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FACULDADE MERIDIONAL - IMED

ESCOLA DE DIREITO

PATRÍCIA SILVEIRA DA SILVA

A INTERSECCIONALIDADE NA SOCIOEDUCAÇÃO A PARTIR DO


VIÉS CRIMINOLÓGICO CRÍTICO: UMA ANÁLISE DA AUDIÊNCIA DE
REVISÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NO RIO
GRANDE DO SUL

PASSO FUNDO
2018
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PATRÍCIA SILVEIRA DA SILVA

A INTERSECCIONALIDADE NA SOCIOEDUCAÇÃO A PARTIR DO VIÉS


CRIMINOLÓGICO CRÍTICO: UMA ANÁLISE DA AUDIÊNCIA DE REVISÃO DA
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL

Trabalho de Conclusão de Curso de


Direito, da Faculdade Meridional – IMED,
como requisito à obtenção de grau de
bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais,
sob a orientação do Doutor Felipe da Veiga
Dias.

PASSO FUNDO
2018
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PATRÍCIA SILVEIRA DA SILVA

A INTERSECCIONALIDADE NA SOCIOEDUCAÇÃO A PARTIR DO VIÉS


CRIMINOLÓGICO CRÍTICO: UMA ANÁLISE DA AUDIÊNCIA DE REVISÃO DA
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL

Trabalho de Conclusão de Curso de


Direito, da Faculdade Meridional – IMED,
como requisito à obtenção de grau de
bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais,
sob a orientação do Doutor Felipe da Veiga
Dias.

Passo Fundo, ____ de ________ de 2018.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________
Prof. Dr. Felipe da Veiga Dias
Faculdade Meridional - IMED – Orientador

___________________________________
Prof.
Titulação - Instituição

___________________________________
Prof.
Titulação – Instituição
4

Agradecimentos

Primeiramente, gostaria de agradecer à toda equipe técnica da unidade em que


foi realizada essa pesquisa. O pessoal me acolheu como se eu fizesse parte da
audiência. No segundo mês como observadora já havia meu lugarzinho reservado na
sala. Sem o acolhimento de vocês essa pesquisa não teria sido realizada.
Agradeço a todo o meu grupo de pesquisa, “Poder Controle e Dano Social”, e
o atual “Criminologia, Violência e Sustentabilidade Social”, por todas as discussões e
aprendizados, pois foram imprescindíveis para o meu desenvolvimento crítico. Em
especial ao meu grande amigo e irmão, Alexandre Marques, que esteve ao meu lado
em grande parte da minha graduação, e foi fundamental para me trazer forças quando
tudo parecia não ter solução. Agradeço a minha grande amiga e colega de grupo de
pesquisa, Karine Ágatha por tudo que fez e faz por mim, pela nossa amizade e
companheirismo durante esse período de graduação.
Agradeço as minhas amigas Ana Caroline Merlin, Victória Faria Barbiero, Luísa
Schneider, Marina Morais, Ana Carolina Santos, João Augusto, Nataniele Damin,
Marcos e Larissa Assonalio pela amizade durante todo esse período. Essa conquista
também é de vocês!
Ao meu querido orientador Felipe Dias, que me acolheu com a pesquisa já em
andamento, e, apesar dos desencontros, ser o melhor orientador e amigo que eu
poderia ter. À minha eterna orientadora Marília Budó que ajudou a pensar esse
trabalho com tanto carinho, e que apesar de toda a distância, continua sempre
presente.
Agradeço ao meu pai e a minha mãe, pois apesar de todas as divergências, me
proporcionaram um ambiente propício para meu estudo e para o meu
desenvolvimento acadêmico.
5

“Sobrevivemos à escravidão, temos sobrevivido à exclusão,


sobreviveremos aos periódicos genocídios. Somos ‘uma
pretalhada inextinguível’, como disse, em desespero, Monteiro
Lobato. Viveremos!”
Aparecida Sueli Carneiro
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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo trazer uma percepção crítica sobre a
construção social do ato infracional, além de fazer um debate interseccional na
definição do adolescente infrator e dos atores e das atrizes do sistema socioeducativo,
com foco na medida de internação. O marco teórico adotado pela pesquisa foi o
estudo trazido pela interseccionalidade a partir do viés criminológico crítico. A
pergunta a ser respondida pela pesquisa é: a partir da interseccionalidade existente
nas relações sociais, quais são os papéis desempenhados pelos atores e atrizes na
audiência de revisão da medida socioeducativa de internação no Rio Grande do Sul?
A pesquisa foi desenvolvida dentro de uma unidade de internação no Rio Grande do
Sul, durante o marco de tempo de março a maio de 2018, totalizando 60 audiências.
O trabalho está estruturado em duas partes. Na primeira, a partir do estudo da
criminologia crítica, será apresentado como as legislações criadas no brasil serviram
como recurso de legitimação das desigualdades de classe, gênero, sexo e raça.
Também será abordada a questão da interseccionalidade nas relações sociais,
demonstrando quais são os papéis desempenhados pelos homens brancos e negros,
pelas mulheres brancas e negras, e de que forma isso corrobora para manter o status
quo das seletividades, e para manter sempre o mesmo gênero, a mesma classe social
e a mesma raça no topo da estrutura. Na segunda parte, com o método da observação
(não) participante, predominantemente indutivo, foram coletados os dados durante a
análise das audiências de revisão da medida socioeducativa de internação. Para a
análise dos dados obtidos durante as audiências, a técnica adotada foi a teoria
fundamentada nos dados (Grounded Theory), com a utilização do software Weft-QDA.
Porém, cabe destacar que há um movimento circular em que o método indutivo vai
intercalar com o dedutivo, pois a análise dos dados vai acabar cruzando com o marco
teórico ora apresentado. Os resultados obtidos pela pesquisa mostram que há uma
verticalidade entre os atores e as atrizes na audiência e com o adolescente que teve
a sua medida avaliada/reavaliada. Além disso, mostram que é fundamental o papel
das mães dos adolescentes na sustentação do sistema socioeducativo de internação,
pois recaem sobre elas as responsabilidades de reintegrar socialmente o adolescente
internado.

Palavras-chave: Interseccionalidade. Socioeducação. Criminologia Crítica


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ABSTRACT

The present work aims to bring a critical perception about the social construction of the
infraction act, as well as to make an debate intersectional about definition of teenage
offender the about and the actors and actresses of the socio-educational system,
focusing on law enforcement measure of hospitalization The theoretical reference
adopted by the research was the study of intersectionality based on the critical
criminological bias. The question to be answered by the research is: from the
Intersectionality existing in social relations, what roles do the actors and actresses play
in court hearing of review of the socio-educational measure of hospitalization in Rio
Grande do Sul? The research was developed within a unit of hospitalization in Rio
Grande do Sul, from March to May 2018, totaling 60 audiences. The work is structured
in two parts. In the first, from the study of critical criminology, it will be presented how
the legislations created in Brazil served as a legitimizing resource for class, gender,
sex and race inequalities. The question of intersectionality in social relations will be
addressed, the roles played by white and black men and white women, and how this
corroborates to maintain the status quo of selectivities, and to maintain the same sex,
the same class and the same race in the top of the structure. In the second part, with
the predominantly inductive (non) participant observation method, the data were
collected during the analysis of the audits of review of the socio-educational measure
of hospitalization. For the analysis of the data obtained during the hearings, the
technique adopted was Grounded Theory, using Weft-QDA software. However, it is
worth mentioning that there is a circular movement in which the inductive method
intersperses with the deductive, since the analysis of the data will eventually cross the
theoretical reference presented here. The results obtained by the research show that
there is a verticality between the actors and the actresses in the audience and with the
adolescents who had their evaluation evaluated / reevaluated. Moreover, they show
that the role of adolescent mothers in the maintenance of the socioeducative system
of hospitalization is fundamental, since they are responsible for the social reintegration
of the hospitalized adolescent.

Keywords: Critical Criminology. Intersectionality. Socioeducation.


8

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - ATOS INFRACIONAIS MENCIONADOS DURANTE AS


AUDIÊNCIAS.............................................................................................................30
GRÁFICO 2 - ACOMPANHANTES DOS ADOLESCENTES DURANTE AS
AUDIÊNCIAS.............................................................................................................35
9

LISTA DE TABELAS

TABELA 1: DADOS OBTIDOS SOBRE AS REAVALIAÇÕES E AVALIAÇÕES DAS


MEDIDAS DOS ADOLESCENTES ............................................................................41
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LISTA DE ABREVIATURAS

CASE – Centro de Atendimento Socioeducativo


CASEMI – Centro de Atendimento em Semiliberdade
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CPIADJ - Comissão Parlamentar de Inquérito do Assassinato de Jovens
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM - Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor
FUNABEM - Fundação de Bem-estar do Menor
ICPAE – Internação com possibilidade de atividades externas
ISPAE – Internação sem possibilidade de atividades externas
PEC – Proposta de Emenda à Constituição
SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SAM – Serviço de Assistência do Menor
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
1 O PAPEL DA CRIMINOLOGIA PARA COMPREENDER A ESTRUTURA DO
SISTEMA PENAL E DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO NO BRASIL .................... 14
1.1 A CRIMINOLOGIA POSITIVA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: A IMPORTÂNCIA
DA RUPTURA DE PARADIGMAS PELA CRIMINOLOGIA CRÍTICA E OS AVANÇOS
LEGISLATIVOS NO BRASIL..................................................................................... 14
1.1.2 A estrutura racista do sistema penal, e consequentemente do sistema
socioeducativo........................................................................................................... 22
1.1.3 A interseccionalidade na construção social e o reflexo no sistema penal e no
sistema socioeducativo ............................................................................................. 28
2 A INTERSECCIONALIDADE NA AUDIÊNCIA DE REVISÃO DA MEDIDA
SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO ................................................................... 34
2.1 A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO: O QUE É A AUDIÊNCIA DE
REVISÃO? ................................................................................................................ 34
2.1.1 A interseccionalidade na socioeducação a partir da observação (não)
participante ................................................................................................................ 38
2.1.2 Aspecto comum em todas as audiências: a verticalidade na medida
socioeducativa de internação .................................................................................... 40
2.1.3 O papel das mulheres na socioeducação .................................................... 48
2.1.4 “Cadeia” não é vida: preocupações com o futuro ............................................. 51
2.1.5 Casos sui generis ............................................................................................. 53
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 56

Referências .............................................................................................................. 58
12

INTRODUÇÃO

Diante de diversos retrocessos que atingem a seara da infância, em especial a


pobre, preta e marginalizada, torna-se importante denunciar como as questões de
gênero, raça, classe e sexo influenciam para o exacerbado controle social perpetuado
a esses grupos específicos. A presente pesquisa tem como objetivo trazer uma
percepção crítica sobre a construção social do ato infracional, além de fazer um
debate interseccional na definição do adolescente infrator e dos atores e das atrizes
do sistema de justiça juvenil.
Como exemplo de retrocesso, tem-se a Proposta de Emenda à Constituição nº
171, de 1993, que busca reduzir a idade penal para os dezesseis anos (BRASIL,
1993). Tem-se também a Projeto de Lei nº 333 que altera o Estatuto da Criança e do
Adolescente, para ampliar o prazo de internação do (a) adolescente infrator (a)
(BRASIL, 2015). Em decorrência de pesquisas feitas pelo Levantamento Anual do
Sinase (2017), esses tipos de mudança legislativa atingem em maior quantidade os
(as) adolescentes, negros (as), pobres, que historicamente são marginalizados (as).
Diante disso, aparece como fundamental uma produção cientifica que tenha um
olhar interseccional para esses grupos que durante muito tempo foram invisibilizados.
É necessária uma reação para que não haja retrocessos, e para que sejam
alcançados avanços sociais, a partir da premissa da Criminologia Crítica.
Por isso, a pergunta que será respondida pelo trabalho é: a partir da
interseccionalidade existente nas relações sociais, quais são os papéis
desempenhados pelos atores e atrizes na audiência de revisão da medida
socioeducativa de internação no Rio Grande do Sul? Para responder este
questionamento, serão analisadas as audiências de revisão da medida de internação
em um centro socioeducativo, durante o marco de tempo de março a maio de 2018,
totalizando sessenta audiências.
O trabalho está estruturado em duas partes. A primeira, a partir do estudo da
criminologia crítica, trata sobre como as legislações criadas no Brasil serviram como
recurso de legitimação das desigualdades de classe, gênero, sexo e raça,
demonstrando então como e de que maneira o sistema penal e o sistema
socioeducativo estão deslegitimados. Também será abordada a questão da
interseccionalidade nas relações sociais, bem como quais são os papéis
desempenhados pelos homens brancos e negros, pelas mulheres brancas e negras,
13

e de que forma isso corrobora para manter o status quo das seletividades, e para
manter sempre o mesmo sexo, a mesma classe social e a mesma raça no topo da
estrutura. Além disso, será apresentado brevemente como o Estatuto da Criança e do
Adolescente busca responsabilizar o (a) adolescente autor (a) de ato infracional, além
de explicar o que é a audiência de revisão da medida de internação, partindo do viés
da proteção integral, utilizando de pesquisa exploratória da bibliografia.
Na segunda parte, com o método da observação (não) participante,
predominantemente indutivo, foram coletados os dados nas audiências de revisão da
medida socioeducativa de internação. Para a análise dos dados obtidos durante as
audiências, a técnica adotada foi a teoria fundamentada nos dados (Grounded
Theory), com a utilização do software Weft-QDA. A partir disso, foram criadas
categorias e subcategorias, com o intuito de agrupar informações coletadas nas
audiências. Essa técnica consiste basicamente na coleta de dados, com base
qualitativa e “o resultado desta inversão proposta pela TFD é a possibilidade de
produzir, no decorrer da própria pesquisa, uma formulação teórica a partir dos dados,
isto é, emergindo da observação” (CAPPI, 2014, p. 13). Porém, cabe destacar que há
um movimento circular em que o método indutivo vai intercalar com o dedutivo, pois
após a geração das hipóteses, haverá uma ligação com o marco teórico estabelecido,
e elas “serão testadas para conferir-lhes certa solidez” (CAPPI, 2017, p. 397).
Dito isso, cabe destacar que a presente pesquisa possui vínculo com a linha de
pesquisa da Instituição, pois denunciar e buscar formas de aprimorar o sistema
socioeducativo e as relações sociais faz parte da busca pela sustentabilidade social.
14

1 O PAPEL DA CRIMINOLOGIA PARA COMPREENDER A ESTRUTURA DO


SISTEMA PENAL E DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO NO BRASIL

Nesse primeiro momento, é necessária uma apresentação da influência da


Criminologia Positiva no Brasil, e também como as legislações criadas, tanto na seara
da infância, quanto no sistema penal, foram estruturadas com um viés classista,
racista e sexista, legitimando a situação emergencial em que se encontra o sistema
socioeducativo e o sistema penal.
No item 1.1.1, será apresentada a ruptura de paradigma da Criminologia
Crítica. No item 1.1.2, será estudada a forma como o racismo, focado no corpo negro
masculino é tido como base para o elevado encarceramento e morte em decorrência
do racismo estrutural. No item 1.1.3, será feito um recorte interseccional, com o intuito
de viabilizar um melhor entendimento sobre as diferentes opressões sofridas pelas
mulheres, seja em decorrência do sexismo, do racismo ou da homofobia.

1.1 A Criminologia Positiva e a legislação brasileira: a importância da ruptura de


paradigmas pela Criminologia Crítica e os avanços legislativos no Brasil

Os estudos abordados pela Criminologia Positivista, com início na década de


1870, corroboraram para que a criminologia fosse na época considerada uma ciência,
e para que a hierarquização entre as raças fosse fundamental para a construção social
do criminoso.

Na década de 1870, com a Escola Positiva Italiana, havia uma estreita


vinculação entre teorias da raça que defendiam a tese absurda da
inferioridade de negros e indígenas e as teorias da criminalidade que se
ocupavam de definir suas causas a partir da análise dos indivíduos ou grupos
selecionados pelo sistema penal. Logo, os criminólogos positivistas
acreditavam existir uma criminalidade diferencial dos negros e indígenas,
explicada/justificada com o argumento da inferioridade racial, ou seja, os
afrodescendentes e os indígenas seriam mais criminosos porque mais
inferiores que outros grupos raciais (CALAZANS et al, 2016, p. 450).

A partir desses estudos de inferioridades raciais, foi possível perceber que


grupos como negros e indígenas, seriam considerados como criminosos por
pertencerem aos grupos sociais marginalizados. A criminologia positiva parte “desde
os estudos antropológicos, psicológicos e psiquiátricos até os do meio ambiente e
sociológicos, mas sempre referidos a esta explicação causal” (ANIYAR,1983, p. 62).
15

Essa estrutura foi determinante para as políticas criminais criadas nos países sul-
americanos, e principalmente no Brasil.
Com a abolição da escravidão em 1888, e sem o implemento pelo Estado de
ações afirmativas, a população negra foi se tornando alvo do controle estatal. No
Brasil, em 1803 tem-se o decreto nº 145 de 11 de junho, que determinava a prisão de
“mendigos válidos, vagabundos ou vadios, capoeiras e desordeiros”, lembrando que
perto de se ter a abolição da escravatura, a população negra chegava a
aproximadamente sete milhões de pessoas, já que “no censo de 1849, o Rio de
Janeiro tem a maior população escrava negra das Américas” (BATISTA, 2003, p. 39).
Além desse Decreto, tem-se a Lei 4.242, de janeiro de 1921, a qual estipulou a
maioridade penal nos 14 anos, e abriu-se caminho para a tutela de crianças e
adolescentes abandonadas e delinquentes (FLAUZINA, 2008, p. 69).
Em 1927, tem-se no Brasil o primeiro Código de Menores, com o principal viés
de tutelar crianças e adolescentes em situação de abandono ou delinquência
(BRASIL, 1927). “Conforme Mendez, a origem da justificativa de controle social sobre
as crianças e os jovens está na construção diferenciada das categorias ‘criança’ e
‘menor’ em ambos os casos objeto de incapacidade e de imposição de proteção”
(COSTA, 2005, p. 49).
Esse período é marcado principalmente pelo Estado apenas tutelar quando há
alguma situação de abandono ou de cometimento de ilícitos, não haviam políticas
públicas eficazes capaz de prevenir qualquer tipo de desamparo sofrido por crianças
e adolescentes. “Assim, se a criança não fosse nem vítima imediata, nem ofensora,
não teria como o Estado agir para protegê-la (e principalmente controlá-la)” (BUDÓ,
2013, p. 63).
“Em 1941 cria-se o Serviço de Assistência do Menor (SAM), com o objetivo de
prestar amparo social aos menores desvalidos e delinquentes, centralizando-se a
execução de uma política nacional de assistência” (BUDÓ, 2013, p. 64). O SAM tinha
como objetivo estudar as causas do abandono afetivo familiar e da delinquência
juvenil, para a partir disso criar relatórios que pudessem auxiliar os (as) menores
nessa situação (BRASIL, 1941). Esse serviço assistencial basicamente internava os
adolescentes que aparentassem ser perigosos, a partir de uma análise patriarcal de
um juiz/pai, que arbitrariamente determinava a sua segregação. Após diversas críticas
a esse serviço, por ele principalmente legitimar estudos criminológicos positivistas, no
16

tocante à criminalização da pobreza, ele foi substituído pela Fundação de Bem-estar


do Menor.
“Em 1964, com as mudanças institucionais decorrentes do golpe militar, o SAM
deu lugar à Fundação de Bem-estar do Menor (FUNABEM) e a uma nova categoria
de compreensão do menor” (BUDÓ, 2013, p. 67-68). Segundo o artigo 5º da Lei nº
4513, de 1964, que instituiu a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, o objetivo
central dessa fundação era de formular e implantar a Política Nacional Do Bem-Estar
do Menor. Também tinha o condão de fiscalizar e coordenar as instituições que
executavam essas políticas de acordo com os princípios das instituições estaduais,
as Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (FEBEMs) (BRASIL, 1964). “Além
disso, a FUNABEM não combateu, mas apenas modernizou as práticas correcionais
e repressivas do antigo SAM, que foram perpetuadas graças ao modo assistencialista
que os menores irregulares eram vistos” (LIMA, 2001, p. 57-58).

O menor desassistido, categoria utilizada à época da instituição e


desenvolvimento da FUNABEM, era conceituado como “todo menor que,
atingido pelo processo de marginalização, se constitui em ‘Menor-Problema
Social’”. Duas categorias do menor desassistido são ressaltadas: o menor
carenciado, “aquele que, em virtude do não atendimento de suas
necessidades básicas e da ausência ou incapacidade dos pais ou
responsáveis, se encontra em situação de abandono total ou de fato, ou está
sendo vítima de exploração” e o menor de conduta antissocial, “aquele que
infringe as normas éticas e jurídicas da sociedade” (BRASIL, 1976, p. 36 apud
BUDÓ, 2013, p. 69).

Com essa distinção trazida pela nova legislação de controle somente ao (a)
adolescente pertencente à classe social mais pobre, ele funcionou como “técnica de
controle das famílias pobres no Brasil” (LIMA, 2001, p. 63). Isso demonstra o reflexo
da criminologia positiva, na qual somente relacionava o cometimento de ilícitos com a
pobreza. Houve uma culpabilização a esse grupo por sua condição de marginalização
(BUDÓ, 2013, p. 70).
Em 1979, logo após a ditadura militar e todas as consequências advindas do
seu processo, foi promulgado o novo Código de Menores, com a vigência da doutrina
da situação irregular, novamente voltado principalmente para o controle social da
criança e do adolescente pobre e negro (BATISTA, 2003). A questão da
vulnerabilidade social nesse período está atrelada principalmente à criminalização da
pobreza, construção histórica estudada também pela criminologia positiva do final do
século XIX e início do século XX.
17

[...] O modelo jurídico menorista, representado pelo binômio ‘código de


menores/doutrina jurídica da situação irregular’, não era apenas uma forma
de controle individualizado dos menores irregulares. Era também uma forma
de se projetar o controle social numa perspectiva de classe. A partir do padrão
de organização da família burguesa, como ‘célula mater da nação brasileira’,
impunha-se traçar o destino, estabelecer os valores morais, o perfil das
relações inter-familiares, a lógica dos comportamentos, a serem adotados
pelos setores populares. Este era o caminho disponível à sua redenção das
famílias pobres, sob pena de serem contra elas movidas as engrenagens do
sistema legal menorista (LIMA, 2001, p. 62).

É possível chegar à conclusão de que o controle social exercido aos menores


em situação irregular foi determinado principalmente pela classe social e pela raça,
uma vez que historicamente o controle exercido aos negros e as negras sempre
aconteceram em maior quantidade (FLAUZINA, 2008, p. 132). A instituição do Código
de Menores previa apenas o controle repressivo, não havia políticas públicas
preventivas ao cometimento de infrações penais e tampouco políticas sociais de
inclusão social, ou seja, o (a) menor em situação irregular era tutelado como se objeto
fosse.
Com isso, torna-se perceptível uma legitimação dos estudos abordados pela
criminologia positiva e a doutrina da situação irregular, por possuírem pontos em
comum, principalmente em decorrência do controle social do Estado estar voltado
para a segregação de pobres e negros (as).
No campo criminológico, por volta de 1960, a criminologia denominada como
interacionista, ou Labelling Approach, vai anteceder os estudos abrangidos pela
criminologia crítica. Essa vertente criminológica rompe com os estudos trazidos pela
criminologia positivista, que tinha como centro do estudo o delinquente. A partir disso,
o desvio vai ser considerado algo criado pela própria sociedade, como afirma Becker
“grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja infração dessa constitui um
desvio” (BECKER, 2008, p. 21-22). Ou seja, cada grupo é responsável por criar suas
próprias regras, as quais deverão ser respeitadas por todos os indivíduos
pertencentes a esse grupo.

Para esta escola, não importa por que alguém se torna delinquente. O
importante é saber quem define e como se define a delinquência e como se
assinala alguém como delinquente (uns em vez de outros, da mesma maneira
como umas condutas, em vez de outras, aparecem criminalizadas nos
Códigos Penais) (ANIYAR DE CASTRO, 1982, p. 79).
18

Com base no conceito de desvio, e nesse processo de rotulação, foi possível


compreender o porquê de apenas alguns crimes serem punidos, e como ocorre o
processo de seletividade das pessoas a serem etiquetadas como criminosas. “A partir
dessa perspectiva, importa compreender que o desvio existe em resposta,
interacionista, ao controle social” (COSTA, 2005, p. 41).
O estudo feito pelo interacionismo simbólico foi utilizado e aprimorado pela
criminologia crítica, pois esse estudo tornou-se insuficiente para compreender as
formas de controle social. A partir disso, a criminologia crítica com o viés de relacionar
fenômenos macrossociológicos a partir da teoria marxista, abordou questões que não
haviam sido consideradas para o estudo da criminologia do Labelling Approach
(BARATTA, 2011, p. 159).
A estigmatização de indivíduos como criminosos é relacionada por Baratta (um
dos autores percursores da criminologia crítica) como algo iniciado nas relações de
ambiente escolar. Nos indivíduos desviantes é perceptível, geralmente, uma grande
defasagem escolar, uma indisciplina trazida já do seu ambiente familiar. Será na
escola o primeiro contato com imposição de limites, caracterizando o (a) aluno (a) que
não cumpre as regras como mau (má) aluno (a).

A complementaridade das funções exercidas pelo sistema escolar e pelo


penal responde à exigência de reproduzir e de assegurar as relações sociais
existentes, isto é, de conservar a realidade social. Esta realidade se manifesta
com uma desigual distribuição dos recursos e dos benefícios,
correspondentemente a uma estratificação em cujo fundo a sociedade
capitalista desenvolve zonas consistentes de subdesenvolvimento e de
marginalização (BARATTA, 2002, p. 171).

Baratta identificou um nexo causal entre o sistema penal e o sistema escolar,


pois encontrou semelhanças nas estigmatizações em ambos os sistemas. “Forma-se
o mecanismo global de reprodução das relações sociais e de marginalização, que é
ultrapassado por filtros sucessivos que transmitem a população excluída de um para
o outro sistema” (COSTA, 2005, p. 43). O controle exercido aos (as) adolescentes no
Brasil, foi teoricamente modificado em 1988 com a promulgação da Constituição
Federal que garantiu prioridade absoluta as crianças e adolescentes, e também foi
modificada a visão da juventude no país (BRASIL, 1988). O Estatuto da Criança e do
Adolescente estabeleceu uma ruptura com a Doutrina da Situação Irregular, e trouxe
a Doutrina da Proteção Integral, e aqueles (as) que eram objetos tutelados pelo
Estado, passaram a ser sujeitos de direitos (CUSTÓDIO, 2008, p. 31).
19

A partir dessa perspectiva, tem-se a garantia de que qualquer criança ou


adolescente, ao serem julgados (as), terão a devida imparcialidade do juiz, e todas as
garantias processuais previstas. Essas garantias abrangem as previstas no Código
de Processo Penal e na Constituição Federal, e dentre elas o direito ao devido
processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Igualmente a caracterização do
binômio pobreza/delinquência foi abolido, com o juiz devendo decidir de acordo com
as provas do processo, sem a tamanha arbitrariedade que possuía (SARAIVA, 2013).

O conhecimento de que atos infracionais próprios da fase da adolescência


aparece como um fenômeno normal do desenvolvimento psicossocial, se
completa com a noção de sua ubiquidade: pesquisas mostram que todo
jovem comete pelo menos 1 ato infracional, e que a maioria comete várias
infrações – explicando-se a ausência de uma criminalização em massa da
juventude exclusivamente pela variação das malhas da rede de controles de
acordo com a posição social do adolescente, o que coloca em linha de
discussão o problema da cifra oculta da criminalidade juvenil (SANTOS, 2001,
92).

Segundo relatado por Santos, o cometimento de atos infracionais na infância e


na adolescência é algo recorrente com todos (as) os (as) adolescentes (SANTOS,
2000, p. 169-179). Segregá-los (as) com a medida de internação, em unidades
superlotadas, com precárias condições físicas, também contribui para a
deslegitimação do sistema, uma vez que os atos infracionais que não chegam ao
conhecimento do Poder Judiciário são a maioria (ZAFFARONI, 1991, p. 26).
Com isso, foi possível concluir que o sistema é estruturado para a manutenção
das classes mais altas no poder, o processo de etiquetamento estudado pela teoria
do Labelling Approach e do interacionismo simbólico explicando o motivo de algumas
regras serem aplicadas mais a algumas pessoas do que a outras. “Estudos da
delinquência juvenil deixam isso muito claro. Meninos de áreas de classe média,
quando detidos, não chegam tão longe no processo legal como os meninos de bairros
miseráveis” (BECKER, 2008, p. 25). Com isso, “ao criminalizar a base da sociedade,
imuniza-se o topo, ações funcionais ao sistema capitalista” (BUDÓ, 2012).
Essa definição de desvio e desviante, também foi incorporada e adaptada pela
criminologia crítica. A criminologia crítica, além de denunciar a estigmatização do
indivíduo pertencente às classes sociais mais baixas como delinquente, foi capaz de
definir a importância da reação dada pela sociedade diante do fato considerado como
criminoso. Com esse viés, caracterizou a conduta ilícita como sendo aquela de maior
20

reação social, ou seja, para um ato ser considerado desviante, é necessário observar
qual a reação dada pela sociedade (BECKER, 2008, p. 24).
Além da nova definição dada ao desvio e ao desviante pela criminologia crítica,
ela ainda destacou algumas funções declaradas do sistema penal. As funções
declaradas são as de criar as normas, caracterizada como criminalização primária, o
momento de aplicação das normas (desde a fase de investigação até a sentença),
criminalização secundária, e por fim, a aplicação da pena, da medida socioeducativa,
ou da medida de segurança, a criminalização terciária (BARATTA, 2011, p. 161).
O controle social dos desvios foi dividido em duas formas: o formal e o informal.
O controle formal é exercido pelos órgãos legitimados pelo próprio Estado como a
polícia, o Poder Judiciário e o sistema penal. Como controle informal se tem a escola,
família, instituições religiosas e a mídia. O papel da mídia, aparece em pesquisas
como fundamental para o recrudescimento das medidas de controle dos adolescentes
em conflito com a lei (BUDÓ, 2013).
A forma de controle social, como a segregação do indivíduo, encontra-se
deslegitimada, uma vez que sua função declarada de combater os crimes, é ineficaz,
e ainda oculta funções não declaradas, sob atos criminosos que deixa de intervir
(ZAFFARONI, 1991, p. 28-29). No momento do primeiro ingresso no sistema penal, o
indivíduo segregado tem o estigma de desviante, e com as condições precárias dos
presídios, não há como efetivar sua reintegração social.

Na verdade, esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal,


especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo
sobre o delinquente, determinam, na maioria dos casos, uma consolidação
da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira
e própria carreira criminosa (BARATTA, 1991, p. 90).

Com o primeiro ingresso no sistema penal a chance de reincidência do


desviante é maior, porquê justamente é essa a função real do sistema penal: construir
seletivamente o sistema penal e fabricar criminosos (ANDRADE, 2006, p. 171). Não
há como considerar a prisão como forma de reintegração social sem a presença da
sociedade, bem como exigir que esse sistema atue de forma a adimplir todas as
necessidades de uma pessoa (BARATTA, 1990, p. 144-145).
Assim, o processo de rotulação do indivíduo como desviante está diretamente
ligado a classe social dos indivíduos. Esse é um dos estudos abordados pela
criminologia, que rompeu o caráter biopsicológico que historicamente, preocupou-se
21

em segregar e controlar os agentes miseráveis (consequências do avanço do


capitalismo) (BATISTA, 2012, p. 26) e incorporou questões próprias das relações
sociais, principalmente da desigualdade social.
Zaffaroni explica que se o sistema penal fosse realmente criado para ser
cumprido em sua integralidade, não existiriam mais vagas em presídios (ou centros
socioeducativos), pois todas as pessoas cometem crimes e/ou atos infracionais
(ZAFFARONI, 1991, p. 26). Por isso, tal característica de rotulação do indivíduo
desviante vai trazer como consequência a seletividade do sistema penal e,
consequentemente, do sistema socioeducativo, uma vez que a definição de ato
infracional se dá com base na concepção de crime retirado das normas penais.
A partir disso, um dos objetivos buscados pela criminologia crítica é a redução
máxima do sistema penal e/ou seu fim. Esses objetivos podem ser divididos em duas
linhas teóricas: os minimalismos e os abolicionismos. Andrade faz a distinção teórica
de ambos os objetivos da criminologia crítica, e ainda, lembra que o fim do sistema
penal, não significa dizer que será o fim do controle social (ANDRADE, 2006, p. 173).
A criminologia busca outros ramos do direito para fazer o controle de condutas
desviantes como o direito civil, o direito administrativo, a conciliação, as terapias,
indenizações, dentre inúmeras alternativas (ANDRADE, 2006, p. 173). Essas
soluções iriam substituir o sistema penal, uma vez que ele se encontra deslegitimado.
O não amparo às vítimas, aos operadores e as operadoras da justiça, até a própria
polícia, pois acaba sendo a que mais mata e a que mais morre no país, segundo dados
da Anistia Internacional (BRASIL, 2018).
Franco (2016) realizou uma pesquisa sobre as políticas públicas de segurança
do Rio de Janeiro, e constatou que desde as criações de Unidade de Polícia
Pacificadora naquele estado, haviam dezesseis famílias de policiais mortos, e o
Estado bélico e militarizado foi o responsável disso (FRANCO, 2016, p. 99). Além
disso, a autora ainda adverte que não há como hierarquizar dores, e tampouco
acreditar que apenas as mortes dos jovens negros acarretam sofrimento. Por conta
desses dados

Entre outras razões, Hulsman afirma que há três motivos fundamentais a


favor da abolição do sistema penal: é um sistema que causa sofrimentos
desnecessários que são distribuídos socialmente de modo injusto; não
apresenta efeito positivo sobre as pessoas envolvidas nos conflitos; e é
sumamente difícil de ser mantido sob controle (ZAFFARONI, 1991, p. 98).
22

Hulsman é um dos autores trazidos por Zaffaroni que busca o fim do sistema
penal, identificando motivos essenciais para a sua deslegitimação. Existem outros
autores, com outras teorias que fundamentam o abolicionismo, como Thomas
Mathiesen, com preferência à teoria marxista, e Michel Foucault com uma teoria
estruturalista (ZAFFARONI, 1991, p. 98).
Entretanto, pode-se referir que existem “minimalismos como meios para o
abolicionismo, que são diferentes de minimalismos como fins em si mesmos, e de
minimalismos reformistas” (ANDRADE, 2006, p. 167-168). O minimalismo reformista
está interligado “com o princípio da intervenção mínima e o uso da prisão como última
ratio e a busca de penas alternativas a ela” (ANDRADE, 2006, p. 167-168). Esse
minimalismo estaria próximo ao eficientismo, e ao garantismo penal, defendido por
Ferrajoli (FERRAJOLI, 2010). Ao contrair o sistema penal, e restringi-lo aos crimes de
maior gravidade, não terminaria com a crise estrutural do sistema penal, isso apenas
relegitimaria as desigualdades na aplicação da lei.
Os minimalismos como meio para o abolicionismo são os modelos que partem
da deslegitimação do sistema penal, acreditam que não há possibilidade para
reestruturação desse sistema. É a máxima contração do sistema penal, para atingir o
abolicionismo, defendido por autores como Baratta e Zaffaroni (ANDRADE, 2006, p.
174).
Como grande parte da criminologia crítica restringe-se ao estudo das questões
sociais, e deslegitimantes do sistema penal, acaba-se deixando de fora grande parte
dos estudos relacionados à gênero e raça. “Quando perguntamos com quem a
Criminologia Crítica dialogou e o que a Criminologia Crítica produziu no campo das
questões raciais, temos respostas que nos falam sobre o poder da branquidade na
produção da pesquisa” (CALAZANS et al, 2016, p. 454).
Como divisor teórico, e com base na criminologia crítica, alguns escritores e
algumas escritoras buscaram compreender também a interferência do racismo e do
sexismo no sistema penal e nas relações sociais, e isso será apresentado no próximo
tópico.

1.1.2 A estrutura racista do sistema penal, e consequentemente do sistema


socioeducativo
23

Zaffaroni é um dos autores que inicialmente vai explicar que a incidência da


seletividade do sistema penal ocorre não somente em quais delitos serão escolhidos
pelo sistema, mas também quais pessoas serão selecionadas para serem rotuladas
como criminosas (ZAFFARONI, 1991). A partir disso, Flauzina (2008), e autores como
Góes (2016) e Duarte (2017), também buscaram explicar o desenvolvimento histórico
no Brasil do processo de seletividade baseado no racismo, e também no genocídio da
juventude pobre e negra no país. A consequência está presente em todas as
pesquisas, tanto do sistema penal, quanto do sistema socioeducativo, pois elas
demonstram que os centros de internação são compostos majoritariamente por
adolescentes, negros, com baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto) e
pobres, o que igualmente acontece nos presídios (BRASIL, 2017).
Góes (2016), em seu livro “A ‘tradução’ de Lombroso na obra de Nina
Rodrigues: o racismo como base estruturante da criminologia brasileira”, explicou
como a obra l'uomo delinquente, de Lombroso, contribuiu para a legitimação da
estrutura racista das instituições que declaram combater crimes.

As desigualdades raciais e sociais, historicamente, sempre prescindiram de


discursos legitimantes a ponto, ou pelo menos como objetivo final, de
naturalizá-las, municiando a raça/classe dominante de instrumentos hábeis,
funcionais e eficazes no controle dos dominados (conceitualizados há muito
como minorias, mas que na verdade são maiorias dominadas), permitindo a
hegemonia de diversos ismos todos mantenedores da ordem social quase
inalterada através de tempos (GOÉS, 2016, p. 63).

Pode-se afirmar que existem diversas formas para a manutenção da


hierarquização das raças, e isso foi possível pois no decorrer da história da
humanidade, a subalternização da população negra aconteceu de diversas formas.
Góes vai trazer exemplos que a genealogia do racismo se iniciou no ano de 1.500 a.
C., com a invasão dos arianos (brancos), na Índia (composta majoritariamente por
negros), com base na divindade de hindu, que caracterizava o branco como dádiva e
o negro como castigo (GÓES, 2016, p. 67-69).
Já no mundo ocidental a primeira legitimação da hierarquização das raças
apareceu com textos da bíblia sagrada, mesmo não utilizando o termo “raça”, mas
com discursos que legitimavam a partir da divindade a escravidão africana (GÓES,
2016, p. 70). A primeira origem bíblica do racismo se dá com a história bíblica de Noé
e seus três filhos: Jafé (ancestral da raça branca), Sem (ancestral da raça amarela) e
Cam (Pai de Canaã, cuja descendência povoaria e habitaria a África, de raça negra).
24

Cam teria sido amaldiçoado pelo seu pai, Noé, ao afirmar que os seus filhos seriam
escravizados pelos filhos dos seus irmãos, Sem e Jafé (GOÉS, 2016; MUNANGA,
2004).
Antes de elencar as consequências trazidas pelo racismo e pela hierarquização
das raças, importante destacar o conceito do termo “raça”, que é melhor conceituado
por Munanga.

Etmologicamente, o conceito de raça veio do italiano razza, que por sua vez
veio do Latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie. Na história das
ciências naturais, o conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e
na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais. Foi neste sentido
que o naturalista sueco, Carl Von Linné conhecido em Português como Lineu
(1707-1778), o usou para classificar as plantas em 24 raças ou classes,
classificação hoje inteiramente abandonada (MUNANGA, 2004, p. 15).

Historicamente, esse conceito de raça1 vai ser adaptado para diferenciar as


raças humanas, e principalmente para diferenciar as classes sociais. Na França, nos
séculos XVI-XVII, esse conceito de raça serviu para diferenciar a “nobreza local que
se identificava com os Francos, de origem germânica em oposição ao Gauleses,
população local identificada com a Plebe” (MUNANGA, 2004, p. 15). Mas, foi a partir
do século XVIII que a cor da pele se tornou determinante para a categorização, sendo
a espécie humana separada em três raças “no imaginário coletivo e na terminologia
científica: raça branca, negra e amarela” (MUNANGA, 2004, p. 18). Importante
ressaltar que esse critério de diferenciação tem como base somente a concentração
de melanina na pele, sendo que a pessoa negra possui um percentual maior de
melanina do que uma pessoa branca (MUNANGA, 2004).
No século XIX, foram acrescentados outros “critérios além da cor, como a forma
do nariz, dos lábios, do queixo, do formato do crânio, o angulo facial, etc. para
aperfeiçoar a classificação das raças” (MUNANGA, 2004, p. 18). Em sentido análogo,
no século XX adicionaram-se critérios baseados nas pesquisas genéticas, sendo
possível encontrar no sangue humano algumas diferenças.

O cruzamento de todos os critérios possíveis (o critério da cor da pele, os


critérios morfológicos e químicos) deu origem a dezenas de raças, sub-raças
e sub-sub-raças. As pesquisas comparativas levaram também à conclusão

1Importante diferenciar raça de etnia, pois as raças são classificadas em branca, negra e amarela, já
a “etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm
uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram
geograficamente num mesmo território” (MULANGA, 2004, p. 23).
25

de que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes à uma


mesma raça pode ser mais distante que os pertencentes às raças diferentes;
um marcador genético característico de uma raça, pode, embora com menos
incidência ser encontrado em outra raça. [...]. Combinando todos esses
desencontros com os progressos realizados na própria ciência biológica
(genética humana, biologia molecular, bioquímica), os estudiosos desse
campo de conhecimento chegaram à conclusão de que a raça não é uma
realidade biológica, mas sim apenas um conceito, aliás cientificamente
inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças
estancas. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem
(MANUNGA, 2004, p. 20).

Assim, a ciência, com o avanço das tecnologias disponíveis, foi aprimorando


os estudos sobre as raças, e uma das conclusões é de que para chegar a um conceito
de raça, ou até mesmo para diferenciá-las, é necessário o cruzamento de diversas
informações genéticas e biológicas. Por acreditar que as raças não existem, alguns
biólogos antirracistas até sugeriram que o conceito de raça fosse banido dos
dicionários e dos textos científicos (MUNANGA, 2004, p. 21). A partir dos estudos
sobre raça, com início por volta do século XV, foi unificada uma visão política e
científica na qual existiria uma raça que seria superior as outras, o que é corroborado
pela obra de Lombroso, legitimando todas as ações do Estado brasileiro que punia (e
ainda pune) em demasia a população negra como forma de dominação (GOÉS, 2016,
p. 73). “A classificação da humanidade em raças hierarquizadas desembocou numa
teoria pseudo-científica, a raciologia, que ganhou muito espaço no início do século
XX” (MANUNGA, 2004, p. 21).
O racismo então vai ser criado a partir de estudos sociológicos, ideológicos e
políticos para a dominação, e hierarquização das raças. O estudo feito por Lombroso,
e traduzido no Brasil por Nina Rodrigues – também médico psiquiatra -, foi
fundamental para a criação da estrutura racista e classista do sistema penal brasileiro,
e consequentemente do sistema socioeducativo. Com a implementação dessa
estrutura racista no país, as condutas desviantes ou os indivíduos considerados
delinquentes não são consideradas no momento da aplicação de pena ou medida
socioeducativa, “o que realmente existe é uma criminalização selecionada de algumas
condutas e indivíduos” (FLAUZINA, 2008, p. 19). O jovem negro que antes era
escravizado e controlado pelo seu proprietário, de forma hereditária (filho de escrava,
escravo é)2, hoje é controlado pelo Estado devido ao grande número de

2 No Brasil com a promulgação da “Lei do Ventre livre”, em 1871, os filhos e as filhas de escravas
seriam considerados (as) “livres”. “É importante assinalar que, de acordo com o referido instrumento
legal, as crianças ficavam sob a tutela da mãe e de seus senhores até a idade de oito anos. Atingindo
26

encarceramento destes jovens. Se não é encarcerado acaba sendo vítima de


homicídio, visto que segundo dados recentes do Atlas da Violência, entre os
indivíduos negros dos 15 aos 29 anos a probabilidade é 23,5% maior de serem mortos
do que um indivíduo de qualquer outra raça (BUENO et al., 2017). Sobre a morte em
demasia da população negra, Flauzina (2008) a caracteriza como genocídio da
população negra.
Como forma de denunciar e investigar o genocídio da população jovem (entre
12 e 29 anos) no Brasil, foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito do
Assassinato de Jovens (CPIADJ) no Senado Federal, com a relatoria do senador
Lindbergh Farias (PT/RJ). O objetivo da CPI foi “identificar as causas e os principais
responsáveis pela violência letal que assaca nossa juventude, a fim de criar
mecanismos para prevenir e combater este grave problema” (BRASIL, 2016, p. 4).
O resultado da CPI apontou que no Brasil “o verdadeiro massacre que vitima
meninos e meninas se concentra na juventude negra, vítima principalmente da ação
e inação do Estado Brasileiro” (BRASIL, 2016, p. 6-7). Logo, foi verificado que a inação
do Estado contribui para que o genocídio da juventude negra, principalmente
masculina, continue ocorrendo no país. Esse processo de genocídio há tempos vem
sendo denunciado por escritores e escritoras, e que se demonstrou pertinente dar
atenção após a instauração da CPI. Além de fazerem parte do maior número de
assassinatos, a população negra é a que tem o menor acesso à educação, os
menores salários, o menor acesso à saúde e a que menos participa do Produto Interno
Bruto (PIB) (BRASIL, 2016, p. 32).

Disso decorre que a essência do racismo, enquanto pseudociência, foi buscar


legitimar, no plano das idéias, uma prática, e uma política, sobre os povos
não-brancos e de produção de privilégios simbólicos e/ou materiais para a
supremacia branca que o engendrou. São esses privilégios que determinam
a permanência e reprodução do racismo enquanto instrumento de
dominação, exploração e mais contemporaneamente, de exclusão social em
detrimento de toda evidência científica que invalida qualquer sustentabilidade
para o conceito de raça (CARNEIRO, 2005, p. 29).

Os números obtidos pela CPI, vão ao encontro do trazido por Carneiro, de que
toda essa desassistência apresentada pelo Estado à população negra, vai
desencadear um controle social seletivo e desproporcional. Isso também evidencia a

essa idade, o senhor poderia optar por uma indenização do Estado ou por explorar o trabalho da criança
até a idade de 21 anos” (FLAUZINA, 2008, p. 63).
27

deslegitimação do sistema penal, uma vez que essa é a sua função real e não
declarada.
O controle social exercido sobre os adultos negros se reproduz no sistema
socioeducativo, pois também são os adolescentes negros e pobres que acabam
sendo maioria dentro das instituições. Segundo dados do Levantamento Anual do
Sinase 56% dos adolescentes em restrição e privação de liberdade foram
considerados pardos ou negros (BRASIL, 2017).
Essa classificação de raças entre pardos e negros, estipulada pelo Instituto
Brasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE), é duramente criticada por Carneiro. Em
seus artigos sobre miscigenação, ela irá abordar os termos que são utilizados para
não identificar a pessoa como negra, em uma forma bastante clara de branqueamento
(CARNEIRO, 2011, p. 66).

Em segundo lugar, a miscigenação tem constituído um instrumento eficaz de


embranquecimento do país por meio da instituição de uma hierarquia
cromática e de fenótipos que têm na base o negro retinto e no topo o “branco
da terra”, oferecendo aos intermediários o benefício simbólico de estar mais
próximos do ideal humano, o branco. Isso tem impactado particularmente os
negros brasileiros, em função de tal imaginário social, que indica uma suposta
melhor aceitação social dos mais claros em relação aos mais escuros, o que
parece ser o fator explicativo da diversidade de expressões que as pessoas
negras ou seus descendentes miscigenados adotam para se definir
racialmente, tais como moreno-escuro, moreno-claro, moreno-jambo,
marrom-bombom, mulato, mestiço, caboclo, mameluco, cafuzo, ou seja,
confusos, de tal maneira que acabam todos agregados na categoria oficial do
IBGE: pardo! Algo que ninguém consegue definir como raça ou cor. Talvez o
termo “pardo” se preste apenas a agregar os que, por terem sua identidade
étnica e racial destroçada pelo racismo, pela discriminação e pelo ônus
simbólico que a negritude contém socialmente, não sabem mais o que são,
ou, simplesmente, não desejam ser o que são (CARNEIRO, 2011, p. 67).

O questionamento possível a partir desse posicionamento da autora sobre o


branqueamento é a veracidade dos dados informados pelos órgãos públicos sobre as
pessoas privadas de liberdade, uma vez que a estipulação da raça é feita pelo (a)
próprio (a) agente público3.
A partir dos estudos sobre o racismo foi possível compreender como ele se
tornou a base estrutural do sistema penal, e consequentemente do sistema
socioeducativo. Como o racismo estrutural foi apenas focado no corpo do
homem/adolescente negro, a interseccionalidade aparece com o viés de incluir

3No artigo “Negros de pele clara”, Carneiro explica como ocorreu o registro de nascimento da sua filha,
que o pai dela, branco, teve que intervir com o escrivão para que ele a reconhecesse como negra
(CARNEIRO, 2011, p. 70 – 73).
28

também nessa pauta as mulheres negras, e todas as opressões de gênero. No


próximo tópico, serão apresentados os estudos feitos pela interseccionalidade, e a
importância de haver políticas públicas que incluam pautas sobre esses grupos
invisibilizados.

1.1.3 A interseccionalidade na construção social e o reflexo no sistema penal e no


sistema socioeducativo

Além das questões estudadas pela criminologia crítica, tornou-se importante


fazer um recorte interseccional para abarcar questões que usualmente não são
abarcadas pelo discurso criminológico e até mesmo na evidenciação do racismo
institucional. A hierarquização estrutural relacionada à seletividade do sistema penal,
também perpassa por questões sociais referente às sobreposições entre sexos, raças,
classes e gêneros.
Como forma de estudar os grupos mais invisibilizados, em específico o papel
da mulher negra na sociedade, o feminismo negro, durante a década de 1980,
começou a crítica ao feminismo branco, por ele se enquadrar como universal, e “por
não atentar às dinâmicas complexas da relação entre raça, classe e gênero”
(HEMMINGS, 2009, p. 225).

Ainda é muito comum se dizer que o feminismo negro traz cisões ou


separações, quando é justamente o contrário. Ao nomear as opressões de
raça, classe e gênero, entende-se a necessidade de não hierarquizar
opressões, de não criar, como diz Angela Davis, em Mulheres negras na
construção de uma nova utopia, “primazia de uma opressão em relação a
outras” (RIBEIRO, 2017, p. 13-14).

Com o feminismo negro foi possível trazer à tona as diversas opressões


existentes na sociedade que é estruturalmente racista, sexista e classista. E denunciar
esses acúmulos de opressões não significa dizer que há uma hierarquia entre elas. O
processo de submissão da mulher negra é mais opressor, pois além de enfrentar o
racismo, precisa enfrentar também o sistema sexista e patriarcal como base estrutural
das relações sociais. A mulher negra “experimenta a opressão a partir de um lugar
que proporciona um ponto de vista diferente sobre o que é ser mulher numa sociedade
desigual, racista e sexista” (BAIRROS, 1995, p. 461).
29

Um dos reflexos dessa dupla violência é constatado por Diniz (2015), pois, no
Distrito Federal, as mulheres negras são as maiores vítimas de violência doméstica.
A seletividade alcança além dos autores dos delitos, as vítimas de violência.
Além de denunciar as diversas opressões, a luta do feminismo negro está
também pelo lugar de fala da mulher negra, que durante muito tempo foi vista como
Outro do Outro4. Quando se falou em racismo, inclusive pela criminologia crítica, não
havia alcance para as opressões sofridas pela mulher negra, o foco estava sempre
voltado para o racismo estrutural contra o homem negro (RIBEIRO, 2017). A carga
histórica carregada pela mulher negra se refere a como ela é vista e representada
pela sociedade. Ela é “vista naturalmente pela sociedade como cozinheira, faxineira,
servente, trocadora de ônibus ou prostituta” (GONZALEZ, 1984, p. 226).
Além dessa visão enraizada da mulher, as mulheres negras também sentem
na pele o racismo estrutural quando são denominadas por termos pejorativos, como
é o caso do termo “mulata”.

A palavra, de origem espanhola, vem de “mula” ou “mulo”: aquilo que é


híbrido, originário do cruzamento entre espécies. Mulas são animais nascidos
da reprodução de jumentos com éguas ou de cavalos com jumentas. Em
outra acepção, são resultado da cópula do animal considerado nobre (equus
caballus) com o animal dito de segunda classe (equus africanus asinus).
Sendo assim, trata-se de uma palavra pejorativa para indicar mestiçagem,
impureza, mistura imprópria, que não deveria existir. Empregado desde o
período colonial, o termo era usado para designar negros de pele mais clara,
frutos do estupro de escravas pelos senhores de engenho. Tal nomenclatura
tem cunho machista e racista, e foi transferida à personagem Globeleza. A
adjetivação “mulata” é uma memória triste dos mais de três séculos de
escravidão negra no Brasil (RIBEIRO, 2016, p. 99).

Por conta dessa visão que foi construída a partir da escravização dos corpos
de negras e negros que a sociedade possui uma dificuldade em enxergar as mulheres
negras em cargos de poder, produzindo conhecimento e/ou teoria. Hemmings (2009)
fará uma crítica à visão eurocêntrica da história, pois somente essa história é tida
como verdadeira, mesmo que os feminismos lutem para acabar com essa visão, pois
apenas substituir as verdades não é o suficiente. Há todo um trabalho de aceitação

4Segundo o diagnóstico de Beauvoir (BEAUVOIR apud RIBEIRO, 2017, p. 36), no seu livro O segundo
Sexo, de 1949, a mulher “não é definida em si mesma, mas em relação ao homem e através do olhar
do homem” (RIBEIRO, 2017, p. 36). Grada Kilomba irá sofisticar esse conceito trazido por Beauvoir,
com a expressão “o Outro do Outro”, pois “afirma que mulheres negras, por serem nem brancas e nem
homens, ocupam um lugar muito difícil na sociedade supremacista branca por serem uma espécie de
carência dupla, a antítese de branquidade e de masculinidade” (KILOMBA apud RIBEIRO, 2017, p. 39).
30

das histórias que são contadas com um viés feminista, ou Feminist Standpoint
Theory5.
A colocação desses grupos em lugares subalternizados, dificulta a credibilidade
e a legitimidade dos grupos oprimidos (RIBEIRO, 2017, p. 63). Ribeiro afirma que essa
diversidade intelectual quebraria uma visão universal. “Uma mulher branca por conta
de sua localização social, vai experimentar gênero de uma outra forma” (RIBEIRO,
2017, p. 61). Falar sobre um contexto feminista vai ser sempre uma questão de poder
e autoridade, para determinar quais estórias predominam ou são elididas ou
marginalizadas (HEMMINGS, 2009, p. 219).

Substituir uma verdade pela outra sugere que o problema histórico é


simplesmente de omissão, que uma vez retificado o erro, a história estará
‘corrigida’, na maneira criticada por Spivak, tornando-se uma representação
objetiva e não tendenciosa. Mas mesmo que fosse possível corrigir os
registros, isso não daria conta de por que certos assuntos tornam-se parte de
uma estória aceita enquanto outros caem pelo caminho, pelo menos não
suficientemente para aliviar minha frustração inicial diante dessas exclusões
(HEMMINGS, 2009, p. 220).

O termo cisheteropatriarcado6 é utilizado para referir-se à hegemonia do


homem, branco, heterossexual e cisgênero. Denunciar essas diversas opressões em
momento algum vai significar dizer que há uma hierarquização em opressões, essa
percepção poderá colaborar na incapacidade de evidenciar como todas e todos são
afetados pelo sexismo em suas diversas formas – homofobia, machismo e misoginia
(BAIRROS, 1995, p. 461).
Uma das consequências trazidas por essa hierarquização social, é perceptível
até mesmo no próprio Direito, pois ele desenvolveu-se sob o império de conceitos
masculinos (BARATTA, 1990, p. 27). No Brasil, por faltar representatividade feminina
ou LGBTQI, há no ordenamento jurídico brasileiro leis que privilegiam os homens e

5 Conceito trazido por Patrícia Hills Collins, quem tem a tradução de “teoria do ponto de vista feminista”,
que “enfatiza menos as experiências individuais dentro de grupos socialmente construídos do que as
condições sociais que constituem esses grupos” (COLLINS, 1997, p. 9). A autora se refere que as
diversas opressões sofridas pelos indivíduos não devem ser interpretadas de forma isolada, mas sim
considerar que indivíduos pertencentes a determinados grupos partilhem experiências similares
(RIBEIRO, 2017, p. 62).
6 “O patriarcado é um sistema político modelador da cultura e dominação masculina, especialmente

contra as mulheres. É reforçado pela religião e família nuclear que impõem papeis de gênero desde a
infância baseados em identidades binárias, informadas pela noção de homem e mulher biológicos,
sendo as pessoas cisgêneras aquelas não cabíveis, necessariamente, nas masculinidades e
feminilidades duais hegemônicas. A despeito do gênero atribuído socialmente, pessoas não-cis estão
fora da identificação estética, corpórea e morfo-anatônicas instituídas” (AKOTIRENE, 2018, p. 112).
31

acabam por discriminar os grupos LGBTs7. “Tirar essas pautas da invisibilidade e um


olhar interseccional mostram-se muito importante para que fujamos de análises
simplistas ou para se romper com essa tentação de universalidade de exclui”
(RIBEIRO, 2017, p. 42).
Como durante muito tempo as mulheres brancas e negras, foram
invisibilizadas, pois ambas sofrem com o sistema classista, branco e
cisheteropatriarcal, somente com o estudo da estrutura da sociedade está sendo
possível quebrar com essa hegemonia. Com isso, surgiu a necessidade de incluir
novas pautas sobre as opressões, e foi a partir do feminismo negro, que em 1989 a
advogada americana Kimberlé Crenshaw, utilizou o termo interseccionalidade para
abarcar as opressões sofridas pelas mulheres, e incluir na pauta dos feminismos as
opressões das mulheres negras, indígenas ou LGBTQI.

A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar


as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais
eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o
racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas
discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições
relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras (CRENSHAW apud
RIBEIRO, 2016, p. 123).

A partir dessa teoria interseccional, é possível compreender como a falta de


visibilidade para esses grupos os tornam os mais atingidos pela violência e pela
precarização da vida em sociedade. No Brasil o encarceramento e a internação de
mulheres acontecem em menor número, mas a classe social e o nível de escolaridade
são os mesmos que os dos homens, e corresponde a quarta maior do mundo
(BRASIL, 2017). Conforme dados do Levantamento anual do Sinase de 2014, o
número de adolescentes do sexo masculino restritos de liberdade equivalia a 95%.
Referente às adolescentes esse percentual atinge 5% (BRASIL, 2017). No sistema
penal brasileiro não há informações referente a raça ou a etnia das mulheres
encarceradas.
Nesse sentido, a diferenciação de quantidade no encarceramento entre os
sexos, uma vez que o encarceramento masculino acontece em maior quantidade, um
dos fatores que corroboram para que isso aconteça, é a submissão histórica existente

7O crime de aborto, previsto no artigo 124, do Código Penal, é um exemplo de benefício trazido ao
homem, pois somente a mulher é responsabilizada pela morte do feto (BRASIL, 1940). No tocante à
comunidade LGBTQI, a própria Constituição Federal de 1988, no artigo 226, parágrafo terceiro, traz
como entidade familiar apenas a união de homem e mulher (BRASIL, 1988).
32

entre homem e mulher, e legitimado pelo Estado moderno. Flauzina explica esse
fenômeno, quando informa que “o sistema penal está vocacionado para promover o
controle dos homens, desde que o Estado moderno submeteu às mulheres ao controle
masculino doméstico” (FLAUZINA, 2008, p. 113). Essa submissão entre sexos se dá
em decorrência do estado patriarcal que etiqueta a mulher como ser indefeso, e está
mais facilmente atrelada à figura de vítima do que à figura de criminosa (ANDRADE,
2012).
O controle social exercido pelo sexo masculino aqui explicitado está
relacionado ao controle da mulher branca, uma vez que a condição de mulher, como
ser feminino, foi retirada da mulher negra, devido a todo o processo de escravidão à
que ela foi submetida (FLAUZINA, 2008, p. 132). “Os níveis de criminalização de
mulheres, que começam a crescer de maneira preocupante, atingem, nesses termos,
as negras em especial, por serem elas também o alvo preferencial de um sistema
condicionado pelo patriarcalismo e o racismo” (FLAUZINA, 2008, p. 132).
No que se refere à população LGBTQI no Brasil a violência está presente no
elevado índice de homicídios sofridos por esse grupo, e que por meio dos estudos
trazidos pela interseccionalidade, será possível compreender e combater esse tipo de
violência.

445 LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) morreram no Brasil,


(incluindo-se três nacionais mortos no exterior) em 2017 vítimas da
homotransfobia: 387 assassinatos e 58 suicídios. Nunca antes na história
desse país registraram-se tantas mortes, nos 38 anos que o Grupo Gay da
Bahia (GGB) coleta e divulga tais estatísticas. Um aumento de 30% em
relação a 2016, quando registraram-se 343 mortes (BAHIA, 2017, p. 1).

Os índices de 2017 indicam que houve um crescimento de homicídios da


população LGBTQI, quando comparado com o ano de 2016. “A cada 19 horas um
LGBT é barbaramente assassinado ou se suicida vítima da ‘LGBTfobia’, o que faz do
Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais” (BAHIA, 2017, p. 1).
Inclusive matando mais do que em 13 países onde há pena de morte contra ao grupo
LGBTQI (BAHIA, 2017, p. 1). Dar visibilidade às opressões sofridas por esse grupo
torna-se importante para que essa violência seja reduzida, e não seja legitimada pelo
Estado ou pelos seus (suas) agentes.
Portanto, as sobreposições entre raça, gênero e classe social estão presentes
na estrutura dos sistemas penais e socioeducativos, e corroboram com a
33

deslegitimidade desses sistemas na aplicação de qualquer medida de punição ou de


responsabilização pelo ato cometido. Além disso, esses grupos invisibilizados são os
que mais sofrem violência, tanto estatal, como pela própria sociedade. Enquanto
essas questões estiverem presentes no modo de aplicação da lei penal ou do estatuto,
bem como nas relações sociais, serão necessárias cada vez mais atitudes de
resistência para combatê-las.
34

2 A INTERSECCIONALIDADE NA AUDIÊNCIA DE REVISÃO DA MEDIDA


SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

Nesta parte do trabalho serão apresentados os resultados obtidos durante a


análise das audiências, nas quais sessenta adolescentes tiveram suas medidas
avaliadas ou reavaliadas. Em um primeiro momento será explicado como a legislação
atual prevê o funcionamento da medida socioeducativa de internação, e da audiência
de revisão, a partir do viés da Proteção Integral. Após, serão apresentados os dados
com o objetivo final de responder o questionamento sobre os papéis dos atores e das
atrizes na audiência de revisão da medida. Será também apresentada uma visão
crítica a aplicação da medida socioeducativa de internação e da construção social do
ato infracional.

2.1 A medida socioeducativa de internação: o que é a audiência de revisão?

O Estatuto da Criança e do Adolescente, com a Doutrina da Proteção Integral


e da Prioridade Absoluta, trouxe a todas as crianças e aos (as) adolescentes o caráter
de sujeitos de direitos (CUSTÓDIO, 2008, p. 31). Mesmo ao (a) adolescente que tenha
cometido ato infracional, o seu tratamento deve ser diferenciado do qual é dado ao (a)
imputável, devido à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
No artigo 105, do Estatuto da Criança e do Adolescente, está estabelecido que
as crianças ao praticarem algum ato infracional serão aplicadas as medidas protetivas
previstas no artigo 101. Já aos (as) adolescentes, ao praticarem ato infracional,
estarão sujeitos (as) às medidas socioeducativas presentes no artigo 112 (BRASIL,
1990). Além disso, há a possibilidade de a aplicação de medidas socioeducativas ser
combinadas com a aplicação de medidas de proteção.
O ECA, ao determinar a aplicação de uma medida socioeducativa, busca
educar e responsabilizar pedagogicamente o adolescente pela conduta ilícita
praticada. A legislação traz prioridade para a aplicação de medidas em meio aberto
ao adolescente autor de ato infracional, e torna a medida de internação uma exceção
(BRASIL, 1990).
A permissão de utilizar garantias processuais penais limita-se apenas às
garantias que não estão previstas na legislação específica (ECA e SINASE). Igualar
35

os dois institutos é uma violação da legislação específica, e inclusive da Proteção


Integral.

A autonomia do Direito Infracional, pelo que se mostrou, demanda a


construção de um sistema próprio, sem as sedutoras e fáceis aproximações,
adequada ainda, à realidade brasileira. Um sistema que seja garantista e
afaste a pretensão de ‘normatização’ dos adolescentes não se confunde, de
vez, com o Direito Penal Juvenil (LOPES; ROSA, 2011, p. XLI e XLII).

Apesar do sistema socioeducativo possuir algumas precariedades, igualar os


dois institutos faria com que a previsão legal da Prioridade Absoluta, e a função de
reintegração social se tornasse ainda mais difícil de ser alcançada. Rosa defende que
o Direito Infracional seja autônomo, sem a indevida aproximação com o sistema penal
(LOPES; ROSA, 2011, p. XLII). Essa percepção deve ser considerada pelos (as)
operadores (as) jurídicos (as) e pelos (as) agentes que atuam na área da infância e
da adolescência, para justamente efetivar os objetivos de responsabilização e
reintegração do ECA e que são flagrantemente contrapostas as finalidades retributivas
do sistema criminal.
Uma das características do sistema socioeducativo é a não correlação da
conduta tipificada como crime ou contravenção penal, com a medida socioeducativa
a ser aplicada. Diferentemente do que ocorre no sistema penal, no qual todas as
condutas tipificadas possuem um quantum de pena a ser aplicada. Na legislação
infracional é prevista apenas as medidas que poderão ser aplicadas, bem como o
modo de reavaliá-las (VERONESE, 2015, p. 135).
O ECA em seu artigo 122, possibilita a aplicação da medida de internação em
três momentos: quando for ato infracional cometido mediante grave ameaça ou
violência; por reiteração no cometimento de outras infrações graves e pelo
descumprimento reiterado e injustificado da medida anteriormente aplicada (BRASIL,
1990). Esses critérios precisam ser observados pelo julgador antes de aplicar a
medida socioeducativa de internação. Apesar de ser facultado ao (a) juiz (íza) a
aplicação da medida, fica adstrita a sua discricionariedade a aplicação. Esses critérios
também são utilizados para a decretação da internação provisória, não podendo
ultrapassar o prazo máximo de quarenta e cinco dias8.

8 Dispõe o artigo 108 do ECA: Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo
prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-
se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida
(BRASIL, 1990).
36

Neste norte, a internação provisória é uma medida extrema e está prevista no


artigo 108, do ECA, e deve ser aplicada somente quando estiver fundamentada e
basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade da conduta (BRASIL,
1990). Nesses quarenta e cinco dias improrrogáveis, o processo de apuração do ato
infracional deve ser sentenciado.
Por mais que a legislação tenha feito algumas diferenciações entre os
sistemas, a mudança de pensamentos dos atores e das atrizes do processo não
mudam de uma hora para outra. Essa discricionariedade permanece no sistema
socioeducativo, não contribuindo para o cumprimento da devida função da medida
socioeducativa de internação, que deve ser aplicada de forma excepcional e pelo
período previsto na legislação (BRASIL, 1990).
Referente às medidas socioeducativas, elas possuem certas peculiaridades
inexistentes no sistema penal, pois ao serem atribuídas aos (as) adolescentes
infratores (as), devem ser revisadas no máximo a cada seis meses (BRASIL, 1990).
O limite para aplicação da medida socioeducativa de internação é de três anos, não
podendo em hipótese alguma ser cumprida em estabelecimento prisional, conforme
artigo 185, do ECA (BRASIL, 1990).
A medida socioeducativa de internação possui duas modalidades e elas estão
previstas no artigo 121, caput e parágrafo 1º, do ECA. Uma trata-se da internação sem
possibilidades de atividades externas, onde o (a) adolescente permanece internado
(a) durante todo o período. A outra é a de internação com possibilidade de atividades
externas, na qual o (a) adolescente poderá passar os finais de semana em liberdade,
sob os cuidados de sua família.
No máximo a cada seis meses acontece a audiência de revisão da medida, e
ela serve para avaliar se o (a) adolescente pode ter a sua medida progredida para
uma mais branda. As figuras dessa audiência são o (a) defensor (a), o Ministério
Público, a direção do programa de atendimento, o (a) adolescente e seus pais ou
responsável, conforme previsão do artigo 42, do SINASE. Preferencialmente essa
audiência deve acontecer no estabelecimento socioeducativo, até para o (a) julgador
(a) ter contato com o ambiente que o (a) adolescente privado de liberdade está
inserido. Essas são as audiências que serão analisadas para responder o problema
de pesquisa formulado.
37

O art. 42 da nova Lei reforça o que já estava estabelecido no Estatuto da


Criança e do Adolescente, qual seja, a de que as medidas de semiliberdade
e internação deverão no prazo máximo de 6 (seis) meses serem reavaliadas.
O plus da Lei do SINASE está no fato de que, se a autoridade judiciária julgar
necessário poderá designar audiência, no prazo máximo de 10 (dez) dias,
com a certificação do seu defensor, do Ministério Público, da direção do
programa de atendimento, do adolescente e de seus pais ou responsável.
Esta audiência será instruída com o relatório da equipe técnica do programa,
que versará sobre o Plano Individual de Atendimento – PIA e qualquer outro
parecer técnico que tenha sido requerido pelas partes e definido pelo juiz
competente (§ 1º., art. 42). Recordando que a gravidade do ato, os
antecedentes e o tempo de duração da medida, não constituem elementos
que não justifiquem a substituição da medida por outra menos grave (§2º, art.
42) (VERONESE, 2015, p. 135).

O papel do (a) representante do Ministério Público é figurar no polo acusador e


apresentar parecer para a progressão ou para a manutenção da medida, conforme as
peculiaridades do (a) adolescente. Enquanto a Defesa aparece com o viés de
defender os interesses do (a) adolescente, principalmente para estabelecer o
contraditório sobre o parecer do Ministério Público. A equipe interprofissional do centro
socioeducativo também deve ser ouvida. Essa equipe é formada pelo (a) advogado
(a), pelo (a) assistente social, pelos (as) agentes socioeducadores (as), por um (a)
professor (a) da escola, pelo (a) psicólogo (a) e pela diretoria da unidade.
O artigo 142, do ECA, e o artigo 42, parágrafo 2º, do SINASE, estabelecem
alguns critérios que não devem ser considerados de forma isolada para a concessão
da progressão da medida (BRASIL, 1990). A decisão deve se basear somente nos
pareceres dos atores e das atrizes da audiência, sempre com o cuidado para que não
sejam cometidas arbitrariedades, além de observar o cumprimento da legislação
vigente e da Doutrina da Proteção Integral.
Partindo de tais considerações, esse trabalho pretende apresentar de que
forma a interseccionalidade aparece entre os atores e as atrizes, de modo que a
análise está centrada na medida socioeducativa de internação. Feita essa passagem
pelo modo como o Estatuto da Criança e do Adolescente regula o ato infracional, com
o marco teórico da interseccionalidade e da criminologia crítica, passa-se a análise
das audiências de revisão da medida de internação, em uma unidade do Rio Grande
do Sul. Cabe referir que a legislação vigente veda a divulgação de dados que possam
identificar os adolescentes, por isso os dados pessoais da unidade onde foi feita a
pesquisa não serão revelados.
38

2.1.1 A interseccionalidade na socioeducação a partir da observação (não)


participante

Para a análise das audiências, a técnica adotada foi a observação não


participante, pois a pesquisadora não entrou em contato com os atores e as atrizes,
apenas foi realizada a observação das audiências com o método da etnografia. A
técnica da observação consiste em participar do objeto a ser analisado, neste caso a
audiência, e estar atenta a todos os atores e todas as atrizes participantes. Para isso
é necessário que o observador (a) participante deixe seus valores em suspenso
enquanto trabalha, para ir com a mente aberta, sem pré-conceitos definidos, ou buscar
induzir o objeto a algo que já esperava (BAPTISTA, 2017, p. 101).
A etnografia é o método utilizado pelo (a) observador (a) para caracterizar o
objeto analisado. “[...] A etnografia é a arte e a ciência de descrever um grupo humano
– suas instituições, seus comportamentos interpessoais, suas produções materiais e
suas crenças” (ANGROSINO, 2009, p. 30). Neste trabalho, os sujeitos da pesquisa
foram os atores e as atrizes presentes na audiência, e como ela ocorre.

Especialmente desenvolvida no campo da antropologia social em estudos


com sociedades não ocidentais a etnografia pressupõe uma convivência
diária do pesquisador com o universo que estuda em uma forma de interação
na qual ele se coloca como observador participante daquela realidade
(IGREJA, 2017, p. 18).

A partir da imersão da pesquisadora na observação das audiências, a


metodologia consistiu em três funções básicas para a realização da observação: olhar,
ouvir e o escrever. Essa coleta de dados a partir da observação (não) participante
trata-se de uma pesquisa qualitativa, que possui o viés de obter uma análise mais
profunda das relações sociais (IGREJA, 2017, p. 14). Esse trabalho teve em sua base
de pesquisa a pesquisa qualitativa e a quantitativa, pois além de aprofundar a análise
dos dados das audiências, a quantidade também interferiu no resultado da pesquisa.
A pesquisa qualitativa “objetiva promover uma maior quantidade de informações que
permita ver o seu objeto de estudo em sua complexidade, em suas múltiplas
características e relações” (IGREJA, 2017, p. 14). A pesquisa quantitativa, que
também faz parte desse trabalho, possui o viés de transformar informações não-
estruturadas em dados numéricos (CASTRO, 2017, p. 40). O método utilizado para a
39

coleta dos dados foi o da etnografia, e esses dados quantitativos foram cruzados com
os dados qualitativos, para então serem analisados.
Para a análise dos dados obtidos durante as audiências, a técnica adotada foi
a teoria fundamentada nos dados (Grounded Theory). Para a criação e agrupamento
das categorias e das subcategorias foi utilizado o software Weft-QDA. A partir disso,
foram criadas categorias e subcategorias, com o intuito de agrupar as informações
coletadas em audiências. Essa técnica utilizada possui um caráter
predominantemente indutivo que diferente do método dedutivo, o método da indução
“prevê um outro tipo de operação cognitiva: as hipóteses são geradas a partir das
emergências da observação” (CAPPI, 2017, p. 395). É a partir da coleta dos dados
foi possível gerar as hipóteses. Porém, cabe destacar que há um movimento circular
em que o método indutivo vai intercalar com o dedutivo, pois após a geração das
hipóteses, haverá uma ligação com o marco teórico estabelecido, e elas “serão
testadas para conferir-lhes certa solidez” (CAPPI, 2017, p. 397).
Essa técnica, basicamente consiste na coleta de dados, com base qualitativa e
possui três etapas.

As três etapas fundamentais da TF são a codificação aberta, a codificação


axial e codificação seletiva. De maneira geral, a codificação é uma operação
de análise através da qual o pesquisador divide, conceitualiza e categoriza
os dados empíricos, podendo estabelecer, por sua vez, novas relações entre
os resultados dessas operações analíticas (CAPPI, 2014, p. 14).

O processo para a coleta de dados foi assim dividido:


1) Codificação aberta: todos os dados coletados durante as audiências foram
codificados, comparados entre si e agrupados em categorias (CASSIANI et al, 1996,
p. 80). É nesse momento que foram criadas as categorias e as subcategorias.
2) Codificação axial: essa etapa consistiu na integração das categorias. As
categorias e as subcategorias foram reunidas conforme os dados pareceram
semelhantes e importantes para a realização da pesquisa (CASSIANI et al, 1996, p.
81-82); e
3) Codificação seletiva: a última etapa consiste no cruzamento da teoria com
as categorias. “Trata-se de desvendar relações significativas e recorrentes entre
categorias (e suas dimensões) válidas para o conjunto de dados empíricos
observados” (CAPPI, 2017, p. 408).
40

Explicado o método utilizado para a coleta dos dados durante a audiência,


passa-se à exposição dos dados obtidos, os quais foram separados nas seguintes
categorias:
“Aspectos comuns em todas as audiências: a verticalidade na medida
socioeducativa de internação”: após a observação de todas as audiências foi possível
concluir que todas elas possuem o mesmo rito, e por conta disso, para não se tornar
um trabalho descritivo – que não é o foco –, foi posto o andamento geral de todas
elas, que servem como regra. A centralidade dessa categoria está na verticalidade
das relações entre os atores e atrizes, a qual foi comum em todas elas.
“O papel das mulheres na socioeducação”: essa categoria foi criada a partir da
verificação de que a maioria dos adolescentes foram acompanhados nas audiências
pela mãe. O encargo do cuidado com os filhos internados, recai em maior quantidade
nas mulheres, e isso as torna como fundamental para o funcionamento da medida
socioeducativa de internação.
“'Cadeia’ não é vida: preocupações com o futuro”: essa categoria foi pensada,
pois em alguns casos, no decorrer da análise, foi perceptível o cuidado no qual os
atores e atrizes das audiências tiveram no trato do adolescente. O cuidado com o
futuro dos adolescentes apareceu como fundamental para que eles não retornem para
a unidade. Talvez aqui esteja presente a principal diferença do sistema socioeducativo
com o sistema penal. O termo “cadeia não é vida” foi utilizado por ter sido mencionado
por um adolescente durante uma audiência.
“Casos suis generis”: o objetivo dessa categoria é demonstrar as lacunas da
legislação, e como elas apareceram no decorrer da audiência. A denúncia feita aqui é
sobre a discricionariedade do juízo, que decidiu em algumas situações de forma
arbitrária, por não ter previsão legal sobre os temas.
Explicadas as categorias, e as razões para terem sido criadas, no próximo item
elas serão expostas a partir da análise das audiências.

2.1.2 Aspecto comum em todas as audiências: a verticalidade na medida


socioeducativa de internação

Inicialmente cabe referir que neste centro socioeducativo onde foi realizada a
pesquisa, estão internados apenas adolescentes do sexo masculino. No Estado do
Rio Grande do Sul existe apenas um centro socioeducativo para internação de
41

adolescentes do sexo feminino, e está localizado na cidade de Porto Alegre. A partir


dessa informação é perceptível como o sexismo também está presente no sistema
socioeducativo, uma vez que não há a mesma proporção de centros socioeducativos
para ambos os sexos.
Enquanto no Rio Grande do Sul existem vinte e uma unidades de internação e
de semiliberdade para adolescentes do sexo masculino, existe somente uma unidade,
que abrangem medidas de internação e de semiliberdade, para as adolescentes do
sexo feminino. Com isso é perceptível o quanto o sistema socioeducativo está
precário, pois todas as adolescentes que praticarem atos infracionais nas cidades do
interior do Estado, terão que ser internadas longe de sua família. Esse afastamento
do ambiente familiar está equivocado, pois a própria lei do SINASE estabelece que a
internação seja próxima ao ambiente familiar para que seja possível o convívio com a
família (BRASIL, 2012).
Além disso, a região onde foi realizada a pesquisa é majoritariamente composta
por pessoas da raça branca9, e por conta disso, a maioria dos adolescentes internados
também eram brancos. Dos sessenta adolescentes avaliados ou reavaliados, três
deles eram indígenas, sete adolescentes da raça negra e cinquenta da raça branca.
Sobre a raça das mulheres, também de forma majoritária estiveram presentes
durante as audiências as mulheres brancas. Dentre as mulheres que acompanharam
os adolescentes durante as audiências, estiveram presentes dezessete mulheres
negras, dentre elas mães, companheiras, irmãs e avós (o papel delas será exposto
no próximo tópico). As mulheres de raça branca eram totalidade entre as técnicas da
unidade, a advogada, a assistente social e a professora. O coordenador do Centro
Socioeducativo de Semiliberdade (CASEMI), era de raça negra, mas não permaneceu
durante todas as audiências, esteve presente em quatro delas. O Juiz, a Promotora
de Justiça, e a Defensora Pública, também eram de raça branca.
Sobre o rito das audiências de revisão da medida socioeducativa de internação,
elas aconteceram uma vez por mês dentro da biblioteca da unidade. Durante os
meses de março, abril e maio, os adolescentes que estavam prestes a atingir seis
meses desde a última avaliação ou que estavam quase completando seis meses de
internação, foram avaliados ou reavaliados. Todas as pessoas que foram acompanhar

9 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística o Rio Grande do Sul possui cerca de
8,9% da população negra, e 4,4% da população parda (lembrando que já foi desmitificado durante o
trabalho no item 1.1.2 sobre a distinção entre a população parda e negra) (BRASIL, 2007).
42

os adolescentes nas audiências passaram por uma revista antes de ingressar na


unidade.
As audiências iniciavam, em regra, com a advogada da unidade apresentando
a situação do adolescente, o seu ato infracional praticado, o tempo de internação, a
posição da equipe técnica quanto à manutenção ou a progressão da medida, e ainda
um breve relato do seu comportamento e histórico familiar. A presença da família
durante o cumprimento da medida, e questões externas da unidade familiar, ficavam
a cargo da assistente social. Outras técnicas da casa mostravam o seu parecer sobre
o adolescente, não sendo possível distinguir qual função específica de cada atriz e
ator. No decorrer da audiência ficou claro quem era a professora da unidade, o
psicólogo, a assistente social e a advogada.
Em todas as audiências, foi decidido o futuro do adolescente sem a presença
dele ou de seu familiar. Após o diálogo sobre a progressão ou manutenção da medida,
o juiz apenas solicitava o ingresso do adolescente na sala, o cumprimentava com um
aperto de mãos (cumprimentava também a (o) sua (seu) responsável, aparentemente
como um sinal de educação e respeito), e o informava o que fora decidido durante sua
ausência.
Diante dessa constatação, segue tabela para ilustrar os dados obtidos durante
a análise das audiências, nas quais foram avaliados/reavaliados sessenta
adolescentes:

Tabela 1: Dados obtidos sobre as reavaliações e avaliações das medidas dos adolescentes.
Situação da medida Quantidade de adolescentes
Medida mantida 29 adolescentes
Progressão para ICPAE 8 adolescentes
Progressão para ICPAE caso cumprissem requisitos 6 adolescentes
Progressão para a semiliberdade 5 adolescentes
Progressão para o meio aberto (PSC e/ou LA) 4 adolescentes
Não foi possível obter resposta quanto a medida 2 adolescentes
Progressão para a semiliberdade caso cumprissem 2 adolescentes
requisitos
Medida imediatamente extinta 2 adolescentes
Progressão para ICPAE, por três meses, e após, 1 adolescente
extinção da medida
Medida extinta e transferência para o presídio 1 adolescente
Total 60 adolescentes
43

Fonte: Elaboração própria a partir da análise das audiências.

A maioria dos adolescentes avaliados ou reavaliados tiveram a sua medida


mantida. Diante disso, é possível afirmar que durante o marco de tempo de três
meses, a medida de internação foi priorizada, e o principal motivo foi baseado na
gravidade do fato, o que é vedado pela legislação 10 (BRASIL, 2012). Foi possível
perceber também, que a ausência de uma audiência formal e com a ausência de um
sistema acusatório, na qual todas as partes são ouvidas, pode ter ocasionado o
elevado número de manutenções da medida de internação. Com um sistema formal e
acusatório o resultado obtido poderia ter sido diferente, visto que esse procedimento
foi basicamente decidido pelo relatório formulado pela equipe técnica da unidade.
Além da informalidade, outra principal característica observada nas audiências
foi a verticalidade. Nesse viés, o papel da defesa técnica do adolescente não apareceu
como deveria ser em um sistema de justiça que se intitula acusatório. Nesse sistema,
dentre outras características, há uma “clara distinção entre as atividades de acusar e
julgar; contraditório e possibilidade de resistência” (LOPES, 2014, p. 65). Durante a
realização da audiência, foi verificado a existência de resquícios de um sistema
inquisitorial, onde o adolescente não teve participação e a estrutura da audiência foi
feita para que isso aparecesse como benéfico ao adolescente.
Essa verticalidade, na qual apareceu como característica das audiências
retoma novamente ao juízo paternalista, indo em desencontro com o que preceitua
tanto a legislação da infância e da juventude, quanto do sistema penal. É
imprescindível que durante a audiência, diante de um sistema acusatório, seja
possibilitado a manifestação do adolescente e da sua defesa técnica. A decisão sobre
a progressão da medida apenas com o relato da equipe da unidade viola direitos
fundamentais como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal que
estão previstos na Constituição Federal (BRASIL, 1988), e não são disponíveis.

10 Prevê o artigo 42, parágrafo 2º, do SINASE: Art. 42. As medidas socioeducativas de liberdade
assistida, de semiliberdade e de internação deverão ser reavaliadas no máximo a cada 6 (seis) meses,
podendo a autoridade judiciária, se necessário, designar audiência, no prazo máximo de 10 (dez) dias,
cientificando o defensor, o Ministério Público, a direção do programa de atendimento, o adolescente e
seus pais ou responsável.
§ 2º A gravidade do ato infracional, os antecedentes e o tempo de duração da medida não são fatores
que, por si, justifiquem a não substituição da medida por outra menos grave.
44

A verticalidade verificada nas audiências foi ao encontro com o relato de


Miraglia (2005). Ela analisou as audiências nas Varas Especiais da Infância e da
Juventude em São Paulo, e observou que essa fase processual é marcada pela
“assimetria entre os atores, pela reafirmação constante das hierarquias, por uma
grande disputa e abuso de poder” (MIRAGLIA, 2005). O juiz também obteve o papel
central na realização das audiências, em pouquíssimas oportunidades foi dada voz ao
advogado de defesa, e até mesmo ao Ministério Público. Mesmo após o advento do
Estatuto da Criança e do Adolescente, se mantém uma atuação jurisdicional
paternalista, e ainda a mesma clientela recrutada para fazer parte dos selecionados a
serem etiquetados como infratores: os pobres.
Para mostrar a classe social dos adolescentes reavaliados e avaliados, os
dados sobre a defesa técnica deles podem comprovar isso. Dos sessenta
adolescentes, apenas seis foram acompanhados na audiência por defensor (a)
constituído (a), os demais foram acompanhados pela Defensoria Pública. Dentre
esses (as) seis, foram duas advogadas mulheres brancas, e quatro homens brancos.
Por pertencerem à classe social baixa, e também por possuírem pouca
escolaridade, o adolescente e a pessoa que o acompanhava pouco entendiam o que
era dito pelos operadores (as) jurídicos (as). A linguagem técnica era pouco entendida.
Sendo assim, o juiz acabou utilizando termos, que consagram um verdadeiro Direito
Penal Juvenil: uma mistura de direito penal com direito infracional. Palavras como
“pena”, “crime”, dentre outras, foram utilizadas.
Em algumas oportunidades, o juiz acabou perguntando à acompanhante se
havia entendido o teor da audiência, e poucos e poucas demonstraram coragem para
se manifestar. Os adolescentes demonstraram ter mais conhecimento sobre o
procedimento, porém houve muita dúvida sobre a próxima reavaliação. Isso pode
demonstrar uma certa incerteza trazida pela legislação, que prevê a reavaliação no
prazo máximo de seis meses (BRASIL, 1990), e eles apenas entendiam: “vou ficar
mais seis meses fechado”.
Quando se tratava de progressão para Internação com Possibilidade de
Atividades Externas (ICPAE), não raro, o juiz explicava como funcionavam as visitas,
e sempre advertia que a evasão acarretaria em regressão para o meio fechado e,
ainda quando o adolescente era maior de 18 anos, o advertia sobre a possibilidade
de ingressar no sistema prisional caso praticasse algum ilícito. Em alguns momentos
foi verificado um tom intimidador por parte dos atores e das atrizes, sempre
45

enfatizando que qualquer saída, ou benefício, perpassava pelo binômio:


comportamento e estudo.
A partir disso, novamente foi possível identificar resquícios de um juízo
paternalista, pois a advertência feita aos adolescentes, sobre o estudo e a
necessidade de um trabalho, se identifica com a Doutrina da Situação Irregular, já que
um adolescente sem estudo e sem trabalho, acabava sendo alvo do sistema. Em sete
audiências, o binômio pobreza/criminalidade também acabou sendo relacionado com
envolvimento do adolescente ao cometer ato infracional.
Especificamente em uma audiência do mês de abril, foi referido que o
adolescente por necessidade financeira teria cometido o ato infracional. A afirmação
de que esse binômio continua presente na socioeducação, foi que em outra audiência
do mesmo mês, foi mencionado que o adolescente possuía condições financeiras, e
não haveria motivos para ter praticado o ato infracional.
Por mais que a legislação atual tenha modificado a forma de atuação do
sistema socioeducativo, os atores e as atrizes da audiência de revisão acabaram por
reproduzir o que estava em vigor com o Código de Menores (1927 e 1979). Os
adolescentes internados, em sua maioria, pertenciam a classe social baixa, possuíam
pouca escolaridade, e em onze audiências foi mencionado o histórico familiar de
envolvimento com atos ilícitos. Essa colocação apenas reforça a ideia de
estigmatização que o adolescente pertencente a este grupo familiar, não possui outra
alternativa, a não ser continuar praticando atos. Em uma outra audiência, o psicólogo
da unidade mencionou que o adolescente se tornou herdeiro do pai morto, e isso
dificultou o desligamento dessa história de vingança, para vingar a morte do pai.
Houve também relato de agressão dentro da unidade em um adolescente
reavaliado no mês de maio. Foi informado que ele teria sido agredido por agentes com
luvas, logo após uma discussão. Os agentes teriam negado a agressão. Esse relato
foi trazido pela advogada da unidade antes do interno ingressar na sala, e ela solicitou
para o juiz que ele o questionasse sobre isso. A advogada da unidade ainda
mencionou sobre as dificuldades que o adolescente passa fora do centro de
internação, e dentro da unidade ainda foi agredido, pelo sistema que deveria acolhê-
lo e, teoricamente, reeducá-lo.
O juiz questionou sobre a agressão, para ser possível uma responsabilização
dos agentes que proferiram as agressões, e, em um primeiro momento, o adolescente
não quis se manifestar, ele respondeu “Deixa por baixo isso”. Após, o juiz e a equipe
46

insistirem, ele falou sobre as agressões, e sobre a agente socioeducadora que teria
provocado ele. Por ter tido essa provocação, segundo ele, ele pedalou, e com isso
iniciaram as agressões como forma de represália à pedalação11. Posteriormente ao
relato de agressão, foi mencionado pela advogada da unidade sobre ter uma sala com
as câmeras cobertas dentro da unidade, que possivelmente serviria como local de
agressão aos adolescentes.
A partir desse relato trazido pela equipe da unidade, foi possível identificar uma
violação de direitos pelos próprios agentes da unidade. Isso demonstra que as
violências estatais existentes na sociedade são reproduzidas dentro dos centros
socioeducativos, e claramente dificulta para que a medida de internação seja eficaz.
Além de ser vítima de violência, o adolescente que fora agredido se sentiu repreendido
e amedrontado e por isso não quis denunciar as agressões durante a audiência. Por
mais que tenha sido denunciada a agressão dentro da unidade, a atitude da advogada
em trazer isso à tona no momento da audiência, mostra que há uma preocupação por
parte da equipe com a integridade física dos adolescentes. E isso demonstra um ponto
positivo dentro da socioeducação.
Por fim, o último dado que revela a estrutura das audiências, é referente aos
atos infracionais que ocasionaram a internação dos adolescentes. Tendo em vista que
os atos infracionais praticados foram muito repetitivos, segue um gráfico que indica
quais são os atos infracionais praticados pelos adolescentes que tiveram suas
medidas avaliadas ou reavaliadas. Importante ressaltar, que em duas oportunidades
a pesquisadora não foi informada sobre quais foram os atos infracionais praticados.

Gráfico 1: Atos infracionais mencionados durante as audiências.

11 Pelo colhido em audiência, o ato de pedalação seria proferir chutes/chineladas na porta, que é de
ferro, e fazer barulho como forma de demonstrar que o adolescente está “abalado” com algo.
47

Atos infracionais mencionados nas


audiências
Homicídio qualificado 1
Extorsão 1
Furto 1
Lesão corporal grave 1
Lesão corporal leve 1
Lesão corporal 1
Associação Criminosa 1
Tentativa de latrocínio 2
Receptação 3
Porte de arma 3
Estupro 3
Tráfico de drogas 4
Latrocínio 7
Homicídio 12
Tentativa de homicídio 13
Roubo 25

0 5 10 15 20 25

Número de ocorrências

Fonte: Elaboração própria a partir da análise das audiências.

O gráfico 1 apresenta todos os atos infracionais mencionados durante as


audiências, e torna-se fundamental esclarecer que cada adolescente pode ter
cometido mais de um ato infracional. O total de atos infracionais mencionados foi
setenta e nove. Os atos infracionais equiparados aos crimes de roubo, tentativa de
homicídio, homicídio e latrocínio foram os mais mencionados nas audiências. Esse
dado mostra que os atos infracionais visados para a aplicação da medida de
internação, em regra, foram os equiparados aos crimes de rua, mediante aplicação de
grave ameaça ou violência a pessoa.
Os atos infracionais de menor gravidade apareceram em poucas audiências, e
sozinhos não foram utilizados como causa para a aplicação da medida de internação.
Por não ter tipificação sobre o quantum de tempo cada ato infracional tem, abre uma
margem de discricionariedade pelo juízo, uma vez que também não há um prazo
determinado para a medida.
Diante do exposto, a estrutura das audiências de revisão da medida
socioeducativa de internação foi caracterizada pela sua informalidade e pela ausência
48

do exercício do contraditório e da ampla defesa. Os atos infracionais que ocasionaram


a internação foram aqueles considerados atos infracionais graves, e a exceção esteve
presente na aplicação da medida de internação para atos infracionais de natureza
leve.
No próximo tópico, para relacionar o marco teórico da pesquisa com os dados
obtidos, será apresentado qual o papel desempenhado pelas mulheres na
socioeducação, com o foco nas mulheres que acompanharam os adolescentes nas
audiências.

2.1.3 O papel das mulheres na socioeducação

A partir do recorte interseccional e da hierarquização social apresentada como


marco teórico, nesse tópico o objetivo é analisar o papel das mulheres na
socioeducação. Conforme relatado no tópico anterior, as audiências foram compostas
majoritariamente por mulheres de raça branca. As mulheres que acompanharam os
adolescentes também foram a maioria branca, mas dezessete delas foram
consideradas de raça negra.
Durante as audiências de avaliação, o adolescente precisa estar acompanhado
por responsável, conforme estabelecido pela previsão legal (BRASIL, 1990). De
acordo com a análise, ficou evidenciado que 52% dos adolescentes foram somente
acompanhados pela mãe. Segue gráfico para demonstração de quem eram os (as)
acompanhantes dos adolescentes.

Gráfico 2: Acompanhantes dos adolescentes durante as audiências.


49

Acompanhantes dos adolescentes durante a


Tia audiência de revisão
2%
Companheira Mãe
Desacompanhado
Avó 2%
12% Pai
5%
Mãe e pai
Mãe e companheira Mãe e padrasto
2%
Mãe, pai e irmã
Mãe
Mãe e irmã Mãe e irmã
52%
5%
Mãe e companheira
Mãe, pai e irmã
2% Avó

Tia
Mãe e padrasto Companheira
2% Mãe e pai
Pai Desacompanhado
13%
3%
Fonte: Elaboração própria a partir da análise das audiências.

Conforme gráfico 2, a mãe do adolescente foi a pessoa que mais o


acompanhou nas audiências (trinta e uma audiências). Em segundo lugar o pai
acompanhado da mãe (oito audiências), e em terceiro lugar o adolescente foi avaliado
em audiência sem a presença de qualquer responsável (sete audiências).
Importante salientar o papel da mãe do adolescente como principal
acompanhante em audiências. A pessoa sobre quem recaem as responsabilidades
quanto ao filho, é preferencialmente a figura materna, e isso ocorre, pois, a sociedade,
estruturalmente patriarcal, impõe somente à mãe o cuidado dos filhos e das filhas, e
quando ele está privado de liberdade essa responsabilidade ainda permanece. Isso
permite destacar o profundo comprometimento do sistema com o sexismo
(FLAUZINA, 2016, p. 100).
Esse dado também revela a importância da mulher para a manutenção do
sistema socioeducativo, uma vez que fica a cargo da mãe o cuidado com os filhos
adolescentes privados de liberdade. Não somente a figura materna estaria incumbida
dessa responsabilidade, mas também na figura da avó, da companheira, da tia e da
irmã (GRÁFICO 2). A partir de um recorte de raça, Flauzina explica como o papel da
mulher negra está comprometido com o encarceramento em massa dos homens, e
50

visível esse papel também no sistema socioeducativo, uma vez que os adolescentes
do sexo masculino estão em maior número internados.

Paralelamente, grande parte dos presos conta com o apoio familiar,


especialmente de mulheres, para dar conta de suas demandas pessoais. Em
certa medida, as mulheres passam a ser provedoras não só da família, mas
também dos apenados, numa lógica que já se naturalizou como essencial ao
bom funcionamento do cárcere no Brasil (FLAUZINA, 2016, p. 99).

A mãe do adolescente aparecer como a figura que mais acompanhou os


adolescentes nas audiências, representa a sua importante função, não só para a
manutenção do sistema, mas também como um dos únicos caminhos possíveis para
possibilitar a reeducação do interno. Recai, principalmente sobre ela, toda a
responsabilidade de reinserção social e os cuidados do filho, uma vez que somente
13% dos pais se mostraram presentes (incluindo mãe e pai), e em somente uma
audiência o pai se mostrou presente, curiosamente o ato infracional era o equiparado
ao crime de estupro (BRASIL, 2018).
Para demonstrar como isso apareceu na análise, em uma audiência do mês de
março, foi referido pela Promotora de Justiça que acompanhava a audiência, que a
família do adolescente era muito protetora, e o psicólogo da unidade falou que seria
importante um acompanhamento com a mãe do adolescente por ela não ter “pulso
firme”. Verifica-se que a própria unidade também só responsabilizou a mãe desse
adolescente, e tampouco questionou a ausência do pai, ou cobrou responsabilidade
dele. Com isso, durante a análise foi possível constatar como a estrutura social sexista
e racista influencia a manutenção do sistema socioeducativo.
E, ainda, por mais que as acompanhantes dos adolescentes em sua maioria
foram mulheres da raça branca, importante destacar a grande presença de mulheres
negras nas audiências. Esse numerário vai completamente em encontro ao que
também foi constatado por Flauzina (2016), no âmbito do sistema penal. São as
mulheres negras que ajudam a manter a estrutura daquele sistema, que está
enraizado pelo sexismo e pelo racismo.
Diante dessa característica sexista verificada durante as audiências, no
próximo item, será apresentada a principal diferença verificada entre o sistema
socioeducativo e o sistema penal. Foi possível identificar em algumas audiências que
os atores e as atrizes da audiência tiveram um cuidado maior com os adolescentes
internados, diferentemente do que acontece no sistema penal.
51

2.1.4 “Cadeia” não é vida: preocupações com o futuro

Essa categoria foi criada em decorrência dos relatos colhidos pelos atores e
pelas atrizes no que concerne ao futuro dos adolescentes que tiveram a sua medida
progredida para o meio aberto ou extinta. Dos sessenta adolescentes avaliados,
apenas quatro tiveram a sua medida extinta (TABELA 1). Esses que tiveram a medida
extinta foi verificada uma preocupação com o futuro dos adolescentes (com a exceção
de um, que a medida foi extinta e ele teve que ir para o presídio cumprir pena como
imputável).
O segundo adolescente avaliado no mês de março teve a sua medida extinta,
por ter cumprido dez meses da medida de internação. Havia praticado o ato infracional
equiparado ao crime de roubo. Durante a audiência, foi constatado pela Assistente
Social da unidade que a mãe do adolescente (que o acompanhava na audiência)
estaria com uma situação muito precária na sua residência. Por conta disso, o juiz
determinou a expedição de ofício para a Secretaria de Habitação do município do
adolescente, para verificar a moradia do reeducando. Portanto, houve uma
preocupação por parte do Poder Judiciário com a moradia do adolescente, e isso
possibilitou que fosse tomada uma atitude quanto a isso.
Esse cuidado também esteve presente em mais uma audiência do mês de
março. O interno teve a sua medida extinta após o cumprir dois anos e quatro meses
de internação. Houve muito elogios da escola, porque ele aprendeu a ler e escrever
dentro da unidade: “trajetória de vitória”. O juiz aconselhou muito o adolescente para
que ele continuasse estudando e procurasse um emprego, bem como para que ele
ficasse tranquilo na rua, para não ser preso, porque ele já tem 19 anos. O adolescente
permaneceu durante a audiência de cabeça baixa, mas quando saiu da sala se
despediu de toda a equipe e pareceu feliz.
Apesar de essa atitude dos atores conter resquícios de um viés paternalista, ao
aconselharem (ou até mesmo ameaçarem) o adolescente, houve um cuidado dentro
da unidade para que o adolescente se alfabetizasse. Atitudes como essa demonstram
a importância da Proteção Integral, pois foi possível melhorar a vida desse
adolescente, e de oportunizar melhores condições aos adolescentes internados.
Além disso, os adolescentes que estudavam receberam muitos elogios. Houve
relatos de adolescente que aprendeu a ler e a escrever dentro da unidade, e até
52

elogios como o de “melhor aluno da sala”. Um adolescente avaliado no mês de maio,


foi muito elogiado, e também incentivado para que ele continuasse estudando, para
terminar o nono ano. Como na região onde o adolescente morava não havia escola
com Ensino Médio regular foi solicitado pela defesa, a expedição de ofício para a 7ª
Coordenadoria Regional da Educação. O ofício tinha o objetivo de conseguir vaga em
uma escola próxima ao adolescente, e também para conseguir vale-transporte, já que
o adolescente e a sua mãe não possuíam condições de arcar com as custas de
deslocamento para uma escola mais longe.
Durante a análise, doze adolescentes foram elogiados pela professora da
unidade. O questionamento a ser feito é: será que esses adolescentes que foram
elogiados, também teriam sido elogiados na rua? Onde estava o Estado, e os (as)
demais responsáveis pela educação desse adolescente?
A Constituição Federal assegura que além dos pais, o Estado, e a sociedade
também são responsáveis pela efetivação dos direitos das crianças e dos
adolescentes, visto que esses possuem prioridade absoluta na efetivação de políticas
públicas (BRASIL, 1988). Nesse sentido, o Estado demonstrou até certo ponto ser
possível o alcance da educação por meio da medida de internação. Pois foi
oportunizado que os adolescentes internados tivessem acesso à educação e se
beneficiassem dela, mas falhou ao não possibilitar que eles tivessem esse acesso fora
da unidade. Importante referir que ao possibilitar educação aos adolescentes
internados dentro da unidade, não altera a base estruturante do sistema
socioeducativo, e o mero oferecimento de educação não legitima o sistema para o
controle social dos adolescentes em conflito com a lei.
No decorrer das audiências, uma outra característica exclusiva da
socioeducação foi percebida: o pedido de dispensa em datas comemorativas. Nas
audiências de março, houveram pedidos de dispensa na Páscoa. Nas audiências de
abril, o pedido de dispensa foi em decorrência do dia das mães. Nas audiências do
mês de maio o pedido de dispensa foi para o dia dos pais. De acordo com as
audiências, o pedido de dispensa consiste em o adolescente ser liberado da unidade,
para passar o final de semana com a família. Muitas vezes o retorno da dispensa sem
intercorrências acarretaria a progressão da medida para ICPAE ou para
semiliberdade.
Diante disso, foi possível perceber que nas audiências de revisão da medida
de internação há uma grande diferença entre o sistema penal e o socioeducativo, pois,
53

essa atenção que é dada aos adolescentes, não é verificada no sistema penal. Apesar
de o sistema de justiça socioeducativo possuir grandes avanços, ainda existem
algumas lacunas, que geram discricionariedades por parte do órgão julgador, e isso
será apresentado no próximo tópico.

2.1.5 Casos sui generis

Algumas audiências mereceram destaques por suas peculiaridades. Havia um


adolescente das audiências do mês de março que estava em “internação domiciliar”.
Por estar paraplégico e com dificuldades de locomoção, inclusive com o uso de
cadeira de rodas, ele e sua responsável não estavam presentes no momento da
audiência. Por conta disso, a equipe postulou a extinção da sua medida, e ele já
estava respondendo processo como imputável.
Após a verificação no Processo de Execução de Medida do adolescente, para
averiguar o que ocasionou a sua “internação domiciliar”, foi constatado que ele havia
evadido da unidade, e em uma perseguição com a polícia acabou sendo baleado e
por isso ficou debilitado e em “internação domiciliar”. O juiz acabou extinguindo a sua
medida. Importante ressaltar que o ECA não prevê a possibilidade de internação
domiciliar, tal como é possível a prisão domiciliar aos (as) imputáveis12.
Outra particularidade constatada foi na audiência do dia 29 de maio, na qual
havia um adolescente cumprindo a sua prisão preventiva dentro da unidade. Ele
estava internado há dois anos e quatro meses, e possuía 19 anos. Foi informado pela
equipe que ele havia praticado diversos atos infracionais, entre eles os equiparados
aos crimes de homicídio (duas vezes), roubo e tráfico. Ele havia desertado no natal
de 2017, e acabou sendo preso como imputável. E para não ser recolhido ao presídio,
ele passou a cumprir a prisão preventiva dentro do CASE. Cabe referir que não há
previsão legal para isso. No dia da audiência o adolescente teve a sua medida
socioeducativa de internação extinta, e foi encaminhado para o presídio.
Outra característica atípica verificada nas audiências, foi na sentença de
decretação de internação, na qual o juízo de primeiro grau especificou a conduta de
cada adolescente. Por conta disso, cada adolescente teve um prazo determinado de

12Em pesquisa no sítio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi encontrado apenas um caso
sobre internação domiciliar, na cidade de Uruguaiana, em 2013. A decisão do Tribunal consistiu em
suspender a execução da medida de internação, até que o adolescente tivesse condições físicas de
ser internado (BRASIL, 2013).
54

internação. O ato infracional foi o equiparado ao crime de lesão corporal leve e lesão
corporal de natureza grave, com o envolvimento de quatro adolescentes. Cada
adolescente teve a decretação da medida de internação em ISPAE com a fixação de
tempo determinado. Um adolescente teve a sua medida fixada em cinco meses; outro
adolescente foi fixado o prazo de três meses; outro adolescente teve a medida de
internação aplicada no prazo de nove meses; e o último adolescente teve a medida
fixada em sete meses.
A fixação de prazo determinado para a aplicação da medida de internação não
possui previsão legal, o único prazo é de que ela não deve ultrapassar os três anos,
e deve ser revista no máximo a cada seis meses (BRASIL, 1990). Desta forma,
verificou-se que o juízo fixou o quantum de internação, equiparando o sistema penal
com o sistema socioeducativo, já que naquele sistema, o Código Penal - e as demais
leis especiais – preveem o tempo de privação de liberdade que deverá ser observado
pelo juízo (BRASIL, 1940).
Outra característica presente em duas audiências, foi feita pela promotora de
justiça ao observar a gravidade do fato antes de progredir a medida, e equiparar caso
o fato fosse praticado por um (a) adulto (a). Na audiência do mês de abril, foi imputado
ao adolescente a prática do ato infracional equiparado ao crime de lesão corporal de
natureza grave, e segundo o Código Penal, a pena máxima seria de cinco anos caso
praticado por um (a) imputável (BRASIL, 1940). Mas, mesmo que esse crime fosse
praticado por um (a) adulto (a) a pena não seria em regime fechado, caso alcançasse
os cinco anos, o (a) imputável conseguiria a fixação de pelo menos um regime
semiaberto13.
Neste caso em específico, a observação feita pela promotora foi muito bem
colocada, pois o adolescente teve a fixação de uma medida em meio fechado,
enquanto um (a) adulto (a) jamais estaria em regime fechado pela prática do mesmo
fato. A discricionariedade do juízo prejudicou o adolescente, pois violou o caráter de

13 O artigo 33, parágrafo 2º, alínea “b”, do Código penal prevê: Art. 33 - A pena de reclusão deve ser
cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto,
salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito
do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime
mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito),
poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
55

Excecionalidade da medida de internação, e acabou sendo mais rigoroso que o


próprio sistema penal.
Essa comparação feita pela promotora de justiça apareceu como favorável ao
adolescente, pois ela não se fez presente com a intenção de prejudicar ele. Esse
discurso é utilizado pela mídia e pelos próprios parlamentares no sentido contrário,
para mistificar que os adolescentes permanecem pouco tempo internados, ou que não
há “punição” aos adolescentes em conflito com a lei (BUDÓ, 2013; BUDÓ, CAPPI,
2018). Ao utilizarem dessa comparação, os discursos acabam por legitimar
retrocessos legislativos como a própria redução da maioridade penal e o aumento do
prazo de internação. Sendo que essa comparação não deve ser feita, pois trata
apenas de uma comparação vazia, sem qualquer embasamento que a confirme.
A partir disso foi possível esclarecer algumas particularidades pertencentes
somente ao sistema socioeducativo. Foi perceptível o quanto ainda existem lacunas
na legislação que estabelecem o funcionamento das medidas socioeducativas e o
perigo das discricionariedades de cada órgão julgador.
Mas, conforme relatado nos tópicos anteriores, mesmo com todo o processo
de deslegitimação do sistema socioeducativo, ainda assim ele aparece como uma
melhor alternativa ao sistema penal. Essa constatação também esclarece a
impossibilidade de alcançar qualquer avanço com a redução da maioridade penal, ou
com o aumento do prazo de internação, porque o sistema penal e o sistema
socioeducativo estão deslegitimados, pelos motivos que já foram expostos no capítulo
anterior.
56

CONCLUSÃO

O objetivo do trabalho foi o de analisar as audiências de revisão da medida


socioeducativa de internação, a partir do marco teórico da criminologia crítica e de um
recorte interseccional, para então compreender quais são os papéis desempenhados
pelos atores e pelas atrizes na audiência. Além de fazer uma crítica a construção
social do ato infracional e do adolescente infrator.
Com a análise das audiências, foi possível concluir que a posição do
adolescente como infrator o coloca em uma posição inferior na realização da
audiência de revisão. A revisão de sua medida socioeducativa deveria ser um
ambiente horizontal, mas acabou sendo vertical, pois os internos não possuíam lugar
de fala, e quando questionados sobre algo, se sentiram inferiores por estarem na
condição de infratores.
Foi possível concluir também que o marco dessa audiência é a informalidade e
a ausência de um sistema acusatório (até porque não foi dada oportunidade para
manifestação da defesa técnica do adolescente). As audiências muitas vezes não
seguiam um rito, ou até mesmo ordem de fala, e a permanência do adolescente na
unidade foi determinada pela gravidade do ato infracional praticado. Ficou nítida a
influência da instituição sobre a progressão da medida, pois ela não permite que a
posição da equipe seja de progressão, quando há um ato infracional grave praticado.
Outra conclusão possível após a análise das audiências, é de que a decisão do
juízo, sobre a manutenção ou progressão da medida do adolescente esteve adstrita
ao relatório elaborado pela equipe da unidade. A discussão sobre a medida do
adolescente teve apenas como base o que foi informado pela equipe. As vezes
questões sobre a conduta dentro da unidade foi levada em consideração, mas na
maioria das vezes o que foi considerado para a progressão foi a gravidade da conduta
praticada, por isso aparentemente ser uma norma da Fundação de Atendimento
Socioeducativo.
O papel das mulheres na socioeducação ficou demonstrado que são elas as
responsáveis para reintegração social do adolescente após sua saída da internação,
e no decorrer da sua medida. O amparo da mãe do adolescente apareceu como
fundamental para a manutenção do sistema socioeducativo.
Apesar dos poucos avanços trazidos pela legislação, ainda foi possível
encontrar resquícios de um sistema verticalizado, no qual o adolescente não é
57

considerado sujeitos de direitos, por não ter tido o seu lugar de fala viabilizado no
momento da audiência. Ficou evidenciado também entre os atores e as atrizes a
reprodução dessa verticalidade por não possibilitar a fala do interno durante a
audiência, já que o futuro da sua medida foi decidido sem a sua presença.
Por fim, foi perceptível uma diferença positiva entre o sistema socioeducativo e
o sistema penal. Porém, essas poucas qualidades pertencentes ao sistema
socioeducativo não modificam o marco teórico aqui apresentado sobre a
deslegitimação do sistema penal e também do sistema socioeducativo. Por conta
disso, as pautas retrógradas que circundam a seara da Infância, jamais alcançariam
qualquer avanço, pois estão voltadas apenas para a reprodução de estereótipos e
para a manutenção da estrutura racista, sexista e classista dos sistemas. Enquanto o
olhar interseccional estiver afastado das pautas legislativas, e da própria sociedade,
não será possível compreender a estrutura dos sistemas, e tampouco será possível
modificá-la.
58

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Atendimento Socioeducativo), para estabelecer que é circunstância agravante a
prática do crime com a participação de menor de 18 anos de idade, que o ECA se
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