RESUMO: Acompanhando o giro linguístico nas ABSTRACT: Alongside the linguistic turn in social RAFAELLA MEDEIROS
Ciências Sociais, cresce o interesse na função sciences, there is an increase on the interest in DE MATTOS BRITO
das narrativas e de outras práticas discursivas the role of narratives and other discursive practi- Mestranda em psicologia na
nos processos de produção de sentido. No cam- ces in the processes of meaning making. Within Universidade Federal do Ceará
po psicoterápico, tal interesse está no surgimen- the psychotherapeutic field, such interest can be
to das chamadas “Terapias Pós-modernas”, noticed in the emergence of the so-called “post-
IDILVA MARIA PIRES
cuja fundamentação epistemológica leva a re- -modern therapies” whose epistemological foun-
pensar a teoria e a prática clínicas. No guarda- dation leads us to rethink clinical theory and prac-
GERMANO
-chuva paradigmático dessas terapias, destaca- tice. Under the paradigm of these therapies, we Professora associada da
-se a influência do construcionismo social como can highlight the influence of social constructio- Universidade Federal do Ceará
metateoria em duas abordagens: terapia narrati- nism as a metatheory in two approaches: narrati-
va (White & Epston) e terapia colaborativa (An- ve therapy (White & Epston) and collaborative
derson & Goolishian). Este trabalho aponta as approach (Anderson & Goolishian). This paper
aproximações e diferenças entre as duas abor- presents the similarities and differences between
dagens, discutindo a influência sócio-constru- the two approaches, discussing the socio-cons-
cionista como base epistemológica destas práti- tructionist influence as an epistemological foun-
cas e explorando as transformações da dation of those practices and exploring the trans-
psicoterapia no cenário atual. formations of psychotherapy in the current
scenario.
PALAVRAS-CHAVE: terapia narrativa, aborda-
gem colaborativa, construcionismo social KEYWORDS: narrative therapy, collaborative ap-
proach, social constructionism
mente que outros pela “capacida- sivas que operam como formas
de retórica e de negociação” de de opressão e sofrimento.
seus defensores, e pela utilidade A perspectiva construcionista no
social que têm em determinado âmbito da clínica psicológica questio-
contexto (Gergen, 2009); na também muitos pressupostos es-
• A vida social está permeada de sencialistas, a-históricos e universalis-
“formas de compreensão negocia- tas de tradições humanísticas de
das”. As explicações sobre o mun- psicoterapia. É particularmente colo-
do e as normas implícitas de cada cada sob suspeita a noção do “eu inte-
cultura servem para sustentar e riorizado e auto-contido” que se con-
legitimar certos padrões e valores. solidou na história da psicologia. O eu,
Existem padrões de comporta- na concepção socioconstrucionista, é
mento socialmente mais aceitos e visto sob o ângulo de um artefato si-
formas de agir mais apropriadas tuado sociohistoricamente. Como
para cada situação, que diferem afirmam Gergen e Gergen (2010), as
em cada cultura (Gergen, 2009); convenções sociais estabelecidas para
• Dessa forma, o construcionismo a construção de uma história (incluin-
social nos convida a pensar e a do a “minha história”) podem ser legi-
desnaturalizar certas verdades timadas, porém não há nenhuma con-
socialmente partilhadas em nos- venção definitiva ou mais verdadeira
sa cultura. Esse olhar traz impor- que outras. A dominância de algumas
tantes implicações para se pensar convenções se dá por processos de ne-
a psicoterapia, que pode ser vista gociação e relações de poder. Segundo
como um espaço de questiona- o autor, muitas abordagens psicoterá-
mento de “verdades” rígidas que picas modernas defendem uma con-
causam sofrimento ao indivíduo. venção narrativa específica, implícita
De fato, o princípio de que as em cada teoria psicológica, que impli-
pessoas constroem significado ca certa inflexibilidade. Muitas abor-
sobre o mundo nas relações so- dagens psicológicas costumam trazer
ciais é amplamente aceito em di- em seus pressupostos os objetivos e
versas abordagens pós-moder- resultados esperados, silenciosamente
nas. Através da conversação com guiando os clientes por um caminho
o terapeuta, espera-se que o predeterminado, como a “individua-
cliente revise os significados que ção” da proposta de Jung ou a “atuali-
construiu sobre o mundo e sobre zação” de Rogers. Esta é uma das
si mesmo, podendo (des)cons- maiores críticas de Gergen às aborda-
truir narrativas em coautoria gens humanistas.
com o terapeuta e reorientar suas Segundo Rasera e Japur (2004), as
ações. A psicoterapia é concebida terapias baseadas nos pressupostos do
então como um conjunto de rela- construcionismo social apresentam al-
ções sociais que permitem a pro- gumas semelhanças. Entre os elemen-
dução compartilhada de sentidos tos comuns às terapias influenciadas
mediante a construção (e des- pelo construcionismo estão: o “foco
construção) de narrativas. A no significado” que as pessoas cons-
perspectiva construcionista trou- troem sobre sua vida; o entendimento
nem explícitas. Esta posição nos con- organizem em uma narrativa alter-
vida a uma crítica generalizada do que nativa (tradução nossa) (p. 33).
se faz em terapia na atualidade e enfa-
tiza um olhar crítico e reflexivo sobre a Um evento extraordinário pode ser
prática terapêutica (Wallis, Burns, & compreendido como um aconteci-
Capdevila, 2011). mento que foge do padrão das narrati-
Uma das práticas mais utilizadas é a vas dominantes, pondo em xeque suas
externalização do problema, que con- “verdades” e possibilitando a constru-
siste em ajudar o cliente a ver-se como ção de narrativas alternativas. Para for-
separado do seu problema. Distinguir mar uma narrativa alternativa a partir
o “problema” como algo que não é par- desses eventos, White faz perguntas
te inerente da pessoa permite ao clien- que convidam a pessoa a refletir sobre
te enfrentá-lo com mais eficiência: as novas possibilidades abertas por
acontecimentos extraordinários. Para
A prática das conversações externali- este fim, Michael White propõe dife-
zadoras é compreendida, dentro des- rentes conversações como diretrizes
se contexto ideológico, como uma do processo terapêutico. As conversa-
forma de ajudar as pessoas a identi- ções externalizadoras, explicitadas aci-
ficarem os conhecimentos unitários e ma, são um exemplo. White e Epston
os discursos de ‘verdade’ a que se sub- (1993) as apresentam como um meio
meteram ao construir estreitas visões para abrir o diálogo à possibilidade de
de suas identidades e ralas histórias ressignificação. São diretrizes que de-
da experiência vivida. Em relação às vem ser modificadas de acordo com o
práticas culturais que objetivam as processo de cada cliente (Grandesso,
identidades das pessoas, as conversa- 2008; Payne, 2006).
ções externalizadoras podem ser Outra prática narrativa bastante
consideradas uma contra-prática: utilizada é o uso de testemunhas exter-
em vez de objetivarem as pessoas nas. O terapeuta convida alguém para
definindo-as e classificando-as como ouvir o relato do cliente e partilhar o
problemáticas, objetivam os proble- que mais lhe chamou a atenção, que
mas (White, 2007). metáforas e imagens vieram à sua ca-
Os problemas são os problemas, não beça ao ouvir a história da pessoa em
as pessoas. (Grandesso, 2008, p. 6 e 7) questão: