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Boletim Academia Paulista de Psicologia

ISSN: 1415-711X
academia@appsico.org.br
Academia Paulista de Psicologia
Brasil

Forghieri Cintrão, Yolanda


Saúde Existencial: vivência a ser periodicamente reconquistada
Boletim Academia Paulista de Psicologia, vol. XXIV, núm. 1, janeiro-abril, 2004, pp. 46-57
Academia Paulista de Psicologia
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=94624114

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Boletim Academia Paulista de Psicologia - Ano XXIV, nº 1/04: 46-57

- OLIVEIRA, V. B. (2002).(org) O Brincar e a Criança, do nascimento aos seis


anos. (4ªed.), Petrópolis, Vozes.
- OLIVEIRA, V. B (1998 a). O Símbolo e o Brinquedo. 2ª Ed., Petrópolis, Vozes.
- OLIVEIRA, V.B. (1998 b). Memorial, apresentado ao IPUSP para obtenção do
Título de Livre-Docente em Psicologia Social
- PÉREZ-RAMOS, A M. Q e PÉREZ-RAMOS, J. (1996) Estimulação Precoce –
Serviços, Programas e currículos. Brasília, CORDE: Imprensa Nacional
- THELEN, E. (1995). Motor development: a new synthesis. American
Psychologist, v.50, n 2: (79-95).

• Saúde Existencial: vivência a ser periodicamente reconquistada.


Yolanda Cintrão Forghieri1
Universidade de São Paulo

Resumo : As vivências de contrariedade e de bem – estar intensos , e suas possíveis


influências, respectivamente, no adoecimento e na saúde existenciais, tem sido observadas
pela autora em numerosos atendimentos psicoterápicos e em resultados parciais de
pesquisas que tem realizado sobre o assunto. Esta investigação tem por objetivo verificar,
de modo minucioso, quais as peculiaridades de cada uma dessas vivências, para então
averiguar suas possíveis relações com o adoecimento e a saúde existenciais, dentro da
totalidade do existir. O trabalho é fundamentado em uma determinada perspectiva do ser
humano e conseqüentemente, em uma metodologia fenomenológica. O material de estudo
consiste em um relato pormenorizado sobre sua própria vivência, de dez universitários
pós-graduandos, com idades compreendidas entre 35 e 48 anos, sendo 8 mulheres e 2
homens; considerados como “razoavelmente normais “por eles próprios e por seus colegas.
Os resultados revelam diferenças significativas entre a contrariedade e o bem estar intensos
e confirmam o pressuposto inicial de estreitas relações entre a primeira e o adoecimento
e entre o segundo e a saúde existencial. Entretanto, revelam também, que a contrariedade
intensa quando enfrentada e superada pelo sujeito, propicia níveis mais profundos e estáveis
de saúde existencial.

Palavras-chave: vivência, bem–estar, contrariedade, saúde existencial, adoecimento


existencial.

1. Introdução
- Estilo adotado na redação do trabalho :
Considero ser importante esclarecer, inicialmente, que este trabalho
encontra-se redigido em uma linguagem ora autobiográfica, ora coloquial, que
poderia contrariar o que é esperado, normalmente, em um texto de natureza
científica. Entretanto, como se trata de um relato de pesquisa fundamentado
em uma abordagem fenomenológica, tal estilo é aceito, e freqüentemente

1
Professor Titular e Livre Docente pelo IPUSP, professora do Curso de Formação em
Psicoterapia Fenomenológico-Existencial do Centro de Psicoterapia Existencial. Endereço
para correspondência: Rua Estado de Israel, 847, ap.31, Vila Clementino, CEP 04022-002,
46 São Paulo / SP. Tel (11) 5571-2787.
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adotado. Pois como nos diz o fenomenólogo Merleau-Ponty (1973) “é no contato


com nossa experiência que elaboramos as noções fundamentais das quais a
Psicologia se serve, a cada momento.” (p.33)
Assim sendo, ao me colocar pessoalmente e, de certo modo, tentar dialogar
com o leitor(a), procuro “tocá-lo, envolvê-lo para participar de vivências que não
são apenas minhas, mas dele(a) também, pois todos nós existimos em um
mesmo mundo, esforçando-nos para viver do melhor modo possível.
- Justificativa do trabalho :
A Psicologia Humanista, principalmente nos enfoques de Maslow (1968) e
de Rogers (1961), ressalta a importância da vivência do bem - estar para a
atualização das potencialidades do ser humano e para o seu desenvolvimento
psicologicamente saudável. O aprofundamento de estudos que desenvolvi nessa
área (Forghieri , 1972), pesquisas que realizei sobre o assunto (Forghieri, 1983)
e a convivência com grande quantidade de alunos e de clientes, durante muitos
anos, possibilitaram-me verificar e confirmar como a vivência de bem–estar
favorece a saúde psicológica.
Por outro lado, tendo tido também, como psicoterapeuta e aconselhadora,
a oportunidade de observar o grande sofrimento de pessoas que experiencíam a
contrariedade e a angústia e o quanto esse tipo de vivência pode dificultar e, às
vezes, até impedir o seu desenvolvimento saudável. . Não são poucas as que
adoecem e não conseguem se recuperar, permanecendo deprimidas e tristes o
resto de sua vida. Este fato levou-me a direcionar meus estudos e reflexões
para as abordagens do ser humano que focalizam a contrariedade e a angústia,
tendo encontrado farto material sobre o assunto em filósofos, psiquiatras e
psicólogos, representantes do movimento fenomenológico iniciado com Husserl,
a partir de 1901.( Forghieri, 1991). Entretanto, os conhecimentos adquiridos
sobre a contrariedade e a angústia não arrefeceram meu interesse pela vivência
de bem – estar, que até se intensificou quando entrei em contato com a obra Eu
e Tu (1977) do filósofo Buber.
Todos esses fatos levaram-me não apenas a estudar, mas também a
realizar pesquisas, sob um enfoque fenomenológico, para investigar, inicialmente
as peculiaridades da vivência tanto de bem–estar, como de contrariedade e,
posteriormente, as possíveis relações entre ambas e como cada uma delas
poderia contribuir para propiciar ou dificultar o desenvolvimento saudável das
pessoas. Em um período de quinze anos, realizei oito pesquisas de cunho
fenomenológico cujos resultados apresentei em eventos científicos nacionais e
internacionais; seus resumos foram publicados nos anais desses congressos.
Apenas três dessas pesquisas foram publicadas na íntegra (Forghieri 1989,1993
, 1994).
Entretanto ainda não havia sido publicada na íntegra a investigação cujo
objetivo final é verificar as possíveis relações entre as vivências de contrariedade

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e de bem-estar intensos e o adoecimento e a saúde existenciais, respectivamente,


dentro da totalidade do existir humano. É desse assunto que trato neste trabalho.

2. A Pesquisa
- Tema : Saúde e adoecimento na totalidade do existir humano .
- Objetivos: Investigar as peculiaridades das vivências de contrariedade e
de bem-estar intensos e suas relações com o adoecimento e a saúde
existenciais, dentro da totalidade do existir humano .
- Material de estudo e participantes: relatos pormenorizados de dez
universitários pós-graduandos, com idades compreendidas entre 35 e
48 anos, de ambos os sexos.

3. Enfoque fenomenológico da pesquisa e de termos usados


Vivência: consiste na percepção que o ser humano tem de suas
experiências, atribuindo-lhes significados que sempre possuem, com maior ou
menor intensidade, algum sentimento de agrado ou desagrado. Ela pode ser
imediata ou racional.
A vivência imediata consiste em nosso primeiro contato com a situação,
como por exemplo, quando estou caminhando e de repente me deparo com
uma frondosa paineira em flor e sinto-me agradavelmente envolvida. Logo em
seguida passo a refletir sobre esta vivência de bem-estar analisando a árvore
que estou contemplando, “é uma paineira linda, antiga, acolhedora, como é bela
a natureza”. Desse modo passei, gradualmente de uma vivência imediata para
uma vivência racional, ambas agradáveis. Mas quando estou caminhando, posso
também avistar um homem pobre, muito sujo que me desperta uma vivência de
mal-estar, contrariedade. Meu primeiro impulso é atravessar a rua, para fugir
dele, fugir dessa vivência desagradável. Porem, esforço-me para seguir em frente,
afinal ele é um ser humano que merece minha misericórdia; aproximo-me e lhe
dou uma esmola para tentar me livrar de meu sentimento de impotência diante
das injustiças sociais. Aqui passei também de uma vivência imediata para uma
racional, porém ambas desagradáveis.
Nesses dois exemplos podemos observar, que a vivência além de conter
um colorido agradável ou desagradável, ocorre intimamente relacionada aos
objetos, às pessoas, ao mundo. Como afirma Binswanger (2002), “o homem
faz rodar seu carro onde bem entende, mas sob suas rodas gira, invisível, a
esfera que ele percorre” (p.439). O ser humano é um ser–no-mundo, existe
sempre em relação a algo ou a alguém. “Mas ser-no-mundo não quer dizer que
o homem se acha no meio da natureza ao lado das arvores, animais e outros
homens (...) é uma estrutura de realização (..) O homem está sempre superando
os limites entre o dentro e o fora “ (Heidegger 1988, p.20)
Percebemos as pessoas e tudo o que está “aí fora” não apenas dentro de
seu contexto mas também em ligação com nossa própria pessoa. “ Poderíamos

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dizer que vemos o significado que as coisas tem para nós. Se não vemos o
significado , não vemos coisa alguma.” (Van den Berg, 1973 p.39). É por isso
que nenhum mundo exterior puramente objetivo, assim como nenhum mundo
interior, puramente subjetivo pode ser demonstrado. Existimos sempre “em
relações definidas pelos significados que percebemos nos entes” (Boss, 1979,
pp. 183-184).
E acontece que um mesmo objeto pode ter significados diferentes para
várias pessoas. Isto pode ser observado em um exemplo no qual a frondosa e
florida paineira esteja sendo contemplada por uma jovem romântica apaixonada,
um madeireiro ambicioso ou um biólogo estudioso. Para a moça romântica, a
frondosa paineira provavelmente lhe parecerá como um local agradável e fresco
para estar com o seu amado. Para o madeireiro poderá ter o significado de uma
ótima madeira para negociar. E para o biólogo poderá ser motivo de estudo de
suas folhas, seu tronco para classificá-los de acordo com a espécie e a idade.
Entretanto, os mesmos objetos podem ter significados diferentes para a
mesma pessoa. No exemplo seguinte, mais pormenorizado podemos observar
isto. Uma jovem de nome Maria está andando pela rua quando, de repente, vê
José um antigo namorado, a quem muito amou e até agora não conseguiu
compreender porque se separaram. Ao avistá-lo fica muito emocionada e corre
ao seu encontro. Ele também lhe parece contente ao vê-la. Ambos abraçam-se
comovidos, porém estão com muita pressa e, então combinam um encontro
para o dia seguinte, na residência dela. Para recebê-lo, ela prepara com muita
satisfação a sua sala, coloca flores no vaso, ajeita as almofadas do sofá, separa
o CD que ambos gostavam de ouvir juntos, o vinho que ele aprecia, etc Todo o
ambiente lhe parece partilhar de sua satisfação: o vaso florido, as almofadas no
sofá, o CD que já está tocando para tornar a sala ainda mais agradável. No
horário combinado a campainha toca; seu coração bate mais forte: é ele que
chega, alegre, apaixonado e com carinho oferece-lhe um ramalhete de rosas
vermelhas, símbolo para ambos de amor, amor que já os uniu no passado e que
sentem reviver no presente. A expectativa de Maria é confirmada. Ambos sentem-
se imensamente contentes e tudo o que está à sua volta parece-lhes sorrir.
Fazem planos para as férias que estão próxima , querem recuperar o tempo
perdido. E como diz o final dos romances “casaram-se e foram muito felizes”.
Esta é uma pequena história que provavelmente, com algumas mudanças nos
detalhes, cada um de nós gostaria de viver ou talvez até já a esteja vivendo.
Porém, os acontecimentos também podem ser diferentes. Suponhamos
que no horário combinado, em lugar da campainha, toque o telefone e seja José
para dizer à Maria, sem maiores explicações; “sinto muito, mas não poderei
comparecer ao nosso encontro”. O contentamento de Maria transforma-se de
repente, em uma enorme frustração. Sente-se humilhada, inferiorizada, incapaz
de ser amada, de manter o afeto de alguém. E tudo isto se manifesta ao
contemplar as almofadas, a garrafa de vinho, as flores no vaso. Todo o ambiente

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se transforma, tornando-se profundamente triste, sem perspectivas, sem


coragem para enfrentar o futuro; sem saber o que pensar, o que fazer. É possível
que cada um de nós já tenha tido a desagradável oportunidade de vivenciar
momentos de contrariedade, frustração e tristeza semelhantes aos de Maria.
Neste último exemplo podemos observar, ainda, três características do
nosso existir: a vivência do tempo ou temporalidade, a do espaço ou espacialidade
e a da liberdade ou amplitude da existência. O tempo em nossa vivência imediata
é experienciado como uma totalidade, um presente perene ao qual encontram-
se integrados o passado e o futuro. Maria em sua vivência agradável , experiencía
em seu presente, tanto o que já foi experienciado como sua expectativa de futuro.
Concomitantemente percebe seu espaço, ou seu ambiente, de modo claro,
amplo, com abertura a possibilidades de escolhas e de fazer planos para
concretizá-las; é como se estivesse no “céu”. Entretanto, no caso de se sentir
frustrada, contrariada, toda sua existência é vivenciada de modo escuro, restrito,
sem sentido e sem possibilidades de abertura para fazer planos e sair dessa
situação; é como se estivesse na” fossa”.
Assim, nossa existência oscila de acordo com dois eixos: um no sentido
horizontal e outro no sentido vertical. Este, com predominância do humor, que
sendo agradável nos proporciona “subir” e captar a existência de modo claro e
amplo. Inversamente, a frustração e contrariedade nos faz “descer”, ficar no
escuro e com poucas ou nenhuma possibilidade. Quanto mais intenso o bem-
estar ou a contrariedade, mais intensa será nossa “subida” ou “descida”,
respectivamente. Como afirma Binswanger (2002) “Quando no meio de uma
entrega ou expectativa apaixonada, o esperado subitamente nos decepciona
(...) voltamos em pensamento a esses instantes, dizendo: Caímos dos céus,
como que atingidos por um raio” (p.417).
Intimamente articulado ao eixo vertical, encontra-se o eixo horizontal que
nos propicia concretizar nossas possibilidades, transformar nossos sonhos em
planos que nos permitam, passo a passo, concretizá-los. Assim, vamos
averiguando nossas capacidades e também nossos limites. Pois, podemos
idealizar e sonhar muitas coisas, porém, não conseguimos realizar a todas. No
decorrer de nossa vida vamos verificando não apenas a sua amplitude como
também as suas restrições. Entre estas encontra-se a concretude de nossa
existência que nos permite, apenas, estar em um lugar e viver um só momento
de cada vez, assim como a escolher e fazer uma coisa de cada vez. Desse
modo, ao fazermos uma escolha precisamos renunciar a muitas outras; algumas
poderemos recuperar em outra ocasião, mas há renúncias que são definitivas.
Assim, nossa existência decorre permeada de conflitos e de paradoxos:
vivenciamos a liberdade, mas também somos determinados pelos
condicionamentos, em algumas situações somos alegres, mas em outras somos
tristes, partilhamos nossa vida com nossos semelhantes, mas não conseguimos
evitar a solidão; dedicamo-nos aos outros, mas também cuidamos de nosso

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próprio existir; temos amplas possibilidades, mas nos confrontamos com nossos
limites. Entre estes encontra-se o maior limite da existência: é a finitude, que se
concretiza com a nossa própria morte. Estamos entrando aqui na questão da
saúde e do adoecimento.
A saúde existencial: Consiste no bem-estar geral que cada um de nós
experiencía no decorrer da própria existência, caracterizado por uma vivência
global de liberdade, acolhimento e sintonia em relação a si, aos seus semelhantes
e ao mundo em geral. “A essência fundamental do homem sadio caracteriza-se
pelo seu poder dispor livremente do conjunto de possibilidades de relação que
lhe foi dado manter com o que se lhe apresenta na abertura livre de seu mundo”.
(Boss, 1983, p.123)
Inversamente, o adoecimento existencial consiste em um mal-estar,
contrariedade e angústia, que se caracteriza por uma vivência global de
impotência, insatisfação em relação a si mesmo, à própria vida e aos seus
semelhantes, e por uma revolta, ou uma apatia, um conformismo pessimista de
que nada adianta fazer para melhorar ou mudar essa situação.” A essência de
todos os sofrimentos humanos fundamenta-se no fato de que a pessoa perdeu
a capacidade de se decidir livremente acerca de suas possibilidades de
comportamento normal.” (Boss, 1975, p.24)
Saúde e adoecimento existenciais fazem parte da vida de todos nós; são
como dois pólos constituintes da totalidade da existência. São maneiras de existir
de certo modo opostas, paradoxais, que se alternam constantemente no decorrer
de nossa existência, às vezes tão próximas que chegam a se entrelaçar. E
nosso existir está sempre fluindo, entre paradoxos de bem-estar e de
contrariedade, de possibilidades e de limites, ora pré-reflexivamente, ora
racionalmente refletindo sobre nossa vivência imediata. Assim, vamos
gradualmente, adquirindo conhecimentos sobre o mundo e sobre nós mesmos,
que nos fornecem parâmetros racionais, de certo modo “objetivos”, para entender
nossas vivências passadas e atuais, assim como fazer planos e agir no sentido
de concretizá-los. E tanto para adquirir, como para modificar ou ampliar esses
conhecimentos, precisamos constantemente, retornar à vivência imediata pré-
reflexiva. Pois só assim conseguimos, como afirma Minkowski (1982), “ recobrar
o contato com a vida e com o que ela tem de mais espontâneo e originário; voltar
à fonte primeira da qual brota não apenas a ciência, mas todas as manifestações
da vida” (p. 9)

4. Metodologia
A Fenomenologia de Husserl na qual procurei fundamentos para a
metodologia deste trabalho, surgiu a partir de 1901 no campo da Filosofia, mas
tem exercido grande influência nas ciências em geral, especialmente na
Psicologia. Para Husserl (1986) “a Fenomenologia é a instância para julgar as
questões metodológicas básicas da Psicologia. O que ela afirma, em geral, o

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psicólogo precisa reconhecer, como condição de possibilidade de toda sua


metodologia ulterior.” ( p.188). Entretanto, ela não é um sistema filosófico e sim
“um conjunto de proposições para um método de pensar, apreender e investigar
o mundo, tão rigorosamente quanto possível”. (Ramadam, 2003, p. xi)
Para iniciar essa tarefa Husserl propõe a redução fenomenológica. Esta
consiste em retornar ao mundo da vida, tal como ele aparece antes de qualquer
alteração produzida por sistemas filosóficos, teorias científicas e preconceitos
do pesquisador,. Então, fazer sobre a experiência vivida, uma profunda reflexão
que permita chegar à sua essência. Entretanto, na Psicologia não há como na
Filosofia”, o intuito de chegar a um esclarecimento filosófico–fenomenológico da
estrutura transcendental do ser humano enquanto ser-no-mundo, mas sim
empreender uma análise existencial ou empírico-fenomenológica de formas
concretas de existência” . (Binswange, 1973, p.436)
Desse modo, a metodologia fenomenológica é a mais apropriada para a
investigação da vivência. Esta pode ser do próprio pesquisador, assim como de
outras pessoas. Pois como diz Merleau-Ponty (1973) “nada impede que entre
as coisas por mim vividas, a reflexão fenomenológica dirija-se para o outro, pois
percebo o outro e suas condutas “ (p.40) “Somos um para o outro numa
reciprocidade perfeita; nossas perspectivas deslizam uma na outra, coexistindo
através de um mesmo mundo”. (Idem 1971, p.338). Embora cada um de nós
apresente peculiaridades, somos também seres humanos semelhantes; é esta
estrutura comum que nos possibilita compreendermo-nos e conhecermo-nos
uns aos outros.
Assim sendo, considero que a metodologia fenomenológica para a
investigação dos fenômenos psíquicos não se propõe chegar à essência destes.
Ela tem por objetivo captar o significado da vivência para a pessoa, em
determinadas situações, tais como as de aprendizagem, bem-estar,
contrariedade, agressividade, dor, doença, psicoterapia, liberdade, solidariedade,
egoísmo, poder, submissão, etc.
- Procedimentos:
A partir de enunciados dos filósofos Husserl (1986,1965), e Merleau-Ponty
(1973,1971), das investigações feitas pelos psiquiatras Binswanger (2002, 1977,
1973, 1967), Van den Berg (1973), Boss (1983, 1975 ), e Minkowski (1982), pelos
psicólogos Giorgi (1985 ), Colaizzi (1978), Valle e King (1978) e de minha
experiência como pesquisadora, cheguei à elaboração dos procedimentos que
utilizei para investigar as peculiaridades dos dois tipos de vivência, começando
pela de bem-estar, seguida pela de contrariedade, com um intervalo de uma
semana entre ambas . Agrupei-os em etapas ou fases inter-relacionadas, que
apresento a seguir, separadamente com o intuito de descrevê-las com maior
clareza.
1ª etapa: Ponto de vista, conceitos e preconceitos do pesquisador a
respeito da vivência a ser investigada.

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Levando em conta o ensinamento de Merleau-Ponty (1971) de que a


redução fenomenológica não chega a ser completa, torna-se necessário que o
pesquisador reflita sobre a referida vivência, relembrando e enunciando sua
posição em relação a ela. Isto com o intuito de “transformar o condicionamento
sofrido em condicionamento consciente” (p.22). E também para delimitar o campo
dentro do qual os resultados da pesquisa podem ser considerados.
2ª etapa: Obtenção dos relatos dos participantes.
Minha experiência como pesquisadora, levou-me a verificar que as pessoas
não têm o hábito de refletir sobre suas vivências e por isso encontram dificuldades
quando solicitados a descrevê-las. Por esse motivo, depois de lhes informar
sobre os objetivos da pesquisa, e assegurar-lhes o anonimato realizei duas
reuniões com eles. Na 1ª solicitei a cada uma delas que procurasse se lembrar
de suas vivências de bem-estar, selecionasse a que considerava ter sido a mais
intensa e significativa; refletisse sobre ela, procurando revivê-la, para então relatá-
la ao grupo. Dei alguns exemplos desse tipo de relato e ressaltei que meu intuito
não era o de uniformizar os relatos e sim que cada uma, além de possíveis
semelhanças, procurasse se ater às suas peculiaridades; expressando-as em
linguagem simples, o máximo possível, sem conceitos de teorias psicológicas.
A escolha e o reviver de uma única vivência e a linguagem simples teve o intuito
de que o relato fosse feito com a máxima proximidade da mesma. No final dessa
reunião solicitei que no decorrer da semana, repetissem essa experiência e a
relatassem por escrito, descrevendo a vivência com detalhes, a fim de entregar-
me o relato na reunião que seria na semana seguinte.
Na 2ª reunião, solicitei que cada participante lesse seu relato para o grupo
e no final da reunião, se julgasse necessário, o complementasse, para então
entregá-lo.
3ª etapa : Análise compreensiva do relato de cada participante.
Esta foi feita pela pesquisadora, de acordo com os seguintes passos:
a)leitura do relato inteiro para captar o seu sentido global; b) releitura para sublinhar
as frases que tratavam da vivência propriamente dita, procurando captar o seu
significado para o participante, levando em conta os objetivos da pesquisa e a
abordagem teórica adotada para fundamentá-la.
4ª etapa: Elaboração de uma descrição da vivência levando em conta os
significados obtidos na etapa anterior.
5ª etapa: Averiguação com cada participante dos dados elaborados pelo
pesquisador na 3ª e 4ª etapas, dando-lhe liberdade, caso julgasse necessário,
para completá-los ou modificá-los.
6ª etapa: Articulação dos dados obtidos por todos os sujeitos na etapa
anterior com o objetivo de elaborar uma descrição da vivência, que contivesse
as peculiaridades da mesma, para o grupo.

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Estas seis etapas foram seguidas para investigar, separadamente, cada


um dos dois tipos de vivência, iniciando com a de bem-estar, seguida da de
contrariedade, com uma semana de intervalo entre ambos.
7ª etapa: Verificação de possíveis relações tanto da vivência de bem-estar
como da de contrariedade, com a saúde e o adoecimento existenciais, levando
em conta os dados obtidos na 6ª etapa e a abordagem fenomenológica da
pesquisa.

5. Descrição dos Resultados


- Peculiaridades de cada uma das vivências:
Na vivência de bem-estar intenso foram encontradas as seguintes
peculiaridades, comuns à maioria dos participantes: envolvimento e sintonia com
a situação experienciada, que se estende aos semelhantes e ao mundo e propicia,
agradavelmente, à pessoa compreensão global de seu existir, visualizando
amplas possibilidades de nele prosseguir, com liberdade para fazer escolhas e
elaborar planos, com esperança de concretizá-los.
Inversamente, na vivência de contrariedade intensa, para a maioria dos
participantes, foram encontradas as seguintes peculiaridades: distanciamento
da situação experienciada que se estende aos seus semelhantes, ao mundo e a
sua própria vida, que leva o participante a uma desagradável incompreensão e
revolta, ou a uma apatia em relação ao seu existir, uma restrição de sua liberdade
para fazer planos, e pouca ou nenhuma esperança de realizá-los.
· Relações da vivência de intensos bem-estar e contrariedade com a saúde
e o adoecimento existenciais.
Considerando os resultados acima descritos poderíamos, em um primeiro
momento, concluir que a vivência de bem-estar facilita e a de contrariedade
dificulta o alcance da saúde existencial. Conseqüentemente, esta última
favoreceria o adoecimento existencial. Entretanto os resultados revelam também
que todos os participantes depois de algum tempo de profundo sofrimento e
desalento, conseguem ter coragem para enfrentar a contrariedade intensa e
assim, envolver-se na situação, aceitando-a, constatando-a como realidade e
desse modo, compreendendo-a na totalidade de seu existir .Assim, vislumbram
suas possibilidades de enfrentar e resolver a situação, ou de superá-la, dirigindo-
se para outra escolha. Experienciar, enfrentar e resolver ou superar a
contrariedade intensa, propiciou a todos os participantes reconhecerem seus
próprios limites, dentro de suas múltiplas potencialidades, e alcançarem níveis
mais profundos e estáveis de saúde existencial.

6. Discussão dos Resultados


Os resultados relativos tanto à vivência de bem-estar quanto à de
contrariedade intensas confirmam as enunciações do enfoque fenomenológico
adotadas para fundamentar esta pesquisa. Confirmam também resultados de

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pesquisas que realizei anteriormente sobre esse assunto. (Forghieri, 2003, 1998,
1994, 1993). Não menciono outros autores por não ter encontrado na bibliografia,
pesquisas sobre este tema, baseadas na fundamentação e metodologia
fenomenológicas semelhantes às deste trabalho.
O enfrentamento e superação da intensa contrariedade declarados por
todos os participantes, para seis deles foi atribuída à sua profunda crença em
Deus ou em algum santo de sua grande devoção. Isto revela a importância da
religiosidade para a recuperação da saúde existencial. Os quatro participantes
restantes declararam terem se sentido tão aflitos e confusos que chegaram a
pensar em suicídio, só conseguindo desistir dessa idéia, devido à presença de
uma pessoa querida . Isto nos alerta para a grande importância do terapeuta, ou
de qualquer um de nós, ser essa presença para quem dela estiver necessitando.
Pois, como afirma Buber (1982) “o que esperamos nós, quando desesperados,
e mesmo assim, procuramos alguém? Esperamos certamente por uma presença
por meio da qual nos é dito que o sentido ainda existe”.(p. 47)
A ocorrência alternada de vivências de bem-estar e de contrariedade
declarada por todos os participantes, pode ser evidenciada, também, no decorrer
de nossa própria existência. Embora tenhamos o desejo de nos manter sempre
no bem-estar, não conseguimos evitar os momentos de contrariedade intensa;
eles sempre surgem, por mais que procuremos deles escapar. E como a
contrariedade tende, em seus primeiros instantes, a nos alienar da situação, a
não aceitá-la e a não compreender o seu significado, estamos, periodicamente,
ameaçados de adoecer por alguns momentos. Estes podem ser prolongados
se não tivermos coragem para nos envolver na situação e aceitá-la, constatá-la
como realidade, e assim, dar-lhe um significado, um sentido como limite de
nossa existência, entre nossas muitas possibilidades. Tendo essa coragem,
retornamos à nossa saúde existencial, sem estarmos livres de que ela poderá
ser abalada em outra ocasião, e novamente reconquistada. E assim,
sucessivamente, no decorrer de nossa existência, vamos ampliando cada vez
mais nossos conhecimentos sobre o mundo, nossos semelhantes e sobre nós
mesmos. Porém jamais conseguiremos esgotá-los, pois como nos diz
Binswanger (1973) “a vida é e continuará sendo um mistério ... podemos apenas
vivê-la em sua total plenitude, mas não conseguimos captá-la completamente
de forma racional”. (p. 491)
É por tudo isso,como afirma Tillich (1972), que precisamos ter “coragem
de ser”, coragem para viver nossa própria vida.

7. Considerações Finais
Os resultados desta pesquisa realizada com dez participantes e
confirmados por outras que realizei sobre o assunto, totalizam oitenta pessoas.
Esta é uma quantidade pequena para se chegar a generalizações.

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Entretanto, como trata-se de uma investigação de vivências o objetivo é


chegar a peculiaridades do existir, o que não impede que estas sejam enraizadas
naquilo que é comum a todos nós como seres humanos semelhantes. Vivemos
num mesmo mundo esforçando-nos por fazê-lo do melhor modo possível.
Inúmeras vezes conseguimos, outras tantas não, seguindo sempre em frente
no decorrer de nossa existência .
Finalmente a pesquisa nos revela algumas peculiaridades de nossa vida,
relacionadas ao bem-estar e a contrariedade, e ao modo como podem contribuir
para a saúde e o adoecimento existenciais. Porém, inúmeras são as vivências
que ainda precisam ser investigadas para que possamos chegar a outras
inúmeras peculiaridades do existir humano. E assim, prosseguimos na busca
da compreensão de nossa própria vida e da de nossos semelhantes. Um
prosseguir que vem atravessando os séculos e continuará através dos próximos,
até o final dos tempos.

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• Novas perspectivas da Psicologia Positiva


Juan Pérez-Ramos (Cad. 13)1
Aidyl M.Q. Pérez-Ramos (Cad. 30)1
Instituto de Psicologia – USP

Resumo: Analisam-se as contribuições da Psicologia Positiva, tendo em vista os seus


progressos atuais e os que se prevêem para o seu futuro desenvolvimento. Inicia-se o
estudo pelas vertentes centralizadoras dos aspectos negativos (transtornos, patologias,
1
Professores Associados e Titulares, respectivamente, do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia (Área de concentração: Psicologia Clínica). Endereço para correspondências: Rua
Pelágio Lobo, 107 – 05009-020 – São Paulo. Tel. (11) 3862-1087 / 3675-8889 – E-mail:
juanaidyl@terra.com.br 57

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