundo e de seu comportamento social.

- 145 -
As diferentes finalidades e funções atribuídas à literatura
residem no fato do diálogo estabelecido entre os leitores e o texto.
Esse diálogo faz com que a literatura permaneça como um meio que
dá ao homem sentido ao mundo e a si mesmo. Ela permite à criança
uma ampliação de horizontes, ao oportunizar vivências de outras
culturas, fazendo com que essa se posicione criticamente em relação
à diversidade vivenciada.
Desta forma, a literatura, através de seus textos literários,
permite à criança criar novas realidades, ensinando-a a refletir sobre
si mesma e sobre o outro, desenvolvendo assim a alteridade em
consonância com uma individualidade forte e segura. Ela tem o poder
de formar indivíduos em suas diversas potencialidades sem haver
separação entre a razão e a imaginação. Segundo Bruno Bettelheim
(1979, p. 15-16):

É característico dos contos de fadas colocar um


dilema existencial de forma breve e categórica. Isto
permite à criança aprender o problema em sua
forma mais essencial, [...]. Não é o fato de a virtude
vencer no final que promove a moralidade, mas de
o herói ser mais atraente para a criança [...] A
criança faz tais identificações por conta própria, e
as lutas interiores e exteriores imprimem
moralidade sobre ela.

Logo, essa modalidade de arte, em especial os contos de fadas,


pode propiciar à criança o conhecimento de si mesma e de seus
problemas interiores, contribuindo para que ela encontre soluções

- 146 -
para tais problemas, pois os contos de fadas lhe proporcionam “uma
educação moral [...] de modo sutil e implícito [...] não através de
conceitos éticos abstratos, mas daquilo que lhe parece tangivelmente
correto, e, portanto, significativo” (BETTELHEIM, 1979, p. 13).
Candido (1995, p. 249) fala que a função primordial da
literatura é a de humanização do indivíduo, uma vez que através dela
pode se desenvolver:

traços que reputamos essenciais, como o exercício


da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição
para com o próximo, o afinamento das emoções, a
capacidade de penetrar nos problemas da vida, o
senso da beleza, percepção da complexidade do
mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura
desenvolve em nós a quota de humanidade na
medida em que nos torna mais compreensivos e
abertos para a natureza, a sociedade, o
semelhante.

Dessa forma, percebe-se que a literatura possui um papel


importante na vida da criança e do adolescente, por promover o
desenvolvimento pleno destes. Logo, ela deve fazer parte da vida da
criança desde cedo e de modo regular. Bettelheim (1979) ainda
declara que a literatura, especialmente a literatura infantil, possibilita
à criança aprender mais sobre os seus problemas interiores e seus
dilemas existenciais. Para o referido autor (1979, p. 14), a mensagem
que os contos de fada, por exemplo, passam para a criança de modo
múltiplo é “que uma luta contra as dificuldades graves na vida é

- 147 -
inevitável, é parte intrínseca da existência humana”, e se ela enfrentar
os problemas, mesmos que estes pareçam injustos, “ela dominará
todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa”.
Para a estudiosa Vânia Maria Resende (1993, p. 22), o texto
literário propicia o desenvolvimento de habilidades e forças interiores
que antes o indivíduo julgava inexistentes em si, contribuindo, desta
forma, com o fortalecimento da personalidade e da individualidade
que não se traduzirá num egocentrismo ou individualismo
exacerbado:

A literatura propõe o voo, a viagem, as descobertas


e as aventuras. Cada um voa, viaja, descobre e se
aventura com asas que são as suas, levantando no
voo a bagagem própria, com que se pode ir mais
longe e para mais tempo tirando maior proveito,
conforme a disponibilidade interior. (RESENDE,
1993, p. 22),

As diferentes funções e finalidades dos textos literários se


revelam como lugares de organização de mundos que intermeiam com
a realidade, a partir do diálogo que ocorre entre o leitor e o texto.
Buscando dar sentido a si mesmo e ao mundo, que é uma necessidade
essencial do homem, a literatura, neste sentido, atua como mediadora
para que o diálogo entre o mundo e o leitor aconteça. Ela ainda
possibilita ao indivíduo se colocar na posição do Outro; através de seus
personagens, o leitor pode viver, pensar, sentir, enfim, ser outra
pessoa. Por facultar à criança e/ou ao adolescente a oportunidade de

- 148 -
se posicionar criticamente diante do texto vivenciado, a literatura
possui o poder de alargar os horizontes do leitor. Bettelheim (1979, p.
32) assevera que:

Os contos de fadas, à diferença de qualquer outra


forma de literatura, dirigem a criança para a
descoberta de sua identidade e comunicação, e
também sugerem as experiências que são
necessárias para desenvolver ainda mais o seu
caráter.

A literatura, desta forma, circulando entre o real e o imaginário,


apresenta ao leitor diversos discernimentos de mundo, tendo esta a
capacidade de dar ao leitor autonomia, pois ao permitir ao infante o
entendimento do mundo, ela também incidirá sobre o seu
comportamento social. Daí a importância de a criança entrar em
contato com essa arte desde cedo, já que esse mecanismo revela-se
significativo para a constituição de um indivíduo mais humanizado. E
se esse contato se der por meio de um mediador consciente de seu
papel, os resultados poderão ser bem mais significativos. Além desse,
faz-se necessário o encontro entre o leitor iniciante e a biblioteca.

A importância da biblioteca escolar e o papel do mediador


A biblioteca desempenha uma ação importante na vida do
leitor, cabendo-lhe o papel de privilegiar a leitura e a formação de
leitores no seu ambiente. O sujeito deve ter o direito de frequentar a
biblioteca para ter contato com diferentes tipos de textos. E quanto

- 149 -
mais cedo o infante começar a conviver com uma variedade de estilos,
gêneros e assuntos, mais autonomia de leitura ele terá.
As bibliotecas devem ser entendidas como espaços culturais
importantes que atuam como elo entre a criança e o mundo externo,
a partir das práticas de letramento. Os professores têm o dever de
estreitar e fortalecer a interação entre a biblioteca e o aluno, fazendo
com que este a compreenda como espaço de disseminação da leitura
enquanto ato social. Mas, como atrair crianças e adolescentes para
esse ambiente e assim disputar espaço com o vídeo game, a TV e a
música, por exemplo? De que modo o professor e/ou a família pode
criar vínculo entre o aluno e o livro por meio da biblioteca? Como a
biblioteca deve ser montada para que seja atrativa à criança e ao
adolescente?
O espaço destinado à biblioteca deve ser acolhedor e
proporcionar ambientes e livros às várias categorias de leitores. Com
relação à localização das obras, estas devem estar dispostas de modo
que todos possam ter acesso a elas pela mediação do professor ou da
livre escolha do leitor. As obras devem ser expostas de modo que
lombadas fiquem visíveis para a seleção do leitor na hora da escolha
do seu título preferido, pois como o primeiro contato com o livro é
visual este arranjo é muito importante. É fundamental também que
sejam deixadas obras posicionadas com a capa voltada para frente, de
modo a aguçar a curiosidade dos leitores.

- 150 -
O espaço da biblioteca deve propiciar o encontro entre o livro
e o leitor, transformando este encontro em um momento de
intimidade, para, a partir daí, a biblioteca ser percebida como um lugar
tão importante quanto a sala de aula, pois as experiências vividas
neste local são essenciais à vida escolar. Mesmo as crianças ainda não-
leitoras devem ser estimuladas a frequentar a biblioteca. Para
Resende (1993, p.18):

Ouvir histórias – sobretudo quando ainda não se lê


a palavra – de livros ou a partir deles, inventadas
pelos adultos ou adaptadas, alimenta a fantasia
infantil. As crianças guardarão no seu imaginário as
melhores imagens, que serão símbolos em repouso
na memória, para interagirem com experiências
futuras.

Para tanto ela (a criança) deve ser levada a frequentar a


biblioteca desde cedo, pois, assim, estará pronta para ler o mundo a
sua volta quando adolescente, pois teve um contato constante e
regular com livros. Para que o professor possa despertar no aluno o
gosto pela leitura, este deve ser um leitor assíduo. Ele deve
oportunizar ao discente a possibilidade de estar em proximidade com
o livro para que este possa sentir o desejo de sempre ter um livro para
ler. Para a criança, a mediação é muito importante, uma vez que esta
precisa ser seduzida pela obra e pelo autor. No caso dos adolescentes,
o mediador precisa não apenas apresentar as obras clássicas, mas
levá-los a ter contato com as boas obras atuais.

- 151 -
Resende (1993, p 121) nos diz que:

Quanto maior o convívio com variadas formas de


expressão, e mais variados os meios de se chegar a
elas, mais rico e sólido se torna o repertório do
homem e mais disponível se torna a sua recepção.
Quanto mais se ler – livros e tudo o que dispõe aos
olhos que recolhem, armazenam e transformam –
maior será o mundo, mais próximo estarão as
pessoas e mais curtas, as distâncias.

Enfatizamos que para levar o aluno a adquirir o gosto pela


leitura o mediador também deve ter paixão por ler e fazer com que a
criança/adolescente perceba isso. O mediador deve “fazer leitura e
mais leituras, com vários ritmos, entonações e melodias. Para cada
leitura, diferentes estímulos para a imaginação e a sensibilidade; a
cada leitura, um novo poema, construído com as emoções do
momento”. (RESENDE, 1993, p. 132). As leituras devem trazer temas
que façam parte das vivências da criança para que esta sinta prazer em
ouvir o que está sendo lido e também para que o mesmo proporcione
possibilidades para a construção do sentido para a mesma.
A primeira mediação entre o livro e a criança deveria ser da
família, porém alguns pais não entendem a influência que podem
desempenhar sobre as crianças no sentido de motivá-las a ter o gosto
pela leitura. Outro fator que emperra este despertar está relacionado
ao valor do livro, pois muitas famílias não têm condição de comprar

- 152 -
livros para seus filhos. E é aí que entra a importância de a criança
frequentar uma boa biblioteca.
Ao ter contato com os livros, seja em casa ou em uma
biblioteca, a criança pode conhecer as variantes culturais e sociais da
sociedade a qual pertence, pois além de seu caráter formador, a
literatura propaga crenças, valores, normas e formas de convivência.
Ela também poderá assimilar expressões linguísticas mais elaboradas
ao mesmo tempo que conhecerá estratégias diferenciadas de
comunicação. O prazer estético é tão importante quanto o
conteudístico.

O gato Malhado e a andorinha Sinhá: um caso de amor?


Já se destacou que a literatura desempenha um importante
papel não só na formação crítica da criança leitora, mas também como
um elemento influenciador do caráter. Com base nisso, é importante
apresentar textos literários que problematizem as mais variadas
questões que circulam em nossa sociedade. Conviver com as
diferenças sociais e étnicas é uma delas. Considerando que o texto
literário, aqui privilegiado, se enquadra no gênero narrativo, é preciso
destacar que sem personagem não há ação, conflito, questionamento
e posicionamentos, ou seja, não há enredo. Geralmente, o enredo gira
em torno de questões humanas, logo, e difícil fazê-lo sem a
personagem. Para Coelho (2000, p.74):

- 153 -
Personagem é a transfiguração de uma realidade
humana (existente no plano comum da vida ou
num plano imaginário) transposta para o plano da
realidade estética (ou literária). [...] A personagem
é uma espécie de amplificação ou síntese de todas
as possibilidades de existência permitidas ao
homem ou à condição humana.

A personagem é o instrumento de ingresso do leitor no mundo


fictício, mas é também o que permite a este se conectar à realidade,
muitas vezes confundindo-a com a ficção e vice-versa. Desse modo, a
realidade da personagem pode ser a do leitor, por um curto espaço de
tempo. Todavia, essa identificação entre leitor e personagem não é
gratuita. Candido (2007) assevera que em muito dos casos o
romancista pode buscar a criação para suas personagens em uma
afinidade que teve ou tem com alguém, mas a transformação é tanta
que se desconhece a pessoa ali retratada:

No romance, ela é criada, é estabelecida e


racionalmente dirigida pelo escritor, que delimita e
encerra [...] Daí a necessária simplificação, que
pode consistir numa escolha de gestos, de frases,
de objetos significativos, marcando a personagem
para a identificação do leitor [...]. (CANDIDO, 2007,
58).

Em seu ensaio O direito à literatura, Candido (2006) fala que a

literatura age desse modo porque ela é uma construção de objeto


autônomo com estrutura e significado. Ela é uma forma de expressão,

- 154 -
ou seja, demonstra emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos
grupos. E é uma forma de conhecimento, até mesmo como
incorporação “difusa e inconsciente” do mundo real e isto ocorre na
história de Jorge Amado, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá.
Conforme depoimento do próprio autor, ele escreveu essa
história para seu filho, sendo publicada anos depois pelo próprio filho.
O escritor em questão faz parte da geração de 1930, sendo
considerado um dos seus maiores representantes. Esta geração de
escritores buscava retratar em suas obras a realidade social brasileira.
No conto em tela, o autor, por meio do uso de alegorias, transfere
características humanas para os animais, criando, assim, uma história
que retrata a sociedade a partir de vários eixos temáticos, dentre eles,
as convivências sociais, as convenções e paradigmas impostos pela
sociedade e etc., levando o leitor a refletir sobre as diferenças e a
importância de conviver com a diversidade, a partir do respeito e da
tolerância.
A obra conta a história de um gato que era visto por todos
como um gato mau, egoísta e solitário. Na primavera, conhece a jovem
andorinha Sinhá e por ela se apaixona. A respeito do gato, o narrador
nos informa que (2002, p. 19):

Um gato mau. Mau e egoísta. [..]. Devo dizer, para


ser exato, que o Gato Malhado não tomava
conhecimento do mal que falavam dele. Se o sabia,
não se importava, mas é possível que nem sabia

- 155 -
que era tão malvisto, pois quase não conversava
com ninguém.

Entretanto, todas as maldades ditas sobre o gato eram


cometidas por outro animal, a Cobra Cascavel. Gato Malhado já a havia
expulsado do parque. “Se fosse ela, dar-lhe-ia nova lição para que
jamais viesse roubar ovos, tirar pássaros dos ninhos, comer pintos e
pombas-rolas”. (AMADO, 2002, p.21-22) Todas as maldades cometidas
por ela eram impostas ao Gato Malhado pelos moradores do parque,
devido ao distanciamento que o gato fazia questão de manter dos
moradores. Em outras palavras, a ausência de vínculo de amizade com
os demais membros da comunidade e o fato de levar uma vida solitária
contribuíam para que sua imagem fosse tão negativa. O gato era boa
pessoa, mas por não viver conforme as regras impostas pela
sociedade, era tido como uma pessoa desagradável e ruim, sendo lhe
imputado todas as atrocidades que aconteciam no parque. A Velha
Coruja era a única do parque a reconhecer a bondade no Gato. Ela
“costuma dizer que o Gato Malhado não era tão mau assim, talvez
tudo isso não passasse de incompreensão geral” (AMADO, 2002, p.19)
Nesse sentido, percebe-se que à coruja é dado o saber, isto é, o
discernimento que a torna capaz de perceber o Outro como realmente
é e não como o pintam. Na literatura e na cultura em geral, a coruja é
tida como símbolo da sabedoria, o que não destoa do retrato aqui
posto pelo autor. É interessante destacar o fato de que sua voz, e
consequentemente sua opinião, torna-se inaudível para a maioria-

- 156 -
uma perfeita alegoria da sociedade em geral, que costuma aplaudir os
comportamentos movidos pela emoção desenfreada e não pela razão
comedida.
A primavera chega ao parque, trazendo mudanças nas vidas
dos seus habitantes e na do Gato Malhado, que desperta para a vida,
sentindo-se feliz. Todos do parque percebem a mudança ocorrida. Ele
“deixou que todo o rosto feio e mau se abrisse num sorriso cordial para
as coisas e os seres em torno”. (AMADO, 2002, p. 21) A chegada da
primavera desperta no gato a vontade de partilhar a sensação de
alegria que estava sentindo, mas os moradores que o tinham como
malvado e egoísta fogem dele, este questiona:

Por que fugiam todos se era tão belo o parque


naquela hora da chegada da Primavera? Não havia
tempestade, não corria o vento frio derrubando as
folhas, a chuva não desabava em lágrimas sobre os
telhados. Como fugir e esconder-se quando a
Primavera chegava trazendo consigo a doçura de
viver?

É na primavera que o Gato Malhado conhece a Andorinha


Sinhá e travam uma amizade que com o tempo irá se transformar em
amor. A andorinha é uma criatura amável, bela e gentil:

[...] risonha e trêfega, [...]. Ela ria para todos, com


todos se dando, [...]. Livre de todas as
preocupações voava de árvore em árvore pelo
parque, curiosa e conversadeira, inocente coração.

- 157 -
[...] além de bela, era um pouco louca. Louquinha
fica-lhe melhor. (AMADO, 2002, p.23 - 27).

Por meio de adjetivos como: “risonha”, “curiosa”,


“conversadeira”, “inocente” e “louca”, e expressões como “livre de
todas as preocupações”, percebemos o quanto a Andorinha Sinhá
também é diferente da maioria dos moradores do parque, e é graças
a isso que ela consegue enxergar no gato as suas verdadeiras
qualidades. Isto é, ela não se revela contaminada pelos pré-conceitos
atribuídos ao Gato Malhado. Desta forma, o narrador antecipa e
justifica o encontro entre os dois, bem como os desdobramentos
decorrentes desse ato. O amor entre eles é vivido e marcado com o
passar das estações do ano. Inicia-se na primavera a amizade e o amor
entre os dois começa a surgir concomitante a esse sentimento.

[...] eles conversaram durante toda a Primavera


[...]. Foram conhecendo um ao outro. [...] Riam os
dois: ele, o seu riso cavo de gato mau; ela, o seu
argentino riso de andorinha adolescente. Assim
aconteceu na Primavera. (AMADO, 2002, p. 41-42).

O narrador enfatiza a primavera como a estação em que o gato


é despertado para o amor, mas realça que poderia ser em qualquer
outra época, “é que o amor está no coração das criaturas, adormecido,
e um dia qualquer ele desperta, com a chegada da Primavera ou
mesmo no rigor do inverno”. (AMADO, 2002, p.34-35). Entretanto, ao
fim do verão, gato Malhado percebe que viver o amor entre os dois

- 158 -
será impossível, dada a diferença entre eles. E isto é revelado ao leitor
a partir de uma pergunta que a andorinha lhe faz.

[...] ela lhe pediu explicação daquela tristeza. O


Gato Malhado respondeu:
__Se eu não fosse um gato, te pediria para casares
comigo...
A andorinha ficou calada, num silêncio de noite
profunda. [...] Mas tinha medo. Ele era um gato, e
os gatos são inimigos irreconciliáveis das
andorinhas. [...] era o último dia de verão.
(AMADO, 2002, p.44).

Todos do parque comentavam a respeito do fato do gato


querer casar com a andorinha. Cada animal tinha sua opinião. O casal
de pombo era da opinião de que cada um deve casar com seus iguais.

Onde já se viu uma andorinha, linda andorinha,


louca andorinha, às voltas com um gato? Tem uma
lei, uma velha lei, pombo com pomba, pato com
pata, pássaro com pássaro, cão com cadela e gato
com gata. Onde já se viu uma andorinha noivando
com um gato. (AMADO, 2002, p. 45).

O casal de pato repudiava a relação entre o gato e a andorinha,


afirmando que era imoral e feio. Os outros moradores compartilhavam
da ideia de que o casamento entre o gato e andorinha era impossível
de se realizar. Dado os rumores, os pais da Andorinha Sinhá resolvem
aceitar o pedido do Rouxinol, a fim de silenciar os mexericos. Este sim
tinha a aprovação de todos do parque por ser pássaro, belo, gentil e

- 159 -
saber cantar, pouco se importando com o sentimento que a andorinha
tinha pelo gato e este por ela.
No outono, os habitantes do parque mudam de
comportamento em relação ao gato, eles já não sentem o medo que
antes sentiam. O comportamento do Gato Malhado havia mudado no
decorrer da Primavera e do Verão: “Tornara-se um ser brando e
amável, era o primeiro a cumprimentar os outros habitantes do
parque, ele que antigamente quase nunca respondia aos medrosos
“bons-dias” que lhe dirigiam”. (AMADO, 2002, p.47).
Apesar da mudança de comportamento do gato, muitos do
parque continuavam a achar que ele era mal e intratável, mesmo
depois dele expulsar a Cobra Cascavel que aparecera no parque
durante o Verão. Alguns haviam torcido para que ela o picasse, outros
achavam que fora puro exibicionismo para a Andorinha Sinhá. Mas o
que todos não compreendiam era que o Gato Malhado mudara,
porque havia encontrado o amor.
E no inverno, considerado por muitos a estação da melancolia,
Gato Malhado toma consciência de que seu amor por Andorinha Sinhá
é um amor impossível. No outono ele recebe uma carta triste da
andorinha, onde ela explica as razões para o rompimento:

Uma andorinha não pode jamais casar com um


gato. Dizia também que eles não deveriam mais se
encontrar. Em compensação falava que jamais fora
feliz, exceto no tempo em que vagabundeava com

- 160 -
o Gato Malhado pelo parque. E terminava: “da
sempre tua Sinhá” (AMADO, 2002, p.56).

Depois da carta, os dois ainda continuam a se encontrar, mas


já não era como antes, e no último dia do outono Andorinha Sinhá e
Gato Malhado visitam os lugares onde aprenderam a se amar. Era a
despedida da andorinha, pois no início do inverno ela iria se casar com
o Rouxinol.

[...], aí!, porque uma Andorinha não pode casar-se


com um Gato. Como já o fizera certo dia, voou
sobre ele num voo rasante, tocou-lhe com a asa
esquerda – era a sua maneira de beijar – e ele não
pode desta vez ouvir o bater do pequeno coração
da Andorinha, tão fraco eram os seus batidos. Pelos
ares ela se foi, não olhou para trás. (AMADO, 2002,
p. 57).

O inverno traz o frio, o frio para o coração de Gato Malhado,


que perdera para sempre o amor de sua vida. Ele agora tinha apenas
“um mundo de recordações, de doces momentos vividos, de
lembranças alegres” (AMADO, 2002, p. 58), porém, não havia futuro
para os sonhos de Gato Malhado, já que sonhava com um amor
impossível.
Na noite do casamento, não havia estrela no céu, era uma noite
triste e escura como o coração do Gato Malhado. Após a cerimônia, na
hora do cortejo nupcial, a Andorinha Sinhá vê o Gato Malhado e
derruba sobre ele uma pétala vermelha, este a pega e coloca sobre o

- 161 -
coração, como uma gota de sangue. Era assim que o coração dele se
encontrava, sangrando de amor pela andorinha.

Canção nupcial para os noivos; para o Gato


Malhado, canto funerário. Tomou da pétala de
rosa, olhou mais uma vez o parque coberto pelo
inverno, saiu andando devagar. [...] Quando passou
em frente à casa da festa, viu os noivos que saíam.
A Andorinha também o viu e adivinhou o rumo de
seus passos. Qualquer coisa rolou então dos céus
sobre a pétala que o Gato levava na mão. Sobre o
vermelho de sangue da pétala de rosa brilhou a luz
da lágrima da Andorinha Sinhá. Iluminou o solitário
caminho do Gato Malhado, na noite sem estrelas.
(AMADO, 2002, p. 60).

Assim termina a história do amor entre um gato e uma


andorinha. Amor que poderia ter sido vivido se todos aceitassem as
diferenças entre gatos e andorinhas, diferença social e racial, e se eles
tivessem tido a coragem de lutar por esse sentimento. Todavia, eles
não encontram forças nem ânimo para travar essa batalha. A Coruja,
sábia conselheira do parque, disse ao gato certa vez:

Dizes que ela gosta de ti, que se dependesse de sua


vontade... Pode ser, acredito mesmo que sim. [...]
E para romper uma lei é preciso uma revolução...
Completou balançando a cabeça:
__Aliás, era até bom que acontecesse uma
revoluçãozinha...Estamos precisando. (AMADO,
2002, p. 55).

- 162 -
Portanto, para que haja ruptura de paradigmas, há a
necessidade de enfrentamento dos problemas. A história faz com que
pensemos que, apesar das diferenças entre as pessoas, é possível
haver amor. Entretanto, para que esse amor prevaleça é preciso luta,
enfrentamento das situações difíceis, ruptura e etc., e nada disso
acontece se não houver alguém para protagonizar a cena. Desta
forma, o conto abre espaço para várias discussões, cabendo ao
professor pô-las no centro do debate.

Mundo animal versus sociedade humana


Jorge Amado (2002) recorreu em sua obra O Gato Malhado e
Andorinha Sinhá à presença de animais para constituírem-se como
personagens, no entanto, o comportamento que revelam não é
próprio do mundo animal, mas uma alegoria das relações humanas. E
ao fazer isso ele inscreve sua obra no universo da crítica social.
Segundo Candido (2007), as personagens são completas na sua
construção de sentido de si próprias e têm significantes e significados
apropriados, impostos e circunscritos pelo poder dos adjetivos
atribuídos a ela pelo narrador. Uma personagem sempre terá um
número de características básicas que a definem. Isso porque as
personagens, para apresentar um enredo cativante, necessitam se
envolver em vários conflitos e comportarem-se de acordo com um
padrão. A personagem é criada a partir de traços que se encerram,

- 163 -
formando um todo, o que faz com que seja mais consistente que o
próprio ser real. A personagem criada, embora tenha suas
semelhanças com as pessoas reais, é no mundo da ficção que ela
atinge a sua total realidade. Sendo assim, um traço irreal pode tornar-
se verossímil, conforme as urdiduras do discurso literário.
Gato Malhado é considerado um personagem redondo ou
personagem-caráter. Conforme Coelho (2002), “a personagem-caráter
é mais complexa, porque representa comportamentos ou padrões
morais. Os pensamentos, impulsos ou ações que as movem na trama
narrativa revelam sempre aspectos do caráter, da estrutura ética ou
afetiva que as caracteriza”.
O Gato Malhado, ao longo da narrativa, passa por mudanças-
no início é tido como mau, solitário, egoísta. A mudança no
comportamento do Gato ocorre devido ao amor que chegou à sua
vida, fazendo com que ele enxergasse a vida por outra perspectiva,
mas esse sentimento também lhe provoca desassossegos,
despertando-lhe atitudes negativas:

[...] Naquelas redondezas não existia criatura mais


egoísta e solitária. Não mantinha relações de
amizade com os vizinhos e quase nunca respondia
aos raros comprimentos que, por medo e não por
gentileza, alguns passantes lhe dirigiam. [...] não se
importava, mas é possível que nem soubesse que
era tão mal visto, pois quase não conversava com
ninguém, a não ser, em certas ocasiões, com a
Velha Coruja.

- 164 -
[...]
[...] ela não apareceu. Nessa noite lembrou-se das
murmurações do parque [...] meteu susto quase
mortal no Papagaio, [...] arranhou o focinho do Cão
Dinamarquês, furtou ovos no galinheiro [...] para
largá-los no campo. (AMADO, 2002, p.19; 56)

Na primavera, o comportamento do Gato começa a apresentar


modificações, este sente a necessidade que conversar com alguém,
porém todos o temem, procurando manter distância, somente a
Andorinha Sinhá se aventura a conversar com ele. Ao se tornar amigo
da Andorinha Sinhá, o Gato percebe o mundo a partir de outras lentes,
e isso o torna mais feliz.
Era a amizade que se transformava em amor e a descoberta do
amor faz com que Gato Malhado veja a vida a partir de novas
perspectivas. Passa a cumprimentar os habitantes do parque, algo que
não acontecia anteriormente. Enxerga a vida no parque com novos
olhos, “uma alegria que talvez estivesse mais dentro deles” do que
propriamente no ambiente. O narrador, onisciente seletivo, porque se
cola à perspectiva do gato, delineia ao leitor outra versão da história.
Desta forma, tem-se tanto a perspectiva dos moradores quanto a do
protagonista, nos fazendo perceber o quanto é importante conhecer
os vários lados de uma mesma história. Além disso, esse gesto do
narrador deixa claro o quanto as impressões sociais podem ser falsas,
porque não consideram a realidade como um todo. Tal como os
animais, a sociedade também tende a emitir juízos de valor sem

- 165 -
conhecer os fatos em sua totalidade e por isso comete injustiças tão
facilmente.
Assim como no mundo real, o mundo ficcional apresenta todos
os tipos de sujeito. Há aqueles como o Reverendo Papagaio, que são
movidos pela hipocrisia: “O Papagaio, [...] interrompe as suas orações
e cumprimenta: [..] O Gato nem se digna de responder. [...] É que o
Gato Malhado não gosta de gente hipócrita. E o Papagaio era a
hipocrisia em pessoa”. (Amado, 2002, p.37).
O contato com o Outro não fez bem apenas para a imagem do
gato, também o transformou por dentro. A partir do momento que
começa a conviver com a andorinha Sinhá, o gato Malhado percebe
sua verdadeira identidade, distanciando-se de seus pares: “Os gatos
são maus, alguns foram apanhados em flagrante almoçando
andorinhas, havia alguma verdade nisso. Como era possível ser assim
tão mau? Como almoçar um ser tão frágil e formoso como a Andorinha
Sinhá?” (Amado, 2002, p. 41).
A partir do momento que ele se apaixona, o Gato se transforma
em um romântico, pois vê a andorinha em todos os lugares por onde
anda.

Quando, ao cair da noite, voltava para sua cama –


um velho trapo de veludo – olhou uma flor e nela
viu refletidos os rasgados olhos da Andorinha.
Febril, foi beber água e na água também enxergou
a Andorinha que sorria. E a reconheceu em cada
folha, em cada gota de orvalho, em cada réstia de

- 166 -
sol crepuscular, em cada sombra da noite que
chegava. Depois a descobriu vestida de prata na lua
cheia para a qual miou um miado dolorido. Ia alta
a noite quando conseguiu dormir. Sonhou com a
Andorinha, era a primeira vez que sonhava havia
muitos anos. (AMADO, 2002, p. 34).

As estações do ano, no enredo, não servem somente para


demarcar o tempo, mas também para mostrar o processo de
transformação social do Gato Malhado. Coelho (2000, p. 79) relata
que, “[...] A narrativa estrutura-se com fatos ou situações que surgem,
se desenvolvem e chegam a um final; isto é, existem durante um
determinado tempo”. O tempo em O Gato Malhado e Andorinha Sinhá
segue as estações do ano, porém o autor utiliza-se de analepses, por
meio de recurso dos parêntesis para relatar fatos já ocorridos ou para
explicar determinadas situações, como é o caso do “Parêntesis
crítico”, onde o narrador coloca uma nota do Sapo Cururu para
explicar o plágio do soneto do Gato Malhado. E após fazer uso de
analepses, o narrador informa que “E aqui termina o capítulo inicial e
voltemos à história, lá adiante, onde a deixamos por erros de estrutura
ou por moderna sabedoria literária”. (AMADO, 2002, p. 31).
O espaço na narrativa também é muito importante, pois serve
para dar significação à ação do enredo. No conto em destaque, a ação
se passa em um parque se caracterizando como espaço natural:
“Assim vivia ele quando a Primavera entrou pelo parque adentro, num
espalhafato de cores[...]” (AMADO, 2002, p.19). O espaço também

- 167 -
exerce uma função na narrativa, com o intuito de criar uma atmosfera
propícia para o desenrolar do conflito. Neste sentido, as estações do
ano são usadas para indicar as mudanças que ocorrem no espaço
exterior. Estas mudanças refletem também no Gato, que vai
alternando seu comportamento de acordo com as estações, o que
indica que estamos mudando todo o tempo.
Na primavera ele se apaixona “[...] também ele pensou na
arisca Andorinha Sinhá, naquela primeira noite da Primavera [...], tal
fora o seu estado de lassidão e de indefinido desejo que murmurou
[...] __Estou ardendo em febre... “(AMADO, 2002, p. 33-34); no verão
vive o amor que sente pela bela Andorinha de forma intensa, com
passeios, conversas, “com sorrisos, com palavras murmuradas, com
olhares tímidos, porém expressivos [...]” (AMADO, 2002, p. 43), e
nessa mesma estação ele descobre que esse sentimento não vai
vingar.
No outono, se intensificam as dificuldades no namoro, pois
todos do parque, inclusive os pais da Andorinha, eram contra o
romance: “O pai da Andorinha disse zangado à mãe da Andorinha:
“Nossa filha vai mal, nossa filha anda às voltas com o Gato Malhado”.
(AMADO, 2002, p. 46). O inverno chega e com ele a impossibilidade de
o Gato Malhado e a Andorinha Sinhá ficarem juntos, sonhos desfeitos.
Os pais da Andorinha realizam o casamento da Andorinha com o

- 168 -
Rouxinol: “Um dia, de brando sol hibernal, realizou-se o casamento da
Andorinha com o Rouxinol”. (AMADO, 2002, p.59).
O Gato Malhado e Andorinha Sinhá é um caso de amor
revivido por vários interlocutores, já que a história foi contada pela
Manhã ao Tempo que ouviu do Vento e o narrador a ouviu do Sapo
Cururu, transcrevendo-a na sequência. Daí a advertência:

Se a narração não vos parecer bela, a culpa não é


do Vento nem da Manhã, muito menos do sapiente
Sapo Cururu, doutor honoris causa. Posta em fala
de gente não há história que resista e conserve o
puro encanto; perdem-se a música e a poesia do
Vento. (AMADO, 2002, p.15).

O Vento, ao contar a história para a Manhã, que conta ao


Tempo e o Sapo Cururu conta ao narrador, faz com que a história
tenha traços da narrativa de tradição oral, dando ao narrador, voz, voz
que fala na narrativa, reconta a história. Na narrativa do Gato
Malhado, há presença de narração em primeira pessoa do plural,
fazendo com que o leitor também participe desta: “Contei tudo isto na
esperança de que nesse meio tempo a andorinha Sinhá viesse pousar
na árvore em frente ao Gato. Mas ela não veio, a ingrata!, e vamos
reencontrar o nosso amigo diferente daquele em que o deixamos”.
(AMADO, 2002, p.38). Em outro momento da narrativa, o narrador
comenta e dá opiniões a respeito dos sentimentos do Gato:

- 169 -
Devo concluir que o Gato Malhado, de feios olhos
pardos, de escura fama de maldade, havia se
apaixonado? Agora que ele e Andorinha dormem,
que só a Velha Coruja está acordada, permito-me
filosofar um pouco. É um direito universalmente
reconhecido aos contadores de histórias e devo
usá-lo pelo menos para não fugir à regra geral.
Devo dizer que há gente que não acredita em amor
à primeira vista. Outros, ao contrário, além de
acreditar afirmam que este é o único amor
verdadeiro. Uns e outros têm razão. É que o amor
está no coração das criaturas, adormecido, e um
dia qualquer ele desperta, com a chegada da
primavera ao mesmo no rigor do inverno. Na
primavera é mais fácil, mas isso já é outro tema,
não cabe aqui. (AMADO, 2002, p.34).

Nas reflexões do narrador, estão evidentes as relações entre o


mundo animal e o humano e consequentemente as intenções do
narrador ao pontuar a história. Seu desejo é falar das atitudes
humanas mais do que das felinas. Por isso o final é tão triste, porque
aqui não é a vida que imita a arte, mas o seu contrário.

Palavras finais
Em O gato Malhado e a andorinha Sinhá, o animal é colocado
em situação semelhante à humana, não com a pretensão de ensinar
moralidade, como acontece nas fábulas, mas de forma alegórica para
fazer uma denúncia social sobre as formas como lidamos com as
diferenças, mostrando que estas podem ser superadas se todos
aceitarem e lutarem para que as transformações aconteçam. O autor

- 170 -
faz a denúncia sobre as diferenças de modo perspicaz, ao destacar o
poder do amor sobre a vida das pessoas. O amor pode transformar
inimigos em amigos, pessoas consideradas más em boas. Isto é bem
explicitado na personagem do gato, que ao encontrar o amor, deixou
de ser solitário e egoísta para se tornar mais amigável, simpático.
Todavia, se esse sentimento não estiver atrelado ao desejo de
mudança, ele pouco poderá fazer pelas pessoas. Aliás, a mensagem
que parece persistir é a de que as grandes revoluções são feitas por
homens e não por seres sobrenaturais. O amor é mola que propulsiona
a essa mudança, mas sozinho não é capaz de alterar nada de
substancial.
O trabalho com esse texto literário em sala de aula pode
começar pela apresentação da obra e do autor. Cabe ao professor
motivar o aluno a ir em busca do livro, a fim de mergulhar na história
e dela retirar o que deseja. Isso pode acontecer mais facilmente se o
professor selecionar uma parte da história e comentar em sala ou ler
para os alunos. Com a entonação adequada e a leitura pausada, fácil
será motivar os discentes a irem à biblioteca em busca da obra. Daniel
Pennac (1993, p.50) nos adverte que:

Se, como se costuma dizer, meu filho, minha filha,


os jovens não gostam de ler, ou melhor, não amam
a leitura – e o verbo é justo porque se trata bem de
uma ferida de amor – não é preciso incriminar nem
a televisão, nem a modernidade, nem a escola. Ou
incriminamos tudo isso, se quisermos, mas

- 171 -
somente depois de nos termos colocado esta
primeira questão: o que foi que fizemos daquele
leitor ideal que ele era, naquele tempo em que
representávamos, de uma só vez, o papel do
contador e do livro? (Grifos do autor).

Talvez a questão seja justamente essa. É preciso reconquistar


esse leitor e para isso nada melhor do que o professor atuar,
inicialmente, como um contador de histórias. Ele não precisa ir até o
final. Aliás, o ideal é que ele vá até sentir que o público foi fisgado. A
partir daí é só ensinar o caminho da biblioteca ou colocar o livro em
suas mãos e esperar. Outra metodologia muito eficiente é, a depender
do nível de leitor, sugerir roda de conversa, a partir daquilo que leram.
Ao contar as histórias lidas, os colegas são incentivados a também ler,
em especial se tiverem se identificado com a história contada. Para
alunos mais experientes é bom não apenas sugerir títulos como
também propor a discussão a partir deles, estabelecendo as leituras
explícitas e implícitas. Conhecer a obra de forma mais aprofundada é
também uma maneira de fazer o outro se apaixonar pelo que lê.

- 172 -
Referências

AMADO, Jorge. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 2002.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz


e Terra, 1979.

CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade: estudos de teorias e


histórias literárias. São Paulo: Nacional, 2006.

______. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e cultura. São


Paulo. USP, 1972.

ANDIDO, Antonio. O direito a literatura. In: Vários Escritos. São Paulo:


Duas Cidades, 1995.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São


Paulo: Moderna, 2000.

PENNAC, Daniel. Como um romance. Tradução de Leny Werneck. Rio


de Janeiro: Rocco, 1993.

RESENDE, Vânia Maria, Literatura infantil e juvenil: vivências de


leitura e expressão criadora. São Paulo: Editora Saraiva, 1993.

ZILBERMAN, Regina. Leitura literária e outras leituras. In: Leitura-


práticas, impressos, letramentos. (org.) BATISTA, Antônio Augusto.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

- 173 -
Sobre os autores

Alexandre António Timbane


http://lattes.cnpq.br/0372896006213469
Pós-Doutor em Estudos Ortográficos pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, UNESP (2015), Pós-Doutor em Linguística Forense
pela Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC (2014), Doutor em
Linguística e Língua Portuguesa (2013) pela UNESP, Mestre em Linguística e
Literatura moçambicana (2009) pela Universidade Eduardo Mondlane,
Moçambique (UEM). É Licenciado e Bacharel em Ensino de Francês como
Língua Estrangeira (2005) pela Universidade Pedagógica, Moçambique (UP).
Foi professor na Universidade de Ciências Policiais de Moçambique (ACIPOL)
onde lecionou a disciplina de Introdução à Linguística Forense (Linguagem e
Lei) na Pós-graduação e foi professor de Língua Francesa na graduação.
Lecionou as disciplinas de Perturbações de Escrita e de Leitura e Metodologia
de Investigação Científica no Instituto Superior de Ciências de Saúde de
Moçambique (ISCISA), foi docente de Estudos do Léxico. Orienta alunos da
Pós-Graduação, apoia a Revista Linguagem: Estudos e Pesquisas e é membro
do Grupo de Estudos e Pesquisas em História do Português no Programa de
Mestrado em Estudos da Linguagem (PMEL).

Cristiani Bereta da Silva


http://lattes.cnpq.br/4486308507639469
Graduada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998)
com doutorado em História pela mesma Universidade (2003). Realizou
estágio pós-doutoral na Unicamp, em 2011 e na Universidade de Alcalá
(Espanha), em 2015. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq. Professora
associada do Departamento de História, atuando também como professora
permanente no Programa de Pós-Graduação em História e no Mestrado
Profissional em Ensino de História - ProfHistória e, como professora
colaboradora, no Programa de Pós-Graduação em Educação, todos na
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Pesquisadora do Grupo
de Pesquisa Ensino de História, memória e culturas (CNPq/UDESC), vinculado
ao Laboratório de Ensino de História (LEH/UDESC) e do Grupo de Pesquisa

- 174 -
Oficinas de História (CNPq/UERJ). Associada da ANPUH, da ANPED, da SBHE
e da ABEH. Desenvolve pesquisas na área de História e Ensino de História
com ênfase em História e interfaces com a Educação, privilegiando os
seguintes temas: ensino de história, historiografia, história regional, história
do Brasil, mobilizando categorias/conceitos relativos a cultura política,
cultura histórica, narrativas e memórias, no âmbito da História do Tempo
Presente. Coordena o Programa de Pós-Graduação em História da UDESC
(Gestão 2015-2018) e a editoria da Revista História Hoje - ANPUH-Brasil
(Biênio 2015-2017).

Glauciane da Conceição dos Santos Faria


http://lattes.cnpq.br/4371934536115538
Doutoranda em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais,
mestre em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais (2012),
graduada em Letras/Licenciatura pela Universidade Federal de Viçosa (2005).
Atualmente professora de Língua Portuguesa, Literatura e Produção Textual
na Escola Salesiana Nossa Senhora Auxiliadora e de Redação e Linguagem
Jurídica e Português Instrumental na Univiçosa.

Maria Aparecida Barros de Oliveira Cruz


http://lattes.cnpq.br/8742959462843319
Possui graduação em Letras pela Faculdade de Educação, Ciências e Letras
de Porangatu (1997). É mestra em Letras e Linguística, com área de
concentração em Estudos Literários (UFG/2013) e doutoranda em Estudos
Literários (UFG). Atualmente é professora titular - Colégio Estadual Stellanis
Kopanakis Pacheco- e professora efetiva da Universidade Estadual de
Goias/campus Porangatu. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em
Literaturas de Língua Portuguesa, atuando principalmente nas seguintes
linhas de pesquisa: Literatura, História e imaginário. Poéticas da
modernidade. Literatura Comparada.

Nadir Francisco Rodrigues Pinheiro


http://lattes.cnpq.br/0023271776979765
Possui graduação em Letras - Inglês pela Universidade Estadual de Goiás
(2008) e graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú

- 175 -
(2012), possui Psicopedagogia pel PUC de Anápolis (2014) Atualmente é
coordenadora da Educação Infantil e Fundamental I no Colégio Neo Objetivo
de Porangatu. Pós-graduanda em Linguagem e Educação pela Universida
Estadual de Goiás.Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Ensino Fundamental e Educação Infantil.

Rayonnara Késsia de Souza


http://lattes.cnpq.br/1473067310098362
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
É membro do grupo de estudos "Ensino e Linguagem" do Centro de Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tendo como foco de
estudo: Literatura- A argumentação oral como processo mediador na
formação do leitor e do professor. Aluna de Mestrado em Educação pela
(UFRN) e concluindo a especialização em "literatura na escola" pela (UFRN).

Rodrigo Corrêa Martins Machado


http://lattes.cnpq.br/4333901046032167
Rodrigo Corrêa Martins Machado é professor Adjunto da área de Português
e Literaturas do Instituto de Educação de Angra dos Reis, da Universidade
Federal Fluminense. Ele é doutor em Literatura Comparada pela
Universidade Federal Fluminense; mestre em Letras / Estudos Literários pela
Universidade Federal de Viçosa, como também graduado em Letras -
Português e Literaturas de Língua Portuguesa - por esta mesma instituição.
Atualmente, desenvolve pesquisa de pós-doutorado no programa
Interdisciplinar de Linguística Aplicada da UFRJ em que investiga o ensino de
literatura no Brasil. Os seus interesses se focalizam no ensino de literatura,
poesia de língua portuguesa e literatura portuguesa.

Rosiane Marli Antônio Damazio


http://lattes.cnpq.br/4050119928913408
Doutoranda em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina -
UDESC na Linha de Pesquisa História e Historiografia da Educação. Mestre
em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC (2011);
Graduada em Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade do

- 176 -
Sul de Santa Catarina - UNISUL (2006); Especialista em Gestão Escolar pela
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC (2003); Especialista em
Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Federação de Faculdades
Integradas Simonsen do Rio de Janeiro (2000) e Graduada em Pedagogia das
Séries Inicias e das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Médio (Filosofia,
Sociologia e Didática) pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
(1999). Integrante do Grupo de pesquisa: Ensino de História, Memória e
Cultura, vinculado ao Laboratório de Ensino de História - LEH/UDESC.
Desenvolve o projeto de tese intitulado “Entre cultura histórica e
historiografia: a construção da História local como saber escolar nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental”, sob orientação da Prof. Dra. Cristiani Bereta
da Silva.

- 177 -
As diferentes sociedades possuem um
complexo sistema organizacional e de
valores que compõe seu panorama cultural.
É na escola que as gerações mais jovens são
introduzidas ao sistema de valores culturais
que as antecederam. Porém, a escola, do
modo que conhecemos, é uma invenção
bastante recente: sala de aula, carteiras
enfileiradas, quadro de giz, disciplinas
curriculares, obras literárias, metodologias
de ensino, conteúdos escolares, dentre
outros, compõem o modelo de escola
inaugurado, sobretudo, no século XIX.
Mesmo que venha sofrendo alterações, a
escola, como local de disputas, tem sido
palco de mudanças e transformações, mas,
de modo geral, há mais permanências que
inovações. Em sua atual forma de
organização institucional, a escola tem a
complexa finalidade de responder pelas
demandas educacionais no tempo presente.

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