N
este texto, propomos esboçar a formação de um
campo de estudos discursivos de viés feminista dentro
da Linguística Aplicada. Trata-se de uma profusão de
trabalhos com foco na temática de gênero e sexualidade que
assumem uma perspectiva feminista declarada e que reivin-
dicam a inclusão do termo “Feminista” a produções acadêmi-
cas de Análise de Discurso. Iniciamos essa retomada a partir
da própria formação do campo de estudos discursivos, dos
quais se originaram algumas vertentes canônicas de Análise
de Discurso, para esboçarmos, em seguida, as vertentes femi-
nistas pioneiras nesse âmbito e as obras introdutórias que as
divulgaram inicialmente.
Pragmática Feminista
A Pragmática Feminista segue o padrão interdisciplinar
da Pragmática canônica, mas enquadra suas bases analíticas
sob uma perspectiva feminista. A primeira pesquisadora que
produziu um estudo sistematizado sobre esta corrente foi a
feminista Christine Christie na obra Gender and Language:
Towards a Feminist Pragmatics publicada no ano 2000. No
livro, Christie (2000) retoma uma gama de teorias pragmáti-
cas, como a teoria dos atos de fala, os princípios colaborativos
da conversação, a teoria das máscaras e polidez, pressuposição,
implicatura, coerência textual, etc., e demonstra de que forma
cada uma delas pode beneficiar a investigação feminista.
Para a Pragmática Feminista os elementos dessas teorias,
como, por exemplo, uma única estratégia de polidez, pode ser
entendida diferentemente, dependendo do gênero dos interlo-
cutores, que inclusive define essas próprias estratégias, a
maneira como são selecionadas e seus impactos no funciona-
mento de seu uso. Por outro lado, enfatiza-se também que os
estudos pragmáticos feministas devem ser capazes de abordar
os recentes desenvolvimentos dentro dos feminismos que leva-
ram a uma mudança de conceptualização do gênero como
categoria social ou cultural, a uma conceptualização do gênero
como uma manifestação verbal.
424 Pesquisas em Educação e Linguagem
Estilística Feminista
A Estilística Feminista tem suas raízes nas teorias e práti-
cas da Crítica Feminista que se originou nos Estados Unidos e
na França e que tem entre seus expoentes os nomes de Virginia
Woolf, Helena Cixous, Luce Irigaray, entre outras. Tradicional-
mente a Estilística é considerada o estudo linguístico dos vários
componentes do estilo literário (ou não-literário) de escritoras
ou escritores. A vertente feminista, sucessora da Estilística
Crítica, muda o foco de uma análise rigorosa do texto em si
para uma análise dos fatores que determinam o significado do
texto em seu contexto social que atinge questões de gênero.
Essa abordagem conta com o pioneirismo de Sara Mills, na
obra introdutória, Feminist Stylistics, publicada em Londres, em
1995. A autora (MILLS, 1995) descreve essa abordagem como
uma forma de estilística politicamente motivada cujo objetivo é
desenvolver uma consciência da maneira como o gênero é
tratado nos textos. O objetivo geral é desmascarar ideologias
patriarcais e desnaturalizá-las, por meio de um minucioso
exame linguístico e da explicação da teoria linguística para
expor a lógica da análise textual feminista. É uma abordagem
que se estende sobre uma ampla gama de categorias de análise
textual como o ethos feminista e sua ideologia subjacente.
Ela acrescenta que a estilística feminista vai além da mera
descrição da discriminação sexual em obras literárias, mas se
Abordagens feministas de análise de discurso 425
Considerações Finais
Nosso principal objetivo neste texto, ao retomarmos sucin-
tamente o percurso entre a formação do campo de estudos
discursivos até a proliferação de abordagens feministas de
Análise de Discurso, foi apenas esboçar essa trajetória de forma
panorâmica. Na realidade, todas as correntes feministas aqui
citadas estão em pleno desenvolvimento de suas bases teórico-
metodológicas. De modo geral, essas abordagens são herdeiras
dos estudos que vinham se desenvolvendo no âmbito da Linguís-
tica Aplicada sob o rótulo genérico de estudos de gênero e sexua-
lidade. Não obstante, apesar de serem trabalhos voltados para os
aspectos de linguagem em relação a essas duas categorias, nem
todos estavam baseados em noções feministas propriamente.
Abordagens feministas buscam a problematização de um
modelo científico patriarcal que orienta as pesquisas acadêmi-
cas. Os feminismos tratam a produção de conhecimento,
alinhado à produção de poder e desafiam a objetividade cientí-
fica, demonstrando como ela mascara essas relações, especial-
mente quanto às assimetrias entre os gêneros. Tal objetividade
está ligada diretamente a construções sociais hegemônicas.
430 Pesquisas em Educação e Linguagem
Referências
ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de estado. Lisboa:
Presença, 1971.
Abordagens feministas de análise de discurso 431