depressão
Crises podem
acelerar
envelhecimento
partenogênese
Fêmeas de lagartos
se reproduzem
sem machos
Entrevista
Eduardo Moacyr
Krieger
Os
executivos
do conhecimento
Grandes universidades criam novos mecanismos
para transferir capital científico ao mercado e à sociedade
n.197
fotolab
Nanotecnologia e arte
O que parece o movimento de tiras de tecido
entrelaçadas é na verdade um amontoado de
nanopartículas de óxido de ferro. Trata-se de um
semicondutor do tipo n, utilizado na captação de fótons
(partículas de luz) para transformação em energia
elétrica. A foto da nanopartícula é feita por um
microscópio eletrônico de altíssima resolução e depois
colorida por pesquisadores ou técnicos. “O hábito de
pintar as fotos de formações nanométricas deu origem
à nanoarte, que hoje tem espaço garantido em
exposições de galerias no mundo todo”, diz Elson Longo,
coordenador do Laboratório Interdisciplinar de
Eletroquímica e Cerâmica da Universidade Estadual
Paulista, campus de Araraquara. A foto, batizada de Spirals,
participou de uma exposição em Nova York em 2011.
n. 197
20
20 CAPA
Escritórios de Política científica tecnologia
transferência de e tecnológica
tecnologia de grandes 62 Mineração oceânica
universidades 36 Desenvolvimento Uso de algas calcárias como
ampliam seu papel sustentável adubo em lavouras de cana
e buscam cada vez Conferência Rio+20 pode elevar a produtividade
mais parcerias com produz relatório pouco em até 50%
empresas ambicioso, mas avança em
compromissos voluntários 66 Indústria alimentícia
Ilustração da capa Biofilmes produzidos com
Colagem com imagens
do Google Patents
mandioca, banana e quinoa
crédito Daniel Bueno
protegem e garantem longa
ciÊncia vida a vários alimentos
4 | julho DE 2012
agricultura
biodiversidade
Bioquímica
50
biotecnologia
ciências atmosféricas
diplomacia
40
economia
59 engenharia
evolução
física
genética
geografia
geologia
56
52 história
62 inovação
medicina
música
Neurociência
oceanografia
Psiquiatria
química
72
Conselho Superior
editores especiais Carlos Fioravanti, Marcos Pivetta espiadela mais demorada na revista e Humanos da Organização dos Estados
Editores assistentes Dinorah Ereno, em seguida ela foi emprestada ao meu Americanos (OEA) ocorreu devido ao
Isis Nóbile Diniz (Edição on-line)
filho caçula (engenheiro) para leitura não cumprimento de sentença da Justiça
revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro
e considerações. Sabem o que parece? brasileira, julgada em última instância em
editora de arte Laura Daviña
Aqueles antigos gibis que passavam de 2006, exigindo do Estado a localização
ARTE Ana Paula Campos, Maria Cecilia Felli
mão em mão... Concluo que a ciência é dos corpos desaparecidos e a responsabi-
fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos
uma doença altamente contagiosa, que lização pelos fatos. Tal processo foi pro-
Colaboradores Ana Lima, André Cavalheiro, André
Serradas (Banco de imagens), Claudia Izique, Daniel Bueno,
se adquire para toda a vida. movido por 22 famílias de desaparecidos
Daniel das Neves, Drüm, Eduardo Sancinetti, Evanildo da
Silveira, Gabriel Bitar, Gustavo Fioratti, Igor Zolnerkevic,
Elias Felippe Arbex Netto na guerrilha do Araguaia e teve início
Luana Geiger, Paulo Ravieri Barreto Dourado, Sérgio Kalili,
Victor Gentilli, Yuri Vasconcelos
Piracicaba, SP em 1982. Este fato realça dois aspectos:
É proibida a reprodução total ou parcial
de textos e fotos sem prévia autorização
PESQUISA FAPESP JUNHO DE 2012
PESQUISA FAPESP MAIO DE 2012
Para anunciar (11) 3087-4212 mpiliadis@fapesp.br MAIO DE 2012 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR JUNHO DE 2012 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR
A organização
Um salto no mar
Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Ciência e Tecnologia
Governo do Estado de São Paulo dos macacos-prego
Alpha Crucis, o novo navio oceanográfico
de São Paulo, dá impulso à pesquisa sobre Nova classificação amplia número de espécies de primatas
n.196
n.195
clima, biodiversidade e pré-sal das Américas Central e do Sul, hábeis no uso de ferramentas
8 | julho DE 2012
carta da editora
P
esquisa FAPESP oferece aos leitores nesta a reportagem tem em seu próprio texto, orgânico,
edição um material de inequívoca consis- fluente e vigoroso, uma razão a mais para ser lida.
tência para o debate atualíssimo – e vital Outra reportagem muito diferente atravessou
para o Brasil – a respeito de como se transforma todo o mês de junho como objeto preferencial da
com eficácia conhecimento científico em produ- capa da revista e só perdeu a posição, na última
tos de alto valor agregado e em outros bens so- hora, pela força que a matéria dos escritórios de
cialmente úteis. Em termos estritos, a reportagem transferência de tecnologia revelou. Refiro-me
de capa elaborada por nosso editor de política aqui à reportagem do editor de ciência, Ricardo
científica e tecnológica, Fabrício Marques, trata Zorzetto, sobre uma nova e audaciosa proposi-
a partir da página 20 do papel dos escritórios de ção teórica no campo neurológico/psiquiátri-
transferência de tecnologia de grandes univer- co, elaborada por um pesquisador gaúcho, bem
sidades. Diga-se logo que, neste momento, de plantado sobre o conhecimento desenvolvido
Harvard às universidades estaduais paulistas, nos últimos anos por colegas de outras partes
esse papel vem sendo repensado, reformado e do mundo a respeito da depressão e do trans-
ampliado em função da necessidade de intensi- torno bipolar. A hipótese em questão vê as crises
ficar e tornar mais e mais eficiente a articulação de depressão e de mania típicas dessas doenças
dos centros produtores de conhecimento com como responsáveis, a partir de um determina-
os produtores de bens e serviços. A sociedade do número de ocorrências, por uma ação tóxi-
do conhecimento desdobra-se para encurtar e ca sobre o organismo como um todo, para além
aplainar o caminho entre uns e outros. dos danos já conhecidos que produzem sobre a
Conforme diz Fabrício, depois de relatar dados capacidade de raciocínio, planejamento e apren-
resultantes da reforma recente por que passou o dizagem, e sobre o humor dos que as sofrem. É
Escritório de Desenvolvimento Tecnológico (OTD) uma abordagem cientificamente bem embasada,
de Harvard, o movimento feito por essa universi- que traz, com novas evidências, a psique para o
dade de classe mundial é exemplar do fenômeno corpo, a doença mental para seu substrato bio-
que se esboça em outros escritórios semelhantes lógico e para seus efeitos sobre o corpo inteiro,
mundo afora. Reproduzo suas palavras: “Além das devolvendo unidade e organicidade ao que tão
tarefas rotineiras, que consistem em identificar des- longamente o conhecimento tentou separar. Vale
cobertas com potencial econômico e protegê-las a pena conferir a partir da página 40.
por meio de patentes, esses escritórios abraçam Por fim, destaco nesta edição a entrevista do
várias outras atividades, como fomentar colabo- professor Eduardo Moacyr Krieger (página 28)
rações de pesquisa de longo prazo entre empresas sobre sua trajetória e seus trabalhos científicos
e laboratórios, auxiliar na criação de empresas seminais no campo da hipertensão, seu papel na
baseadas em tecnologias nascentes, arregimentar organização de um dos grupos de pesquisa mais
investidores privados para financiá-las, oferecer importantes nesta área e sua incansável militância
a consultoria de pesquisadores para a indústria em instituições de cientistas como a Academia
e estimular o empreendedorismo já entre os es- Brasileira de Ciências, destinada a dar relevância
tudantes de graduação”. São vários os escritórios à comunidade científica brasileira nos foros inter-
cujas práticas nesse sentido estão esmiuçadas na nacionais. Acrescente-se que o professor Krieger,
reportagem. E, para além da relevância do tema 84 anos, é dono de uma conversa extraordina-
que ela traz e das reflexões que seja capaz de susci- riamente estimulante para quem gosta de ouvir
tar quanto à necessidade de se multiplicar no país sobre caminhadas singulares pela construção do
experiências parecidas com as desses escritórios, conhecimento e pela vida. Boa leitura a todos!
Estimativas de visibilidade
Impacto relativo dos trabalhos produzidos por pesquisadores de alguns países em áreas do conhecimento selecionadas
Fonte: Dados do Thomson Reuters National Science Indicators (NSI, v. 2010) referentes a 2006-2010.
Observação: As cifras mostram o impacto dos trabalhos na área = número de vezes em que os trabalhos da área foram citados/número de trabalhos na área;
o impacto dos trabalhos dos países na mesma área.
10 | julho DE 2012
Boas práticas
Primeiro-ministro romeno
acusado de plágio
A Romênia vive uma sucessão de “As evidências de plágio são
episódios de má conduta científica avassaladoras”, disse à revista
que já atinge o coração do governo. Marius Andruh, químico
De acordo com a revista Nature, da Universidade de Bucareste
que investigou os casos, uma e presidente do conselho
explicação para a atual situação romeno para reconhecimento
é o fato de que membros da elite de diplomas universitários.
romena pós-comunista, incluindo No dia 21 de junho, a Nature
políticos, têm buscado credenciais publicou uma carta da assessoria
acadêmicas avidamente e de imprensa do governo romeno
muitas universidades se tornaram negando as acusações de plágio.
uma “fábrica de doutores”, Nele, Victor Ponta se oferece
menosprezando a qualidade para submeter seu trabalho
e a ética da produção acadêmica. a “qualquer tipo de teste”.
daniel bueno
O Conselho de Ética de Pesquisa Segundo o diário britânico
romeno julga, no momento, The Guardian (19 de junho),
o caso de Ioan Mang, ex-ministro o primeiro-ministro acusou
da Ciência e Educação. No mês o presidente romeno, Traian do governo do primeiro-ministro
passado, Mang, especialista em Basescu, um rival político, Adrian Nastase, que foi também
computação, renunciou ao cargo de orquestrar o ataque a ele. seu orientador. Ele se tornou
após denúncia de plágio em pelo Ponta fez seu doutorado o primeiro-ministro em maio
menos oito artigos. O evento na Universidade de Bucareste deste ano depois de seu antecessor,
mais ruidoso até agora envolve o enquanto era secretário de Estado Emil Boc, ter renunciado.
primeiro-ministro Victor Ponta,
julgado sob a acusação de ter
copiado grandes trechos de outros
trabalhos acadêmicos, sem citar as Intimados, cientistas entregam e-mails à BP
fontes, em sua tese de doutorado,
defendida em 2003 na área O processo pelo qual os cientistas e mensagens dos pesquisadores
de direito. Se confirmadas, chegam a suas conclusões, detalhando como fizeram
as acusações podem aumentar testam e refinam seus métodos a estimativa do vazamento. A
a pressão para sua renúncia. de trabalho em busca da maior empresa alega que os documentos
A Nature publicou uma precisão possível pode também são necessários para se defender
reportagem sobre esse episódio se voltar contra eles – sob judicialmente. Os pesquisadores
em 18 de junho, após ter tido acesso acusação de má conduta – quando dizem que essa decisão pode
a documentos indicando que mais usados em batalhas jurídicas. prejudicar futuras deliberações
da metade da tese de Ponta, Christopher Reddy e Richard científicas (The Chronicle of
de 432 páginas, consistia de textos Camilli, do Instituto Oceanográfico Higher Education, 5 de junho).
acadêmicos já publicados, mas não Woods Hole (EUA), que Ao jornal The Boston Globe,
identificados. A tese foi republicada ajudaram a estimar a dimensão eles afirmaram que a empresa
como livro em 2004 e usada como do derramamento de petróleo encontraria mensagens em que
base para outro livro, de 2010, sobre no golfo do México em 2010, eles próprios questionavam seus
leis humanitárias internacionais. foram forçados a entregar mais métodos, chegavam a becos sem
Trechos substanciais das três de 3 mil e-mails pessoais à Justiça. saída ou modificavam suas
publicações parecem ser bastante O governo federal processou perspectivas. Segundo os dois
similares aos de artigos publicados a BP, operadora da plataforma que cientistas, esses movimentos
em romeno pelos especialistas em explodiu, que, para se defender, não deveriam servir para pôr
direito Dumitru Diaconu e Vasile requisitou e recebeu mais de em dúvida suas conclusões, pois
Creţu e em inglês por Ion Diaconu. 50 mil páginas de documentos fazem parte do trabalho científico.
Para ler o código ao lado faça o download do leitor de QR CODE no seu smartphonE
Vídeo do mês
Pontas de flecha e
de lança pré-históricas
podem pertencer Assista ao vídeo:
a cultura diferente
da habitual
tradição Umbu
http://www.youtube.com/user/PesquisaFAPESP
12 | julho DE 2012
WiKi
o que é, o que é?
Norte geográfico e
norte magnético
Por muito tempo se pensou que o norte
geográfico e o norte magnético eram um só.
Em 1831, o explorador inglês James Ross
verificou que não eram iguais ao chegar
ao Ártico e ver que a bússola apontava para
o chão, o norte magnético (as linhas de força
eram verticais e a única posição em que
a agulha aquietava era na vertical).
O norte geográfico resulta do movimento
Pergunte aos pesquisadores de rotação da Terra, enquanto o norte
magnético é o resultado do campo magnético
Como funcionam os hidratantes corporais? gerado pelo movimento do metal fundido
do núcleo externo em torno do núcleo
Jogar água na pele também ajuda a hidratar? metálico sólido da Terra. Os dois nortes,
Claudia Chow [via e-mail] portanto, expressam fenômenos geofísicos
diferentes. Usando esse princípio os chineses
Maria Vitória Lopes Badra Bentley inventaram a bússola e os europeus se
Universidade de São Paulo (USP) lançaram às grandes navegações.
Uma agulha imantada aponta sempre para o
Os hidratantes criam da camada córnea polo norte magnético e, de modo aproximado,
um "filme" sobre a (a mais externa da para o norte geográfico. O ângulo entre o norte
pele evitando a perda epiderme). Com isso, magnético e o geográfico reflete a declinação
de água da epiderme evitam a descamação magnética do lugar e varia geralmente de
(camada externa) e a desidratação. 20 a 30 graus. Como o campo magnético varia
graças aos componentes Outros hidratantes com o tempo, atualmente em São Paulo a
bloqueadores como podem conter diferença entre os dois nortes é de 23 graus.
substâncias gordurosas nanocompostos. Sua Uma confusão frequente é quanto à
ou silicone (oil free). Outra eficácia é maior, pois nomenclatura dos polos. Pela convenção
ação é umidificadora. as substâncias ativas física, o polo magnético norte estaria situado
Substâncias que atraem nanoencapsuladas no sul da Terra e vice-versa. Para evitar
a água como glicerina e ficam mais estáveis, essa confusão, convencionou-se chamar
sorbitol mantêm a pele interagem mais com Mande sua pergunta
de polo norte magnético o polo que está
para o e-mail
hidratada por mais a pele e são liberadas wikirevistapesquisa@fapesp.br, próximo ao polo norte geográfico, o mesmo
tempo. Esse efeito pode gradativamente. pelo facebook ocorrendo com o polo sul.
ou pelo twitter
ser reforçado quando A água na pele @PesquisaFapesp
a fórmula contém hidrata por segundos, Eder Molina, da Universidade de São Paulo (USP)
substâncias do fator de até secar. A exceção
hidratação natural como é a água termal. Esta
a ureia e o lactato de tem maior concentração
amônio, que substituem de minerais (íons como
ou reforçam esses zinco e silicatos) do
componentes em falta. que a água comum.
Já os cremes emolientes, Esses íons participam
Ilustracões daniel bueno
14 | julho DE 2012
Novo conselheiro Fundaj ganha José Reis
O governador Geraldo de São Paulo, que pela A Fundação Joaquim pesquisadores e
Alckmin nomeou legislação participa de Nabuco (Fundaj), de interessados em ciência
Fernando Ferreira Costa, outra representação), Recife, ganhou o Prêmio em geral; o Pesquisa
reitor da Universidade inscreveram 19 José Reis de Divulgação Escolar on-line, criado
Estadual de Campinas candidatos. Costa fez Científica e Tecnológica em 2002, que é uma
fotos 1 eduardo cesar 2 Antoninho Perri – Ascom – Unicamp. 3 universidade de indiana ilustraçãO daniel bueno
(Unicamp), para integrar graduação, mestrado, 2012, concedido pelo atividade de divulgação
o Conselho Superior da doutorado e livre- Conselho Nacional científica e apoia a
FAPESP. O mandato é de -docência na Faculdade de Desenvolvimento formação escolar
seis anos. Ferreira Costa, de Medicina de Ribeirão Científico e Tecnológico realizada pela Biblioteca
2
Erney Plessmann de Preto (USP). Entre 1987 (CNPq). A 32ª edição Central Blanche Knopf
Camargo e Cláudio e 1989 cumpriu estágio do prêmio, o mais da Fundaj; e o Museu do
Shyinti Kiminami foram de pós-doutorado na Fernando importante da Homem do Nordeste,
os nomes indicados por Yale School of Ferreira Costa: divulgação científica do espaço de difusão do
escolhido
uma eleição, realizada Medicine, nos Estados país, contemplou a patrimônio científico
para o
pela internet entre Unidos. Ingressou no Conselho categoria Instituição e e cultural da região.
11 e 15 de junho, Departamento de Superior Veículo de Comunicação. Idealizada pelo
destinada à elaboração Clínica Médica da Entre os serviços de sociólogo Gilberto
da lista tríplice para a FCM-Unicamp em 1990 divulgação científica que Freyre, a Fundaj foi
escolha do conselheiro. e se tornou professor a Fundaj disponibiliza criada em 1949 como
As instituições de ensino titular em hematologia estão a Revista Coletiva Instituto Joaquim
superior e de pesquisa, e hemoterapia em 1996. (www.coletiva.org), Nabuco de Pesquisas
oficiais ou particulares, em Foi coordenador do publicação eletrônica Sociais. A menção
funcionamento no estado Instituto Nacional de dirigida a professores honrosa da 32ª edição
de São Paulo (com Ciência e Tecnologia e estudantes do 2º grau, do prêmio foi concedida
exceção da Universidade do Sangue (2009-2011). universitários, ao Instituto de
Estudos Avançados
da Universidade de
São Paulo (USP),
em São Carlos, no
interior paulista, pelo
Elinor Ostrom projeto Ciência Web,
16 | julho DE 2012
fotos 1 léo Ramos 2 Frédéric Vincent / wikimedia commons 3 eduardo cesar ilustraçãO daniel bueno
Um gene da pluripotência
A introdução de um e está associado à
único gene numa capacidade que essas
linhagem de células células têm de gerar
humanas do endotélio, a vários tipos de tecidos
camada que reveste os e de se autorrenovar.
vasos sanguíneos, ativou De difícil cultivo em
ao menos seis genes de laboratório por
extrema importância sucessivas gerações,
para os processos de as células endoteliais
reprogramação celular. normalmente não usam
Pesquisadores do Centro ou usam muito pouco
de Terapia Celular esses seis genes. Com a
e do Hemocentro da implantação do Nanog
Círculo de Faculdade de Medicina ou de outros genes,
pedras serviu da Universidade de São essa limitação pode vir
As pedras da unificação para unir
os antigos
Paulo (USP) de Ribeirão a ser contornada ou
povos da Preto inseriram o gene minimizada. “Estamos
Depois de 10 anos de Bournemouth – exploraram Grã-Bretanha Nanog nas células tentando entender qual
trabalho, arqueólogos não apenas o conjunto endoteliais e viram que, é o papel específico do
concluíram que de rochas, mas também apenas com essa Nanog e de cada um
Stonehenge foi um o contexto social e alteração, os genes Sox2, desses genes ligados à
monumento construído econômico da época FoxD3, Oct4, Klf4, c-myc pluripotência das CTEs”,
para unificar os povos da de construção do e β-catenin passaram a explica Virgina
Grã-Bretanha, depois de monumento, entre 3.000 ser expressos (ativados) Picanço-Castro, uma
um longo período de e 2.500 antes de Cristo. por esse tipo de tecido das autoras do estudo.
conflitos internos (Science Para os pesquisadores, o (Celullar Reprogramming, O próximo passo é
Daily, 22 de junho). Agora próprio ato de construção junho de 2012). O Nanog introduzir outros
se acredita que do monumento foi em si é um gene muito ativo genes em células do
Stonehenge deve um ato de unificação, nas células-tronco endotélio e observar
simbolizar os ancestrais por exigir o trabalho de embrionárias (CTEs) quais são os resultados.
dos diferentes povos do milhares de pessoas para
reino, alguns vindos da mover e reunir os blocos
Inglaterra, ao sul, e outros de rochas. Eles também 3
Pesquisadores da Universidade Estadual cânica, que coordena as pesquisas de na fabricação dos painéis fotovoltaicos.
de Campinas (Unicamp) conseguiram células solares em parceria com o pro- “O país exporta o silício metalúrgico a
obter células solares com a mesma pure- fessor Francisco das Chagas Marques, do US$ 2 o quilo. Depois de purificado no
za das importadas. “Partimos do silício Instituto de Física. A rota metalúrgica é exterior é transformado em lâminas usa-
metalúrgico fornecido pela empresa Rima, mais simples e sem os problemas de re- das na fabricação de semicondutores ou
de Minas Gerais, com 99% de pureza, e jeitos químicos produzidos pela rota células fotovoltaicas que custam entre
o purificamos através da rota metalúrgi- química utilizada no exterior para pro- US$ 50 e US$ 1.000, dependendo da pu-
ca, utilizando um forno de fusão por feixe duzir silício de alta pureza. Detentor das reza e da cristalinidade”, compara Mei.
de elétrons, atingindo uma pureza de maiores reservas mundiais de quartzo, A empresa Tecnometal, de Campinas, a
99,999%”, diz o professor Paulo Rober- mineral utilizado para fabricação do silí- única fabricante de painéis fotovoltaicos
to Mei, da Faculdade de Engenharia Me- cio, o Brasil importa as lâminas utilizadas no Brasil, também é parceira da pesquisa.
Protótipo
da câmera
que capta
pequenos
Migrações de leveduras
detalhes nas
imagens Uma espécie rara de identificação em locais
levedura pode contribuir tão distantes um do
para o entendimento outro está relacionada
da dispersão mundial à dispersão humana.
de microrganismos Os locais onde foi
por humanos. A encontrada a S. fodiens
1 Saccharomycopsis fodiens podem ser explicados por
foi isolada do néctar de uma hipótese que leva
uma flor visitada por aos antigos polinésios
Sem cheiro de cola besouros da família dos em migrações para o sul,
nitidulídeos presentes em Taiwan, e ao leste,
Uma cola sem cheiro e substância altamente em todos os continentes. para as ilhas do Pacífico
que traz mais eficiência aromática e alergênica. Mas essa levedura e eventualmente para
ao processo de blindagem “Desenvolvemos foi identificada, por a América do Sul,
em automóveis foi tecnologias em escala pesquisadores das levando plantas de
desenvolvida pela nanométrica para universidades Federal batata-doce cujas flores
Adespec, uma pequena adesivos e selantes, uma de Minas Gerais (UFMG), atraem besouros e
empresa paulistana. à base de água e outra Western, do Canadá, abrigam leveduras. O
O novo adesivo que já de poliéteres siloxanos, e Católica do Equador, trabalho foi liderado pelo
está em uso na Truffi produto neutro e apenas em três locais: canadense Marc-André
Blindados, instalada inodoro”, conta a Austrália, Costa Rica Lachance e contou
também em São Paulo, engenheira química e Ilhas Galápagos, com os brasileiros Carlos
utiliza na sua composição Wang Chen que fundou no Equador. Outras Rosa e Larissa Freitas
partículas na escala a empresa em 2001 e espécies de levedura (International Journal
nanométrica e por isso é teve financiamento da são encontradas em of Systematic and
chamado de nanosselante. FAPESP em três projetos besouros no mundo Evolutionary Microbiology,
Essas nanopartículas do Programa de todo. Para eles, a junho 2012).
são responsáveis pela Pesquisa Inovativa em
eliminação do cheiro, Pequenas Empresas
além de contribuir para (Pipe). A novidade foi
melhorar a adesão entre apresentada no Simpósio
o aço da carroceria e a Novos Materiais e
manta de aramida, tecido Nanotecnologia, realizado
de fibras sintéticas que em junho em São Paulo,
resiste ao tiro de uma promovido pela SAE
arma. O nanosselante Brasil, entidade que
entra no lugar de reúne engenheiros das
colas com base indústrias automobilística
em poliuretano, uma e aeronáutica.
18 | julho DE 2012
Buracos negros obesos
Um estudo divulgado em massa de 10 a 35 vezes
junho está fazendo os maior do que o esperado.
astrônomos reverem O halo de matéria escura
o que sabiam sobre a que envolve essas
evolução dos buracos galáxias também é muito
negros, corpos com maior que o normal.
densidade tão elevada Esses dados sugerem que
que nada escapa de sua a evolução dos buracos
atração gravitacional, de massa muito elevada
nem a luz. Imagens feitas está ligada à massa dos 2
e NGC 4291, porém, consumiram o gás que 8 de junho). Carlo uma superfície de rocha
o Chandra detectou poderia ter originado Nas cavernas, Camporeale e Luca plana e a concentração
buracos negros com mais estrelas. estalactites Ridolfi, da Universidade de minerais varia
podem ajudar a
suavemente de cima
contar a história
das chuvas para baixo, diminuindo
à medida que a água
desliza. Segundo eles,
em qualquer ponto sobre
a superfície da rocha
a taxa de deposição
depende principalmente
da concentração local
de solutos. Os vales e as
montanhas apareceram
de acordo com a
variação da taxa de
deposição de minerais.
Os pesquisadores
italianos acreditam
que as equações que
apresentaram, prevendo
a formação das
irregularidades das
estalactites, podem
ajudar a reconstruir
os padrões de chuva de
3 milhares de anos atrás.
Muito além
das patentes
N
Escritórios de transferência de os últimos seis anos, a Universidade
Harvard conseguiu melhorar seus
tecnologia de grandes universidades indicadores relacionados à transfe-
rência de tecnologia, que represen-
ampliam seu papel e estreitam tavam um ponto opaco no desem-
a cooperação com empresas penho da líder de vários rankings internacionais
de instituições de ensino superior. O número de
invention disclosures, documentos com a des-
Fabrício Marques crição de resultados de pesquisas para avaliar a
possibilidade de sua proteção por meio de direi-
tos de propriedade intelectual, aumentou de 180,
no ano de 2006, para 351, em 2011. No mesmo
período, o número de patentes obtidas no escri-
tório de marcas e patentes dos Estados Unidos
(Uspto, na sigla em inglês) subiu de 35 para 60,
enquanto o de tecnologias licenciadas cresceu de
11 para 45. O combustível dessa mudança foi uma
reforma na estrutura e nas práticas do Escritó-
rio de Desenvolvimento Tecnológico (OTD) de
Harvard, voltada para multiplicar a cooperação
entre a universidade e o setor privado. Não por
acaso, subiu de 12 para 75 o número de acordos
entre Harvard e empresas envolvendo a chama-
da pesquisa patrocinada, modalidade em que
companhias financiam o trabalho realizado em
um laboratório da universidade muitas vezes em
troca de privilégio no licenciamento de desco-
bertas resultantes. O montante investido nesses
acordos chegou a US$ 37,2 milhões em 2011, qua-
tro vezes mais do que o total de 2006. Entre as
empresas que celebraram parcerias estratégicas
20 | julho DE 2012
recentes com Harvard destaca-se, por exemplo, a A mudança em Harvard foi liderada por Isaac
Novartis, para desenvolver fármacos a partir de Kohlberg, desde 2005 o chefe do OTD. Depois de
células-tronco junto com Lee Rubin, do Instituto trabalhar na Universidade de Tel-Aviv, em Israel,
de Células-Tronco de Harvard. onde fundou uma empresa com fins lucrativos
O movimento feito por Harvard é exemplar de para comercializar as patentes de pesquisado-
um fenômeno que se esboça nos escritórios de res, Kohlberg ajudou nos anos 1990 a New York
transferência de tecnologia de universidades – University a construir um ativo escritório de li-
e não apenas naquelas de classe mundial. Além cenciamento de patentes. Em Harvard, fundiu
das tarefas rotineiras, que consistem em iden- dois escritórios existentes, ampliou o número de
tificar descobertas com potencial econômico e funcionários de 12 para 35 e renomeou os anti-
protegê-las por meio de patentes, estes escritó- gos agentes de licenciamento de tecnologia co-
ilustrações desenhos técnicos de patentes registradas pelo MIT, Harvard e stanford imagens google patents
inovação
rios abraçam várias outras atividades, como fo- mo “diretores de desenvolvimento de negócios”.
mentar colaborações de pesquisa de longo prazo Um dos destaques de sua gestão foi a criação
entre empresas e laboratórios, auxiliar na cria- do Fundo Acelerador de Desenvolvimento Tec-
ção de empresas baseadas em tecnologias nas- nológico, com recursos de doadores privados,
centes, arregimentar investidores privados para com a vocação de catalisar o desenvolvimento
financiá-las, oferecer a consultoria de pesquisa- de tecnologias ainda em estágio embrionário e
dores para a indústria e estimular o empreen facilitar o caminho para o licenciamento e a co-
dedorismo já entre os estudantes de graduação. mercialização. O fundo fornece aos cientistas de
“A experiência mostra que é possível alcançar Harvard os recursos necessários para conduzir
resultados altamente positivos quando empresas pesquisas naquela fase posterior à descoberta e
e universidades, a despeito de suas diferenças anterior à comercialização, como experimentos
culturais, comprometem-se com parcerias em para gerar provas de conceito, modelos práticos
que ambos os lados saem ganhando”, diz Todd capazes de testar descobertas. “Provas de con-
Sherer, presidente da Associação de Gestores de ceito ampliam bastante a possibilidade de atrair a
Tecnologia das Universidades (AUTM), entida- indústria para o licenciamento de uma tecnologia
de que congrega 3,5 mil profissionais vinculados promissora”, disse Curtis Keith, diretor científico
a 350 universidades, instituições e hospitais de do fundo. Profissionais da indústria participam
pesquisa em vários países e lhes oferece treina- do processo de tomada de decisões do fundo,
mento e apoio sobre mecanismos de transferên- que já investiu US$ 5,2 milhões em 33 projetos.
cia de tecnologia. Doze deles resultaram em colaborações de pes-
quisa com a indústria e licenças de transferên- de Berkeley, que pesquisa tecnologias para au-
cia de tecnologia, que atraíram mais de US$ 10 mentar a qualidade ambiental e a eficiência no
milhões em parcerias para a universidade. Uma uso de energia em construções. Mais de 40 em-
pesquisa do professor de Harvard Tobias Ritter presas de engenharia e arquitetura afiliaram-se
sobre a adição de flúor em medicamentos para ao centro. Com isso, conquistaram o direito de
1 torná-las mais estáveis, potentes e capazes de influenciar a escolha de linhas de pesquisa de
Pesquisa sobre células- penetrar no cérebro foi apoiada parcialmente curto e de longo prazo que sejam de seu interesse,
-tronco da multinacional pelo fundo acelerador. O projeto deu origem a além de ter acesso a dados e pesquisas. Já o cen-
Novartis e o prédio da
uma empresa de Boston, SciFluor Life Sciences. tro de pesquisa Impact, voltado para ciência da
Harvard Medical School:
computação e modelagem, oferece às empresas
A
colaboração em busca
de novos medicamentos Universidade da Califórnia, em Berkeley, associadas o trabalho de recém-formados “com
criou seu Escritório de Licenciamento de formação multidisciplinar e habilidades reque-
Tecnologia em 1990, influenciada pela Lei ridas pela indústria” e prioridades em contratos
Bayh-Dole, de 1980, que assegurou às institui- de licenciamento de propriedade intelectual.
ções de pesquisa norte-americanas o direito de O modelo da Universidade de Oxford, no Reino
patentear descobertas feitas com investimentos Unido, tem duas peculiaridades: criou uma em-
federais em pesquisa e licenciá-las para empresas. presa para tratar do assunto e oferece sua experti-
Nos primeiros tempos, a estrutura do escritório se para universidades e empresas de vários países
separava o trabalho da proteção da propriedade na forma de serviços e aconselhamento. Oxford
intelectual e a missão de busca de parceiros pri- aplicou na empresa, batizada de Isis Innovation,
vados para a pesquisa na instituição. Em 2004 £ 2,5 milhões no ano passado. O retorno desse
foram unificados o escritório de projetos pa- investimento chegou a £ 4 bilhões, na forma de
trocinados e o de licenciamento de tecnologia, royalties e venda de participação em empresas.
dando origem ao Ipira, sigla para Escritório de A empresa de Oxford atua em três frentes. Uma
Propriedade Intelectual e Alianças de Pesquisa delas é a comercialização da propriedade intelec-
US$37,2
com a Indústria. Segundo Michael Cohen, espe- tual gerada pela universidade. Em média, a Isis
cialista em licenciamento e empresas start-ups registra uma patente por semana. Atualmente
milhões
do Ipira, o escritório hoje se preocupa não ape- gerencia cerca de 400 patentes e um portfólio de
nas em dar apoio a pesquisadores, como também 200 licenças de comercialização de tecnologias.
em estabelecer relações de múltiplas faces com “As ideias saem da cabeça dos pesquisadores e a
foram obtidos as empresas no longo prazo. Em 2009, Berkeley transferência de tecnologia não existe sem eles”,
por Harvard firmou 97 acordos de pesquisa patrocinada com diz Tom Hockaday, diretor da Isis Innovation.
o setor privado, 25% mais do que em 2008. O “Nosso papel é ajudá-los e também lembrar a
em projetos Ipira busca aproximar empresas de todo tipo aos universidade dos benefícios que ela pode trazer
13 centros de pesquisa de Berkeley que criaram à sociedade”. Uma segunda frente consiste em
com empresas
programas de interação com o setor privado. Um oferecer consultoria de pesquisadores de Oxford
em 2011 exemplo é o Center for the Built Environment a empresas e órgãos públicos. E a terceira fren-
22 | julho DE 2012
te dedica-se a ajudar instituições de 30 países ateresse, naturalmente, é de mão dupla. Para as
comercializarem suas invenções. Recentemente empresas, as parcerias com as universidades
firmou acordos com instituições de pesquisa da são uma forma de partilhar custos em pesquisa
Rússia e abriu um escritório no parque científicoe desenvolvimento em tempos de crise – o que
de Madri, para ajudar suas empresas a comercia- tem sido uma necessidade principalmente pa-
lizarem tecnologias. ra as indústrias farmacêuticas, carentes de lan-
Um fator extra a impulsionar a transferência çamentos de fármacos inovadores. De acordo
de tecnologia e as parcerias com a indústria é com o estudo da AUTM feito com universidades
a crise de financiamento pela qual passam as afiliadas, a pesquisa patrocinada por empresas
manteve-se estável entre 2009 e
2010, com investimentos na casa
dos US$ 4 bilhões, enquanto os
fundos federais subiram de US$
Crise de financiamento à pesquisa 33 bilhões para US$ 39 bilhões.
No Brasil, a missão de bus-
deu novo impulso à transferência car parcerias estratégicas com
empresas ainda é incipiente. A
de tecnologia nos Estados Unidos Agência de Inovação da Univer-
sidade de São Paulo (USP) só re-
centemente começou a criar ini-
ciativas concretas para desen-
volver colaborações. “Estamos
universidades de pesquisa, que viram diminuir procurando setores da economia carentes de
investimentos de governos e doações de empre- inovação e propondo parcerias orgânicas”, diz
sários desde 2008, ano que marcou o início de um Vanderlei Salvador Bagnato, diretor da agên-
período de retração econômica mundial. “Nossa cia. Em dezembro de 2011, a agência lançou um
preocupação principal em relação à crise econô- programa em conjunto com a Associação Brasi-
mica é seu impacto no financiamento federal à leira das Indústrias Têxteis (Abit) para estimu-
pesquisa”, diz Todd Sherer, da AUTM. “O nível lar colaborações entre pesquisadores da USP e
de investimento federal determina o ritmo das empresas. “Nossa indústria têxtil vem perdendo
invenções nas universidades, hospitais e insti- competitividade”, afirma Bagnato. “A pesquisa da
tuições de pesquisa. Se o número de invenções USP pode ajudar as empresas de várias formas a
cresce, avançam também as patentes, os licencia- enfrentar a concorrência”, afirma. A agência já
mentos, as start-ups e os empregos.” Segundo es- mira outros setores para interagir nos próximos
tudo da AUTM, seus afiliados registraram cifras anos, como o da indústria eletromecânica e de cos-
da ordem de US$ 2,4 bilhões com licenciamento méticos. Segundo Bagnato, uma dificuldade para
de tecnologia no ano fiscal de 2010. O montante as agências de inovação do país consiste em en-
é 3% superior ao de 2009, mas 30% abaixo dos contrar a clientela para suas tecnologias. “Temos
US$ 3,4 bilhões contabilizados em 2008. O in- de ir atrás dos clientes e mostrar como podemos
fotos 1 novartis ag 2 see-ming lee / wikicommons 3 carlos fioravanti
Universidade de Oxford, no
Reino Unido: uma empresa
comercializa a propriedade
intelectual, oferece mão
de obra de consultores e treina
instituições de outros países 3
2
ajudá-los. Somos uma universidade pública que Peixe-robô (acima),
tem entre suas missões transformar o conheci- luvas que podem
substituir mouses e
mento em bem-estar para a sociedade”, afirma. avião que consome
Outra preocupação da agência da USP é azeitar menos combustível
os convênios entre universidades e empresas. (dir.): exemplos de
“Temos pelo menos duas centenas de projetos pesquisas do MIT que
geram novas empresas
desse tipo na universidade e conseguimos avan- e criam novos padrões
çar no combate à burocracia. Por determinação para a indústria
da reitoria, o trâmite de uma parceria, depois que
a empresa demonstra interesse prático em fazer
um convênio com a USP, não pode demorar mais
do que 30 dias”, diz Bagnato.
No caso da Agência de Inovação da Univer-
sidade Estadual Paulista (Unesp), o trabalho de de natureza burocrática”, afirma. Na esperança de
aproximação com empresas tem se baseado em ampliar a interação, a agência da Unesp planeja
rodadas de interações tecnológicas, encontros lançar um cadastro de pesquisadores reconhecidos
entre pesquisadores da instituição e representan- pela agência por sua vocação para celebrar par-
tes de empresas com as quais poderiam colaborar. cerias com indústrias. “Nossa expectativa é que
“Mesmo não suscitando colaborações imediatas, muitos pesquisadores não citados tomem a inicia-
essas rodadas são importantes para mostrar para tiva de se cadastrar”, afirma Vanderlan. Criada em
as empresas como poderíamos ajudá-las e mostrar 2007 e regulamentada em 2009, a Agência Unesp
para os pesquisadores como podem interagir com de Inovação registrou nos últimos dois anos 133
o setor privado”, diz Vanderlan Bolzani, diretora patentes, 53 contratos de inovação com empresas
da agência. Entre as companhias que participaram e 2 licenciamentos de tecnologia, um deles para
dessas rodadas, iniciadas em 2009, destacam-se a uma empresa norte-americana.
Natura, a Whirlpool, a Cristália, a AstraZeneca, a A ideia de associar o trabalho de proteção de
Biolab, a Sabesp e a Sadia. As universidades brasi- propriedade intelectual com a prospecção de par-
leiras têm se notabilizado pela produção científica, cerias com empresas não chega a ser uma novida-
diz Vanderlan, mas ainda persistem dificuldades de no Brasil, observa Roberto de Alencar Lotufo,
em aplicar este conhecimento em projetos de in- diretor da Agência de Inovação Inova Unicamp,
teresse do setor industrial e também em atrair as da Universidade Estadual de Campinas. “A nossa
empresas para investimentos em pesquisa funda- agência foi criada em 2003 já reunindo estas três
mental que possa resultar num desenvolvimento atividades que em muitas universidades aconte-
mais tardio. “Embora a Lei de Inovação tenha cem em órgãos separados”, diz Lotufo, que par-
sido implantada para agilizar as parcerias entre ticipa da Associação de Gestores de Tecnologia
univesidades e empresas, ainda há dificuldades das Universidades (AUTM). A grande diferença
24 | julho DE 2012
constituem atores imprescindíveis do ecossistema
fotos 1 patrick gilooly / mit 2 jason dorfman / csail 3 mit / aurora flight sciences
A
lgumas instituições foram pioneiras na
criação das novas estratégias para transfe-
rência de tecnologia. A Universidade Stan-
ford é uma delas. Incrustada no Vale do Silício,
berço de empresas inovadoras desde a década de
1950, Stanford foi especialmente feliz na criação
do que se convencionou chamar de um “ecossis-
3 tema de inovação”. No ano fiscal que terminou
em agosto de 2011 obteve uma receita de royalties
de US$ 66,8 milhões – 98% desse montante veio
de tecnologias licenciadas há vários anos. As 501
invenções apresentadas ao escritório, 60% em
Em 1970, o programa-piloto ciências físicas e 40% em ciências da vida, resul-
taram em 101 licenciamentos. Ao final de 2011,
de Stanford substituiu advogados Stanford tinha participação em 109 empresas
oriundas de tecnologias criadas na instituição. A
por funcionários encarregados venda da participação em cinco empresas no ano
de comercializar as invenções fiscal rendeu US$ 2,4 milhões. Seu Escritório de
Licenciamento de Tecnologias (OTL) concluiu
1.100 acordos com instituições com e sem fins
lucrativos em 2011. Desses, 120 são contratos de
pesquisa patrocinada por empresas. Um fundo
entre o Brasil e os Estados Unidos, observa Lo- de capital semente do OTL oferece quantias de
tufo, diz respeito à capacidade e experiência em cerca de US$ 25 mil para patrocinar protótipos e
inovação, tanto do meio empresarial como aca- experimentos em tecnologias não licenciadas. Oi-
dêmico. “No Brasil, ainda são poucas as empresas tenta e sete projetos já usaram esse financiamento.
que investem em pesquisa e desenvolvimento. Já Stanford criou em 1970 um escritório de pa-
nos Estados Unidos o foco em inovação das em- tentes que se tornaria referência para as demais
presas é muito maior que aqui e uma boa parce- instituições. Seu criador foi o engenheiro Niels
la da comunidade acadêmica lá está engajada na J. Reimers, contratado em 1968 para ampliar o
405
inovação tecnológica. Isso faz muita diferença”, apoio de empresas e do governo a projetos da
afirma. Entre 1980 e 2005, a Unicamp foi a vice- instituição. Ele constatou que existia interesse
-líder no país em patentes, com 405 depósitos comercial em muitas das invenções apresentadas
no Instituto Nacional de Propriedade Industrial pelos pesquisadores de Stanford. Mas, embora a
depósitos de universidade mantivesse parcerias com empresas
(INPI). Só perdeu para a Petrobras, com 804 de-
patentes foram pósitos. Entre 2000 e 2011, celebrou 53 contra- desde a década de 1950, o retorno obtido por li-
tos de licenciamento de tecnologia, sendo 10 só cenciamento nos 15 anos anteriores era pífio. Ele
obtidos pela foi conhecer os modelos de outras instituições,
no ano passado, tendo gerado R$ 2 milhões em
Unicamp entre royalties desde 2005. Ajudou a fechar mais de 300 como os escritórios das universidades da Cali-
projetos colaborativos com empresas, no total de fórnia e do Massachusetts Institute of Techno-
1980 e 2005. logy (MIT), e observou que não serviam a seus
R$ 65 milhões. Também mantém uma rede de re-
Só a Petrobras lacionamentos, denominada Unicamp Ventures, propósitos: eles abrigavam advogados especial-
composta por empresários, na maioria ex-alunos, mente interessados em proteger as invenções,
superou a patenteando-as, para só depois pensar em levá-
fundadores de mais de 220 empresas com víncu-
marca lo com a universidade. “Esses empreendedores -las para a sociedade. Propôs um programa-pi-
A
2
para cada US$ 2,5 milhões de financiamento da atividade de licenciamento é com as pequenas
pesquisa. Só 32 das 600 tecnologias atualmen- empresas, que não podem se dar ao luxo de gas-
te licenciadas geraram mais de US$ 100 mil em tar muito dinheiro em P&D”, disse Katherine Ku.
royalties. E apenas seis geraram mais de US$ 1 Para outra instituição com grande tradição em
milhão. Para cada caso de sucesso como o Goo- transferência de tecnologia, o MIT, um ponto de
gle (que rendeu a Stanford mais de US$ 300 inflexão remonta ao ano de 1986, quando Lita Nel-
milhões), há um punhado de tecnologias que sen, engenheira química formada na instituição
acabam custando mais do que o investimen- 20 anos antes, assumiu o comando do Escritório
to feito nelas. Um ponto forte de Stanford é a de Licenciamento de Tecnologias (TLO) e mudou
criação de start-ups, empresas desenvolvidas a seus métodos. Antes do TLO, Lita havia atuado em
partir da propriedade intelectual da instituição – empresas de biotecnologia. Sua primeira medida
26 | julho DE 2012
O
modelo do MIT é diferente do de Stanford
e adota a chamada “estratégia de volume”.
Como lida com tecnologias das ciências
físicas, o MIT acredita que é melhor negociar
muitos contratos do que se ater apenas a con-
tratos com as melhores ofertas, a fim de garantir
a transferência para a sociedade. Segundo Lita
Nelsen, a estratégia de volume maximiza tanto
a participação de estudantes e pesquisadores no
processo de transferência tecnológica quanto
a possibilidade de conseguir um home run que
rendeu US$ 3 milhões e 120 divulgações da in-
venção. Em 2010 foram 100 licenciamentos, que
renderam US$ 75 milhões, e 600 divulgações de
invenção por ano. Segundo Lita, o objetivo é fazer
as tecnologias chegarem à sociedade. “Gerar re-
ceita é o resultado disso, não a razão principal”,
sempre repete. Cerca de 300 empresas já foram
3 geradas a partir de tecnologias criadas pelo MIT
desde 1984 – e 80% sobreviveram. Um exemplo
foi excluir os advogados, recente é a 3Gear Systems, que desenvolve apli-
terceirizando seu trabalho. cações para uma luva colorida e um sistema de
Aposta na criação A equipe hoje dispõe de algoritmos que se propõe a substituir o mouse.
34 funcionários, entre os Mais de 700 empresas estão financeiramente
de pequenas quais 10 gerentes e 8 asses- comprometidas com o MIT, seja na participação
empresas é sores de transferência de de consórcios, nos quais as indústrias bancam
tecnologia. Para atuar co- pesquisas sobre um tema específico, ou no cha-
estratégica para mo gerente no TLO é pre- mado investimento de portfólio, em que as finan-
ciso ter formação científi- ciam um conjunto de projetos como parte de um
garantir que ca e experiência de pelo engajamento amplo. Também é comum que em-
menos 10 anos na indús- presas invistam em assuntos que estão longe de
novas tecnologias tria. A brasileira Ana Lo- chegar ao mercado. A companhia Schlumberger,
chegarão pes, 30 anos, que atuou por que oferece tecnologias e serviços em exploração
quatro anos como assesso- de petróleo e gás, patrocinou a pesquisa do robô-
ao mercado ra de transferência de tec- -peixe do MIT, criado para ajudar na inspeção
nologia, sabia que dificil- da exploração submarina. Um modelo conceitual
mente se tornaria gerente, de avião desenvolvido em parceria com a Nasa
a escala seguinte na hie- promete voar com apenas 30% do combustível
rarquia. “Me formei em astronomia e me interes- usado atualmente por um avião de grande porte.
sei por trabalhar com transferência de tecnolo O Laboratório de Mídia do MIT reúne empresas
gia. Mas me faltava a experiência na indústria”, e acadêmicos para a pesquisa interdisciplinar em
diz. Ela deixou o TLO em 2011 para trabalhar na tecnologias de mídia digital – e compartilha os
E-Ink, uma empresa spin-off do MIT, que fabrica resultados com todos os membros associados.
papel digital flexível. Consórcios do MIT já desempenharam papel-
O TLO cuida do relacionamento com a indús- -chave na definição de padrões da indústria, co-
300
tria no que se refere a licenciamentos. Há outras mo os produzidos pelo World Wide Web Con-
estruturas para tratar da cooperação com o setor sortium (W3C), que gerou novos protocolos para
industrial, como o Escritório de Programas Pa- serviços da web, em busca de uma versão mais
trocinados (OSP) e o Programa de Ligação Indus- colaborativa da web. Para Todd Sherer, da AUTM,
empresas trial (ILP). O ecossistema inovador é alimenta- a experiência das universidades de classe mun-
dial pode inspirar mudanças em outros países.
foram geradas do por uma série de outras iniciativas. O Centro
Deshpande para Inovação Tecnológica, criado Segundo ele, a AUTM tem um intercâmbio para
a partir de em 2002, financia pesquisas em estágio inicial, ajudar a construir conhecimento e capacidade
com potencial de transferência, e oferece aos em- de transferir tecnologia junto a países parceiros.
tecnologias preendedores aconselhamento de especialistas “De todo modo, é preciso reconhecer que cada
do MIT desde da indústria. Uma competição organizada pelos país tem necessidades e oportunidades diferen-
tes, e que frequentemente demora um bocado de
1984 – e 80% estudantes oferece US$ 100 mil para o melhor
plano de negócios. Clubes de empreendedorismo tempo para ver os benefícios da transferência de
sobreviveram se espalham em todas as unidades da instituição. tecnologia”, afirma. n
O mestre da hipertensão
Fisiologista criou no InCor o mais importante grupo
nacional de pesquisa integrada de pressão arterial
U
m dos planos que estava na cabeça há que se destacar o trabalho, por 14 anos, como
do jovem gaúcho Eduardo Moacyr presidente da Academia Brasileira de Ciências
Krieger, quando se formou médico (ABC), função em que buscou incansavelmente
em Porto Alegre, em 1953, era se tor melhorar o posicionamento da ciência e da comu
nar cardiologista e trabalhar na Fa nidade científica do país na cena internacional.
culdade de Medicina. Mas logo ele seria desviado Pai de dois cientistas respeitados, José Eduar
para sempre desse caminho, por influência deci do Krieger e Marta Helena Krieger, e avô de três
siva de dois eminentes argentinos, os fisiologistas netos, casado com dona Lorena há 55 anos, o pro
Bernardo Houssay, Prêmio Nobel de Fisiologia e fessor Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente
Medicina de 1947, e Eduardo Braun Menéndez, da FAPESP desde 2010, enquanto finaliza mais
responsável pela descoberta da angiotensina, em um projeto temático que coordena, encara neste
1940. Nesse caso, em vez de reclamar dos vizi momento um novo desafio: organizar a disciplina
nhos como de hábito, só cabe aos brasileiros lhes e um grupo de medicina translacional no InCor.
agradecer, porque quem mais ganhou com essa A seguir, os principais trechos da entrevista que
mudança de rota foi o campo da fisiologia cardio ele concedeu a Pesquisa FAPESP.
vascular no país e, especialmente, a pesquisa da
hipertensão. O professor Krieger, 84 anos, para Vamos começar pela linha de pesquisa a que o se
além de suas seminais contribuições diretas ao nhor mais tem se dedicado, os mecanismos de re
conhecimento dos mecanismos de controle da gulação da pressão arterial. Como isso teve início?
pressão arterial, foi o criador, ainda nos anos 1950, Eu comecei, na realidade, quando iniciei minha
de um importante grupo de pesquisa na Faculdade carreira científica. Recém-formado em Porto Ale
de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), gre, na Faculdade de Medicina, encontrei o grupo
em Ribeirão Preto, e adiante, em 1985, criador do de fisiologistas argentinos liderado pelo professor
mais respeitado grupo de pesquisa integrada em Bernardo Houssay, Prêmio Nobel de Fisiologia e
hipertensão do país, com considerável inserção Medicina de 1947. E entre os discípulos dele esta
internacional, o do Instituto do Coração (InCor) va Eduardo Braun Menéndez, que, em 1940, havia
do Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo. descoberto a angiotensina, uma das substâncias
Krieger, um dos nove filhos de um comerciante importantes na regulação da pressão arterial. Eu
de origem alemã radicado no pequeno município queria fazer carreira universitária e, em 1954, esse
de Cerro Largo, perto da fronteira do Rio Grande grupo veio a Porto Alegre num programa da Capes
do Sul com a Argentina, e o único destinado pela [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
família a cursar faculdade, em paralelo às suas Nível Superior]. Eles vinham em rodízio, ficavam
atividades de professor e pesquisador, manteve um mês. O próprio Bernardo Houssay passou me
sempre um certo gosto pela política acadêmica. ses em Porto Alegre. Como eu tinha interesse em
léo ramos
E nesse lado do seu currículo, entre vários outros, cardiologia, trabalhei nesta oportunidade com
30 | julho DE 2012
o simpático continha as fibras pressorre hipertensão, todos sabem disso. O pro seis horas. O que eu buscava com isso era
ceptoras aórticas. E isso era uma beleza! blema era saber como isso ocorre. Ha entender como se comporta o principal
via um trabalho no cão segundo o qual a mecanismo reflexo de controle nas di
Sua conclusão foi: “Acabo de descobrir adaptação começava quatro ou cinco dias ferentes elevações e quedas de pressão.
algo que ninguém sabia”. depois do aumento da pressão arterial. Ele se adapta? Como? E eu iria mostrar
Fiz um estudo sistemático, publiquei vá Com o rato, um modelo em que se pode posteriormente que ele se adapta, sua fai
rios trabalhos sobre como transitavam controlar melhor a pressão, um dos pri xa de funcionamento sobe para níveis de
esses nervos, dois ou três deles mostran meiros trabalhos que fiz foi a sequência hipertensão, mas sua sensibilidade passa
do as possibilidades de trabalhar com de adaptação dos pressorreceptores na a ser diferente, ele fica menos sensível,
os pressorreceptores do rato. Foi aí que hipertensão. Produzi uma hipertensão como mostramos pela primeira vez na
publiquei o trabalho bem conhecido de súbita por coarctação da aorta [compres literatura. Podemos testar a sensibilida
desnervação dos pressorreceptores. Fi são], tratei de mantê-la lá em cima e mos de do mecanismo variando agudamente
quei entusiasmado, porque uma das coi trei que após seis horas já se verifica uma a pressão e vendo como se comporta a
sas importantes em meu trabalho era pequena adaptação, 30%, e depois de 48 descarga do pressorreceptor que está na
saber como o sistema nervoso se adap horas praticamente todos os animais já parede da artéria e que envia informação
ta às hipertensões. E o pressorreceptor estão adaptados. O que é a adaptação? É para o sistema nervoso central. É possí
está implicado o tempo todo nesse pro o deslocamento do limiar de estimulação, vel comparar a curva de descarga de um
cesso. A cada batimento cardíaco, ele deslocando toda a faixa de funcionamen animal normal com a de um hipertenso,
descarrega porque a pressão aumenta, to dos pressorreceptores. Mostrei que que é mais inclinada, mais deitada.
distende o vaso e excita os
receptores. Os pressorrecep Esse é o seu artigo de 1970?
tores são a principal fonte de Não, o de 1970 mostra a se
informação para conseguir quência da adaptação. De
mos manter a pressão em pois publiquei muitos arti
níveis normais. Quando a gos mostrando a reversão.
pressão sobe e as descargas Depois outros mostrando que
aumentam, inibimos o sim na hipotensão – muito rara
na clínica – também há adap
Houssay dizia que
pático para fazer a pressão
diminuir. Igualmente a exci tação em cerca de 48 horas
tação dos pressorreceptores e reversão bastante rápida.
estimula o vago para dimi
nuir a frequência cardíaca e o
a ciência não tem A sensibilidade é outra coisa
e hoje tudo isso voltou a ter
implicação clínica. Porque se
pátria, mas o cientista
débito cardíaco, favorecendo
a normalização da pressão alguém tem uma hipertensão
arterial. É bem conhecido de causa qualquer e o meca
que na hipertensão crônica
não há bradicardia, mostran
tem; por isso não quis nismo principal de regulação
está adaptado, mas apresen
ta sensibilidade menor, ele é
sair da Argentina
do que o reflexo está adapta
do. Decidi, portanto, estudar menos eficiente em contro
como esse nervo trabalha nas lar a pressão. A pressão va
hipertensões. Tinha sido fei ria de momento a momento,
ta uma verificação de que quando se im uma adaptação completa leva 48 horas quando se dorme, senta, levanta, corre,
planta uma hipertensão, que nesse mo – alguns animais um pouquinho mais ou enfim, ela sobe ou desce de acordo com
mento é aguda, esses nervos se adaptam um pouquinho menos. Vamos dizer que, as circunstâncias fisiológicas. Quando se
depois de um tempo. Por isso alguém de cada 10 animais, nove haviam feito tem um sistema de regulação menos efi
hipertenso não tem uma redução da fre uma adaptação completa em 48 horas. ciente, as flutuações são muito maiores.
quência cardíaca, mas isso acontece se Fiz muitos trabalhos a esse respeito e Aí é que vem a explicação: todo hiper
a pressão sobe de repente, porque há o procurei também mostrar como quando tenso que tem o presso adaptado, com a
reflexo. Em outras palavras, o reflexo se a pressão volta ao normal também nor sensibilidade menor, tem uma variabili
adapta cronicamente. maliza a adaptação. Fazia modelos de dade maior da pressão. E o que significa
hipertensão renal, coisa que já fazíamos isso? Está já provado que não só o nível,
O senhor se referiu a uma bradicardia. havia muito tempo com Braun Menén mas também a variabilidade lesa muito
Sim, uma redução da frequência cardía dez, colocando um clipe na artéria renal os vasos. E nos últimos anos resolveu-se
ca que é um dos principais indicadores para deixar o rato com a pressão aumen retomar algo que no passado não tinha
do funcionamento do pressorreceptor. tada cronicamente e o presso adaptado. funcionado muito bem, que é estimular
Quando se aumenta a estimulação, ele Então eu fazia uma reversão também o pressorreceptor para diminuir o sim
produz uma bradicardia e uma vasodila súbita da hipertensão, retirando o clipe, pático e reduzir a pressão arterial. Com a
tação por diminuição do simpático. Esse e ia ver quanto tempo levava. E eu mos melhoria das tecnologias tornou-se pos
é o reflexo principal e está adaptado na trei que para a reversão precisava-se de sível implantar eletrodos na carótida do
32 | julho DE 2012
à tensão dos gases. Quando se para de apresentei na FAPESP nos últimos 10 Santos, patenteou e está desenvolvendo
respirar, os gases se alteram, estimulam anos sempre foram temáticos, integrados, com laboratórios brasileiros compostos
-se os quimiorreceptores e a pressão vai em que nós temos a parte experimental com potencial de se tornarem medica
lá para cima. O efeito desses surtos de e a parte da clínica. É isso que eu tenho mentos. E Maria José Campagnole dos
pois de algum tempo deixa consequência feito nos últimos anos. Agora estou pas Santos é a outra professora titular. Os dois
permanente. sando para outro campo. Eu consegui, e trabalharam comigo em Ribeirão Preto.
foi isso que eu vim fazer aqui, uma equipe Tem Kleber Franchini, em Campinas, que
A apneia do sono altera a pressão? integrada de profissionais da fisiologia, da também fez doutorado comigo. Ele tem
É muito comum associar-se à hiperten clínica, da biologia molecular, educação uma molécula e está procurando fazer a
são. Quando se corrige a apneia, a pres física, enfermagem, psicologia, nutrição, inovação com a indústria brasileira. No
são tende a diminuir. todos voltados para estudar hipertensão. grupo de Ribeirão tem dois ou três titu
lares. Quem lidera a fisiologia cardiovas
Continuando, essa interação... Essa é a grande equipe de ponta nos es cular no Instituto de Ciências Biomédicas
Aí vem a parte clínica. Tínhamos clíni tudos da hipertensão no Brasil. da USP é Lisete Michelini, que trabalhou
cos, cardiologistas e pneumologistas. Mas Não tenha dúvida. Conseguimos um dife comigo em Ribeirão.
havia também o pessoal da educação fí rencial. Um dos primeiros do grupo que
sica, que é o grupo do Carlos Eduardo saiu foi para Milão para ver monitorização O senhor tem mais de 200 artigos cien
Negrão, que começou aqui conosco fa de pressão arterial. Outro foi para Paris tíficos. Qual foi o mais importante para
zendo pesquisa em animal de experi estudar a propriedade elástica dos vasos o conhecimento da hipertensão?
mentação e depois nos seres Eu diria que é a série de arti
humanos. Hoje ele tem uma gos em que mostrei o funcio
linha independente. Na par namento dos pressorrecep
te de enfermagem, comecei tores. É a sequência de adap
a fazer projetos em que as tação desses receptores na
enfermeiras veem os proble hipertensão e na hipotensão
mas de adesão ao tratamento. e a sensibilidade deles. Com
E em seguida veio a biologia a Lisete Michelini, estudei o
mecanismo pelo qual eles se
Achamos cinco regiões
molecular, que entra de for
ma interessante. Meu filho se adaptam. Conseguimos mos
formou em Ribeirão Preto em trar que a sequência de adap
1984. Ele foi para os Estados
Unidos e fez um doutorado
cromossômicas ligadas tação é a mesma da dilatação
da aorta na hipertensão. Asso
ciamos a adaptação às altera
à hipertensão em
experimental, em fisiologia
clássica guytoniana. Guyton ções que ocorrem no vaso. A
foi um dos grandes fisiologis propósito, no Departamento
tas. Ele terminou o doutora
do no início de 1990, quando
nosso primeiro trabalho de Fisiologia em Ribeirão ti
nha um colega espetacular,
José Venâncio de Pereira Lei
de biologia molecular
a biologia molecular estava
entrando firme no estudo da te, dono de uma cultura técni
hipertensão. Ele terminou o ca e científica fantástica. Nós
doutorado e foi para Harvard levávamos os problemas a ele,
e depois Stanford estudar a biologia mo e como eles se alteram na hipertensão. que procurava resolvê-los. Então lhe pro
lecular da hipertensão. Na volta, se inte Outro foi para Charleston estudar me pus o seguinte problema: eu precisaria ver
grou ao nosso grupo. O primeiro trabalho tabolismo na hipertensão. Depois outra como se comporta o local onde estão os
que fizemos foi acasalar ratos hipertensos saiu e foi ver a parte neurogênica. O últi pressorreceptores na hipertensão agu
com ratos normais. Depois de dois cru mo saiu para estudar apneia do sono na da. Tinha na literatura um Strain Gauge
zamentos, os netos vão ser muito espa John Hopkins.Esse grupo aqui do InCor [dispositivo usado para medir o estresse
lhados, com pressão variada e tal. Então é um grupo de ponta, porque integra o de um objeto], que era um silástico com
a ideia era examinar os netos. Se eles são conhecimento. mercúrio que funcionava numa das pon
hipertensos, é porque trouxeram alguma tas da ponte de wheatstone [medidor de
coisa do avô hipertenso. Então estudamos E o senhor, como pai desse grupo, tem resistências elétricas]. O silástico era colo
o genoma deles para ver as diferenças em um imenso orgulho de tudo isso. cado no coração, ou em algum lugar, e era
relação aos normotensos. Tenho. No Brasil formei 32 ou 33 douto muito usado em medicina. Mas na aorta
res e uns 10 já são professores titulares. do rato, pequenininha, não dava, porque
Foi aí que identificaram algumas re Tem gente muito boa. Tem um grupo de o mercúrio quebrava e tal. José Venân
giões cromossômicas... fisiologia em Belo Horizonte que é top no cio encontrou um jeito: fez uma solução
Foi o nosso primeiro trabalho em colabo mundo. Eles estudam a angiotensina 1-7, saturada de nitrato de cobre e funcionou
ração. Encontramos cinco regiões rela que é diferente porque é a angiotensina que era uma beleza. Colocávamos no si
cionadas à hipertensão. Os projetos que boa. Esse grupo, de Robson Augusto dos lástico esse líquido, que é condutor e tem
34 | julho DE 2012
Visitei a Universidade da Pensilvânia, que O senhor ajudou a criar o Brazilian publicado sobre a qualificação das re-
tem um núcleo de medicina translacional Journal of Medical and Biological Re- vistas. Há um trabalho publicado por
que é uma beleza. search? nós que é a primeira classificação das
Eu era presidente da Sociedade Brasi- revistas. Precisávamos daquilo para de-
Aí o senhor pensou: como faço algo se leira de Fisiologia. Vínhamos conver- cidir o que fazer.
melhante no Brasil? sando com o pessoal da bioquímica e
Pensei: o InCor nasceu translacional, da farmacologia que estava na hora de De tudo o que senhor fez na política
nasceu com a ideia de que o conheci- as áreas básicas de biomedicina criarem científica, o que lhe é mais caro?
mento precisa passar da bancada pa- uma revista nacional em inglês, por que O que teve mais repercussão foi a minha
ra o leito. Então achei que era hora de já tinha densidade e trabalhos o sufi- atuação como presidente da ABC porque
ter uma disciplina chamada cardiologia ciente. Fomos procurados por Alberto conseguimos, na esfera nacional e inter-
translacional. Procuro auxiliar o pessoal Carvalho da Silva, que era fisiologista, nacional, projetar a ciência brasileira.
a fazer projetos e a introduzir a inovação, e pelo pessoal do CNPq, com a seguinte E ter o reconhecimento da academia
uma das coisas que permeia esse tipo ideia: Michel Jean, hematologista, tinha como um órgão de assessoramento do
de medicina. Houve um simpósio sobre criado a Revista Brasileira de Pesquisas governo. Estou até hoje como membro
inovação no InCor, fiz uma revisão da lei Metrobiológicas, que era indexada. Eles do Conselho Nacional de Ciência e Tec-
federal de inovação, a Lei do Bem, e da queriam que a gente pegasse a revista. nologia, subordinado à presidente, e vivo
lei estadual, mostrando a importância de Mas queríamos uma revista em inglês. cobrando que aquilo tem de funcionar
ter núcleos de inovação tecnológica em A solução seria mudar o nome. Então o melhor. A fundação da FESBE também
vários centros. Também es- foi importante, assim como a
tou auxiliando o diretor a in- criação da Sociedade Brasi-
ternacionalizar as atividades leira de Hipertensão. Sempre
da Faculdade de Medicina. fiz parte dessas associações,
porque eu estava trabalhan-
E sua experiência na Acade do e continuei trabalhando
mia Brasileira de Ciências? na bancada. Sou professor e
Foram 14 anos. Me tornei cientista, e também ativista.
Quando nós criamos o IAP,
O InCor nasceu
presidente em 1993 e, em
1997 ou 1998, a academia re Bruce Alberts, que foi presi-
cebeu um convite para inte- dente da Academia America-
grar uma espécie de federa-
ção das academias, a Inter-
com a ideia de que o na por 12 anos, escreveu um
artigo de que gostei muito. A
tese dele é que as academias
conhecimento precisa
-Academy Panel, IAP, com
quase uma centena de as- deviam se tornar mais ativis-
sociados. Em 2000 fizemos tas. O cientista tem obrigação
uma reunião em Tóquio e
o estatuto foi aprovado. Fui
passar da bancada social de trabalhar para fazer
com que a ciência reverta
eleito presidente para repre- em benefício para a socieda-
sentar os países em desen- para o leito de. O esforço que tenho feito
volvimento de 2000 a 2003. hoje é o de entender a medi-
Também representei a ABC cina com foco na prevenção.
no Interacademy Council, composto por Michel disse: “Eu passo a revista para E a prevenção é educação.
13 academias. Essas duas entidades pro- vocês fazerem o que quiserem”. O CNPq
porcionaram à ABC inserção internacio- apoiou. E foi o que fizemos. Para tornar Sua relação com a medicina translacio
nal. Conheci a política científica, como as viável, criamos a Associação Brasileira nal mostra essa preocupação?
academias se auxiliam, os temas globais de Divulgação Científica, formada pelas É o foco. Estamos programando na fa-
com que as academias e os pesquisadores mesmas sociedades que iriam integrar a culdade uma conferência internacional
devem se preocupar. Mas preciso des- Fesbe, criada quatro ou cinco anos de- sobre educação médica. Não podemos
tacar que minha chegada à presidência pois. Para fazer a revista criamos uma formar um médico que conheça todas
da ABC coincidiu com uma oportuni- associação que é a dona da publicação e as especialidades e sem noção do que vai
dade de participar da política nacional. eu passei a ser presidente da associação trabalhar na atenção primária. É preciso
José Israel Vargas foi nomeado minis- e o editor, junto com o Sérgio Henrique ao mesmo tempo ensinar a curar o doente
tro da Ciência e Tecnologia quando era Ferreira. Fiz parte também do comitê e prevenir a doença. Não temos recursos
vice-presidente da ABC. Ele promoveu de revistas da FAPESP. Trabalhei com financeiros para dar tratamento a todos
a academia, que se tornou reconhecida a bibliotecária Rosali Duarte, que era da com a sofisticação tecnológica atual. Te-
em plano nacional. A SBPC dominava o Revista de Genética, e percebemos que mos de trazer à cena a prevenção da do-
terreno. Conseguimos equilibrar o jogo recebíamos pedidos das revistas e não ença, ela é muito mais barata e tem muito
e hoje as duas são consideradas impor- sabíamos o que aquilo significava. Então mais repercussão. Assim, as pessoas fica-
tantes, se entendem e colaboram. fizemos o primeiro trabalho brasileiro rão mais tempo gozando de boa saúde. n
Consenso
mínimo
Conferência Rio+20 produz relatório
pouco ambicioso, mas avança em
compromissos voluntários
A
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvol-
vimento Sustentável (Rio+20), realizada no Rio
de Janeiro entre 20 e 22 de junho, aprovou um
documento final que ficou longe de caminhar na
mesma velocidade com que os problemas ambien-
tais do planeta avançam, embora tenha sido capaz de evitar
retrocessos. Com 53 páginas, o relatório aprovado pelos 190
chefes de Estado ou seus representantes, intitulado O futuro
que queremos, deixou a definição das questões importantes
para o ano que vem, quando devem começar a tomar forma os
objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), com metas
para água, cidades, energia e oceanos. Se as discussões pros-
perarem, os objetivos passarão a vigorar em 2015. “A estrada
será longa e difícil”, admitiu o secretário-geral da ONU, Ban
Ki-Moon, referindo-se ao trabalho que a diplomacia terá nos
próximos três anos, uma vez que a Rio+20 não obteve con-
senso sobre o alcance desses objetivos.
Dois grupos de trabalho serão criados: um vai delimitar
as metas, enquanto o outro discutirá meios de ajudar os paí-
ses pobres a alcançá-las. A adesão às metas, de todo modo,
será voluntária. Um avanço foi o compromisso dos gover-
nos de viabilizar um programa de 10 anos para reavaliar os
padrões de produção e consumo, que vinha sendo discutido
desde 2004. “A direção do documento é positiva, mas a ve-
locidade é muito lenta”, diz Jacques Marcovitch, reitor da
Universidade de São Paulo entre 1997 e 2001. “Um desafio
agora é construir novas coalizões, no âmbito setorial ou sub-
nacional, a fim de avançar através de métricas apropriadas 2
Internacional e multidisciplinar 4
Tempestades
do corpo e da alma
Crises de depressão e de euforia provocam
desequilíbrios químicos que podem danificar as células
e acelerar o envelhecimento do corpo
Ricardo Zorzetto
medicina
Neurociência
Psiquiatria
conceito e realidade
Corpo envenenado Segundo alguns especialistas, o conceito de neuro-
progressão explica bem os sintomas clínicos, mas
O gráfico abaixo mostra o nível médio de compostos tóxicos no é possível questionar se essas alterações biológicas
sangue, que, nos surtos de mania ou depressão, é superior ao de de fato ocorrem, uma vez que as evidências ainda
pessoas saudáveis ou tratadas e inferior ao de pessoas com sepse são incipientes. Exames de imagens que indicam
redução no volume de algumas áreas cerebrais em
Índice de geral são feitos com pacientes de idades diferentes,
toxicidade que passaram por números distintos de surtos de
2,0 mania e depressão. Provas mais consistentes exi-
giriam o acompanhamento de pacientes por vá-
rios anos, com a realização de exames de tempos
em tempos para avaliar a evolução do problema.
fonte Kapczinski et al. / molecular psychiatry 2010
1,0
Ainda que esteja longe de ser comprovada, es-
sa proposta está abrindo caminhos para a busca
de terapias mais específicas e eficientes e para o
0,0 desenvolvimento de estratégias que permitam
identificar precocemente as pessoas com risco
de desenvolver esses problemas, como vem fa-
-1,0
zendo a equipe da Unifesp.
Se estiver correta, pode ajudar a entender como
Saudáveis Tratadas Mania Depressão Sepse uma doença que de início se manifesta com um
Círculo vicioso
A partir da décima crise de mania ou depressão os surtos passam a ocorrer mesmo na ausência de fatores que provocam estresse
estresse
no
ambiente resposta ao tratamento
4 5 6 7 8 9 10
2 3
1 Pacientes com múltiplos episódios apresentavam
pior resposta ao tratamento, especialmente ao lítio
Reorganização 10
Valproato
patológica
Melhora dos sintomas de humor
Lítio
crise de mania 8
ou depressão Placebo
dano 2
Nº de
celular episódios
0
0
2
4
6
8 10 12 14 16
A
flexibilidade
sexual Entre lagartos, nem sempre o macho
é necessário para a reprodução | Carlos Fioravanti
das fêmeas
“S
e Deus existe e tem sexo, certamente é mulher”, diz o
biólogo Rodrigo Marques Lima dos Santos, entusias-
mado ao ver o que os lagartos – ou melhor, os lagartos
fêmeas – conseguem fazer.
Várias espécies de lagartos exibem formas surpreenden-
tes de se reproduzirem. As fêmeas geram filhotes de modo
assexuado, sem a participação de qualquer macho. São in-
dependentes, mas não são radicais: em algumas espécies, se
um macho passa por perto, permitem a cópula e podem ser
fecundadas. A autonomia reprodutiva chega a tal ponto que
em algumas espécies só existem fêmeas, que se reproduzem
de um modo assexuado conhecido como partenogênese, que
parece ser mais flexível do que se pensava.
Biólogos da Universidade de São Paulo (USP), da Univer-
sidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Laboratório Na-
cional de Biociências (LNBio), estudando diferentes aspectos
da partenogênese, concluíram que alterações em um gene co-
nhecido como c-mos poderiam permitir a transformação das
células reprodutoras femininas (óvulos) em embrião, mesmo
sem um espermatozoide.
Rodrigo Santos entrou na pista desse mecanismo em seu
doutorado, enquanto estudava os lagartos teídeos, grupo que
genética
tino mauricio
Duas Aspidoscelis se abraçam no deserto: só assim é que o óvulo continua a se dividir e a formar um embrião, clone da mãe
Leposoma ferrerai – todos diploides, vivendo no desérticas da Ásia e América do Norte, os Aspi- Coordenadores
mesmo espaço. doscelis só começam a formar embriões depois 1 Miguel Trefaut
Rodrigues – USP
O calango da restinga, ou Cnemidophorus na- de um abraço, que os biólogos chamam de pseu- 2 Rodrigo Marques Lima
tivo, uma das poucas espécies exclusivamen- docópula. Uma delas, detectando o toque ou o dos Santos – USP
te partenogenéticas de lagartos brasileiros – e raspão da outra, deve ativar a liberação de hor- 3 Katia Cristina Machado
Pellegrino – Unifesp
ameaçada de extinção –, é apenas diploide, de mônios que desbloqueiam o c-mos, acreditam
acordo com as análises de Santos. Encontrados os biólogos da USP. investimento
nas matas do norte do Espírito Santo e do sul da “Para algumas espécies partenogenéticas do 1 R$ 975.589,35
2 R$ 277.872,66
Bahia, esses animais pertencem a uma família gênero Aspidosceles se reproduzirem”, comenta 3 R$ 37.720,00
irmã à dos Leposoma, mas podem chegar a 30 Santos, “a cópula entre as fêmeas é obrigatória”.
Tratamento em dobro
Uso combinado de células-tronco
e fator de crescimento reduz sintomas
da doença em camundongos
Marcos Pivetta
O
emprego de injeções periódicas de um co mesenquimais têm propriedades imunossu-
tipo de célula-tronco humana adulta pressoras”, explica Mayana Zatz, coordenadora
combinadas com doses diárias de um da equipe que fez o estudo e do centro da USP,
fator de crescimento pode ser uma um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão
alternativa promissora para o tratamento de (Cepid) financiados pela FAPESP. “Com elas,
distrofias musculares progressivas. Pesquisado- reduzimos o risco de haver rejeição do material
res do Centro de Estudos do Genoma Humano injetado.” O sistema imunológico dos camundon-
da Universidade de São Paulo (USP) obtiveram gos do experimento, por exemplo, não precisou
resultados animadores com essa abordagem em ser “desligado” antes de os animais receberem as
testes com células musculares de pacientes com injeções de células-tronco humanas.
distrofia de Duchenne e em camundongos com Normalmente, quando o doador e o receptor de
uma forma congênita de distrofia muscular. A tecidos ou células não são o mesmo indivíduo, é
terapia em dose dupla usou células-tronco me- preciso destruir temporariamente as defesas imu-
senquimais (CTMs) obtidas do cordão umbilical nológicas do organismo alvo do implante, proce-
de recém-nascidos conjuntamente com doses dimento sempre arriscado que deixa o paciente
do fator de crescimento semelhante à insulina vulnerável a agressões externas. No entanto, se
1 (IGF-1). Nos tecidos humanos, o esquema te- isso não for feito, o material cedido pelo doador
rapêutico aumentou a expressão (ativação) da será interpretado pelas defesas do receptor como
distrofina, proteína essencial para a manuten- um agente potencialmente perigoso e o implante
ção da integridade dos músculos. Nos roedores, será fatalmente rejeitado. Com o emprego de cé-
o protocolo de tratamento testado diminuiu a lulas mesenquimais, a questão da rejeição pode
inflamação e a fibrose dos músculos, levando a ser aparentemente contornada sem a necessida-
uma melhora da condição clínica dos animais. de de anular o sistema imunológico do doente –
Os resultados do trabalho foram publicados em mesmo em casos extremos, como no experimento O Projeto
4 de junho na versão on-line da revista científica feito na USP, em que o receptor (camundongo) e Centro de Estudos
Stem Cell Reviews and Reports. o doador (ser humano) são de espécies distintas. do Genoma Humano
nº 1998/14254-2
A dobradinha células-tronco mais IGF-1 não Há indícios de que ambos os componentes da
gerou novos músculos sadios, como, em princípio, candidata a terapia conjugada contra distrofia modalidade
era esperado. Mas parece ter criado condições podem ser benéficos para os músculos. As células- Centros de Pesquisa,
Inovação e Difusão (Cepid)
mais favoráveis para a preservação da funciona- -tronco mesenquimais são bastante indiferencia-
lidade da musculatura já existente. Dessa forma, das e têm a capacidade de gerar muitos tipos de Coordenadora
a abordagem poderia ser uma alternativa para tecidos, como ossos, cartilagem, gordura, células Mayana Zatz – IB-USP
evitar ou minorar a degeneração causada por de suporte para a formação do sangue e também investimento
distrofias em geral. A terapia conjugada também tecido fibroso conectivo. Suspeita-se também R$ 34.412.866,53
apresenta uma vantagem extra. “As células-tron- que elas podem desempenhar algum papel no
IGF-1
Sem tratamento Com IGF-1 Com CTMs IGF-1 + CTMs Músculo sadio
processo de regeneração muscular. En- Os roedores foram divididos em qua- ra constatada foi ocasionada pela dimi-
tre outras funções, o IGF-1 está envolvi- tro grupos: o primeiro não foi tratado e nuição da inflamação e do nível de fi-
do nos processos de desenvolvimento e funcionou como controle; o segundo re- brose muscular, que, por sua vez, podem
crescimento muscular. Avaliar, portanto, cebeu apenas injeções de células-tronco; ter levado a um aumento na forca da
os possíveis efeitos de um esquema te- o terceiro, somente doses do fator de musculatura esquelética dos animais
rapêutico com os dois ingredientes fazia crescimento; e o quarto foi alvo da tera- doentes. Aparentemente, o fator de
todo o sentido. pia combinada. As células-tronco foram crescimento potencializa os efeitos das
Nos testes in vivo, os pesquisadores injetadas uma vez por semana nos roe- células-tronco e vice-versa. “Acredita-
avaliaram por cerca de 60 dias diferen- dores. Uma bombinha implantada sob a mos que não é necessário ocorrer a di-
tes protocolos de tratamento em 46 ca- pele fornecia diariamente uma dose de ferenciação das células-tronco injetadas
mundongos que apresentavam um qua- dois miligramas de IGF-1 por quilo cor- em células musculares para que haja
dro clínico tido como modelo das dis- póreo dos animais. No final do estudo, um benefício clínico”, diz Mayana. O
trofias musculares congênitas. Devido a foi feita a biópsia dos tecidos musculares tratamento combinado será testado em
uma mutação no gene da laminina alfa e constatada uma melhora significativa cachorros com distrofia para ver se os
2, os animais tinham uma deficiência entre os animais que receberam a tera- resultados positivos também se mani-
na produção da proteína merosina, dis- pia conjugada. festam nesses animais. n
função que provoca fraqueza muscular Diante dos resultados positivos, Maya
e reduz a expectativa de vida. “Eles ar- na, Mariane e seus colaboradores sus
Artigo científico
rastam a pata traseira e têm considerá- peitaram, inicialmente, que o IGF-1 ti-
vel redução na força muscular”, afirma nha estimulado as CTMs a virar células SECCO, M. et al. Systemic delivery of human
a bióloga Mariane Secco, principal res- musculares. Mas essa transformação mesenchymal stromal cells combined with igf-1
enhances muscle functional recovery in
ponsável pelos experimentos em tecidos não foi detectada em nenhum dos qua- LAMA2dy/2j dystrophic mice. Stem Cells Reviews
humanos e nos animais. tro grupos de camundongos. A melho- and Reports. Publicado on-line em 4 jun. 2012.
A origem
da montanha
Teoria alternativa propõe que planalto nordestino
se formou há cerca de 30 milhões de anos
A
lguns estudos atribuem as origens do do Rio Grande do Norte (UFRN), e Roberto Gus-
planalto ou serra da Borborema aos mão de Oliveira, do Serviço Geológico do Brasil
efeitos do clima. Ao longo de milhões (CPRM), defende a hipótese de que outro me-
de anos, as intempéries teriam moldado canismo geológico, mais recente e de natureza
o relevo acidentado dessa região, formada pelas distinta do esticão ocasionado pela separação dos
terras altas que dão um ar montanhoso a porções continentes, também pode ter desempenhado um
do interior de Pernambuco, Paraíba, Alagoas e papel importante na formação do planalto nor-
Rio Grande do Norte. Outros trabalhos debitam as destino. Segundo um artigo da dupla de pesqui-
origens do platô na conta de processos geológicos sadores, a ser publicado em agosto no Journal of
que ocorreram no período Cretáceo, entre 136 e South American Earth Sciences, o soerguimento da
65 milhões de anos atrás. A separação da América Borborema pode ser consequência de atividade
do Sul e da África, que até então formavam um magmática e de uma anomalia térmica profunda Trecho da serra do Bodopitá,
único bloco no antigo supercontinente Gondwa- que teriam se iniciado há cerca de 30 milhões de na Paraíba: magma basáltico
aprisionado na zona limítrofe
na, fez nascer o oceano Atlântico e, segundo a anos naquele trecho do Nordeste. entre a crosta e o manto
teoria mais aceita, provocou um estiramento da Durante seu trajeto de ascensão das profunde- terrestre estaria na origem
crosta terrestre em trechos do Nordeste brasi- zas para a superfície do globo, material quente e do planalto da Borborema
leiro. A camada mais externa da Terra se tornou fundido, basicamente magma basáltico, teria fi-
mais fina na região e uma das consequências cado aprisionado na zona limítrofe entre a crosta
desse estirão seria o aparecimento de elevações e o manto, respectivamente a camada mais ex-
em certos pontos, como o planalto da Borborema. terna e a intermediária da Terra. A diferença de
Um novo trabalho, feito pelos geofísicos Walter densidade entre o magma e as rochas vizinhas
Eugênio de Medeiros, da Universidade Federal teria provocado uma força no sentido vertical, o
geologia
empuxo. “Essa força teria deformado a crosta e No caso do planalto da Borborema, os dados
feito a região se elevar, dando origem assim ao da dupla de pesquisadores sugerem que essa
planalto da Borborema”, diz Oliveira. “Não es- serra foi formada pelo soerguimento da crosta
tamos dizendo que esse foi o único processo que em razão de forças localizadas imediatamente
levou à formação do planalto, mas, sim, que esse abaixo da camada mais superficial da Terra. As
mecanismo também pode ser a causa profunda medições indicam, segundo a interpretação dos
do surgimento da Borborema”, afirma Medeiros. geofísicos, que as forças na base da crosta são
O foco do estudo são as chamadas condições maiores do que o peso da topografia ali forma-
isostáticas do planalto da Borborema, ou seja, as da. “Aparentemente, a julgar pela intensa ati-
alterações no equilíbrio gravitacional entre duas vidade sísmica da região, o processo ainda está
estruturas internas da Terra: a litosfera, parte rí- ativo”, afirma Medeiros. Ou seja, o planalto da
gida que abrange a crosta e a parte superior do Borborema ainda não teria atingido o equilíbrio
manto, e a astenosfera, segmento fluido do manto. isostático e, na medida em que a denudação das
Variações nesse equilíbrio produzem modifica- rochas ocorre, a crosta lentamente retorna de
ções no relevo terrestre e podem dar origem a forma elástica para sua condição inicial.
montanhas ou depressões. As alterações podem Dados produzidos em viagens pela região ser-
ser causadas por forças localizadas na superfície rana do Nordeste amparam a tese dos geofísicos,
ou no interior do planeta, ou em ambos. “O sis- cujo estudo faz parte dos trabalhos patrocinados
tema funciona como uma estrutura elástica que pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
flexiona quando as cargas são colocadas, mas (INCT) de Geofísica do Petróleo. A dupla de pes-
recuperam sua condição inicial quando elas são quisadores realizou medições da intensidade do
removidas”, compara Oliveira. campo gravitacional (gravimetria) em vários pon-
A ordem U
ma equipe internacional de físicos e
hidrólogos se surpreendeu ao analisar
como a água flui pelos rios e riachos que
conectam as quase 4 mil barragens ou
da escassez
açudes da bacia hidrográfica do Alto Jaguaribe, no
sudoeste do Ceará. Eles descobriram que, embora
a maioria das barragens tenha sido construída sem
levar em conta nenhum planejamento regional,
juntas elas formam uma rede que está longe de ser
aleatória. Ao contrário, a rede parece organizada
de forma a fazer com que a água seja relativamente
bem captada e distribuída pela região. “O homem
Padrões descobertos em uma rede do campo, mesmo tomando decisões locais, sem
olhar para o todo, construiu um sistema muito
de milhares de açudes no Ceará podem próximo daquele que teria sido construído se fosse
planejado para ser ótimo”, afirma o engenheiro
ajudar a enfrentar secas e enchentes hidráulico José Carlos de Araújo, da Universidade
Federal do Ceará (UFC), um dos autores do estudo
Igor Zolnerkevic publicado em abril no site da revista Proceedings
of the National Academy of Sciences (PNAS).
Várias propriedades dessa rede de açudes, em
especial a frequência com que acontecem trans-
bordamentos em série nos períodos de chuva, obe-
decem a padrões probabilísticos bem conhecidos
dos físicos que estudam redes complexas como as
redes de centrais elétricas, os neurônios no cérebro
2 Açude Riacho
Verde, um dos
4 mil reservatórios
de pequeno
porte da região
1 2
graus de separação
em número de açudes
ceará
15 a 20 2
10 a 14 1
5a9 0
3a4
Açude Orós
mapa e infográfico PNAS
bacia anualmente. Além desse ponto, ul- o tamanho dos açudes, cuja área varia de babilidade típica de outros fenômenos,
trapassado no Alto Jaguaribe nos anos 10 mil a 10 milhões de metros quadrados. como os terremotos e os blackouts em
1990, não há ganho com novos açudes. O mesmo vale para o número de suas co- redes elétricas, que os físicos explicam
A água que seria armazenada por um nexões: há açudes isolados, conectados por meio de modelos conhecidos como
açude rio abaixo simplesmente é trans- somente com o Orós, bem como outros sistemas criticamente auto-organizados.
ferida para outro rio acima. interligados com quase 400 açudes. “Há Eles são chamados assim porque são sis-
Intrigados com as semelhanças entre uma heterogeneidade muito grande, o temas feitos de muitas partes interagin-
a rede real de açudes e a rede virtual oti- sistema não tem um tamanho caracte- do aparentemente de maneira aleatória,
mizada, Mamede e Araújo procuraram a rístico”, explica Nuno Araújo. “Dizemos mas da qual emergem leis estatísticas
ajuda dos físicos especialistas em siste- que é uma rede livre de escala.” simples, ditando que pequenas altera-
mas complexos Nuno Araújo, Christian Com o mapa completo da rede e os ções têm chance de provocar grandes
Schneider e Hans Herrmann, do Institu- dados de precipitação de 131 estações reações em cadeia pelo sistema.
to Federal Suíço de Tecnologia de Zuri- meteorológicas espalhadas pela região e No momento, o grupo da UFC usa es-
que (ETH), para analisar a dinâmica do dados de evaporação da estação Campos se modelo para quantificar o papel dos
transporte de água na bacia. O primeiro Sales, os pesquisadores criaram um mo- pequenos açudes em atenuar o impacto
desafio da equipe foi determinar a locali- delo hidrológico que computou o quanto das enchentes nos grandes reservatórios.
zação e a área máxima de cada açude da de água cada açude recebia e vertia dia- Eles esperam em breve acrescentar mais
bacia, desconhecidas para mais de 95% riamente, de 1991 a 2010. Descobriram detalhes ao modelo, como o transporte
desses reservatórios. Caracterizaram que, nos dias de chuva intensa – pelo fato de sedimentos e poluição e a integridade
os 3.798 reservatórios por imagens de de os açudes receberem água de um ou estrutural dos açudes, para que ele possa
satélite disponibilizadas pelo Instituto mais rios e riachos, mas só verterem por ser usado na avaliação de áreas de risco. n
Nacional de Pesquisas Espaciais, toma- uma única saída –, aconteciam trans-
das em anos excepcionalmente úmidos bordamentos em série. Em um efeito
(2004, 2008 e 2009). Em seguida, usan- em cascata, o vertimento de um açude Artigos científicos
do imagens de alta resolução do relevo desencadeava o transbordo de outros rio MALVEIRA, V. T. C.; ARAÚJO, J. C.;
obtidas pela Missão Topográfica Radar abaixo. As cascatas geralmente envol- GUENTNER, A. Hydrological impact of a high-
density reservoir network in the semiarid north-
Shuttle, da Nasa, reconstruíram em com- viam apenas dois açudes, mas podiam eastern Brazil. Journal of Hydrologic
putador o traçado de cada curso d’água com frequência considerável alcançar Engineering. v. 17, p. 109-17. 2012.
da bacia, descobrindo assim como cada 10, 100 e até mil reservatórios. MAMEDE, G.L.; ARAUJO, N. A. N.; SCHNEIDER,
açude se ligava a outro. As frequências com que cascatas de C. M.; ARAÚJO, J. C.; HERRMANN, H. J.
Overspill avalanching in a dense reservoir
Para a surpresa de todos, verificaram intensidades diferentes aconteceram network. Proceedings of the National Academy
que não havia um valor típico médio para obedecem a uma distribuição de pro- of Sciences. v. 109, p. 7.191-95. 2012.
Fertilizante
marinho
Uso de algas calcárias como adubo
em lavouras de cana pode elevar
a produtividade em até 50%
Yuri Vasconcelos
P
ode estar no fundo do mar a solução para o Brasil
elevar em até 50% sua produção de açúcar e eta-
nol sem que seja necessário plantar nem um metro
quadrado a mais de cana-de-açúcar. O montante
que o país deve produzir este ano é de 37 milhões
de toneladas de açúcar e 23,6 bilhões de litros de etanol. Es-
tudos realizados pela Universidade Federal de Lavras (Ufla),
no interior de Minas Gerais, em parceria com a empresa TWB
Mineração, com sede no Guarujá, no litoral paulista, revela-
ram que o uso de biofertilizante a partir de algas marinhas
calcárias, chamado granulado bioclástico, é capaz de gerar
um significativo ganho de produtividade nos canaviais por
elevar o teor de açúcar – ou sacarose – presente na planta.
Os pesquisadores descobriram que, ao ser aplicado na lavoura
como adubo misturado à vinhaça, um resíduo da produção su-
croalcooleira já empregado como fertilizante por várias usinas
do país, o granulado bioclástico possui um efeito reminerali-
zador e condicionador do solo e agrega mais de 40 nutrientes
importantes para o desenvolvimento da cana, entre eles cálcio,
silício e magnésio. “Essa nova fonte de nutrientes para a agri-
cultura tem um papel importante na correção da acidez do solo.
Ela retifica o pH dos solos ácidos, melhorando a assimilação dos
elementos nutritivos”, afirma o engenheiro agrônomo Paulo Cé-
sar Melo, professor da Ufla e um dos primeiros pesquisadores a
analisar o uso do granulado na adubação de lavouras no Brasil.
“Ao mesmo tempo, o granulado elimina o característico odor
fétido da vinhaça, ao absorver os gases voláteis exalados por ela.”
Os granulados bioclásticos são areias e cascalhos mica das algas na plataforma brasileira é maior
constituídos principalmente por algas marinhas da do que a dos depósitos franceses”, ressalta Melo.
família Corallinaceae. Essas algas, cuja espécie mais O uso do granulado bioclástico como fertili-
conhecida é a do gênero Lithothamnium, precipitam zante foi objeto da tese de doutorado defendida
magnésio em suas paredes celulares, além do car- pelo pesquisador no departamento de ciência do
bonato de cálcio num volume de concentração em solo da Ufla. Na ocasião, ele avaliou a eficiência do
seu corpo maior do que qualquer outro organismo produto nas lavouras de milho-doce e feijão. Isso
vivo. De origem vegetal, elas crescem em profundi- foi em 2002. Seis anos depois, Melo foi procurado
dades que variam de 10 a 40 metros e em seu estado pela empresa TWB, que explorava uma jazida de
natural possuem uma tonalidade avermelhada ou algas calcárias a 300 milhas da costa do Espírito
azulada. A plataforma continental brasileira de- Santo, e queria encontrar aplicações economica-
tém um dos maiores depósitos de algas calcárias mente rentáveis para a matéria-prima. “Naquela
do mundo, numa faixa de 4 mil quilômetros que época, meus estudos já mostravam que o granulado
se estende do litoral do Pará ao do Rio de Janeiro. aumentava a concentração de açúcar em frutas,
A existência de amplas ocorrências dessas al- como laranja, maracujá, pitaia, mamão e goiaba.
gas na plataforma continental das regiões Norte Tivemos, então, a ideia de testá-lo na lavoura de
e Nordeste foi relatada na década de 1960 por cana-de-açúcar, uma das mais importantes do
pesquisadores da Universidade Federal de Per- país”, lembra o pesquisador. Para isso, foi firmado
oceanografia
nambuco (UFPE). A última descoberta foi uma um acordo com a Cooperativa Agroindustrial de
área de 21 mil quilômetros quadrados identificada Rolândia (Corol), no interior do Paraná, para uso
na região do arquipélago de Abrolhos no sul do do granulado em canaviais da Fazenda Santa Rosa,
litoral do estado da Bahia (ver Pesquisa Fapesp no município paranaense de Jaguapitã. Antes da
nº 196). “Na Europa, principalmente na França, aplicação no campo, foram conduzidos estudos
essas algas já são empregadas há décadas para nos laboratórios da Ufla para definição da dose
ilustração drüm
nutrição animal e vegetal. Aqui no Brasil seu recomendada do produto, de acordo com a aná-
uso é recente e foi iniciado apenas há cerca de lise do solo do local, o histórico da área cultivada
20 anos. Mas o potencial de exploração econô- e a quantidade de adubo aplicado na plantação.
ilhas
0m
71 87 132
20
ilhas
0m
35
t/ha t/ha t/ha
aumento aumento
de de No litoral do Espírito
Santo existem vários
32% 52%
4,8 t/ha
5,9
t/ha
9
t/ha
campos de algas. O Davis
foi explorado comercialmente,
4.210
mas a licença foi cancelada
2.244l/ha
2.771 l/ha
porque estava fora do mar
l/ha territorial de 200 milhas.
O governo brasileiro reivindica
a ampliação para 350 milhas.
cana-de-açúcar álcool açúcar
4.210
importância comercial, tais como lagostas e pei-
xes de recife. “O impacto sempre irá existir, mas
pode ser reduzido se a extração se der em áreas
ilustração drüm fontes paulo césar melo / ufla, rodrigo leão de moura / ufrj e twb
litros
pequenas e cuidadosamente selecionadas, o que
não temos visto nesse tipo de empreendimento.”
Pelo menos três empresas brasileiras com minas
aprovadas pelo Ministério de Minas e Energia já
comercializam o produto ou demonstraram in- é o volume
teresse na extração de algas calcárias no litoral
brasileiro. A Oceana Brasil explora atualmente
de etanol
uma jazida a 50 quilômetros da costa de Tutoia, produzido
no Maranhão. O produto moído e ensacado custa
na fábrica o valor de R$ 750,00 a tonelada e recebe
com adubo
o nome de Algen. Outra empresa, a Algarea Mi- composto
neração, extrai o recurso de uma reserva na costa
do Espírito Santo. A TWB explorou por três anos
por granulado
uma grande jazida de algas calcárias no chama- de algas
do banco Davis, situado há cerca de 300 milhas
náuticas da costa, na cadeia submarina Vitória-
e vinhaça
-Ilha de Trindade, no litoral capixaba. Em 2008,
a empresa obteve a concessão de dois alvarás do
Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM), órgão ligado ao Ministério de Minas e
Energia, para exploração da jazida, mas em 2011
teve as licenças anuladas sob a alegação de que a
reserva estava em águas internacionais, além da
fronteira marítima brasileira, cujo limite são 200 23
Artigo científico
Proteção A
s mudanças nos hábitos alimentares e
a falta de tempo no dia a dia de quem
vive nas grandes cidades, além da busca
por um consumo sem desperdícios, têm
vegetal
provocado aumento nos estudos sobre alimen-
tos frescos que possam durar mais tempo na
prateleira ou na geladeira. As novidades estão
surgindo na forma de embalagens dotadas de
biofilmes biodegradáveis e coberturas comes-
tíveis que estão ganhando forma na Faculdade
de Engenharia de Alimentos da Universidade
Biofilmes produzidos com mandioca, Estadual de Campinas (Unicamp). Nos grupos
de pesquisa das professoras Miriam Dupas Hu-
banana e quinoa protegem e garantem binger e Florência Cecilia Menegalli o desafio
é conseguir embalagens baratas, práticas e não
longa vida a vários alimentos poluentes, além de fáceis de produzir.
Desde 2000, o grupo de Florência se volta para
o desenvolvimento de embalagens biodegradáveis
Sergio Kalili e coberturas comestíveis para frutas secas. Miriam
e suas orientandas especializaram-se em cobertu-
ras para frutas frescas e hortaliças, os chamados
produtos minimamente processados. “Nossas co-
berturas aliam dois benefícios: a praticidade para
quem vai consumir, já que a fruta está prontinha,
descascada e cortada, e o aspecto saudável do ali-
mento”, diz Miriam. Ela explica que suas cobertu-
ras funcionam como uma barreira, conservando a
água e os sais minerais da fruta, protegendo-a de
microrganismos e do contato com o ar.
Simplicidade foi uma das razões que levaram
Miriam a trabalhar com coberturas à base de fa-
rinha de fécula de mandioca na forma de gel. A
concentração desse material para formar uma
cobertura é menor do que a usada para fazer um
filme sólido, semelhante ao plástico, que neces-
sita da adição de agentes plastificantes para ficar
flexível. “Privilegiamos o custo, a disponibilidade
e a facilidade no preparo da cobertura, em uma
farinha que se gelatiniza a baixas concentrações e
1 não altera o sabor dos alimentos”, explica Miriam.
“As coberturas precisam ter resistência ao oxi-
gênio do ar, ao vapor de água e a microrganismos,
sem esquecer o principal: a aceitação sensorial do
consumidor.” Somada aos polissacarídeos da fari-
nha, que é a base da cobertura, a professora utiliza
uma mistura de dois componentes naturais, o áci-
1 Filme de banana para do cítrico, encontrado na laranja, por exemplo, e o
uso em sacolas ácido ascórbico (vitamina C). Eles são adicionados
2 Laranjas e carambolas antes de mergulhar a fruta na cobertura, inibindo a
cortadas e protegidas atividade enzimática, um dos fatores que levam ao
com biofilme
escurecimento do alimento em contato com o ar.
3 Aplicação de gel de Depois o alimento é deixado para escoar o líquido
2 mandioca em morangos em temperatura ambiente.
uma barreira com baixa permeabilidade do oxigênio Já foram testados em carambola, figo e caqui.
Os Projetos do ar, mas não protege o produto do vapor-d’água, No âmbito comercial, nos Estados Unidos, a em-
1 Amido de amaranto: presente na atmosfera. O recurso encontrado para presa Nature Seal produz coberturas comestíveis que,
estudo das propriedades proteger o alimento foi a produção de coberturas aplicadas à superfície de frutas e hortaliças, mantêm,
reológicas e termofísicas,
características estruturais emulsionadas ou em camada dupla que mistura a por exemplo, maçãs em pedaços com coloração clara,
e fisioquímicas de amido farinha de mandioca com lipídeos como, por exem- sem perder sabor e vitaminas por mais de 10 dias.
e de seus produtos (géis, plo, cera de carnaúba ou de abelha. Os resultados Os trabalhos do grupo de Miriam, precisamente a
coberturas e biofilmes)
nº 2002/12137-6 oriundos dessa estratégia foram animadores. pesquisa com morangos, chamou a atenção de uma
importante cadeia de lanchonetes dos Estados Uni-
2 Avaliação da qualidade Atividade correta dos e de uma grande empresa da Bélgica que comer-
de frutas minimamente O morango coberto com fécula de mandioca, sem cializa cerejas, framboesas e mirtilos. Um mercado
processadas com
coberturas comestíveis nenhum agente antimicrobiano, durou 12 dias, bilionário está se formando porque lanchonetes
nº 2009/51420-4 quando o normal são cinco. No caso do abacaxi como McDonald’s, Burger King, Wendy's e Jack in
sem casca, que normalmente tem uma vida de the Box tornaram seus cardápios mais verdes, adi-
modalidade prateleira de quatro dias, a sobrevida também cionando saladas e frutas frescas ao menu. O que as
1 e 2 Auxílio Regular foi em torno de 12 dias. A manga cortada, coberta coloca entre potenciais consumidores de biofilmes. n
a Projeto de Pesquisa com cobertura de mandioca, chegou a resistir 15
Coordenadoras dias. O normal é escurecer em dois dias apenas.
Florência Menegalli – Unicamp Marcela Chiumarelli, aluna que colaborou no Artigos científicos
Miriam Dupas Hubinger – estudo das coberturas, explica que “o manuseio CHIUMARELLI, M. et al. Stability, solubility, mechanical
Unicamp
de produtos minimamente processados ainda é and barrier properties of cassava starch – Carnauba wax
investimento recente no país, e muitos mercados e atacadões edible coatings to preserve fresh-cut apples. Food
Hydrocolloids. v. 20, n. 1, p. 59-67. jul. 2012.
R$ 47.909,00 e não realizam a atividade corretamente”.
US$ 16.092,00 (FAPESP) ANDRADE-MAHECHA, M.M. et al. Development and
R$ 33.108,04 (FAPESP) Florência e seu grupo estão testando várias optimization of biodegradable films based on achira flour.
composições para a produção laboratorial de Carbohydrate Polymers. v. 88, n. 2, p. 449-58. abr. 2012.
Além dos
derivados
de petróleo
Braskem amplia mercados com
polímero feito a partir de etanol e
investe em rotas biotecnológicas
Dinorah Ereno
A
petroquímica brasileira Braskem, petroquímico de Triunfo (RS), onde está loca-
sexta colocada no ranking mundial lizada a petroquímica, também contribuiu para
do setor, produz anualmente mais esse resultado. Sozinha ela representa 28% do
de 16 milhões de toneladas de inter- mercado mundial de biopolímeros produzidos em
mediários químicos e resinas termo- 2010, que totalizou 724.500 toneladas, segundo
plásticas, como polietileno, polipropileno e PVC, a European Bioplastics, associação europeia que
e lidera a produção do chamado polietileno verde, representa os fabricantes, transformadores e usu-
feito a partir do etanol da cana-de-açúcar, resul- ários de bioplásticos e polímeros biodegradáveis.
tado de um trabalho de pesquisa e desenvolvi- A projeção é de um mercado com grande fôlego
mento tecnológico dos pesquisadores da área de de crescimento. A associação europeia estima que
polímeros. Apenas três anos atrás ela ocupava a em 2015 a produção atinja 1,7 milhão de toneladas.
11ª posição. A rápida escalada deve-se principal- No Brasil, o polietileno verde é usado, por
mente à compra da empresa brasileira Quattor exemplo, pela Danone em embalagens de iogurte,
e da divisão de polipropileno da petroquímica pela Faber Castell em embalagens de lápis e pe-
norte-americana Sunoco, na Filadélfia, em março la Natura nos seus produtos da linha erva-doce.
de 2010, o que abriu espaço para a atuação fora A Braskem vende o polímero bruto para os seus
do Brasil, e de quatro fábricas de polimerização clientes, que se encarregam da transformação da
Da esquerda para da Dow Chemical, duas nos Estados Unidos e resina em embalagens de cosméticos, protetores
a direita, Patrick duas na Alemanha, no ano passado. solares, brinquedos, sacolas de supermercado e
Teyssonneyre, Marcelo
Farah e Mauro
A inauguração da fábrica de polímero do etanol outras aplicações. Fora do Brasil, os acordos co-
Oviedo, na fábrica de cana em setembro de 2010 com capacidade de merciais para a utilização do polímero da cana
em Triunfo (RS) produção de 200 mil toneladas por ano no polo têm se ampliado, a exemplo da parceria firmada
no início de junho com o grupo alemão Tecnaro, As melhores ideias são convertidas em pro-
empresa que desenvolveu uma espécie de madei- jetos que podem ter como objetivo desde um
ra termoplástica chamada Arboform, para dar novo produto ou tecnologia até um novo servi-
outros usos para a resina. ço e aplicação para algum produto já existente.
A possibilidade de voltar a produzir um po- “Buscamos universidades no mundo que são as
límero verde pela petroquímica, que tem como mais destacadas nos assuntos em pauta nos pro-
principais acionistas o grupo Odebrecht e a Pe- jetos e fazemos propostas de trabalho conjunto”,
trobras, surgiu em 2004, mas só em 2006, quan- diz Teyssonneyre, engenheiro de materiais for-
do a empresa contratou uma consultoria externa mado pela Universidade Federal de São Carlos
para fazer um mapeamento do mercado global, o (UFSCar). O primeiro contato com a Braskem
projeto tomou forma. “Na conversa com clientes, foi durante um estágio feito quando cursava a
percebemos que a questão da sustentabilidade universidade. “Comecei como engenheiro de
estava ganhando importância no mercado con- desenvolvimento de produtos e depois passei
sumidor”, diz Patrick Teyssonneyre, diretor de a gostar dos laboratórios”, conta o diretor, que
inovação e tecnologia para polímeros, de 35 anos fez MBA em gestão na Fundação Getúlio Vargas.
e há 12 na Braskem. Para o trabalho de prospec- Entre as instituições parceiras da empresa es-
ção a empresa tem uma equipe de 70 pessoas, tão a Universidade Estadual de Campinas (Uni-
composta pelas áreas comerciais, de marketing, camp), a Universidade Federal do Rio de Janei-
desenvolvimento de mercado e engenharia de ro (UFRJ), a Universidade Federal do Rio Gran- química
andré cavalheiro
aplicação, que estão sempre em campo consul- de do Sul (UFRGS) e as universidades Clemson,
tando clientes e consumidores finais sobre as Massachusetts e Stanford, nos Estados Unidos.
necessidades e tendências no setor. Com Stanford, por exemplo, a Braskem firmou um
O relevo
econômico
do Estudo mapeia o processo de desconcentração
industrial no estado de São Paulo | Claudia Izique
interior
72 z julho DE 2012
economia
O
geografia
processo de desconcentração industrial
no estado de São Paulo, iniciado na década
de 1970, alterou profundamente seu mapa
e território: a mancha metropolitana da
capital se expandiu em direção ao Vale
do Paraíba, Sorocaba e às regiões de Campinas e Ri-
beirão Preto, conglomerados urbanos especializados
se formaram ao longo de uma densa malha rodoviária
e as cidades médias assumiram a liderança do merca-
do em seu entorno. “O interior não é mais um espaço
plano. Tem ‘relevo’ econômico”, afirma Eliseu Savério
Sposito, do Departamento de Geografia da Faculdade de
Ciência e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), em Presidente Prudente.
À frente de um grupo de pesquisadores, Sposito coor-
denou um projeto que mapeou o movimento e as carac-
terísticas do processo de desconcentração da indústria no
estado. Eles constataram, por exemplo, que muitas empre-
sas deslocaram fábricas para o interior, mas mantiveram
a sede, assim como o seu board, na cidade de São Paulo.
Esse divórcio dos processos de gestão e de produção,
que Sposito qualifica de “disjunção produtiva”, obedece
à “lógica da acumulação capitalista” de reduzir custos de
Rodovia dos produção que, nos anos 1980, cresciam significativamente
Bandeirantes, rumo na metrópole. Essa lógica, no caso de São Paulo, confe-
ao interior do
estado: expansão
riu um caráter particular à desconcentração industrial.
do eixo do “O processo limitou-se a uma área bem definida e, por
desenvolvimento extensão, ao território nacional, não se tornando nítida e
Linha de montagem
da GM em São José
dos Campos,
região do Vale do
Paraíba: no interior,
mas perto da capital
regionais e
suas principais
conexões
nos diversos
Uberlândia
eixos de Belo Horizonte
transporte
no estado
Campos dos
de São Paulo Goycatazes
Interior de
São Paulo
RMSP
PIB cidade
Eixos rodoviários
Rio de Janeiro
Eixos ferroviários
(bitola mista)
Porto de Santos
Eixos ferroviários
(bitola larga)
Curitiba
Eixos ferroviários
(bitola estreita)
Terminal Mairinque
Joinville
Escala 1 : 7.000.000
Porto de Santos
tégia de linha de montagem e produção em massa, malha rodoviária paulista somava mais de 198 mil
em que é forte a relação entre empresas e territó- quilômetros. Deste total, 5 mil quilômetros de ro-
rio – para um sistema de acumulação flexível do dovias – exatamente aquelas com maior fluxo de
capital –, onde os investimentos não reconhecem transportes, traçados em mão dupla e conectados à
fronteiras, e que também norteiam o processo de capital – já eram operados por concessionárias pri-
globalização de empresas. “As necessidades loca- vadas. “As rodovias são o esqueleto do crescimento
cionais passam a ser ditadas pelo acesso aos trans- econômico do estado”, enfatiza Sposito. O estado
portes, pelas possibilidades de conexão à internet, conta ainda com quatro grandes aeroportos, por
aos satélites e às telecomunicações”, afirma Arthur meio dos quais circulam passageiros e cargas de
Magon Whitaker, da FCT/Unesp. “As distâncias maior valor agregado. O de Viracopos, em Campi-
relativas tornam-se cada vez mais importantes do nas, é o segundo maior terminal de cargas do país.
O Projeto que as distâncias absolutas”, ele escreveu em Uma A infraestrutura de transporte, associada à
O novo mapa da indústria no discussão sobre o conceito de produção do espaço ur- disponibilidade de mão de obra qualificada e
começo do século XXI: novas bano, que integrará a publicação do grupo. especializada, patrocinou o que Sandra Lencio-
dinâmicas industriais e o
território – nº 2004/16069-0 ni, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
investimento público Humanas da USP, qualifica de “desconcentração
modalidade A descentralização da indústria amparou-se nos concentrada”. Nas regiões administrativas que
Projeto Temático investimentos públicos, principalmente estaduais, circundam a capital, os indicadores mostram que
Coordenador na reorganização do território para atender às o crescimento em valor agregado foi maior que
Eliseu Savério Sposito – demandas corporativas e permitir maior fluidez o número de unidades industriais, demonstran-
FCT/Unesp
e competitividade territorial das empresas, anali- do um movimento de empresas mais capitaliza-
investimento sa Márcio Rogério da Silveira, que foi docente da das e/ou de porte grande ou médio, exemplifica
R$ 196.879,45 (FAPESP) Unesp, no estudo sobre os sistemas de transpor- Maria Encarnação. Em outras regiões – Marília,
te e logística no estado de São Paulo. Em 2007, a por exemplo –, embora a participação no total do
A dança das
cadeiras da ONU
Ideia do Brasil no Conselho de Segurança, vista como
“capricho” por analistas, partiu dos Estados Unidos
Carlos Haag
E
strela do encontro, Rui Barbosa confessou membro permanente: o Brasil e a criação da ONU
sua decepção com os rumos práticos da (Contraponto). A sugestão partiu do presidente
Conferência de Haia, de 1907. “Mas seus Roosevelt, que instruiu sua delegação a trabalhar
resultados invisíveis foram muito longe, pela candidatura brasileira. Fazer parte do órgão
pois mostraram aos fortes o papel necessário dos que realmente detinha o poder na ONU, respon-
fracos na elaboração do direito das gentes.” Esse sável pela segurança global, era um sonho de con-
conceito de superação das relações assimétricas sumo, privilégio dos chamados Quatro Policiais:
de poder por novas formas ideais de interação Estados Unidos, Inglaterra, União Soviética e Chi-
diplomática, em que o estatuto igualitário seria na. A França, posteriormente, se juntaria a eles e
um dado essencial, permanece no discurso diplo- formaria o grupo dos P-5.
mático brasileiro até hoje, presente, em especial, “Relatei ao presidente que havíamos levantado
na candidatura do país a um assento permanente a questão de um lugar permanente para o Brasil
no Conselho de Segurança das Nações Unidas. no Conselho de Segurança, que o grupo soviético
Para muitos analistas, essa aspiração é uma mis- e o britânico se opuseram e que pressionar ainda,
perception da nossa real estatura internacional, a esta altura, não seria aconselhável. O presiden-
o desejo por um status que, alcançado, traria te, finalmente, concordou em não incluir o Brasil
um ônus financeiro e militar elevado. A ação na minuta inicial, mas que uma cláusula geral
recente do Executivo nesse sentido seria até uma deveria ser incluída na proposta, de maneira a
“obsessão”. deixar uma porta aberta para que, trabalhando
A história, porém, revela que a pretensão de com Stalin e com o primeiro-ministro britânico,
ser o “sexto membro” do conselho não é fruto de ele pudesse, mais tarde, voltar a tocar no assunto,
uma visão distorcida, mas fez parte da agenda da antes do início do funcionamento da organiza-
criação da Organização das Nações Unidas (ONU) ção”, escreveu o subsecretário de Estado ame-
em seus primórdios. “Em 1944, na Conferência de ricano Edward Stettinius em seu diário pessoal
Dumbarton Oaks, que reuniu as potências alia- em agosto de 1944. Dias mais tarde, completou:
das, foram aprovadas propostas para a criação de “Entreguei ao presidente o memorando sobre o
uma nova organização internacional encarregada Brasil que recomendava que não pressionásse-
de manter a paz futura, pela força se necessário. mos por um lugar permanente para o Brasil. A
O Brasil, ausente do encontro, foi o único país a princípio, ele não gostou, mas depois concordou. Bertha Lutz
ser cogitado como detentor de uma sexta cadeira O presidente declarou que isso era importante assina pelo
Brasil na
permanente no futuro Conselho de Segurança”, porque, no futuro, ele poderia querer propor um
Conferência de
conta o diplomata Eugênio Garcia, professor ti- lugar para um país islâmico e que o Brasil era um São Francisco
onu
tular do Instituto Rio Branco e autor de O sexto trunfo escondido para uso posterior”. (1945)
história
Ainda assim
o som se move
Músico, pai de Galileu
influenciou filho na busca pela
verdade experimental
“A
ciência descreve as coisas como são; a
arte, como são sentidas, como se sente
que são”, escreveu Fernando Pessoa. A
certeza do poeta foi motivo de debates
e de uma profusão de tratados filosóficos na pas-
sagem do século XVI, com sua crença platônico-
-pitagórica na matemática como fundamento da
ciência e da arte, para o século XVII, quando
se percebeu que nem tudo podia ser reduzido a
números. Em especial as coisas sentidas.
Um pioneiro dessa visão crítica foi o músico
Vincenzo Galilei (1520-1590), pai de Galileu Ga-
lilei, que antes do advento da revolução científica
já percebia os limites da “matematização”, capaz
de gerar mudanças positivas na classificação de
algumas ciências, mas ineficaz em outras. “Não
somente porque a busca da natureza dos objetos
de algumas ciências estava sendo posto em dúvi- música
da, mas porque as diferentes formas de interação
entre os conhecimentos práticos, teóricos e dos
artesãos se deram de maneiras diversas”, afirma,
a historiadora Carla Bromberg, que trabalha os
vários tratados teóricos de Vincenzo, a maioria
inéditos, na sua pesquisa de pós-doutorado Do
número ao som: a transformação do conceito qui-
Retrato de um
nhentista de música defendida por Vincenzo Galilei.
cavalheiro que
se presume seja “Ele demonstrou que a música era um fenô-
o compositor meno natural sonoro, contradizendo a tradição
Vincenzo Galilei, vigente que a entendia apenas como número e
pintado por
proporção”, explica. “Em seus escritos, fruto de
Alessando Allori
e datado do experimentações práticas e observações mate-
século XVI máticas, Vincenzo proporcionou esclarecimentos
fotos 1 DEA / G. DAGLI ORTI /De Agostini /Getty Images 2 Art Images Archive / Glow Images
do seu criador.
O alvo de Vincenzo era justamente os
adeptos dos conceitos pitagóricos, como
Gioseffo Zarlino (1517-1590), mestre-
-capela da catedral de São Marcos, em
Veneza. Embora tenha sido mestre de
Galilei por algum tempo, Zarlino tinha
uma leitura tradicional da natureza ma-
temática da música, tentando encaixar
na velha moldura pitagórico-platônica
legitimada na tradição textual as “novi-
dades sonoras” advindas dos excessos da
polifonia. Galilei, a partir de seus experi-
mentos, concluiu que muitas das razões
propostas teoricamente não existiam
na prática. Vincenzo também percebeu
que muitos dos intervalos musicais que
o sistema vigente negava existiam e eram
matematicamente representáveis.
incompatibilidade
Segundo a pesquisadora, ao experimen-
tar, na prática, as variações nos compor-
tamentos dos corpos, ou seja, da matéria,
e perceber que isso gerava diferenças
sonoras, Vincenzo viu que havia fatores
que as ciências matemáticas não davam
conta de explicar. Foi essa evidência da
incompatibilidade do mundo matemáti-
co, com seus objetos abstratos, e o mundo
físico, de objetos reais, que levou Galilei
a concluir que, se a natureza do material
estudado, o som, era sensorial, a evidên-
1 cia da experimentação era o caminho in-
A tocadora de alaúde, dicado para a investigação. Não se devia
pintura de Andrea privilegiar o estudo da música especulati-
Solario, datada do
século XVI, em Roma
vam a música. “Foi o choque das formas va ao estudo das sonoridades, campo das
de conhecimento prático e técnico com coisas “como se sente que são”.
o teórico que mostrou a necessidade de Mas, como faria o filho, a briga do pai
sobre o descompasso que havia entre a uma mudança e método. Defender ideias mexia com conceitos já estabelecidos há
teoria e práticas musicais de sua época que contradiziam autoridades e estru- muito tempo. A argumentação de Zarlino
e propôs ideias que se tornaram funda- turas do pensamento ocidental foi algo baseava-se na teoria de razões de núme-
mentos da acústica, da música barroca e que Vincenzo já fazia antes de Galileu.” ros inteiros, transmitida pelo filósofo Se-
do sistema tonal que perdurou por mais Em seus tratados musicais, o toca- vério N. Boécio e baseada nos gregos. Era
de 150 anos”, observa a pesquisadora. dor de alaúde e teórico musical esbo- ilustrada historicamente através da lenda
Embora mais conhecido como o pai de çou um método investigativo inovador. da invenção das consonâncias atribuída a
Galileu, Vincenzo influenciou filósofos “Na contramão da sua época, Vincenzo Pitágoras e seu monocórdio, instrumento
naturais contemporâneos a ele e pos- preconizou a supremacia da observação descrito como composto por uma única
teriores como Marin Mersenne, Simon e dos experimentos”, nota a pesquisado- corda estendida entre dois cavaletes fi-
Stevin e o próprio filho astrônomo. ra. Vincenzo não hesitava em questionar xos. Segundo se acreditava, o filósofo in-
Se, hoje, é mera fonte de prazer, a músi- doutrinas tradicionais. “Como ninguém vestigara a relação entre o comprimento
ca, desde a Idade Média, era considerada havia explicado os problemas de forma a de uma corda vibrante e o tom musical
como uma ciência que tinha por funda- satisfazer o intelecto, foram necessárias produzido por ela. Pitágoras observou
mento a aritmética e, consequentemente, uma averiguação e a arguição dos fatos que pressionando um ponto situado a
seu objeto não era o som, mas o número. teóricos”, escreveu. Para ele, qualquer 3/4 do comprimento da corda em rela-
Nas universidades, só se aceitava que se que fosse o autor, antigo ou moderno, ção a sua extremidade – o que equivale a
teorizasse sobre o mundo sonoro. Dentre era preciso contestar alegações falsas, reduzi-la a 3/4 de seu tamanho original
os autores desses tratados poucos pratica- pois uma ideia não deveria ser propa- – e tocando-a a seguir, ouvia-se uma
E
le, que entendia como poucos o “desen-
cantamento do mundo” weberiano, uma
de suas especialidades, sem querer acabou
incrementando com sua morte, em 8 de
junho, aos 67 anos, esse desencanto. O sociólogo
Flávio Pierucci atuou no campo da sociologia da
religião a partir do referencial de Max Weber e,
recentemente, discutia o fenômeno da religiosi-
dade brasileira a partir dos dados dos vários cen-
sos demográficos. Interessava-se em particular
pelo crescimento do pentecostalismo em suas
várias vertentes, pela predominância da Igreja
Católica, a despeito da queda percentual dos
fiéis, e lamentava a diminuição dos adeptos das
religiões africanas como umbanda e candomblé
como fruto dessa expansão neopentecostal.
Especializou-se em teologia pela Pontifícia Pierucci, em
Universidade Gregoriana (1970), graduou-se no Brasil e Igreja: contradições e acomodação. 2004: análise
dos movimentos
em filosofia (1973) e obteve os títulos de mestre Um de seus trabalhos analisava a relação entre pentecostal
em ciências sociais, em 1977, com a dissertação o crescimento das igrejas neopentecostais e seu e católico
“Igreja Católica e reprodução humana no Brasil”, envolvimento com a política. Foi um dos estudos
defendida na Pontifícia Universidade Católica de pioneiros nesse tema.
São Paulo (PUC-SP); doutor em sociologia, em Para Pierucci, o Brasil assiste a uma oferta
1985, com “Democracia, igreja e voto: o envolvi- enorme de religiões, assim, afirmar que religião
mento do clero católico nas eleições de 1982”; e hoje é um negócio não seria um erro. E para aboca
livre-docente, em 2001, com “Desencantamento nharem mais fiéis, ou clientes, segundo Pierucci,
do mundo: os passos do conceito em Max Weber”, as igrejas usam estratégias de marketing como as
este último pela Universidade de São Paulo, onde empresas. As pessoas não procuram mais a salva-
foi professor titular e chefe do departamento de ção depois da morte, seus desejos são imediatos.
sociologia até o seu falecimento. Entre 1971 e 1987 É isso que as novas religiões procuram oferecer.
foi pesquisador do Centro Brasileiro de Análise As que não oferecem, perdem clientes.
e Planejamento (Cebrap). “As pessoas estão procurando um novo tipo
Entre 1978 e 1985, foi professor do departa- de religião, que são as igrejas pentecostais, que
mento de sociologia da PUC-SP. Entre 1992 e na verdade prometem para você não a lealdade
1996, foi secretário executivo da Associação Na- a seu passado religioso, mas a ruptura com seu
cional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências passado religioso. É uma religião que cola muito
Sociais (Anpocs) e, de 2001 a 2012, foi secretário- na cultura capitalista”, afirmava. “A religião faz
-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso hoje muito marketing de si mesma. Ela diz: olha,
da Ciência (SBPC). é preciso religião para ser feliz, para ter saúde,
Entre as dezenas de trabalhos publicados, des- mental e física. Alguns precisam e outros não.
tacam-se os livros A realidade social das religiões Uns vivem muito bem sem religião”, avisava. n
L
ira Neto é repórter. E a magnífi- primeiro, uma briga em Ouro Pre-
ca trilogia sobre Getúlio Vargas, to, onde estudava com seus irmãos
a maior personalidade política mais velhos, resultou na morte do
do século XX no Brasil, cujo primei- filho de um quatrocentão paulista.
ro tomo foi lançado em maio pela Nas centenas de páginas, lidas uma
Companhia das Letras, é seu gran- a uma, Lira encontrou uma descri-
de projeto de vida. Iniciado há dois ção do assassino feita por uma tes-
anos, resultará em três volumes que temunha-chave: usava bigode. Me-
terão, cada um, ao menos 600 pági- ninote, Getúlio naquela época ain-
nas. Completa, a trilogia ultrapassa- da era imberbe. No outro, de uma
rá 1.800. É projeto para cinco anos. índia no interior do Rio Grande,
Este primeiro volume cuida do encontrar o inquérito não foi fácil.
período de formação até a Revolu- Não estava arquivado na pasta em
ção de 1930, quando Getúlio assume Getúlio – Dos anos de que deveria estar. A persistência do
o poder. O segundo, a ser lançado em formação à conquista repórter que não desiste fez com
2013, tratará do período entre 1930 do poder (1882-1930)
Lira Neto
que terminasse encontrando-o.
e 1945, época em que ocupa o poder Companhia das Letras O assassino chamava-se Getúlio
ininterruptamente, a partir de 1937 664 páginas, R$ 52,50 Dornelles de Vargas. Era um homô-
como ditador. O terceiro tratará dos nimo. Na certidão de nascimento
anos de exílio, de seu retorno em 1950 “nos braços do assassino, os nomes dos pais eram outros. Sem
do povo” e culminará com seu suicídio. Será lan- este esforço de busca, tais documentos mofariam
çado em 2014, exatos 60 anos depois da sua morte. nos arquivos sem que ninguém os tocasse.
Cearense, Lira trabalhou em O Povo, onde, mui- Essa obsessão pelas minudências resulta que a
to jovem, chegou a ser ombudsman. Ainda em narrativa de cada episódio de sua vida seja descrita
Fortaleza, fez seu primeiro experimento biográ- num texto leve, fluente e de leitura agradável, que
fico narrando a vida de Rodolfo Teófilo, escritor envolve, encanta e segura o leitor. Embora mer-
e médico sanitarista, um equivalente cearense a gulhe fundo e se envolva profundamente com seu
Oswaldo Cruz. Em 2004, já em São Paulo, lançou a biografado, não se deixa contaminar pela paixão
biografia de Castello Branco. A seguir vieram José e não perde a isenção. A realidade do Rio Gran-
de Alencar (2006) – que lhe rendeu um Jabuti –, de do Sul na virada do século XIX para o século
Maysa (2007) e Padre Cícero (2009). Como se XX e o Brasil da República Velha são bem apre-
vê, Lira sempre escolhe para biografar persona- sentados como pano de fundo da narrativa. E o
lidades fascinantes, complexas e contraditórias. leitor já identificará no biografado atributos que
Getúlio Vargas talvez seja o brasileiro mais es- se tornarão marcas do Getúlio maduro.
tudado. Sobre ele produziram-se livros, perfis bio- Trabalho de jornalista, a obra é dedicada ao
gráficos, biografias, dissertações e teses. Lira leu grande público. Mas para pesquisadores, historia-
tudo o que encontrou. E também buscou fontes dores e outros interessados, todos os fatos narrados
primárias como jornais, documentos em arquivos são referidos em notas ao fim do volume. Neste
e bibliotecas, folhetos, marchinhas, fotos, tudo. tomo, são exatas 1.773. Pela primeira vez, Getúlio
Estudos de primeira qualidade e muito material Vargas contará com uma biografia exaustiva feita
produzido por áulicos ou detratores. Também “com base numa pesquisa impressionante”, como
tirou da poeira inquéritos e processos. anotou Boris Fausto na contracapa. Maria Celina
Todo este garimpo resultou em várias descober- D’Araujo fala em “imensidão de dados”. Os brasi-
tas. Dois assassinatos atribuídos a ele foram escla- leiros precisam conhecer a vida deste homem cujo
recidos: Getúlio é inocente em ambos. Antes de legado permanece e ainda gera tanta polêmica.
Lira, outros pesquisadores já trataram destes ca-
eduardo cesar
sos. Mas o autor, nos dois casos, foi o primeiro a se Victor Gentilli é jornalista, mestre e doutor pela ECA-USP e professor
debruçar e dissecar os inquéritos e processos. No da Universidade Federal do Espírito Santo.
A
Há 100 anos nascia palavra computador era usada somente
em um sentido até as primeiras décadas
Alan Turing, que criou do século XX. O significado indicava
apenas uma pessoa que fazia cálculos, um
as bases teóricas da profissional envolvido no uso dos algoritmos.
ciência da computação Computar exigia muitas horas de trabalho
com grande concentração e o auxílio apenas
de instrumentos como o ábaco ou a máquina de
Neldson Marcolin somar. Em 1936, o inglês Alan Mathison Turing,
nascido há 100 anos, escreveu um trabalho
acadêmico de lógica propondo uma estrutura
matemática abstrata que chamou de “máquina
universal” capaz de fazer qualquer tipo de
cálculo. O artigo On computable numbers,
with an application to the Entscheidungsproblem,
publicado no início de 1937, é considerado um
dos fundadores da ciência da computação.
Quando escreveu On computable numbers, Protótipo da
ele não estava pensando em uma máquina que máquina ACE,
de 1952, projeto
poderia vir a ser construída – o objetivo era de Turing que
apenas resolver um problema de lógica. posteriormente
foi abandonado
88 | julho DE 2012
“Sua máquina universal,
conhecida como ‘máquina
de Turing’, na verdade era
uma metáfora das ideias
fundamentais que viriam 3
(Unicamp). 2
O inglês não foi o único a chamada Bomba, cuja do que viria a ser o campo
pensar nisso. Também em
que resultaram primeira versão havia sido de inteligência artificial”,
1936 o lógico americano no campo da construída por cientistas explica D’Ambrósio. “Com
Alonzo Church, já Ph.D., poloneses. Com isso a trabalhos como esse, ele
escreveu e publicou de
inteligência esquadra inglesa deixou exerceu influência em toda
modo independente um artificial de ser surpreendida pelos cultura contemporânea
artigo com a mesma ataques do Terceiro Reich. e não apenas na lógica e
conclusão. Turing, então “Além de ser um teórico na matemática”, diz Costa.
com 25 anos, foi fazer seu brilhante, Turing tinha A vida pessoal de Turing
doutorado sob a orientação um lado prático forte”, foi muito mais difícil do que
de Church na Universidade diz Newton da Costa, a acadêmica. Homossexual,
de Princeton, nos Estados matemático aposentado da ele foi preso em 1952
Unidos. Em 1939 ele voltou Universidade de São Paulo acusado de indecência grave
à Inglaterra e passou a e professor de filosofia com outro homem com base
trabalhar para o governo. da Universidade Federal de em lei de 1885, a mesma
Tudo começou porque Santa Catarina. Entre outros que levou Oscar Wilde
os militares ingleses ficaram projetos, por exemplo, ele à prisão em 1895. O
sabendo de seu gosto por criou a máquina-piloto matemático aceitou trocar
criar e decifrar códigos e o ACE, sigla para Automatic a pena por uma castração
convocaram para trabalhar Computing Engine, uma química e usar estrogênio
com um grupo de cientistas espécie de ancestral do para “ser curado” da
em um projeto secreto. computador, para “atacar homossexualidade.
O objetivo era decifrar as problemas complexos”. Em 1954, aos 41 anos,
ordens alemãs – codificadas Em 1950 o matemático Turing morreu ao morder
por uma máquina publicou seu artigo uma maçã envenenada
chamada Enigma – enviadas seminal, Computing com cianeto. Para a
aos submarinos que machinery and polícia inglesa foi suicídio.
patrulhavam o Atlântico. intelligence. “Proponho A família e os amigos
A questão era capital para 4 que consideremos a questão: nunca aceitaram essa versão.
Ciranda 1
Figurações orgânicas
T
Anita Colli ubos de ensaio são ferramentas
essenciais para pesquisas
transforma peças de laboratório. Pipetas e ponteiras
podem quantificar medidas milimétricas
de laboratório na manipulação de soluções diversas.
de pesquisa E outros universos podem se esconder por
trás da faceta científica dos pequenos frascos.
em esculturas Se manipulados por Anita Colli, esses três
materiais se transformam em objetos de arte.
Em sua pesquisa sobre volumetrias produzidas
Gustavo Fioratti a partir de materiais descartáveis, a artista
plástica descobriu que, em galerias de arte
ou na sala de casa, equipamentos das
áreas científicas também dão boa química.
Anita é médica, profissão que exerceu desde
1965, quando se formou pela Universidade de
São Paulo (USP). Ela aposentou-se em 1998 e,
em um primeiro momento, passou a dedicar-se
às oficinas de pintura. Fez retratos e pinturas
abstratas, mas descobriu que tinha mais
afinidades com o plano tridimensional.
90 | julho DE 2012
Suas primeiras colagens uns aos outros; Cirandas,
fotos Waldo Bravo
B
artolomeu Lourenço, singular entre os — Que coincidência! — exclama Bartolomeu.
mancebos, foi um milagre entre os homens. — Nada disso. Chama-se fé o que aconteceu —
Como contam os livros, nasceu em São responde Alexandre. Simão concorda, rasgando
Vicente, cidade vizinha a Santos, no ano da graça com os dentes a casca do fruto.
de 1685. Por lá cresceu e, no intercâmbio dos — Certamente, então, os senhores não conhe-
séculos, mudou-se com dois de seus irmãos para cem os recentes trabalhos do Mr. Isaac Newton
a Bahia — terra de absurdos sem precedentes. — afirma Bartolomeu, com certo pedantismo.
Cachoeira era uma das maiores cidades do país, — Aquele alquimista? — graceja Alexandre.
e se atualmente parece pequena não é porque — Um sonhador, talvez. Mas estes trabalhos
encurtou, mas o mundo ao redor que cresceu explicam os movimentos propulsores da nature-
muito rápido. A vista atual do rio Paraguaçu não za, sendo que a gravidade é um deles — explica
é tão diferente da que passou por seus olhos, os Bartolomeu.
de Alexandre e os de Simão. — A gravidade? — pergunta Alexandre, en-
Filiou-se à Companhia de Jesus, onde conhe- quanto Simão, com ferocidade, destrói o fruto
ceu o padre Alexandre de Gusmão, de quem mais olímpico.
tarde adotaria o sobrenome. Com apenas 20 anos, — Sim. É a força que rege a queda das mangas
inventou um sistema que bombeava água ladeira e de todas as outras coisas.
acima, livrando o esforço de escravos e animais — Então duvidas da fé de Simão? — desafia
(estavam livres, logo se deduz. Mas nada disso; Alexandre.
apenas gastariam suas energias em atividades — A fé move montanhas — completa Simão,
outras.) Mente engenhosa, memória fantástica; terminando de lidar com o fruto.
o que de mais importante lhe aconteceu nesta — Mas certamente não move mangas — res-
pequenina cidade, porém, não entrou pros anais ponde o inventor, sorrindo.
da história: um milagre substancial. Alexandre propõe uma comprovação divina e
Estavam a passear próximos ao rio, os três ir- também estica o braço. Menos de um minuto, e
mãos, quando avistaram uma frondosa mangueira, também lhe cai uma manga, que ele segura co-
recheada de frutos suculentos. As mangas eram mo um gavião agarra sua presa. Bartolomeu se
novidade no país. Rosadas, macias, lisas, como a assombra. “Dois eventos repetidos estão além
divina Vênus. Zombavam deles, com tanta beleza. da mera coincidência. Testarei, também, minha
Simão, em contrapartida, graceja para uma delas, fé.” E, à maneira dos irmãos, espera seu fruto
a mais gorda de todas, com os olhos cerrados e nervosamente. “Se o próprio Newton tem suas
a mão esticada. crenças, por que haveria eu, reles seminarista,
— Ó, fruto de mel celeste, permiti que Simão, de contestar as forças supremas?” Não foi como
vosso humilde servo, sinta em seus delgados dedos ele planejou.
a aurora que haveis de despertar-lhe. — Para sua Antes que acusem o humor destas celebridades
surpresa, o belo fruto desaba em sua mão. Ele o se- históricas, convoco-lhes, judiciosos leitores, a se
gura com firmeza, como se o milagre fosse esperado. lembrarem de que todos os homens eminentes
92 | julho DE 2012
luana geiger
foram, um dia, garotos. Ao ver o irmão em ago- trolando as suas, ele domina a arte de voar, desen-
nia, um dos galhofeiros lhe lambuza a palma com gonçadamente. Lidava com os ventos como um
o caroço da manga chupada. Não merece julga- nadador, enfrentando-os, ou deixando-se levar.
mento assim como Bartolomeu não o merece, Subia cada vez mais. Viu a mangueira de ci-
pela ira visível e estridente que lhe surgiu com a ma, como um arbusto, e as edificações da cidade,
brincadeira. Eram, antes de tudo, fedelhos. Bar- como uma maquete viva, e as pequenas pessoas,
tolomeu foge pranteando às alturas, menos pela iguais a insetos, e as curvas do rio, uma serpen-
manga que lhe faltava aos dedos, mais pela falta te adormecida. “Como as coisas são minúsculas
de fé que deixava uma lacuna em seu coração. em relação aos poderes do universo.” Percebia os
benefícios da nova técnica, que lhe era a ciência
•• em estado puro. As viagens estariam livres dos
Pensativo, vaga pelos vales que circulam a cida- ladrões e pedregulhos, por terra, e dos piratas e
de e encontra uma mangueira selvagem, pagã, tempestades, por mar. O mundo evoluía. O país
aberração da espécie ainda mais frondosa que a ainda haveria de gerar outros pássaros miracu-
primeira. Resolve testar sua fé novamente: reza losos. Pergunta-se quanto tempo levaria para
temendo os céus; reza para que possa estar com alcançar Salvador, a capital da colônia. Tentaria
seus irmãos, pois eles não tinham culpa de suas mais tarde, com uma bússola. Mas vem abaixo
moléstias; reza para que lhe caia uma manga, antes mesmo que a ideia fugisse por completo de
como prova de sua crença e de sua intrínseca sua mente, e desaba como um meteoro.
força de vontade. No outro dia, após as buscas desesperadas dos
E lá ela estava, lisa, perfumada, porém leve irmãos de sangue e de culto, é encontrado desa-
demais, como se estivesse suspensa por algo. cordado, debaixo da mangueira, rodeado por um
Mais uma peça daquela dupla, logo deduz, e abre mar de frutos verdes, rosas, amarelos.
os olhos. Se num segundo penetrava a copa da — Esse vai longe — diz Alexandre, ignorando
mangueira, no outro caía como um fruto madu- as verdadeiras distâncias.
ro, olhando para o chão com absoluto terror. Mas Bartolomeu, a partir de então, passaria a coletar
antes que toque a sombra na terra, para sua sorte, vontades, na tentativa de realizar voos seguros.
consegue refrear-se no ar, paralisado, sem fôlego. Vontades fortes, ardentes, febris, como a que uma
Controlando sua respiração, ele sobe em linha vez tivera. Dali iria a Salvador, e depois a Lisboa,
reta, como se estivesse preso a uma roldana. A onde estavam os homens mais ambiciosos do pla-
manga ainda estava na árvore, por isso a leve- neta. Foi a esta sensação de ver o mundo de cima
za. Estava marcada por seus dedos como a ferro que Bartolomeu dedicou o resto de sua vida. Esta
quente. Não era obra diabólica, pensa, senão já sensação de se estar mais próximo dos céus. n
teria sido fulminado. Havia alguma relação entre
o calor e a gravidade. Ele reflete, enquanto a chu-
Paulo Raviere Barreto Dourado nasceu em Irecê (BA), em 1986.
pa, no ar: “Claro! Há coisas quentes que flutuam, É mestrando pela UFBA, onde se graduou em língua estrangeira.
e nada há de mais ardente que as vontades”. Con- Publicou em antologias e no blog Confraria de Tolos.
Y Y
O MAIOR CATÁLOGO
DE ANTICORPOS
AGORA COM ENTREGA
EM 20 DIAS NO BRASIL.
CONFIRA!
94 | julho DE 2012
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96 | julho DE 2012
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