Apesar do foco principal ser sobre o limite de estabilidade estática, este nem sempre é a
limitação preponderante. Por exemplo, geralmente nas redes de distribuição, as limitações
devido aos limites térmicos das linhas de transmissão são mais frequentes do que nas redes de
transporte. Pode também acontecer que os limites de isolamento das redes de transporte e
de distribuição sejam mais limitativos que os limites de estabilidade estática. A razão principal
para a atenção extra aos limites de estabilidade estático deve-se ao facto de poderem sr
directamente modificados com dispositivos FACTS, como veremos mais à frente. Os limites
térmicos e de isolamento por norma não podem ser alterados com dispositivos FACTS, mas
com tais dispositivos pode evitar-se que sejam atingidos. Por isso, em ultima instância, os
limites maximos são respeitantes aos limites térmicos e de isolamento.
Figura x.1 – Modelo de uma linha sem perdas, interligando um gerador (modelizado por Vs) e
uma rede de potência infinita (modelizado por Vr)
Em que Z0 (dado pela expressão (x.2)) representa a impedância característica da linha, dada
pela capacidade (c) e indutância (l) características da linha, 𝛿 representa o ângulo de
transmissão ou de carga (desfasamento entre Vs e Vr) e 𝜃 (dado pela expressão (x.3))
representa o comprimento da linha, em radianos, função do comprimento de onda (𝜆) da
frequência fundamental, cujo valor é de 6000km para uma frequência de 50Hz e de 5000km
para uma frequência de 60Hz, e do comprimento da linha (𝑎). Na expressão (x.3), ω é a
velocidade angular (em radianos) e f é a frequência (em Hz).
𝑙
𝑍0 = √𝑐 (x.2)
2𝜋 2𝜋𝑓
𝜃= 𝜆
𝑎 = 𝑐𝑙𝑖𝑛ℎ𝑎
𝑎 = 𝜔𝑎√𝑙𝑐 (x.3)
A linha considerada possui uma potência transmissível ideal característica, para uma dada
carga, designada por carga natural. Nesta situação, a corrente e a tensão estão em fase ao
longo da linha (mas variando ambas em fase em conjunto, ao longo da linha). Como tal, não
faz sentido aqui considerar o ângulo de transmissão, pois a corrente e a tensão estão em fase,
e por isso, a carga natural da linha não depende do comprimento da linha. Obtemos assim da
expressão (x.1) a expressão da potência activa transmissível ideal característica da linha (x.4):
𝑉0 2
𝑃0 = (x.4)
𝑍0
Nesta situação, as potências reactivas capacitiva e indutiva da linha são iguais, e neste caso a
linha consegue compensar-se a ela mesma, o que faz com que a tensão ao longo da linha se
mantenha constante em módulo (V0=Vr=Vs). Mas esta situação, claramente ideal, só raramente
é possível, por razões de ordem económica e de operação. Na pratica são mais vulgares outras
duas situações:
1) Para cargas nulas ou muito baixas, a energia reactiva capacitiva da linha supera a energia
reactiva indutiva da linha (a linha produz energia reactiva). Nesta situação, a energia reactiva
flui da linha para os extremos, sendo absorvida pelos geradores ou sistemas que interliga, o
que origina uma sobre-elevação da tensão com um máximo no ponto intermédio da linha, que
diminui na direcção dos extremos da linha até aos valores Vr e Vs (nas respectivas
extremidades). Diz-se nesta situação que a linha está sobrecompensada.
2) Para cargas consideráveis, a energia reactiva capacitiva produzida na linha não consegue
satisfazer a energia reactiva indutiva consumida pela linha. Deste modo, a energia reactiva tem
de provir dos geradores ou sistemas que a linha interliga, levando a uma queda de tensão na
linha que ocorre a partir das extremidades (com tensões Vs e Vr respectivamente) na direcção
do ponto intermédio da linha, onde atinge um valor mínimo. Diz-se nesta situação que a linha
está subcompensada.
Por outro lado, para a análise e modelização de FACTS num sistema eléctrico de energia, é de
todo convenientes assumir que o comprimento das linhas em geral é muito inferior a 5000km
(algumas centenas de km), o que permite aproximar 𝑠𝑖𝑛𝜃 como sensivelmente igual a 𝜃.
Então, das expressões (x.2 e x.3) obtém-se a expressão (x.5), que nos sugere que a linha não
tem reactância capacitiva, mas apenas uma reactância indutiva (Xl), ou seja, é conveniente
assumir a situação 2) descrita acima. Apesar da ausência de reactância capacitiva não ser
inteiramente verdade, verifica-se na realidade que para linhas aéreas em alta tensão, com uma
ou duas centenas de quilómetros, a reactância capacitiva é desprezável face à reactância
indutiva da linha.
𝑙
𝑍0 𝑠𝑖𝑛𝜃 ≈ 𝑍0 𝜃 = √𝑐 𝜔𝑎√𝑙𝑐 = 𝜔𝑎𝑙 = 𝑋𝑙 (x.5)
Substituindo (x.5) em (x.1), obtém-se a expressão (x.6). Como consideramos uma linha sem
perdas, podemos simplificar (x.6), obtendo a expressão (x.7). Assim, a potência máxima
transmissível por uma linha é dada pela expressão (x.8), que ocorre para um angulo de carga 𝛿
igual a 90o. Se a reactância capacitiva da linha fosse assumida, a potência activa transmissível
teria um valor superior, pelo que o seu desprezo representa um caso mais desfavorável. Assim,
as considerações que permitem assumirem a expressão (x.6), para além de não
comprometerem a validade dos resultados obtidos (face ao seu valor comparativamente
pequeno), fornece uma margem de segurança extra, evitando que se considerem fluxos de
potência cujo ângulo de transmissão possam ultrapassar o valor máximo (δ=90o).
𝑉𝑠 𝑉𝑟
𝑃= sin 𝛿 (x.6)
𝑋𝑙
𝑉2
𝑃= 𝑋𝑙
sin 𝛿 (x.7)
𝑉2
𝑃= 𝑋𝑙
(x.8)
Quanto à potência reactiva fornecida em cada extremo da linha, esta é dada por:
𝑉2
𝑄= 𝑋𝑙
(1 − 𝑐𝑜𝑠𝛿) (x.9)
Consideremos então agora a seguinte representação, cuja reactância série da linha é idêntica à
apresentada na figura x.1, mas agora sem as capacitâncias, com o valor da tensão no ponto
intermédio da linha designado por VM:
Figura x.2 - Modelo de uma linha indutiva, interligando um gerador (modelizado por Vs) e uma
rede de potência infinita (modelizado por Vr), aplicável a linhas relativamente curtas.
Se a tensão do sistema for constante, para a mesma linha, pela expressão (x.7) fica evidente
que quanto mais desfasadas forem Vs e Vr de VM, maior é a potência activa transmitida pela
linha, que é o mesmo que dizer que a potência activa transmitida pela linha depende somente
do ângulo de transmissão, tal como a potência reactiva (ver expressão (x.9)). Podemos então
concluir que, para uma tensão constante do sistema, não é possível alterar a potência activa
transmitida sem alterar a potência reactiva na linha (alterando o ângulo de transmissão, ambas
são alteradas). Também é possível observar que a potência máxima transmissível pela linha
depende do seu comprimento, pois quanto mais comprida for, maior é a sua reactância série
efectiva da linha. Isto é importante na medida que, uma vez atingido um ângulo de
transmissão δ=90o, a única maneira de aumentar a potência transmitida pela linha passa pelo
incremento da tensão do sistema, ou pela diminuição da reactância série efectiva da linha.
Como se verá mais à frente, a compensação de uma linha de modo a aumentar a sua potência
activa, passa precisamente pela manipulação das três variáveis presentes na expressão (x.7).
Limites térmicos
O limite prático para a potência transmitida por uma linha pode ser imposto pela expressão
(x.10), onde temos que as perdas activas do condutor (Pjoule), que o aquecem, são função da
corrente que atravessa a linha (I) e da resistência total da linha (R). Se a temperatura do
condutor for demasiada, pode alterar irreversivelmente as características físicas do condutor.
Pode-se diminuir a corrente que percorre a linha de transmissão aumentando a reactância
série efectiva da linha ou diminuindo o ângulo de transmissão, evitando-se desde modo que se
atinjam os limites térmicos de uma linha de transmissão.
𝑃𝑗𝑜𝑢𝑙𝑒 = 𝐼 2 𝑅 (x.10)
Limites de isolamento
As tensões do sistema não podem exceder limites bem definidos (normalmente +5% ou +10%
e -10% relativamente à tensão nominal). Os limites práticos tornam ainda mais restritos (por
natureza) em linhas radiais, e em linhas longas com cargas acopladas ao longo da linha.
Pelo que foi dito anteriormente, podemos reconhecer que a potência transmissível de uma
linha pode ser aumentada através de uma compensação reactiva adequada (injectada ou
absorvida da linha). A ideia é alterar um ou varias variáveis da expressão (x.7), possibilitando
também outras medidas, como o aumento do factor de potência, balancear a potência activa
obtida dos geradores, compensar a regulação de tensão e eliminar flutuações nesta e
eliminação de componentes harmónicas[14]. Existem três modos de compensar uma linha,
que constituem a base de operação de todos os métodos de compensação abrangidos pelos
dispositivos FACTS:
-Compensação “shunt”
-Compensação série
-“Phase Shifting”
Como vimos anteriormente, a linha sem perdas assumida, não está sempre à sua carga
natural. A tensão no ponto intermédio atinje um máximo ou um mínimo, consoante o regime
de carga que lhe é imposto. Por isso, é lógico que a compensação seja feita precisamente no
ponto intermédio da linha, tal como ilustrado na figura x.4.
Figura x.4 –Modelo de uma linha de transmissão sem perdas, interligando dois geradores ou
dois sistemas eléctricos de energia, com um compensador ideal conectado no seu ponto
intermédio.
Note-se que não existe qualquer troca de potência activa. Com a injecção de reactiva no ponto
intermédio, é possível “quebrar” a linha ao meio, em que cada metade passa agora a ter uma
impedância reactiva indutiva igual a X/2. O que torna isto possível é o facto de parte da
energia reactiva indutiva da linha não necessitar de vir das extremidades da linha, que passa a
ser proveniente do compensador “shunt”. Com efeito, se as tensões VM, Vs e Vr forem
identicas, em cada metade existirá um novo ponto mínimo de tensão no ponto intermédio de
cada metade, mas agora, o desfasamento das tensões Vs e VM, e de VM e Vr em relação à
corrente na metade respectiva (que estará em fase com a tensão nos pontos intermédios de
cada metade) está reduzido a metade, e isto porque agora, toda a reactiva necessária para
compensar a linha precorre apenas metade do comprimento anterior (Das fontes Vs, Vr e VM
para os pontos intermedios de cada uma das metades), que é o mesmo que dizer que precorre
metade da indutância da linha, o que por si justifica o facto dos angulos de carga em cada
metade da linha, serem apenas metade do angulo de carga verificado na linha sem
compensação. É claro que, enquanto na linha sem compensação e sem perdas e apenas com
reactancia indutiva, a corrente era constante ao longo desta em módulo e fase, na situação de
compensação descrita (Vs=VM=Vr), as correntes das duas metades das linhas (Ism e Imr, cada
uma constante em módulo e fase na sua metade) estarão desfasadas entre si num angulo igual
ao angulo de transmissão de cada metade, como pode ser observado na figura x.5.
Figura x.5 –Diagrama fasorial do modelo representado na figura x.4
A potência activa transmitida pela linha passa então a ser dada pela expressão (x.11), assim
como a potência reactiva fornecida em cada extremo da linha é dada pela expressão (x.12),
onde fica evidente que com apenas uma compensação “shunt” ideal no ponto intermédio da
linha conseguimos duplicar o limite máximo da potência transmissível, que ocorre agora para
um ângulo de carga δ=180o, que tambem é o dobro do anterior angulo de carga possível. É
claro que não é preciso que VM seja igual a Vs e a Vr para que este fenómeno ocorra, mas
tambem daí teremos uma compensação menor. Também é visível que teoricamente é possível
dividir a linha infinitamente, que então passaria a ter um perfil de tensão constante ao longo
do seu comprimento, sem limite estático de potência transmissível. Este método de
compensação actua na tensão e no ângulo de carga da linha. Convém no entanto reparar que
a equação (x.12) representa a energia reactiva injectada apenas numa extremidade da linha.
Numa linha sem compensação temos apenas duas extremidades, mas numa linha compensada
temos quatro: as duas extremidades físicas da linha, e as outras duas extremidades artificiais
criadas pelo compensador “shunt”, em virtude de este “querbar” electricamente a linha em
duas. Assim, neste caso, a potência reactiva total injectada na linha de transmissão é dada por
(x.13). Por isso a compensação de uma linha através de um compensador “shunt” pode
implicar grandes quantidades de energia reactiva, que no limite (para um angulo de
transmissão de 180o) é oito vezes superior à potência activa.
2𝑉 2 𝛿
𝑃= 𝑋𝑙
sin (2 ) (x.11)
2𝑉 2 𝛿
𝑄= 𝑋𝑙
(1 − 𝑐𝑜𝑠 (2 )) (x.12)
8𝑉 2 𝛿
𝑄= 𝑋𝑙
(1 − 𝑐𝑜𝑠 (2 )) (x.13)
2) Compensação série
Figura x.6 – Modelo de uma linha sem perdas interligando dois geradores ou sistemas
electricos de energia, com compensação série.
𝑉2
𝑃 = 𝑋 (1−𝑘) sin(𝛿) (x.14)
𝑙
2𝑉 2 𝑘
𝑄 = 𝑋 (1−𝑘)2 (1 − 𝑐𝑜𝑠𝛿) (x.15)
𝑙
3) “Phase Shifting”
Figura x.8 – Diagrama fasorial onde se esquematizam somas vectoriais das tensões Vs e Vσ,
Onde Vx é a queda de tensão na linha e Vseff é a resultante da soma de Vs e Vσ (tensão eficaz no
barramento emissor).
𝑉2
𝑃= 𝑋𝑙
sin(𝛿 − 𝜎) (x.16)
Tabela x.1 - Amortecimento das oscilações de potência num gerador síncrono (Pm é
considerado constante ao longo de um ciclo de oscilação)
Variação do
Equilíbrio de Aceleração Potência
Angulo de Principio de Compensação
Potência do Gerador Transmitida
Transmissão
“Phase
Ps-Pm θg dδ/dt Paralelo Série P
Shifting”
Ps-Pm<0 θg>0 dδ/dt>0 Qp>0 K>0,Xlinha diminui σ<0 Aumenta
Referencias:
[1] - Song, Y. H. e Johns, A. T. (1999). Flexible AC transmission systems (FACTS). Londres, Reino Unido,
The Institution of Electrical Engineers (IEE).
[4] – Hingorani, N. G and Gyugli, L. (2000). Understanding FACTS. Piscataway, USA, IEEE Press.
[15]- Hingorani, N. G., “FACTS Technology – State of the Art, Current Challenges and the Future
Prospects”, IEEE, 2007, pp. 1-4