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A Megera Domada1

Os comentaristas eruditos de Shakespeare estabelecem a cronologia de sua obra com base em


indicações sobre estréias, mas, em muitos casos, numa análise estrutural, reveladora da maturidade ou do
grau ainda acanhado dos recursos dramáticos. Os que julgam uma cena indigna de gênio do autor de
Macbeth ainda costumam atribuí-la à mão de um colaborador menos dotado, como se de Shakespeare só
pudessem nascer obras-primas. Esquecem-se esses cultores apaixonados e cegos de que o bardo de
Stratford-upon-Avon foi, antes de tudo, homem de palco, incumbido muitas vezes de preencher às pressas
um cartaz. A ele caberia o título, além de maior autor, maior adaptador da história do teatro, dando às
tramas, aos esboços e às sugestões dos outros a total eficácia em cena.
As peças do início de carreira agrupam-se na primeira metade da última década do século 16, onde
geralmente se coloca A Megera Domada. A Megera Domada, cuja história aproveitou entrechos
anteriores, é a comédia de maior efeito entre as do primeiro período. Espantam nela o acúmulo de
elementos, a superposição de episódios, o excesso de personagens com papéis semelhantes.
O prólogo tem a função de inserir a história da “megera domada” num contexto de “teatro dentro
do teatro”. Encontrando Sly, que dorme bêbado, à porta de uma cervejaria, um nobre quer fazer com ele
uma experiência: providenciaria para que acordasse em leito luxuoso e com banquete, e seus criados o
tratariam como se finalmente tivesse recuperado o juízo. Esqueceria o mendigo a sua condição? –
pergunta o nobre. E, no clima de fantasia destinado a propiciar-lhe nova individualidade, representam
com bons atores a peça da megera domada. Discute-se porque, sendo o tema central da peça um
espetáculo encenado para Sly, não se retorna à realidade antes de baixar o pano. Chegou-se a mencionar a
perda de um epílogo, no qual o bêbado seria devolvido à sarjeta, com a informação de que fora vítima de
embuste. Não se sente falta desse desfecho, já que o enquadramento inicial sugere que o nobre e seus
criados pregam uma peça em Sly. Seria necessário mostrar que, finda a ilusão, cabe-lhe apenas a volta à
miséria?
O caso propriamente dito da “megera domada” tem início com a decisão de Batista, rico gentil-
homem de Pádua, a respeito de suas filhas Catarina e Bianca. Catarina, a megera, afugenta os homens,
enquanto Bianca recebe todas as atenções. Aos pretendentes, Batista afirma: “Cavalheiros, não me
aborreçam mais, pois sabem como é firme o meu propósito, isto é, não ceder minha filha mais jovem
enquanto a mais velha não tiver marido. Se um dos dois gosta de Catarina, porque eu os conheço e os
estimo, concedo a permissão de cortejá-la”. Para Lucêncio e Hortêncio, empenhados na corte a Bianca, o
jeito é arranjar alguém que se disponha a querer Catarina. E, por sua vez, precisam também inventar um
subterfúgio, a fim de usufruir a intimidade da jovem. Esses dois propósitos marcam as peripécias do
texto, que irá desenvolvê-las com engenho e comicidade.
Petrúquio, gentil-homem de Verona, aceita tentar a sorte com a megera. Ele chegou a Pádua para
procurar uma esposa e rever os amigos, especialmente Hortênsio, quando recebe deste o conselho para
aproximar-se de Catarina, “grosseira e detestável”, mas muito rica. Petrúquio não se ilude com ideais
românticos e exprime sem reservas o que o seduz:

Entre amigos, signior Hortênsio, não se fala muito. Se conheces alguém bastante rica para que
esposa de Petrucchio seja - pois o ouro tilintar na dança deve do casamento dele - embora
seja tão feia como a amada de Florêncio, velha como a Sibila, tão maligna e impertinente
como a própria esposa de Sócrates, Xantipa, ou mesmo pior: não poderá deixar-me
transformado nem embotar de meu afeto o gume, embora seja como o mar Adriático, quando se
altera. Vim para casar-me, para uma noiva rica achar em Pádua; sendo rica, feliz serei em
Pádua. (Ato 1, Cena 2)

O problema de Petrúquio é menos de amor que orgulho, de desejo de responder virilmente ao


desafio. Em nenhum momento falha a sua lógica inflexível, o empenho de cumprir à risca o plano de
assalto que formulou. Aos contempladores pode parecer também loucura ou requintado sadismo o
comportamento de Petrúquio. A cada provocação de Catarina ele apresenta maldade ainda maior,

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Adaptação do texto A Megera Domada, de Sábato Magaldi, in MAGALDI, Sábato. O Texto no Teatro. São Paulo: Perspectiva,
1999, p. 105-9.
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anulando-a sob o efetivo império da força. Se ela voltar a esbofeteá-lo, ele a estraçalhará. Sua persuasão
não se vale de meias palavras:

Consentiu vosso pai no casamento; combinamos o dote. E agora, ainda que não queirais, tereis de
desposar-me. Podeis crer-me, Cata: eu sou o marido que vos convém. Por esta luz o juro, que me
permite ver tua beleza - essa beleza que de ti me deixa de tal modo rendido – outro marido que não
seja eu, não poderás ter nunca, pois eu nasci para domar-te, para transformar a Gata selvagem
numa Gata mansa, e tão amável como as Catarinas donas de seus lares. Teu pai vem vindo, agora
não te insurjas, pois quero Catarina para esposa. (Ato 2, Cena 1)

Daí por diante, todos os diálogos do casal visam a solidificar o domínio de Petrúquio. Ele
comparece à cerimônia matrimonial com atraso e roupas velhas e exóticas. Em casa, bate num criado,
atira pratos ao chão, mostra-lhe comidas saborosas e retira-as da mesa antes que ela tenha tempo de
provar. Afugenta um alfaiate, embora, fora das vistas de Catarina, pague os seus serviços. Obriga-a a
nova caminhada para visitar o pai, sabendo que nem haverá possibilidade de alcançar a ceia. Como num
romance minucioso, Shakespeare esmera-se em comprovar para o público as várias faces da conquista.
Diante de antagonista mais poderoso, só caberia à megera fugir ou render-se.
Ciente de que uma ação tão linear precisaria colorir-se, no palco, por meio de outros recheios
dramáticos, Shakespeare aplica-se em intricar a trama com os costumeiros lances da comédia tradicional.
Sendo Bianca inacessível a uma corte direta, seus pretendentes não vacilam em procurar seu convívio,
servindo-se de disfarces. Trânio recomenda a Lucêncio travestir-se de professor para cuidar da educação
da jovem. Hortênsio pede, depois, a Petrúquio para apresentá-lo “vestido em roupas bem solenes ao velho
Batista, como sendo um competente professor de música para instruir Bianca: dessa maneira eu tenho pelo
menos vagar e liberdade de namorá-la sem que alguém suspeite”. Mas Hortêncio, contemplando o idílio
de Lucêncio com Bianca, renuncia a ela, com as seguintes palavras:

Casar-me-ei nos próximos três dias com uma viúva, que me ama tanto quanto amei essa mulher
ruim e presunçosa. Adeus, Signior Lucêncio. À bondade das mulheres, e não à bela aparência,
entregarei agora o meu amor. (Ato 4, Cena 2)

Nos estilo da Comédia Nova grega e de seus adaptadores latinos, A Megera Domada não poderia
terminar sem que às trocas de identidade sucedesse o “reconhecimento”. Vincêncio, velho gentil-homem
de Pisa, vai a Pádua visitar o filho Lucêncio. Um professor já havia tomado o seu nome para facilitar a
Lucêncio o ajuste matrimonial com Bianca. A primeira impressão do pai legítimo é de que o filho e o
criado esbanjam tudo na universidade, enquanto ele em casa leva uma vida de economia. Vincêncio,
vendo o criado com as vestes do amo, suspeita até um assassínio. Mas Lucêncio ajoelha-se diante do pai,
querendo o seu perdão. No fim, caem as máscaras e ninguém ficará descontente, porque o casamento de
Bianca e Lucêncio convém a todos.
A Megera Domada permitiria, além desse jogo levando a três matrimônios, algumas sondagens de
outra natureza. Seria lícito examinar a relação familiar que tornou Catarina e Bianca personalidades tão
contrastantes. Provavelmente Batista, que tem nítida preferência pela caçula, estimula o ciúme da megera,
que externa a sua agressividade através de tantos vexames. Ela trata a irmã como escrava, humilhando-a.
Depois bate nela. Intervindo o pai, Catarina observa:

Está claro; percebo que não me suporta. Agora sei: ela é o seu tesouro e deve ter logo um marido.
No dia em que ela se casar devo dançar descalça e, porque o senhor a idolatra tanto, eu ficarei para
esposa do demônio. Não me fale mais. Vou me fechar, chorando, até chegar a hora da vingança.
(Ato 2, Cena 1)

Felizmente, Petrúquio subverte a situação, domando a megera. Sua certeza de dominar Catarina é
tão grande que propõe uma aposta: aquele cuja esposa for mais obediente, vindo ao ser chamada, receberá
um prêmio. As mulheres de Lucêncio e Hortêncio negam-se a aparecer, enquanto Catarina não se faz de

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rogada. O milagre, para Petrúquio, “anuncia a paz, o amor, a vida calma, respeito a quem se deve, justa
supremacia. Para ser breve, tudo o que traz prazer, felicidade”.
Exprimirá Shakespeare, aí, sua filosofia matrimonial? A domação trai, com efeito, temperamento
algo misógino. A longa fala de Catarina se encerra com estas observações sobre a condição feminina:

Vejo agora, porém, que nossas lanças são de palha. Nossa força, fraqueza, nossa fraqueza, sem
remédio... E quanto mais queremos ser, menos nós somos. Assim, compreendido o inútil desse
orgulho, devemos colocar as mãos, humildemente, sob os pés do senhor. Para esse dever, quando
meu esposo quiser, minha mão está pronta. (Ato 5, Cena 2)

Há verdade nas palavras de Catarina ou apenas dissimulação muito bem pensada? Talvez esta
seja a maior interrogação deixada pelo texto, algo que o leitor deve decidir por si mesmo. No entanto,
deixando de lado a racionalização dos assuntos suscitados pelo texto, teatro dentro do teatro, a peça incita
ao prazer lúdico. E que bom divertimento!

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