Resumo
Este artigo expõe uma visão geral acerca da cultura visual e da educação da cultura
visual. Nesse contexto é apresentado um breve histórico sobre as modificações sofridas,
ao longo dos anos, pela nomenclatura relacionada ao ensino de artes, começando no
surgimento das Academias de Arte e chegando aos dias de hoje, bem como, questões
relevantes a esses campos de estudos. Da mesma forma, discute a importância de se
introduzir a educação da cultura visual nos meios formais de ensino, como uma forma
de instigar e facilitar uma análise crítica, por parte dos estudantes, sobre as imagens que
são apresentadas em seu cotidiano. São expostos, ainda, aspectos da multiculturalidade e
da transdisciplinaridade que caracterizam tanto a cultura visual como a educação da
cultura visual. A metodologia utilizada foi à revisão de literatura baseada, principalmente,
em textos dos seguintes autores: Raimundo Martins, Fernando Hernández e Belidson
Dias.
Abstract
This paper exposes a general vision about visual culture and visual culture education. A
brief history of arte education changing names trough the years is presented starting
from the Art Academies beginnings until today as well as its relevant issues. Following
this path it discusses the importance of introducing visual culture education in formal
schooling as a way to instigate and facilitate the students to analyze critically their daily
images. It discusses also some aspects of multiculturalism and transdiciplinarity
which are characteristics of visual culture as well as visual culture education. This
research was based on the writings of Raimundo Martins, Fernando Hernandez and
Belidson Dias.
Keywords: Visual culture. Education. Visuality.
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O termo Belas-Artes aparece na Europa Ocidental com o surgimento das
Academias de Arte, ou escolas de Belas-Artes, no período da Renascença Italiana, onde
se configurou como sinônimo da arte acadêmica. Foi também nesse período que houve a
separação entre artista e artesão, e das Artes em Artes maiores e Artes menores. As Artes
maiores estavam ligadas ao conceito de belo, originando assim o termo Belas- Artes, e
seriam as realizadas pelos artistas sendo elas a pintura, a escultura e o desenho. Já as
Artes menores eram realizadas pelos artesãos e estavam ligadas à produção de objetos
para uso cotidiano, por isso foram chamadas de Artes Aplicadas sendo, as de maior
destaque a gravura, a tapeçaria e a cerâmica (DIAS, 2011).
Posteriormente, aproximadamente na metade do século XIX, o termo começa a
perder força devido à nova aproximação entre artistas e artesãos proporcionada,
principalmente, pelo Movimento de Artes e Ofícios, o Art Nouveau e a Bauhaus, em
Países do Norte Europeu como a Inglaterra, Alemanha e Bélgica. No início do mesmo
século, com a chegada da Missão Artística Francesa ao Brasil, iniciou formalmente o
ensino acadêmico da arte no país. Com isso, foi criada no Rio de Janeiro a Academia
Imperial de Belas-Artes, que com o advento da República tem seu nome alterado para
Escola Nacional de Belas-Artes (DIAS, 2011; NASCIMENTO, 2005).
No entanto, o termo permaneceu em uso até o surgimento do vocábulo Artes
Plásticas. Este está associado tanto à Estética – estudo das condições e dos efeitos da
criação artística - quanto à maleabilidade dos materiais. O termo também está ligado
diretamente à Arte Moderna, movimento artístico que discutia questões relacionadas
com o fazer, e sobre os materiais e suas qualidades físicas. Além disso, a ideia de belo é
questionada pelos movimentos artísticos modernistas abrindo espaço para novos
conceitos e experiências. As Artes Plásticas acabariam por englobar não só a pintura, a
escultura e o desenho, mas também, através da própria maleabilidade que o termo
propõem, abarcar a arte conceitual, happenings, performances e outras tantas expressões
que ficavam de fora das Belas-Artes (DIAS, 2011).
No Brasil, o termo chega em meados do século XX. Nessa época, a educação
brasileira ainda era muito influenciada pela educação francesa e, assim, o Brasil, como a
França já havia feito, cria cursos universitários utilizando o conceito de Artes Plásticas.
Este conceito trouxe a liberdade da arte em relação à busca constante do
questionamento sobre o Belo, e também da obrigatoriedade de seguir modelos, padrões,
escolas ou movimentos cujo conceito é fechado e rígido (DIAS, 2011).
Com o avanço tecnológico na produção, distribuição e utilização de imagens
surge, na metade do século XX nos Estados Unidos (EUA) e na década de 1990 no Brasil,
o termo Artes Visuais que está diretamente ligado à visão. Desse modo, as artes visuais
ampliaram mais uma vez o espaço artístico englobando agora, também,
territórios como o da visualidade, do design, da comunicação visual, do cinema e da arte
tecnológica digital.
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Com isso, muitas universidades passaram a adotar o termo no lugar de artes-
plásticas, uma vez que o mesmo permitia maiores possibilidades de expressão artísticas.
O termo também aponta a mudança no foco das artes que passa do material para a
percepção e do tátil para o visual (DIAS, 2011).
Na sequencia, temos o termo cultura visual que é usado atualmente para designar o
mundo das imagens que influenciam o indivíduo, sua forma de pensar e de viver, e
que “[...] vai bem além das categorias da história da arte tradicional e que já não pode
ser estudado com os mesmos conceitos que antes eram utilizados, como por exemplo,
para a pintura, escultura, e arquitetura” (DIAS, 2011, p.50). A expressão foi criada nos
anos 80 nos Estados Unidos e seu campo de estudo foi ampliado desde então. Contudo,
experiências preliminares já haviam sido feitas, no mesmo país, em meados dos anos
60. A cultura visual não é exclusiva das artes, sendo um campo de estudos
multidisciplinar, teóricos de outras áreas, como da sociologia, da psicologia e do
cinema, tem se utilizado do conceito de forma a incluir todas as imagens que estão
presentes e que de alguma forma influenciam na vida cotidiana (DIAS, 2011).
Partindo da cultura visual, surge uma nova concepção pedagógica a educação da
cultura visual, onde a ênfase está nas “múltiplas representações visuais do cotidiano como
os elementos centrais que estimulam práticas de produção, apreciação e crítica de artes e
que desenvolvem cognição, imaginação, consciência social e sentimento de justiça”
(DIAS, 2011, p. 54).
Para Hernández (2007), Martins (2005, 2008) e Dias (2008, 2011) a cultura
visual é uma forma de discurso, um espaço que vai além das disciplinas e se constitui
num lugar de investigação sobre diversos aspectos da visualidade, levando em conta não
apenas questões sobre o que se vê, mas também dos sujeitos que veem. A cultura visual
se constitui, assim, um campo de estudos sobre a construção do visual tanto nas artes,
como na mídia e na vida cotidiana. Seu foco de investigação são os processos que
levam a produção de significados a partir de imagens visuais em seus contextos
culturais. Assim, ao analisar o caráter mutável dos objetos artísticos e posicioná-los como
artefatos sociais, a cultura visual coloca os limites e as práticas educacionais relacionadas
às chamadas belas artes em xeque (HERNÁNDEZ, 2007, MARTINS, 2008). Desse
modo, a cultura visual discute e aborda as imagens além de sua perspectiva
estética, buscando, também, entender o seu papel social na vida da cultura.
As imagens provocam uma multiplicidade de sentidos, interpretações e
experiências subjetivas que variam em função da diversidade dos meios, das culturas e
das regiões em que foram criadas e, igualmente, de onde são apresentadas. Os
significados originados desse processo dependem da relação concreta com o contexto
no qual são vivenciados, e são baseados em um diálogo entre o sujeito, a imagem, o
meio e a conjuntura no qual estão inseridos. Logo, a proposta da cultura visual é a de
instigar um conhecimento mais profundo a cerca das representações visuais e das
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práticas culturais que resultam na construção de sentidos e de subjetividades. E,
igualmente, de ressaltar a importância não somente da compreensão, mas também da
interpretação crítica da arte e da imagem como artefatos culturais (MARTINS, 2008).
Ainda neste contexto, Tavin (2008) argumenta que os “arte educadores deveriam
se deslocar para além das estreitas fronteiras da ‘arte erudita’ e da produção artística em
busca do pensamento crítico e de uma compreensão cultural” (TAVIN, 2008). Ele
afirma ainda que o aprendizado dos estudantes deve ir além do que é visto nas escolas e
salas de aulas, de forma a construir uma cidadania esclarecida que promova uma
sociedade democrática. Ademais, a cultura visual muitas vezes se encontra em espaços de
fronteira e à margem das culturas acadêmicas e práticas institucionais.
Desse modo, a cultura visual perturba visões curriculares tradicionais baseadas nas
belas artes, e gera instabilidades acadêmicas e institucionais, pois instiga os alunos a
construírem um olhar crítico com relação ao poder das imagens, e de como elas são
utilizadas na manutenção do poder da cultura dominante. Além disso, ao diluir as
fronteiras entre as artes populares e as artes ditas de elite, a cultura visual tem seu foco
de interesse voltado para todos os artefatos, tecnologias e instituições da representação
visual.
No entanto, o posicionamento crítico perante as imagens apresentadas não
ocorre de modo natural. Freedman, partindo da constatação de que a tecnologia e as
fronteiras culturais pouco definidas, no mundo atual, tornaram a cultura de massa mais
pedagógica e política, desenvolveu um estudo junto com Beach sobre a apropriação das
representações da propaganda em relação a gênero, onde constatou que, apesar de os
alunos se colocarem conceitualmente nos comerciais, eles não veem essas imagens
criticamente, a não ser que sejam ensinados a fazê-lo (FREEDMAN, 2005).
A arte/educação atual necessita mudar para poder lidar com as visualidades e
complexidades imagéticas da contemporaneidade (DUNCUM, 2011; HERNÁNDEZ,
2011; TOURINHO E MARTINS, 2011; AGUIRRE, 2011; CHARRÉU, 2011; TAVIN,
2011). No entanto, essa mudança não significa abandonar a imagética ou a produção
artística do passado, e sim encontrar um meio de conectá-las e/ou relacioná-las com o que
é produzido, visto, criado e sentido na atualidade.
As mudanças na arte/educação devem ir além desta perspectiva, pois o seu
currículo deve estar pautado na cultura visual (DUNCUM, 2011; HERNÁNDEZ, 2011;
TOURINHO E MARTINS, 2011; AGUIRRE, 2011; CHARRÉU, 2011; TAVIN, 2011)
uma vez que esta se constitui um campo de estudo transdisciplinar que “[...] além do
interesse de pesquisa pela produção artística do passado, concentra atenção especial nos
fenômenos visuais que estão acontecendo hoje, no uso social, afetivo e político-
ideológico das imagens e nas práticas culturais que emergem do uso dessas imagens”
(TOURINHO E MARTINS, 2011, p. 53).
Assim, uma educação da cultura visual possibilitará aos estudantes e professores a
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construção de referenciais e conceitos, bem como a desenvolver uma atitude crítica acerca
da cultura visual. Ao trabalhar dentro de uma perspectiva crítica, está lidando com
problemas históricos como a desigualdade social e os processos que geram essa
desigualdade (TOURINHO E MARTINS, 2011), bem como com questões a respeito de
preconceitos, discriminação e outros problemas sociais. Também está introduzindo um
processo de mudanças de paradigmas e de conteúdos referentes à educação através da arte
(AGUIRRE, 2011; CHARRÉU, 2011).
Como consequência desse processo de transformação e reestruturação de
pensamentos e posicionamentos perante a sociedade, a educação da cultura visual está
favorecendo uma educação multicultural, uma vez que apresenta oportunidades de
trabalhar pela cidadania crítica.
Além disso, a educação da cultura visual busca compreender as imagens a partir
de seus significados culturais e práticas sociais que estão ligados a relações de poder,
economia e política. Também procura entender e analisar os contextos em que são
produzidas e consumidas, bem como ponderar sobre as relações de interpretação e
ressignificação que delas derivam (MARTINS, Alice de Fátima, 2009).
Desse modo, a educação da cultura visual se aproxima do multiculturalismo,
uma vez que, como afirma Paul Duncum
As imagens sempre desempenham um papel no âmbito de lutas pelo
significado, seja legitimando noções existentes e as estruturas de
poder que apoiam, seja contestando tais noções ou incorporando
ambivalência e contradição. Ademais, ao apelarem para os sentidos e
as emoções, as imagens exercem profunda influência. Ao mesmo tempo,
os espectadores detêm o poder de negociar e/ou de resistir a
significados dominantes, bem como de criar seus próprios significados
(DUNCUM, 2011, p. 21).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DUNCUM, Paul. Por que a arte-educação precisa mudar e o que podemos fazer. In.:
MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Org.). Educação da Cultura Visual:
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conceitos e contextos. Santa Maria: Editora UFSM, 2011, p. 15 – 30.
MARTINS, Raimundo. Das belas artes à cultura visual: enfoques e deslocamentos. In:
Visualidade e educação, Raimundo Martins (org.). Coleção Desenrêdos. Goiânia:
FUNAPE, 2008. p.25 – 35.
TAVIN, Kevin M. Antecedentes críticos da cultura visual na arte educação nos Estados
Unidos. In: Visualidade e educação, Raimundo Martins (org.). Coleção Desenrêdos.
Goiânia: FUNAPE, 2008. p.11 – 23.
i
Patrícia Janssen de Freitas Magalhães, bacharel e licenciada pela Universidade de Brasília – UnB,
atualmente mestranda do Programa de Pós- graduação do Instituto de Artes da UnB, na linha de Educação
em Artes Visuais sob a orientação do Dr. Belidson Dias.
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