Resumo
Este trabalho procura trazer para o debate a necessidade de se repensar a estrutura geral
da escola tradicional em consonância com duas tendências de pesquisas em educação
matemática: a educação matemática crítica e a modelagem matemática. Para isso,
apresentamos alguns dos princípios pedagógicos, metodológicos e epistemológicos que
fundamentam essas tendências e os colocamos em dialética com os princípios que
pautam a estrutura da escola tradicional, mostrando que existem sérias contradições
entre eles. Tais contradições fazem com que as teorizações não se insiram nas práticas
escolares, ou então se desviem de seus princípios germinais para se adaptar à realidade.
Para contrapor essa organização escolar tradicional, apresentamos algumas experiências
escolares, denominadas escolas democráticas, que resistem às forças que empurram as
escolas para o modelo tradicional, procurando pensar de forma democrática seus
espaços, seus tempos, suas práticas e refletindo constantemente sobre quais são suas
relações com o conhecimento e com a sociedade. Concluímos que essas experiências
apresentam boas aproximações com as tendências das pesquisas em educação
matemática citadas e que, portanto, merecem a atenção dos pesquisadores e educadores
que desejam realmente transformar a sociedade.
Palavras-chave: Escolas Democráticas; Educação Matemática Crítica; Modelagem
Matemática; Práticas Transformadoras.
1. Introdução
matemático dinamarquês, hoje residente no Brasil, Ole Skovsmose. Ele cria esse termo
para apresentar uma necessária visão sociopolítica da educação matemática, aliando
estudos e ideias provenientes desde a teoria crítica, da escola de Frankfurt, até a
pedagogia crítica brasileira de Paulo Freire, utilizando uma série de teorizações
sociológicas para compreender como a matemática está inserida no mundo moderno e
como transformá-lo.
mesmo tempo em que alguns são beneficiados pelo contato com formas de pensamento
e métodos de ação pautados na matemática, têm também seus pensamentos e
criatividade limitados a uma cartilha metodológica, transformado suas ações em algo
mecânico e programável, onde qualquer desvio é encarado como um erro de
metodologia. A aprendizagem dos métodos traz aos indivíduos que os dominam boas
perspectivas de emprego, com altos salários, potencializando-os. Porém, a rigidez da
forma como os métodos são apresentados, enfatizando questões mecânicas e de
aplicação de fórmulas, bem como seu caráter fragmentado e normatizador, desvinculado
de outras questões sociais, despotencializa não só os estudantes, mas toda a sociedade.
Uma vez adquirida a fé na matemática e uma certa proficiência reprodutiva, os
indivíduos passam a seguir uma obediência cega aos métodos, ficando limitados no
processo criativo de desenvolvimento de novas ideias e confinados a processos
burocráticos que pouco ou nada contribuem para uma transformação da sociedade.
É evidente que todas essas questões tem relação com as formas como a
matemática é compreendida no mundo e, neste caso, como ela está inserida nas escolas.
Por conta de toda a estrutura escolar, com seus currículos rígidos e compulsórios, com
suas formas imperativas de enunciar (Calcule! Resolva! Demonstre!), com sua obsessão
pelos métodos avaliativos (ou seriam punitivos?) que mais servem para manter um
controle dominador, marcando profundamente a alma de professores e estudantes, o
ensino de matemática, na maior parte das vezes, se presta prioritariamente para reforçar
um filtro social. Citando uma frase célebre de Ubiratan D’Ambrósio, dizemos que “o
ensino de matemática nas escolas DÓI”, pois é “Desinteressante, Obsoleto e Inútil”!
Portanto, se desejamos uma educação matemática crítica, é inevitável pensarmos em
uma educação crítica. E se entendemos a escola pública como um espaço fundamental
para um desenvolvimento social e como um direito à todo cidadão, é preciso
urgentemente repensar suas estruturas.
currículo como um elemento de poder. Além disso, apesar dos trabalhos tratarem sobre
a formação crítica dos alunos, eles não expõem claramente essa relação entre a
criticidade e as atividades de modelagem.
Desta forma, uma de nossas hipóteses, ainda que não seja a raiz dos problemas,
é de que as práticas de modelagem sofrem tais desvios, ou não conseguem se inserir
com uma perspectiva sócio-crítica, por conta da naturalização de uma pedagogia
vertical e neocolonialista, de uma escola rígida, que se fecha em suas paredes, que não
dialoga com a sociedade e seus problemas concretos, e que não promove tempos e
espaços de estudo, pesquisa, reflexão e ação transformadora. As pesquisas da área
tampouco tem dado conta de mudar a realidade pois, em certa medida, também se
fecham para uma realidade ampla e acabam se alienando em um fluxo produtivista e
reprodutivista, como apontou Miguel (2016). Assim, mesmo tendo origens em uma
educação crítica, independente e voltada para tratar de problemas reais, tanto as
pesquisas quanto às práticas de modelagem na escola acabam sendo adaptadas para se
enquadrar na estrutura tradicional, orientando-se pelo currículo consolidado e por todas
as suas estruturas de controle.
das práticas escolares tradicionais, não sendo, portanto, suficientes para promover a
desejada inclusão.
3. Escolas Democráticas
O termo Escola Democrática foi inicialmente utilizado por Yaacov Hecht, que
fundou em 1987 a Escola Democrática de Hadera, em Israel. Contudo, os princípios que
norteiam esta prática pedagógica já haviam aparecido anteriormente em outros espaços
escolares, como a escola fundada por Liev Tolstói no século XIX, Summerhill, fundada
em 1921 na Inglaterra, a Sudbury Valley School, fundada no Estados Unidos em 1968,
e a Escola da Ponte, fundada na década de 1970 em Portugal. No Brasil estas iniciativas
são bem mais recentes, sendo muito conhecidas a EMEF Desembargador Amorim
Lima, a EMEF Presidente Campos Salles e o CIEJA Campo Limpo (todas da rede
pública do município de São Paulo).
Estes espaços escolares defendem ainda que o cidadão crítico e ativo na sociedade
democrática só é formado com a criança e o jovem vivenciando a democracia em seu
cotidiano.
Entretanto, apesar de seguirem uma mesma premissa, estas escolas não são todas
iguais. Cada uma desenvolveu diferentes dispositivos democráticos. Por exemplo, com
relação às definições de regras é muito comum a existência de assembleias. Porém, há
escolas nas quais estes encontros são periódicos e obrigatórios, em outras, periódicos e
não obrigatórios, ou ainda apenas por demanda (não periódicos). Em algumas escolas as
assembleias são para todos ao mesmo tempo, em outras elas ocorrem por segmento. Da
mesma forma, a liberdade de escolha na grade curricular pode ocorrer pela inexistência
de aulas. Nessas escolas os estudantes desenvolvem projetos individuais e coletivos de
seus interesses, quase sempre transdisciplinares. Em outras há uma mescla de momentos
com aulas disciplinares e outro com desenvolvimento de projetos. Os estudantes são
(em alguns momentos ou em na totalidade deles) reunidos de acordo com seus
interesses em grupos multisseriados, promovendo uma integração entre estudantes de
diferentes idades e entre professores especialistas em áreas distintas.
uma vez que os interesses dos estudantes passam a ser critérios definidores e norteiam
em muitos momentos as escolhas dos conteúdos curriculares que serão abordados. Desta
forma, o sequenciamento de conteúdos é muitas vezes alterado, tornando-se mais
orgânico. Do mesmo jeito, o currículo torna-se mais sistêmico, pois as fronteiras
disciplinares são quebradas.
Por outro lado, estas práticas geram o desafio do equilíbrio entre os interesses
que os estudantes trazem e a ampliação de repertório, pois não é possível querer se
aprofundar sobre aquilo que nem sabemos que existe ou que sofrem forte influência de
uma indústria cultural. Este cuidado é essencial para não gerar projetos exclusivistas,
nos quais os indivíduos e o grupo veem apenas a próprios, esquecendo da sociedade que
o rodeia. Nas palavras de Michael Apple e James Beane (1997)
3. Conclusões
Referências
APPLE, M.; BEANE, J. Escolas Democráticas. São Paulo: Editora Cortez, 1997.
MIGUEL, A.. Entre Jogos de Luzes e de Sombras: uma agenda contemporânea para a
educação matemática brasileira. Perspectivas da Educação Matemática, v. 9, n. 20, p.
323-365, 2016.
SILVA, K. C. B.. Educação inclusiva: para todos ou para cada um? Alguns paradoxos
(in)convenientes. Pro-Posições, v. 21, n. 1, p. 163-178, 2010.