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28/09/2018 Timidez como virtude - 03/09/2018 - Luiz Felipe Pondé - Folha

Luiz Felipe Pondé (/colunas/luizfelipeponde/)


ponde.folha@uol.com.br (mailto:ponde.folha@uol.com.br)

Timidez como virtude


A busca de timidez e discrição como sabedoria é um desafio para o século 21

Folhapress

3.set.2018 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2018/09/03/)

Outro dia ouvia uma colega, muito inteligente e bonita, me dizer da “gastura”
que sentia em ouvir pessoas falando sobre suas qualidades intelectuais,
realizações e títulos. Estando eu presente no momento desse infeliz “self

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28/09/2018 Timidez como virtude - 03/09/2018 - Luiz Felipe Pondé - Folha

marketing” que causou a “gastura” no estômago da minha jovem colega,


entendi bem o que ela dizia.

O mau hábito de falar das próprias realizações sempre existiu. Mas, hoje, é
diferente: ser brega e fazer self marketing virou uma “ciência”. Hoje, a velha
máxima que “toda virtude verdadeira é tímida” se transformou numa
informação urgente.

Toda virtude verdadeira é tímida. Sempre. Sim, sei que somos seres de
contínua baixa autoestima, e que o mundo prima por nos ferrar todo dia:
gorda, burro, brocha, histérica, mal amado, enfim, adjetivos feitos para
destruir a já frágil autoestima que temos. E que, portanto, muitas vezes nos
faz cair na tentação de reafirmar nossos feitos na cara dos outros. Mas há
uma diferença quando fazemos isso em claro momento de desespero e
quando fazemos isso achando que estamos abafando. O caso comentado
pela minha colega era este segundo caso.

Por que toda virtude verdadeira é tímida? Antes de tudo, porque a vocação
constante à vaidade que nos assola deixa a virtude insegura com relação a si
mesma. Esta dinâmica, entre a dúvida da virtude x a certeza da vaidade é
tema, por exemplo, da clássica polêmica da graça entre Santo Agostinho
(354–430) e Pelagius (360–420).

Outro traço da virtude é ser desatenta consigo mesma. Por isso, alguns
afirmam que a maior de todas as virtudes seria a humildade, uma vez que
esta é o oposto simétrico da vaidade. O cotidiano da virtude não é checar a si
mesma continuamente no espelho para ver o quão bem sucedida ela tem
sido em ser ela mesma. Essa desatenção consigo mesma é traço essencial da
virtude. Associada a ela está a percepção de “naturalidade” que toda virtude
verdadeira transparece.

Somos naturalmente “equipados” com a capacidade de identificar a leveza


com a qual alguém age de modo virtuoso. Assemelhando-se à manifestação
da graça, a leveza da virtude tímida e natural equipara-se à beleza sem
vaidade.

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Essa “naturalidade” da virtude está descrita por Aristóteles (384 AC–322 AC)
quando em seu “’Ética a Nicômaco” ele diz que a virtude deve se transformar
numa segunda natureza.

Não se trata de negar o esforço consciente em busca do comportamento


virtuoso, segundo o filósofo. O esforço é real e consciente. Portanto, a
timidez da virtude não é fruto de sua inconsciência como comportamento. A
timidez é fruto da naturalidade (segunda natureza, nos termos do filósofo)
que caracteriza uma virtude madura.

Timidez aqui é quase uma metáfora, não para a insegurança enquanto tal,
mas para a virtude instalada no cotidiano do virtuoso que se deixa perceber
pelo ato, e não pelo “anúncio do ato”.

A ética é uma ciência prática. A ideia de fazer marketing da ética é como se


afirmar que um círculo é quadrado. Dizer que a virtude é prática e jamais
teórica significa dizer que só o outro reconhece a virtude em você. A virtude
é da ordem do ato e não do discurso. Se você falar da sua virtude, você jamais
convencerá uma pessoa razoavelmente inteligente e madura da veracidade
da sua afirmação. Porque quem precisa anunciar sua própria virtude é
porque a prática dessa virtude não é suficiente para ser reconhecida.

Por isso, afirma-se que a virtude é pública, jamais privada. É silenciosa, mas
sua existência é atestada pelo olhar do outro que a vê acontecer no mundo,
sem anunciar que está acontecendo. O histórico do seu comportamento,
reconhecido ao longo do tempo pelas pessoas à sua volta (mesmo as que te
odeiam), se constituirá na substância do seu caráter. Esse caráter, ao longo
da vida, se constituirá, por sua vez, no seu destino. Por isso, afirma-se que
virtude é destino. Sendo ela uma segunda natureza, realizada no silêncio do
esforço prático sem tagarelice, a virtude (ou a ausência dela) pode se
transformar numa maldição mesmo. Nada garante que virtude traga
“felicidade”.

No nosso mundo tagarela, marcado pela breguice do self marketing, a


virtude não deve ser apenas tímida, mas a própria timidez se torna, a cada
dia, uma virtude em si mesma. E esta é um animal do silêncio. Semelhantes a
ela são a discrição, a delicadeza, a elegância e a contenção. A busca dessas

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virtudes como forma de sabedoria é um desafio para o século 21. Otavio Frias
Filho era um exemplo vivo delas.

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em


filosofia pela USP.

ENDEREÇO DA PÁGINA

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