ECLESIOLOGIA EM BONHOEFFER
Uma analise reflexiva, histórica e teológica sobre as perspectivas
eclesiológicas de Dietrich Bonhoeffer em Sanctorum Communio e no
Discipulado
SERRA
2018
JORGE MAURICIO DE SOUZA ROCHA
ECLESIOLOGIA EM BONHOEFFER
Uma analise reflexiva, histórica e teológica sobre as perspectivas
eclesiológicas de Dietrich Bonhoeffer em Sanctorum Communio e no
Discipulado
SERRA
2018
ECLESIOLOGIA EM BONHOEFFER
Uma analise reflexiva, histórica e teológica sobre as perspectivas
eclesiológicas de Dietrich Bonhoeffer em Sactorium Commnunio e no
Discipulado
.
RESUMO
ABSTRACT
.
INTRODUÇÃO
Poucos pensadores produziram teologia com tão ampla interação entre a vida
prática e a reflexão como Dietrich Bonhoeffer, teólogo alemão, pastor luterano que
foi executado pelo regime Nazista no fim da 2ª guerra mundial. Suas reflexões sobre
a Igreja de Cristo ocuparam de forma intensa e fascinante, a maior parte de sua
produção teológica. Nesse artigo discorreremos sobre a Eclesiologia (subdivisão da
teologia sistemática, que trata da natureza, função e missão da igreja), e sobre as
reflexões eclesiológicas de Bonhoeffer, que seja por seu engajamento pessoal, ou
por sua brilhante capacidade acadêmica, tem muito a dizer a Igreja contemporânea,
que vem enfrentando o desgaste de um tempo onde imperam o relativismo, o
pragmatismo, e a crise dos absolutos oriundos de uma sociedade pós-moderna, e a
forma como ela se apresenta em nossa realidade e cultura.
1 O QUE É ECLESIOLOGIA?
Inicialmente, é importante mencionar que a Igreja Cristã contemporânea,
assim como em outros períodos de transição na história, vem enfrentando grandes
desafios enquanto um organismo vivo e institucional. Portadora de uma mensagem
atemporal, edificada sobre uma afirmação tão solida, que foi capaz de atravessar os
séculos, proferida pelo apostolo Pedro, “Simão Pedro respondeu: "O Senhor é o
Cristo, o Filho do Deus vivo!”“.(Mt 16:16) e sobretudo, nas palavras do próprio Cristo,
“e sobre esta pedra, edificarei minha igreja” (Mt 16.18), mas que traz consigo um
peso cultural e filosófico de uma instituição que sobrevive a quase 2000 anos de
história, atravessando os períodos mais diversos e conturbados da humanidade,
transformando e sendo transformada, adquirindo características peculiares quer seja
assimilando e absorvendo, ou influenciando e direcionando a cultura ao seu redor.
A expressão Igreja vem da palavra grega “ekklēsia” que por vezes tem sido
traduzido como aqueles que foram “chamados para fora” como indica R.C.Sproul;
Mas esse processo pelo qual Cristo edifica a igreja é apenas uma
continuação do modelo estabelecido por Deus no Antigo Testamento, por
meio do qual ele chamou a povo para si mesmo para ser uma assembleia
em adoração diante dele. Quando Moisés diz ao povo que o Senhor havia-
lhe dito: “Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que
aprenda a temer-me todos os dias que na terra viver...” (Dt 4.10), a
septuaginta traduz a palavra “reúne” (heb. qãhal) pelo termo grego
ekklêsiazõ, “convocar uma assembléia”, verbo cognato do substantivo do
Novo Testamento ekklêsia, “igreja”. Portanto, não é surpreendente que os
autores do Novo Testamento possam falar do povo de Israel do Antigo
Testamento como uma “igreja” (ekklêsia) no deserto” (At 7.38 - tradução do
autor) (GRUDEM, 2012, p.715).
303-305 d.C. e que mais tarde foram perdoados e readmitidos na Igreja) eram
ilegítimos.
Agostinho não foi totalmente coerente em sua concepção da igreja. Foi sua
luta com os donatistas que o compeliu a refletir mais profundamente sobre a
natureza da igreja. De um lado, ele se mostra o predestinacionista que
concebe a igreja como a companhia dos eleitos, a communio sanctorum,
que têm o Espírito de Deus, e, portanto, são caracterizados pelo amor
verdadeiro. O importante é ser membro vivo da igreja assim concebida, e
não apenas pertencer a ela num sentido meramente externo. Mas de outro
lado, ele é o homem de igreja, que adere à idéia da igreja defendida por
Cipriano, ao menos em seus aspectos gerais. A igreja verdadeira é a igreja
católica, na qual a autoridade apostólica tem continuidade mediante a
sucessão episcopal. É depositária da graça divina, que ela distribui por meio
dos sacramentos. Esta igreja é, de fato, um corpo misto, no qual têm lugar
membros bons e maus. Em seu debate com os donatistas, porém,
Agostinho admitia que aqueles e estes não estavam na igreja no mesmo
sentido. Ele preparou também o caminho para a identificação católica
romana da igreja com o reino de Deus. (BERKHOF, 2001, p.553)
Contudo, parece que o “cisma” da Igreja, que Santo Agostinho tanto temeu e
combateu, com sua eclesiologia da Igreja como um corpo misto, o “communio
sanctorum” indivisível, veio a se configurar, de forma inevitável, séculos depois
através da Reforma Protestante.
Sobre a Eclesiologia Católica Romana, vale ressaltar que essa visão mais
ecumênica da Igreja, fica registrada como uma tentativa de reaproximação dos
protestantes, no documento “CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM
SOBRE A IGREJA”, disponível no site do Vaticano, como pode observar no trecho a
seguir:
A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os baptizados que têm o
nome de cristãos, embora não professem integralmente a fé ou não
guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro (28). Muitos há,
com efeito, que têm e prezam a Sagrada Escritura como norma de fé e de
vida, manifestam sincero zelo religioso, crêem de coração em Deus Pai
13
Pensar na Igreja que não esteja limitada a uma nação ou raça, ao contrario do
que sempre orientou, de certa forma a educação religiosa que recebeu, fez com que
sua mente e visão se alongassem acerca da questão: Afinal de contas, o que é a
Igreja? Nesse proposito, ao retornar a Alemanha, Bonhoeffer deu continuidade aos
seus estudos na Faculdade de Teologia da Universidade de Berlim. Dentre os
professores que mais o influenciaram estava; Adolf von Harnack, Karl Holl, Reinhold
Seeberg e Adolf Deissman, todos participantes da teologia liberal. Mas, o teólogo
que Bonhoeffer mais reverenciou e admirou, foi seu mentor e amigo; Karl Barth,
responsável pela oposição à teologia liberal e pelo surgimento da neo-ortodoxia.
Barth era suíço de nascimento e foi talvez o mais importante teólogo do século XX;
para muitos, o maior dos últimos quinhentos anos, como ressalta Metaxas;
Seu tratado inovador de 1922, A epístola aos Romanos, caiu como uma
bomba inteligente na torre de marfim de estudiosos como Adolf von
Harnack, que se apoiavam severamente na fortaleza expugnável do método
histórico-crítico e que se escandalizaram com a abordagem bíblica de Barth,
denominada neo-ortodoxia, que afirmava a ideia, particularmente
controversa nos círculos teológicos alemães, da real existência de Deus, e
que toda teologia e estudo bíblico devem ser sustentados por esse
pressuposto básico. Barth foi a principal figura a desafiar e anular a
influência da abordagem histórico-crítica alemã difundida na Universidade
de Berlim por Schleiermacher — e promovida pela atual eminência parda,
Harnack. Barth ressaltou a transcendência de Deus, descrevendo-o como
“totalmente outro” e, portanto, desconhecido por completo pelo homem,
exceto por meio da revelação. (2011 p.72)
Dietrich tomou sua decisão: escreveria, afinal, sua tese de doutorado aos 21
anos de idade, sob a orientação de Seeberg, mas optara por um tema dogmático. O
tema, aliás, seria fruto daquele quebra-cabeça intrigante iniciado em Roma, ou seja,
O que é a igreja? Intitulou o texto de Sanctorum Communio: Uma investigação
Dogmática dentro da Sociologia da Igreja. Bonhoeffer definiria a igreja não como
uma entidade histórica ou uma instituição, mas “Cristo existindo como comunidade
eclesial”. Um debute deslumbrante. (2011, p.76), sua tese obteve a avaliação
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summa cum laude (com máximo louvor) reconhecimento por obter a máxima
qualificação possível em uma titulação universitária, e o próprio Karl Barth a celebrou
com um “milagre teológico”.
Como ainda não tinha idade para ser ordenado, ele aceitou ser pastor
assistente em uma comunidade em Barcelona, Espanha coincidindo com a época da
“grande depressão” ele pode experimentar atender uma comunidade em extrema
pobreza e necessidade. Em um célebre sermão, ele lembrou ao seu povo que “Deus
caminha entre nós em forma humana, falando a nós naqueles que cruzam nosso
caminho, sejam eles estranhos, mendigos, doentes, ou mesmo naqueles mais perto
de nós em nosso dia a dia, tornando-se a ordem de Cristo em nossa fé nele”. (2011,
p.96)
nação especifica e não para todas as nações, na verdade esse “Paragrafo Ariano”
foi usado como uma estratégia para afastar os judeus das Igrejas alemães;
Na manhã daquele dia, entre cinco e seis horas, os prisioneiros, entre eles o
almirante Canaris, general Oster, general Thomas e Reichgeritsrat Sack,
foram retirados das celas, e os veredictos da corte marcial foram lidos. Pela
porta semiaberta, numa das cabanas, avistei o pastor Bonhoeffer, antes de
tirar o uniforme da prisão, ajoelhado no chão, orando fervorosamente a seu
Deus. Fiquei deveras comovido pelo modo com que esse amável homem
orava, tão devoto e tão confiante de que Deus ouvia sua oração. No local da
execução, ele realizou outra oração curta e depois subiu os degraus até a
forca, com coragem e compostura. A morte dele foi verificada após poucos
segundos. Nos quase cinquenta anos que trabalhei como médico,
raramente vi um homem morrer tão inteiramente submisso à vontade de
Deus. (METAXAS, 2011, p.572)
existindo em comunidade”, e como estaria Cristo dividido(1Co 1.13)? Como bem nos
deixa claro em sua obra;
3.2 Discipulado
A partir da primavera de 1935, Bonhoeffer é enviado como regente do
Seminário de Pregação de Finkenwalde. Ali, pode desenvolver seu conceito de
Igreja, não apenas de forma teórica, como já havia feito na fase mais acadêmica de
sua vida, mas, sobretudo na pratica, visto que a esse tempo, já havia se envolvido
na luta contra o Nacional socialismo. O resultado desse período foi uma de suas
obras mais populares e emblemáticas, o livro Nachfolge, (traduzido no Brasil como
Discipulado). A principio o Discipulado surge como um curso ministrado em 1936 na
universidade de Berlim (ultimo antes de ter sua licença de professor caçada), e
posteriormente publicado em 1937.
pode ser realizado na “Vida em Comunhão” Isso quer dizer que a Igreja,
fundamenta-se na fé e na obediência a Jesus, pois, somente a fé e a obediência
possibilitam o seguimento.
O batismo não é oferta do ser humano, mas oferta de Jesus Cristo. Ele se
fundamenta totalmente na vontade de Jesus Cristo conforme expressa em
seu chamado. Batismo quer dizer ser batizado; é ter de sofrer o chamado de
Cristo. No batismo, o ser humano torna-se propriedade de Cristo. [...]
Daquele momento em diante, passa a pertencer a Cristo. É arrancado do
poder do mundo e torna-se propriedade de Cristo. O batismo, portanto,
significa rompimento. Cristo intervém no domínio de Satanás, põe a mão
sobre os seus e cria sua Igreja. Passado e presente são separados. As
coisas antigas passaram, e tudo se tornou novo (BONHOEFFER, 2016, p.
184,185).
Essa Igreja que vive a vida de Cristo em todo o tempo, é enviada de volta ao
mundo, testemunhando a todo instante, a Igreja de Jesus é “confessante”, sendo
assim, Bonhoeffer compreende em sua teologia, que toda a vida da Igreja acontece
no lugar que ela deve estar, no caso, o discípulo é participante do corpo de Cristo, e
deve sê-lo em qualquer lugar onde se faz presente, resgatando e restaurando a
cultura vigente, as interações, toda forma de pensar e agir de volta aos originais
propósitos do Criador. Contudo Bonhoeffer também entende a necessidade de um
lugar físico, um lugar para a prática e a organização do culto, onde a palavra e os
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das graciosas bênçãos de Deus a sua Igreja, e para ele, essa verdade é tão
profunda que chega ao ponto de dizer que “o Cristo proclamado na boca do irmão, é
mais forte e evidente do que o Cristo guardado em nossos corações”, e por isso a
comunhão é tão necessária, e uma das principais características de sua eclesiologia;
[...] porque somos feitos à imagem de Cristo, iguais a Cristo devemos ser.
Porque já carregamos a imagem de Cristo, só Cristo pode ser o modelo que
temos de seguir. Porque ele mesmo vive sua verdadeira vida em nós,
podemos “andar assim como ele andou” (1Jo 2.6), fazer como ele fez (Jo
13.15), amar como ele amou (Ef 5.2; Jo 13.34; 15.12), perdoar como ele
perdoou (Cl 3.13), ter “o mesmo sentimento que houve também em Jesus
Cristo” (Fp 2.5), imitar os exemplos que ele nos deixou, dar a vida pelos
irmãos como ele deu a vida por nós (1Jo 3.16). (2016, p.254).
Para Bonhoeffer, só podemos ser como Cristo, porque Cristo foi como nós,
porque fomos conformados à sua imagem. Agora que nos tornamos imagem de
Cristo, podemos viver de acordo com seu exemplo;
“E, por causa disso, sofro e estou preso como um criminoso. Mas a palavra
de Deus não está presa. Portanto, estou disposto a suportar qualquer coisa
se isso trouxer salvação e glória eterna em Cristo Jesus para os que foram
escolhidos. Esta é uma afirmação digna de confiança: "Se morrermos com
ele, também com ele viveremos. Se perseverarmos, com ele reinaremos. Se
o negarmos, ele nos negará. Se formos infiéis, Ele permanecerá fiel, pois
não pode negar a si mesmo" (2 Tm2.9-13).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Que o legado teológico que Dietrich Bonhoeffer nos deixou, sua eclesiologia
que de forma resumida foi apresentada nesse artigo, sobretudo, sua postura integra
ao longo de toda a sua vida e, principalmente, diante da morte, possa nos ser tão útil
para o estudo acadêmico quanto para a práxis da Igreja Brasileira, que as
convicções que alicerçaram a vida de Bonhoeffer venham contribuir para a unidade
da Igreja, e na forma como os verdadeiros discípulos de Cristo, interagem com a
sociedade contemporânea. Pois sem tais pressupostos, a Igreja corre sempre o risco
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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2017.
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1997.
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ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html
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