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cemitério de indigentes. Havia uma geografia social dos mortos, mesmo quan- do enterrados no interior das igrejas. Mas a escolha do local de sepultura obe- decia também a outras regras, como 0 desejo de enterro entre confrades e pa- rentes, ou junto aos altares. As irmandades eram o local predileto de sepultura daqueles que deixavam testamento, embora essa atitude estivesse em declinio a época da Cemiterada. Alguns j4 nao se importavam tanto com o destino do corpo, concentrando seus cuidados no destino da alma. Raros, alids, os que nao se preocupavam em facilitar a entrada no Paraiso mediante pedidos de missas e da intercessao de santos. Mas, se a ajuda dos santos podia ser gratuita, as nu- merosas missas necessérias a salvacdo eram caras. Dedico todo um capitulo & discussao da economia funeraria na Bahia, revelando quanto custava salvar uma alma e fazer um bom funeral, e quais os agentes desse mercado especializado na morte. Quem nao gosta de nuimeros pode pular este capitulo, mas ele ajuda a melhor entender quem perderia, economicamente, com © monopélio dos en- terros do Campo Santo. Os funerais de outrora, e em particular os enterros nas igrejas, revelam a enorme preocupacao de nossos antepassados com seus préprios cadaveres e os cadaveres de seus mortos. Por razées diferentes, os médicos da época da Cemi- terada se preocupavam com o mesmo objeto. Eles viam os enterros dentro dos templos e mesmo dentro da cidade, além de outros costumes funerdrios, como altamente prejudiciais 4 satide dos vivos. Mortos e vivos deviam ficar separa- dos. A novidade vinha da Europa, e foi divulgada no Brasil independente por meio de uma campanha que fazia da opinido dos higienistas o testemunho da civilizago. O estudo da literatura médica da época permite entender melhor 0 conflito de mentalidades em 1836. Os legisladores seguiram os doutores, procu- rando reordenar o espaco ocupado pelo morto na sociedade, estabelecendo uma nova geografia urbana da relacdo entre mortos e vivos. Na Bahia esse movimento iria refletir-se em leis municipais proibindo os enterros nas igrejas e ordenando a construgdo de cemitérios fora das cidades. A lei provincial que concedia 0 mo- nopélio dos enterros culminou nesse movimento. Comento detalhadamente essa lei, desde a proposta dos empresarios do ce- mitério, sua discusséo na Assembléia Legislativa Provincial e sua aprovacdo. Nada foi feito a revelia da Igreja, que desempenhou um papel relevante em sua elaboracdo, regulamentacdo ¢ legitimacdo. Igreja e Estado estiveram juntos, em- bora tanto dentro da Igreja quanto do Estado se levantassem vozes contra 0 ce- mitério e/ou as condigdes de sua concessao. Identifico essas vozes dissidentes. Nesse ponto as irmandades reaparecem como personagens centrais do livro. Elas elaboraram minuciosos manifestos em que expunham as razdes da oposigao ao Campo Santo. E a oposicao nao se restringiu as irmandades. A Cemiterada pro- duziu seu manifesto geral, um documento que revela um movimento mais am- plo, de uma populagdo que recusou deixar que uma companhia privada gerisse um aspecto tao importante de sua visdo de mundo. 24 NOTAS (1) A referéncia mais remota que encontrei do termo cemiterada foi feita, de passagem, num artigo do Jornal da Bahia de 5/6/1857, p. 2, exemplar da BPba. Q) arena, Correspondéncia expedida, v. 1661, fls. 156v-7; AntOnio Pereira Reboucas, “Ao st. chefe de policia, responde o Reboucas [1838]””, in A revoluedo do dia 7 de novembro de 1837 (Salvador, 1938), v, p. 48. (3) “Falla com que o Ex™ presidente Francisco de Souza Paraizo abrio a sesso extraordind- ria da Assembléia Provincial, no dia 7 de novembro de 1836", ax, 151 708. Esta fala do presidente foi publicada no Rio de Janeiro pelo Jornal do Commercio (23/11/1836), da colegio da BNRI (4) Francisco Gongalves Martins, “Nova edicdo da simples e breve exposicao do senhor Fran- cisco Gongalves Martins [1838]”, in A revoluedo do dia 7 de novembro de 1837 (Salvador, 1938), p. 289. G) “Falla de 1836"; Rebougas, “Ao sr. chefe de policia”’, p. 48. (© Martins, “Nova edicdo da simples ¢ breve exposigao””, p. 289. (1) “Falla de 1836”; arena, Correspondéncia, v. 683, fls. 110, 160. O Jornal do Commercio de 23/11/1836, além da “Falla de 1836”, do presidente da Bahia, publicou a correspondéncia de 17/11/1836 do ministro da Justica, Gustavo Adolfo de Aguilar Pantoja, para o presidente, rectiminando-o pelas concessdes feitas aos manifestantes. (8) Presidente da provincia para o ministro do Império, 29/10/1836, fl. 160v; Martins, “Nova ‘edigdo da simples ¢ breve exposicao”, p. 289; andnimo, ‘“Lembrangas’”, mss. BNRI, 11-33, 35, 11. (9) Pena, Correspondéncia expedida, v. 1661, fls. 139-40. (10) aPena, Cemiterada, maco 2858, fls. 22-22v da devassa; Antonio Reboucas, “Ao sr. chefe de policia’”, p. 49. (11) APEBa, Correspondéncia, v. 683, f1. 160v; Jornal do Commercio (5/11/1836); Martins, “Nova edicéo da simples ¢ breve exposi¢ao”, pp. 289, 290; Rebougas, ‘Ao sr. chefe de policia’, P. 46; andnimo, ‘‘Lembrancas”’; aPeva, Cemiterada, mago 2858, fl. 22v. (12) arena, Cemiterada, maco 2858, fls. 5-6v.. (13) Anténio José Alves, Consideracdes sobre os enterramentos por abusos praticados nas igrejas (Salvador, 1841), p. 7. (14) Daniel P. Kidder, Sketches of residence and travels in Brazil (London, 1845), p. 24; Mar- tins, “Nova edigdo da simples e breve exposi¢iio”, p. 290; Reboucas, ‘Ao sr. chefe de policia’’, pp. 47-8, 49; C. Dugrivel a0 ministro dos Negécios Estrangeiros da Franga, 7/11/1836, aMRE, Corres- pondance commerciale, 1831-40, v. 3, doc. 292. (15) Jornal do Commercio (5/11/1836); Henrique Praguer, “A Sabinada”, in A revolugdo de 7 de novembro de 1837 (Salvador, 1938), 1, p. 93; Dugrivel, ibidem. (16) Alves, Consideracdes sobre os enterramentos, pp. 1-7. (17) Um outro formando de medicina, escrevendo alguns anos depois de Alves, menciona de passagem que em 1836 ‘a populacdo guiada pela superstigo levantou uma barreira invencivel”” con- tra aqueles que queriam acabar com o “‘maldito uso”” dos enterros nas igrejas: Manuel José de Frei tas, Breves consideracdes acerca da policia médica da cidade da Bahia (Salvador, 1852), p. 5 (18) Anténio Joaquim Damasio, Tombamento dos bens imdveis da Santa Casa de Misericérdia da Bahia (Salvador, 1862), p. 56. (19) Braz do Amaral, ““A Cemiterada”’, Revista do 101182, xx1v: 43 (1918), pp. 84, 87. Artigo reproduzido em Recordagées histdricas (Porto, 1921). (20) Praguer, “A Sabinada”, p. 93. (21) Marieta Alves, Historia da venerdvel Ordem Terceira da Peniténcia do Seréfico de Sao Francisco (Rio de Janeiro, 1948), p. 282, ¢ Histéria, arte e tradigdo da Bahia (Salvador, 1974), pp. 19-20. (22) Clarival do Prado Valladares, Arte e sociedade nos cemitérios brasileiros (Rio de Janeiro, Luiza Marcilio, ““A morte de nossos ancestrais’”, in José de Souza Martins (org.), A morte e os mortos na sociedade brasileira (S40 Paulo, 1983), p. 64. 25 (24) A coletnea de Martins inclui dois outros trabalhos de natureza historica: Nanci Leonzo, “O culto dos mortos no século xix: os necrolégios"’, pp. 76-84; José Sebastiao Witter, ““Os aniin- cios fiinebres (1920-1940)", pp. 85-9. Outras contribuigdes a essa coletanea, embora tratando de fe- némenos mais recentes, fazem incursGes ao passado mais remoto. (25) Katia Mattoso, Testamentos de escravos libertos na Bahia no século xix: uma fonte para 0 estudo de mentalidades (Salvador, 1979); Inés Oliveira, O liberto: 0 seu mundo e os outros (S80 Paulo, 1988); Adalgisa A. Campos, ‘Consideragdes sobre a pompa finebre”’, RDHUFMG, 4 (1987), pp. 3-24; “

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