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DISTRITO FEDERAL

PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL

O DISTRITO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno,


vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus Procuradores in fine
assinados, ajuizar a presente

AÇÃO DECLARATÓRIA CÍVEL ORIGINÁRIA


com pedido de tutela de urgência,

em desfavor da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, representada


judicialmente pelo Sr. Advogado-Geral, que pode ser encontrado no Setor de Autarquias
Sul, Quadra 03, Lotes 5/6, Ed. Multi Brasil Corporate, em Brasília-DF, CEP 70070-030,
Fones (061) 2026-9202, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.

I - DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O


JULGAMENTO DA DEMANDA – FLAGRANTE CONFLITO FEDERATIVO

De início, cumpre assentar a competência originária deste egrégio


Supremo Tribunal Federal para o julgamento da presente demanda, nos exatos termos do
artigo 102, inciso I, alínea “f”, da Constituição Federal.

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Com efeito, discute-se na presente demanda a titularidade das receitas


tributárias derivadas relativas ao imposto sobre a renda incidente sobre os vencimentos e os
proventos dos Policiais Civis e Militares e Bombeiros Militares do Distrito Federal, razão
pela qual se vislumbra, no caso, um evidente antagonismo nos interesses dos entes
federativos envolvidos.

Assim, diante do flagrante conflito federativo estabelecido, resta


indubitavelmente configurada, na espécie, a competência do Excelso Pretório para a análise
e julgamento do feito.

II – BREVE SUMA DOS FATOS – O FUNDO CONSTITUCIONAL DO DF E A


EQUIVOCADA DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS NO PROCESSO N.
011.359/2006-1

À luz do teor do artigo 21, inciso XIV, da Constituição da República,


compete à União Federal, por intermédio de fundo próprio, organizar e manter as Forças de
Segurança do Distrito Federal, além de prestar auxílio financeiro para a execução de outros
serviços públicos essenciais.

Tal condição, que se afigura sobremaneira especial em relação aos demais


entes federativos periféricos, decorre, clara e iniludivelmente, do fato de o Distrito Federal
hospedar, em seus reduzidos domínios territoriais, a cúpula de todos os Poderes da
República, os principais órgãos da administração direta e indireta da União Federal, bem
como as representações dos estados estrangeiros que mantêm regulares relações
diplomáticas com o Brasil.

Assim é que, cônscio das graves e extravagantes responsabilidades que


pesam sobre o Poder Público distrital, optou o legislador por estabelecer um sistema de
auxílio direto e compulsório, vindo de editar a Lei federal n. 10.633/2002, que instituiu o
Fundo Constitucional do Distrito Federal - FCDF, cujo escopo é a responsabilidade da União
no financiamento do ente distrital relativamente à organização e manutenção das Forças de
Segurança locais e à execução de outros serviços públicos essências, entre eles saúde e
educação (art. 1º).
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Neste diapasão, anote-se que o valor anual para o FCDF foi originalmente
fixado em R$ 2,9 bilhões, total que deveria ser corrigido anualmente pela variação da receita
corrente líquida da União (art. 2º). Nos dias atuais, esse montante perfaz cerca de R$ 14
bilhões por ano, que devem ser entregues ao Distrito Federal sob a forma de duodécimos,
até o dia 5 de cada mês (art. 4º).

Durante um determinado período, é certo, os valores do Fundo eram


efetivamente repassados ao Distrito Federal, que assumia a sua integral disponibilidade
financeira. Presentemente, a utilização dos recursos do FCDF pelo ente distrital ocorre
diretamente por intermédio do sistema de pagamentos da União Federal, ao qual as
autoridades e servidores distritais competentes têm acesso para essa finalidade específica.

Diante da sua própria natureza e da complexidade das questões que


envolvem o tema, o FCDF sempre ensejou forte controvérsia jurídica entre o Distrito Federal
e a União, bem como perante os órgãos de controle externo da Administração.

Variadas questões (referentes, por exemplo, às despesas que poderiam ser


custeadas com recursos do Fundo, à destinação da contribuição previdenciária descontada
das remunerações pagas com valores do FCDF, à natureza jurídica do Fundo, ao ente
responsável pela sua fiscalização contábil e financeira, entre outras) foram suscitadas nos
últimos anos. Muitas delas ainda se encontram sob a análise do Tribunal de Contas da União,
o qual equivocadamente se investiu de competência para fiscalizar o emprego dos recursos
do Fundo Constitucional, concluindo que se trata de valores de natureza federal.

No contexto de toda essa controvérsia, emergiu uma situação inusitada e


grave, consubstanciada na recentíssima decisão do Tribunal de Contas da União (Acórdão
684/2019), pela qual se determinou que o imposto de renda incidente sobre as remunerações
dos integrantes das Forças de Segurança do Distrito Federal (Policiais Militares, Bombeiros
Militares e Policiais Civis), custeadas com recursos do FCDF, sejam destinados aos cofres
da União Federal.

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A ementa do acórdão exarado nos autos do Processo n. 011.359/2006-1 é


esclarecedora sobre o teor da decisão, a saber:

Acórdão: VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Pedido de


Reexame interposto pelo Ministério Público junto ao TCU contra o
Acórdão 1.665/2008-TCU-Plenário; ACORDAM os Ministros do
Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário,
diante das razões expostas pelo relator, com fundamento nos arts.
32, inciso I, 33 e 48 da Lei 8.443/1992 e nos arts. 285, 286 e 278, §
2º, do Regimento Interno, em: 9.1. conhecer do Pedido de Reexame
interposto pelo Ministério Público junto ao TCU, para, no mérito,
dar-lhe provimento parcial; 9.2. julgar parcialmente procedente a
representação versada neste processo; 9.3. revogar a medida
cautelar deferida, para que o então Ministério da Fazenda se
abstivesse de reter ou cobrar o IRRF de policiais e bombeiros pagos
com recursos do FCDF, por perda de objeto; 9.4. deixar de decidir
o agravo interposto pela União contra a medida cautelar
mencionada no item anterior, em razão de ter perdido seu objeto;
9.5. deixar assente que os valores referentes ao Imposto de Renda
Retido na Fonte (IRRF) dos servidores mantidos com recursos do
FCDF, nos termos do art. 21, inc. XIV, da CF/88, pertencem à
União; 9.6. determinar ao Mistério da Economia que: 9.6.1. deixe
de repassar imediatamente, ao Distrito Federal, o produto da
arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente
sobre as remunerações e proventos dos servidores do Corpo de
Bombeiros Militar e das Polícias Civil e Militar do Distrito Federal,
pagos com recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal;
9.6.2. passe a utilizar a classificação, individualmente, das
retenções das folhas de pagamento, conforme sistemática prescrita
no manual do Siafi, de forma que fiquem evidenciadas suas
respectivas espécies; 9.6.3. informe ao TCU as providências
adotadas, em cumprimento às determinações contidas nos itens
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9.6.1 e 9.6.2, em até 30 dias, contados da ciência da decisão que


vier a ser proferida; 9.7. determinar ao Ministério da Economia e
ao Governo do Distrito Federal que: 9.7.1. avaliem a conveniência
e oportunidade de submeter à Câmara de Conciliação e Arbitragem
da Administração Federal da Advocacia-Geral da União,
negociação para o ressarcimento aos cofres do Tesouro Nacional,
dos valores repassados indevidamente, ao Distrito Federal, a título
de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente sobre as
remunerações e proventos dos servidores do Corpo de Bombeiros
Militar e das Polícias Civil e Militar do Distrito Federal, pagos com
recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal, desde janeiro
de 2003, nos termos do art. 1º da Lei 9.307/1996, com a redação da
Lei 13.129/2015, c/c o art. 18, inciso III, Anexo I, do Decreto
7.392/2010, e c/c o art. 37 da Lei 13.140/2015; 9.7.2. informem ao
TCU, no prazo de 30 dias, de forma fundamentada, a decisão de
submeter ou não a questão do item 9.7.1 à Câmara de Conciliação
e Arbitragem da Administração Federal da Advocacia-Geral da
União; 9.8. dar conhecimento desta deliberação ao recorrente, ao
Ministro de Estado da Economia e ao Secretário da Fazenda do
Distrito Federal.

A despeito do teor da decisão, relembre-se que o art. 157, inciso I, da


Constituição Federal, estabelece claramente que pertence aos Estados e ao Distrito Federal
o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza,
incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e
pelas fundações que instituírem e mantiverem.

Assim, diante do dispositivo constitucional acima destacado, os valores


relativos ao imposto de renda em causa (incidentes sobre as remunerações, pensões e
proventos de aposentadoria referentes a Policiais e Bombeiros Militares custeadas com
recursos do FCDF) deveriam efetivamente ser destinados ao Distrito Federal.

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Aliás, essa é a sistemática observada pela União e pelo Distrito Federal


desde o advento do Fundo, não se tendo notícia de outra destinação para os referidos
recursos.

Trata-se, pois, de uma surpreendente decisão da Corte de Contas federal,


com um profundo impacto fiscal para o Distrito Federal, especialmente porque o Tribunal
determinou o ressarcimento dos valores passados!

Ora, tendo em vista essa situação absolutamente controvertida e a


existência de uma decisão emanada do Tribunal de Contas da União que pode trazer graves
prejuízos ao Distrito Federal, o ente distrital optou pelo ajuizamento da presente ação cível
originária, cujo escopo consiste no reconhecimento de que os valores de imposto de renda
incidente sobre as remunerações, proventos e pensões relativas a Policiais e Bombeiros
Militares custeadas com recursos do FCDF pertencem ao Distrito Federal, nos termos do art.
157, inciso I, da Constituição da República.

Quando não muito, acaso não acolhida a tese principal, deve-se afastar a
necessidade de pagamento dos valores passados.

Dada a situação de enorme gravidade acima narrada, será deduzido pedido


de tutela de urgência, para que se determine que, até o final da presente demanda, os referidos
valores de imposto de renda permaneçam sob a titularidade deste ente distrital.

III - A CONSISTÊNCIA DA PRETENSÃO DEDUZIDA NA PRESENTE AÇÃO

A densa consistência da pretensão formulada nesta demanda assenta-se,


essencialmente, nas seguintes razões fáticas e jurídicas: (i) o art. 157, I, da Constituição
Federal deve ter o seu alcance compreendido na perspectiva da ideia de federalismo
cooperativo e fiscal e da necessidade de adequada e proporcional repartição de receitas
tributárias entre os entes federados; (ii) os integrantes das Forças de Segurança do DF são
servidores públicos distritais; (iii) o dever jurídico e a obrigação pelo pagamento da
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remuneração (bem como pensões e proventos de aposentadoria) relativa a esses servidores


recaem sobre este ente distrital; (iv) a entrega do imposto de renda objeto desta controvérsia
à União Federal importará em substancial prejuízo jurídico e financeiro do Distrito Federal,
diante da situação fática atualmente estabelecida e dos próprios regramentos legais que
regem a matéria; e (v) a condenação deste ente distrital na devolução dos valores passados
constitui claro desrespeito aos postulados da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção da
confiança.

Examine-se, segmentadamente, cada um desses fundamentos.

3.1 - A ideia de federalismo cooperativo e fiscal: a necessidade de adequada


intepretação do art. 157, I, da Constituição Federal

A Carta Constitucional brasileira, nos termos de seus artigos 1º, 18, 19, III
e 60, § 4º, I, consagrou a ideia de federalismo cooperativo, de paridade ou de integração, que
constitui um relevante postulado a orientar a interação, muitas vezes revestida de certo grau
de antagonismo de interesses e consequente tensão institucional entre os entes federados.

Trata-se de um vetor constitucional que estabelece a noção de que os


integrantes da Federação compartilham competências, repartem ônus e benefícios em nível
nacional e atuam de forma conjunta no sentido do alcance dos objetivos do País,
notadamente aqueles inscritos nos artigos 1º, 3º e 4º da Carta da República.

Há, entre os diversos integrantes da Federação, uma relação de autonomia


e interdependência, sem que qualquer um deles possa se colocar em uma posição de
superioridade hierárquica ou de precedência em relação aos demais.

O princípio da paridade federativa surge, assim, como corolário do


princípio da solidariedade, que encontra fundamento no inciso I do artigo 3º do Texto
Constitucional.

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Traçando os princípios que regem o federalismo espanhol, Enrique


Álvarez Conde destaca que “outra manifestação do princípio da solidariedade consiste na
proclamação da inexistência de privilégios entre as Comunidades Autônomas através da via
estatutária”.1

Com efeito, é inerente a qualquer estado federado a circunstância de que


todos os entes atuem sem privilégios entre si, eis que ostentam a posição de ampla igualdade
jurídica, encontrando-se, portanto, no mesmo plano. Por todos os ângulos que se enxergue
a questão, é possível notar que a Carta Política de 1988 promoveu uma verdadeira
“reconstrução do federalismo brasileiro”2 – que se manteve apagado ao decorrer do regime
ditatorial.

Nesse sentido, a propósito do exato alcance do princípio federativo e da


real dimensão em que se traduz o federalismo cooperativo, observe-se a orientação
jurisprudencial desta Suprema Corte, que tem acentuado, por diversas ocasiões, a
importância desse postulado constitucional para a sedimentação e o adequado
funcionamento do Estado Democrático de Direito, especialmente no que se refere à
repartição de competências, obrigações, direitos e benefícios entre os componentes da
Federação, verbis:

EMENTA: Estado Federal: discriminação de competências


legislativas: lei estadual que obriga os ofícios do registro civil a
enviar cópias das certidões de óbito (1) ao Tribunal Regional
Eleitoral e (2) ao órgão responsável pela emissão da carteira de
identidade: ação direta de inconstitucionalidade por alegada
usurpação da competência privativa da União para legislar sobre
registros públicos (CF, art. 22, XXV): medida cautelar indeferida
por falta de plausibilidade dos fundamentos, quanto à segunda parte
da norma impugnada, por unanimidade de votos - pois
impõe cooperação de um órgão da Administração estadual a

1
Enrique Álvares Conde. Curso de Derecho Constitucional. Vol. II. 5 ed. Madri: Tecnos. p. 466.
2
Raul Machado Horta. Direito Constitucional. 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 413.
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outro; e, quanto à primeira parte, por maioria - por entender-se


compreendida a hipótese na esfera constitucionalmente admitida
do federalismo de cooperação. (ADI 2.254-MC/ES, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, grifou-se)

Desse modo, assentadas essas breves premissas em torno da inegável


relevância normativa e axiológica do princípio federativo, cláusula pétrea inscrita no Texto
Constitucional, cumpre alertar-se, como não poderia deixar de ser, que tal postulado permeia
a aplicação das demais normas estabelecidas na Carta da República, notadamente aquelas
relativas à repartição de receitas tributárias.

Nesse ponto, impende reconhecer que a ideia de federalismo, a noção de


descentralização política e o objetivo de autonomia dos entes federados existentes na
Constituição brasileira constituiriam postulados absolutamente inócuos se não viessem
associados a uma efetiva distribuição de receitas, com a sua adequada, proporcional e
isonômica repartição entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Sem autonomia
financeira simplesmente não se alcança a autonomia política.

Observe-se, a propósito da necessidade de uma efetiva e verdadeira


repartição de receitas fiscais, como mecanismo viabilizador da ideia de Federação contida
na Carta da República, o preciso magistério jurisdicional do Min. Gilmar Mendes, que, com
inegável proficiência, tem o cuidado de alertar para um crescimento da concentração das
receitas fiscais nas mãos da União Federal, em face da utilização de contribuições sociais,
que não são compartilhadas com os demais entes federados. Confira-se:

Não há dúvidas de que a partilha das receitas, especialmente de


impostos, é uma questão fundamental do pacto federativo
brasileiro, assim como de qualquer Estado fiscal que se estruture
na forma de federação. De nada adianta o zelo na partilha de
competências constitucionais, entre os diferentes entes federativos,
se essa repartição não é acompanhada da divisão de recursos
próprios e suficientes para fazer frente às diversas tarefas que lhes
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foram conferidas pelo Poder Constituinte. As competências


constitucionais esvaziam-se sem as condições materiais para o seu
exercício. Pois bem. Para enfrentar o objeto desta demanda, parece-
me fundamental atentar para essas questões e, especialmente, para
o arranjo federativo estruturado no texto constitucional de 1988 e
na prática institucional levada a cabo nas décadas que se seguiram
à sua promulgação.
O rearranjo político promovido pela Constituição Federal de 1988
foi impulsionado por duas grandes forças. De um lado, a luta por
descentralização política e garantia de autonomia aos entes
subnacionais, especialmente os municípios. De outro, o desejo de
ampliação do elenco de direitos fundamentais constitucionalmente
assegurados, especialmente os direitos sociais, e de torná-los
universais para todos os brasileiros. Esses dois elementos foram
componentes preponderantes para o desenho do quadro fiscal ainda
hoje vigente na Constituição.
A luta por autonomia política por parte de estados e municípios
iria necessariamente afetar a partilha de recursos públicos. A
desejada autonomia política não poderia existir sem que estivesse
aliada à autonomia financeira, e esta, no contexto de um Estado
fiscal, depende, fundamentalmente, da divisão de competências
tributárias e da partilha do produto da arrecadação tributária.
(...)
Entretanto, é cediço que, apesar dos esforços constitucionais, no
sentido de promover descentralização de receitas na redação
originária da Constituição Federal de 1988, nos anos seguintes, a
União, por meio das contribuições – cuja receita não é partilhada
com os demais entes –, conseguiu reverter o quadro constitucional
de partilha de receitas, concentrando em seu poder a maior parte
dos recursos tributários arrecadados. Parece correto afirmar, nesse
sentido, que as duas décadas que sucederam à promulgação da
Carta de 1988 caracterizaram-se pela inversão do quadro de
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partilha de receitas traçado na Constituinte. Refiro-me, é claro, ao


uso cada vez mais frequente das contribuições do art. 149 da
Constituição Federal, sobretudo as federais, para o financiamento
do Estado brasileiro. (ADO 25/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes,
grifou-se)

Esse mesmo entendimento é compartilhado por Fernando Facury Scaff


e Luma Cavaleiro de Macedo Scaff, que, em artigo doutrinário sobre o tema, tratam das
bases essenciais do federalismo fiscal, examinam o alcance do art. 157, I, da Constituição
Federal e apontam a necessidade de adequada distribuição da riqueza existente no País, com
a melhor divisão da arrecadação obtida:

Este artigo inicia a parte referente ao Federalismo Fiscal, aspecto


do modelo federal brasileiro, caracterizado por ser um Federalismo
Participativo ou Cooperativo. O presente artigo trata da repartição
das receitas tributárias, especificamente da parcela que recebem os
Estados e o Distrito Federal das receitas arrecadadas pela União.
(...)
A Constituição delimita as competências político-administrativas,
as quais, para serem cumpridas pelos entes federativos, requerem a
obtenção de recursos. Para tanto, as competências tributárias e a
repartição de receitas pretendem o equilíbrio da distribuição das
receitas entre os entes federativos.
(...)
A discriminação de rendas referida acima constitui um dos
aspectos nucleares do federalismo fiscal, parcela do federalismo
cooperativo do Estado brasileiro, pois envolve a distribuição da
competência material tributária de natureza federativa.
Outro aspecto desta técnica se refere à repartição das receitas entre
os entes federativos, de tal modo que riqueza possa ser mais bem
distribuída no país. A partir da consideração de que alguns fatos
econômicos geram a arrecadação de mais receita para um ente
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subnacional do que para outro, a Constituição estabelece critérios


de rateio dessas receitas entre os entes subnacionais, a fim de
melhor distribuir a arrecadação obtida.3

Compreendidos o sentido e o alcance da noção constitucional de


federalismo fiscal e de federalismo cooperativo, cumpre reconhecer que o legislador
constituinte procurou outorgar, aos entes federados, a autonomia financeira necessária para
que pudessem efetivamente desfrutar da autonomia política que lhes foi outorgada pela Carta
da República, prestando adequadamente os serviços públicos reclamados pela sociedade.

É nesse exato sentido que devem ser interpretadas as normas que, inscritas
na Constituição Federal, tratam da repartição de receitas tributárias. Por igual, essa também
a razão essencial da norma inscrita no art. 157, I, da Constituição Federal.

Cuida-se de regramento constitucional que, extraindo o seu sentido e o seu


alcance do princípio federativo, estabelece uma participação específica e direta dos Estados
e do Distrito Federal nas receitas referentes a um tributo federal, consistente no imposto de
renda. Essa norma vem associada à distribuição indireta do mesmo imposto, que advém dos
Fundos de Participação estaduais e municipais.

O legislador constitucional deixou muito claro, a partir de uma


compreensão sistêmica da Carta da República, o seu desejo de uma efetiva distribuição de
receitas do imposto de renda (e demais tributos) de modo a outorgar-se aos entes federados
a possibilidade de cumprirem as suas missões constitucionais.

Essas são, portanto, as premissas essenciais que devem pautar a análise da


controvérsia posta na presente demanda: (i) a Carta da República estabeleceu, sob a forma
de cláusula pétrea, o modelo federativo de Estado, com a outorga de autonomia política aos
Estados e Municípios sob a forma de federalismo cooperativo; (ii) associada a essa previsão
constitucional, veio a concessão de autonomia financeira aos entes federados, sob a forma

3
Fernando Facury Scaff e Luma Cavaleiro de Macedo Scaff. In. Comentários à Constituição do Brasil.
Gilmar Ferreira Mendes et. alli (Org.). 2 ed. São Paulo: Saraiva. p. 1.847, grifou-se.
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de federalismo fiscal; (iii) essa autonomia financeira por sua vez decorre de uma série de
previsões normativas inscritas no Texto Constitucional prevendo a repartição de receitas
tributárias entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios; (iv) uma dessas previsões
consiste justamente no art. 157, I, da Constituição Federal, que fixa a entrega, aos Estados e
ao Distrito Federal, do produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos
de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles
suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; e (v) essa específica norma
constitucional deve necessariamente ter o seu sentido e o seu alcance compreendidos na
perspectiva das ideias de federalismo cooperativo e fiscal, observando-se a necessidade de
efetiva autonomia financeira de todos os entes federados.

Presentes tais conclusões, cumpre registrar que a interpretação sistemática


e teleológica que se deve outorgar ao indigitado artigo 157, inciso I, da Constituição Federal
há de necessariamente assumir um caráter condizente com a ideia de federalismo
cooperativo e fiscal, associada a uma abordagem protetiva dos Estados e do Distrito Federal,
verdadeiros destinatários da norma constitucional em causa.

E, como consequência, torna-se necessário reconhecer que esse


dispositivo, como regra, deve ser interpretado de forma orientada a permitir que o produto
do imposto de renda seja efetivamente entregue aos Estados e ao Distrito Federal, não se
admitindo a adoção de exceções que favoreçam a União e resultem em uma indevida
interferência no delicado equilíbrio federativo brasileiro.

Fixadas essas ideias e demonstrado o exato sentido da norma


constitucional, que necessariamente deverá ser compreendida para a solução da controvérsia,
apresentam-se as razões fáticas e jurídicas pelas quais se deve concluir que o produto do
imposto de renda e da contribuição previdenciária incidentes sobre a remuneração dos
integrantes das Forças de Segurança do Distrito Federal pertencem ao ora postulante.

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3.2 - Os integrantes das Forças de Segurança do Distrito Federal são servidores


públicos distritais

Como já se assentou em item anterior, o art. 157, I, da Constituição


Federal, que trata da destinação do imposto de renda incidente sobre os rendimentos pagos
pelos Estados e o Distrito Federal, constitui um claro desdobramento do princípio federativo
e da ideia de federalismo cooperativo e fiscal inscritos na Carta da República.

Em tal sentido, a referida norma constitucional deve ser interpretada na


sua exata acepção, consistente na necessidade de proteger-se a autonomia política dos entes
federados subnacionais, sendo certo que se cuida de um regramento que demanda uma
interpretação orientada no sentido da tutela dos Estados e do Distrito Federal.

Apontados tais pressupostos interpretativos, é imperioso concluir que o


imposto de renda incidente sobre as remunerações dos integrantes das Forças de Segurança
do Distrito Federal (Policiais e Bombeiros Militares) deve efetivamente ser destinado ao ente
distrital, contrariamente ao que pretende a União Federal e ao que decidiu o Tribunal de
Contas da União.

Cabe enfatizar, nesse ponto, a circunstância claramente incontroversa de


que os Policiais Civis e Militares e os Bombeiros Militares integram o quadro de servidores
deste ente federado, conforme explicitamente estabelecido pelo art. 42 do Texto
Constitucional, verbis:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros


Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e
disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios.

Nesse mesmo sentido, o art. 144, § 6º, CF, dispõe a respeito da


subordinação hierárquica dos policiais (civis e militares) e bombeiros ao Governador do
Distrito Federal, conduzindo à conclusão de que se trata de servidores locais:

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Art. 144.
(......)
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças
auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as
polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios.

Observe-se, ainda, a tal respeito, o entendimento do Supremo Tribunal


Federal:

DE ACORDO COM O ART. 42 E PAR. 2., DA CONSTITUIÇÃO,


SÃO SERVIDORES MILITARES DO DISTRITO FEDERAL OS
INTEGRANTES DE SUA POLÍCIA MILITAR E DE SEU
CORPO DE BOMBEIROS MILITARES, SENDO AS PATENTES
DOS RESPECTIVOS OFICIAIS CONFERIDAS PELO
GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, A QUEM ESTAO
SUBORDINADOS, "UT" ART. 144, PAR. 6., DA CONSTITUIÇÃO.
(ADI 677/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, grifou-se)
Polícias estaduais: regra constitucional local que subordina
diretamente ao governador a Polícia Civil e a Polícia Militar do
Estado: inconstitucionalidade na medida em que, invadindo a
autonomia dos Estados para dispor sobre sua organização
administrativa, impõe dar a cada uma das duas corporações
policiais a hierarquia de secretarias e aos seus dirigentes o status
de secretários.” (ADI 132/RO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
grifou-se)

Se os integrantes das Forças de Segurança do Distrito Federal são


servidores locais e se subordinam hierarquicamente ao Chefe do Poder Executivo,
cumpre concluir que este ente distrital é o responsável jurídico pelo pagamento das
remunerações desses agentes públicos, conforme se demonstrará a seguir.

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É de se notar, nesse contexto, que a situação dos servidores das Forças de


Segurança Pública do Distrito Federal é bem diferente, por exemplo, dos integrantes do
Ministério Público do Distrito Federal e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que são
funcionários da União Federal, não obstante exercerem funções de caráter estadual (in casu,
distrital).

Em outras palavras, não há paralelismo entre os servidores das Forças de


Segurança do Distrito Federal e os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário
local, visto que, no primeiro caso, são servidores distritais, cujo imposto de renda incidente
sobre a folha salarial é do ente distrital, enquanto que, no segundo, são servidores da União
Federal, não havendo dúvida de que o imposto de renda retido é da União Federal.

3.3 - O dever jurídico do Distrito Federal relativamente ao pagamento das


remunerações dos integrantes das suas Forças de Segurança

Como se viu, os Policiais e Bombeiros do Distrito Federal são servidores


locais, inafastável constatação que decorre, de um lado, de texto expresso da Constituição
Federal e, de outro, da própria orientação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal.

Assim, torna-se necessário reconhecer que o dever jurídico referente ao


pagamento das remunerações desses servidores recai sobre o próprio Distrito Federal. Ele
não é da União Federal. Aquele ente federado limita-se a repassar os recursos necessários,
competindo ao ora postulante o seu correlato pagamento, arcando com as obrigações
pertinentes e, mais que isso, responsabilizando-se integralmente pelas consequências de
eventuais inadimplementos.

Em outras palavras: a relação jurídico-administrativa de caráter


funcional que se estabelece com os Agentes de Segurança locais tem em seus pólos o
Distrito Federal e os respectivos servidores. Consequentemente, a obrigação de pagar
a remuneração correlata é integrada pelo ente distrital e os seus servidores.

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PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL

Outra obrigação, completamente distinta, de natureza administrativa


e com uma dimensão institucional, estabelece-se entre o Distrito Federal e a União
Federal e tem por objeto o repasse dos valores necessários ao pagamento dos salários,
proventos e pensões referentes a esses agentes públicos. Quem paga esses servidores é
a parte autora, competindo à ré repassar os valores correlatos.

Aliás, a circunstância de que o pagamento das remunerações dos


integrantes das Forças de Segurança locais constituir uma obrigação do Distrito Federal pode
ser extraída da própria orientação jurisdicional do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios que, por intermédio de reiteradas decisões, firmou o posicionamento de que o
Governador do ente distrital possui legitimidade passiva para figurar em ações
mandamentais que envolvam controvérsia remuneratória referente a Policiais e Bombeiros
Militares do Distrito Federal, consoante se infere das ementas transcritas abaixo:

Mandado de segurança. Servidores militares do Distrito Federal.


Legitimidade passiva do Governador. Gratificação de condição
especial de trabalho – GCET. Percepção com base nos soldos dos
militares das Forças Armadas. Inexistência de direito líquido e
certo.
1. Embora seja de competência da União organizar e manter a
polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal
(art. 21, XIV, CF), seu governador é parte legítima para figurar no
pólo passivo da relação processual relativa a mandado de
segurança em que se postula o pagamento de vantagens deferidas
por lei aos seus integrantes. (...)
(Mandado de Segurança n. 2001.00.2.002821-7, Rel. Des. Getúlio
Pinheiro, grifou-se)

EMENTA - MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO


CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – LEGITIMIDADE

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PASSIVA DO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL PARA


COMPOR O PÓLO PASSIVO DO PRESENTE WRIT –
DECADÊNCIA DO DIREITO À IMPETRAÇÃO – PRESTAÇÃO DE
TRATO SUCESSIVO - RECOMPOSIÇÃO SALARIAL – REAJUSTE
DE 10,87% - MEDIDA PROVISÓRIA 1053/95 E
INAPLICABILIDADE AOS SERVIDORES PÚBLICOS
1) Parte legítima para figurar como autoridade coatora em sede de
Mandado de Segurança é o Governador do Distrito Federal, posto
que, embora os servidores da área de segurança pública, entre os
quais se incluem os policiais militares, sejam custeados pela
União, não deixam de ser servidores públicos do Distrito Federal.
(...)
6) Mandado de Segurança a que se denega a ordem. (Mandado de
Segurança n. 2002.00.2.003479-3, Rel. Des. Vasquez Cruxên,
grifou-se)

Desse modo, impende constatar, pelo próprio posicionamento do Poder


Judiciário da União, que as obrigações e deveres jurídicos associados ao pagamento da
remuneração dos integrantes das Forças de Segurança locais recaem sempre sobre o Distrito
Federal, independentemente da origem dos recursos correlatos.

Nesse sentido, aliás, é o magistério do ex-Ministro Carlos Velloso, que


em precioso Parecer conclui de forma categórica que os recursos de imposto de renda sob
controvérsia pertencem ao Distrito Federal. Entre as valiosas razões apontadas no
mencionado opinativo, colhe-se justamente a alegação de que se trata de duas obrigações
distintas na espécie, uma da União Federal, de repassar os recursos, outra deste ente
distrital, de efetuar o pagamento devido aos servidores, a saber:

É necessário, portanto, distinguir a obrigação de repassar recursos,


o que é feito “por meio de fundo próprio” (C.F., art. 21, XIV) –
recursos que visam à manutenção das corporações não só
relativamente à remuneração dos servidores – obrigação que é da
18
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PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL

União, da obrigação de pagar vencimentos dos servidores


distritais, obrigação jurídica que é do Distrito Federal. Sobre tais
vencimentos incidirá o imposto de renda, imposto da União. Mas o
imposto de renda incidente sobre os vencimentos dos servidores
distritais, retido na fonte, não é da União, mas do Distrito Federal,
como seria do Estado-membro, se se tratasse de servidor deste. (p.
20, grifou-se)

As conclusões alcançadas pelo ilustre constitucionalista, no sentido de que


a União Federal limita-se a repassar os recursos referentes à remuneração dos Agentes de
Segurança do Distrito Federal, revelam-se particularmente reforçadas pelo próprio teor da
Lei federal n. 10.633/2002, que, como apontado acima, rege a matéria em causa.

Nesse sentido, a mencionada norma legal, que instituiu o FCDF, é


claríssima no sentido de que os seus recursos são geridos e utilizados por este ente distrital,
conforme se pode extrair dos seguintes dispositivos normativos:

Art. 1o Fica instituído o Fundo Constitucional do Distrito Federal –


FCDF, de natureza contábil, com a finalidade de prover os recursos
necessários à organização e manutenção da polícia civil, da polícia
militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem
como assistência financeira para execução de serviços públicos de
saúde e educação, conforme disposto no inciso XIV do art. 21 da
Constituição Federal.
(...)
§ 3o As folhas de pagamentos da polícia civil, da polícia militar e do
corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, custeadas com
recursos do Tesouro Nacional, deverão ser processadas através do
sistema de administração de recursos humanos do Governo
Federal, no prazo máximo de cento e oitenta dias, contado a partir
da publicação desta Lei, sob pena de suspensão imediata da
liberação dos recursos financeiros correspondentes.
19
DISTRITO FEDERAL
PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL

(...)
Art. 4o Os recursos correspondentes ao FCDF serão entregues ao
GDF até o dia 5 de cada mês, a partir de janeiro de 2003, à razão
de duodécimos.

Os dispositivos da lei federal, portanto, deixam muito clara a circunstância


de que a União Federal limita-se exclusivamente a prover (art. 1º) os recursos para custeio
da remuneração de servidores da área de segurança pública do Distrito Federal.

Tais recursos são entregues a este ente distrital (art. 4º) e processados
através de sua própria folha de pagamento (art. 1º, § 3º).

É indiscutível, nesse contexto normativo, que a obrigação da parte ré


consiste na entrega dos recursos correlatos a este ente distrital, que por sua vez tem a
obrigação de efetuar o pagamento das remunerações a tempo e modo.

Observe-se, nesse mesmo sentido, o parecer oferecido pelo ilustre


representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Dr. Lucas
Rocha Furtado.

Examinando exatamente a controvérsia posta na presente demanda, aquele


integrante do parquet de contas concluiu que os recursos de imposto de renda em causa
pertencem ao Distrito Federal. Para tanto, invocou justamente a Lei federal n. 10.633/2002,
sustentando que uma norma legal não pode conter palavras inúteis, in verbis

Não há dúvidas de que o fundo constitucional do Distrito Federal é


de natureza contábil, é constituído por recursos federais e é
destinado à realização do preceito contido no artigo 21, inciso XIV,
da Constituição Federal, com a redação dada a esse dispositivo pela
Emenda Constitucional 18/1998. Mas isso não significa que o
Distrito Federal esteja totalmente à margem da sistemática de
pagamento introduzida pelo FCDF. Defender o contrário implica
20
DISTRITO FEDERAL
PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL

esvaziar o conteúdo do artigo 4º da Lei 10.633/2002. Digo isso


porque, se fosse correto afirmar que o Distrito Federal não tem
qualquer participação no pagamento da remuneração dos seus
servidores da área de segurança, qual seria, então, o sentido de o
citado dispositivo legal fixar que os recursos correspondentes ao
FCDF serão entregues ao GDF até o dia 5 de cada mês”? Ora, se
tudo coubesse à União, pergunta-se: qual papel a referida lei teria
reservado ao DF com o disposto no seu artigo 4º? Como a lei não
contém palavras inúteis e não se infirmou a constitucionalidade,
impõem-se extrair daquela norma interpretação que assegure a
eficácia de todos os seus artigos, o que significa, no caso concreto,
delimitar e compatibilizar a atuação da União e a do Distrito
Federal quanto às responsabilidades pelos recursos do FCDF. (p.
3, grifou-se)

Mostra-se importante salientar, ainda, que a própria Lei de


Responsabilidade Fiscal reforça o entendimento ora apontado, no sentido de que os recursos
do FCDF são efetivamente entregues pela União Federal a este ente distrital.

O art. 19, § 1º, inciso V, daquela norma legal prevê expressamente que os
recursos referentes ao FCDF serão transferidos pela União Federal ao Distrito Federal,
demonstrando, de forma muito clara, que se trata de uma obrigação manifestamente distinta
do efetivo pagamento das remunerações, que somente ocorre em momento posterior, após o
repasse dos valores correlatos ao ora postulante.

Diante deste quadro, é possível perceber (i) que os recursos referentes ao


FCDF são entregues (Lei federal n. 10.633/2002) ou transferidos (Lei de Responsabilidade
Fiscal) pela União ao Distrito Federal, (ii) que tal obrigação é manifestamente distinta do
dever jurídico de efetivo pagamento das remunerações e (iii) que a obrigação de pagamento
das parcelas remuneratórias, proventos de aposentadoria ou pensões tem por sujeito passivo
o Distrito Federal, revela-se necessário reconhecer, em mais essa perspectiva, que os
recursos de imposto de renda referentes a tais pagamentos pertencem ao ora requerente.
21
DISTRITO FEDERAL
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Tudo isso significa, e mostra-se importante enfatizar essa específica


circunstância, que a origem dos valores correlatos ao FCDF (União Federal) se revela
irrelevante para o deslinde da controvérsia.

O fato de os valores pertinentes advirem da União não possui importância


para a definição da destinação do imposto de renda, porque se sabe que esses recursos são
repassados/entregues/transferidos ao Distrito Federal, a quem compete efetuar o pagamento
das remunerações e se responsabilizar por ele, sofrendo as eventuais consequências do
inadimplemento.

Essa específica questão foi bem examinada pelo ilustre Secretário da


Secretaria de Recursos do Tribunal de Contas da União.

Analisando a temática em causa, aquela autoridade administrativa


concluiu que os valores de imposto de renda pertencem ao Distrito Federal, apontando, de
um lado, a irrelevância da origem dos recursos do FCDF e, de outro, a necessidade de
preservação do equilíbrio federativo, de que a repartição de receitas tributárias é um aspecto
essencial:

Note-se que a Carta Política não diferencia a fonte de recursos que


financia a remuneração dos servidores. Seu objetivo é fazer uma
repartição das receitas tributárias, instituindo uma fonte de
financiamento. Não abre exceção, sendo imperativa
(“pertencem”). O máximo que poderíamos admitir seria para as
fundações, uma vez ligadas à questão de serem ou não dependentes
(“e mantiverem”). Ainda assim, seria questionável tal limitação.
Sabemos todos a grande concentração de receitas nas mãos da
União e as formas de fugir da repartição das receitas de impostos
com o incremento das contribuições. Não se pode, portanto, reduzir
ainda mais a capacidade financeira dos Estados e do Distrito
Federal pelas vias da interpretação. Seria como dar com uma mão
22
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PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL

(instituir um fundo – verdadeira obrigação financeira da União


decorrente das especificidades do Distrito Federal – capital da
nação) e tirar com a outra (reduzir a participação do DF na
repartição das receitas tributárias – o pertencimento a ele, DF, do
IRPF). (p. 3, grifou-se)

Idêntico entendimento é perfilhado pelo professor Hamilton Dias de


Souza, que examinando a matéria em exame concluiu que os recursos de imposto de renda
pertencem ao Distrito Federal, demonstrando a irrelevância da origem primária dos recursos
do FCDF e apontando a necessidade de que a repartição de receitas tributárias, elemento
central do federalismo cooperativo, não seja manipulada de acordo com procedimentos
meramente formais adotados no âmbito dos entes federados, exatamente como pretende a
União Federal na espécie:

Tratando-se de verba destinada a satisfazer obrigação dos Estados


ou do Distrito Federal e havendo incidência do imposto de renda
na fonte, a eles pertence o respectivo produto. Pouco importa a
origem dos recursos, quem os entrega, ou quem retém o imposto
na fonte. A forma pela qual se operacionaliza o pagamento não tem
o condão de alterar a titularidade sobre o imposto de renda
incidente na fonte. Prevalece a substância ao ato, determinada pela
relação jurídica de direito material subjacente ao pagamento.
Sustentar o contrário implicaria admitir que a repartição
constitucional de receitas tributárias pudesse ser manipulada de
acordo com procedimentos meramente formais que viessem a ser
estabelecidos na legislação infraconstitucional para viabilizar os
pagamentos.
Certamente por isso, a Constituição atual não repetiu a regra da
Carta pretérita que restringia o direito dos Estados e do Distrito
Federal às situações em que “forem obrigados a reter o tributo”, ou
seja, aos casos de entrega direta de numerário a terceiro, bastando
que haja a incidência do imposto de renda na fonte,
23
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independentemente de quem pratique o ato extintivo da obrigação.


(p. 24, grifou-se)

Em conclusão, pertence aos Estados e ao Distrito Federal o montante do


imposto de renda incidente na fonte sobre os pagamentos feitos a terceiros com os quais
mantenham vínculo jurídico obrigacional, ainda quando os recursos sejam entregues por
outrem, em seu nome.

Tendo presentes as razões jurídicas acima apontadas, o entendimento


doutrinário sobre a matéria, o posicionamento de autoridades do próprio Tribunal de Contas
da União e a orientação jurisdicional fixada em temas correlatos, torna-se necessário
concluir, de forma categórica e definitiva, que os valores de imposto de renda retidos da
remuneração dos Agentes das Forças de Segurança do Distrito Federal pertencem a este ente
distrital, nos termos do art. 157, I, da Constituição Federal.

3.4 - A necessidade de respeito à situação fática consolidada e aos exatos termos da


legislação que rege a matéria

Fixadas as premissas acima, cumpre, ainda, tecer algumas observações


adicionais que reforçam o entendimento de que os recursos de imposto de renda sob
controvérsia pertencem ao Distrito Federal.

Cabe relembrar, nesse contexto, que o valor repassado pela União Federal
para o Distrito Federal como forma de aporte ao FCDF possui expressa previsão legal. Trata-
se do montante de R$ 2.9 bilhões, corrigidos pela variação da RCL da União Federal desde
2003, nos termos do art. 2º da Lei federal n. 10.633/2002.

Deste modo, existe previsão normativa a respeito do valor a ser repassado,


de modo que a glosa desse montante, a título de retenção de valores de imposto de renda,
constitui claro desrespeito ao complexo normativo que rege a matéria e evidente
inobservância do postulado constitucional da legalidade.

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Se existe explícita previsão legal fixando o valor exato que deve ser
repassado, não pode a União Federal pretender reduzi-lo sob a alegação de que uma parte
desse montante - imposto de renda - pertence a ela. A quantia estabelecida em lei deve ser
integral e tempestivamente entregue ao Distrito Federal, sob pena de desrespeito ao comando
normativo que rege a matéria.

Os valores de imposto de renda retidos na fonte de servidores locais e que


são objeto de controvérsia nesta demanda perfazem um montante que alcança a casa de
bilhões de reais. Atualmente, os referidos recursos representam cerca de R$ 700
milhões de reais por ano.

Somente no que refere ao ano de 2019, os valores referentes ao


indigitado imposto sobre a renda já alcança um total de R$ 171 milhões.

Destarte, a decisão a ser proferida pelo Excelso Pretório terá impacto


extremamente significativo nas contas distritais, especialmente se considerando o próprio
orçamento do FCDF, que representa o valor de cerca de R$ 14 bilhões.

Cumpre relembrar, ainda, que desde a instituição do Fundo Constitucional


os valores de imposto de renda em causa permaneceram com o Distrito Federal. Este ente
distrital sempre contou com tal recursos, havendo substanciais razões jurídicas para que
procedesse dessa forma.

O próprio Tribunal de Contas da União examina essa temática há vários


anos, já tendo sido proferida decisão cautelar favorável a este ente distrital e havendo, ainda,
pronunciamentos do corpo técnico da corte e do próprio Ministério Público no sentido de
que o imposto de renda em causa pertence ao Distrito Federal.

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Destarte, estabeleceu-se, na espécie, um conjunto fático extremamente


consolidado no sentido de que se trata de recursos distritais. A prática administrativa mostra
essa circunstância. Há cerca de vinte anos procede-se dessa maneira, não havendo qualquer
razão para uma súbita mudança de orientação, inclusive com o desrespeito ao complexo
normativo que rege a matéria e com a inobservância do postulado federativo.

Observe-se, nesse sentido, o julgamento da ADI 3.689/PA pelo Supremo


Tribunal Federal.

Na decisão então proferida, esse Excelso Pretório apontou - quando do


exame de complexas e graves controvérsias entre entes federados - a necessidade de
manutenção do equilíbrio federativo e de respeito à estabilidade institucional, reconhecendo,
nesse sentido, a força e a eficácia das situações fáticas consolidadas quando da intepretação
do Texto Constitucional, notadamente na perspectiva do postulado da segurança jurídica. A
ementa é a seguinte:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


N. 6.066, DO ESTADO DO PARÁ, QUE ALTERANDO DIVISAS,
DESMEMBROU FAIXA DE TERRA DO MUNICÍPIO DE ÁGUA
AZUL DO NORTE E INTEGROU-A AO MUNICIPIO DE
OURILÂNDIA DO NORTE. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI
ESTADUAL POSTERIOR À EC 15/96. AUSÊNCIA DE LEI
COMPLEMENTAR FEDERAL PREVISTA NO TEXTO
CONSTITUCIONAL. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 18, §
4º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. OMISSÃO DO PODER
LEGISLATIVO. EXISTÊNCIA DE FATO. SITUAÇÃO
CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA DA JURÍDICA.
SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO, ESTADO DE EXCEÇÃO. A EXCEÇÃO
NÃO SE SUBTRAI À NORMA, MAS ESTA, SUSPENDENDO-SE,
DÁ LUGAR À EXCEÇÃO --- APENAS ASSIM ELA SE CONSTITUI
COMO REGRA, MANTENDO-SE EM RELAÇÃO COM A
EXCEÇÃO. 1. A fração do Município de Água Azul do Norte foi
26
DISTRITO FEDERAL
PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL

integrada ao Município de Ourilândia do Norte apenas formalmente


pela Lei estadual n. 6.066, vez que materialmente já era esse o
município ao qual provia as necessidades essenciais da população
residente na gleba desmembrada. Essa fração territorial fora já
efetivamente agregada, assumindo existência de fato como parte do
ente federativo --- Município de Ourilândia do Norte. Há mais de
nove anos. 2. Existência de fato da agregação da faixa de terra ao
Município de Ourilândia do Norte, decorrente da decisão política
que importou na sua instalação como ente federativo dotado de
autonomia. Situação excepcional consolidada, de caráter
institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento
e acolhimento da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode
limitar-se à prática de mero exercício de subsunção. A situação de
exceção, situação consolidada --- embora ainda não jurídica ---
não pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do
Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação,
incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a
promulgação da Emenda Constitucional n. 15, em 12 de setembro
de 1.996, deve-se à ausência de lei complementar federal. 5.
Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a
Constituição autoriza: o desmembramento de parte de Município e
sua conseqüente adição a outro. A não edição da lei complementar
dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da
ordem constitucional. 6. A integração da gleba objeto da lei
importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista
pelo direito positivo. 7. O estado de exceção é uma zona de
indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção
que se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar
à exceção --- apenas desse modo ela se constitui como regra,
mantendo-se em relação com a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal
Federal incumbe decidir regulando também essas situações de
exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica
27
DISTRITO FEDERAL
PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL

a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção.


9. Cumpre verificar o que menos compromete a força normativa
futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente
conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o reconhecimento do
desmembramento de gleba de um Município e sua integração a
outro, a fim de que se afaste a agressão à federação. 10. O princípio
da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do
Município. 11. Princípio da continuidade do Estado. 12.
Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI n.
725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de
dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida no § 4º
do artigo 18 da Constituição do Brasil, considere, reconhecendo-a,
a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães.
Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia
de sua nulidade 13. Ação direta julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de
24 meses, da Lei n. 6.066, de 14 de agosto de 1.997, do Estado do
Pará. (grifou-se)
Em síntese, também sob essa perspectiva - força normativa de uma
situação fática consolidada, respeito à segurança jurídica, preservação do equilíbrio
federativo, reconhecimento da extensão do federalismo fiscal e proteção da situação
financeira de um ente federado subnacional - mostra-se de todo necessário o acolhimento da
pretensão deduzida na presente causa, com o reconhecimento de que os valores de imposto
de renda sob controvérsia pertencem ao Distrito Federal.

3.5 - A necessidade de modulação temporal de eventual decisão de improcedência dos


pedidos: respeito à segurança jurídica, à boa-fé e à proteção da confiança

As razões invocadas na presente peça processual se mostram mais do que


suficientes para demonstrar a consistência da pretensão deduzida nesta demanda, com o
consequente reconhecimento de que os valores de imposto de renda objeto de controvérsia
efetivamente pertencem ao Distrito Federal.

28
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Sem embargo, caso essa Suprema Corte desacolha a pretensão em causa,


o que se admite em observância ao postulado processual da eventualidade, torna-se
necessário exercer um juízo de modulação temporal no ato decisório proferido na causa, para
que a entrega dos valores de imposto de renda em questão à União Federal somente se torne
necessária a partir da decisão definitiva que será proferida no processo.

Com efeito, tal como enfatizado na presente peça processual, a sistemática


de entrega dos montantes de imposto de renda ao Distrito Federal existe desde a instituição
do FCDF, em 2003, e não se tem notícia de que tenha ocorrido de formas diversa
anteriormente.

Trata-se, portanto, de uma realidade fática absolutamente consolidada,


cuja reversão traria graves prejuízos.

A outorga de eficácia retroativa ao novo entendimento a respeito da


matéria importaria, na realidade, em um prejuízo que supera a casa dos R$ 10 bilhões. Seria
um débito simplesmente impagável para um ente federado pequeno, cujo orçamento situa-
se na faixa dos R$ 40 bilhões.

Nesse contexto, imputar-se ao Distrito Federal o ressarcimento dos valores


passados simplesmente ignorará a realidade fático-normativa que emerge deste processo.

Cuidar-se-á, de outro lado, de uma providência que se mostrará


completamente alheia ao estado anímico que motivou as autoridades competentes quando se
valeram dos valores de imposta de renda. Não se pode e não se deve, em conclusão, ignorar
a boa-fé dos servidores responsáveis, a circunstância de que não houve desvios indevidos e
a própria celeuma normativa que gira em torno dessa matéria.

Entendimento contrário, além de desprestigiar a boa-fé das autoridades


competentes e a legitimidade de sua conduta, trará sérias repercussões financeiras
relativamente à prestação de relevantes serviços públicos no âmbito do Distrito Federal.

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DISTRITO FEDERAL
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Trata-se do ressarcimento de elevados valores. Não se cuida, portanto, de uma quantia


insignificante.

Cabe relembrar que a modificação de entendimento a respeito de


determinada intepretação jurídica (ou mesmo a eventual definição de temática que ainda se
mostrava juridicamente incerta), como qualquer ato emanado dos poderes estatais, demanda
a necessária observância ao princípio constitucional da segurança jurídica (CF, art. 5º, VI).

Nesse sentido, a proteção à confiança emerge como um elemento essencial


que deve balizar a interpretação da decisão proferida por essa Corte de Contas, orientando o
intérprete a respeito do exato alcance do ato decisório em questão.

Cumpre enfatizar, nesse ponto, que o postulado da proteção à confiança,


que extrai significado dos princípios constitucionais da segurança jurídica (CF, art. 37,
XXXVI) e da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), encontra ampla aplicação na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que tem enfatizado a necessidade de tutelarem-
se as justas expectativas depositadas pelos integrantes das relações jurídicas, notadamente
quando o poder público estiver envolvido. Confira-se a ementa:

Mandado de Segurança. 2. Acórdão da 2ª Câmara do Tribunal de


Contas da União (TCU). Competência do Supremo Tribunal
Federal. 3. Controle externo de legalidade dos atos concessivos de
aposentadorias, reformas e pensões. Inaplicabilidade ao caso da
decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. 4. Negativa de
registro de aposentadoria julgada ilegal pelo TCU. Decisão
proferida após mais de 5 (cinco) anos da chegada do processo
administrativo ao TCU e após mais de 10 (dez) anos da concessão
da aposentadoria pelo órgão de origem. Princípio da segurança
jurídica (confiança legítima). Garantias constitucionais do
contraditório e da ampla defesa. Exigência. 5. Concessão parcial da
segurança. I – Nos termos dos precedentes firmados pelo Plenário
desta Corte, não se opera a decadência prevista no art. 54 da Lei
30
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9.784/99 no período compreendido entre o ato administrativo


concessivo de aposentadoria ou pensão e o posterior julgamento de
sua legalidade e registro pelo Tribunal de Contas da União – que
consubstancia o exercício da competência constitucional de
controle externo (art. 71, III, CF). II – A recente jurisprudência
consolidada do STF passou a se manifestar no sentido de exigir
que o TCU assegure a ampla defesa e o contraditório nos casos em
que o controle externo de legalidade exercido pela Corte de Contas,
para registro de aposentadorias e pensões, ultrapassar o prazo de
cinco anos, sob pena de ofensa ao princípio da confiança – face
subjetiva do princípio da segurança jurídica. Precedentes. III –
Nesses casos, conforme o entendimento fixado no presente julgado,
o prazo de 5 (cinco) anos deve ser contado a partir da data de
chegada ao TCU do processo administrativo de aposentadoria ou
pensão encaminhado pelo órgão de origem para julgamento da
legalidade do ato concessivo de aposentadoria ou pensão e
posterior registro pela Corte de Contas. IV – Concessão parcial da
segurança para anular o acórdão impugnado e determinar ao TCU
que assegure ao impetrante o direito ao contraditório e à ampla
defesa no processo administrativo de julgamento da legalidade e
registro de sua aposentadoria, assim como para determinar a não
devolução das quantias já recebidas. V – Vencidas (i) a tese que
concedia integralmente a segurança (por reconhecer a decadência)
e (ii) a tese que concedia parcialmente a segurança apenas para
dispensar a devolução das importâncias pretéritas recebidas, na
forma do que dispõe a Súmula 106 do TCU. (MS 24.871-MC, Rel.
p. o acórdão Min. Gilmar Mendes, grifou-se)

E M E N T A: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA


DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO –
INAPLICABILIDADE, AO CASO, DA DOUTRINA DA
MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DO SUPREMO
31
DISTRITO FEDERAL
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TRIBUNAL FEDERAL – PRETENSÃO QUE, EXAMINADA NOS


“LEADING CASES” (RE 377.457/PR E RE 381.964/MG), NÃO
FOI ACOLHIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL – RESSALVA DA POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR
DESTA CAUSA, QUE ENTENDE CABÍVEL, TENDO EM VISTA AS
PECULIARIDADES DO CASO, A OUTORGA DE EFICÁCIA
PROSPECTIVA – CONSIDERAÇÕES DO RELATOR (MIN.
CELSO DE MELLO) SOBRE OS POSTULADOS DA
SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
DOS CIDADÃOS EM SUAS RELAÇÕES COM O PODER
PÚBLICO E, AINDA, SOBRE O SIGNIFICADO E AS FUNÇÕES
INERENTES À SÚMULA DOS TRIBUNAIS – OBSERVÂNCIA,
CONTUDO, NO CASO, DO POSTULADO DA COLEGIALIDADE
– EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. (AI 633.563
AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, grifou-se)

Registre-se, por fim, que a previsão do ingresso das indigitadas receitas


nos cofres distritais já se acha incorporada ao orçamento anual do DF, razão pela qual
inúmeros projetos de governo seriam inexoravelmente atingidos pelo corte dos valores.

Assim, tendo presentes as razões acima, associadas ao entendimento


jurisprudencial firmado por esse Excelso Pretório, é imperioso reconhecer que a outorga de
eficácia retroativa à intepretação adotada pela Suprema Corte na espécie constituirá violação
aos princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança, além de indevido
cerceamento do direito do ente distrital à previsibilidade das decisões judiciais e
administrativas.

Em última análise, haverá indevido apenamento do ente federativo que


agiu de boa-fé.

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Daí a razão pela qual não se mostra legítima a determinação de


recomposição dos valores retroativas de imposto de renda objeto de controvérsia, tornando-
se altamente recomendável que a decisão proferida nesta demanda se revista de eficácia
prospectiva, na forma como previsto no § 3º do art. 927 do Código de Processo Civil de
2015, já que presentes os requisitos autorizadores de tal medida.

IV - A NECESSIDADE DE CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA

As razões acima expostas tornam absolutamente consistente a pretensão


deduzida nesta causa.

Existem relevantes razões jurídicas para se reconhecer que o imposto de


renda incidente sobre a remuneração dos Agentes das Forças de Segurança do Distrito
Federal pertencem ao ora requerente, nos termos do art. 157, inciso I, da Constituição
Federal. Há, de fato, efetiva plausibilidade nas teses invocadas pelo ente distrital.

Quanto ao perigo na demora, segundo pressuposto processual associado à


outorga da tutela de urgência, tal requisito mostra-se integralmente atendido na espécie.

Os valores de imposto de renda objeto da controvérsia representam,


segundo os cálculos da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, aproximadamente R$ 700
milhões anuais. Os montantes passados superam a cifra de R$ 10 bilhões.

Cuida-se, pois, de valores astronômicos na perspectiva de um ente


federado pequeno, com orçamento de cerca de R$ 40 bilhões anuais e que passa, como se
sabe, por uma delicada situação fiscal.

A necessidade de imediata reparação dos valores passados ou mesmo a


perda dos recursos atuais representarão um gravíssimo problema para o Distrito Federal, que
poderia inviabilizar a prestação de serviços públicos, a realização de investimentos e mesmo
o pagamento de servidores públicos e fornecedores.
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Essa grave situação revela-se particularmente reforçada pela


existência de recente decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União
reconhecendo que os valores de imposto de renda em causa pertencem à União Federal.
Tal ato decisório determinou a imediata reversão, para aquele ente federado, dos
montantes atuais e, inclusive, reconheceu a necessidade de recomposição retroativa.

Mas não é tudo. Nesse dia 29 de abril de 2019, o Distrito Federal já


restou notificado pelo Ministério da Fazenda da decisão interna no sentido do bloqueio
dos valores discutidos na presente demanda

Mostra-se indiscutível, em tal contexto, a absoluta necessidade de


concessão de tutela de urgência, determinando-se que, até o final da presente demanda, o
imposto de renda discutido nesta causa permaneça sob a titularidade do Distrito Federal e
impedindo-se a cobrança de valores passados.

V - DOS PEDIDOS

Diante de tudo quanto exposto, requer o Distrito Federal:

a) o deferimento do pedido de tutela de urgência, determinando-se que, até o final


julgamento da presente demanda, o imposto de renda incidente sobre a remuneração,
pensões e proventos de aposentadoria relativamente aos Policiais Militares,
Bombeiros Militares e Policiais Civis do Distrito Federal, custeados com recursos do
FCDF, permaneça sob a titularidade do Distrito Federal, nos termos do art. 157, I,
da Constituição da República;

b) a citação da União Federal para que, querendo, apresente a sua contestação à


presente ação, nos termos do art. 247, § 1º, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal e do art. 335 e seguintes do Código de Processo Civil;

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c) ao final da demanda, seja julgada procedente a presente ação, declarando-se que


de forma definitiva que a receita do imposto sobre a renda de qualquer natureza
incidente sobre a remuneração, pensões e proventos de aposentadoria relativamente
aos Policiais Militares, Bombeiros Militares e Policiais Civis do DF, custeados com
recursos do FCDF, pertence ao Distrito Federal, nos termos do art. 157, I, da
Constituição da República, razão pela qual deve a ré eximir-se de proceder a qualquer
tipo de bloqueio ou retenção dos referidos valores; e

d) quando menos, caso seja desacolhido o pedido deduzido no item “c” acima,
postula-se, então, a outorga de eficácia prospectiva ao ato decisório proferido por
essa Suprema Corte, nos molde do § 3º do art. 927 do Código de Processo Civil de
2015, de modo que o imposto de renda incidente sobre a remuneração, pensões e
proventos de aposentadoria relativamente aos Policiais Militares, Bombeiros
Militares e Policiais Civis do Distrito Federal, custeados com recursos do FCDF,
passe a pertencer à União Federal após o trânsito em julgado da decisão de mérito
proferida nesta causa.

Protesta pela produção das provas em direito admitidas.


Dá à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Termos em que
Espera deferimento.

Brasília, 30 de abril de 2019.

Ludmila Lavocat Galvão Vieira de Carvalho


Procuradora-Geral do Distrito Federal

Marcelo Cama Proença Fernandes


Procurador do Distrito Federal

Marcelo Lavocat Galvão


Procurador do Distrito Federal
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Documentos Anexos

1 - Acórdão 684/2019 do TCU no processo n. 011.359/2006-1


2 - Despacho do Secretário de Recursos da Secretaria de Recursos do TCU no processo n.
011.359/2006-1
3 – Parecer do Ministério Público do Tribunal de Contas da União no processo n.
011.359/2006-1
4 - Parecer do Dr. Hamilton Dias de Souza
5 - Informações da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal

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