A QUESTÃO DA METODOLOGIA
na científica, a teologia bíblica tem uma tarefa puramente descritiva(...)." indivíduo que faz a interpretação. Independentemente de
Veja a crítica de H. CUNLIFFE-JONES, The "Truth" of the Bible, ExpTim, v. 73, qual seja a cosmovisão do intérprete e de que espécie de siste
p. 287, 1962. ma filosófico seja adotada para a interpretação teológica ou
6
STENDAHL, IDB, I, P· 419.
7
Neste ponto STENDAHL segue a posição dos autores da Universidade de 8
Uppsala dos ensaios de FRIDRICHSEN et ai., The Root of the Vine, que con CHILDS, Biblical Theology in Crisis, p. 79, faz objeções à dicotomia reafirma
cordam que a teologia bíblica é primordialmente uma tarefa histórica da por STENDAHL porque ela estabeleceria uma "cunha entre a disciplina
e descritiva que deve ser distinguida de reflexões normativas poste bíblica e as disciplinas teológicas" que o Movimento de Teologia Bíblica
riores. buscava remover.
56 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 57
"o que ele quer dizer", a abordagem teológica e interpretati em si mesma, ser validada ou invalidada pelo estudo exegé
va "do que ele quer dizer" significa fazer teologia e é conce tico do texto, pois o que está em pauta é precisamente o modo
bida como sendo normativa para a fé e a vida. como o estudo exegético está relacionado com o fazer teolo
É evidente que a distinção da época moderna entre "o gia. " 11 Se este é o caso, precisa-se perguntar com base em
que ele queria dizer" e "o que ele quer dizer", i.e., a interpre quê se forma um juízo teológico em favor. de uma maneira
tação teológica que é normativa, é problemática tanto no em detrimento das outras ou em favor de outras maneiras
tocante à própria distinção quanto à sua tarefa. D. H. KEL de relacionar "o que ele queria dizer" com "o que ele quer
SEY, p.ex., afirmou sucintamente que há diversas maneiras dizer".
pelas quais "o que ele queria dizer" e "o que ele quer dizer" Críticas da distinção entre "o que ele queria dizer" e "o
podem ser relacionados um com o outro, produzindo resul que ele quer dizer", i.e., entre a reconstrução histórica ou o
tados variáveis9 • Em primeiro lugar, pode-se decidir que a que é histórico, descritivo e objetivo e a interpretação teoló
abordagem descritiva que procura determinar "o que ele gica ou o que é teológico e normativo, foram propostas de
queria dizer", seja lá por que métodos de investigação, seja vários quadrantes. B. S. CHILDS12 tem objeções à abordagem
considerada idêntica a "o que ele quer dizer". Em segundo histórica e descritiva por causa de sua natureza limitante. A
lugar, pode-se decidir que "o que ele queria dizer" contém tarefa histórica e descritiva não pode ser vista como um es
proposições, idéias etc. que devem ser decodificadas e tra tágio neutro que levasse, depois, a uma interpretação teoló
duzidas sistematicamente bem como explicadas e que isso é gica genuína 13• O texto, diz CHILDS, é "um testemunho que
"o que ele quer dizer", mesmo que essas explicações jamais aponta para além de si mesmo, para o propósito divino de
tenham ocorrido aos autores originais e tivessem sido rejei Deus" 14• Precisa haver "o movimento que vai do nível do
tadas por eles. Em terceiro lugar, pode-se decidir que "o que testemunho para o nível da própria realidade" 15. STENDHAL
ele queria dizer" é uma forma arcaica de falar dependente admite que a tarefa descritiva consegue "descrever os textos
de sua própria cultura e época que precisa ser redescrita em escriturísticos como textos que apontam para além de si
formas contemporâneas de falar dos mesmos fenômenos, e mesmos (... ) em sua intenção e sua função ao longo do tem
que essa redescrição é "o que ele quer dizer". "Isso pressu po (. .. )." 1 6 Mas ele nega que a explicação dessa realidade
põe que o teólogo tem acesso aos fenômenos independente faça parte da tarefa do teólogo bíblico. CHILDS, entretanto,
mente da Escritura e de 'o que ela queria dizer', de modo insiste que "o que o texto 'queria dizer' é determinado, em
que ele pode verificar a descrição arcaica e ter uma base para grande medida, por sua relação com aquele a quem está di
sua própria descrição." 10 Em quarto lugar, pode-se decidir rigido". Ele sustenta que, "quando vistas a partir do contex
que "o que ele queria dizer" se refere à maneira como os to do cânon, tanto a questão do que o texto queria dizer quan
primeiros cristãos usaram os textos bíblicos e que "o que ele to a do que ele quer dizer estão inseparavelmente ligadas e
quer dizer" é simplesmente a maneira como eles são usados
pelos cristãos modernos. Neste caso há um relacionamento 11
Jbid.
genético. Observa KELSEY: "Nenhuma dessas decisões pode, 12
CttrLos, Interpretation in Faith.
13
lbid., p. 437.
14
lbid., p. 440.
9 KELSEY, The Uses of Scripture in Recent Theology, p. 202s, nota 18. 15 lbid., p. 444.
10
lbid., p. 203. 16
STENDAHL, The Bible in Modem Scholarship, p. 203, nota 13.
A QUESTÃO DA METODOLOGIA 59
58 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO
a teologia do AT (e bíblica) é vista como empreendimento mar nossa norma epistemológica; do contrário, o círculo
puramente histórico. Com efeito, esse novo desenvolvimen hermenêutico se tornaria um solipsismo confinante no qual
to é tão perturbador para figuras-chave que desejam manter tamos encerrados em nosso mundo e só falamos a nosso
a teologia d� AT (e bíblica) sobre esse fundamento que algu róprio círculo"25• ANoERSON parte do ponto de vista de H.
mas delas d12em que esses empreendimentos de teologia do . GADAMER e pAUL R:!COEUR. GADAMER é particularmente co
AT com base puramente descritiva têm um futuro desolador nh cido por seu conceito da fusão hermenêutica dos hori
pela frente22 • zontes do passado e do presente para completar o círculo
.
Alg�mas pe�soas têm perguntado se pesquisadores ju hermenêutico26• Seguindo a hermenêutica de GADAMER-RI-
daicos nao deveriam também se engajar na teologia do AT c0EUR, insiste ANDERSON: "Obviamente, o sentido de um
ou na teologia da Bíblia Hebraica. Por que pesquisadores ju texto não pode ser separado nitidamente de nossa
daicos não se envolveram na tarefa de escrever uma "teolo apropriação, e ele pode ser falseado por nossa
gi� d� Bíblia hebraica"? Em 1986, a questão passou para o apropriação."27 Evidentemente, há duas epistemologias
pnme1ro plano com um ensaio sobre a questão de uma teo diferentes e duas hermenêuticas diferentes atuando neste
logia judaica do AT publicado por M. TsEVAT na revista Hori caso. Mas a questão que se encontra em primeiro plano
zons in Biblical Theology. TsEVAT argumenta contra a noção de aqui é se a teologia do AT é de fato um empreendimento
uma "teologia bíblica (do AT) judaica"23, insistindo que a de que pesquisadores de persuasões religiosas divergentes
"teologia do Antigo Testamento" deve ser praticada de um podem- participar de tal maneira que suas tradições
ponto de vista "objetivo" como "aquele ramo de estudo da religiosas, i.e., seus horizontes atuais, não entrem no
literatura que tem o Antigo Testamento como seu objeto; ela processo interpretativo.
é filologia do Antigo Testamento"24• Em sua concepção, 0 Em contraposição a TsEVAT, outras vozes da pesquisa
AT, ou a Bíblia Hebraica, é literatura e não teologia. Ele su judaica na atualidade vêem as coisas de uma perspectiva
gere que a literatura é uma categoria do estudo filológico, diferente, ainda que até certo ponto relacionada com a dele.
mas a teologia é uma categoria de estudo que, para o judeu, M. H. GosHEN-GOTTSTEIN sustenta que chegou a hora de a pes-
está inserida na tradição judaica e, para o cristão, está inse
rida na tradição cristã. Essas duas tradições ou contextuali 25 A.NoERS0N, Response to Matitahu Tsevat, "Theology of the Old Testament - A
Jewish View", p. 55.
zações são tão difusas que o empreendimento teológico 26
GADAMER, Truth and Method. Veja a análise penetrante da hermenêutica de
levado a efeito pelos judeus vai judaizar a teologia do AT e Gadamer feita por WEINSHEIMER, Gadamer's Hermeneutics, com ampla
aquele realizado pelos cristãos irá cristianizá-lo. bibliografia. Importante para o empreendimento hermenêutico em seu
A objetividade" pura não é alcançável! Essa parece ser
II conjunto é a aplicação da hermenêutica de Gadamer proposta por THISELTON,
a r ação de BERNHARD W. ANDERSON a TsEVAT quando sugere The Two Horizons. Outra abordagem da hermenêutica se baseia na obra
volumosa de EMILI0 8ETII. A maior parte de suas publicações não estão
que "nosso ponto de partida epistemológico não deveria se disponíveis em inglês; veja, porém, BETII, Hermeneutics as the General
Science of the Geisteswissenschaften, in: JOSEF BLEICHER (ed.), Contemporary
Hermeneutics: Hermeneutics as Method, Philosophy, and Critique, Lon
22
Veja a discussão sobre JAMES BARR abaixo, no Cap. II, letra h, p. 125. Recen don, 1980, pp. 51-94. HIRSCH, Validity in Interpretation; id., The Aims of
tes métodos "críticos" de teologia do AT. Interpretation, está de acordo com BETTI na oposição a GADAMER e seus
23 TsEVAT, Theology of the Old Testament -A Jewish View, p. 50.
seguidores.
24
Ibid., p. 48. 27
ANoERS0N, Response, p. 55.
62 TEOLOCIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA MEfOOOLOCIA 63
quisa judaica se engajar no que ele chama de "teologia bíbli de que "bíblico" não é um termo neutro, já que significa coi
ca judaica" ou "teologia do Tanakh"28• Em sua concepção, as diferentes para os judeus (a saber, o Tanakh) e para os
empreendimento é uma disciplina à parte, mas comple ristãos (a saber, a Bíblia una de ambos os Testamentos), pode-
m nta aquela chamada "história do Israel antigo". "É preci empreender ou uma "teologia bíblica judaica'.' ou uma
riar a teologia do Tanakh como campo de estudo parale- "teologia bíblica cristã". Ele mostrou em :;eu artigo como,
1 "'29 ao da teologia do AT na qual os cristãos estão engajados. _
nos últimos 100 anos, a teologia do AT tem se caracterizado
le sustenta que ela não pode ser um empreendimento pu por matizes de anti-semitismo, e até re�entemente ela era
ramente histórico - a teologia do AT tampouco o é - porque não-católica e não judaica (e não-evangehcal, pode-se acres
tal teologia seria uma "não-teologia". Distancia-se claramen centar)34. Sustenta que "o esforço de construir uma afirma
te da abordagem de GABLER-WREDE-STENDHAL de um empre ção teológica sistemática, harmoniosa a partir dos rna!eriais
endimento "descritivo". GosHEN-GorrsTEIN compartilha a con não-sistemáticos e polifônicos que se encontram na Bíbha �e
vicção, também esposada por outros, tanto judeus quanto braica combina melhor com o cristianismo do que com o JU
cristãos, de que os pesquisadores não podem se isolar das daísmo, porque a teologia sistemática e� geral é mais p��emi
comunidades de fé em que atuam e se colocar fora das tradi nente e familiar na igreja do que na yeshivah [escola tradicional
ções religiosas que moldam, de uma forma ou outra, sua te judaica] e na sinagoga"35• É de opinião que urna '.'t�olog�a
ologia30. Como veremos mais adiante neste capítulo, um nú bíblica contextualizada" judaica ou cristã conseguira servir
mero crescente de pesquisadores estão se distanciando da as respectivas comunidades religiosas judaica ou cristã36•
noção de um empreendimento do tipo "o que ele queria di Essas vozes de pesquisadores judaicos deixam claro que,
zer" ou puramente descritivo para a teologia do AT31• na opinião deles, não se pode alcançar um� "teologia bíbli
Um terceiro estudioso judaico que entrou nesse mais ca" de tipo puramente descritivo. Não admira que as p:sso
recente debate é JoHN D. LEVENSON32 • Ele sustenta com vigor as que insistem em tal empreendimento se�tem que estao se
que pesquisadores judaicos não estão interessados em "teo A
afastando da teologia do AT assim percebida. Em decorren
logia bíblica", porque ela pressupõe um "compromisso exis cia disso, algumas prevêem um papel menor e um futuro
tencial" que "incluirá necessariamente outras fontes da ver .
diferente para tal empreendirnento37.
dade (o Talmude, o Novo Testamento etc.)"33• Devido ao fato Pode-se afirmar sem hesitação que existe atualmente
urna tentativa renovada, por parte de biblistas, de conceber
28
GOSHEN-GOTISTEIN, Tanakh Theology. o empreendimento da teologia b�lica com� rn�is d? que
29 Ibid., p. 626.
30 meramente descritivo e não-normativo. Isso ficara mais cla
Este é o ponto de vista sustentado, entre outros, por R. E. CLEMENTS, JoHN
GOLDINGAY e particularmente BREVARD CHILDS.
ro à medida que examinarmos abordagens signific�tivas da
31
Veja também o ensaio e a análise sensível de ÜLLENBURGER, What Krister teologia do AT das cinco últimas décadas, dando enfase ao
Stendahl "Meant". período desde a década de 1970.
32 Veja LEVENSON, Why Jews Are Not Interested ín Biblícal Theology. LEVENSON é
2. A metodologia na teologia do Antigo Testamento não tem igual em qualquer década nos cerca de 180 anos
de existência da disciplina da teologia do AT. Nossa
Numa revisão abrangente de cinco décadas de litera tarefa, agora, consistirá em examinar e classificar as várias
tura sobre teologia do AT, E. WüRTHWEIN concluiu sua pe teologias do AT, embora às vezes seja difícil fazer isso
netrante análise com urna afirmação sensata: "Hoje em dia, adequadamente.
estamos mais distantes de um acordo quanto ao contexto e
ao método da teologia do A T do que estávamos há 50 a) O método dogmático-didático
anos." 38 A despeito dessa falta de acordo, nos anos que se
seguiram a essa avaliação, mais de urna dúzia de livros fo O método tradicional de organização da teologia do A T
ram publicados só sobre teologia do AT39 • Essa produção é a abordagem tornada de empréstimo da teologia dogmáti
ca (ou sistemática) e sua divisão (por causa de seus loci [tópi
cos]) em Deus-ser humano-salvação ou teologia-antropolo
38
WüRTHWEIN, Zur Theologie des Alten Testaments, p. 188. Outros levanta
gia-soteriologia. Em 1796, GEORG LoRENZ BAUER empregou
mentos úteis são os seguintes: FRITSCH, New Trends in Old Testament
Theology; PoRrnous, Old Testament Theology; DENTAN, Preface to Old Tes esse esquema na primeira Teologia do Antigo Testamento
tament Theology; BRAUN, La Théologie Biblique; KRAELING, The Old Testa jamais publicada sob este norne40•
ment since The Reformation, pp. 265-284; YouNG, The Study of Old Testa A proposta mais vigorosa do método dogmático-didáti
ment Theology Today; MARTIN-ACHARD, Les voies de la théologie de l'Ancien co em anos recentes foi apresentada por R. C. DENTAN, cujas
Testament; BARNETT, Trends in Old Testament Theology; BETZ, Biblical Theo
Iogy, History of; FESTORAZZI, Rassegna di teologia deli Antico Testamento; monografias são urna defesa eloqüente do que a maioria des
RAMLOT, Une décade de théologie biblique; CLEMENTS, The Problem of Old cartou porque seria um modelo ultrapassado41• A obra de
Testament Theology; BENon, Exégese et théologie biblique; HARVEY, The DENTAN intitulada The Knowledge of God in Ancient Israel (1968)
New Diachronic Biblical Theology of the Old Testament (1960-1970); ScttMIDT, tenta tratar apenas do primeiro desses três loci principais, a
"Theologie des Alten Testaments" vor und nach GERHARD VON RAo; ZIMMERLI,
Erwiigungen zur Gestalt einer alttestamentlichen Theologie; OsswALD, Theo
logie des Alten Testaments - eine bleibende Aufgabe alttestamentlicher
Wissenschaft; WESTERMANN, Zu zwei Theologien des Alten Testaments; of the Old Testament; HINSON, The Theology of the Old Testament; TERRIEN, The
GOLDINGAY, The Study of Old Testament Theology; CLEMENTS, Recent Deve Elusive Presence; KAISER, Toward an Old Testament Theology; CLEMENTS, Old
lopments in Old Testament Theology; HICKS, G. ERNEST WRJGHT and Old Testament Theology; MARTENS, God's Design; WESTERMANN, Theologie des Al
Testament Theology; ScuLLION, Recent Old Testament Theologies; BuRDEN, ten Testaments in Grundzügen.
Methods of Old Testament Theology; JACOB, De la théologie de l'Ancien
40
GEORG L. BAUER (1755-1806) foi o primeiro a publicar, separadamente,
Testament à la théologie biblique; MARTENS, Tackling Old Testament Theolo uma Theologie des Alten Testaments oder Abriss der religiosen Begriffe der
gy; REVENTLOW, Basic Problems in Old Testament Theology; GuNNEWEG, alten Hebriier [Teologia do Antigo Testamento ou esboço dos conceitos
"Theologie des Alten Testaments" oder "Biblische Theologie"?; COLLINS, religiosos dos antigos hebreus] (Leipzig, 1796), que foi seguida pelos
The "Historical Character" of the Old Testament in Recent Biblical Theolo quatro volumes de uma Biblische Theologie des Neuen Testaments [Teolo
gy; BRUEGGEMANN, A Convergence in Recent Old Testament Theologies; gia bíblica do Novo Testamento] (Leipzig, 1800-1802). Veja também
HASEL, A Decade of Old Testament Theology. KRAus, Biblische Theologie, pp. 87-91; MERK, Biblische Theologie des Neuen
39
WRJGHT, The Old Testament and Theology; VRJEZEN, An Outline of Old Testa Testaments in ihrer Anfangszeit, pp. 143-202; DYRNESS, Themes in Old Tes
ment Theology; CORDERO, Teología de la Biblia, I: Antiguo Testamento; LEHMAN, tament Theology.
Biblical Theology I: Old Testament; DEISSLER, Die Grundbotschaft des Alten
41
Veja DENTAN, Preface to Old Testament Theology e The Knowledge of God in
Testaments; FottRER, Theologische Grundstrukturen des Alten Testaments; Ancient Israel. Veja também DE VAux, Is It Possible to Write a "Theology of the
Z1MMERLI, Grundriss der alttestamentlichen Theologie; McKENZIE, A Theology Old Testament"?, p. 61s.
66 TEOLOCIA DO ANTIGO TESrAMENTO A QUESTÃO DA MITTOOOLOCIA 67
saber, "a doutrina de Deus do Antigo Testamento", porque livr "47. Esta estrutura revela as dificuldades de se orga1 izar
os materiais contidos no AT sob rubricas tradicionais.
"todos os outros aspectos da religião normativa do Israel Seria interessante ver como DENTAN lidaria com a
antigo 'têm seu centro numa doutrina distintiva de Deus (te antropologia do AT, da qual não tratou ainda, e então
ologia)"42. Segundo DENTAN, "a afirmação mais básica da compará-la com a oportuna e valiosa contribuição de H.
religião do AT é que Javé é o Deus de Israel e que Israel é o
W. WoLFF nessa área48•
povo de Javé"43• E surpreendente que essa "fórmula da ali
ança", concebida por J. WELLHAUSEN, B. DuHM, B. STADE, M. Em contraposição a DENTAN, cuja monografia se limita à
NoTH e, mais recentemente, por R. SMEND44 como centro do "doutrina de Deus", duas outras teologias do AT refletem
AT45 e por SMEND como o arcabouço material para a orga
II forma plenamente desenvolvida o esquema teologia-an
nização dos conteúdos [veterotestamentários]"46 numa teo lropologia-soteriologia. O estudo detalhado do biblista espa
logia do AT, não seja reconhecida como orige� do arcabou nhol M. GARCÍA CoRDER049 começa com o conceito de Deus
ço para a estrutura de uma teologia do AT. E possível que o AT, seguido pela antropologia. A soteriologia é exposta
DENTAN não quisesse tomar esse rumo por causa de seu com nas partes II e III, onde ele elucida as esperanças do AT,
promisso anterior com o esquema teologia-antropologia-so nfatizando as expectativas messiânicas, o reino de Deus, a
teriologia. scatologia e as obrigações religiosas e morais do ser huma-
Uma olhadela na estrutura que DENTAN dá à sua "dou no com a salvação pessoal.
trina" veterotestamentária de Deus revela que os dois pri A teologia do AT de D. F. HINS0N tem uma extensão muito
meiros capítulos, "O mistério de Israel" e A natureza do II mais modesta50• O esquema teologia-antropologia-soteriolo
conhecimento de Israel", são preliminares no conjunto do gia torna-se evidente a partir dos títulos e da seqüência de
livro. Os capítulos 3, 4 e 9 tratam de Deus no passado, sua obra. A uma seção preliminar seguem-se oito capítulos
presente e futuro, respectivamente, enquanto que os capí com os seguintes títulos: Deus, Outros seres espirituais, Ser
tulos sobre "O ser de Deus" e "O caráter de Deus" (capí humano, Queda, Salvação, Nova vida, o alvo último e o AT
tulos 6 e 7) constituem o âmago da exposição de DENTAN. no NT. HINSON tem um objetivo didático. Ele concebe a natu
Os capítulos 5 e 8 são digressões sob os títulos "Deus e o reza da teologia do AT como a revelação de Deus a respei II
mundo natural" e "Os nomes de Deus", que, como sugere to de si mesmo, da humanidade e do mundo que está conti
DENTAN, "não são centrais para o argumento principal do da nos livros do Antigo Testamento"51• Ele não explica como
a estrutura material pode apreender a totalidade dessa reve
42 DENTAN, The Knowledge of God in Ancient Israel, p. vii. lação. A preocupação de HINSON é mostrar que o AT é a pre
43
Ibid. paração para o NT; DENTAN, por outro lado, "tentou delibe-
44 R. SMEND, Die Bundesformel, Zürich, 1963.
45
Sobre a questão do centro ou dos centros do AT veja HAsEL, O centro do AT
e a teologia vetero-testamentária; infra, capítulo IV; ZJMMERLI, Zum Problem der
47
DENTAN, The Knowledge of God in Ancient Israel, p. x.
48
"Mitte des Alten Testaments"; WAGNER, "Biblische Theologien" und "Biblische H. W. WOLFF, Anthropologie des Alten Testaments, München, 1973; trad.
Theologie"; sobre a questão do centro ou dos centros do NT veja HAsEL, port.: Antropologia do Antigo Testamento, São Paulo: Loyola, São Leopol
New Testament Theology, pp. 140-170, com bibliografia; ScHULZ, Die Mitte der do: Sinodal, 1975.
Schrift, pp. 403-433; O. BETZ, The Problem of Variety and Unity in the New
49
CoRDERO, Teología de la Bíblia I, pp. 17-732.
50 HINSON, The Theology of the Old Testament.
Testament, HBT, v. 2, pp. 3-14, 1980.
46 SMEND, Die Mitte des Alten
Testaments, p. 55.
51
Ibid., p. xi.
68 TEOLOCIA 00 ANTIGO TFSrAMENTO A QUF5TÃO DA METOOOLOCIA 69
radamente manter qualquer ponto de vista especificamente l so é entendido como "o desdobramento da revelação de
cristão fora dos capítulos"52• eus apresentada pela Bíblia"55 • A progressão histórica
O método dogmático-didático tem certas vantagens. da revelação em desdobramento se evidencia em "perío-
Entre seus problemas, entretanto, está a natureza dedutiva ou eras de revelação divina [que] são determinados
do empreendimento. O AT não pode falar por si mesmo, em rigorosa concordância com as linhas de divisão traça
porque interesses externos parecem predominantes. Os pa pela própria revelação". Mais especificamente, isso
drões veterotestamentários de pensamento não estão estru 'ignifica que a revelação divina está centrada nas diver
turados em consonância com o esquema teologia-antropolo as alianças firmadas por Deus com Noé, Abraão, Moisés
gia-soteriologia. Acaso qualquer indivíduo ou grupo através de Cristo; todas elas manifestam o "ser orgâni
específico no Israel antigo pensou sobre Deus, o ser humano o" da Bíblia e a "anatomia própria"56 da Escritura. Aqui
e a salvação da mesma maneira como um método dogmáti percebe a influência de diversos pesquisadores57, bem
co retrata as "doutrinas" do AT? Será que a abordagem dog orno da abordagem desenvolvimental da "revelação pro
mática não apresenta, em última análise, uma teologia en gressiva "58•
raizada no AT, e não a teologia do próprio AT? Ela tem LEHMAN divide sua obra em três partes principais, que
realmente condições de apresentar a teologia que o AT (ou a guem a divisão do cânon hebraico. A parte I trata da reve
Bíblia) contém? O centro do AT nem sequer se torna um pro ção de Deus na criação e na queda, da queda até Abraão
blema ou adquire grande importância na abordagem dog , na seqüência, passando pelos patriarcas. A isso se seguem
mática porque o centro está predeterminado pelo esquema; < revelação e o culto na época de Moisés, uma seção sobre a
ele é teologia-antropologia-soteriologia. Estas e outras ques 'Xposição final da lei por parte de Moisés e um tópico sobre
tões preocuparão os biblistas veterotestamentários em nossa cado e salvação no Pentateuco. A parte II trata da revela-
época e, provavelmente, durante algum tempo ainda. ão de Deus através dos profetas (anteriores e posteriores),
m subseções sobre a ascensão, o lugar e a natureza do pro
b) O método genético-progressivo f tismo, a teologia dos profetas anteriores, a revelação de
us através dos profetas do período assírio, a teologia de Is
No tocante ao escopo, à função e à estrutura da teologia 0-66 e a teologia dos profetas dos períodos caldeu (neoba
do AT, este é outro método consagrado pelo tempo que tem ilônico), exílico e persa. A parte III expõe a teologia do Ha
sido empregado de várias formas53 • CHESTER K. LEHMAN define riógrafo na seqüência de Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cân-
o "método da teologia bíblica" como método "determinado, li o dos Cânticos e Jó.
em sua maior parte, pelo princípio da progressão histórica"54.
�, lbid., p. 7.
52
DENTAN, The Knowledge of God in Ancient Israel, p. xi.
Ih
lbid., p. 38.
53
Antecedentes históricos do reavivamento do "método genético" na dé �, LEHMAN (pp. 7s., 26s., 35-38) destaca o quanto deve a seu mestre GEERHARous
cada de que estamos tratando se encontram no século XIX, particular Vos (Biblical Theology: Old and New Testaments), a EICHRODT (Theology of
mente nas obras do maior nome da teologia veterotestamentária da //te Old Testament) e a ÜEHLER.
segunda metade daquele século, ÜEHLER, Prolegomena zur Theologie des �" EHMAN, Biblical Theology I, p. 12, onde, em sua Introdução, M. S. AuGSBURGER
Alten Testaments; Theologie des Alten Testaments. bserva que LEHMAN vê a revelação que se desdobra no NT num nível
54 LEHMAN, Biblical Theology I, p. 38. 'uperior à do AT.
70 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 71
Essa abordagem enseja muitas observações valiosas e im afins. Os capítulos 3 a 6 lidam com o que CLEMENTS considera
portantes. A estrutura canônica tripartite, entretanto, encon os temas centrais do AT. O tema "O Deus de Israel" trata de
tra-se numa tensão aparentemente irreconciliável com o aspectos como o ser, os nomes, a presença e a singularidade
método genético de "progressão histórica", porque o cânon de Deus; destaca-se cautelosamente um fluxo histórico-ge
hebraico não evidencia uma progressão histórica consisten nético de desenvolvimento. Isso também se. manifesta no ca
te ou mesmo intencional. Correspondentemente, não se pode pítulo "O AT como promessa", em que a importância desse
dizer que a proposta metodológica de LEHMAN tenha encon tema é mostrada sem o tornar central para o AT (com a de
trado uma realização bem-sucedida em sua apresentação da vida vênia a W. C. KArsER)61 •
teologia do AT. Sua exposição revela uma mistura de estru Em contraposição a muitas teologias do AT, CLEMENTS
tura canônica tripartite com uma abordagem tópica e/ ou recusa-se, com razão, a seguir uma abordagem orientada por
livro a livro 59 sem uma progressão histórica consistente. um centro da teologia do AT com um princípio organiza
Alguns livros permanecem não-datados, totalmente fora de dor. Para ele, a unidade do AT não é um único tema, centro,
uma "progressão histórica" e geneticamente não-relaciona princípio organizador ou fórmula, mas "é a natureza e o ser
dos com a revelação em desdobramento60 • Não se pode dei de Deus mesmo que estabelecem uma unidade no Antigo
xar de concluir que esse modelo de abordagem genética não Testamento (...)."62 Defendemos a mesma proposta de ma
teve muito êxito. neira independente de CLEMENTS63 •
Sem tentar ser injusto de qualquer maneira, parece que O capítulo "O povo de Deus" expõe a relação entre povo
o conhecido pesquisador R. E. CLEMENTS, da Universidade de e nação, a teologia da eleição e a teologia da aliança. O capí
Cambridge, faz parte, de modo geral, do grupo daqueles que tulo "O AT como lei" reconstitui o sentido de torah aplicável
adotam, em termos amplos, um método genético. O livro de ao Pentateuco e seu uso nos escritos proféticos e o compara
CLEMENTS intitulado Old Testament Theology: A Fresh Approa ao conceito de "lei".
ch (1978) é uma espécie de prefácio ou prolegômeno à teolo Em contraposição a outras abordagens da teologia do
gia do AT e tem grande importância para a questão da me AT, CLEMENTS não só enfatiza a significância do cânon, mas
todologia. também sustenta vigorosamente que o cânon das Escrituras
CLEMENTS divide sua monografia em oito capítulos. Os Hebraicas, i.e., o AT, é, em si e por si, a norma autoritativa
capítulos 1 e 2 contêm um exame (não muito profundo, às para a teologia do AT. "Há uma conexão real entre as idéias
vezes) de várias questões referentes à metodologia e outras de 'cânon' e 'teologia', pois é o status desses escritos como
cânon da sagrada escritura que os distingue como escritos
59
A abordagem tópica se evidencia na apresentação de tópicos como "O que contêm uma palavra de Deus que ainda se crê que seja
Deus de Israel", eleição, aliança, pecado, etc. da forma como se manifes autoritativa."64 De uma maneira que reflete preocupações
tam em vários livros de vários períodos. A abordagem que procede livro semelhantes às do pesquisador B. S. Cmws, da Universidade
por livro é adotada para Is 40-66 (ibid., pp. 304-328), Salmos (pp. 409-441),
Provérbios (pp. 442-445), Eclesiastes (pp. 446-450), Cânticos (pp. 451-453)
e Jó (pp. 454-458). 61
60 O
Hagiógrafo [= Escritos] é tratado à parte sem qualquer indicação de Veja abaixo, pp. 79-81 .
uma "progressão histórica". Será que esses escritos são a-históricos ou 02
há uma falha insuperável na estrutura da teologia veterotestamentária CLEMENTS, Old Testament Theology, p. 23.
1'3 HAsEL, O centro do AT; infra, capítulo IV.
deLEHMAN?
''' CLEMENTS, Old Testament Theology, p. 15.
72 TEOLOCIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOCIA 73
Yale, CLEMENTS nos lembra que "é precisamente o conceito de ao método e aos pressupostos da interpretação do Antigo
cânon que levanta perguntas sobre a autoridade do Antigo Testamento no Novo"69• Isso implica, entre outras coisas, um
Testamento e sua capacidade de nos apresentar uma teolo xame bastante bem-vindo "daqueles temas-chave pelos
gia que ainda possa ser significativa no século XX"65• Por quais a unidade é fixada na própria Bíblia"7º. A significân
tanto, CLEMENTS se recusa a conceber� teologia do AT como cia dessa "nova abordagem" pode ser avaliada mais plena
exercício puramente descritivo. A razão de se rejeitar tal mente se lembrarmos que uma recente teologia do AT foi
"abordagem rigidamente historicizante" se baseia na posi escrita "como se o Novo Testamento não existisse"71 e sus
ção de que "o Antigo Testamento não nos apresenta uma tentou que a relação entre os Testamentos não era um pro
revelação do Deus eterno"66• blema significativo na teologia do AT. Que ela seja tal pro
A insistência no cânon veterotestamentário como fron blema não precisa mais ser negado, como o demonstraram
teira da teologia do AT é um aspecto central na discussão amplamente os estudos de J. A. SANDERS e J. BLENKINSOPP72• Em
contemporânea. A questão perene é a de lidar com a totali contraposição aguda a abordagens histórico-críticas da teo
dade de escritos contidos no cânon do AT. Um teste típico logia veterotestamentária, essa "nova abordagem" propõe
para verificar a adequação de um método para a teologia um ponto de partida mais amplo para a disciplina da teolo
do AT é a questão da integração do AT completo com toda gia do AT. A teologia do AT não deve ser concebida como
a sua variedade e riqueza. Virtualmente todas as teologias um empreendimento histórico e descritivo (como queria a
do AT tiveram dificuldades de lidar com os escritos sapien escola de GABLER-WREDE-STENDAHL), mas, "em vez de tratá-la
ciais (Provérbios, Jó, Eclesiastes, Cantares). Exemplos típi como um ramo subordinado da crítica histórica do Antigo
cos são as abordagens de G. VON RAo, W. ZIMMERLI e C. WEs Testamento, ela deveria ser considerada genuinamente como
TERMANN, que tratam da literatura sapiencial do AT em um ramo da teologia"73• Acaso isso significa que ela é um
termos da resposta de Israel a Deus. Mas dificilmente se ramo do campo da teologia sistemática, onde B. S. CHILDS
encontrará a desconsideração dessa parte do cânon do AT deseja situar a teologia bíblica, ou isso significa que ela con
que se evidencia na abordagem de CLEMENTS: ele a desconsi tinua fazendo parte do campo dos estudos do AT, mas com
dera inteiramente. Isso significa efetivamente que o cânon uma metodologia pós-crítica, pós-historicista? Voltaremos a
de CLEMENTS consiste apenas da Lei e dos Profetas, com um esta questão mais tarde.
pouco dos Salmos67 • Mesmo que esse livro tenha surgido a
partir de uma série de palestras68, é uma lacuna frustrante
e) O método de seção transversal
ver a literatura sapiencial ser tão completamente negligen
ciada.
Um dos principais pioneiros em teologia do AT e sua
A "nova abordagem" de CLEMENTS também inclui um
metodologia no século XX é W. E1cHRODT. Na década de 1930,
novo exame do "estudo cristão do Antigo Testamento", o
que implica "uma atenção plena e cuidadosa(...) à maneira, 69
CLEMENTS, Old Testament Theology, p. 185.
70
Ibid., p. 186.
65 Ibid., p. 19. 71
McKENZIE, A Theology of the Old Testament, p. 319.
66
Ibid. 72 SANDERS, Torah and Canon; id., Hermeneutics; BLENKINSOPP, Prophecy and
67
Veja agora a substancial obra de KRAus, Theologie der Psalmen. Canon.
68 "Talking Points from Books", ExpTim, v. 9, p. 194, 1979. 73 CLEMENTS, Old Testament Theology , p. 191.
74 TEOLOGIA DO ANTIGO TF.STAMENTO A QUESTÃO DA MITTOOOLOG!A 75
ele desenvolveu a abordagem de seção transversaF4. Conse laborou um detalhado estudo comparativo das teologias do
guiu chegar a uma seção transversal que atravessa o mundo AT de ErcHR0DT e voN RAo.
veterotestamentário fazendo da aliança o centro do AT. Ao Já em 1929, ElcHR0DT exigiu uma reorientação radical
dar este passo, ErcHR0DT não só antecipou o reavivamento do na metodologia 78 a fim de superar o impasse para o qual a
interesse pela aliança sob o ímpeto de G. MENDENHALL75, que plicação de um princípio do tipo Deus-ser humano-salva-
está sendo objeto de um debate acalorado na atualidade76, -o tinha levado o desenvolvimento da teologia do AT de
mas também estimulou outros a segui-lo produzindo suas E0RG L. BAUER (1755-1806) até EMIL KAUTZSCH (1911), sob a
próprias teologias do AT baseadas numa seção transversal. influência do historicismo79•
Ele encontrou um defensor recente em D. G. SPRIGGS 77, que EICHR0DT insiste corretamente que em toda ciência há um
lemento subjetivo. Os historiadores passaram a levar a sé
rio o fato de que há inevitavelmente um elemento subjetivo
m toda pesquisa histórica digna desse nome. O positivista
74 EicttR0DT, Theology of the Old Testament. Veja também DENTAN, Preface to
Old Testament Theology, pp. 66-68; SPRIGGS, Two Old Testament Theologies,
pp. 11-33, que considera "a concepção da finalidade e função de uma rra quando, por causa da objetividade, tenta livrar as dis
teologia veterotestamentária de EICHR0DT [ ... ] mais aceitável do que a de tintas ciências da filosofia. Não se pode ser um verdadeiro
VON RAo" (p. 97). historiador se se ignora a filosofia da história. O historiador
75 G. MENDENHALL, Law and Covenant in Israel and the Ancient Near East, Pitts sempre será guiado em seu trabalho por um princípio de se
burgh, 1955; id., Covenant, in: IDB, 1962 v. I, pp. 714-723; id., The Tenth leção, que é certamente um empreendimento subjetivo, e por
Generation, Baltimore, 1973.
76 Veja, p.ex., PERLITT, Die Bundestheologie im Alten Testament, e KuTsCH, um objetivo que dá certa perspectiva a seu trabalho, objetivo
Verheissung und Gesetz, que propõem uma origem tardia da idéia da que é igualmente subjetivo. ErcHRODT admite a verdade da
aliança; KuTsCH afirma também que o AT não conhece uma idéia da afirmação de que a história não tem condições de pronunci
aliança, mas apenas de "obrigação" (Verpflichtung). Entre os que se opõem ar um julgamento último sobre a verdade ou falsidade de
vigorosamente a essa nova tendência encontram-se McCARTHY, Treaty qualquer coisa, ou sobre sua validade ou invalidade. Ele sus
and Covenant; H. LUBSCZYK, Der Bund ais Gemeinschaft mit Gott: Erwiigungen
zur Diskussion über den Begriff "berit" im Alten Testament, in: W. ERNST, K. tenta que, embora o biblista do AT forme um juízo existenci
FEIEREIS, F. HoFFMANN (ed)., Dienst der Vermittlung, Leipzig, 1977, pp. 61-96; al que, ao menos em parte, determina o elemento subjetivo
M. WEINFIELD, b•rith, in: TDOT, 1975, v. II, pp. 253-279. Um levantamento que se encontra em sua exposição da religião do AT, carece
geral de questões selecionadas encontra-se em D. J. McCARTHY, Old Testa de peso a acusação de que a teologia do AT seria não-cientí
ment Covenant, London, 1972. EICHRODT defendeu seu conceito de aliança
fica em seu caráter.
em Covenant and Law: Thoughts on Recent Discussion, Interp, v. 20, pp.
302-321, 1966. Sua idéia de tornar a aliança do Sinai o centro do AT foi
apoiada por WRIGHT, The Old Testament and Theology, pp. 57-62, mas é mente capaz de resistir às ondas de choque do ataque violento de RAo.
criticada por negligenciar completamente a aliança davídica por PRussNER, Sua compreensão de aliança certamente precisa ser modificada, e eu não
The Covenant of David and the Problem of Unity in Old Testament a consideraria o único conceito organizador. Da maneira como E1cHRODT
Theology, e por deixar de lado a aliança davídica e abraâmica por SPRIGGS, o entende - o relacionamento Deus-ser humano revelado no AT -, ele é
Two Old Testament Theologies, pp. 25-33. Uma reação claramente negativa tanto abrangente o suficiente e central o suficiente para ser útil."
ao uso da aliança como princípio organizador vem de N. K. GoTTWALD, W. 78 EicHRODT, Hat die alttestamentliche Theologie noch selbstiindige Bedeutung
E1CHRODT, Theology of the Old Testament, in: Contemporary Old Testament innerhalb der alttestamentlichen Wissenschaft?. Veja PoRTEous, Old Testa
Theologians, pp. 23-62, especialmente 29-31. ment Theology, pp. 317-324; E1ssFELDT, Israelitisch-jüdische Religionsgeschi
77 SPRIGGS, Two Old Testament Theologies, p. 101: "De modo geral, considero chte und alttestamentliche Theologie.
que a concepção de teologia veterotestamentária de EICHR0DT é perfeita- 79 Cf. DENTAN, Preface, pp. 26-57; KRAus, Biblische Theologie, pp. 88-125.
76 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESfAMENID A QUESfÃO DA METOOOLOGIA 77
A teologia de EICHRODT permanece firmemente histórica principais categorias que representam a estrutura básica do
e descritiva. Ele afirma que o biblista do AT tem de ser guia magnum opus [obra magna] de EICHRODT, a saber, Deus e o
do por um princípio de seleção e por um princípio de conge povo, Deus e o mundo e Deus e o ser humano86 • Sua seção
nialidade. A grande tarefa sistemática consiste em proceder tr n versai sistemática é executada de maneira a exibir a tra
a uma seção transversal que atravesse o processo histórico, j tória do pensamento e da instituição de,ntro de seu siste
pondo a descoberto a estrutura interna da religião. Seu alvo ma. O método de seção transversal, junto com o uso feito
é "entender o âmbito da fé veterotestamentária em sua uni por EicHRODT do conceito de aliança como meio de alcançar a
dade estrutural (... ) [e] iluminar seu sentido mais profun unidade, é até certo ponto artificial, já que o AT se presta
do"80. Sob a convicção de que a "tirania do historicismo"8 1 menos à sistematização do que propõe EICHRODT.
tem de ser rompida, ele explica que "a irrupção do reino de O método de seção transversal de EICHRODT tem proble
Deus neste mundo e seu estabelecimento nele" é "o que vin mas graves. Dentro de sua apresentação, encontram-se ex
cula indivisivelmente os dois âmbitos do Antigo e do Novo plicações de "desdobramentos históricos"87 em que a con
Testamento". Mas, além desse movimento histórico do AT cepção da história das religiões transparece, mas quase nunca
para o NT, "há uma corrente de vida fluindo na direção in da perspectiva do NT. Isso é especialmente surpreendente
versa, do Novo Testamento para o Antigo"82. O princípio de porque ele sustenta que existe um "relacionamento de mão
dupla entre o Antigo e o Novo Testamento" e que sem esse
seleção na teologia de EICHRODT é o conceito de aliança, e a
relacionamento "não encontramos uma definição correta do
meta que lhe dá a perspectiva se encontra no NT.
problema da teologia do AT"88. Neste sentido, sua obra difi
Deve-se creditar a E1cHRODT o fato de ter rompido de uma cilmente representa uma melhoria em comparação com as
vez por todas com o tradicional esquema Deus-ser humano abordagens anteriores da perspectiva da história das religi
salvação, adotado repetidamente da dogmática por biblis ões. Além disso, o princípio sistemático de EICHRODT, i.e., o
tas83. Seu procedimento para tratar do âmbito do pensamento conceito de aliansa, tenta apreender os pensamentos diver
veterotestamentário tenta fazer "o princípio histórico atuar sificados do AT. E aqui que reside o problema do método de
lado a lado com o princípio sistemático num papel comple seção transversal. Será o conceito de aliança, ou o conceito
mentar"84. EICHRODT encontra o princípio sistemático no con de comunidade de VRIEZEN, ou qualquer outro conceito sin
ceito de aliança, que se torna a categoria prevalecente e uni gular suficientemente abrangente para incluir dentro de si
ficadora em sua teologia do AT85. Da combinação do princípio toda a variedade do pensamento veterotestamentário? Em
histórico e do princípio da aliança se depreendem as três
86 H. ScHULTZ, Alttestamentlíche Theologíe: Die Offenbarungsrelígion in ihrer
80
TOT, V. I, p. 31. vorchrístlíchen Entwícklungsstufe, 5ª ed., Leipzig, 1896, já tinha se anteci
81
Ibid. pado a ErcHRODT na organização sistemática da segunda parte de sua
82
Ibíd., p. 26. teologia do AT. E!CHRODT (TOT, v. I, p. 33, nota 1) confessa que deve suas
83
As teologias do AT de E. KôNIG (1923), E. SELLIN (1933) e L. KôHLER (1935) três principais categorias ao esboço de PROCKSCH, Theologie des Alten
ainda dependiam, em maior ou menor grau, do esquema teologia-antro Testaments, pp. 420-713.
pologia-soteriologia da teologia sistemática que se tornou dominante na
87
Por exemplo, a história do conceito de aliança e a história do movimento
teologia bíblica no período pós-GABLER. profético em TOT, v. I, pp. 36ss., 309ss. A expressão "desenvolvimento
84
TOT, v. I, p. 17ss. histórico" é usada pelo próprio ErCHRODT, TOT, v. I, p. 32.
85
Ibid., p. 32.
88
TOT, V. I, p. 26.
78 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUFSTÃO DA METODOLOGIA 79
termos mais gerais: será o AT um universo de pensamento "o melhor ponto de partida para uma teologia bíblica do
ou crença que possa ser sistematizado dessa maneira89? Ou Antigo Testamento,(...) [que deve] ser organizada tendo em
perde-se a perspectiva abrangente da história com a com vista esse aspecto"94• Não se deveria deixar de registrar que
partimentalização de perspectivas temáticas singulares sob i so é uma reação contra a abordagem diacrônica, baseada
um único denominador comum? Não é uma inadequação na história das tradições e cujo pioneiro foi VON RAo, que in-
básica do método de seção transversal como ferramenta de istia que não há centro e, conseqüentemente, não há unida
investigação o fato de permanecer distendido na tensão en de95. VRIEZEN, assim como outros depois dele, retrabalhou
tre resumo histórico e indicador teológico? toda a sua teologia do AT a fim de "acentuar com maior
O conhecido erudito holandês TH. C. VRIEZEN segue em firmeza a unidade do conjunto" 96 com a ajuda do conceito
grande parte o método de seção transversal e o combina com de comunhão. O estímulo para tanto partiu da rejeição da
um interesse abertamente confessional90• Em termos de me existência de uma unidade conceitua! no AT por parte de
todologia, VRIEZEN é devedor tanto de O. ErssFELDT quanto de VON RAo. Levantemos a seguinte pergunta a esta altura: exis
W. ErcHRODT91. Ele tenta reconciliar alguns aspectos das abor te um único tema ou conceito que possa servir de centro do
dagens diferentes que surgiram no debate entre ErssFELDT e AT para unificar os materiais diversificados e organizá-los
ErcHRODT na década de 1920. A posição básica de VRIEZEN de numa estrutura coerente de teologia do AT?
que "tanto no tocante a seu objeto quanto a seu método a Uma resposta claramente afirmativa, com argumenta
teologia do Antigo Testamento é e deve ser uma ciência teo ção detalhada, é oferecida por W. C. KArsER Jr. Ele crê que há
lógica cristã"92 deve-se a ErssFELDT. Mas na seção transversal "um tema, chave ou padrão organizador indutivamente de
em termos estruturais VRIEZEN segue a proposta de ErcHRODT rivado que os sucessivos autores do Antigo Testamento re
ao insistir que tentou "estabelecer a 'comunhão' (...) como o conheceram abertamente e complementaram conscientemen
centro de toda a exposição" 93. Na opinião de VRIEZEN, esse é te na revelação progressiva do texto veterotestamentário"97.
Sustenta que "o verdadeiro e único centro ou Mitte [centro,
89
Na medida em que WRIGHT, The Old Testament and Theology, p. 62, apoiou em alemão] de uma teologia do Antigo Testamento"98 é "o
recentemente a centralidade do conceito de aliança para a recitação dos tema da promessa" 99• A monografia de KAISER intitulada
atos de Deus e, por conseguinte, a metodologia de ErcHRODT, é preciso
lembrar-se também de suas restrições anteriores no tocante à adequação
do conceito de aliança. WRIGHT afirmou em Studia bíblica et Semítica, p. 94
Ibid., p. 175.
377: "É improvável, entretanto, que qualquer conceito seja por si só sufi 95
OTI, V. I, PP· 115-121; V. II, PP· 412-415.
cientemente abrangente para incluir dentro de si toda a variedade." Cf. a 96
VRIEZEN, Outline of Old Testament Theology, p. 8.
crítica da cifra/símbolo da aliança feita por Norman K. GoTTWALD, W. 97
KAISER, The Centre of Old Testament Theology, p. 3. Veja também seus estu
E1cHR0DT, Theology of the Old Testament, in: Contemporary Old Testament dos preparatórios anteriores: "The Eschatological Hermeneutics of 'Evan
Theologians, pp. 53-56. gelicalism "' : Promise Theology, JETS, v. 13, pp. 91-99, 1970; "The Old
9
º VRIEZEN, Outline of Old Testament Theology, pp. 143-150. Promise and the New Covenant": Jeremiah 31:31-34, JETS, v. 15, pp. 11-
91
Veja acima, nota 78. 23, 1972; "The Promise Theme and the Theology of Rest; The Davidic
92
VRIEZEN, Outline of Old Testament Theology, p. 147. Promise and the Inclusion of the Gentiles" (Am 9.9-15 and At 15.13-18):
93
Ibid., p. 8. VRJEZEN, p. 351, sustenta que o conceito de comunhão é prefe "A Test Passage for Theological Systems", JETS, v. 20, pp. 97-111, 1977;
rível ao de aliança porque "não podemos ter certeza de que a comunhão Wisdom Theology and the Centre of Old Testament Theology.
entre Deus e o povo foi concebida desde o início como comunhão base 98
KAISER, The Centre of Old Testament Theology, p. 9.
ada na aliança". 99
Ibid., p. 3.
80 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 81
Toward an Old Testament Theology, publicada em 1978, ba Parece que KArsER acabou chegando a uma outra seção
seia-se nessas afirmações e defende ardorosamente a exis transversal perpassando o AT com base num conceito de
tência de um "centro" em forma de um "conceito unifica "bênção-promessa" definido em termos amplos. Esse é ou
dor, mas em desenvolvimento"100. Segundo ele, esse centro é tro esforço valoroso para indicar a unidade do AT por meio
conhecido no AT "sob uma constelação de termos, como 'pro de um tema determinado. KAISER é o primeiro a usar o tema
messa', 'juramento', 'bênção', 'descanso' ou 'repouso', 'se "bênção-promessa" como chave para uma organização da
mente"' e "fórmulas, como o dito tripartite: 'Eu serei vosso teologia do AT. Essa é uma maneira de fazer teologia do AT.
Deus, e vós sereis meu povo, e habitarei em meio a vós', ou a Mas será que ela alcança o que se propõe, ou seja, mostrar
fórmula redentora que afirma sobre Deus (...): 'Eu sou o Se que o tema "bênção-promessa" une todo o AT, para não fa
nhor, vosso Deus, que vos tirou da terra do Egito.' Ele tam lar do NT?
bém poderia ser visto como um plano divino na história que O próprio KAISER foi forçado a admitir que esse tema
prometeu uma bênção universal (...)."101 KArsER concebe esse básico implica um "princípio de seletividade" e observa que
"centro ou plano interno para o qual cada autor contribuiu certos elementos das informações contidas no AT que inci
conscientemente" como o "tema da bênção-promessa divi dem sobre a "história ou prática da religião" deveriam "ser
na"1º2. Para ele, o tema da "bênção-promessa" constitui um relegados a outras partes do corpo da teologia"105. Entre eles
centro bastante amplo da Bíblia. Ele inclui, como indica sua estão os elementos cultuais e institucionais. Com base em
exposição, também aquilo que normalmente se entende como quê se decide que algumas partes ou aspectos do AT devem
aliança e teologia da aliança. Assim, o termo "promessa" é "ser relegados a outras partes do corpo da teologia"? Se não
concebido como um guarda-chuva muito amplo, se não oni se trata de uma decisão subjetiva, precisa ser uma decisão
abrangente, sob o qual se pode "harmonizar" toda uma "va tomada com base no centro supostamente oniabrangente do
riedade de pontos de vista" e "temas longitudinais"103. AT. Se esse é o caso, quão qefensável é a afirmação de que o
O que tudo isso significa para a estrutura de uma teolo tema "bênção-promessa" inclui toda uma "variedade de
gia do AT? KArsER afirma que na promessa de Deus "a Escri pontos de vista" e "temas longitudinais"? A teologia da cri
tura apresenta sua própria chave de organização"104. A for ação do AT, por exemplo, praticamente não tem espaço na
ma da organização segue uma seqüência longitudinal de eras teologia do AT de KArsER. H. H. ScttMID sustenta vigorosa
históricas. A cada uma dessas eras históricas atribui-se um mente que a teologia da criação, i.e., "a fé de que Deus criou
capítulo - são onze no total - que desdobra o crescente tema e mantém o mundo com suas múltiplas ordens não é um
da "bênção-promessa" sob lemas como "disposições", tema marginal da teologia bíblica, mas seu tema básico en
"povo", "lugar", "rei", "vida", "dia", "servo", "renovação", quanto tal"106. A questão, neste caso, não é apenas se KArsER,
"reino" e "triunfo da promessa". ScHMID ou algum outro está correto em relação ao tema bási
co da teologia bíblica, mas a escolha de um único tema levou
inevitavelmente a que outros temas se tornem marginais. O
100 l<AISER,
Toward an Old Testament Theology, p. 23. culto certamente não está na margem do AT, mas na teolo-
101
lbid., p. 12s.
102
lbid., p. 11.
103
lbid., p. 65. 105
Ibid., p. 15.
104
lbid., p. 69. 106
ScttMID, Schopfung, Gerechtigkeit und Heil, p. 15.
82 TEOLOCIA DO ANTIGO TF.STAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 83
gia do AT de KAISER ele não tem sequer um status marginal. contribuem para um conhecimento do propósito divino para
Não se enquadra no centro supostamente oniabrangente da Israel, as nações e o universo?
"bênção-promessa". Até a maneira como KAISER trata da ali A primeira teologia do AT jamais escrita por um italia
ança é insólita. Tem-se observado com freqüência que a ali no foi a de Anselmo MAmou, publicada em 1981 108 • Embora
ança proposta como centro por EICHRODT se baseia unilate a listemos nesta seção, sua estrutura é uma mescla de abor
ralmente na aliança sinaítica. KAISER parece basear-se dagem dogmática e de seção transversal. A parte I se intitula
unilateralmente na "promessa" abraâmica-davídica, que é "Deus e o ser humano como Criador e criatura". Ela contém
contraposta à aliança sinaítica 107 porque esta última teria diversos capítulos, que incluem tópicos como o desenvolvi
caráter de obrigação e não de promessa. A exposição da te mento genético do monoteísmo desde a religião dos patriar
ologia dos profetas, por sua vez, orienta-se para a promessa, cas até a religião posterior de Israel. A parte II tem o título
salvação e esperança, às custas dos "ais", das palavras de "A origem e o papel religioso do mal". A parte ILI é designa
condenação e de juízo. Em que "outras partes do corpo da da "As mais importantes dádivas salvíficas de Javé", com
teologia", se não na teologia do AT, esses e outros aspectos capítulos sobre "Israel como povo da aliança"109; "Expecta
do pensamento do AT serão objeto de atenção? A seção trans tiva de um Israel com espiritualidade autêntica para o futu
versal proposta por KAISER por meio do tema ou centro da ro", que inclui as expectativas messiânicas do AT; "Recebi
"bênção-promessa" não parece reunir a riqueza dos temas e mento da revelação entre os profetas"; "Escritos sagrados
materiais do AT. como testemunha inspirada da revelação", incluindo o de
Fazer uma comparação entre VRIEZEN e KA1sER é difícil. senvolvimento do cânon do AT, que, na concepção de MAT
Há vários elementos comuns entre eles. Ambos concebem o TIOLI, ainda foi concluído em Jâmnia (cerca de 90 d.C.) [essa
assunto de que tratam como preparatório para o NT. Os te concepção tem de ser abandonada110]; e "Expectativas de
mas ou centros escolhidos por ambos deveriam ser válidos vida futura após a morte", um capítulo que inclui o tema da
tanto para o conjunto do AT quanto do NT. No final das
contas, a abordagem de VRIEZEN mostra ser mais ampla do 108 MArrrou, Dio e l'uomo nella Bibbia d'Israele.
que a de KAISER. Em ambos os casos, os respectivos centros 109 MArrrou silencia sobre o recente debate a respeito de uma aliança em
acarretam inevitavelmente um princípio de seletividade. A período precoce no antigo Israel. Uma espécie de posição neo-wellhau
siana é assumida por PERLJTI, Die Bundestheologie im Alten Testament, e
abordagem de seção transversal tem esse ponto fraco, como KUTSCH, Verheissung und Gesetz, que defendem a origem exílica ou pós
o têm, aparentemente, todas as abordagens que optam por exílica da idéia veterotestamentária da aliança. Veja o panorama desse
um "centro". Será que a unidade realmente se encontra num desenvolvimento e debate todo em NrcHOLSON, God and His People. Vá
único centro do AT? Ou não se encontra a unidade do AT rios estudos recentes propõem vigorosamente uma aliança em período
no Deus uno Javé cuja variegada auto-revelação em pala precoce no AT: M cCARTHY, Treaty and Covenant, e vários artigos;
McCoMISKEY,The Covenant of Promise, e outros.
vras e ações, na criação e re-criação, no juízo e na salvação 110 M
Arnou continua se baseando no conceito ultrapassado da fixação do
não pode ser forçada a enquadrar-se num único tema ou cânon veterotestamentário no "concílio de Jâmnia". Ele parece não es
combinação de temas? Acaso Deus não se manifesta na va tar consciente dos estudos definitivos, entre outros, de P. ScHÃFER, Judai
riedade e riqueza de todas as partes do AT, todas as quais ca, v. 31, pp. 54-64, 116-124, 1975; JACK P. LEWIS, JBR, v. 32, pp. 125-134,
1964; LEHMAN, The Canonization of the Hebrew Scriptures; TALMON, The Old
Testament Text. Cada um desses estudos demonstra, à sua própria ma
107 KAISER, Toward an Old Testament Theology, pp. 63, 233ss. neira, que o cânon do AT foi completado muito antes de surgir o NT.
84 TEOLOGIA 00 ANTIGO TF.STAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 85
vida após a morte nos apócrifos e em Qumran. Esse tomo aspectos"115• Mas adverte imediatamente que "a busca da
contém uma parte final intitulada "O verdadeiro culto de strutura correta de uma teologia do AT e de seu conceito
Javé: rumo à libertação e à paz", com capítulos sobre o culto central correto a partir do qual se deveria conceber a fé vete
hebraico, conversão e perdão. rotestamentária como um todo tem sido infrutífera (ou ex-
MArrrou visa a "apresentar as principais idéias religio essivamente frutífera!)"116• Ele opta por "uma multiplicida
sas contidas na Bíblia"111• Sua teologia do AT está organiza de de abordagens [que] levará a múltiplas percepções"117.
da com base nessas "idéias", idéias a respeito de Deus e do Observa também que "o desafio para a interpretação con
ser humano que, nas palavras de H. GRAF REVENTL0W, mani temporânea do AT (...) surge a partir da natureza dúplice
festam a atuação de um "princípio dogmático" 112• Embora dessas escrituras"118, a saber, a palavra de Deus na palavra
isso pareça se aplicar à organização das partes principais do humana. "Ele consiste em usar as técnicas apropriadas ao
livro de MAmou, os distintos capítulos seguem, grosso modo, estudo das palavras humanas de tal modo que a palavra di
uma abordagem de seção transversal, já que os vários tópi vina que elas constituem fale a nós que vivemos após a vin
cos e temas selecionados do AT seguem, mais ou menos, o da de Cristo"119•
suporte textual para eles que se encontra ao longo do AT. O A recente monografia de GoLDINGAY sobre "A diversida
capítulo sobre a vida futura dá a impressão de ser uma apre de teológica e autoridade do Antigo Testamento" comple
sentação genética. Assim, parece que MAmou usa uma mes menta suas publicações anteriores e lida, de maneira pene
cla de abordagens para atingir seu propósito. trante e perceptiva, com a questão acaloradamente debatida
JoHN GoLDINGAY havia escrito diversos artigos e um livro sobre se a diversidade do AT 12º é de peso tão avassalador
sobre teologia do AT antes de publicar a versão revisada de que o pesquisador e teólogo irá simplesmente desistir e dizer
sua tese de doutorado sob o título Theological Diversity and "não" à teologia do AT121• Trata-se também de uma alterna
the Authority of the Old Testament113 • Em seu primeiro livro tiva às tentativas empreendidas por JAMES BARR, particular
sobre interpretação do AT, ele havia enfatizado que não se mente seu recente livro sobre a autoridade da Escritura 122•
deveria optar por uma abordagem do tipo "um ou outro"
que contraponha o método descritivo ao normativo para a
teologia do AT114• Ele opta pela posição de que "o relaciona
115
Ibid., p. 26.
116
Ibid., p. 27.
mento de Deus com a humanidade (especificamente com Is 117
Ibid., p. 29.
rael) é o ponto central [centro?] da fé veterotestamentária a 118
Ibid., p. 155.
partir do qual se deveriam examinar todos os seus demais 119
Ibid.
120
Veja a monografia de HANSON, The Díversity of Scripture, em que a diver
sidade da Escritura postulada pela pesquisa histórico-crítica é vista em
111
MArr1ou, Dio e l'uomo nella Bibbia d'Israele, p. 14. termos de polaridades dinâmicas, como, p.ex., "pragmático/visionário"
112
REvENTLOW, Zur Theologie des Alten Testaments, p. 237. e "forma/reforma", como parte da interface de tradição e comunidade.
113
GOLDINGAY, The Study of Old Testament Theology; id., The Chronicler as Theo 121
É exatamente isso que WHYBRAY, Old Testament Theology-A Non-existent
Iogian; id., The "Salvation History" Perspective and the "Wisdom" Perspecti Beast?, voltou a sugerir. Ele não crê que as principais tentativas de unifi
ve Within the Context of Biblical Theology; id., Diversity and Unity in Old car o AT por meio de um único tema, uma única afirmação ou algo
Testament Theology; id., Approaches to Old Testament Interpretation; id., semelhante - seja de caráter dogmático, filosófico ou psicológico - se
Theological Diversíty and the Authority of the Old Testament. jam suficientes.
114
GoLDINGAY, Approaches, pp. 17-24. 122
BARR, Holy Scripture.
86 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 87
GoLDINGAY dedica a parte central de seu livro à sua própria sentido, GOLDINGAY se afasta daqueles que limitam a teologia
síntese dos problemas com que se defronta a teologia do AT do AT tão somente à tarefa descritiva e toma o partido de R.
e propõe sua própria abordagem nesta parte, intitulada "Uma C L E M E N T S e outros que combinam a tarefa descritiva com
abordagem unificadora ou construtiva"1 23 . Aqui ele pergun a lógica130. Neste sentido, ele se aparta da alternativa entre
ta se é possível "formular uma única teologia do Antigo Tes "que isso queria dizer" (AT / teologia bíblica) e "o que isso
tamento" 124. Essa pergunta é de relevância singular, porque quer dizer" (teologia sistemática) do programa de STENDHAL,
vozes vindas de vários quadrantes salientam que a discipli por um lado, e, por outro, reage ao debate ocorrido entre O.
na se chama teologia do AT, mas o AT tem várias e variega E1ssFELDT e W. ErcHRoor na década de 1930 dando mais crédi
das teologias 125.
to a ErssFELDT do que tem sido usual131.
As propostas de GowrNGAY para a teologia do AT são Há um reconhecimento cada vez maior de que nenhum
influenciadas pela abordagem de seção transversal de Ero-IRoor pesquisador trabalha tão isolado de sua comunidade ou tra
e por orientações que vão além das de ErcHRODT e são esboça dição de fé que isso não seja ou não devesse ser levado em
das ou mencionadas por D. G. SrRIGGs126. Ele até vai além de consideração. Insiste GoLDINGAY: "Com efeito, um cristão que
SrRIGGS e sugere, em suas reflexões recentes, que não há um escreve uma teologia do AT não pode evitar escrevê-la à luz
único centro no qual se possa basear uma teologia do AT. do NT, porque não pode formar juízos teológicos sem fazer
"Muitos pontos de partida, estruturas e focos podem ilumi referência ao NT. Deve-se admitir que o inverso também é
nar a paisagem do AT; uma multiplicidade de abordagens verdadeiro: ele não pode formar juízos teológicos sobre o NT
levará a múltiplas percepções."127 Assim, GoLDINGAY opta por
uma "abordagem construtiva". "A teologia do AT é, de ma isolando-o do AT."132 O método modificado e ampliado de
"seção transversal" de GoLDINGAY não exclui "construções
neira inevitável, não meramente uma tarefa reconstrutiva,
mas construtiva."128 Isso quer dizer que "não é de fato rea teológicas" baseadas em "abordagens diacrônicas"133. Não
lista sustentar que a teologia do AT deveria ser uma discipli 13
° CLEMENTS, Old Testament Theology, pp. 10-11, 20, 155. Clernents enfatiza
na puramente descritiva; ela implica inevitavelmente a ex repetidamente que a teologia veterotestamentária é descritiva e teoló
plicação contemporânea do material bíblico" 129• Neste gica no sentido de que ela "se preocupa com a significação teológica que
essa literatura possui no mundo moderno" (p. 20). Ele insiste que "a
teologia do AT tem de reconhecer mais abertamente que sua função é
123
GOLDINGAY, Theological Diversity, pp. 167-239. elucidar o papel e a autoridade do AT naquelas religiões que o usam
124
Jbid., pp. 167-199. corno cânon sagrado e o consideram parte fundamental de sua herança"
125 Veja, p.ex., WAGNER, "Biblische Theologien" und "Biblische Theologie"; McE
(p. 155). Há outros autores que têm preocupações semelhantes, ainda
VENUE, The Old Testament, Scripture or Theology?; RENDTORFF, Zur Bedeu que de formas variadas: PoRTEOus, Living the Mystery, pp. 22-24; HANSON,
tung des Kanons für eine Theologie des Alten Testaments. Particularmente Theology, Old Testarnent; id., The People Called; GROVES, Actualization and
importantes são também os ensaios de ÜEMING, Unitas Scripturae?; MAu Interpretation in the Old Testament, pp. 165-210, onde ele oferece urna
SER, Eis Theos und Monos Theos in Biblischer Theologie; e STUHLMACHER, crítica penetrante da "atualização cronológica" de VON RAo e esboça suas
Biblische Theologie ais Weg der Erkenntnis Gottes. próprias propostas.
126 SPRJGGS, Two Old Testament Theologies, p. 89, cit. ap. GOLDINGAY, Theological 131
Veja ElsSFELDT, Israelitisch-jüdische Religionsgeschichte und alttestamentli
Diversity, p. 181. che Theologie; EICHRODT, Hat die alttestamentliche Theologie noch selbstiindige
127
GOLDINGAY, Theologica/ Diversity, p. 115. Bedeutung innerhalb der alttestamentlichen Wissenschaft?
128
Ibid., p. 11. 132
GOLDINGAY, Theological Diversity, pp. 186-187.
129
Ibid., p. 185. 133
lbid., pp. 197-199.
88 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 89
fica claro exatamente como tanto a abordagem de "seção numa posição próxima da de A. VON HARNACK e R. BuLT
transversal" quanto a "diacrônica" podem operar lado a MANN 137, e podemos acrescentar que ele está próximo de F.
lado a menos que ambas sejam transformadas e redefini 8AUMGÃRTEL138 em sua afirmação de que "o Antigo Testamen
das de tal modo que passem a ser algo novo ou algo tão to não é um livro cristão" 139. A concepção de McKENZIE ja
diferente que a relação com aquilo que foi assim designado mais permitiria "uma corrente de vida flµindo na direção
por EICHRODT e seus seguidores ou por VON RAo e seus segui inversa, do Novo Testamento para o Antigo" 1 40.
dores passe por uma transmutação completa. GoLDINGAY A categoria operacional da teologia do AT de McKENZIE
desafia a teologia do AT com suas formidáveis propostas é "a totalidade da experiência"1 41 expressa no discurso vete
teológicas e se envolve na tarefa de fazer teologia vetero rotestamentário sobre Deus. Visto que "nem toda experiên
cia bíblica de Javé, nem todo fragmento de discurso sobre
testamentária 134.
Deus é de igual profundidade"142, o objeto da teologia do AT
d) O método tópico deve ser regido pela "experiência da totalidade". McKENZIE
fala da existência de uma "unidade interna" do AT sem a
O método tópico se distingue do método dogmático-di designar com clareza. Ela está ligada às "maneiras como
dático por sua recusa em permitir que categorias externas Israel ( ...) experienciou Javé" 1 43, e a totalidade dessa expe
sejam superpostas como uma grade pela qual os materiais e riência "mostra a realidade de Javé com uma clareza que
temas do AT são lidos, ordenados e sistematizados. Ele tam livros e passagens específicos não têm" 1 44. A estrutura de
bém se afasta do método de seção transversal e sua síntese uma teologia do AT, suas categorias ou temas, estará basea
do universo ideativo do AT. O método tópico examinado da nessa "totalidade da experiência" que, reconhecidamen
nesta seção é usado em combinação com um centro único ou te, "é uma análise artificialmente unificada de uma experi
dual do AT ou sem um centro temático explícito. ência histórica que tem uma unidade interna diferente da
JOHN L. McKENZIE fez uma defesa eloqüente do método unidade do discurso lógico"145.
tópico. Em contraposição à maior parte das opiniões dos es Com base na totalidade quantitativa da experiência
tudiosos da década sob exame, ele é taxativo ao enfatizar de Israel, McKENZIE se afasta de todas as estruturas ante-
que "escreveu a teologia do Antigo Testamento como se o
Novo Testamento não existisse"135. A melhor maneira de re Theology of the Old Testament, p. 319.
137
McKENZIE,
conhecer a significância dessa posição é contrapô-la à ênfa 138 BAUMGÃRTEL, Erwiigungen zur Darstellung der Theologic des Alten Testa
se de B. S. CHILDS, que pleiteia uma teologia bíblica baseada ments; id., GERHARD VON RAos, Theologie des Alten Testaments; id., The Her
meneutical Problem of the Old Testament. Veja também ScHMIDT, Die Einheit
no cânon escriturístico 136, e dos pesquisadores americanos e zwischen a/tem und Neuem Testament im Streit zwischen FRIEDRICH BAUMGAR
europeus que sugerem um método diacrônico, a partir da TEL und GERHARD voN RAv.
história das tradições, para a teologia bíblica. McKENZIE se vê 139
Mcl<ENZIE, Theology of the Old Testament, p. 319.
140
TOT, V. I, p. 26.
141 Mcl<ENZIE, Theology of the Old Testament, p. 35.
134
Ibid., pp. 200-239, onde ele expõe sua" Abordagem unificadora de 'cria 142 Ibid.
ção' e 'salvação' no Antigo Testamento".
135 Mcl<ENZIE, A Theology of the Old Testament, p. 319.
143
Ibid., p. 32.
136 Cttrws, Biblical Theology in Crisis; id. The Old Testament as Scripture of the
144
Ibid., p. 35.
, 145
Ibid., p. 34s.
Church; id., The Canonical Shape of the Prophetic Literature.
90 TEOLOCIA DO ANnco TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 91
riores da teologia do AT 146 ao colocar o culto em primeiro vras de McKENZIE, o que é "de igual profundidade"151, é de
lugar 147 • A isso se seguem capítulos sobre "Revelação", tectado através da "forma mais freqüente em que os israeli
"História", "Natureza", "Sabedoria" e "Instituições políti tas experienciavam Javé" 1 52• Neste caso, evidentemente, o
cas e sociais", bem como um capítulo final intitulado "O princípio apropriado de seletividade é a freqüência quanti
futuro de Israel". tativa da experiência. Essa é, aparentemente, a norma tanto
É óbvio que M KENZIE seguiu um caminho próprio e para a seleção tópica quanto para a seqüência tópica. Esta é
merece o reconhecimento de ter sido o pioneiro na proposta a razão pela qual o culto ocupa o primeiro lugar na teologia
de um novo método - o método tópico. Como no caso de do AT de McKENZIE. Quão defensável é a reivindicação de
qualquer outro método, as questões prementes dizem res que a experiência comunitária quantitativa de Javé tem pri-
peito ao princípio de seletividade, por um lado, e ao princí 9ridade sobre uma experiência individual qualitativa de Javé?
pio de fidelidade ao método proposto, por outro. Vamos exa E de se perguntar se existe uma "igual profundidade" na
minar este último ponto primeiro. Ao se escolher uma experiência cultual regular em comparação com a experiên
abordagem tópica, esperar-se-ia coerência. Isso não parece cia singular de um Moisés, Isaías, Jeremias, Amós, Oséias
ter sido inteiramente alcançado. McKENZIE se afasta de seu etc. Pode-se perguntar se uma "totalidade da experiência"
próprio trilho quando trata dos profetas literários no capí quantitativa é um meio adequado para a seleção e organiza
ção de tópicos. Passagens do princípio quantitativo para o
tulo sobre "Revelação". A seção intitulada "A mensagem
qualitativo, como na mensagem dos profetas, poderão pro
dos profetas" oferece "um resumo muito geral de tópicos
porcionar um indício desse problema.
que podem, cada um deles, ser expostos com a extensão de
Neste ponto queremos voltar nossa atenção para dois
um livro"148, i.e., uma abordagem de livro por livro em se
outros biblistas famosos e suas contribuições para a teologia
qüência histórica com base em juízos da crítica literária. do AT. GEORG FoHRER apresentou sua obra Estruturas teológi
Mas mesmo neste caso não há coerência. Diz-se que Joel e cas do Antigo Testamento (no original em alemão: Theologische
Zc 9-14 são tratados em conexão com o apocalipsismo no Grundstrukturen des Alten Testaments) em 1972 [em port. Ed.
último capítulo, e diz-se que Naum e Obadias são expostos Academia Cristã, 2006], depois de publicar uma série de es
no capítulo sobre "História". No caso de Naum e Obadias, tudos preliminares153 e sua amplamente aclamada História da
seus nomes são mencionados em conexão com outros orá religião de Israel 154 • FoHRER ratifica um centro do AT na forma
culos contra os povos, e isso é tudo149 • Joel e Zc 9-14 têm um de um "conceito dual"155 que consiste do "senhorio de Deus e
pouquinho mais de sorte; juntos, recebem duas páginas de
exposição 150• 151
Ibid., p. 35.
O princípio de seletividade, a saber, o que deve ser 152
Ibid., p. 32.
incluído ou excluído de uma teologia do AT, ou, nas pala- 153
Particularmente importantes são os seguintes estudos: FoHRER, Der Mit
telpunkt einer Theologie des Alten Testaments; id., The Centre of a Theology of
the Old Testament; id., "Das Alte Testament und das Thema 'Christolo
146
Ibid., pp. 23-25. gie"' , EvT, v. 30, pp. 281-298, 1970; id., Studien zur alttestamentlichen Theo
147
Ibid., pp. 37-63. logie und Geschichte (1949-1966), Berlin, 1969 (BZAW, 115).
148
Ibid., p. 102. 154
Publicado originalmente sob o título Geschichte der israelitischen Religion,
149
Ibid., p. 171. Berlin, 1969 [em port. Ed. Academia Cristã, 2006].
155 FoHRER, Das A/te Testament und das Thema "Christologie", p. 295.
150
Ibid., pp. 302-304.
92 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGIA 93
[da] comunhão entre Deus e o ser humano"156, mas se abs É necessário demorar-se um pouco mais em F0HRER por
tém de empregá-lo como princípio para sistematizar ou causa de certas ênfases inovadoras. No capítulo 3, ele expõe a
organizar os materiais veterotestamentários numa teologia diversidade das atitudes existenciais humanas em termos de
do AT. Portanto, a teologia do AT de FottRER evita o método uma atitude "mágica" que é avaliada negativamente e rejeita-
de seção transversal, o método genético e o método dogmá ª· A segunda atitude existencial é a de cará�er cultuai, que é
tico com sua estrutura do tipo teologia-antropologia-soterio "uma transformação da fé da época de Moisés"160 primordial
logia. Por outro lado, ele é um pioneiro na teologia do AT ao mente sob a influência da magia. "O culto todo está direciona
juntar uma abordagem tópica que é descritiva em sua finali do para obter alguma coisa de Deus."161 FoHRER só interpreta o
dade com o sentido que ela veicula para o presente. Em ou culto em termos negativos. Observe o contraste com MC:KENZIE,
tras palavras: está tentando construir uma ponte de ligação que coloca o culto em primeiro lugar. Na concepção de FoHRER,
entre reconstrução e interpretação 157 ou entre "o que isso a lei "serve para conseguir o favor de Deus e assegurar sua
queria dizer" e "o que isso quer dizer"158• graça"162• Também ela é negativa163 • Ele admite que "a fé na
Uma investigação do método de FoHRER 159 revela que o eleição de Israel por Deus é fundamental"164, mas também ela é
capítulo 4, "Unidade na multiplicidade", é o coração de seu avaliada negativamente. Em contraposição à negação das ati
livro, elucidando o centro "do senhorio de Deus e da comu tudes existenciais da magia, do culto, da lei e da eleição, FoHRER
nhão entre Deus e o ser humano". Os três primeiros capítu sugere que a única atitude existencial a ser vista positivamente
los, intitulados, respectivamente, "Interpretações do AT", é "a atitude existencial profética"165• A dinâmica atitude exis
"AT e revelação" e "As múltiplas possibilidades de existên tencial profética também supera a sabedoria, porque esta "se
cia", preparam a exposição da preocupação central de preocupa com a melhor maneira de tornar-se senhor da
FottRER no capítulo 4. O capítulo 5, "Força e capacidade de vida"166• Em suma, FoHRER descreve seis atitudes existenciais,
transformação", parece ser uma espécie de parêntese den das quais cinco - magia, culto, lei, eleição nacional e sabedoria
tro do conjunto da estrutura de sua teologia do AT. Ele tenta - não passam de tentativas temporais e, portanto, negativas de
demonstrar como a influência do centro teológico do senho assegurar a existência167, ao passo que uma delas - a atitude
rio de Deus e da comunhão entre Deus e o ser humano mu existencial profética - é supratemporal e, portanto, positiva. "Em
dou a fé de Israel e a concepção do próprio centro teológico. seu âmago, como existência na entrega crente e no serviço obe
O capítulo seguinte, "Desdobramentos", retoma o que foi diente com base na comunhão plena com Deus, ela tem signifi
desenvolvido, e o último capítulo, "Aplicações Práticas", cação permanente."168
sugere a interpretação para o ser humano moderno eluci
dando "o que isso significa".
°
16 FoHRER, Theologische Grundstrukturen des Alten Testaments, p. 62.
161 Ibid., p. 65.
156 FoHRER, Der Mittelpunkt einer Theologie des Alten Testaments, p. 163. 162 Ibid.
157 Veja particularmente MERK, Biblische Theologie des Neuen Testaments in 163
Ibid., p. 67.
ihrer Anfangszeit, pp. 260-262. 164
Ibid., p. 69.
158 STENDAHL, Biblical Theology, Contemporary. Quanto aos vários sentidos que 165 Ibid., pp. 71-86.
e ssa distinção pode implicar, veja HASEL, New Testament Theology, 166 Ibid., p. 87.
Neste ponto os critérios para as avaliações das atitudes existencial profética retorna 171• Se nossa compreensão de
existenciais israelitas ficam bem patentes. As atitudes exis FoHRER está correta, ele não pode ser acusado de uma fusão
tenciais em que o ser humano tenta ser "o senhor da vida" de métodos ou de uma incoerência metodológica neste pon
são consideradas temporais e negativas. A atitude existenci to. Se estamos certos, outra questão se coloca, a saber: neste
al que tem qualidade supratemporal e sentido duradouro se caso, o centro da teologia do AT não é idêntica à totalidade
caracteriza por "entrega crente e serviço obediente". Até que do testemunho veterotestamentário, e algumas partes da ex
ponto essas avaliações dependem de conclusões exegéticas e periência israelita não são nem sequer marginais em relação
teológicas? Um exemplo: nem todos os especialistas em teo ao centro, mas são excluídas por esse centro. Neste ponto,
logia sapiencial compartilham necessariamente a posição de então, estamos nos aproximando da idéia de um "cânon den
FottRER sobre a sabedoria do AT 169• A pesquisa subseqüente tro do cânon" e da crítica de conteúdo que a acompanha.
terá de abordar essas questões. A questão de um "cânon dentro do cânon" ou, co.mo o
Voltemo-nos à exposição de FottRER a respeito das seis chamava o recém-falecido G. E. WRIGHT, de um "núcleo auto
atitudes existenciais e à questão do centro do AT e da teolo ritativo" dentro do AT172, não é um problema novo no estudo
gia veterotestamentária. Será o conceito dual de "senhorio da Bíblia. Ela remonta ao menos à época da Reforma173 e tem
de Deus e comunhão entre Deus e o ser humano", para Fo preocupado a ciência bíblica desde então 174• No caso de
HRER, típico de todas as seis atitudes existenciais, embora ele FoHRER, tem-se a impressão de que sua escolha do centro está
mesmo considere cinco delas inferiores e as rejeite? C. WEs profundamente relacionada com sua compreensão dos profe
TERMANN entende que FottRER deriva seu centro de todas as tas do AT e suas objeções a uma associação dos profetas isra
seis atitudes existenciais e conclui que ele funde dois méto elitas e de sua mensagem com a corrente dominante das tra
dos originalmente independentes em sua teologia do AT, a dições israelitas, como enfatizaram G. VON RAo e outros
saber, um baseado no princípio de atitudes existenciais e estudiosos175• De qualquer maneira, resta ver que influência a
outro baseado no centro do AT170• Estou inclinado a discor interpretação negativa das atitudes existenciais da magia, do
dar de WESTERMANN. FottRER depreende seu centro daquela culto, da lei176, da sabedoria e da eleição por parte de FoHRER
única atitude existencial genuína e das tradições que a re
fletem. Entre elas encontram-se algumas experiências pa 171 FoHRER parece sugerir seu centro com base em materiais que refletem a
triarcais e a pureza da fé mosaica para a qual a atitude atitude existencial "profética".
172 WRIGHT, The Old Testament and Theology, pp. 180-183.
173
LôNNING, "Kanon im Kanon".
169 A literatura e ideologia sapiencial foi considerada um "corpo estranho" 174
Bibliografias representativas encontram-se em HAsEL, New Testament
dentro do �ânon israelita e da teologia bíblica por PREuss, Erwiigungen Theology, p. 141, n. 1, p. 165, n. 139.
zum theolog1schen Ort alttestamentlicher Weisheitsliteratur; id., Alttestamen 175
G. FoHRER, Remarks on Modem Interpretation of the Prophets, JBL, v.
tliche Weisheit in christlicher Theologie? Avaliações diferentes encontram 80, pp. 309-319, 1961, especialmente p. 316: "Os profetas não eram nem
se na bibliografia citada por R. B. Y. Scorr, "The Study of the Wisdom meros reformadores, nem revolucionários nem evolucionistas. Eles não
Literature", Interp, v. 24, pp. 20-45, 1970; J. L. CRENSHAW, Wisdom, in: J. dependiam de tradições antigas, não criaram nada inteiramente novo
H. HAYES (ed.), Old Testament Form Criticism, San Antonio, 1974, pp. 225- sem base na religião de Israel e tampouco completaram um desenvolvi
264; id. (ed.), Studies in Ancient Israelite Wisdom, New York, 1975; id., mento já iniciado."
"Wisdom in the Old Testament", IDB Supplement, 1976, pp. 952-956. 176 O conceito de lei de FoHRER, em conexão com a atitude existencial, apa
170 WESTERMANN, Zu zwei Theologien des Alten Testaments, p. 100.
rentemente exclui o Decálogo, que, mais adiante em sua exposição, é
96 TEOLOGIA 00 ANTIGO TFSrAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOCIA 97
terá sobre a pesquisa subseqüente. A questão de um "cânon sentar "o que o Antigo Testamento diz sobre Deus num con
dentro do cânon" levantada por Fm-IRER nos lembra os signifi junto coerente"181• Ele nega que o "conjunto coerente" con
cativos indícios existentes na atualidade em relação ao cânon sista "meramente na continuidade da história, isto é, na cor
veterotestamentário na teologia bíblica que se encontram nos rente contínua da seqüência histórica" (com a devida vênia
estudos de B. S. Cmws, na "crítica canônica" 177 exigida por a G. VON RAo e seus seguidores) 182• A continuidade encontra
JAMES A. SANDERS178 e na tese de JOSEPH BLENKINSOPP de que a se, em vez disso, "na mesmidade do Deus que ela [a fé] 183
Bíblia Hebraica é basicamente profética179 • conhece pelo nome de Javé"184•
Outro gigante da pesquisa do AT é W. ZIMMERLI, que apre Tendo ligado a continuidade dentro da mudança evi
sentou o fruto maduro de toda uma vida de estudo180 em dente de modo singular com a confissão do nome de Javé
seu livro Old Testament Theology in Outline. Ele foi lançado revelado a Moisés e incorporado na proclamação do Decá
em inglês no ano de 1978 e tem, em grande parte, o mesmo logo (Ex 2.2s; Dt 5.6s) 185, ZIMMERLI passa a apres.entar a teolo
conteúdo do original em alemão (Grundriss der alttestamen gia do AT em cinco seções principais. As partes I a III tratam
tlichen Theologie [Esboço da teologia veterotestamentária]), da teologia do AT sob os títulos "Fundamentação", "A dá
publicado seis anos antes. A sobrecapa informa ao leitor que diva de Javé" e "O mandamento de Javé". A primeira des-
"o material está convenientemente organizado por tópicos"
e "enfatiza temas teológicos". A abordagem tópico-temática 181
ZIMMERLI, Old Testament Theology in Outline, p. 12.
está em primeiro plano. 182
Ibid., p. 13.
ZIMMERLI concebe a tarefa da teologia do AT como uma 183 N. do Tradutor: O original em alemão diz: "na mesmidade do Deus que
tarefa descritiva. A teologia veterotestamentária precisa apre- ele [o AT] conhece pelo nome de Javé".
184
Ibid., p. 14.
185
Anteriormente ZIMMERLI tinha sustentado que com a sentença "Eu sou
descrito de formas muito positivas (Theologische Grundstrukturen des Javé, teu Deus" (Ex 20.2) "está dado um fundamento efetivo de tudo
Alten Testaments, pp. 166-171). É surpreendente que na seção anterior que se segue" (Alttestamentliche Traditionsgeschichte und Theologie,
não haja qualquer indicação da exclusão do Decálogo da avaliação nega p. 639) e que com a resposta confessional "Tu ... Javé" transparece "um
tiva da lei. centro que é singularmente mantido em toda a história da tradição e
177
CHILDS, The Canonical Shape of the Prophetic Literature, p. 54, tem uma interpretação do AT" (ibid., p. 640). Em publicações posteriores, ZIMMER
objeção a essa designação porque "ela implica que a preocupação com o LI dá a impressão de passar para uma compreensão mais ampla do
cânon seja vista como outra técnica histórico-crítica que pode tomar seu centro do AT na ênfase que dá ao nome de Javé. "Se uma teologia do AT
lugar ao lado da crítica das fontes, crítica das formas, crítica retórica, parte do nome de Javé, que é o centro de todo o discurso veterotesta
etc.". mentário sobre Deus, ela se aterá rigorosamente à auto-interpretação
178
SANDERS, Torah and Canon; id., Hermeneutics. do AT e permanecerá consciente de que no nome de Javé ela se defronta
179
BLENKINSOPP, Prophecy and Canon. com aquele que fala e se recusa a abrir mão de sua liberdade ao falar
180 W.
ZIMMERLI, Gottes Offenbarung: Gesammelte Aufsãtze zum Alten Tes assim" (Erwãgungen zur Gestalt einer alttestamentlichen Theologie,
tament, München, 1963 (TBü, 19); id., Der Mensch und seine Hoffnung im p. 84). Parece que em seu artigo Zum Problem der "Mitte des Alten
Alten Testament, Gõttingen, 1968, trad. ingl.: Man and His Hope in the Old Testaments", o centro é Javé como Senhor. Se nossas observações estão
Testament, Naperville, IL, 1971 (SBT, 2/20); id., The Law and the Prophets, corretas, então ZIMMERLI passa de uma concepção do centro do AT defi
London, 1965; id., Die Weltlichkeit des Alten Testaments, Gõttingen, 1971, nida em termos mais estreitos para uma concepção mais ampla e inclu
trad. ingl.: The Old Testament and the World, London, 1976. Entre os mui siva, que cobre também o material sapiencial (Zum Problem, pp. 104-
tos ensaios de ZIMMERLI, o seguinte tem particular relevância: Alttesta 109), o qual ainda implica problemas especiais em sua teologia
mentliche Traditionsgeschichte und Theologie. veterotestamentária (Old Testament Theology in Outline, pp. 155-166).
A QUESTÃO DA METODOLOGIA 99
98 TEOLOGIA DO ANTIGO TFSTAMENTO
fética que os "desdobramentos" e "aplicações" posteriores método histórico-traditivo diacrônico. A abordagem diacrô
são elucidados. ZIMMERLI também parte de um centro. Ele tem nica penetra nas sucessivas camadas do texto fixado no AT
suas raízes e origens diretamente no Pentateuco e, particu visando a desdobrar a atividade teológica de Israel que
II
larmente, na era mosaica. A "crise" forma o outro pólo e se provavelmente é uma de suas mais importantes e interes
estende desde a história dos primórdios, passando por algu santes, a saber, aquelas tentativas sempre novas de tornar
mas tradições do Pentateuco e os escritos históricos, até os os atos salvíficos de Deus relevantes para cada nova época
livros proféticos. As três partes que se encontram no meio - essa busca e confissão sempre nova dos atos de Deus que,
desse arco são vistas como dádiva, exigência e resposta. no final, fazem com que as afirmações confessionais anti
Quatro das cinco partes da obra de ZIMMERLI são mais ou gas cresçam e se transformem nessas massas enormes de
menos tópicas, mas a última parte, que constitui o segundo tradições" 192. VON RAD é o primeiro e único biblista que ja
pólo principal de sua estrutura, dá lugar a uma abordagem mais publicou uma teologia veterotestamentária diacrôni
livro por livro em seqüência histórica. McKENzIE também parte ca e plenamente desenvolvida das tradições históricas de
da abordagem tópica inserindo uma seção estruturada livro Israel.
a livro sobre A mensagem dos profetas" no capítulo sobre
II A monumental Teologia do Antigo Testamento 193 de VON
"Revelação". Em suma, os três principais representantes da RAD [Edi. ASTE/Targumim, 2ll ed., 2006] precisa ser enten
abordagem tópica nessa década diferem enormemente em dida como a teologia das tradições históricas e proféticas,
termos de 1) pontos de partida, 2) estruturas de organização usando plenamente o método diacrônico. Ele prefacia sua
de seu material, 3) seleção de tópicos, 4) seqüência da expo teologia das tradições com um esboço da história do javismo
sição, 5) centros da teologia do AT, 6) ênfases e avaliações e das instituições sacras israelitas reconstruídas pelo método
de materiais veterotestamentários e 7) coerência em suas histórico-crítico e afirma que a pesquisa histórica busca um
II
que uma teologia veterotestamentária não pode fazer justi , portanto, querigmáticos do AT, não está ainda muito não
ça ao conteúdo do AT através de uma apresentação do mí relacionado com a reconstrução histórico-crítica da história
nimo. O biblista do AT precisa reconhecer que o "quadro de Israel, porque esta reconstrução não coincide com o
querigmático" pintado pela fé de Israel também "está fun quadro querigmático da fé e história do AT? Esse é
damentado na história efetiva e não foi inventado"1 95. Na precisamente o aspecto que VON RAo quer realçar. Para ·ele, a
verdade, "com seus testemunhos Israel fala de um nível tão imagem da história de Israel reconstruída pelo historiador é
profundo de experiência histórica que a pesquisa histórico empobrecida e, por conseguinte, incapaz de constituir a base
crítica é incapaz de atingir"196. Assim, o objeto de uma teolo para explicar o conjunto da realidade contida nos
gia do AT é, antes de mais nada, "esse universo constituído testemunhos veterotestamentários, com os quais uma
de testemunhos", e não "um universo da fé [ou do pensa teologia do AT precisa se ocupar. Por causa disso, em sua
mento] organizado sistematicamente"1 97. Esse universo de teologia ele se concentra na interpretação do A T, em vez de
"testemunhos", i.e., "o que o próprio Israel testificou a res basear sua teologia veterotestamentária na interpretação
peito de Javé"198, a saber, "a palavra e ação de Javé na histó histórico-crítica de acontecimentos cuja historicidade não
ria"1 99, não apresenta nem pura revelação a partir de cima está em questão. Neste ponto, a crítica penetrante e incisiva
nem pura percepção e exposição a partir de baixo", mas é dos métodos e pressupostos da historiografia moderna por
"composto pela fé", sendo, em consonância com isso, "de parte de VON RAD leva a pesquisa crítica a uma introspecção
caráter confessional"200 • São esses enunciados confessionais e avaliação autocrítica daquilo que deveria ter caráter
acerca da "atuação contínua de Deus na história"�01 que normativo. Embora esse seja um passo na direção certa, a
constituem o genuíno objeto de uma teologia do AT. E óbvio história concebida por VON RAD freqüentemente fica aquém
que, com voN RAo, a teologia do querigma irrompeu com todo dos testemunhos veterotestamentários, porque sua história
o ser poder no campo do estudo do AT202 • é uma história da tradição, ou de experiências históricas que
VoN RAo enfatiza o "quadro querigmático" mais com influenciam as tradições. Precisamos retornar a esse
pleto, com as dimensões mais profundas da realidade, como aspecto crucial em seu esforço teológico, porque ele levanta
aquele que a teologia do AT tem de explicar. Mas será que o problema da relação da Traditionsgeschichte [histórias das
esse tipo de teologia, baseada nos testemunhos confessionais tradições, em alemão] com a Historie [historiografia] e a
Heilsgeschichte [história da salvação].
A questão da apresentação da teologia do AT é defini
195 Ibid. da de maneira nova por VON RAo. "Recontar [Nacherziihlen,
196
TAT, v. I, p. 120. Visto que OTT, v. I, foi traduzido da segunda edição do
original alemão, não contém essa sentença.
em alemão] continua sendo a forma mais legítima de dis
197 TAT, v. I, p. 124; OTT, v. I, p. 111. Aqui VON RAo contraria a abordagem de curso teológico sobre o Antigo Testamento."2º3 O que voN
E!CHRODT. RAD entende por "recontar"? Como deve proceder o teólogo
198 TAT, V. I, p. 118; OTT, V. I, P· 105.
199 TAT, V. I, P· 127; OTT, V. I, P· 114.
203
200
TAT, v. I, p. 119; OTT, v. I, p. 107. T�T, v. I, p. 135; OTT, v. I, p. 121. "Recontar" como a forma mais apro
201
TAT, V. I, p. 118; OTT, V. I, p. 106. priada de apresentar o AT recebeu o apoio de BARTH, Grundprobleme
202 TOT, v. I, p. 515. Veja também a interpretação de VON RAo proposta por einer Theologie des Alten Testaments, p. 346; STOEBE, Überlegungen zur
CuLLMANN, Salvation in History, p. 54ss. Sobre a compreensão e o uso de Theologie des Alten Testaments, p. 206; MILDENBERGER, Die halbe Wahrheit
voN RAD por parte de CuLLMANN veja KRAus, Biblische Theologie, p. 186ss. oder die ganze Schrift, p. 79ss.
104 TEOLOCIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 105
ou pregador? Deve ele apenas relatar, i.e., contar de novo, mais intensa para o biblista da atualidade. Como devem os
o que o AT disse sem o traduzir teologicamente para o ser textos bíblicos ser aplicados hoje207? Há vários usos da
humano moderno? A noção de "recontar" de VON RAD é Escritura atualmente, a maioria dos quais são "funcionais"
ambígua. em sua abordagem, e praticamente pouco importa se os
Parece que VON RAD optou pela noção de "recontar" por nomes são associados ao liberalismo em sua forma mais clás
que se recusa a construir um novo sistema. Em sua opinião, sica ou à neo-ortodoxia em uma ou outra de suas configu
qualquer sistema é estranho à natureza do AT. Neste tocan rações208. Além disso, o quadro que se observa no catolicismo
te poderíamos concordar facilmente com ele. VoN RAD tam moderno não é muito diferente do que se vê no protestan
bém não consegue encontrar um "centro [Mitte]"204 no AT. tismo209.
Por essas razões, ele se limita a narrar o que o AT diz sobre Foi a contribuição de VON RAo tentar a "atualização"
seus próprios conteúdos. Enfatiza que, como Israel enunciou (Vergegenwiirtigung [literalmente: "presentificação"]) ·em
seus testemunhos querigmático-confessionais em enunciados sua teologia do AT. Esse termo foi escolhido por JOSEPH W.
históricos, não podemos enunciá-los de qualquer outra ma GROVES para designar a proposta metodológica "pela qual o
neira a não ser "recontando", numa repetição da narrativa. texto bíblico é tornado contemporâneo"210. "Atualização"
O problema que esse método produz para a teologia aplica é o método hermenêutico mais amplamente usado, que foi
da é imenso. desenvolvido pioneiramente por VON RAo e adotado e adap
Com respeito a esse problema, F. BAUMGARTEL pergunta tado por biblistas do AT como C. WESTERMANN (abordado
como se pode falar, de uma maneira teologicamente legíti mais adiante neste capítulo), NoRMAN PoRTEOUS 211, PETER
ma, sobre Os 1-3, p.ex., quando meramente se reconta o ACKROYD 212, BERNHARD w. ANDERSON 213, WALTER BRUEGGE
que é afirmado nessa passagem? Como procede esse recon MANN 214, JAMES A. 5ANDERS 215 e outros, mencionados por
tar? De que maneira ele é, sempre que ocorre, o discurso
teológico legítimo sobre o AT? 2º5 Pode-se conjeturar que a 207 Uma das mais penetrantes análises da questão da aplicação religiosa de
crítica referente à ambígua noção de "recontar" fez com textos bíblicos para comunidades de fé hoje é a investigação de FREI, The
que VON RAD colocasse menos ênfase nela em anos mais re Eclipse of Biblical Narrative. Perspectivas semelhantes de um ponto de
centes 206. vista mais recente são propostas por Langdon GILKEY, Naming the Whir
A despeito das várias críticas levantadas contra ela no lwind, Indianapolis, 1969, pp. 91-106; e de um ponto de vista estritamen
te evangelical, HENRY, God, Revelation, und Authority, pp. 454-457.
período inicial, toda a questão relativa ao "recontar" revela, 208 Veja KELSEY, The Uses of Scripture in Recent Theology.
ainda assim, o interesse de VON RAD de atualizar o AT para o 209 Veja DULLES, Scripture: Recent Protestant and Catholic Views; RATZINGER,
ser humano moderno. Em outras palavras, o hiato criado Bíblica/ Interpretation in Crisis.
pelo chamado método de pesquisa científico ou histórico-crí
210 GRoVES, Actualization and Interpretation in the Old Testament, p. 5.
211..P
oRTEous, "Actualization and the Prophetic Criticism of the Cult", in: id.,
tico entre o passado e o presente continua sendo a questão Living the Mystery, pp. 127-142.
212 ACI<ROYD, Studies in the Religious Tradition of the Old Testament.
204 TAT, v. II, p. 376; OTT, v. II, p. 362; cf. HAsEL, AUSS, v. 8, pp. 25-29, 1970. 213 ANDE
RSON, Mythopoeic and Theological Dimensions of Bíblica/ Creation Faith.
205 BAUMGARTEL, TLZ, v. 86, p. 903s., 1961. 214
BRUEGGEMANN, Futures in Old Testament Theology; id., A Shape for Old Tes-
206 No importante artigo de voN RAo intitulado Offene Fragen im Umkreis
tament Theology I; id., A Shape for Old Testament Theology II.
einer Theologie des Alten Testaments, a noção de Nacherziihlen desaparece 215 SANDERS, From Sacred Story to Sacred Text; id., Torah and Canon; id., Canon
completamente. and Community.
106 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO
A QUESTÃO DA METODOLOGIA 107
GRoVEs216. GROVES faz uma análise cuidadosa do pensamento no AT e além dele222• Além disso, a história da exegese cristã
de VON RAo, que ele resume da seguinte maneira no tocante à torna inválido o projeto geral da atualização cronológica de
"atualização": "VoN RAo apresentou a descrição mais com se ligar com a teologia conternporânea223 . As conclusões de
pleta de sua [se. da atualização] aplicação à teologia do GROVES são reveladoras: "O método histórico-traditivo resul
Antigo Testamento, mas ninguém mais usou esse termo exa ta, com demasiada freqüência, em argumentos circulares,
tamente da mesma maneira como ele o fez."2 1 7 Explica ele: reconstruções tênues e fragmentação do texto, que transfor
"Embora VON RAo tenha desenvolvido o conceito de atuali mam o método crítico em senhor do texto e determinante
zação cronológica especificamente para descrever o método para sua interpretação. (. .. ) Em última análise, o método é
veterotestamentário de tornar contemporâneas tradições fraco demais para carregar o peso das tensões, omissões e
antigas, nem ele nem outros estudiosos que utilizam o con distorções das metodologias modernas que usa para lidar com
ceito operam num vácuo."218 GROVES passa a mostrar que,
o Antigo Testamento. O objetivo de urna base intrabíblica
no tocante aos conceitos de culto, história e tempo, as atua
para urna interpretação histórico-teológica do Antigo Testa
lizações de VON RAD, i.e., "a singularidade da atualização
mento ainda está para ser atingido."224
cronológica [de VON RAo] permanece um pressuposto não Assim, a busca de outra base para o sentido teológico
provado"219. VoN RAD baseou sua tese a respeito da cone
do AT para a fé cristã continua. O que se diz aqui a respeito
xão do AT com o NT no fundamento da unidade histórico
da abordagem diacrônica" se aplica de igual maneira à
II
traditiva da Bíblia. VoN RAD e os outros proponentes da abordagem da formação de tradição", que será considera
11
atualização tentam superar o hiato entre o passado e o pre
da na próxima seção225, porque ela está baseada na mesma
sente criado pelo método histórico-crítico220 apelando para
metodologia.
"uma série contínua de testemunhos, começando com as
Há rumores de reajustes nos estratos reconstruídos do
primeiras tradições de Israel, passando pela revelação de
Pentateuco ou Hexateuco (J, E, D, P) 226 • Questões a respeito
Deus em Jesus Cristo e chegando até nosso presente" 221.
da existência do estrato histórico E foram levantadas, em
GROVES revela, com perspicaz sensibilidade, as rupturas exis
várias ocasiões, por biblistas proeminentes neste campo (P.
tentes naquela cadeia contínua de atualização cronológica
VoLz, W. RUDOLPH, S. MowrNCKEL) 227• Na década de 1970,
questões seriíssirnas foram levantadas a respeito dos cha
216
217
GROVES, Actualization, p. 5. mados estratos tanto de J (Javista) 228 quanto de P (Escrito
Ibid., pp. 104-105.
218
Ibid., p. 116.
219
Ibid., p. 129. 222
22
º PANNENBERG, Basic Questions in Theology, v. I, p. 6, pode servir como ponto 223
lbid., pp. 129-141.
de referência em sua perceptiva análise: "O desenvolvimento da pesqui lbid., p. 141.
22\lbid., pp. 162-163.
sa histórico[-crítica] acarretou a dissolução do princípio escriturístico na 225 GROVES terminou seu penetrante estudo com seus próprios rudimentos
forma que lhe foi dada pela escolástica protestante e, com isso, causou a
crise nos fundamentos da teologia evangélica que se tornou cada vez de uma "Redefinição de atualização", ibid., pp. 165-210, que conclui que
mais aguda no último século. [ ...] Essa distância [entre os textos bíblicos a atualização não é o projeto grandioso para uma ligação teológica e
e o presente] se tornou a fonte de nossos problemas teológicos mais histórica (p. 210).
226
aflitivos." Veja CLEMENTS, Pentateuchal Problems.
227
221
GROVES, Actualization, p. 129.
Veja FREmEIM, Elohist.
228
Veja abaixo, nota 229.
108 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 109
Sacerdota1) 229• Vários problemas no suposto estrato de P230 e fia sobre o problema histórico-traditivo do Pentateuco236• Os
no chamado Deuteronomista (estrato de D) 231 têm sido es estudos penetrantes de RENDTORFF descartam a idéia de uma
tudados. Novas publicações tratam de vários aspectos das teologia javista e só dão um suporte limitado à noção de um
adaptações de estratos232 ou tradições233 tidos como fontes e estrato teológico "sacerdotal". Ele propõe a existência de "te
avaliam as conseqüências teológicas da pesquisa da história ologias" no Pentateuco associadas com "temas" do Penta
das tradições234 • teuco nos moldes dos estudos de M. Norn. Tudo isso produ
É evidente que o interesse atual na pesquisa da história ziu um debate animado do qual participam estudiosos como
das tradições se concentra amplamente na formação teoló R. N. WHYBRAY, JoHN VAN SETERS, N. E. WAGNER, G. W. CoATS e
gica do material. Uma tendência muito recente nesta área R. E. CLEMENTS237 e no qual até o método histórico-traditivo
da pesquisa é um questionamento radical da datação preco como um todo é atacado238 • Qualquer que seja o desfecho
ce do chamado Javista no século X e da unidade do "Javis desses movimentos, já está claro que as conseqüências
ta" com indícios da proximidade do "Javista" com a forma essenciais desses indícios serão, em última análise, imensas
ção deuteronômico-deuteronomista de tradições, segundo a para urna teologia histórico-traditiva diacrônica do AT239•
ênfase de H. H. ScHMID235• Já em 1974, algumas questões bá
sicas foram levantadas por R. RENDTORFF acerca do "Javista" f) O método de /formação de tradição"
✓
retaram animadas trocas de idéias. STUHLMACHER253 é acusa teologia"258• Se este é o caso, então questões sérias se levan
do por E. GRAssER254 de enfraquecer o uso rigoroso do méto tam a respeito de todo o modelo de GESE-STIJHLMACHER da teo
do histórico crítico e de suas implicações, e de não ir longe o logia bíblica "como formação de tradição" dentro e entre os
suficiente em sua revisão da crítica histórica por H. LINDNER, Testamentos259 •
R. STURM e G. MAIER255 • Deve-se observar, entretanto, que O modelo de teologia do AT como "formação de tradi
STUHLMACHER não considera sua "síntese de teologia bíblica ção" proposto por GESE (não por STIJHLMACHER) procurar su
do Novo Testamento" simplesmente um empreendimento perar a questão do "centro" dos Testamentos mediante um
histórico descritivo. Ele enfatiza que "a teologia do Novo processo traditivo comum a ambos os Testamentos. Esse
Testamento, assim como também a do Antigo Testamento, modelo tem a oposição de todos aqueles que usam urna abor
dagem da teologia bíblica que opera com a noção de "cen
não é simplesmente uma disciplina histórica"256• A rejeição
tro". Mais especificamente, levantou-se a objeção de que.GESE
da premissa básica de que a teologia do AT ou a do NT seja
transformaria "a teologia numa fenomenologia da história
apenas um empreendimento histórico também tem sido sus das tradições" baseada numa ontologia inteiramente nova260•
tentada recentemente por vários pesquisadores que entra S. WAGNER observa que o processo de formação da tradição
ram no debate sobre a natureza da teologia do AT, da teolo não é idêntico em ambos os Testamentos e que, por isso, não
gia do NT e da teologia bíblica257• Atualmente, a distinção é apropriado propor que os Testamentos formam uma uni
fundamental da abordagem de GABLER-WREDE-STENDAHL en dade com base na suposição da existência de um processo
tre "o que isso queria dizer" e "o que isso quer dizer" foi unificado de construção de t radição261 • DOUGLAS A. KNrGHT
corroída de forma grave, se não irreparável, e pode ser efeti afirma categoricamente que o "método histórico-traditivo não
vamente rejeitada. R. E. CLEMENTS exige agora, a partir de sua pode ser usado para explicar o relacionamento essencial entre o
própria perspectiva, que a teologia do AT não seja "um ramo Antigo Testamento e o Novo Testamento". Isso se deve à cir
subordinado da crítica histórica do Antigo Testamento; ela cunstância de que é dentro do AT que "esse processo de cres
deveria ser considerada genuinamente como um ramo da cimento atingiu um fim nos vários complexos traditivos,
livros e obras maiores; e virtualmente nessa forma eles aca
baram sendo canonizados"262 •
253
STUHLMACHER, Historical Criticism and Theological Interpretation of Scripture,
pp. 66-71; id., Vom Verstehen des Neuen Testaments, pp. 216-218; id., Bi
blische Theologie und kritische Exegese; id., "Hauptprobleme und Chancen 258
CLEMENTS, Old Testament Theology, p. 191.
kirchlicher Schriftauslegung", Theologische Beitriige, v. 9, pp. 53-69, 1978. 259
REVENTLOW, Der Konflikt zwischen Exegese und Dogmatik, p. 122, observa
254
GRASSER, Offene Fragen im Umkreis einer Biblischen Theologie; STUHLMACHER, incisivamente que a tarefa central de uma teologia bíblica futura é resol
" ... in verrosteten Angeln". Outra reação vem de GuNNEWEG, ''Theologie" ver a tensão entre exegese e dogmática, uma tensão vista como um
des Alten Testaments oder "Biblische Theologie"?. Veja também W. ScHMI problema básico e não-solucionado.
26º KRA
THALS (supra, nota 251). us, Theologie ais Traditionsbildung?, pp. 67-73; também ScHMJD, Un
255
MAIER, Einer biblischen Hermeneutik entgegen?; H. LINDNER, "Widerspruch terwegs zu einer neuen Biblischen Theologie?, p. 77.
oder Vermittlung?" Theologische Beitriige, v. 7, pp. 185-197, 1976; R. STURM, 261 W
AGNER, "Biblische Theologien" und "Biblische Theologie", p. 793. Veja as
"Akzente zum Gesprach", Theologische Beitriige, v. 8, p. 37s., 1977. qu estões decisivas referentes à continuidade do processo de formação
256
STUHLMACHER, " ... in verrosteten Angeln", p. 234. de tradições reivindicado por GESE na análise de W. ZIMMERLI, "Von der
257
GuNNEWEG, '"Theologie" des Alten Testaments oder "Biblische Theologie"?, Gültigkeit der "Schrift" Alten Testaments in der christlichen Predigt", in:
p. 45; WAGNER, "Biblische Theologien" und "Biblische Theologie", p. 794ss.; Textgemiiss, p. 193s.
262 KN
SIEGWALT, Biblische Theologie ais Begriff und Vollzug. tGHT, Rediscovering the Traditions of Israel, p. 139.
114 TEOLOGIA oo .ANnco TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 115
um com o outro. Ambos dependem profundamente do mé TERRIEN, "o rito e a ideologia da aliança dependem da reali
todo histórico-traditivo, ainda que cada desenvolva sua pró dade prévia da presença"283. Ele o expressa sucintamente da
pria abordagem. O método que examinamos agora é um seguinte maneira: "É a teologia hebraica da presença (...)
método pós-ErcHRODT e também pós-VON RAo. Ele só surgiu que constitui o campo de forças que liga (...) os pais de Israel,
no final da década de 1970, mas já encontrou um adepto os profetas reformadores, os sacerdotes de Jerusalém, os sal
entusiástico. W. BRUEGGEMANN276 sugeriu que há uma nova mistas de Sião, o poeta de Jó e os portadores do evangelho."284
convergência na teologia veterotestamentária recente que, Isso significa que o "�otivo da presença divina" é visto como
em sua opinião, aponta para uma solução do impasse meto um dinâmico "princípio de coerência"285 ou de continuida
dológico. Essa convergência se evidencia em abordagens da de e unidade dentro do AT e entre os Testamentos. A pre
teologia do AT (e bíblica) que usam uma relação dialética e sença de Deus certamente não é estática e fixa, mas "esquiva
temática. Ele cita particularmente a obra de três estudiosos e imprevisível" 286 e manifesta "crescimento e transforma
proeminentes: S. TERRIEN277, C. WESTERMANN278 e PAUL HAN ção"287. Ele também concebe sua "nova teologia bíblica" como
SON279. Esses três biblistas propõem uma dialética determi "prolegômeno a uma teologia ecumênica da Bíblia", porque
nante de "ética/ estética" (TERRIEN), "salvamento /bênção" o princípio unificador e, não obstante, dinâmico da presen
(WESTERMANN) e "teleológico/cósmico" (HANSON). A conver ça de Deus "une o hebraísmo e amplos aspectos do judaís
gência se evidencia no fato de cada biblista usar uma dialéti mo com o cristianismo nascente"288.
ca; a divergência também se evidencia no fato de cada um TERRIEN ofereceu a primeira teologia bíblica num só vo
deles usar uma dialética diferente. Examinemos primeiramen lume na era pós-VON RAo que passa do AT diretamente para
te a abordagem de TERRIEN. o NT. Ele conseguiu fazer uma seção transversal dialética de
O magnum opus [obra magna] de uma vida dedicada ao apenas 60 páginas289 por todo o NT, ao passo que a teologia
estudo escrito por TERRIEN se baseia na tese programática de do AT devora seis vezes mais espaço. A teologia das tradi
que "a realidade da presença de Deus se encontra no centro ções patriarcais sobre Abraão e Jacó é seguida pelas teofani
da fé bíblica"280. Ele sustenta que "o motivo da presença [di as no Sinai e pela presença no templo. Seguem-se, então,
vina] é primordial"281 e contesta a primazia não só do moti capítulos sobre a visão profética, a salmódia da presença e a
vo da aliança, mas também do conceito de comunhão282. Para teologia sapiencial. A epifania final cobre o sábado, o Dia da
Expiação e o dia de Javé. Dois capítulos são dedicados ao
276
BRUEGGEMANN, A Convergence in Recent Old Testament Theology. Um ensaio NT, tratando da "Presença como Palavra", com ênfase na
de conteúdo muito semelhante de Brueggemann foi publicado como anunciação, transfiguração e ressurreição, e "O nome e a
Canon and Dialectic.
277 TERRlEN, The Elusive Presence. glória".
278 W
ESTERMANN, Theologie des Alten Testaments in Grundzügen.
279 HANsoN, Dynamic Transcendence. Veja também id., "The Responsibility 283 TERRlEN, Elusive Presence, p. 26.
of Biblical Theology to Communities of Faith", TToday, v. 37, pp. 39-50, 284
Ibid., p. 31.
1980. Seu livro The Diversity of Scripture continua a desenvolver as pola 285
Ibid., p. 5.
ridades gêmeas que ele vê na Escritura. 286 lbid., p. 27.
280 287
TERRlEN, Elusive Presence, p. xxvii. Ibid., p. 31.
281 288
Ibid., P· 3. Ibid., p. 475s.
282 Cf. VRIEZEN, Outline of Old Testament Theology, p. 351. 289
Ibid., pp. 410-470.
TEOLOCIA DO .ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOCIA 119
118
A argumentação de TERRIEN é substancial, e sua realiza são estreitos demais. Com efeito, TERRIEN reconhece que é
ção é significativa. Ele sustenta que a busca do tema da pre seletivo e não se sente obrigado a ser exaustivo295• Em
sença "vai ocupar os biblistas durante a próxima década", segundo lugar, nenhuma dialética sozinha tem condições
porque isso representa "uma mudança de ênfase da aliança de abranger a totalidade do conteúdo dos escritos
para a presença"290• Se se admite que o tema da presença é bíblicos. Assim, embora abordagens de teologia bíblica
um motivo bíblico importante - e poucos iriam querer duvi com.um único centro sejam inadequadas, abordagens com
uma dialética dual são úteis, mas incapazes de superar o
dar disso-, ainda assim teria de se perguntar se ele é amplo
problema da riqueza dos materiais bíblicos.
o suficiente para abranger a riqueza e variedade de todas as Em tempos mais recentes, BRUEGGEMANN parece ter alterado
expressões de fé no AT e, além dele, no NT. É inevitável que a dialética bipolar de "providência/ eleição" em favor
se faça essa pergunta em vista da argumentação dialética de u�a dialética bipolar mais abrangente. Em dois artigos
apresentada no livro Elusive Presence, i.e., uma dinâmica di publicados em 1985, ele expõe suas novas propostas para a
alética que foi descrita como a dialética de "ética/estética"291•
teologia do AT296• Continua a sustentar, como o fazia anteri
O aspecto "ético" da dialética é apresentado nos materiais ormente, que a abordagem puramente descritiva de um pro
históricos e referentes à aliança, e o "estético" nos materi grama do tipo "o que isso queria dizer" é inadequada para a
ais sapienciais e nos salmos. Estes últimos não estão tão pre teologia do A T297• Seu conceito de bipolaridade deve
ocupados com exigências, dever e responsabilidade, e sim "refletir a tensão central da literatura". Num pólo está a
com o aspecto emocional, místico e espiritual292, ou sim tensão de "como ganhamos o texto", o que está
plesmente com a beleza. Esse campo de forças é mantido associado ao "processo e caráter do texto" e faz parte dele298•
coeso pelo princípio dinâmico e unificador da presença elu A ênfase está "na disputa" no sentido da forma como os
siva de Deus. processos sociais moldaram o texto. Nesta compreensão ele
As propostas de TERRIEN encontraram um partidário depende acentuadamente da abordagem
enérgico em WALTER BRUEGGEMANN293, que propõe a dialética sociológico-literária do AT proposta por NoRMAN
"de 'providência/eleição', que, ela própria, indica uma ten GorrwALD299• Para surpresa geral, no outro
295
são importante"294• Essa categoria mais ampla, que se pre TERRIEN, The Pursuit of a Theme, p. 73.
296 BRU�GGEMANN, A Shape for Old Testament Theology, I: Structure Legitimati
tende que compreenda as três categorias dialéticas anterio
on; 1d., A Shape for Old Testament Theology, II: Embrace of Pain. Veja tam
res de WESTERMANN, TERRIEN e HANSON, revela, antes de mais bém seu artigo anterior Futures in Old Testament Theology.
nada, que a dialética de TERRIEN e o tema da presença esquiva 297 B
RUEGGEMANN afirma abertamente que a abordagem do tipo "o que ele
queria dizer" de K. SrnNDAHL no sentido da descrição histórica significa
q_ue "essa objetividade da descrição histórica é, com demasiada freqüên
29 ºS. TERRIEN, The Pursuit of a Theme, in: God and His Temple, p. 72.
cia, um espelho da pré-compreensão oculta do observador, e a adequa
291 BRUEGGEMANN, Canon and Dialectic, pp. 20-22; id., A Convergence in Recent
ção da descrição histórica depende das descobertas e postulados de sua
Old Testament Theology, pp. 4-6.
292 TERRIEN, Elusive Presence, pp. 278, 422, 449.
geração" (p.ex. no Prefácio da série in PAUL HANsoN, The Diversity of Scriptu
293 Além de seus ensaios já mencionados (veja supra, nota 275), veja "The
re, Philadelphia, 1982 [OBT, 11]).
298 BRUEGGEMANN, A Shape, I, p. 30.
Crisis and Promise of Presence in Israel", HBT, v. 1, pp. 47-86, 1979, e sua 299 Veja particularmente GorrwALD, The Tribes of Yahweh, a que BRUEGGEMANN
recensão de "The Elusive Presence" in JBL, v. 99, pp. 296-300, 1980, repr.
faz referência explícita. Agora também podemos levar em consideração
in God and His Temple, pp. 30-34.
294 8RUEGGEMANN, Canon and Dialectic, p. 25.
a obra mais avançada de GoITWALD intitulada The Hebrew Bible.
120 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 121
pólo Brueggemman procurar estar "acima da disputa" se BRUEGGEMANN fez essa proposta antes de BREvARD S. CHILDS
guindo BREVARD S. CHILDS, para quem a "abordagem canôni publicar sua própria teologia do AT304 • Nesse livro, Cmws
ca" é importantíssima, porque o texto que importa para a afirmou claramente que vê sua obra em contraposição a vá
teologia é aquele que recebeu status canônico. Resume BRUE rias abordagens, incluindo a de GoTTWALD. A abordagem so
GGEMANN: "O construto bipolar que proponho é que a fé do ciológica de GonwALD é objeto de uma observação que vale a
AT serve tanto para legitimar a estrutura quanto para aceitar a pena ponderar: "A tentativa de GonwALD de substituir a te
dor." Ele enuncia sua tese nas seguintes palavras: "A teolo ologia bíblica pela sociologia bíblica oferecendo exemplos de
gia do AT participa plenamente da 'teologia comum' de seu seu método de demitologização da tradição só ilustra o alto
mundo e, ainda assim, esforça-se para ser livre dessa mesma nível de reducionismo atuante nela."305 Na abordagem de
teologia."300 A noção de "teologia comum" precisa ser en GoTTWALD, como CHILDS a analisa, não há lugar para o con
tendida na acepção especial em que é usada. MoRTON SMITH ceito tradicional de revelação, porque a postura hermenêu
usou essa expressão para designar a teologia comum de todo tica de GoTTWALD "lê o texto bíblico como uma expressão sim
o antigo Oriente Próximo da qual a teologia do antigo Isra bólica de certas realidades sociais primordiais que lhe são
el era uma parte (não singular) 3º1 • BRUEGGEMANN (dependen subjacentes e que ele tenta pôr a descoberto por meio de uma
do de Smith) entende essa expressão como referindo-se a análise sociológica crítica"306• A Bíblia dá testemunho da re
um "conjunto de suposições e pretensões religiosas que são alidade divina que irrompe na história humana de muitas e
difusas no antigo Oriente Próximo e são compartilhadas variadas maneiras, mas uma leitura sociológica dos textos
na literatura do antigo Israel"3º2• O conceito de "na dispu "torna mudo o testemunho singularmente bíblico", levan
ta" reflete o pólo das forças sociais que supostamente mol do, assim, a "um reducionismo teológico maciço"3º7• A di
dam o texto bíblico da mesma maneira como foi moldado mensão vertical é subsumida sob a horizontal e, por conse
qualquer outro texto do mundo da Antiguidade, e "acima guinte, "emudecida", mas, para CHILDS, "a revelação é parte
da disputa" é o pólo da forma canônica do texto que tem integrante da tarefa da teologia do AT"308• Poderemos exa
sentido teológico ou à qual se atribui sentido teológico para minar o método da "nova teologia bíblica" de CHILDS mais
as modernas comunidades de fé. A polaridade dual de "na adiante neste capítulo e precisamos nos voltar agora para
disputa" e "acima da disputa" parece ser uma refundição outro gigante da teologia veterotestamentária cuja obra em
da polaridade de "o que ele queria dizer" e "o que ele quer prega ainda outra dialética bipolar.
dizer". BRUEGGEMANN vê o pólo de "legitimação da estrutu CLAUS WESTERMANN, eminente professor da Universida
ra" em tensão com o contra-pólo de "aceitação da dor". de de Heidelberg publicou seu livro Theologie des Alten Tes
Essa tensão é "uma tensão contínua, não-resolvida e inso taments in Grundzügen, que fora longamente anunciado, em
lúvel", e ela "precisa ser mantida viva em toda teologia 1978 (traduzido para o português como Fundamentos de
bíblica fiel"3º3 •
304
CHILDS, Old Testament Theology in a Canonical Context.
300 BRUEGGEMANN, A Shape, I, pp. 30-31. 305
Ibid., p. 25.
301 SMITH, The Common Theology of the Ancient Near East. 306
Ibid., p. 24.
302 BRUEGGEMANN, A Shape, II, p. 395, nota 46. 307
Ibid., p. 25.
303 Ibid., p. 414. 30s
Ibid.
122 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 123
teologia do Antigo Testamento em 2005, Ed. Academia Cris WESTERMANN informa a seus leitores que a literatura sapi
tã). Embora não seja tão extenso quanto as obras de outros encial veterotestamentária não tem lugar nessa estrutura
pesquisadores, como W. EICHRODT, TH. C. VRIEZEN. G. VON RAD básica da teologia do AT, "porque originalmente e a rigor
e S. TERRIEN, ele tem seu lugar entre elas. la não tem por objeto um acontecimento entre Deus e o ser
A obra de WESTERMANN está dividida em seis partes. humano"310. O lugar teológico da sabedorià veterotestamen
A primeira se intitula "Deus no Antigo Testamento". Após tária deve ser visto em conexão com a criação do ser huma
uma breve seção sobre metodologia, o tópico é tratado sob no e sua capacidade de entender seu mundo e orientar-se
as rubricas de história (Geschichte, em alemão), palavra de nele. Ao passo que VON RAD via a sabedoria como parte da
Deus no AT, resposta humana e unidade de Deus como pos resposta de Israel a Deus, WESTERMANN segue W. ZIMMERLI ao
sibilidade de inter-relacionamento. sustentar que o lugar teológico da sabedoria se situa dentro
Para WESTERMANN, a tarefa da teologia do AT é resumir e do arcabouço da criação do ser humano3 11. Assim, WESTER
dar uma visão de conjunto do que todo o AT tem a dizer MANN tem em comum com seus predecessores alemães o pro
sobre Deus. Isso quer dizer que, em sua opinião, é ilegítimo blema de como incorporar a "sabedoria" apropriadamente
elevar uma parte do AT ao status de parte mais importante numa teologia do AT. Assim como estão as coisas, ele não
ou interpretar o todo com base em conceitos como aliança, tem realmente um lugar para a teologia sapiencial.
eleição ou salvação. Levantar a questão do centro do AT sig A segunda parte expõe o Deus-Redentor e história, apre
nifica também extraviar-se, porque o AT não manifesta tal sentados sob as rubricas de sentido, processo e elementos da
estrutura centralizadora. Neste sentido, ele é diferente do atividade salvadora de Deus. A terceira parte trata do Deus
NT, que se centra na vida, morte e ressurreição de Cristo. Benfeitor e Criação e também da bênção. A isso se segue uma
Sustenta-se que uma apresentação do que o AT tem a quarta parte que apresenta a correlação de juízo e miseri
dizer sobre Deus como um todo tem de começar com o re córdia de Deus, particularmente no profetismo de juízo e de
conhecimento de que ele narra uma história no sentido de salvação.
acontecimento (Geschehen, em alemão). Aqui WESTERMANN Uma breve seção sobre o apocalipsismo lida com textos
segue explicitamente G. VON RAD e sua abordagem históri como Is 24-27; Zc 1-8; 12-14; Is 66; Jl 2-4 e o livro de Daniel.
co-traditiva309, mas se recusa a seguir o princípio de "re Afirma WESTERMANN categoricamente: "A possibilidade do
contar" de VON RAD porque as palavras constantes de Deus surgimento do apocalipsismo a partir da sabedoria está ex
que entram na vida de Israel produzem uma resposta hu cluída."312 Portanto, ele se opõe diretamente ao desenvolvi
mana. Assim, o AT opera na dialética de interpelação divi mento unilinear do apocalipsismo a partir da sabedoria que
na manifesta em múltiplas palavras e ações e de resposta G. VON RAD tinha defendido tão vigorosamente. O apocalip
humana evidenciada também em palavras e ações. A his sismo recebe "seu aspecto teológico em sua posição no plano
tória (Geschichte) envolve, portanto, tanto Deus quanto o de Deus, no qual a história humana está predeterminada"313.
ser humano.
31
º TATG, p. 7; EOTI, p. 11.
º
3 9
WESTERMANN, Theologie des Alten Testaments in Grundzügen, p. 5, trad.
311
TATG, p. 7, 85s.; EOTI, pp. lls., 100-101.
ingl.: Elements of Old Testament Theology, citados respectivamente como
312
Ibid., p. 132.
TATG eEOTI.
313
Ibid., p. 133.
124 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 125
corrosivo contra o chamado fundamentalismo317. BARR se si Envolveu-se num amplo ataque321 contra a "abordagem ca
tua na tradição científica da sólida crítica histórica moder nônica" de 0--IILDS e a favor da abordagem histórico-traditi
na, rejeitando concepções históricas de inspiração e autori va (cf. G. VON RAD, H. GEsE) e de uma compreensão literária
dade bíblica. da Bíblia como "estória".
Até agora, BARR não ofereceu uma apresentação onia Correndo o risco de simplificar demais e tendo em vista
brangente de sua concepção de teologia bíblica ou teologia as recentes dúvidas de BARR relativas ao rumo da teologia do
do AT, e dificilmente se espera que ele produza isso. Ele está AT, podemos juntar vários aspectos de seus vários escritos
entre aqueles estudiosos que vêem um futuro sombrio para a no que podemos chamar de "moderna teologia bíblica sinté
teologia veterotestamentária ou teologia bíblica. BARR afir tica" (a designação é de BARR). 1) Ela deve ser descritiva e
mou recentemente que a pesquisa científica está se afastan também teológica, sem ser prescritiva ou normativa. 2) Deve
do da teologia do AT porque o assunto é difícil demais para se basear no processo da exegese histórico-crítica, situando
se alcançar o alvo e os novos paradigmas para o estudo do se entre a exegese e a teologia sistemática. 3) Deve ser feita
AT ou da Bíblia, como o estruturalismo e abordagens literá em solidariedade com toda a gama da moderna pesquisa bí
rias, não são "teológicos" no sentido que se espera. Ele tam blica histórico-crítica. 4) Deve ser empreendida com uma lei
bém está preocupado com a concepção de uma teologia bí tura histórica e literária da Bíblia que contenha categorias
blica judaica, uma questão que examinamos no início deste como, p.ex., mito, lenda, alegoria, estória etc. 5) Suas fontes
capítulo. são os livros canônicos da Bíblia, as tradições que se encon
Uma série de ensaios e livros anteriores descrevem vários tram por trás deles e os documentos das religiões e culturas
aspectos da teologia bíblica moderna e seus avanços sobre o do Oriente Próximo. 6) Deve ser um amálgama das aborda
gens da história das religiões, literária e teológica. 7) Deve
"movimento de teologia bíblica mais antigo". Ao passo que
estar fundamentada na abordagem histórico-traditiva, en
BREVARD CttILDS anunciou o fim deste último em 1970, BARR
contrando sua proporção correta também em relação com
meramente criticou a "teologia bíblica mais antiga" e falou da
outras disciplinas adjacentes. 8) Deve basear-se no reconhe
"cura de suas feridas"318. Ele defendeu uma "abordagem múl
cimento de que o AT é basicamente "estória" que pode con
tipla"319 e insistiu recentemente que "a teologia não pode ser
ter alguma história, mas sem ser necessariamente histórico
simplesmente depreendida do texto [bíblico] assim como ele no sentido de "factual". 9) O caráter distintivo da religião de
está: (...) a teologia efetivamente se posta 'atrás' do texto"32º.
321
Seu livro Holy Scripture: Canon, Authority, Criticism, particularmente
317
BARR, Old and New in Interpretation; id., Comparative Philology and the Text pp. 75-104, 130-171, pretende ser visto dessa maneira. Embora esteja
of the Old Testament; id., The Semantics of Biblical Language; id., Biblical baseado nas Palestras James Sprunt de 1982 e tenha sido publicado em
Words for Time; id., The Scope and Authority of the Bible; id., Holy Scripture: 1983, não podendo, portanto, refletir sobre a obra madura de CHILDS
Canon, Authority, Criticism; id., Fundamentalism; id., Beyond Fundamenta que se expressa em Old Testament Theology in a Canonical Context, trata
lism. Veja a reação incisiva de GurnRIE, Biblical Authority and New Testa se, não obstante, de urna refutação total das propostas de CHILDS. Infe
ment Scholarship, especialmente pp. 12-18. lizmente, embora BARR esteja consciente de algumas distinções existen
318 JAMES
BARR, JR, V. 56, p. 17, 1976. tes entre CHILos e a "crítica canônica" de James A. Sanders, ele atribui a
319 JAMES BARR, Theology Digest, v. 24, p. 271, 1976. CHILDS a "crítica canônica", urna designação que CHILDS rejeita para o
320 }AMES
"The Literal, the Allegorical, and Modem Biblical Scholar
BARR, que ele próprio designa corno sua "abordagem canônica". Veja Spina,
ship", JSOT, v. 44, p. 14. Canonical Criticism.
128 TEOLOGIA DO ANTIGO TESfAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 129
Israel não consiste na ação de Deus na história, mas na idéia do estruturalismo francês (particularmente de NoAM CHOMSKY),
do Deus uno contra outros deuses. 10) A teologia bíblica exi do estudo da Bíblia como literatura (cf. DIETRICH RITSCHL e
ge uma "abordagem múltipla" por causa da variedade de outros), de PAUL RicoEUR em questões hermenêuticas etc. Em
perspectivas a serem incorporadas e da disparidade de teo palestras e artigos recentes, BARR move-se na direção da "te
logias presentes no AT (e no NT). 11) O AT não manifesta ologia natural" como parte do testemunho ·bíblico327. É pre
um único "centro" (com VON RAo), mas contém vários "cen ciso esperar para ver em que direção BARR irá desenvolver
tros". 12) Para que a teologia bíblica medre, precisa haver seu pensamento e se isso irá significar que ele continuará
"alguma flexibilidade teológica e (...) liberdade de explora sendo um protagonista para um afastamento adicional da
ção científica da Bíblia"322. 13) "A teologia não pode ser sim teologia do Antigo Testamento e da teologia bíblica. Para
plesmente depreendida do texto [bíblico] assim como ele está: BARR, um compromisso plenamente amadurecido com a
(...) a teologia efetivamente se posta 'atrás' do texto."323 crítica histórica permanece essencial em qualquer empre
Essa sinopse do que parecem ser várias das principais endimento.
idéias de BARR sobre o futuro de uma "moderna teologia bí JOHN J. COLLINS sustentou, num ensaio, que a teologia do
blica sintética" do AT não contém todas as nuances de sua AT e do NT devem fazer parte de uma "teologia bíblica crí
extensa argumentação. PAUL R. WELLS sugeriu, em sua tese tica"328. Ele volta a um tema com que já havia se ocupado
de doutorado, que BARR é um representante de um neolibe alguns anos antes329, mas desta vez com maior intensidade e
ralismo bem definido324. Outra tese de doutorado sustentou reflexão. O adjetivo "crítica" é particularmente significativo
recentemente que as perspectivas do próprio BARR na verda nessa proposta. Para COLLINS, não só a "abordagem canôni
de não lhe permitem construir uma teologia bíblica, e que ca" de BREVARD CHILDS, que exporemos na próxima seção, mas
uma teologia que tem uma base na Bíblia vai carregar a mar também as abordagens de G. E. WRIGHT e até de GERHARD VON
ca de vários aspectos do uso da Bíblia dentro das comunida RAo ainda não são críticas o suficiente. Tanto WRIGHT quanto
des de fé325. Até o presente, parece que BARR se opõe com VON RAo, cada um à sua própria maneira, permitiram que
veemência à idéia de que este último aspecto faça parte da "convicções dogmáticas solapassem seu método declarada
teologia bíblica. mente histórico"330. COLLINS deseja fundamentar sua "teolo
Vários métodos, movimentos e rumos da pesquisa gia bíblica crítica" numa abordagem radicalmente histórico
tiveram uma influência profunda sobre ele. A uma certa crítica que não tem espaço para um quarto princípio, como
altura ele parecia simpatizar com os rumos esboçados por o "princípio do consentimento"331 de PETER SruHLMACHER, p.ex.
CHILDS, mas em anos recentes moveu críticas severas contra COLLINS não quer estar aberto para a "linguagem da trans-
Cmws326. BARR depende da lingüística moderna na forma
m BARR, MowINCKEL, the Old Testament and the Question of Natural Theology.
322 128 COLLINS, Is a Criticai Biblical Theology Possible?. Veja também seu ensaio
Veja BARR, The Theological Case against Biblical Theology, p. 17.
323 BARR, The Literal, the Allegorical, and Modern Biblical Scholarship, p. 14. menos reflexivo Old Testament Theology.
324 WELLS, James Barr and the Bible. 129 COLLINS, The "Historical" Character of the Old Testament in Recent Biblical
325 MURRELL, James Barr's Critique of Biblical Theology. Theology.
326 BARR, Holy Scriptures, pp. 130-171. BARR é secundado em suas críticas 11 ° COLLINS, Is a Criticai Biblical Theology Possible?, p. 4.
1· ' STUHLMACHER, Historical Criticism and Theological Interpretation of Scripture,
da abordagem de CHILDS por JoHN BARTON, Reading the Old Testament,
pp. 79-103. pp. 88-89; id., Vom Verstehen des Neuen Testaments, pp. 206-208.
130 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 131
cendência" que restringiria ou refrearia um funcionamento 3) Ela deve funcionar como subdisciplina da "teologia histó
não-mitigado do "princípio da crítica" que ele defende com rica"338. 4) Em outro sentido, faz parte de uma "teologia nar
vigor. Ele não parece incomodado com o fato de que o "prin rativa" ou "teologia simbólica"339• 5) É uma teologia funcio
cípio da crítica", nas palavras de EDGAR l<RENTz, "produz ape nal na medida em que deve esclarecer "que reivindicações
nas probabilidades, uma conclusão que levanta perguntas a estão sendo feitas, a base sobre a qual estão sendo feitas e as
respeito da certeza da fé e de seu objeto na teologia"332• várias funções a que elas servem"34º. 6) Está "baseada em
COLLINS tenta resolver a questão da "facticidade" e his algum cânon da escritura" sem qualquer "diferença qualita
toricidade através de uma mudança de paradigma, pas tiva em relação a outras expressões literárias da Antiguida
sando para a noção literária de "estória" de acordo com de, mas só com um reconhecimento da importância históri-
críticos literários como ROBERT ALTER e MEIR STERNBERG, p.ex. ca desses textos dentro da tradição"341•
Para ALTER, a história sacra da Bíblia deveria ser lida como Esse modelo levanta muitas perguntas. Por que esse em
"ficção em forma de prosa" 333, e STERNBERG sustenta que, preendimento ainda deveria ser chamado de "teologia bíbli
de um ponto de vista literário, a Bíblia contém escritos de ca"? Por que manter o termo "bíblica" quando só se apela a
ficção334 . A introdução da categoria de "estória" na teolo "algum cânon da escritura" sem qualquer diferença qualita
gia bíblica sugere que não estamos mais interessados em tiva em relação a qualquer literatura da Antiguidade? O que
exatidão histórica. A categoria significativa nessa abor significa a palavra "algum" em "algum cânon da escritu
dagem é a imaginação poética335 . A implicação dessa pas ra"? Para um pesquisador católico, o "cânon" é o cânon ca
sagem da história para a "estória" significa que "a manei tólico romano da Escritura, e para os judeus e protestantes,
ra mais fácil de explicar as afirmações sobre Deus ou o é o cânon judaico da Escritura, e para algumas outras pesso
supranatural [na Escritura] é que elas são dispositivos re as é um outro cânon? Se diferentes comunidades de fé usam
tóricos para motivar o comportamento", mas elas não têm cânons da Escritura diferentes, isso não iria introduzir um
nada a ver com verdade vinculante ou normativa ou coi aspecto "confessional" numa teologia bíblica "crítica" e pro
sa parecida 336 • duzir uma concepção dogmática? E isso é o que COLLINS de
Entre os elementos essenciais do modelo de "teologia seja evitar!
bíblica crítica" de COLLINS encontram-se os seguintes: 1) Ela Além disso, por que deveria haver um apelo à "impor
• se baseia nos pressupostos dos princípios da crítica, analo tância histórica desses textos dentro da tradição"? Se se ad
gia e correlação que são essenciais para o funcionamento do mite esse apelo, então um aspecto "confessional" ou "dog
método histórico-crítico337• 2) Qualquer aspecto confessional mático" parece estar atuante nesse empreendimento também.
deve ser negado para uma "teologia bíblica crítica". E se isso é assim, com base em quê essa função da "tradição"
é diferente da do "cânon", p.ex.? Espera-se que esse modelo
332 KRENTZ, The Historical-Critical Method, p. 57.
333 ALTER,
funcional e crítico seja avaliado por quem estuda a Bíblia e a
The Art of Bíblica[ Narrative, pp. 23-40, cit. ap. COLLINS, Is a Criticai
Biblical Theology Possible?, p. 10.
334 STERNHERG, The Poetics of Biblical Narrative, p. 25. 338 Ibid., p. 9.
335 COLLINS, Is a Criticai Bíblica/ Theology Possible?, pp. 10-12. 339 Ibid., p. 12.
336 Ibid., p. 14. 40
3 Ibid., p. 13.
337 Ibid., PP· 2-3. 41
3 Ibid., p. 8.
132 TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 133
teologia do AT em relação com seu fundamento metodológi auxiliar da exegese bíblica, e não da dogmática; e neste sen
co, i.e., sua ligação tanto com a crítica histórica em sua for tido estamos de acordo com a tradição teológica que se de
ma radical quanto com paradigmas literários, com sua senvolveu desde o iluminismo." 348 Ela é "a parte indispen
intencionalidade funcional e sua fidelidade à natureza e ao sável, conclusiva da exegese bíblica" 349• 3) A teologia bíblica
propósito da Escritura. ou veterotestamentária "faz parte do âmbito da teologia
Outra abordagem "crítica" da teologia do AT vem da histórica, não da teologia sistemática"350• Este aspecto tem
pena de JESPER HoGENHAVEN, cujo conciso livro faz um le afinidade com a sugestão de COLLINS que acabamos de exa
vantamento de algumas tendências na teologia do AT an minar. 4) "O traço característico da teologia bíblica é seu
tes de esboçar sua própria abordagem342. Ele vê o AT como interesse em motivos religiosos importantes e linhas decisi
"a literatura nacional de um povo do antigo Oriente Próxi vas de desenvolvimento religioso na medida em que são
mo"343. Isso significa que, "historicamente, o AT precisa ser sugeridos nos textos bíblicos. " 35 1 5) A teologia do AT faz
interpretado dentro do contexto da cultura do antigo Ori parte dessa espécie de teologia bíblica, e esta última não
ente Próximo do qual ele faz parte. Os contrastes [com essa tem qualquer preocupação com a unidade do AT e do NT352 •
cultura], que certamente não devem ser ignorados, só po 6) "A finalidade de uma 'teologia do Antigo Testamento'
dem ser, de um ponto de vista histórico, de natureza relati é apresentar uma descrição sintética dos mais importan
va."344 Espera-se que, com base nisso, o autor vá argumen tes motivos, temas e problemas dentro da literatura do AT.
tar contra uma abordagem orientada por um centro para (...) [Como tal, ela] é um empreendimento histórico, que
organizar sua proposta de teologia do AT. Não obstante, pressupõe (. ..) uma exegese detalhada (...) [e segue] uma
ele sugere um "centro teológico" que "não pode ser vindi estrutura 'histórica', diacrônica, e não uma seção trans
cado pela análise exegética". "Esse 'centro' é, em certo sen versal 'sistemática' ou sincrônica, de seção transversal."353
tido, o evangelho cristão. Falando em termos tradicionais, 7) a literatura do AT deve ser dividida em suas categorias
podemos dizer que Jesus Cristo é o 'escopo' de toda a Sa principais (não de acordo com uma ordem cronológica),
grada Escritura."345 Também isto não pode ser validado exe como a sabedoria, a literatura dos salmos, a literatura
geticamente 346 . narrativa, a lei e a profecia, e deve ser tratada segundo as
As propostas de HoGENHAVEN podem ser resumidas bre linhas da pesquisa da crítica da forma e da história da
vemente da seguinte maneira: 1) "A teologia bíblica (...) é tradição354 . Em termos gerais e resumidos, HoGENHAVEN
uma disciplina histórica e descritiva, e não normativa e pres
critiva."347 Não se considera a apropriação teológica do AT
por comunidades de fé, sejam elas a judaica ou a cristã. 348 Jbid.
349
lbid., p. 94.
2) A disciplina da teologia bíblica "deveria ser tida como
350 �d., P· 93.
1
35 lbid., p. 94.
352 Ibid., p. 95. A sugestão de HOGENHAVEN de que a questão da unidade é um
342
HOGENHAVEN, Problems and Prospects of Old Testament Theology.
343
lbid., p. 88. assunto para a "teologia sistemática" está em aguda contraposição à
344
lbid., p. 89. concepção de REVENTLOW, Problems of Bíblica/ Theology in the Twentieth
345
lbid., p. 91. Century, pp. 10-144.
346
Ibid. 35 3 lbid.
347
lbid., p. 93. 354 Jbid., PP· 96-98.
134 TEOLOGIA DO ANTIGO TESfAMENTO A QUESTÃO DA METOOOLOGlA 135
afirma que, "como disciplina histórica, a teologia do Antigo lação do AT com o NT é um dos temas mais básicos para a
Testamento depende do estado atual da pesquisa histórica e pesquisa bíblica e a teologia do AT357 .
exegética" 355. Não há dúvida de que o biblista que, em nossa geração,
É evidente que a proposta de HoGENHAVEN permanece apontou repetidamente para uma "nova teologia bíblica" é
totalmente insensível ao interesse atual em superar o hia BREVARD 0--IILDS. Ele propôs uma "nova teologia bíblica" que
to que separa o passado e o presente. Ela permanece soli visa superar a dicotomia entre "o que ele queria dizer" e "o
damente em dívida com a disputada distinção entre "o que ele quer dizer"358 tão rigorosamente aplicada pela críti
que ele queria dizer" (teologia bíblica) e "o que ele quer ca moderna359• A "nova teologia bíblica" de Cmws afirma
dizer" (teologia sistemática) advogada pelo modelo de levar a sério o cânon da Escritura como seu contexto360 • Dito
GABLER-WREDE-STENDAHL e, na verdade, a reaviva sem le de modo preciso, CHILDS propõe "a tese de que o cânon da
var em conta seus atuais questionamentos, críticas e pro igreja cristã é o contexto mais apropriado a partir do qual se
blemas356. Não é absolutamente um empreendimento teo pode fazer teologia bíblica". Um corolário extremamente sig
lógico, porque permanece histórica e descritiva em sua nificativo dessa tese é que, na medida em que o texto bíblico
concepção e seu projeto. Alguém talvez pergunte: Mas por em sua forma canônica é empregado como o contexto para
que ela se chama teologia do AT, afinal? Qualquer que interpretar a Escritura e fazer teologia bíblica, ela equivale a
seja a resposta que se dê, e mesmo que se pensasse que "uma rejeição do método [histórico-crítico] que aprisionasse
dificilmente se desbrava terreno novo aqui, essa proposta a Bíblia dentro de um contexto do passado histórico"361• Essa
"crítica" revela à sua própria maneira a atual divergência censura se dirige a métodos como os da história das religiões
de opiniões sobre a natureza, finalidade e função da teo e da religião comparada, bem como da análise literária362, o
logia do Antigo Testamento. que se refere a todo o empreendimento da análise crítica que
leva ao método histórico-traditivo e o inclui363 •
i) O método da ''nova teologia bfblica" Fica evidente de imediato que a abordagem da teologia
bíblica de CHILDS e sua definição se opõem da maneira mais
Observamos repetidamente que os biblistas tentaram
passar do AT para o NT. Isso é evidenciado por TH. C. VRIE
ZEN, e. LEHMAN, R. E. CLEMENTS, s. TERRIEN, e. WESTERMANN, H. Veja os aspectos valiosos destacados por GowINGAY, Approaches to Old
357
vigorosa ao método diacrônico de G. VON RAD e ao método que implique o estudo da Bíblia. Ele acha que esse futuro é
da "formação de tradição" de H. GESE. O problema, para incerto 368.
CHILDS, é que, na medida em que a crítica moderna "estabe O empolgante livro de CHILDS intitulado Introduction to
lece uma cortina de ferro entre o passado e o presente, ela é the Old Testament as Scripture foi altamente. elogiado e seve
um método inadequado para estudar a Bíblia como Escritu ramente criticado369 • CHILDS nos informa que, após a publica
ra da igreja" 364• "Fazer teologia bíblica dentro do contexto ção de sua obra anterior em 1970, deu-se conta "de que o
do cânon implica o reconhecimento da qualidade normativa fundamento ainda não foi assentado com suficiente cuida
da tradição bíblica." 365 Assim, Cmws ofereceu um amplo do para dar sustentação a uma teologia [bíblica] de ambos
esboço de sua concepção de uma "nova teologia bíblica", os testamentos". Ele continua convicto de que uma teologia
apontando para uma abordagem pós-crítica. bíblica que cubra os dois Testamentos será virtualmente im
A idéia de um Movimento de Teologia Bíblica da forma possível enquanto a Escritura da igreja for separada em dois
como foi descrito por CttILDS e declarado morto no ano de compartimentos herméticos 370.
1963 sofreu forte ataque, especialmente por parte de JAMES CHILDS insiste, contra GESE371 e outros, que só a forma
D. SMART. SMART contesta a existência de um movimento de canônica do texto bíblico é normativa para a teologia bí
teologia bíblica coeso nos Estados Unidos e define um "bi blica372. Contra aqueles que sustentam que a canonização
blista" em termos amplos como "qualquer pessoa que esteja não passa de um estágio no processo de formação da tra
investigando seriamente o conteúdo teológico de qualquer dição, como propõem, de várias maneiras, ROBERT LAURIN 373,
parte da Escritura"366. Assim, a "teologia bíblica" no sentido JAMES A. SANDERS374 e S. E. McEvENUE375, entre outros, CHILDS
de uma teologia que se preocupe "com os conteúdos teológi faz uma distinção incisiva "entre uma pré-história e uma
cos da Bíblia(... ) tem de ser declarada inexistente neste sécu pós-história da literatura [bíblica]" 376, sustentando que a
lo, e como as complicações da pesquisa se tornaram tão gran forma final do texto bíblico é normativa para a teologia
des em cada um dos Testamentos, é improvável que bíblica.
encontremos mesmo no horizonte um estudioso que ousasse
embarcar numa única obra os conteúdos teológicos da tota 368
Ibid., pp. 145-157. Veja a recensão do livro de SMART feita por CHrLDS, JBL,
lidade da Escritura" 367. Essa afirmação foi surpreendente V. 100, p. 252s., 1981.
mesmo em 1979, quando já havia um número significativo 369
Veja, p.ex., as extensas resenhas e reações de JoHN e PRIEST, "Canon and
de biblistas, desde H. GESE e A. H. J. GUNNEWEG até B. S. CHILDS Criticism: A Review Article", JAAR, v. 48, pp. 259-271, 1980; W. HARRELSON,
e S. TERRIEN, que exigiram, esboçaram e tentaram apresentar JBL, v. 100, pp. 99-103, 1981; e McEVENUE, The Old Testament, Scripture or
Theology?
precisamente tal teologia bíblica. O próprio SMART vê efetiva 37
° CHILDS, A Response, p. 199s.
mente um futuro para a teologia bíblica, que permanece um 371
GESE, Tradition and Biblical Theology, p. 317.
conceito amplo, mas mal definido, designando qualquer coisa 37
2 CHILDS, Introduction, pp. 76, 83.
373
R. LAURIN, Tradition and Canon, in: D. A. KNIGHT (ed.), Tradition and Theolo
gy in the Old Testament, Philadelphia, 1977, p. 272.
374
364
CHrLDs, Biblical Theology in Crisis, p. 141s. SANDERS, Canonical Context and Canonical Criticism, p. 193.
375
365
Ibid., p. 100. McEVENUE, The Old Testament, Scripture or Theology?, p. 236s., sustenta
366
SMART, The Past, Present and Future of Biblical Theology, p. 21. que "não há um ponto de partida único nem uma forma final única".
376
367
Ibid., p. 20. CHILDS, A Response, p. 210.
138 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 139
A posição que sugere que todo estágio no processo de logia bíblica" pressupõem e se baseiam no "status normativo
construção da tradição tem o mesmo direito à autoridade da forma final do texto"383• Isso significa, é claro, que o con
que a forma canônica porque o acesso à revelação veterotes texto histórico para a interpretação da forma canônica da
tamentária se dá "através da tradição e do processo traditi Escritura é substituído pelo contexto canônico. Esta é uma
vo"377 é contrariada por CttILDS. Escreve ele: "Essa convicção alteração extremamente decisiva. Como CHILDS sustenta que
científica moderna não era compartilhada pelos editores da a teologia bíblica se ocupa de ambos os Testamentos384, se
literatura bíblica, nem pelas subseqüentes comunidades de gue-se que todo o cânon bíblico dos dois Testamentos consti
fé judaica e cristã." Além disso, "toda a intenção na forma tui o contexto da teologia bíblica. Isso toma necessária uma
ção de um cânon autoritativo era emitir juízos teológicos sobre rejeição da idéia de um "cânon dentro do cânon"385• Acaso
a forma e o escopo da literatura"378. CHILDS também contesta isso significa também que uma abordagem da teologia bíbli
vigorosamente as concepções histórico-traditivas de revela ca baseada num "centro" (Mitte) está fora de cogitação? Uma
ção como processo de construção da tradição"379. Afirma ele: abordagem de seção transversal que atravesse os Testamen
"É só na forma final do texto bíblico, em que a história nor tos também está excluída? E o que dizer de uma abordagem
mativa atingiu um fim, que se pode perceber o efeito pleno temático-dialética? Ou qual é, afinal, a abordagem apropri
dessa história revelatória."380 Essas asserções revelam que ada e que estrutura organizacional deve ser seguida? Temos
estamos num campo de batalha em torno da natureza da de esperar para ver até que ponto as propostas para uma
revelação e da autoridade381 , incluindo a questão de "níveis teologia bíblica feitas na obra de 1970 permanecem válidas
de 'canonicidade"'382. Para Cm1os, a autoridade no sentido para CHILDS.
vinculante do termo tem seu lócus na forma canônica da Es É dentro do âmbito dessas questões que se deve pergun
critura. A pré-história ou pós-história do texto, os desdobra tar a respeito da relação da teologia vétero e neotestamentá
mentos pré ou pós-canônicos, não são decisivos no tocante ria com a teologia bíblica. Será a teologia do AT um ramo da
ao valor normativo da Bíblia como Escritura, embora sejam teologia bíblica? Será a teologia do NT um ramo da teologia
levados em consideração. Assim, para CHILDS, a abordagem bíblica? Se a teologia do AT e a do NT são disciplinas históri
canônica e, conseqüentemente, sua proposta de "nova teo- cas e descritivas em que o contexto histórica e culturalmente
condicionado é determinante, como CHILDS parece susten
tar386, então ele tem negar a elas o status de teologia bíblica.
377
D. A. l<NtGHT, Revelation through Tradition, in: Tradition and Theology in the CHILDS parece postular um hiato radical entre as disciplinas
Old Testament, p. 162; id., Canon and the History of Tradition.
378
CttILDS, A Response, p. 210.
da teologia do AT e do NT e aquela de sua "nova teologia
379
KN1GHT, Revelation through Tradition, pp. 143-180. bíblica". As primeiras disciplinas podem operar como teolo
38
° CHILDS, Introduction, p. 76. &_ias baseadas nos respectivos contextos não-bíblicos, ou me-
381
Veja R. KNIERIM, Offenbarung im Alten Testament, in: Probleme biblischer
Theologie, pp. 206-235; l<NIGHT, Revelation through Tradition, pp. 143-180;
id., Canon and the History of Tradition, pp. 144-146; CoATS; LoNG (ed.), Ca 383
CHILos, Introduction, p. 75.
non and Authority. 384 CHILDS, A Response, p. 199; id., Biblical Theology in Crisis, pp. 101-103.
382
Essa expressão é de PETER R. AcKROYD, "Original Text and Canonical Text", 385
CHILos, Biblical Theology in Crisis, p. 102.
Union Seminary Quarterly Review, v. 32, pp. 166-173, 1977, especialmente 386
Veja HAsEL, Teologia do Novo Testamento, p. 317, onde se trata da concep
P· 171. ção de CHILDS.
140 TEOLOGIA 00 ANTIGO TFSTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 141
lhor não-canônicos, históricos e seus métodos corresponden a teologia do AT significa que "o objeto da reflexão teológi
tes, que identificam e descrevem os estágios pré-canônicos ca é o escrito canônico do Antigo Testamento", o que é con
com seus processos reconstruídos de interpretação teológica sistente com "operar dentro de categorias canônicas"388• Na
e forças históricas. Em contraposição a isso, a "nova teologia concepção da "abordagem canônica", nas palavras de CHILDS,
bíblica" exige um segundo estágio que é confessional no sen "a disciplina da teologia do Antigo Testamento combina
tido de que é canônico. O novo contexto do cânon exige um tanto características descritivas quanto construtivas" 389•
novo método que supere as limitações, os estreitamentos e as A "tarefa descritiva" é aquela em que o texto vererotesta
inadequações da crítica histórica. mentário é corretamente interpretado como "um texto an
Em nossa opinião, a cunha metodológica radical que tigo que dá testemunho da fé do Israel histórico"390• Segun
CHILDS colocou entre o método de sua "nova teologia bíbli do a "tarefa construtiva", a disciplina da teologia do AT
ca", fundamentado no contexto da totalidade do cânon bí faz "parte da teologia cristã, e (...) as escrituras judaicas
blico, e as disciplinas da teologia do AT e do NT é artificial. apropriadas pela igreja cristã dentro de seu próprio cânon
Por que somente a teologia bíblica haveria de ser normativa constituem o objeto da disciplina"391• Aqui, CHILDS se colo
e o empreendimento da teologia do AT (e do NT) haveria de ca, mais uma vez, em oposição direta à dicotomia estabele
ter tal status negado? Se E1ssFELDT colocou uma cunha entre cida por GABLER-WREDE-STENDAHL entre "o que ele queria di
teologia do AT, que, para ele, é puramente confessional, e a zer" e "o que ele quer dizer". Com base na combinação das
história da religião de Israel, que é histórica, descritiva e ob tarefas "descritiva"e "construtiva" da teologia do AT, CHILDS
jetiva, então CHILDS coloca uma cunha entre a teologia bíbli sustenta que "o coração da proposta canônica é a convic
ca, que é normativa e teológica, e a teologia do AT (e do NT), ção de que a revelação divina do Antigo Testamento não
que é histórica e não-normativa. Por que a teologia do AT pode ser abstraída ou removida da forma do testemunho
não haveria de se tornar uma história da religião de Israel que lhe foi dada pela comunidade histórica de Israel"392•
para CHILDS? Neste ponto ele se opõe frontalmente às abordagens de VON
Com a publicação de Old Testament Theology in a Cano RAD e GESE, que adotam as abordagens histórico-traditivas
nical Context, em 1985/86, de autoria de CHILDS, questões diacrônicas ou de formação de tradição que tentamos des
adicionais foram esclarecidas pela primeira vez. Agora é crever acima.
possível ver se somente a teologia bíblica deveria estar basea A "abordagem canônica" da teologia do AT praticada
da na "abordagem canônica" ou se a teologia do AT deveria por CHILDS se recusa a empregar um "centro" como meio para
se basear na mesma abordagem ou numa metodologia histó estruturar a teologia veterotestamentária. Nesta questão ele
rica puramente descritiva, como ele havia pensado antes. toma o partido de VON RAD. Também faz o mesmo na ques
A "abordagem canônica" de CHILDS não deve ser fundida tão da polaridade entre "história da salvação" (Heilsgeschichte,
nem confundida com a "crítica canônica" defendida por JA
MES A. SANDERS387 • A "abordagem canônica" como base para
388
CttILDS, Old Testament Theology in a Canonical Context, p. 6.
389
Ibid., p. 12.
387 39
Veja SP1NA, Canonical Criticism: CHILDS versus Sanders. Observe também a 0 Ibid.
separação esboçada pelo próprio SANDERS em From Sacred Story to Sacred 391
Ibid., p. 7.
Text, pp. 153-174. 392
Ibid., pp. 11-12.
142 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUESTÃO DA METODOLOGIA 143
em alemão) e historiografia (Historie) 393 • Assim, não é sur passe entre descrição histórica científica e apropriação teoló
preendente que ele discorde de W. PANNENBERG, que procura gica para a comunidade de fé397. Distinguindo-se de outras
identificar a história com a revelação394. A organização de abordagens que têm o mesmo interesse em transpor o hiato
uma teologia do AT não pode seguir VON RAo ou EICHRODT, entre o passado e o presente, que é a tendência dominante
que tentaram organizar sua obra do ponto de vista de um tanto entre estudiosos judaicos quanto cristãos, CHILos se re
"corpo encerrado de material que deve ser analisado descri cusa a usar um sistema filosófico para "traduzir" a mensa
tivamente"395. Para CHILDS, não há uma única resposta para gem bíblica para o ser humano moderno. Neste sentido, ele se
o processo de estruturação de uma teologia veterotestamen recusa a assumir a tarefa da teologia sistemática, que empre
tária. ga um sistema filosófico de uma ou outra espécie. Mantém a
A obra Old Testament Theology in a Canonical Context de distinção entre teologia bíblica e teologia sistemática mais dis
CHILDS tem 20 capítulos. Pode-se encontrar alguma coerên tintamente do que a maioria das outras propostas atuais.
cia na exposição. Após um capítulo introdutório, os capítu Vamos agora passar a desenvolver nossas próprias re
los 2 a 4 tratam da natureza da revelação; os capítulos 5 a 8 flexões sobre a teologia bíblica398, mas vamos resumir aqui
lidam com o conteúdo da revelação nas leis morais, rituais e primeiramente nossa concepção de teologia veterotestamen
de pureza; o capítulo 9 trata dos destinatários da revelação, tária, que é esboçada com mais detalhes no último capítulo
tanto coletiva (Israel) quanto individualmente; os capítulos deste livro.
10 a 13 apresentam líderes comunitários como Moisés, juí
zes, reis, profetas (verdadeiros e falsos) e sacerdotes; os capí j) Teologia canônica multíplice do A T
tulos 14 e 15 expõem as principais instituições cultuais e se
culares; os capítulos 16 e 17 tratam de questões da Concluindo, listamos uma série de propostas essenciais
antropologia, e os capítulos 18 a 20 dedicam-se à vida em rumo a uma teologia veterotestamentária canônica que
obediência e à vida sob a ameaça e a promessa. seguem uma abordagem multíplice.
Em suma, CHILDS trilhou seu próprio caminho. Sua ex
posição é inovadora e desafiadora para outras. Metodologi 1. O conteúdo da teologia veterotestamentária está
camente, ela se encontra no final de uma longa peregrina indicado de antemão na medida em esse empreendimento é
ção que, na verdade, teve início em 1964396. É uma afirmação uma teologia do AT canônico. A teologia do AT não é idên
madura de um biblista que está em pleno contato com a tica à história de Israel. O fato de W. EICHRODT, TH. C. VRIEZEN
ampla gama da moderna pesquisa histórico-crítica, que é e G. FoHRER terem escrito livros à parte sobre a religião de
questionada em vários aspectos a partir de dentro de si mes
ma. CHILDS faz um esforço significativo para superar o im- 397
É de se esperar que particularmente aqueles que defendem uma teolo
gia veterotestamentária "crítica" estejam entre os oponentes mais ardo
rosos de CHILDS. Por exemplo, BARR, Child's Introduction to the Old Testa
393
Ibid., p. 16. ment as Scripture; id., Holy Scripture, pp. 49-104; COLLINS, Is a Criticai
394 Bíblica/ Theology Possible?, pp. 5-7; BARTON, Reading the Old Testament, pp.
PANNENBERG, Revelation as History; id., Basic Questions in Theology. Cf. CHILDS,
Old Testament Theology, p. 16. 77-103.
395 398
CHILDS, Old Testament Theology, p. 15. Veja HASEL, The Future of Bíblica/ Theology; id., Bíblica/ Theology: Then, Now
396 and Tomorrow.
Veja CHILDS, Interpretation in Faith.
144 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUFSTÃO DA METOOOLOGIA 145
Israel399 é, em si mesmo, um indicativo da distinção. A reli que seus vários ternas, motivos e conceitos aflorem e revelem
gião de Israel é vista corno parte das religiões do antigo Ori sua relação mútua. Foi demonstrado que qualquer tentativa
ente Próximo ou em contraposição a elas400, mas a teologia e elaborar urna teologia veterotestarnentária com base num
do AT conforme é concebida aqui tem um conteúdo diferen ntro, conceito-chave ou foco deixa inevitavelmente de ser
te. A teologia veterotestarnentária também é urna disciplina urna teologia de todo o AT, porque aindç1. não surgiu um
separada da abordagem da história das religiões, que enfati princípio de unidade desses que leve plenamente em conta
za as relações da religião israelita com aquelas do universo todo o material contido na Bíblia. A ênfase na forma final ou
religioso circundante401 • Além disso, a teologia do AT não é fixa combina com a ênfase das abordagens literária403 e es
urna história da transmissão da tradição. Não queremos dis truturalista404 do AT.
cutir os méritos relativos de todas essas abordagens da teolo
gia do AT, mas apenas registrar que elas não têm interesse 3. A estrutura da teologia do AT segue os procedimen
ou condições de apresentar a teologia da forma final dos tex tos da abordagem multíplice. A abordagem multíplice se
tos veterotestarnentários. recusa a seguir a tradicional abordagem orientada por "con
ceitos doutrinais" (Lehrbegriffe, em alemão), bem corno o
2. A tarefa da teologia do AT consiste em oferecer expli método dogmático-didático estreitamente relacionado a ela
cações e interpretações sintéticas da forma final4º2 dos dis com urna estrutura do tipo teologia-antropologia-soteriolo
tintos escritos ou blocos de escritos do AT que façam com gia. Essas abordagens só têm êxito por urna tour de force,
porque o AT não apresenta seu conteúdo de formas assim
sistematizadas. A abordagem multíplice também evita as
399
W. E!CHRODT, Religionsgeschichte Israels, Bern/München, 1969; Ttt. C. armadilhas dos métodos de seção transversal, genético e
VRIEZEN, The Religion of Ancient Israel, London, 1967; G. FoHRER. Geschi tópico, mas aceita certos aspectos deles. Ela evita as arma
chte der israelitischen Religion, Berlin, 1969, trad. port.: História da religião dilhas de estruturar uma teologia do AT por meio de um
de Israel, São Paulo, Ed. Academia Cristã, 2006.
400
BARR, Biblical Theology, p. 110, gostaria de ver uma relação estreita entre a centro, terna, conceito-chave ou foco, mas permite que os
história da religião e a teologia do AT. vários motivos, ternas e conceitos aflorem em toda a sua
401
Uma abordagem que concebe a teologia do AT em termos da história da variedade e riqueza, sem elevar qualquer uma dessas pers
religião deveria ser chamada de "história da religião israelita". ZIMMERLI pectivas longitudinais à condição de único conceito estru-
(Erwagungen zur Gestalt einer alttestamentlichen Theologie, pp. 87-90)
defende uma distinção entre teologia do AT e história da religião israe
lita. 403
Neste caso, a ênfase na "leitura atenta", a saber, na análise meticulosa e
402
KRAus (Biblische Theologie, p. 365) insiste que a "forma final necessita ser detalhada da textura verbal do texto final, faz parte da "nova crítica"
apresentada pela interpretação e síntese" no cumprimento da tarefa que uma abordagem literária não-estruturalista exige. Veja também
efetiva da teologia bíblica. BLENKINSOPP (Prophecy and Canon, p. 139) insis HASEL, Teologia do Novo Testamento, p. 470, nota 41, quanto à insistência na
te que "se teologia bíblica significa uma teologia da Bíblia, ela precisa integridade da obra literária concluída como obra de arte.
levar em conta a Bíblia em sua forma final e o que essa forma significa 404
O estruturalismo também enfatiza, pelo menos num pólo, que é o texto
para a teologia". De uma perspectiva diferente, CHILDS sugere que a literário com que se depara o olhar que deve receber atenção. No outro
forma canônica final constitui o contexto para a teologia bíblica (Bíblica/ pólo está a "para-história" (o termo é de CROSSAN) que permite ao estru
Theology in Crisis, pp. 99-122) e que "a significância da forma final da turalista passar para as estruturas produndas que foram codificadas no
literatura bíblica é que só ela testemunha a história plena da revelação" texto. Cf. D. RüBERTSON, Literary Criticism of the Old Testament, Philadel
(The Canonical Shape of the Prophetic Literature, p. 47). phia, 1977.
146 TEOLOGIA 00 ANTIGO TESTAMENTO A QUFSfÃO DA METODOLOGIA 147
turante, seja ele comunhão, aliança, promessa, reino de 6. O objetivo último da abordagem canônica da teologia
Deus ou algum outro. A abordagem multíplice permite, do AT é penetrar as várias teologias dos distintos livros e
além disso e em primeiro lugar, que as teologias dos vários grupos de escritos e os vários temas longitudinais para che
livros e blocos de escritos veterotestamentários aflorem e gar à unidade dinâmica que vincula todas as teologias e te
coexistam em toda a sua variedade e riqueza. Esse procedi mas. Uma maneira aparentemente bem-sucedida de lidar
mento dá ampla oportunidade para que as teologias mui com a questão da unidade é tomar os vários temas longitu
tas vezes negligenciadas de certos escritos do AT aflorem dinais importantes e explicar onde e como as variegadas te
por si mesmas e se coloquem lado a lado com outras teolo ologias estão intrinsecamente relacionadas umas com as ou
gias. Elas dão sua própria contribuição especial à teologia tras. Desse modo, o vínculo subjacente da teologia do AT
veterotestamentária em pé de igualdade com as teologias poderá ser iluminado.
mais reconhecidas.
7. O teólogo cristão entende a teologia veterotestamen
4. A seqüência da teologia do AT reflete a ênfase bifur tária como parte de um conjunto maior. O nome "teologia
cada das teologias que procedem livro por livro, ou por blo do AT" distingue essa disciplina de uma "teologia do antigo
cos de escritos, e os temas, motivos e conceitos resultantes à Israel" e implica o conjunto maior da Bíblia inteira constitu
medida que estes emergem. A apresentação das distintas ído de ambos os Testamentos. Uma teologia do AT íntegra
teologias dos livros veterotestamentários, ou blocos de es se encontra numa relação básica com o NT. Essa relação é
critos, não seguirá, de preferência, a seqüência do cânon multicor, e dificilmente se pode esperar que ela seja esgota
hebraico ou da Septuaginta. O ordenamento dos documen da num único padrão.
tos dentro destes tinha causas outras do que teológicas. Essas propostas para uma teologia canônica do AT pro
Parece aconselhável seguir a seqüência histórica da data curam levar a sério a rica variedade teológica dos textos ve
de origem dos livros, grupos de escritos ou blocos de mate terotestamentários em sua forma final sem forçar os teste
rial do AT, embora esta seja, reconhecidamente, uma tare munhos variados a se encaixar numa única estrutura, ponto
fa difícil. de vista linear ou até mesmo abordagem composta de mais
de um elemento, mas de natureza limitada. Elas permitem
5. Segue-se, depois, a exposição dos temas longitudinais que se seja plenamente sensível tanto à semelhança quanto
do AT que emergiram das distintas teologias dos livros ou à mudança, ao velho e ao novo, sem de maneira alguma dis
blocos de escritos com base num enfoque de múltiplas pis torcer o texto.
tas. Esse procedimento livra o teólogo da noção da tour de
force de uma abordagem unilinear determinada por um úni
co conceito estruturador ao qual todos os testemunhos vete
rotestamentários teriam de se referir. O procedimento pro
posto aqui procurar evitar uma superposição de pontos de
vista ou pressupostos externos, mas insiste que os temas,
motivos e conceitos veterotestamentários sejam formados
pelos próprios materiais bíblicos.