O livro trata do dilema, talvez o central, da antropologia: Unidade biológica x diversidade cultural da espécie humana Buscademonstrar que tanto o determinismo biológico quanto o geográfico foram incapazes de resolver este dilema. São muitas, antigas e persistentes as teorias que atribuem capacidades inatas a raças (negros, japoneses, indígenas etc.) à nórdicos mais inteligentes que os negros, que os norte-americanos são empreendedores e interesseiros, que os portugueses são pouco inteligentes; Os antropólogos, no entanto, estão convencidos de que as diferenças genéticas NÃO SÃO determinantes das diferenças culturais; Se trouxermos ao Brasil, logo após o seu nascimento, uma criança sueca, colocando-a sob os cuidados de uma família sertaneja, certamente ela não se diferenciará mentalmente de seus irmãos de criação; Em 1950, após o terror do racismo nazista, que afirmava a superioridade da raça ariana, antropólogos, biólogos e outros especialistas redigiram uma declaração da Unesco que afirmava: 10. Os dados científicos de que dispomos atualmente não confirmam a teoria segundo a qual as diferenças genéticas hereditárias constituiriam um fator de importância primordial entre as causas das diferenças que se manifestam entre as culturas (...). Eles nos informam, pelo contrário, que essas diferenças se explicam, antes de tudo, pela história cultural de cada grupo. ... 15. No estágio atual de nossos conhecimentos, não foi ainda provada a validade da tese segundo a qual os grupos humanos diferem uns dos outros pelos traços psicologicamente inatos, quer se trate de inteligência ou temperamento. As pesquisas científicas revelam que o nível das aptidões mentais é quase o mesmo em todos os grupos étnicos. Assim, oque o autor afirma é que “é falso que as diferenças de comportamento existentes sejam determinadas biologicamente” (p.19). Essas diferenças são determinadas, pois, culturalmente. Resumindo, o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, um processo chamado de endoculturação. O comportamento de meninos e meninas é diferente não em função de hormônios, mas de uma educação diferenciada. O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. Essas teorias (final do século XIX e início do XX) ganharam grande popularidade. Alguns trabalhos consideram o clima um fator importante na dinâmica do progresso – o clima quente estaria relacionado com sociedades menos desenvolvidas (povos mais preguiçosos), ao passo que o clima frio apresentaria sociedades mais desenvolvidas. A partir de 1920, alguns antropólogos refutaram essas teorias, afirmando que é comum existir uma grande diversidade cultural em um mesmo ambiente físico. Ex: Brasil. Enfim, conclui, as diferenças existentes entre os homens não podem ser explicadas em termos que lhe são impostas pela sua biologia ou pelo meio ambiente em que vivem. Século 18: o termo kultur (alemão) era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto que a palavra civilization (francês) referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. O antropólogo Edward Tylor (1832-1917) sintetizou ambas na palavra culture (inglês), que significa “todo o complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (p.25). Grande amplitude do conceito à Geertz (1973) vai dizer que o tema mais importante da teoria antropológica moderna é “diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente” (p.27). O passo mais importante, nesse processo de definição do conceito = separação do cultural e do biológico, levada a cabo por Kroeber, que postulou a supremacia do primeiro em detrimento do segundo. Os homens se diferenciaram, definitivamente, dos outros animais, por disporem de duas propriedades: a possibilidade de comunicação oral e a capacidade de fabricação de instrumentos. E isso porque o homem é o único ser possuidor de cultura. Tylor apresentou a primeira definição de cultura, do ponto de vista antropológico. Além disso, ele procurou demonstrar que este pode ser um objeto de estudo sistemático, que apresenta causas e regularidades, permitindo a formulação de leis sobre o processo cultural. Tylor se preocupava, mais do que com a diversidade cultural, com a igualdade existente na sociedade. Escrevendo sob o impacto da Origem das Espécies, de Darwin, assumia uma perspectiva evolucionista: a tarefa da antropologia seria, para os evolucionistas, a de “estabelecer, grosso modo, uma escala de civilização”. Abordagem unilinear (selvageria, barbárie e civilização) x multilinear Unilinear: aidéia era de que a cultura desenvolve-se de maneira uniforme, de tal forma que “era de se esperar que cada sociedade percorresse as etapas que já tinham sido percorridas pelas sociedades mais avançadas” (p.34). A classificação hierárquica, no entanto, dava claras vantagens às nações européias, naquele momento as mais desenvolvidas. A principal reação ao evolucionismo (chamado de método comparativo) inicia-se com Franz-Boas (1858-1949), antropólogo alemão, que insistiu na necessidade de comprovar a possibilidade de comparar dados de sociedades distintas. Franz-Boas propõe, então, uma abordagem que levasse em consideração os fatores históricos de um povo (particularismo histórico) à “cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou” (p.26). Essa abordagem passou a ser considerada multilinear à segundo esta, as sociedades têm um desenvolvimento único, composto de múltiplos estágios, que não podem ser simplificados e generalizados. Outro antropólogo, o americano Alfred Kroeber (1876-1960) segue esta mesma linha, reforçando a idéia de que todos os atos humanos dependem inteiramente de um processo de aprendizado. (Ex: baleia criou nadadeiras; homem desenvolveu o barco – p.40). O homem adapta-se ao meio ambiente não através de transformações biológicas, mas através da criação de instrumentos que lhe são exteriores. Com isso, o homem tem sobrevivido, adaptando-se às mais diversas condições do meio-ambiente à superando o orgânico, ele de certa forma libertou-se da natureza (p.41). É comum a crença nas qualidades (positivas ou negativas) adquiridas graças à transmissão genética. “Tenho a física no sangue”. “Meu filho tem muito jeito para a música, pois herdou essa qualidade do avô”. “Ohomem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridas pelas numerosas gerações que o antecederam.” (p.45). Assim, nãobasta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, mas é necessário colocar ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade. Ex: SantosDumond (1873-1932) não teria sido o inventor do avião se não tivesse abandonado a cidade de Palmira e se transferido para Paris, onde teve acesso a todo o conhecimento acumulado pelas nações desenvolvidas do ocidente. A contribuição de Kroeber para a ampliação do conceito de cultura pode ser resumida nos seguintes pontos: 1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem; 2. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos; 3. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas; 4. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo; 5. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes, que se utilizam do conhecimento existente ao seu dispor. Dois pontos são destacados pelo autor: O senso comum: onde fica o instinto de conservação? O instinto materno? O autor enfatiza que tais comportamentos são determinados culturalmente, e não biologicamente. Dois exemplos: Infanticídio praticado pelas mulheres Tapirapé, tribo Tupi do Norte do Mato Grosso (P. 50); Instinto filial? Exemplo os esquimós, que conduziam os idosos para as planícies geladas para serem devorados pelos ursos (P.51). A cultura como um processo acumulativo Uma criança humana e uma criança chimpanzé não apresentam comportamento muito distinto em seu primeiro ano de vida. Mas quando a criança humana começa aprender a falar, a distância torna- se imensa. Cada observação realizada pelo chimpanzé não beneficia a sua espécie, pois acaba com ele. No humano, ao contrário, toda a experiência de um indivíduo é transmitida aos demais, criando um interminável processo de acumulação. Como o homem adquiriu cultura, diferenciando-o dos demais animais e dando-lhe um lugar privilegiado na Terra? Culturaapareceu “de repente”, num dado “ponto crítico” (Kroeber), a partir de uma alteração orgânica. Hojeessa teoria é considerada uma impossibilidade científica: a natureza não age por saltos. Outras explicações: Kenneth Oakley: cultura como resultado de um cérebro mais volumoso e complexo. Claude Lévi-Strauss: cultura surgiu no momento em que o homem convencionou a primeira regra, a primeira norma – para ele, esta seria a proibição do incesto, comum a todas as sociedades humanas. Leslie White: cultura surgiu quando o cérebro do homem foi capaz de gerar símbolos.