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CURSO LIVRE DE FORMAÇÃO DE

PSICANALISTA

TEORIA PSICANALÍTICA FREUDIANA I

JULHO/2012
TEORIA PSICANALÍTICA FREUDIANA I

Sigmund Freud

Traços biográficos

Nascido no ano de 1856 em Freiberg, na Morávia, Sigmund Freud é


considerado o pai da psicanálise. Estudou medicina na Universidade de Viena
e desde cedo se especializou em neurologia. Seus estudos foram os pioneiros
acerca do inconsciente humano e suas motivações. Ele, durante muito tempo
(de fins do século passado até início do nosso século), trabalhou na elaboração
da psicanálise.

A Metodologia Freudiana

A psicanálise é um método de tratamento para perturbações ou distúrbios


nervosos ou psíquicos, ou seja, provenientes da psique; bastante diferente da
hipnose ou do método catártico. A terapêutica pela catarse hipnótica deu
excelentes resultados, não obstante as inevitáveis relações que se
estabeleciam entre médico e paciente. Posteriores investigações levaram
Freud a modificar essa técnica, substituindo a hipnose por um método de livre
associação de idéias (psicanálise).

O método psicanalítico de Sigmund Freud, consistia em estabelecer relações


entre tudo aquilo que o paciente lhe mostrava, desde conversas, comentários
feitos por ele, até os mais diversos sinais dados do inconsciente.

O psicanalista deveria "quebrar" os vínculos, os tratos que fazemos ao nos


comunicarmos uns com os outros. Ele não poderia ficar sentado ouvindo e
compreendendo apenas aquilo que o seu paciente queria dizer
conscientemente, mas perceber as entrelinhas daquilo que ele o diz. É o que
se chama de quebra do acordo consensual. Há uma ruptura de campo, pois o
analista não se restringe somente aos assuntos específicos, e sim ao todo, ao
sentido geral.

Freud sempre achou que existia um certo conflito entre os impulsos humanos
e as regras que regem a sociedade. Muitas vezes, impulsos irracionais
determinam nossos pensamentos, nossas ações e até mesmo nossos sonhos.
Estes impulsos são capazes de trazer à tona necessidades básicas do ser
humano que foram reprimidas, como por exemplo, o instinto sexual. Freud vai
mostrar que estas necessidades vêm à tona disfarçadas de várias maneiras, e
nós muitas vezes nem vamos ter consciência desses desejos, de tão
reprimidos que estão.

Freud ainda supõe, contrariando aqueles que dizem que a sexualidade só


surge no início da puberdade, que existe uma sexualidade infantil, o que era
um absurdo para a época. E muitos de nossos desejos sexuais foram
reprimidos quando éramos crianças. Estes desejos e instintos, sensibilidade
sensitiva que todos nós temos, são a parte inconsciente de nossa mente
chamada id. É onde armazenamos tudo o que foi reprimido, todas as nossas
necessidades insatisfeitas. "Princípio do prazer" é esta parte que existe em
cada um de nós. Mas existe uma função reguladora deste "princípio do prazer",
que atua como uma censura ante aos nossos desejos, que é chamada de ego.
Precisamos desta função reguladora para nos adaptarmos ao meio em que
vivemos. Nós mesmos começamos a reprimir nossos próprios desejos, já que
percebemos que não vamos poder realizar tudo o que quisermos. Vivemos em
uma sociedade que é regida por leis morais, as quais tomamos consciência
desde pequenos, quando somos educados. A consciência do que podemos ou
não fazer, segundo as regras da sociedade em que vivemos é a parte da nossa
mente denominada superego (princípio da realidade). O ego, vai se apresentar
como o regulador entre o id e o superego, para que possamos conciliar nossos
desejos com o que podemos moralmente fazer. O paciente neurótico nada
mais é do que uma pessoa que despende energia demais na tentativa de banir
de seu consciente tudo aquilo que o incomoda (reprimir), por ser moralmente
inaceitável.

A psicanálise se apoia sobre três pilares: a censura, o conteúdo psíquico dos


instintos sexuais e o mecanismo de transferência. A censura é representada
pelo superego, que inibe os instintos inconscientes para que eles não sejam
exteriorizados. Nem sempre isso ocorre, pode ser que eles burlem a censura,
por um processo de disfarce, manifestando-se assim com sintomas neuróticos.
Existem diversas formas de exteriorizarmos nossos instintos inconscientes: os
atos falhos, que podem revelar os segredos mais íntimos e os sonhos. Os atos
falhos são ações inconscientes que estão em nosso cotidiano; são coisas que
dizemos ou fazemos que um dia tínhamos reprimido. Por exemplo: certo dia,
um bispo foi visitar a família de um pastor, que era pai de umas meninas
adoráveis e muito comportadas. Este bispo tinha o nariz enorme. O pastor
pediu às suas filhas para que não comentassem sobre o nariz do bispo, pois
geralmente as crianças começam a rir quando notam este tipo de coisa, já que
o mecanismo de censura delas não está totalmente formado. Quando o bispo
chegou, as meninas se esforçaram ao máximo para não rirem ou fazerem
qualquer comentário a respeito do notável nariz, mas quando a irmã menor foi
servir o café, disse:

- O senhor aceita um pouco de açúcar no nariz?

Este é um exemplo de um ato falho, proveniente de uma reprimida vontade ou


desejo. Outro meio de tornarmos conscientes nossos desejos mais ocultos é
através dos sonhos. Nos sonhos, o nosso inconsciente (id) se comunica com o
nosso consciente (ego) e revelamos o que não queremos admitir que
desejamos, pelo fato da sociedade recriminar (principalmente os de caráter
sexual).

Os instintos sexuais são os mais reprimidos, visto que a religião e a moral da


sociedade concorrem para isso. Mas, é aí que o mecanismo de censura torna-
se mais falho, permitindo assim que apareçam sintomas neuróticos. Explicando
a sua teoria da sexualidade, Freud afirma que há sinais desta logo no início da
vida extrauterina, constituindo a libido.

A libido envolve do nascimento à puberdade, períodos de gradativa


diferenciação sexual. A primeira fase é chamada de período inicial, onde a
libido está direcionada para o próprio corpo, oral e analmente. A segunda fase,
o período edipiano, que se caracteriza por uma fixação libidinal passageira
entre os 4 e os 5 anos, também conhecida como "complexo de Édipo", pelo
qual a libido, já dirigida aos objetos do mundo exterior, fixa a sua atenção no
genitor do sexo oposto, num sentido evidentemente incestuoso. Por fim o
período de latência, iniciado logo após a fase edipiana, só irá terminar com a
puberdade, quando então a libido toma direção sexual definida.

Esses períodos ou fases são essenciais ao desenvolvimento do indivíduo, se


ele as resolver bem será sadio, porém qualquer problema que porventura ele
tiver em superá-las, certamente iniciará um processo de neurose.

Último dos pilares da psicanálise, a transferência, é também uma arma, um


trunfo usado pelos psicanalistas para ajudar no tratamento do paciente.
Naturalmente, o paciente irá transferir para o analista as suas pulsões,
positivas ou negativas, criando vínculos entre eles. O tratamento psicológico
deve, então, ser entendido como uma reeducação do adulto, ou seja, uma
correção de sua educação enquanto criança.

Assim, Freud desenvolveu um método de tratamento que se pode igualar a


uma "arqueologia da alma", onde o psicanalista busca trazer à luz as
experiências traumáticas passadas que provocaram os distúrbios psíquicos do
paciente, fazendo com que assim, ele encontre a cura.

Teoria Psicanalítica foi construída após a Teoria da sexualidade infantil por


mais 50 anos. Desenvolver inúmeros outros trabalhos que complementaram e
exploram as idéias centrais, abrindo inclusive a psicanálise para outras áreas
como a arte, a religião, os movimentos sociais, a linguística. A descoberta do
inconsciente vem para Freud por dois caminhos diferentes e paralelos: A
experiência clínica pioneira de Breuer e - As experiências com sugestão pós-
hipnótica de Bernheim. A hipnose foi capaz de fazer surgir algumas pequenas
atitudes que normalmente o paciente não as teria, quando ele se sente
ameaçado, não só se recusa a cumprir as ordens, como torna-se
particularmente resistente ao procedimento. Alguns casos passam a não ter
êxito e muitos pacientes não conseguiam ser hipnotizados e Freud começa a
se desanimar com a prática médica da hipnose. Freud aprendeu com Charlot
que a histeria e a hipnose eram fenômenos similares. Baseando-se nisso ele
abandona a hipnose e inicia uma técnica sugestiva, onde afirma ao paciente
que ele poderá se lembrar do acontecimento traumático sofrido, que ele
conscientemente não sabe, mas que está guardado no inconsciente. Com tal
teoria Freud deduz que, se um fato tão significativo não podia emergir senão
com muito esforço, era porque havia uma força que se opunha à sua
percepção consciente. Freud define esta força, chamando-a de RESISTÊNCIA.
Ela mantinha o evento traumático inconsciente, protegendo o indivíduo da dor e
do sofrimento que seriam trazidos junto com seu conhecimento.

Quanto maior a dor a ser vivida com a recordação, mais a resistência era
mobilizada, tornando-se mais difícil a recordação do trauma. A descoberta da
inconsciência leva Freud a outra questão: se há necessidade de uma força tão
grande para impedir que o trauma se torne consciente, é sinal de que as
recordações traumáticas não estão imobilizadas no inconsciente; se a
resistência deve ser aumentada na proporção em que o trauma é maior, quanto
mais doloroso o evento reprimido, maior é a força que ele deve fazer para se
tornar inconsciente. A esta força que se mobiliza para que o indivíduo não seja
ferido em seus ideais éticos e estéticos, que tira da consciência a percepção de
acontecimentos cuja dor o indivíduo não poderia suportar, Freud chamou de
REPRESSÃO. Se alguém passa por um evento tão doloroso, que sente não
poder suportá-lo, é um processo de autoproteção reprimir o acontecimento.
Mesmo que pudesse explicar a dimensão dos conceitos internos, os conceitos
de consciente e inconsciente não puderam responder algumas questões
levantadas. O consciente não podia suportar a percepção de uma vivência e
mantinha permanentemente a resistência bloqueando esta percepção. Não se
podia considerar inadequado algo que não é conhecido.

PRIMEIRA TEORIA DO APARELHO PSÍQUICO


TEORIA TOPOGRAFICA
(PRIMEIRA TÓPICA)

INTRODUÇÃO

Freud empregou a palavra “aparelho” para caracterizar uma organização


psíquica dividida em sistemas, ou instâncias psíquicas, com funções
específicas para cada uma delas, que estão interligadas entre si, ocupando um
certo lugar na mente. Em grego, “topos” quer dizer “lugar”, daí que o modelo
tópico designa um “modelo de lugares”, sendo que Freud descreveu a dois
deles: a “Primeira Tópica” conhecida como Topográfica e a “Segunda Tópica”,
como Estrutural.

A noção de “aparelho psíquico”, como um conjunto articulado de lugares –


virtuais – surge mais claramente na obra de Freud em “A interpretação dos
sonhos” de 1900, no qual, no célebre capítulo 7, ele elabora uma analogia do
psiquismo com um aparelho óptico, de como esse processa a origem,
transformação e o objetivo final da energia luminosa.

Nesse modelo tópico, o aparelho psíquico é composto por três sistemas: o


inconsciente (Ics), o pré-consciente (Pcs) e o consciente (Cs). Algumas vezes,
Freud denomina a este último sistema de sistema percepção-consciência.

O sistema consciente tem a função de receber informações provenientes das


excitações provenientes do exterior e do interior, que ficam registradas
qualitativamente de acordo com o prazer e/ou, desprazer que elas causam,
porém ele não retém esses registros e representações como depósito ou
arquivo deles. Assim, a maior parte das funções perceptivo-cognitivas-motoras
do ego – como as de percepção, pensamento, juízo crítico, evocação,
antecipação, atividade motora, etc., processam-se no sistema consciente,
embora esse funcione intimamente conjugado com o sistema Inconsciente,
com o qual quase sempre está em oposição.

O sistema pré-consciente foi concebido como articulado com o consciente e, tal


como sugere no “Projeto”, onde ele aparece esboçado com o nome de “barreira
de contato”, funciona como uma espécie de peneira que seleciona aquilo que
pode, ou não, passar para o consciente.

Ademais, o pré-consciente também funciona como um pequeno arquivo de


registros, cabendo-lhe sediar a fundamental função de conter as
representações de palavra, conforme foi conceituado por Freud, 1915.

O sistema inconsciente designa a parte mais arcaica do aparelho psíquico. Por


herança genética, existem pulsões, acrescidas das respectivas energias e
“protofantasias”, como Freud denominava as possíveis fantasias atávicas que
também são conhecidas por “fantasias primitivas, primárias ou originais”. As
pulsões estão reprimidas sob a forma de repressão primária ou de repressão
secundária.

Uma função que opera no sistema inconsciente e que representa uma


importante repercussão na prática clínica é que ela contém as representações
da coisa. Portanto, numa época em que as representações ficaram impressas
na mente quando ainda não havia palavras para nomeá-las. Funcionalmente, o
sistema inconsciente opera segundo as leis do processo primário e, além das
pulsões do id, tem também muitas funções do ego, bem como do superego.

INCONSCIENTE

É o conteúdo ausente, em um dado momento, da consciência, que está no


centro da teoria psicanalítica. O adjetivo inconsciente é por vezes usado para
exprimir o conjunto dos conteúdos não presentes no campo efetivo da
consciência, isto num sentido “descritivo” e não “tópico”, quer dizer, sem se
fazer discriminação entre os conteúdos dos sistemas pré-consciente e
inconsciente.

No sentido “tópico”, inconsciente designa um dos sistemas definidos por Freud


no quadro da sua primeira teoria do aparelho psíquico. É constituído por
conteúdos recalcados aos quais foi recusado o acesso ao sistema pré-
consciente-consciente pela ação do recalque originário e recalque a posteriori.
Freud acentuou desde o início que o sujeito modifica a posteriori os
acontecimentos passados e que essa modificação lhes confere um sentido e
mesmo uma eficácia ou um poder patogênico.

Podemos resumir do seguinte modo as características essenciais do


inconsciente como sistema (ou Ics):

a) Os seus “conteúdos” são “representantes” das pulsões;

b) Estes “conteúdos” são regidos pelos mecanismos específicos do


processo primário, principalmente a condensação e o deslocamento;

c) Fortemente investidos pela energia pulsional, procuram retornar à


consciência e à ação (retorno do recalcado); mas só podem ter acesso
ao sistema Pcs-Cs nas formações de compromisso, depois de terem
sido submetidos às deformações da censura.

d) São, mais especialmente, desejos da infância que conhecem uma


fixação no inconsciente.

A abreviatura Ics (Ubw do alemão Unbewusste) designa o inconsciente sob a


sua forma substantiva como sistema; ics (ubw) é a abreviatura do adjetivo
inconsciente (unbewusst) enquanto qualifica em sentido estrito os conteúdos
do referido sistema.

No quadro da segunda tópica freudiana, o termo inconsciente é usado,


sobretudo na sua forma adjetiva; efetivamente, inconsciente deixa de ser o que
é próprio de uma instância especial, visto que qualifica o id e, em parte, o ego e
o superego. Mas convém notar que as características atribuídas ao sistema Ics
na primeira tópica são de um modo geral atribuídas ao Id na segunda. A
diferença entre o pré-consciente e o inconsciente, embora já não esteja
baseada numa distinção intersistêmica, persiste como distinção intra-sistêmica
(o ego o superego são em parte pré-conscientes e em parte inconscientes).

O sonho foi para Freud o caminho por excelência da descoberta do


inconsciente. Os mecanismos (deslocamento, condensação, simbolismo)
evidenciados no sonho em “A interpretação de sonhos” de 1900 e constitutivos
do “processo primário” são reencontrados em outras formações do
inconsciente (atos falhos, chistes, lapsos, etc.), equivalentes aos sintomas pela
sua estrutura de compromisso e pela sua função de “realização de desejo”.

O inconsciente freudiano é, em primeiro lugar, indissoluvelmente uma noção


tópica e dinâmica, que brotou da experiência do tratamento. Este mostrou que
o psiquismo não é redutível ao consciente e que certos “conteúdos” só se
tornam acessíveis à consciência depois de superadas certas resistências.

O termo “inconsciente” havia sido utilizado antes de Freud para designar de


forma global o não-consciente. Freud afasta-se da psicologia anterior, por uma
apresentação metapsicológica, isto é, por uma descrição dos processos
psíquicos em suas relações dinâmicas, tópicas e econômicas. Este é o ponto
de vista tópico, que permite localizar o inconsciente. Uma tópica psíquica não
tem nada a ver com a anatomia, refere-se a locais do aparelho psíquico.

Este é “como um instrumento” composto de sistemas, ou instâncias,


interdependentes. O aparelho psíquico é concebido sobre o modelo de um
aparelho reflexo, do qual uma extremidade percebe os estímulos internos ou
externos, encontrando sua resolução na outra extremidade, a motora. É entre
esses dois pólos que se constitui a função de memória do aparelho, sob a
forma de traços mnésicos deixados pela percepção que é conservado, mas sua
associação, por exemplo, conforme a simultaneidade, a semelhança, etc. A
mesma excitação encontra-se, portanto, fixada de forma diferente nas diversas
camadas da memória. Como uma relação de exclusão liga as funções da
memória e da percepção, é preciso admitir que nossas lembranças tornam-se
logo inconscientes.

No artigo “O inconsciente” em 1915, Freud denomina-os “representante da


pulsão”. Com efeito, a pulsão, na fronteira entre o somático e o psíquico, está
aquém da oposição entre consciente e inconsciente; por um lado, nunca se
pode tornar objeto da consciência e, por outro, só está presente no
inconsciente pelos seus representantes, essencialmente o “representante-
representação”.

Para Freud, é pela ação do “recalque” infantil que se opera a primeira clivagem
entre o inconsciente e o sistema Pcs-Cs. O inconsciente freudiano é
“constituído”, apesar de o primeiro tempo do recalque originário poder ser
considerado mítico; não é uma vivência indiferenciada.
PRÉ-CONSCIENTE

Como substantivo, designa um sistema do aparelho psíquico nitidamente


distinto do sistema inconsciente (Ics); como adjetivo, qualifica as operações e
conteúdos desse sistema pré-consciente (Pcs). Estes não estão presentes no
campo atual da consciência e, portanto, são inconscientes no sentido
“descritivo” do termo, mas distingue-se dos conteúdos do sistema inconsciente
na medida em que permanecem de direito acessíveis à consciência
(conhecimentos e recordações não atualizados, por exemplo).

Do ponto de vista metapsicológico, o sistema pré-consciente rege-se pelo


processo secundário. Está separado do sistema inconsciente pela censura, que
não permite que os conteúdos e os processos inconscientes passem para o
Pcs sem sofrerem transformações.

No quadro da segunda tópica freudiana, o termo pré-consciente é sobretudo


utilizado como adjetivo, para qualificar o que escapa à consciência atual sem
ser inconsciente no sentido estrito. Do ponto de vista sistemático, qualifica
conteúdos e processos ligados ao ego quanto ao essencial, e também ao
superego.

Desde cedo Freud estabelece a diferença durante a elaboração de suas


considerações metapsicológicas. Em “A interpretação de sonhos” em 1900, o
sistema pré-consciente está situado entre o sistema inconsciente e a
consciência; está separado do primeiro pela censura, que procura barrar aos
conteúdos inconscientes o caminho para o pré-consciente e para a
consciência; na outra extremidade, comanda o acesso à consciência e à
motilidade.

CONSCIENTE

No sentido descritivo, é a qualidade momentânea que caracteriza as


percepções externas e internas no conjunto dos fenômenos psíquicos.
Segundo a teoria metapsicológica de Freud, a consciência seria função de um
sistema, o sistema percepção-consciência (Pcs-Cs).

Do ponto de vista tópico, o sistema percepção-consciência está situado na


periferia do aparelho psíquico, recebendo ao mesmo tempo as informações do
mundo exterior e as provenientes do interior, isto é, as sensações que se
inscrevem na série desprazer-prazer e as revivescências mnésicas. Muitas
vezes Freud liga a função percepção-consciência ao sistema pré-consciente
(Pcs-Cs).

Do ponto de vista funcional, o sistema percepção-consciência opõe-se aos


sistemas de traços mnésicos que são o inconsciente e o pré-consciente: nele
não se inscreve qualquer traço durável das excitações. Do ponto de vista
econômico, caracteriza-se pelo fato de dispor de uma energia livremente
móvel, suscetível do sobre-investir este ou aquele elemento (mecanismo da
atenção).

A consciência desempenha um papel importante na dinâmica do conflito


(evitação consciente do desagradável, regulação mais discriminadora do
princípio de prazer) e do tratamento (função e limite da tomada de
consciência), mas não pode ser definida como um dos pólos em jogo no
conflito defensivo.

Uma vez recusada a identificação do psiquismo com o consciente, restava a


Freud investigar em que condições precisas o psiquismo vem a adquirir essa
propriedade de ser consciente. A questão podia ser formulada então em dois
terrenos. Seja um terreno reflexivo, numa determinação conceitual mais ou
menos tributária da tradição; seja a partir do saber acumulado pela psicanálise.
O primeiro desses pontos de vista é demonstrado na época da
correspondência com Fliess, quando Freud recorre a Lipps. De fato, no tempo
do “Projeto para uma psicologia científica”, Freud se distanciará de Lipps na
medida em que falará de deslocamentos de energia psíquica ao longo de
certas vias associativas e da persistência de traços quase indeléveis.

Considerando o consciente, pré-consciente e inconsciente, cuja significação


não é mais puramente descritiva, vamos admitir que o pré-consciente está mais
próximo do consciente que o inconsciente e, o latente ao pré-consciente.

Do primeiro ponto de vista, “a consciência constitui a camada superficial do


aparelho psíquico”. Em outras palavras, escreve Freud em “O eu e o isso”,
“vemos na consciência uma função que atribuímos a um sistema que, do ponto
de vista espacial, é o mais próximo do mundo externo. Essa proximidade
espacial deve ser entendida não apenas no sentido funcional, mas também no
sentido anatômico. Assim também nossas pesquisas devem, por sua vez,
tomar como ponto de partida essas superfícies que correspondem às
percepções”.

A própria análise do “tornar-se consciente” tira partido dessa referência à


percepção: “Eu já havia formulado em outro lugar a opinião de que a diferença
real entre uma representação inconsciente e uma representação pré-
consciente (idéia) consistiria em que a primeira se refere a materiais que
permanecem desconhecidos, ao passo que a última (a pré-consciente) estaria
associada a uma representação verbal. Esta será a primeira tentativa de
caracterizar o inconsciente e o pré-consciente sem recorrer às suas relações
com a consciência”.
SEGUNDA TEORIA DO APARELHO PSÍQUICO
TEORIA ESTRUTURAL
(SEGUNDA TÓPICA)

INTRODUÇÃO

A representação “tópica” exposta no capítulo VII de “A interpretação dos


sonhos” fixa a ordem de coexistência das diferentes regiões do aparelho
psíquico, entre cujas extremidades – sensível e motora – se desenrolam os
processos.

No entanto, em nota introduzida numa edição posterior, Freud ressalta a


insuficiência do esquema anteriormente construído. “O desenvolvimento
posterior deste esquema desdobrado linearmente”, escreve ele então, “deverá
levar em conta esta suposição de que o sistema que sucede ao pré-consciente
é aquele a que devemos atribuir a consciência”.

A primeira tópica foi inspirada pela análise do sonho e da histeria, será


sucedida, após 1920, por uma segunda tópica, elaborada em resposta aos
problemas da psicose, que abrange o id, o ego, e o superego. Da primeira,
Freud dizia que tinha um valor descritivo, ao passo que na segunda
reconhecemos um valor sistemático.

“Daremos o nome de inconsciente”, escrevia ele em 1900, “ao sistema situado


mais atrás; ele não poderia ter acesso à consciência, a não ser passando pelo
pré-consciente, e durante essa passagem o processo de excitação deverá se
submeter a certas modificações”.

Insatisfeito com o “modelo topográfico”, porquanto esse não conseguia explicar


muitos fenômenos psíquicos, em especial aqueles que emergiam na prática
clínica, Freud vinha gradativamente elaborando uma nova concepção, até que,
em 1920, mais precisamente a partir do importante trabalho metapsicológico
“Além do princípio do prazer, ele estabeleceu de forma definitiva a sua clássica
concepção do aparelho psíquico, conhecido como modelo estrutural (ou
dinâmico), tendo em vista que a palavra “estrutura” significa um conjunto de
elementos que separadamente tem funções específicas, porém que são
indissociados entre si, interagem permanentemente e influenciam-se
reciprocamente. Ou seja, diferentemente da Primeira Tópica, que sugere uma
passividade, a Segunda Tópica é eminentemente ativa, dinâmica. Essa
concepção estruturalista ficou cristalizada em “O ego e o id” de 1923 e consiste
em uma divisão tripartite da mente em três instâncias: o id, o ego e o superego.

ID OU ISSO

Este foi um termo introduzido por Georg Groddeck em 1923 e conceituado por
Sigmund Freud no mesmo ano, a partir do pronome alemão neutro da terceira
pessoa do singular (Es), para designar uma das três instâncias da segunda
tópica freudiana, ao lado do ego (eu) e do superego (supereu). O id (isso) é
concebido como um conjunto de conteúdos de natureza pulsional e de ordem
inconsciente.

Uma das três instâncias diferenciadas por Freud na sua segunda teoria do
aparelho psíquico. O id constitui o pólo pulsional da personalidade. Os seus
conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado
hereditários e inatos e, por outro, recalcados e adquiridos.

Do ponto de vista “econômico”, o id é, para Freud, o reservatório inicial da


energia psíquica. Do ponto de vista “dinâmico”, ele abriga e interage com as
funções do ego e com os objetos, tanto os da realidade exterior, como aqueles
que, introjetados, estão habitando o superego, com os quis quase sempre entra
em conflito, porém, não raramente, o id estabelece alguma forma de aliança e
conluio com o superego. Do ponto de vista “genérico”, são as suas
diferenciações. Do ponto de vista “funcional”, ele é regido pelo princípio do
prazer; logo pelo processo primário.

Do ponto de vista “topográfico”, o inconsciente, como instância psíquica,


virtualmente coincide com o id, o qual é considerado o pólo psicobiológico da
personalidade, fundamentalmente constituído pelas pulsões.

O termo das Es [isso, aquilo] é introduzido em O ego e o id (Das Ich und das
Es, 1923). Freud vai busca-lo em Georg Groddeck e cita o precedente de
Nietzsche, que designaria assim “... o que há de não pessoal e, por assim
dizer, de necessário por natureza do nosso ser”.

A introdução do conceito de id (isso) por Freud na teoria psicanalítica está


intrinsecamente ligada à grande reformulação dos anos de 1920-1923.
Sabemos que esta se caracterizou pela modificação da teoria das pulsões, pela
elaboração de uma nova psicologia do ego, que levava em conta suas funções
inconscientes de defesa e recalque, e pela definição de uma nova tópica, na
qual o id veio a ocupar o lugar que fora do inconsciente na tópica anterior.
Foi em seu ensaio “O ego e o id” que Freud introduziu o termo pela primeira
vez, insistindo na solidez de fundamento da acepção definida por Groddeck: a
de uma vivência passiva do indivíduo, confrontado com forças desconhecidas e
impossíveis de dominar.

A primeira tópica era uma descrição cômoda dos processos psíquicos. Permitia
distinguir entre o consciente e duas modalidades de inconsciente, o
inconsciente propriamente dito, cujos conteúdos só raramente (ou nunca)
podiam ser transformados em pensamentos conscientes, e o pré-consciente,
feito de pensamentos latentes, passíveis de se tornar ou de voltar a se tornar
conscientes.

Aos poucos, a partir de 1915, ao preço de lenta maturação fundamentada na


experiência clínica, Freud chegou à conclusão de que grandes partes do ego e
do superego eram inconscientes. Daí em diante, tornou-se impossível afirmar a
existência de uma identidade entre o ego e o consciente, de um lado, e o
recalcado e o inconsciente, de outro. Assim, foi preciso revisar por completo a
concepção das relações consciente-inconsciente expressa pela primeira tópica.
Daí a introdução do termo id para designar o inconsciente, considerado um
reservatório pulsional desorganizado, assimilado a um verdadeiro caos, sede
de “paixões indomadas” que, sem a intervenção do eu, seria um joguete de
suas aspirações pulsionais e caminharia inelutavelmente para sua perdição.

Ao mesmo tempo, o ego perdeu sua autonomia pulsional, tornando-se o id a


sede da pulsão de vida e da pulsão de morte. Diversamente de sua abordagem
descritiva da primeira tópica, a abordagem dinâmica da segunda não instaurou
nenhuma separação radical entre as instâncias que a compunham: os limites
do id deixaram de ter a precisão dos que marcavam a separação entre o
inconsciente e o sistema consciente-pré-consciente, e o ego deixou de ser
estritamente diferenciado do id no qual o superego mergulha suas raízes.
No contexto da trigésima primeira das “Novas conferências introdutórias sobre
psicanálise”, que versava sobre “A decomposição da personalidade psíquica”,
Freud inaugurou uma reflexão sobre os respectivos futuros do ego e do id e
sobre a missão que, sob esse ponto de vista, cabia à psicanálise. Nesse
contexto, enunciou sua célebre frase “Wo Es war, soll Ich werden”, que daria
margem a diversas leituras, por sua vez articulada com as modalidades de
interpretação da segunda tópica. Uma primeira leitura, a da “Ego Psychology”,
privilegiou o papel do eu, considerado como tendo que dominar o isso ao
término de uma análise bem conduzida. Inversamente, Jacques Lacan
forneceu da frase freudiana uma tradução baseada em sua teoria da
linguagem. Enfatizou a emergência dos desejos inconscientes para os quais a
análise deve abrir caminho, em oposição às defesas do ego, posição esta que
ele recapitulou em 1967 por meio de uma formulação que se tornou famosa:
“isso fala!”.

EGO OU EU

É um termo empregado na filosofia e na psicologia para designar a pessoa


humana como consciente de si e objeto do pensamento. Retomado por
Sigmund Freud, esse termo designou, num primeiro momento, a sede da
consciência. O ego (eu) foi então delimitado num sistema chamado primeira
tópica, que abrangia o consciente, o pré-consciente e inconsciente.
A partir de 1920, o termo mudou de estatuto, sendo conceituado por Freud
como uma instância psíquica, no contexto de uma segunda tópica que abrangia
outras duas instâncias: o superego e o id. O ego tornou-se então, em grande
parte, inconsciente.

Essa segunda tópica (id, ego, superego) deu origem a três leituras divergentes
da doutrina freudiana: a primeira destaca um eu concebido como um pólo de
defesa ou de adaptação à realidade (Ego Psychology, annafreudismo); a
segunda mergulha o ego no id, divide-o num ego (eu) [moi] e num Ego (Eu) [je]
– sujeito, este determinado por um significante (lacanismo); e a terceira inclui o
ego numa fenomenologia do si mesmo ou da relação de objeto (Self
Psychology, kleinismo).

Do ponto de vista tópico, o ego está numa relação de dependência tanto para
com as reivindicações do id, como para com os imperativos do superego e
exigências da realidade. Embora se situe como mediador, encarregado dos
interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é apenas relativa.

Do ponto de vista dinâmico, o ego representa eminentemente, no conflito


neurótico, o pólo defensivo da personalidade; põe em jogo uma série de
mecanismos de defesa, estes motivados pela percepção de um afeto
desagradável (sinal de angústia).

Do ponto de vista econômico, o ego surge como um fator de ligação dos


processos psíquicos; mas, nas operações defensivas, as tentativas de ligação
da energia pulsional são contaminadas pelas características que especificam o
processo primário: assumem um aspecto compulsivo, repetitivo, desreal.

A teoria psicanalítica procura explicar a gênese do ego em dois registros


relativamente heterogêneos, quer vendo nele um aparelho adaptativo,
diferenciado a partir do id em contato com a realidade exterior, quer definindo-o
como o produto de identificações que levam à formação no seio da pessoa de
um objeto de amor investido pelo id.

Relativamente à primeira teoria do aparelho psíquico, o ego é mais vasto do


que o sistema pré-consciente-consciente, na medida em que as suas
operações defensivas são em grande parte inconscientes.

Freud descreveu o ego como uma parte do id, que por influência do mundo
exterior, ter-se-ia diferenciado. No id reina o princípio de prazer. Ora, o ser
humano é um animal social e, se quiser viver com seus congêneres, não pode
se instalar nessa espécie de nirvana, que é o princípio de prazer, ponto de
menor tensão, assim como lhe é impossível deixar que as pulsões se
exprimam em estado puro.

De fato, o mundo exterior impõe à criança pequenas proibições que provocam


o recalcamento e a transformação das pulsões, na busca de uma satisfação
substitutiva que irá provocar no eu, por sua vez, um sentimento de desprazer.
O princípio de realidade substitui o princípio de prazer. O eu se apresenta
como uma espécie de tampão entre os conflitos e clivagens do aparelho
psíquico, ao mesmo tempo que tenta desempenhar o papel de uma espécie de
pára-excitação, em face das agressões do mundo exterior.

Na medida em que existem em Freud duas teorias tópicas do aparelho


psíquico, a primeira das quais faz intervir os sistemas inconscientes, pré-
consciente, consciente e a segunda as três instâncias id, ego e superego, é
corrente em psicanálise admitir que a noção de ego só se teria revestido de um
sentido estritamente psicanalítico, técnico, após aquilo a que se chamou a
“virada” de 1920.

Freud utiliza a noção de ego desde os primeiros trabalhos e é interessante ver


destacarem-se dos textos do período de 1894-1900 certos temas e problemas
que se reencontrarão ulteriormente.

Foi a experiência clínica das neuroses que levou Freud a transformar


radicalmente a concepção tradicional do ego. A psicologia e, sobretudo a
psicopatologia leva, por volta dos anos 1880, pelos estudos das “alterações e
desdobramentos da personalidade”, dos “estatutos segundos”, etc., a
desmantelar a noção de um ego uno e permanente.

Henri F. Ellenberg dá mostras de excessiva severidade ao escrever, a


propósito da segunda tópica freudiana, que “o ego (eu) não passa de um antigo
conceito filosófico, vestido numa nova roupagem psicológica”. Sem dúvida,
Freud foi tão pouco inventor do termo “eu” quanto criador dos termos
inconsciente e consciente. A idéia do ego, muitas vezes sinônima da de
consciência, de fato está presente nas obras da maioria dos grandes filósofos,
sobretudo os alemães, desde meados do século XVIII. E, ante a constatação
das experiências das experiências mesmerianas, Wilhelm von Schelling (1775-
1854) e Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) relativizaram a importância do eu
em sua concepção do funcionamento mental. Essas referências filosóficas
constituem o pano de fundo contra o qual se desenvolveram as primeiras
etapas de uma psiquiatria dinâmica que procurava desvincular-se das
concepções organicistas do funcionamento do espírito humano.

Assim, podemos considerar que Wilhelm Griesinger (1817-1869), inspirador de


Theodor Meynert, foi um dos ancestrais de Freu. Nomeado diretor, em 1860,
do novíssimo hospital psiquiátrico de Zurique, o Burghölzli, Griesinger foi um
dos primeiros psiquiatras a afirmar que a maioria dos processos psicológicos
decorria de uma atividade inconsciente. Ele elaborou uma psicologia do eu
cujas distorções são tidas como resultantes do conflito que opõe esse eu a
representações que ele não consegue assimilar.

Meynert, cujas aulas Freud acompanhou em 1883, formulou, por sua vez, uma
concepção dual do ego, fazendo uma distinção entre o ego primário, parte
inconsciente da vida mental que tem sua origem na infância, e o ego
secundário, ligado à percepção consciente.

Encontramos a marca desse ensino na primeira grande elaboração teórica de


Freud, seu “Projeto para uma psicologia científica”. Desde esse momento, o
ego se inscreve na trama da análise do conflito psíquico. Assim, nessa primeira
síntese teórica, evocando o conflito entra a “atração provocada pelo desejo” e a
tendência ao recalcamento, cujo teatro é o sistema neuronal concernido nas
excitações endógenas, Freud discerne a existência de uma “instância” cuja
presença entrava a passagem das quantidades energéticas, quando esse fluxo
é acompanhado de sofrimento ou de satisfação. “Essa instância”, diz Freud,
“chama-se o ego (eu)”. Esse ego tem um modo duplo de funcionamento:
esforça-se por se livrar dos investimentos dos quais é objeto, procurando a
satisfação, e tenta por meio do processo que Freud denomina de inibição,
evitar a repetição de experiências dolorosas.

A reformulação que começou a se efetuar com a introdução do conceito de


narcisismo, em 1914, contribuiu para conferir ao ego um lugar de primeiro
plano. Em seguida aos trabalhos de Karl Abraham, o estudo das psicoses
permitiu estabelecer que o ego podia ser sede de um investimento libidinal,
como qualquer objeto externo. Surgiu assim uma libido do ego, oposta à libido
objetal, com Freud enunciando a hipótese de um movimento de balança entre
as duas. A partir daí, o eu deixou de ter apenas o papel de mediador perante a
realidade externa, sendo também objeto de amor e se tornando, em virtude da
distinção entre narcisismo primário – que se pressupõe a existência de uma
libido no ego – e narcisismo secundário, um reservatório de libido.

Depois de Freud, o ego, sua concepção e as funções de que ele é


supostamente a sede iriam constituir um desafio teórico e político a partir do
qual se instituiria correntes contraditórias nos movimento psicanalítico.

Assim se formaram duas correntes, destinadas a se tornar dominantes na


psicanálise norte-americana: o “annafreudismo” e a “Ego Psychology”, em
torno de Anna Freud, por um lado, e de “Heinz Hartmann”, por outro, para
privilegiar o ego e seus mecanismos de defesa, em detrimento do id, do
inconsciente e do sujeito. Dessa maneira, elas contribuíram para fazer da
psicanálise uma terapia da adaptação do eu à realidade.

Em reação a essa normalização, Heinz Kohut retomou o conceito de self (o si


mesmo), introduzido em 1950 por Hartmann, para assinalar uma distinção em
relação ao ego, e elaborou uma teoria do aparelho psíquico em que o self se
tornou uma instância particular, que permite explicar os ataques narcísicos.

Outras correntes, como o kleinismo e o lacanismo, adotam uma orientação


radicalmente oposta, na perspectiva de um “retorno ao inconsciente”, seguindo
caminhos que por outro lado, são bem distintos entre si.

Se Melanie Klein enfatiza a fase pré-edipiana do desenvolvimento psíquico,


consagrando sua atenção ao estudo das relações arcaicas mãe-filho e a seu
conteúdo pulsional negativo, o procedimento de Jacques Lacan volta-se desde
logo para a análise das condições de emergência de um sujeito do
inconsciente, apanhado, em sua origem, na armadilha do ego (eu), que é
constitutivo do registro do imaginário, este conclamado, desde 1953, a se
tornar uma das instâncias da tópica lacaniana, ao lado do real e do simbólico.

Para Lacan, o eu (ego) se distingue, como núcleo da instância imaginária, na


fase chamada de estádio do espelho. A criança se reconhece em sua própria
imagem, caucionada nesse movimento pela presença e pelo olhar do outro (a
mãe ou um substituto) que a identifica, que a reconhece simultaneamente
nessa imagem. Nesse instante, porém, o Eu (ego) [je] – sujeito - é como que
captado por esse eu (ego) [moi] imaginário: de fato, o sujeito, que não sabe o
que é, acredita ser aquele eu (ego) [moi] a quem vê no espelho. Trata-se de
um engodo, é claro, já que o discurso desse eu [moi] é um discurso consciente,
que faz “semblante” de ser o único discurso possível do indivíduo, enquanto
existe, como que nas entrelinhas, o discurso não controlável do sujeito do
inconsciente.

Consideradas essas bases, podemos compreender a interpretação lacaniana


da célebre frase de Freud nas “Novas conferências introdutórias sobre
psicanálise”: “Wo Es war, soll Ich werden”. Lacan traduz essa frase da seguinte
maneira: “Ali onde isso (id) era, eu (ego) devo advir”. Para ele, trata-se de
mostrar que o ego não pode surgir no lugar do id, mas que o sujeito (je) deve
estar ali onde se encontra o id, determinado por ele, pelo significante.
Segundo Lacan, pode-se acrescentar que a criança se banha em um mundo de
linguagem, que veicula as proibições e que é somente porque o ser humano é
um ser falante que se instaura o recalcamento e, por meio dele, a divisão do
sujeito. A barra que dessa forma vai toca-lo proíbe-lhe o acesso à verdade de
seu desejo.

IDEAL DO EGO (EU)

Essa subestrutura (idealich no original alemão) está diretamente conectada


com o conceito, mas genérico, de superego. Resulta dos ideais do próprio ego
ideal da criança, os quais, altamente idealizados, são projetados nos pais, onde
se somam aos originais mandamentos provindos do ego ideal de cada um
deles, de modo que o ideal do ego pode ser considerado “um herdeiro direto do
ego ideal”. Dessa forma, o sujeito fica submetido às aspirações dos outros, em
relação ao que ele deve ser e ter. Daí resulta que seu estado mental prevalente
é o de um permanente sobressalto e o fácil acometimento do sentimento de
vergonha, quando não consegue corresponder às expectativas dos outros, que
passam a ser também suas.

Isso pode ser exemplificado, com uma afirmação que Freud faz em “Sobre o
narcisismo: uma introdução” em 1914, onde diz que o fanatismo, a hipnose ou
o estado amoroso representam três casos nos quais um objeto exterior,
respectivamente: o chefe, o hipnotizador e a pessoa amada vão ocupar o lugar
do ideal do ego no próprio ponto onde o sujeito projeta seu ego ideal.

SUPEREGO OU SUPEREU

É uma das instâncias da personalidade tal como Freud a descreveu no quadro


da sua segunda teoria do aparelho psíquico: o seu papel é assimilável ao de
um juiz ou de um censor relativamente ao ego. Freud vê na consciência moral,
na auto-observação, na formação de ideais, funções do superego.

Classicamente, o superego é definido como herdeiro do complexo de Édipo;


constitui-se por interiorização das exigências e das interdições parentais.
Certos psicanalistas recuam para mais cedo a formação do superego, vendo
esta instância em ação desde as fases pré-edipianas (Melanie Klein) ou pelo
menos procurando comportamentos e mecanismos psicológicos muito
precoces que seriam precursores do superego (Glover, Spitz, por exemplo).

O termo Über-Ich foi introduzido por Freud em O ego e o id (Das Ich und das
Es, 1923). Mostra a função crítica assim designada constitui uma instância que
se separou do ego e que parece dominá-lo, como demonstram os estados de
luto patológico ou de melancolia em que o sujeito se vê criticar e depreciar.

Em seu texto de 1924 sobre a economia do masoquismo, Freud declarou: “O


imperativo categórico de Kante é herdeiro direto do complexo de Édipo”. Seria
impossível situar melhor o conceito de superego, que apareceu em 1923, em
“O ego e o id”. Ele foi o produto de uma longa elaboração, iniciada em 1914 no
artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução”. Freud construiu então a noção de
ideal, substituto do narcisismo infantil e que seria, supostamente, o instrumento
de medida utilizado pelo ego para observar a si mesmo.

Foi em 1933, na trigésima primeira conferência de introdução à psicanálise,


que, depois de haver apresentado a instância do superego (particularmente em
“O mal-estar na cultura”) como um censor, por delegação das instâncias
sociais, junto ao ego, Freud forneceu o quadro exaustivo da formação do
superego e de suas funções.

Essa formação é correlata do apagamento da estrutura edipiana. Num primeiro


tempo, o superego é representado pela autoridade parental que dá ritmo à
evolução infantil, alternando as provas de amor com as punições, geradoras de
angústia. Num segundo tempo, quando a criança renuncia à satisfação
edipiana, as proibições externas são internalizadas. Esse é o momento em que
o superego vem substituir a instância parental por intermédio de uma
identificação. Se Freud distinguiu bem o processo de identificação do processo
de escolha do objeto, ele se revelou insatisfeito, entretanto, com sua
explicação, e manteve a idéia de uma instituição do superego “como um caso
bem-sucedido de identificação com a instância parental”.

Na medida em que o supereu é concebido como herdeiro da instância parental


e do Édipo, como o “representante das exigências éticas do homem”, seu
desenvolvimento é distinto no menino e na menina. Enquanto, no menino, o
superego se reveste de um caráter rigoroso, às vezes feroz, que resulta da
ameaça de castração vivida durante o período edipiano, na menina o percurso
é diferente: o complexo de castração instala-se muito antes do Édipo. O
supereu feminino, por conseguinte, seria menos opressivo e menos implacável.

Freud sublinhou também que o superego não se constrói segundo o modelo


dos pais, mas segundo o que é constituído pelo superego deles. A transmissão
dos valores e das tradições perpetua-se, dessa maneira, por intermédio dos
superegos, de uma geração para outra. O superego é particularmente
importante no exercício das funções educativas. Quanto a esse aspecto,
portanto, Freud censurou as “chamadas concepções materialistas da história”,
por ignorarem a dimensão do superego, veículo da cultura em seus diversos
aspectos, em prol de uma explicação fundamentada unicamente na
determinação econômica.

A concepção freudiana do supereu não obteve unanimidade entre os


psicanalistas. Em 1925, Sandor Ferenczi insistiu na internalização de certas
proibições muito antes da dissolução do Édipo, em particular aquelas que
dizem respeito à educação esfincteriana: “A identificação anal e uretral com os
pais, que já apontamos antes, parece constituir uma espécie de precursora
fisiológica do Ideal do ego ou do Superego no psiquismo da criança”.
Melanie Klein situou as “primeiras fases do superego” no momento das
“primeiras identificações da criança”, quando, muito pequena, ela “começa a
introjetar seus objetos”; o medo que ela sente em decorrência disso determina
processos de rejeição e projeção cuja interação parece ter “uma importância
fundamental, não somente para a formação do superego, mas também para
relações com as pessoas e a adaptação à realidade”.

Na obra de Jacques Lacan, o conceito de superego é objeto de múltiplas


elaborações, relacionadas com a teorização do par supereu/ideal do eu. Nessa
perspectiva, o supereu continua dominante, mas, diferentemente de Freud,
Lacan o concebe como a inscrição arcaica de uma imagem materna
onipotente, que marca o fracasso ou o limite do processo de simbolização.
Nessas condições, o supereu encarna a falha da função paterna e esta, por
conseguinte, é situada do lado do ideal do eu.

Mecanismos de Defesa

INTRODUÇÃO

São diferentes tipos de operações em que a defesa pode ser especificada. Os


mecanismos predominantes diferem segundo o tipo de afecção considerado, a
etapa genética, o grau de elaboração do conflito defensivo, etc.

Não há divergências quanto ao fato de que os mecanismos de defesa são


utilizados pelo ego, mas permanece aberta a questão teórica de saber se a sua
utilização pressupõe sempre a existência de um ego organizado que seja o seu
suporte.

Foi este o nome que Freud adotou para apresentar os diferentes tipos de
manifestações que as defesas do Ego podem apresentar, já que este não se
defronta só com as pressões e solicitações do Id e do Superego, pois aos dois
se juntam o mundo exterior e as lembranças do passado.

Quando o Ego está consciente das condições reinantes, consegue ele sair-se
bem das situações sendo lógico, objetivo e racional, mas quando se
desencadeiam situações que possam vir a provocar sentimentos de culpa ou
ansiedade, o Ego perde as três qualidades citadas. É quando a ansiedade-sinal
(ou sinal de angústia), de forma inconsciente, ativa uma série de mecanismos
de defesa, com o fim de proteger o Ego contra um dor psíquica iminente.
Há vários mecanismos de defesa, sendo alguns mais eficientes do que outros.
Há os que exigem menos despêndio de energia para funcionar a contento.
Outros há que são menos satisfatórios, mas todos requerem gastos de energia
psíquica.

As defesas do ego podem dividir-se em:

a) Defesas bem sucedidas, que geram a cessação daquilo que se rejeita


b)Defesas ineficazes, que exigem repetição ou perpetuação do processo
de rejeição, a fim de impedir a irrupção dos impulsos rejeitados.

b) As defesas patogênicas, nas quais se radicam as neuroses, pertencem à


segunda categorias .Quando os impulsos opostos não encontram
descarga, mas permanecem suspensos no inconsciente e ainda
aumentam pelo funcionamento continuado das suas fontes físicas,
produz-se estado de tensão, com possibilidade de irrupção.
Daí por que as defesas bem sucedidas, que de fato, menos se
entendem, têm menor importância na psicologia das neuroses. Nem
sempre, porém, se definem com nitidez as frnteiras entre as duas
categorias; há vezes em que não se consegue distinguir entre “um
impulso que foi transformado pela influência do ego”e “um impulso que
irrompe com distorção, contra a vontade do ego e sem que este o
reconheça”.Este último tipo de impulso há de produzir atitudes
constrangedoras, há de repetir-se continuamente, jamais permitirá
relaxamento pleno gerará fadiga.

SUBLIMAÇÃO

É o mais eficaz dos mecanismos de defesa, na medida em que canaliza os


impulsos libidinais para uma postura socialmente útil e aceitável.

As defesas bem sucedidas podem colocar-se sob o título de sublimação,


expressão que não designa mecanismo específico; vários mecanismos
podem usar-se nas defesas bem sucedidas; por exemplo, a transformação
da passividade em atividade; o rodeio em volta do assunto, a inversão de
certo objetivo no objetivo oposto. O fator comum está em que, sob a
influência do ego, a finalidade ou o objeto (ou um e outro) se transforma
sem bloquear a descarga adequada. ( O fator de valoração que
habitualmente se inclui na definição de sublimação é melhor omitir ). Deve-
se diferenciar a sublimação das defesas que usam contracatexias; os
impulsos sublimados descarregam-se, se bem que drenados por uma trilha
artificial, enquanto os outros não se descarregam.

Na sublimação, cessa o impulso original pelo fato de que a respectiva


energia é retirada em benefício da catexia do seu substituto. Nas outras
defesas, a libido do impulso original é contida por uma contracatexia
elevada.

As sublimações exigem uma torrente incontida de libido, tal qual a roda de


um moinho precisa de um fluxo d’água desimpedido e canalizado. É por isto
que as sublimações aparecem após a remoção de certa repressão. Para
usar uma metáfora, as forças defensivas do ego não se opõem frontalmente
aos impulsos originais, conforme ocorre no caso das contracatexias, mas
incidem angularmente; daí uma resultante em que se unificam a energia
instintiva e a energia defensiva, com liberdade para atuar. Distinguem-se as
sublimações das gratificações substitutivas neuróticas pela sua
dessexualização, ou seja, a gratificação do ego já não é fundamentalmente
instintiva.
Quais são os impulsos que experimentam vicissitudes desta ordem e quais
são as condições que determinam a possibilidade ou a impossibilidade de
sublimação?

Se não forem rejeitados pelo desenvolvimento de uma contracatexia (o que


os excluirá do desenvolvimento ulterior da personalidade), os impulsos
prégenitais e as atitudes agressivas concomitantes organizam-se, mais
tarde sob a primazia genital.A realização mais ou menos completa desta
organização é indispensável para que tenha êxito a sublimação daquela
parte da pré-genitalidade que não é usada sexualmente no mecanismo do
pré- prazer. É muito pouco provável a existência de sublimação da
sexualidade genital adulta; os genitais constituem um aparelho que visa à
realização da descarga orgástica plena, isto é, não sublimada. O objeto da
sublimação são os desejos pré-genitais. Se estes, porém, tiverem sido
reprimidos e se permanecem no inconsciente, competindo com a primazia
genital, não podem ser sublimados. A capacidade de orgasmo genital é que
possibilita a sublimação (dessexualização) dos desejos pré-genitais.
O que determina a possibilidade de o ego conseguir chegar à solução feliz
desta ordem não é fácil dizer. Caracteriza-se a sublimação por:

a) Inibição do objetivo

b) Dessexualização

c)Absorção completa de um instinto nas respectivas sequelas

d)Alteração dentro do ego; qualidades todas estas que também se vêem


nos resultados de umas tantas identificações, qual seja, no processo de
formação do superego

O fato empírico das sublimações, sobretudo as que se originam na infância,


dependerem da presença de modelos, de incentivos que o ambiente
forneça direta ou indiretamente, corrobora a asserção de Freud no sentido
de que a sublimação talvez se relacione intimamente com a identificação.
Mais ainda: Os casos de transtorno da capacidade de sublimar mostraram
que esta incapacidade corresponde a dificuldades na promoção de
identificações. Tal qual ocorre com certas identificações, também as
sublimações são capazes de opor-se e se desfazerem, com êxito maior ou
menor, certos impulsos destrutivos infantis; mas também podem satisfazer,
de maneira distorcida, estes mesmos impulsos destrutivos; de algum modo,
toda fixação artística de um processo natural “mata”este processo. É
possível ver precursores das sublimações em certas brincadeiras infantis,
nas quais os desejos sexuais se satisfazem por uma forma
“dessexualizada” em seguida a certa distorção da finalidade ou do objeto; e
as identificações também são decisivas neste tipo de brincadeiras.
Varia muito a extensão da divisão do objetivo na sublimação. Há casos em
que a diversão se limita a inibição do objetivo; a pessoa que haja feito a
sublimação faz, precisamente, aquilo que o seu instinto exige que faça, mas
isso depois que o instinto se dessexualize e se subordine à organização do
ego. Noutros tipos de sublimação, ocorrem transformações de alcance
muito maior. É até possível que certa atividade de direção oposta ao instinto
original substitua, de fato, este último. Certas reações de nojo, habituais
entre as pessoas civilizades, sem vestígio das tendências instintivas infantis
contra as quais se desenvolveram originalmente, incluem-se nesta
categoria.O que ocorre, então, é idêntico ao que Freud chamou
transformação no contrário; uma vez completada, toda a força de um
instinto opera na direção contrária.

REPRESSÃO

É a operação psíquica que pretende fazer desaparecer, da consciência,


impulsos ameaçadores, sentimentos, desejos, ou seja, conteúdos
desagradáveis, ou inoportunos.

Em sentido amplo, é uma operação psíquica que tende a fazer desaparecer


da consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno: idéia, afeto,
etc.Neste sentido, o recalque seria uma modalidade especial de repressão.

Em sentido mais restrito, designa certas operações do sentido amplo,


diferentes do recalque:

a)Ou pelo caráter consciente da operação e pelo fato de o conteúdo


reprimido se tornar simplesmente pré-consciente e não inconsciente;

b)Ou, no caso da repressão de um afeto, porque este não é transposto para


o inconsciente mas inibido, ou mesmo suprimido.

RACIONALIZAÇÃO

É uma forma de substituir por boas razões uma determinada conduta que
exija explicações, de um modo geral, da parte de quem a adota. Os
Psicanalistas, em tom jocoso, dizem que racionalização é uma mentira
inconsciente que se põe no lugar do que se reprimiu.

É um processo pelo qual o sujeito procura apresentar uma explicação


coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para
uma atitude, uma ação, uma idéia, um sentimento, etc., cujos motivos
verdadeiros não percebe; fala-se mais especialmente da racionalização de
um sintoma, de uma compulsão defensiva, de uma formação reativa. A
racionalização intervém também no delírio, resultando numa sistematização
mais ou menos acentuada.
A racionalização é um processo muito comum, que abrange um extenso
campo que vai desde o delírio ao pensamento normal. Como qualquer
comportamento pode admitir uma explicação racional, muitas vezes é difícil
decidir se esta é falha ou não. Em especial no tratamento psicanalítico
encontraríamos todos os intermediários entre dois extremos; em certos
casos é fácil demonstrar ao paciente o caráter artificial das motivações
invocadas e incitá-lo assim a não se contentar com elas; em outros, os
motivos racionais são particularmente sólidos (os analistas conhecem as
resistências que a “alegação da realidade”, por exemplo, pode dissimular),
mas mesmo assim pode ser útil colocá-los “entre parênteses” para
descobrir as satisfações ou as defesas inconscientes que a eles se juntam.

Como exemplo do primeiro caso encontraremos racionalizações de


sintomas, neuróticos ou perversos (comportamento homossexual masculino
explicado pela superioridade intelectual e estética do homem, por exemplo)
ou compulsões defensivas (ritual alimentar explicado por preocupações de
higiene, por exemplo).

PROJEÇÃO
Manifesta-se quando o Ego não aceita reconhecer um impulso inaceitável
do Id e o atribui a outra pessoa. É o caso do menino que gostaria de roubar
frutas do vizinho sem, entretanto ter coragem para tanto, e diz que soube
que um menino, na mesma rua, esteve tentando pular o muro do vizinho.

Termo utilizado num sentido muito geral em neurofisiologia e em psicologia


para designar a operação pela qual um fato neurológico ou psicológico é
deslocado e localizado no exterior, quer passando do centro para a
periferia, quer do sujeito para o objeto.

No sentido propriamente psicanalítico, operação pela qual o sujeito expulsa


de si e localiza no outro- pessoa ou coisa- qualidades, sentimentos, desejos
e mesmo “objetos”que ele desconhece ou recusa nele. Trata-se aqui de
uma defesa de origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação
particularmente na paranóia, mas também em modos de pensar “normais”,
como a superstição.

DESLOCAMENTO

É um processo psíquico através do qual o todo é representado por uma


parte ou vice-versa.Também pode ser uma idéia representada por uma
outra, que, emocionalmente, esteja associada à ela. Esse mecanismo não
tem qualquer compromisso com a lógica. É o caso de alguém que tendo
tido uma experiência desagradável com um policial, reaja
desdenhosamente, em relação a todos os policiais.
É muito corrente nos sonhos, onde uma coisa representa outra. Também se
manifesta na Transferência, fazendo com que o indivíduo apresente
sentimentos em relação a uma pessoa que, na verdade, lhe representa uma
outra do seu passado.

Fato de a importância, o interesse, a intensidade de uma representação ser


suscetível de se destacar dela para passar a outras representações
originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia
associativa.

Esse fenômeno, particularmente visível na análise do sonho, encontra-se na


formação dos sintomas psiconeuróticos e, de um modo geral, em todas as
formações do inconsciente.

A teoria psicanalítica do deslocamento apela para a hipótese econômica de


uma energia de investimento suscetível de se desligar das representações
e de deslizar por caminhos associativos.

O “livre” deslocamento desta energia é uma das principais características


do modo como o processo primário rege o funcionamento do sistema
inconsciente.

IDENTIFICAÇÃO

É o processo psíquico por meio do qual um indivíduo assimila um aspecto,


um característica de outro, e se transforma, total ou parcialmente,
apresentando-se conforme o modelo desse outro. A personalidade constitui-
se e diferencia-se por uma série de identificações.

Freud descreve como característico do trabalho do sonho o processo que


traduz a relação de semelhança, o “tudo como se”, por uma substituição de
uma imagem por outra ou “identificação”.

A identificação não tem aqui valor cognitivo: é um processo ativo que


substitui uma identidade parcial ou uma semelhança latente por uma
identidade total.

REGRESSÃO

É o processo psíquico em que o Ego recua, fugindo de situações conflitivas


atuais, para um estágio anterior. É o caso de alguém que depois de
repetidas frustrações na área sexual, regrida, para obter satisfações, à fase
oral, passando a comer em excesso.

Considerada em sentido tópico, a regressão se dá, de acordo com Freud,


ao longo de uma sucessão de sistemas psíquicos que a excitação percorre
normalmente segundo determinada direção.
No seu sentido temporal, a regressão supõe uma sucessão genética e
designa o retorno do sujeito a etapas ultrapassadas do seu
desenvolvimento (fases libidianis, relações de objeto, identificações, etc.).

No sentido formal, a regressão designa a passagem a modos de expressão


e de comportamento de nível inferior do ponto de vista da complexidade, da
estruturação e da diferenciação.

A regressão é uma noção de uso muito frequente em psicanálise e na


psicologia contemporânea; é concebida, a maioria das vezes, como um
retorno a formas anteriores do desenvolvimento do pensamento, das
relações de objeto e da estruturação do comportamento.

Freud é levado então a diferenciar o conceito de regressão, como o


demonstra esta passagem acrescentada em 1914 em três espécies de
regressões:

a)Tópica, no sentido do esquema do aparelho psíquico.A regressão tópica é


particularmente manifestada no sonho, onde ela prossegue até o
fim.Encontra-se em outros processos patológicos em que é menos global
(alucinação) ou mesmo em processos normais em que vai menos longe
(memória).

b)Temporal, em que são retomadas formações psíquicas mais antigas.


c)Formal, quando os modos de expressão e de figuração habituais são
substituídos por modos primitivos. Estas três formas de regressão, na sua
base, são apenas uma, e na maioria dos casos coincidem, porque o que é
mais antigo no tempo é igualmente primitivo na forma e, na tópica psíquica,
situa-se mais peto da extremidade perceptiva.

ISOLAMENTO

É um processo psíquico típico da neurose obsessiva, que consiste em isolar


um comportamento ou um pensamento de tal maneira que as suas ligações
com os outros pensamentos, ou com o autoconhecimento, ficam
absolutamente interrompidas, já que foram (os pensamentos, os
comportamentos), completamente excluídos do consciente.
Entre os processos de isolamento, citemos as pausas no decurso do
pensamento, fórmulas, rituais, e,de um modo geral, todas as medidas que
permitem estabelecer um hiato na sucessão temporal dos pensamentos ou
dos atos.

Certos doentes defendem-se contra uma idéia, uma impressão, uma ação,
isolando-as do contexto por uma pausa durante a qual “…nada mais tem
direito a produzir-se, nada é qualificada de mágica por Freud; aproxima-a
do processo normal de concentração no sujeito que procura não deixar que
o seu pensamento se afaste do seu objeto atual.
O isolamento manifesta-se em diversos sintomas obsessivos; nós o vemos
particularmente em ação no tratamento, onde a diretriz da associação livre,
por lhe se oposta, coloca-o em evidência (sujeitos que separam
radicalmente a sua análise da sua vida, ou determinada sequência de idéias
do conjunto da sessão, ou determinada representação do seu contexto
ideoafetivo).

Freud reduz, em última análise, a tendência para o isolamento a um modo


arcaico de defesa contra a pulsão, a interdição de tocar, uma vez que “… o
contato corporal é a finalidade imediata do investimento de objeto, quer o
agressivo quer o terno”.

Nesta perspectiva, o isolamento surge como “… uma supressão da


possibilidade de contato, um meio de subtrair uma coisa ao contato; do
mesmo modo, quando o neurótico isola uma impressão ou uma atividade
por pausa, dá-nos simbolicamente a entender que não permitirá que os
pensamentos que lhes dizem respeito entrem em contato associativo com
outros”.

Na realidade, pensamos que seria interessante reservar o termo isolamento


para designar um processo específico de defesa que vai da compulsão a
uma atitude sistemática e concentrada, e que consiste numa ruptura das
conexões associativas de um pensamento ou de uma ação, especialmente
com o que os precede e os segue no tempo.

FORMAÇÃO REATIVA

É um processo psíquico que se caracteriza pela adoção de uma atitude de


sentido oposto a um desejo que tenha sido recalcado, constituindo-se,
então, numa reação contra ele. Uma definição: é o processo psíquico, por
meio do qual um impulso indesejável é mantido inconsciente, por conta de
uma forte adesão ao seu contrário.

Muitas atitudes neuróticas existem que são tentativas evidentes de negar ou


reprimir alguns impulsos, ou de defender a pessoa contra um perigo
instintivo. São atitudes tolhidas rígidas, que obstam a expressão de
impulsos contrários, os quais, no entanto, de vez em quando, irrompem por
diversos modos.

Nas peculiaridades desta ordem, a psicanálise, psicologia


“desmascaradora” que é, consegue provar que a atitude oposta original
ainda está presente no inconsciente. Chamam-se formações reativas estas
atitudes opostas secundárias.

As formações reativas representam mecanismo de defesa separado e


independente? Dão mais impressão de constituir consequencia e
reafirmação de uma repressão estabelecida. Quando menos, contudo,
significam certo tipo de repressão que é possível distinguir de outras
repressões. Digamos: É um tipo de repressão em que a contractexia é
manifesta e que, portanto, tem êxito no evitar atos repressivos muito
repetidos de repetidos de repressão secundária. As formações reativas
evitam repressões secundárias pela promoção de modificação definitiva,
“uma vez por todas”, da personalidade. O indivíduo que haja constituído
formações reativas não desenvolve certos mecanismos de defesa de que
se sirva ante a ameaça de perigo instintivo; modificou a estrutura da sua
personalidade, como se este perigo estivesse sem cessar presente, de
maneira que esteja pronto sempre que ocorra.

SUBSTITUIÇÃO

Processo pelo qual um objeto valorizado emocionalmente, mas que não


pode ser possuído, é inconscientemente substituído por outro, que
geralmente se assemelha ao proibido. É uma forma de deslocamento.

FANTASIA

É um processo psíquico em que o indivíduo concebe uma situação em sua


mente, que satisfaz uma necessidade ou desejo, que não pode ser, na vida
real, satisfeito.

É um roteiro imaginário em que o sujeito está presente e que representa, de


modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a realização
de um desejo e, em última análise, de um desejo inconsciente.

A fantasia apresenta-se sob diversas modalidades:

a)Fantasias conscientes ou sonhos diurnos.

b)Fantasias inconscientes como as que a análise revela, como estruturas


subjacentes a um conteúdo manifesto.

c)Fantasias originárias.

COMPENSAÇÃO

É o processo psíquico em que o indivíduo se compensa por alguma


deficiência, pela imagem que tem de si próprio, por meio de um outro
aspecto que o caracterize, que ele, então, passa a considerar como um
trunfo.

EXPIAÇÃO

É o processo psíquico em que o indivíduo quer pagar pelo seu erro


imediatamente.
NEGAÇÃO

A tendência a negar sensações dolorosas é tão antiga quanto o próprio


sentimento de dor. Nas crianças pequenas, é muito comum a negação de
realidades desagradáveis, negação que realiza desejos e que simplesmente
exprime a efetividade do princípio do prazer.

A capacidade de negar pares desagradáveis da realidade é a contrapartida


da “realização alucinatória dos desejos”. Anna Freud chamou este tipo de
recusa do reconhecimento do desprazer em geral “pré-estádios da defesa”.

INTROJEÇÃO

Originalmente, a ideia de engolir um objeto exprime afirmação; e como tal é


o protótipo de satisfação instintiva, e não de defesa contra os instintos. No
estádio do ego prazeroso purificado, tudo quanto agrada é introjetado. Em
última análise, todos os objetos sexuais derivam de objetivos de
incorporação. Do mesmo passo, a projeção é o protótipo da recuperação
daquela onipotência que foi projetada para os adultos. Contudo, a
incorporação, embora exprima “amor”, destrói objetivamente os objetos
como tais, como coisas independentes do mundo exterior. Percebendo este
fato, o ego aprende a usar a introjeção para fins hostis como executora de
impulsos destrutivos e também como modelo de um mecanismo definido de
defesa.

A incorporação é o objetivo mais arcaico dentre os que se dirigem para um


objeto. A identificação, realizada através da introjeção, é o tipo mais
primitivo de relação com os objetos.

FASES LIBIDINAIS DO DESENVOLVIMENTO

Este termo foi criado por Sigmund Freud em 1905 e corresponde a


organizações sucessivas da pulsão sexual sob o primado de uma zona
erógena. Uma zona erógena é uma região da epiderme ou da mucosa que, ao
ser excitada, procura uma sensação de prazer. Qualquer zona da pele pode
servir de zona erógena, apesar de existirem zonas de eleição.

Assim, existe a fase oral, que se baseia na primeira relação, assente na


alimentação, nos movimentos de sucção que o bebê faz durante a mamada e
também nos movimentos de sucção no vazio que o mesmo faz quando não
está a mamar. A zona erógena é a boca, e é uma espécie de autoerotismo,
pois não existe objeto total.

Segue-se a zona anal, por volta dos 2 anos de idade: o bebê aprende a
manipular e a controlar o esfíncter anal, já que consegue controlar as suas
necessidades. A zona erógena de eleição é, portanto, a zona anal.
A fase fálica começa aos 3 anos e estende-se até à idade escolar, há uma
descoberta dos órgãos genitais e a procura de prazer através destes. Nesta
fase começa a existir uma diferenciação de comportamentos entre rapaz e
rapariga. É também durante esta fase que surge o complexo de Édipo, nos
rapazes, e o complexo de castração, nas meninas.

Esta é uma fase muito importante para a manutenção da heterossexualidade


pela identificação que se estabelece com um dos sexos.

Entra-se posteriormente no período de latência em que nada se passa quanto


à evolução sexual pessoal até à puberdade. Aqui o investimento é voltado para
a aprendizagem, para o meio que o rodeia. A criança recalca tudo o que está
relacionado com a sexualidade e tem curiosidade pelo meio exterior. Com as
mudanças a nível anatômico e orgânico e a entrada na puberdade, aos poucos
volta a investir na sexualidade e a reparar no sexo oposto.

Por último, existe a fase genital em que o indivíduo procura um objeto de amor
total. Aqui, destacam-se e sucedem-se as diferentes zonas erógenas, mas
todas as outras zonas são secundarizadas em relação à genital. A sexualidade
do adulto é erótica, objetal e hierarquizada sobre o primado da genitalidade.

O indivíduo adulto por princípio atinge a fase genital, mas nem sempre funciona
assim, havendo por isso adultos que se mantêm fixados numa fase mais
primária. As perversões são assim vividas por indivíduos em que o prazer
parcial não se submete ao primado da genitalidade. A sua sexualidade é infantil
e não se desenvolveu totalmente. Há uma fixação numa fase anterior infantil e
a sexualidade infantil é autoerótica, narcísica, pré-genital e anárquica.

Para se atingir a fase adulta tem que se passar por todas as fases e por todos
os recalcamentos que isso implica. Pode-se ficar fixado numa fase se ela não
proporcionar uma satisfação plena ou se, pelo contrário, tiver havido uma
estimulação excessiva associada a determinada fase.

Na passagem de uma fase à seguinte, terá de existir uma renúncia aos


prazeres da fase anterior, através do recalcamento.

Ao longo de todas estas fases, vão-se alterando a fonte de excitação, as zonas


erógenas e o objeto de amor.
O Complexo de Édipo à luz das ansiedades arcaicas

SÍNTESE TEÓRICA GERAL

a) Estágios iniciais do complexo de Édipo em ambos os sexos:

A autora ressalta as diferenças significativas que foram ilustradas no caso


clínico do menino e da menina. Entretanto, em ambos os casos existem
características comuns, como a existência dos impulsos sádico-orais intensos,
culpa e ansiedade excessivas, combinados a uma baixa capacidade do ego
para lidar com tensões de qualquer ordem. Para Klein, são estes fatores que,
ao interagir com circunstâncias externas, prejudicam a capacidade do ego para
construir defesas adequadas para as ansiedades arcaicas. Portanto, a
elaboração de tais sentimentos se torna mais difícil, o que prejudica o
desenvolvimento do ego, do aspecto emocional e libidinal da criança. Devido a
estes fatores, o desenvolvimento edipiano fica prejudicado, atrapalhando o
estabelecimento da organização genital. Tanto no caso da menina e do menino
analisados por Klein, o complexo de Édipo retomou seu curso normal quando
as ansiedades arcaicas foram trabalhadas.

Para Klein, desde o início da vida ocorre uma fusão entre a libido e a
agressividade, o que acarreta que cada etapa do desenvolvimento da libido
seja acompanhada por certo grau de ansiedade, decorrente da agressividade
associada à libido. A culpa, ansiedade e os sentimentos depressivos podem
exercer um papel duplo, tanto levando a libido a buscar novas formas de
gratificação, como também impedir seu percurso e desenvolvimento, gerando
pontos de fixação em objetos e finalidades do passado.

Os estágios primitivos do complexo de Édipo, em comparação com seus


aspectos posteriores, são mais obscuros, pois o ego do bebê é pouco
desenvolvido e dominado por fantasias inconscientes de maneira intensa. Este
estágio inicial também é marcado pela presença de uma vida pulsional que se
encontra em seu ápice polimorfo. Assim, ocorrem nas crianças pequenas
flutuações constantes e súbitas entre finalidades e objetos, que apresentam
representantes nas defesas que surgem nestes momentos. Para Klein, o
complexo de Édipo tem início durante o primeiro ano de vida da criança e
compartilha aspectos comuns em ambos os gêneros, no início. Um dos fatores
preponderantes para ambos os sexos é a relação com o seio, força motriz do
desenvolvimento emocional e sexual. Assim, a relação com o seio é tomada
como ponto de partida para a descrição do Édipo.

Buscar novas fontes de gratificação faz parte da natureza e do processo de


avanço da libido. Ao obter satisfação com o seio materno, o bebê começa a
voltar seu desejo para outros objetos, em especial o pênis do pai. Ocorrem
experiências de frustração durante os primeiros estágios do desenvolvimento
do bebê que dependem tanto de fatores internos quanto de experiências reais.
O seio sempre será causa de alguma frustração para o bebê, pois este deseja
uma satisfação total e ilimitada, que mesmo as condições mais favoráveis não
poderiam proporcionar. Ao experimentar tal frustração, tanto o menino quanto
a menina se afastam do seio e passam a ter o desejo de obter gratificação oral
com o pênis paterno. Desta forma, o seio e o pênis podem ser considerados os
primeiros objetos orais do bebê.

O fato de obter gratificação e frustração desde as primeiras relações que se


estabelecem leva o bebê a interagir com um seio bom, que é amado, e um seio
mau, odiado. Lidar com a frustração e a agressividade intensa torna necessário
que o bebê idealize o seio bom e a mãe boa, o que, em contrapartida, conduz
ao direcionamento de ódio e medo ao seio mau e a mãe má. O seio mau e a
mãe má se transformam em precursores de todos os objetos persecutórios e
assustadores.

A atitude cindida entre seio bom e seio mau acaba sendo aplicada também em
relação ao pênis paterno. Devido à frustração original, com o seio materno, o
grau de exigência em torno desta nova fonte (o pênis paterno) é alto, assim
como o amor pelo mesmo. Entretanto, o pênis paterno também é uma fonte de
decepção, o que leva a criança a recuar para seu primeiro objeto, o seio;
assim, se configura um estado de alternância e instabilidade, que pode ser
percebida nas emoções e nos vários estágios da organização libidinal.

Devido ao fato da criança ter dirigido impulsos agressivos contra o casal


parental, assim como as sucessivas experiências de frustração que a criança
experimenta, surge no psiquismo infantil a presença de figuras agressivas e
retaliadoras, que devolvem os ataques sádicos que a criança originalmente
direcionou aos pais. A presença de tais figuras, fonte de ansiedade, torna
imperativo que o bebê encontre um objeto perfeito, ideal, que possa amar e ser
amado por este. Tal objeto proporcionaria a segurança que a criança busca,
frente à intensidade de sentimentos que está vivenciando. Os objetos,
entretanto, podem oscilar entre aspectos maus e bons, demonstrando uma
interação entre os primeiros estágios do complexo de Édipo invertido e
positivo. Este movimento oscilatório também indica os diversos aspectos das
imagos primárias.

O bebê, dominado pela libido oral, introjeta seus objetos, o que faz com que as
imagos primárias tenham equivalentes no mundo interno infantil. O seio da
mãe e o pênis do pai ficam, assim, estabelecidos no ego infantil, dando início à
formação do superego. Ao introjetar a mãe boa e má, ocorre também a
introjeção do pai bom e mau. As duas figuras (ou quatro, se pensarmos em
termos de bom/mau), são sentidas como protetoras e auxiliadoras por um lado
e retaliadoras (portanto persecutórias), por outro. Assim, o ego desenvolveu
suas primeiras identificações.

A presença de figuras internas ambivalentes está em constante interação com


os pais, enquanto objetos externos. Conforme os objetos externos são
introjetados, ocorrem projeções de figuras internas para o mundo externo,
sendo que esta relação interage com os pais reais e o desenvolvimento do
superego. Esta interação, constantemente flutuando entre interno e externo,
está ligada aos movimentos da libido em suas diferentes finalidades e objetos.
Assim, o desenvolvimento do complexo de Édipo e a formação do superego
estão em profunda ligação.

Nos primeiros estágios, existe um predomínio da libido oral, uretral e anal.


Entretanto, em pouco tempo desejos genitais se misturam aos impulsos orais
da criança. Coexistem, assim, desejos genitais e orais em relação ao pai e a
mãe. Tal constatação é coerente com a noção de que existe um conhecimento
inconsciente do pênis e da vagina, tanto no menino quanto na menina. Para o
menino, as sensações genitais formam o terreno para que surjam expectativas
de que o pai possua um pênis, que é desejado pelo menino, que funciona de
acordo com a equação seio=pênis. Os impulsos genitais também levam o
menino a buscar uma abertura onde o pênis possa ser inserido, como por
exemplo, a mãe. A menina, ao experimentar as sensações genitais, começa a
se preparar para o desejo de receber o pênis paterno em sua vagina. Assim,
desejos genitais pelo pênis paterno, misturados aos desejos orais
característicos desta época do desenvolvimento, estão presentes nos primeiros
estágios do complexo de Édipo positivo na menina e invertido no menino.

O desenvolvimento libidinal, em cada estágio, é influenciado pela culpa,


ansiedade e sentimentos depressivos. Para Klein, o pavor de perder os objetos
amados, devido às altas doses de agressividade dirigidas a eles, constitui um
elemento principal das relações de objeto e do complexo de Édipo arcaico. Os
sentimentos de culpa, ansiedade e depressivos também possuem como
contrapartida, o desejo de reparação. Por exemplo, o bebê, ao se esforçar para
anular seus impulsos sádicos, utiliza meios libidinais para tanto, como o uso de
sentimentos amorosos. Tais sentimentos amorosos, convivendo com
constantes impulsos agressivos, são reforçados pelo desejo de reparar o dano
causado. É possível perceber na criança, portanto, fantasias reparatórias que
são o lado reverso das fantasias sádicas. Esta oscilação, entre fantasias
sádicas e reparatórias também pode ser percebida nos sentimentos de
onipotência sádica e reparatória.

Como exemplo da ambivalência vivida pela criança, a urina e as fezes podem


representar tanto meios de destruição como de amor; ou seja, os excrementos
podem funcionar como meios para curar danos feitos, enquanto excrementos
ruins servem para funções de ataque. Tanto no menino quanto na menina
existe a crença, em formas distintas, que existe um pênis que danificou e
destruiu a mãe. Este pênis, que surge nas fantasias sádicas, obterá o status de
um instrumento de cura e reparação, quando utilizado em fantasias de
reparação. Portanto, a capacidade para reparação acaba por reforçar o desejo
de dar e receber gratificações. Através deste aspecto reparatório, o objeto que
o bebê acredita ter ferido é restaurado, ele sente que seus impulsos agressivos
diminuem e que os impulsos amorosos se tornam livres. Consequentemente, a
sensação de culpa também diminui.

O desenvolvimento da libido acaba sendo estimulado, passo a passo, pela


pulsão de reparação e também pelo sentimento de culpa (pois uma ativa a
outra). O psiquismo infantil, ao perceber a própria agressividade como o fator
que predomina em seus desejos, representando um perigo a seus objetos
amados, acaba por reprimi-la, preservando os objetos internos.

c) O desenvolvimento edipiano do menino

Os parágrafos anteriores representaram uma síntese do que existe em comum


para o menino e para a menina, com relação ao complexo de Édipo.
Entretanto, devido às particularidades de cada sexo, é necessário analisar o
desenvolvimento de cada um separadamente. O garoto, influenciado pela
posição feminina, experimenta uma avalanche de impulsos uretrais, anais e
orais ligados a relação do menino com o seio materno. Para que o
desenvolvimento do menino continue, ele deve ser capaz de transferir uma
parcela de seu amor e desejos libidinais para o pênis paterno (retirando uma
parcela de libido do seio materno), mas conseguindo sustentar a imagem do
seio como um objeto bom. Se este processo ocorre de maneira adequada, o
pênis paterno se configurará como um órgão bom e criador, que irá
proporcionar satisfação a libido do garoto, dando-lhe filhos, assim como já o
fez anteriormente com sua própria mãe. Ou seja, o menino apresenta desejos
femininos (como o de ter filhos) que são uma característica do
desenvolvimento do garoto. Esta pode ser considerada sua primeira posição
homossexual, parte de um Édipo invertido. A crença na existência de um pênis
paterno bom e fértil é uma condição sine qua non para o desenvolvimento de
tendências edipianas positivas. Apenas sentindo o pênis como um objeto bom
é que o garoto poderá se permitir desejar genitalmente a mãe. Ou seja, a figura
do pai castrador deverá ser suavizada pela do pai bom, possibilitando que os
sentimentos de ódio e rivalidade típicos do Édipo sejam elaborados. Portanto,
os Édipos invertidos e positivos acabam por se desenvolver ao mesmo tempo,
gerando uma interação entre ambos.

O surgimento das sensações genitais no menino desperta sua angústia de


castração. Para Klein, esta sensação surge ainda sob domínio da libido oral. O
garoto transfere seus impulsos sádico-orais do seio materno para o pênis
paterno, enquanto o ódio da situação edípica reforça o seu desejo de atacar o
pai, mordendo seu pênis e arrancando-o. Entretanto, na mesma proporção em
que ocorre o ataque original, o garoto sentirá a angústia de que seu próprio
órgão será arrancado, com a mesma intensidade com que atacou o órgão
paterno.

O medo da castração possui outras fontes. Quando o menino vivencia desejos


genitais pela mãe, estes são permeados por perigos fantásticos, devido aos
ataques orais, uretrais e anais contra o corpo da mãe. Assim, o interior
materno é sentido como destruído, envenenado e perigoso. Entretanto, devido
à fantasia de que o corpo da mãe possui o pênis do pai, as fantasias contra o
corpo da mãe acabam se voltando para o menino, como ameaças de
destruição de seu próprio pênis.

Coexistem, portanto, duas imagens de mãe. Uma é boa, idealizada e


provedora. A outra é assustadora e, de certa forma, estragada. O menino
pode, portanto, experimentar o medo de ser atacado pela mãe, pelo pai, ou por
uma figura combinada de ambos. O grau com quais estes medos persecutórios
são sentidos irão influenciar as ansiedades que o menino tem com relação ao
próprio pênis. Se algum “dano interior” é sentido, posto em ação por seus
perseguidores internos, o garoto sentirá um ataque ao próprio pênis. Fora o
pênis, o menino deseja preservar seus outros conteúdos bons, como as boas
fezes, urina e bebês, que deseja produzir, pois já está identificado com o pai.
Entretanto, em um funcionamento ambivalente, as figuras persecutórias e os
objetos amados internalizados são protegidos e preservados. Assim, medos
constantes de ataques contra seus objetos internos ocorrem, ligados ao medo
de castração.

Outra fantasia importante é considerar que os excrementos são venenosos e


perigosos. O pênis do garoto, identificado com estes excrementos venenosos,
se transforma em um órgão que pode espalhar a destruição durante a fantasia
do coito. Tal medo é amplificado devido à convicção do menino de possuir um
pênis mau do pai, devido a uma identificação com o pai mau. Se, por exemplo,
a aliança com o pai mau adquire força, ela é entendida como uma aliança
contra a mãe. Se isso ocorre, a crença em um pênis reparador diminui,
levando-o a crer que uma relação sexual com a mãe seria destrutiva.

Este tipo de ansiedade contribui para o medo de castração, a repressão dos


desejos genitais e também a uma regressão para estágios anteriores. Caso
tais medos sejam fortes demais, a repressão genital também será excessiva, o
que poderá ocasionar dificuldades de potência no futuro. Em um cenário mais
favorável, tais medos têm como contrapeso a imagem da mãe boa, de um
corpo materno que é fonte de bondade (leite e bebês), e também pela
presença de objetos amados introjetados. Se o impulso amoroso predomina no
psiquismo do menino, o próprio corpo do garoto começa a ter um significado
de presente, onde o pênis é visto como um meio de proporcionar gratificação e
filhos para mãe, um instrumento reparatório. Se a percepção de que tanto o
seio bom quanto o pênis bom estão bem preservados e contidos, o garoto terá
uma confiança a mais em si mesmo, com maior liberdade em seus desejos.
Para tanto, ele precisa se sentir identificado com o pai bom, para poder sentir
que seu pênis possui fertilidade e poder de reparação. Se este aspecto positivo
predominar, o garoto poderá enfrentar o medo da castração e fortalecer sua
posição genital. Alcançar tal status também é importante para que a potência
venha a ser sublimada, permitindo que os interesses da criança sejam
variados. Neste ínterim, a estrutura que sustentará a potência futura, para
estágios posteriores da vida, está tomando forma, garantindo sua existência
futura.

c) O desenvolvimento edipiano da menina

A menina compartilha com o menino algumas características do início do


complexo de Édipo, como descritos no início do resumo. Entretanto, existem
traços que são específicos da garota e que devem, portanto, ser descritos.

A menina, ao experimentar o despertar das sensações genitais, devido à


natureza receptiva de seu órgão genital, começa a vivenciar um aumento do
desejo de receber o pênis do pai. A garota possui, de maneira inconsciente, a
noção que seu corpo tem crianças em potencial, o que ela considera como seu
tesouro mais precioso. O pênis paterno, aquele que cria crianças, passa a ser
um objeto de desejo e admiração da jovem menina. Entretanto, a relação com
o pênis bom, que é ponto de origem de felicidade e presentes só é possível se
houver uma relação de gratidão com o seio bom.

Apesar de possuir um conhecimento inconsciente sobre sua capacidade para


ter bebês, a menina sofre de dúvidas a respeito de sua capacidade para tal
ação no futuro. A garota se sente em desvantagem em relação à mãe, pois ela
(a mãe) seria possuidora de uma bondade que brota de seu seio, contendo
ainda, dentro de si, o pênis do pai e os bebês. A menina, ao contrário do
menino, não possui um pênis que lhe dá a segurança de potência, como no
caso do garoto. Ao contrário, a garota experimenta uma dúvida radical sobre
sua fertilidade. Esta dúvida radical é intensificada com angústias relacionadas
ao interior do seu próprio corpo. Para se contrapor a tais angústias, a menina
vivencia um impulso de roubar as crianças e o pênis paterno que se encontra
dentro da mãe. Entretanto, tal movimento desperta nela o medo de sofrer uma
retaliação por parte da mãe (interna e externa) retaliadora.

Apesar de alguns desses elementos aparecerem nos meninos, a marca do


desenvolvimento do complexo de Édipo feminino é o fato de sua genitalidade
estar centrada em receber o pênis do pai, associada a sua preocupação
inconsciente com os bebês imaginários. Portanto, grande parte de suas
fantasias e emoções são construídas em torno de seus objetos internos. A
rivalidade edípica da menina se expressa no desejo de retirar da mãe os bebês
e o pênis paterno. Entretanto, na mesma proporção em que ataca a mãe, ela
aguarda o retorno da mãe retaliadora, sendo este o principal fator a ser
considerado na ansiedade da menina.

No menino, a inveja da mãe que contém o pênis paterno e os bebês faz parte
de um Édipo invertido. A mesma situação, na menina, participa de um Édipo
positivo. Portanto, tal inveja se manterá como um fator essencial em todo o
desenvolvimento sexual e emocional da garota, levando-a a se identificar com
a mãe (no coito com o pai) e no desenvolvimento de um papel maternal.

A menina, quando deseja possuir um pênis e ser um menino, expressa na


realidade sua bissexualidade. Esta característica das meninas pode ser
comparada com o desejo do menino de ser mulher. Desejar ter o pênis, para a
garota, é um desejo secundário em relação ao desejo de receber o pênis
dentro de si. Este desejo é aumentado pelas frustrações que ela experimenta
na posição feminina, que se somam aos problemas que decorrem da posição
edipiana positiva (como ansiedade e culpa). Invejar o pênis, para a menina, é
uma maneira de encobrir seu desejo de tomar o lugar da mãe junto ao pai e
receber filhos dele.

Com relação à formação do superego da menina, é necessário considerar o


papel que o mundo interior desempenha na menina, e sua necessidade de
habitá-lo com bons objetos. Assim, a introjeção na menina é reforçada, o que
condiz com a natureza receptiva de seu órgão genital. Portanto, existe um
pênis internalizado na menina, que é admirado no pai e que compõe o
superego da menina. A identificação com a posição masculina ocorre, portanto,
sobre o apoio de um pênis imaginário. Existem dois aspectos em relação a
esta internalização do pênis paterno. Enquanto posição feminina, o pênis
acaba sendo internalizado devido a seus desejos sexuais e também devido a
sua preocupação em ter filhos. Neste caso, a menina poderá se submeter
totalmente ao pai internalizado. Entretanto, outra identificação ocorre com o
pai, na posição masculina, gerando um desejo de se igualar ao pai em suas
sublimações masculinas. Portanto, a atitude feminina acaba se misturando à
identificação masculina, contribuindo para a formação do superego feminino.

Apesar de existir na menina a figura do pai castrador, este não é seu principal
objeto de ansiedade. A grande fonte de ansiedade da menina está na mãe
persecutória. Para que a mãe persecutória não se torne preponderante, é
necessária a internalização de uma mãe boa, que sirva como fonte de
identificações para a garota, mostrando uma atitude maternal. Se tal
identificação boa ocorrer, a relação com o pai bom internalizado também é
reforçada, pois a garota assume uma atitude maternal em relação a ele.

É importante ressaltar que apesar da menina ter uma necessidade de povoar


seu mundo interno com objetos bons, ela demonstra uma grande necessidade
de amor e dependência do mundo externo. Entretanto, esta não é uma
verdadeira contradição, pois o mundo externo funciona como um tranqüilizador
para a menina a respeito de seu mundo interno.

d) Algumas comparações com o conceito clássico de complexo de Édipo

s conclusões de Klein no que se refere ao complexo de Édipo apresentam


convergências e divergências com relação às idéias de Freud, que serão
explicitadas a seguir.

Uma das primeiras diferenças diz respeito ao início da problemática edípica.


Para Freud, o surgimento dos desejos genitais e a escolha de objeto
ocorreriam por volta dos 3 – 5 anos de idade, durante a chamada fase fálica.
Para Freud, ocorre uma primazia do falo. Segundo ele, no caso do menino, o
que provoca a desorganização da estrutura fálica é a ameaça de castração. O
superego é colocado como o sucessor do complexo de Édipo, resultante da
internalização do casal parental. O termo culpa, neste contexto, denota um
conflito entre ego e superego, só sendo aplicável a um individuo no qual o
superego se encontra plenamente desenvolvido. Para o menino, Freud atribui
uma grande importância a autoridade internalizada do pai, mencionando a
identificação com a mãe, sem detalhar o quanto esta identificação contribuiria
para a formação do superego masculino.
Com relação à menina, Freud menciona um apego pré-edipiano a mãe, que
antecederia a fase edípica. Durante a fase fálica, os desejos da menina em
relação à mãe aumentam, concentrando-se na vontade de receber um pênis
dela. O clitóris representaria um pênis, sendo que a masturbação clitoriana
seria uma expressão de desejos fálicos. A vagina ainda não desempenha um
papel significativo, sendo descoberta apenas na vida adulta. Ao perceber que
não possui um pênis, o complexo de castração ocupa o primeiro plano no
cenário psíquico feminino. É neste instante que o apego a mãe é rompido, pois
a menina sente ódio da mãe, que não lhe deu um pênis. Ao descobrir que a
própria mãe não possui um pênis, a menina se afasta ainda mais da mãe,
voltando-se para o pai. Primeiramente a menina deseja receber um pênis do
pai, sendo que apenas em outro instante ela desejará receber filhos dele. O
complexo de Édipo na menina seria, portanto, ativado pelo complexo de
castração. A grande ansiedade feminina, para Freud, seria a perda do amor,
ligada ao temor da morte da mãe.

Apesar de Freud mostrar diferenças no desenvolvimento masculino e feminino,


eles mantêm como característica essencial o fato de que tanto o superego
quanto o sentimento de culpa são seqüelas, ou herdeiros, do complexo de
Édipo. Freud faz referência ao fato dos sentimentos maternais da menina
terem origem da relação pré-edípiana entre a menina e sua mãe. A
identificação da menina com a mãe, que provêm do complexo de Édipo é
apontada por Freud, mas os dois fatos não são ligados. Freud ressalta, na
menina, a valorização que esta nutriria pelo aspecto fálico da mãe.

Melanie Klein apresenta algumas divergências com relação ao complexo de


Édipo, se comparadas com as idéias de Freud. Para ela, tanto a menina
quanto o menino apresentam sensações e tendências genitais desde a mais
tenra infância. Estas tendências precoces constituem os primeiros estágios do
Édipo, em suas formas positiva e invertida. Entretanto, tais tendências são
vividas durante o reinado da libido oral, se misturando com desejos e fantasias
uretrais e anais. Os estágios da libido se sobrepõem continuamente, desde os
primeiros meses de vida. Os Édipos invertidos e positivos também interagem,
desde o início da formação do psiquismo. O Édipo positivo atingirá seu ponto
alto durante a primazia genital.

Para Klein, os bebês, de ambos os sexos, já possuem desejos genitais


voltados para ambos os genitores, possuindo também um conhecimento
inconsciente do pênis e da vagina. Assim, a autora prefere o termo “fase
genital” do que “fase fálica”.

O superego também já inicia sua formação desde a fase oral. A criança, já


nesta fase, introjeta seus objetos (os pais acima de tudo), de maneira
conflitante, sendo que a cada passo da organização libidinal o superego
passará por modificações.

O superego, portanto, possui diversos aspectos que correspondem as pessoas


reais no mundo da criança, mas eles também possuem diversos elementos
das imagens fantásticas da mente infantil. Portanto, os fatores que exercem
influência nas relações de objeto, participam desde o início na formação do
superego.

O primeiro objeto introjetado é o seio materno, a base do superego. Esta


primeira introjeção tem efeitos sobre o relacionamento que se estabelecerá
com o pênis paterno. A mãe introjetada, por sua vez, desempenhará papel
crucial no desenvolvimento do superego. As características principais do
superego, como seus aspectos destrutivos ou protetores, derivam dos
componentes maternos iniciais.

A culpa, para Klein, é oriunda dos desejos sádico-orais de devorar a mãe,


existindo, portanto, desde cedo. A culpa, portanto, é um dos fatores que
moldam e afetam o desenvolvimento do complexo de Édipo.

Em relação ao menino, este sente impulsos iniciais para castrar o pai, que
toma a forma de castração pela mordida. Portanto, o medo de castração do
menino também é vivido como um medo que seu próprio pênis seja arrancado
com uma mordida. Este sentimento de medo arcaico é, muitas vezes,
dominado por situações internas de perigo. Conforme a primazia genital se
aproxima, mais e mais, o medo de castração se torna evidente. Portanto,
apesar de Klein concordar que o medo de castração é a principal ansiedade do
homem, ela considera que este não é o único fator que determina a repressão
do complexo de Édipo. O menino, ao mesmo tempo, sente pena de seu pai,
pois este é um objeto amado que foi ameaçado pelos seus impulsos de
castração e assassinato. Em um aspecto positivo, o menino busca no pai um
ideal de proteção e segurança (portanto, o menino deseja preservar o pai).
Quanto mais culpa o menino sente em relação ao pai, devido aos seus
impulsos agressivos dirigidos a este, mais os desejos genitais são reprimidos.
Portanto, na análise de homens, muitas vezes a presença de um sentimento
de culpa em relação ao pai amado é parte integrante do complexo de Édipo. A
sensação de que a morte do pai também seria terrível para a mãe, uma perda
irreparável, também aumenta o sentimento de culpa do menino e reforça a
repressão dos desejos edipianos.

Freud afirmava que o pai e a mãe são objetos de desejo libidinal por parte do
filho. Freud também apontou o papel do amor ao pai no conflito edipiano
positivo, como no caso do pequeno Hans. Entretanto, não deu a devida
importância ao papel crucial desses sentimentos amorosos, tanto no
desenvolvimento do Édipo como em sua superação. Para Klein, a situação
edipiana perde a força não apenas pelo medo de castração, mas também pelo
desejo do menino em preservar seu pai, como figura interna e externa.

Com relação à menina, para Klein esta já apresenta desejos voltados para o
pai desde o início, não apenas os desejos direcionados a mãe, como afirmava
Freud. Assim, existe toda uma interação entre o complexo de Édipo positivo e
invertido. A autora também acredita que, apesar da ocorrerem flutuações entre
os desejos voltados para o pai e para a mãe, em todas as posições libidinais,
ela acredita que existe uma influência inegável da relação com a mãe, que
incide sobre a relação com o pai.

Para Klein, a inveja do pênis e o complexo de castração são fatores


importantes no desenvolvimento feminino. Entretanto, eles são reforçados pela
frustração dos desejos provenientes do Édipo positivo. A idéia de que a mãe
possui um pênis, apesar de verdadeira, não desempenha um papel tão
significativo no desenvolvimento da garota, como supunha Freud. Para Klein, a
grande influência reside no fato da crença de que a mãe possui, dentro de si, o
pênis admirado e desejado do pai.

Assim, desejos orais e genitais da menina se dirigem para receber este pênis.
Tais desejos equivalem ao desejo de receber filhos do pai, o que corrobora a
equação “pênis = criança”. A garota, portanto, primeiro deseja internalizar o
pênis e receber um filho, antes de desejar possuir o próprio pênis. Com relação
à ansiedade feminina, apesar de Klein concordar com o medo da perda de
amor, ela considera que a principal ansiedade feminina decorre do medo de ter
seu corpo e seus objetos amados internos atacados e destruídos.

Para Klein, o desenvolvimento sexual da criança está ligado as suas relações


de objeto e as emoções que advém da sua relação com o pai e a mãe.
Sentimentos como culpa, ansiedade e depressivos são inerentes a vida
emocional da criança, norteando suas relações com os primeiros objetos, que
são tanto pessoas reais como objetos internalizados. O superego possui uma
formação precoce, devido à presença de figuras introjetadas desde o início da
vida, o que irá influenciar o desenvolvimento sexual. Assim, desenvolvimento
sexual, emocional, relações de objeto e formação de superego estão em
interação desde o início da vida do bebê.

Assim, a intensa vida emocional do bebê, as defesas arcaicas que construirá


para lidar com as pressões que sente o conflito entre amor - ódio e culpa suas
identificações precoces, são todos tópicos que poderão ocupar a investigação
psicanalítica por muito tempo. Para tal é necessário aprofundar o entendimento
do complexo de Édipo e o desenvolvimento sexual, em toda a sua magnittude.

A ideia freudiana de que o sintoma é uma formação de compromisso que


denuncia a presença de um sofrimento que é derivado de uma forma de
funcionamento psíquico. Assim, neste trabalho, apresento uma proposta de
leitura a respeito das relações possíveis de serem estabelecidas entre o
sintoma e a forma de funcionamento psíquico sobre a qual ele se assenta. A
questão central em torno da qual esta reflexão se faz presente é o problema da
identificação de uma determinada forma de funcionamento psíquico por meio
da visibilidade dos sintomas e o conseqüente distanciamento de uma das
pedras fundamentais que Freud estabeleceu nas origens da psicanálise: o
Inconsciente e a necessária invisibilidade que ele implica. Essa proposta de
leitura tem como substrato teórico alguns fragmentos de textos freudianos que
se referem à questão da sintomatologia em duas distintas formas de
funcionamento psíquico, a saber: a histeria de angústia e a paranóia. Nesses
fragmentos, o enfoque do trabalho recai sobre a sintomatologia presente
nestes casos específicos de histeria de angústia e de paranóia e evolui para
algumas considerações metapsicológicas a respeito do posicionamento que o
sujeito assume diante de seu próprio sintoma e da realidade externa.

A questão da sintomatologia aponta para aquilo que é manifesto em uma


determinada organização libidinal, ou seja, trata-se das múltiplas formas e
também da forma privilegiada por meio da qual o sofrimento decorrente de
uma posição subjetiva é traduzido. No entanto, na sintomatologia está presente
um paradoxo: ao mesmo tempo que envolve uma certa visibilidade ao
manifestar o sofrimento, por outro lado, assinala uma invisibilidade na medida
em que tem como substrato uma determinada forma de funcionamento
psíquico.

Essa invisibilidade marca as origens da psicanálise. Foi com o abandono da


hipnose e do método catártico, nos quais o tratamento era restrito a algo da
ordem da palavra direcionada à extinção do sintoma, que Freud distanciou-se
da visibilidade do sintoma e abriu espaço para a escuta do invisível, ou seja,
para aquilo que está para além do manifesto: o funcionamento psíquico
compreendido a partir de uma proposição metapsicológica.

Em seu texto de 1915, intitulado O Inconsciente, Freud propõe a


compreensão dos fenômenos psíquicos a partir de uma concepção
metapsicológica. Escreve ele: "Proponho que, quando tivermos conseguido
descrever um processo psíquico em seus aspectos dinâmico, topográfico e
econômico, passemos a nos referir a isso como uma apresentação
metapsicológica." (Freud, 1915/1996c, p. 186). Assim, a metapsicologia refere-
se à abordagem teórico-conceitual do aparelho psíquico, considerando-se os
pontos de vista dinâmicos (relacionados aos mecanismos de defesa),
topográficos (em referência a um aparelho psíquico dividido em instâncias) e
econômico (no que diz respeito à teoria das pulsões).

A partir desta proposição freudiana acerca dos processos psíquicos, é possível


considerar a presença de uma relação necessária, mas de forma alguma
suficiente, entre um determinado modo de funcionamento psíquico e a
sintomatologia daí decorrente. Aqui, estamos diante de um perigo: uma forma
de funcionamento psíquico, necessariamente, produz sintomas. Porém, esses
sintomas jamais podem ser identificadores de uma ou outra forma de
funcionamento psíquico, ou seja, não é possível identificar uma determinada
forma de funcionamento psíquico a partir da visibilidade dos sintomas. A este
respeito, em seu texto de 1905, Fragmentos da Análise de um Caso de
Histeria, Freud escreve: "Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer
pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual despertasse
sentimentos preponderantes ou exclusivamente desprazerosos, fosse ela ou
não capaz de produzir sintomas somáticos."(Freud,1905/1996a, p. 37).

Este fragmento deixa claro o que Freud propõe a respeito do funcionamento


psíquico, ou seja, que uma forma de funcionamento psíquico, neste caso a
histeria, não é identificada pelas manifestações sintomáticas, que podem ou
não estar presentes, mas pela especificidade de uma organização libidinal.
Portanto, na relação entre a organização libidinal e a sintomatologia, estão
excluídos os critérios de linearidade e de causalidade.

Para pensar como o sujeito pode articular-se em relação ao seu próprio


sintoma e em relação ao outro, tomarei como exemplo duas formas de
funcionamento psíquico distintas, a histeria de angústia e a paranóia, a partir
dos textos freudianos de 1909 Análise de uma Fobia em um Menino de
Cinco Anos e Um Caso de Paranóia que Contraria a Teoria Psicanalítica
da Doença, de 1915.

Apesar de estes textos terem sido escritos por Freud dentro do referencial
teórico de sua primeira teoria do aparelho psíquico, proponho que a questão da
sintomatologia nestas organizações psíquicas, histeria de angústia e paranóia,
sejam pensadas a partir da segunda teoria do aparelho psíquico, proposta por
Freud a partir de 1920, pelo fato de que o conceito organizador deste modelo
conceitual é o eu, o que permite pensar a posição intermediária do eu entre o
Isso e a realidade, na oposição neurose-psicose.

Em seu texto de 1924, Neurose e Psicose, Freud situa a neurose e a psicose


em um patamar comum no que diz respeito à questão da etiologia. Para ele,
em ambos os casos, o que é determinante é a frustração de um dos desejos
infantis que nunca fora dominado. Esta frustração tem origem na realidade
externa e instaura uma tensão conflitual na qual o eu é colocado em uma
posição intermediária entre o Isso e a realidade externa.

Diante deste conflito, o eu poderá assumir duas posições distintas: fazer calar
o Isso e permanecer investindo no mundo externo, ou deixar-se dominar pelo
Isso e empreender um corte libidinal com a realidade externa. Essas diferentes
posições assumidas pelo eu diante do conflito marcam formas distintas de
funcionamento psíquico que irão desencadear, respectivamente, a neurose e a
psicose.

Nas neuroses, o que define o posicionamento do eu diante da frustração é o


mecanismo pelo qual o eu empreende a defesa contra a experiência frustrante.
Em seu texto Neurose e Psicose, Freud apresenta a hipótese de que as
neuroses têm origem a partir de um movimento pelo qual o eu defende-se das
pulsões por meio do mecanismo de recalcamento.

Essa operação psíquica consiste, em termos gerais, no afastamento ou


manutenção de representações no Inconsciente. Esse movimento defensivo é
empreendido pelo eu, que entra em conflito com o Isso, a serviço das ordens
do supereu e da realidade externa. No entanto, o material que se tornou
inconsciente pela ação do recalcamento força passagem pela consciência por
meio de formações substitutivas (sintomas) que não são reconhecidas pelo eu,
devido ao grau de deformação que sofrem ao atravessarem a barreira da
censura, situada entre o sistema inconsciente e o sistema Pré-consciente-
Consciente.

Em termos metapsicológicos, a posição do eu nas organizações neuróticas é


marcada pelo conflito com o Isso, desencadeado a serviço da realidade
externa e do supereu. Diante desse conflito, é acionado o mecanismo de
recalcamento que mantém no Inconsciente representações ligadas a uma
pulsão e que produz derivados (sintomas) que se impõem ao eu por meio de
uma formação de compromisso.

No entanto, apesar de o eu suprimir um fragmento do Isso em nome da


influência da realidade, em seu texto de 1924, A Perda da Realidade na
Neurose e na Psicose, Freud trata da questão da perturbação da relação do
eu com a realidade nas organizações neuróticas. Neste texto, Freud levanta a
hipótese de que a reação neurótica envolve dois tempos: em um primeiro
tempo o eu, a serviço da realidade, utiliza-se do recalcamento para suprimir
uma parcela da vida pulsional. Para Freud, este primeiro tempo alcança êxito,
mas ainda não configura a eclosão da neurose.

Em um segundo tempo, há um fracasso do recalcamento e o eu é invadido


pelo retorno do recalcado, que se apresenta sob a forma de sintomas e
representa um movimento de rebelião do Isso contra as exigências da
realidade. Nesta organização libidinal, o surgimento da angústia é marcado
pelo movimento de retorno do material que se pretendeu evitar por meio do
recalcamento, e o afastamento da realidade consiste em evitar entrar em
contato com o fragmento de realidade que desencadeou o recalcamento, ou
seja, o eu ignora esse fragmento da realidade.

No entanto, para Freud, esse afastamento da realidade nas neuroses não se


limita à evitação do fragmento de realidade que mobilizou o recalcamento, mas
há, também, um movimento de substituição dessa realidade por outra mais
adequada aos desejos do Isso. Essa substituição, nas organizações
neuróticas, é realizada por meio de um processo regressivo que conduz o eu a
um passado satisfatório, levando-o a um mundo de fantasias que ficou cindido
do mundo externo no momento de instauração do princípio de realidade.

No que diz respeito à questão da sintomatologia na histeria de angústia, em


seu texto de 1909, Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco Anos,
Freud, tendo seu raciocínio guiado pela sua primeira teoria da angústia,
defende a idéia de que a formação de sintomas fóbicos tem sua origem em um
trabalho psíquico que tem como objetivo ligar, psiquicamente, a angústia que
se encontra em estado livre.

Em relação ao estatuto da fobia dentro das organizações psicopatológicas,


Freud considera que a fobia não é uma organização libidinal independente mas
um sintoma. Escreve ele: "No sistema classificatório das neuroses não foi, até
agora, atribuída uma posição definida para as 'fobias'. Parece certo que elas só
devam ser encaradas como síndromes, que podem formar parte de várias
neuroses e que não precisamos classificá-las como um processo patológico
independente."(Freud, 1909/1996b, p.106). Portanto, a fobia seria um sintoma
presente em uma organização neurótica (neurose de angústia), por meio do
qual a angústia livre é deslocada para um objeto fóbico.

Considerando o relato da análise do Pequeno Hans, é possível perceber a


posição do eu em sua relação com o Isso, com a realidade externa e com o
sintoma. Neste caso clínico, a moção pulsional sujeita ao recalcamento era a
atitude libidinal de Hans para com seu pai (hostilidade, ciúme e medo) e os
impulsos sádicos em relação à sua mãe.

Sendo alvo do recalcamento, a representação paterna desaparece da


consciência e ocorre um deslocamento desta representação para um animal
que se presta a ser objeto mobilizador de angústia: a representação paterna,
agora inconsciente, é substituída pela representação de um cavalo a partir de
conexões associativas singulares.

No entanto, o recalcamento da representação paterna não logrou êxito, na


medida em que a quota de ansiedade ligada a esta representação continuou
ativa e evoluiu para formação de uma fobia, ligando-se ao objeto fóbico
"cavalo". A partir desta conexão, o que se segue são tentativas de fuga e
evitação com o objetivo de impedir a liberação da angústia.

Para Freud, esse movimento de evitação, decorrente da formação da fobia,


apresenta um resultado duplo: ao mesmo tempo que protege Hans da
liberação de angústia, promove sua aproximação ao objeto de amor, na
medida em que ele evita sair de casa (por causa do medo de cavalos),
permanecendo perto de sua mãe. Segundo Freud, é esse resultado duplo que
atribui ao distúrbio um caráter neurótico pelo fato de que o sintoma satisfaz, em
um mesmo compromisso, os desejos do Isso e as formações defensivas que o
eu empreende contra estes desejos.

Porém, os mecanismos de evitação da realidade presentes na organização


fóbica de Hans, não foram suficientes para atender à pressão exercida pelo
Isso sobre o eu. A organização fóbica foi seguida por um movimento regressivo
que pode ser observado no momento de eclosão da neurose.

Na discussão sobre o caso clínico de Hans Freud apresenta a idéia de que na


constituição psicossexual desta criança, a zona genital foi aquela que
proporcionou grandes sensações de prazer: Hans era, particularmente,
interessado pelo seu "pipi" e, como conseqüência, em um momento inicial,
conduzia suas pesquisas sexuais de forma não conflituosa.

Na medida em que os primeiros conflitos começaram a despontar, momento


que coincide com a eclosão da neurose, a criança elege formas de prazer
ligadas à zona anal, o que configura um movimento regressivo, que parte da
genitalidade em direção à analidade. No entanto, é importante considerar que
essa regressão se dá dentro de uma organização neurótica, na medida em que
Hans não atinge formas diretas de satisfação pulsional mas, ao contrário,
desenvolveu reações de asco em relação aos temas "pipi" e lumf, o que mostra
a ação do recalcamento sobre as representações que proporcionariam uma
satisfação pulsional direta.

No que se refere às organizações psicóticas, dentro das quais está inserida a


paranóia, em seu texto de 1923, A organização Genital Infantil, Freud
postula a hipótese de um mecanismo de rejeição, por meio do qual o eu recusa
a percepção da realidade da castração. Em 1925, no texto Algumas
Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os Sexos, Freud
situa este mecanismo na origem das psicoses.

A rejeição é um movimento defensivo empreendido pelo eu, que consiste em


recusar a percepção da realidade externa. Diante de uma frustração,
diferentemente do que ocorre nas neuroses, o eu cede às exigências do Isso,
rompendo sua relação com a realidade externa. No entanto, o fragmento da
realidade externa que foi rejeitado retorna sob a forma de uma construção
delirante.

Assim, metapsicologicamente, o posicionamento do eu nas organizações


psicóticas é caracterizado pelo conflito com a realidade externa, desencadeado
a serviço das exigências do Isso que arrancam o eu da realidade externa.

Em seu texto de 1924, A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose,


Freud defende a idéia de que este afastamento do eu da realidade externa
implica duas etapas: primeiramente, o eu rejeita a realidade externa para
atender às exigências do Isso, e esse mecanismo de rejeição provoca uma
ruptura, deslocando o eu para longe da realidade.

Em um segundo momento, o eu inicia um movimento de restauração dessa


ruptura a partir da criação de uma nova realidade remodelada de acordo com
os desejos do Isso. Diferentemente do que ocorre nas neuroses, Freud
considera que a primeira etapa do mecanismo psicótico, a rejeição da
realidade, é em si patológica e suficiente para desencadear a psicose.

A segunda etapa do mecanismo psicótico é marcada, assim como na neurose,


por um fracasso: o eu empreende um movimento de remodelação e
substituição radical da realidade externa pela realidade delirante. No entanto,
essa nova realidade é insatisfatória, e o eu é invadido pela angústia no
momento em que a realidade delirante encontra, na realidade externa,
poderosas formas de oposição.

Portanto, para Freud, o afastamento da realidade nas psicoses ocorre em uma


primeira etapa, no momento em que o eu rejeita a realidade externa e, em uma
segunda etapa, na medida em que o eu tenta substituir a realidade externa
pela realidade delirante. Essa remodelação delirante do fragmento rejeitado da
realidade é construída pelo material fornecido pelas fantasias, assim como
ocorre nas neuroses. Porém, diferentemente destas, nas psicoses há uma
tentativa de colocar a realidade delirante no lugar da realidade rejeitada.

Considerando o relato clínico exposto por Freud em seu texto de 1915, Um


Caso de Paranóia que Contraria a Teoria Psicanalítica da Doença, é
possível perceber os movimentos do eu em sua relação com o Isso, com a
realidade externa e com os sintomas.

Para pensar as posições ocupadas pelo eu neste relato de Freud, talvez seja
possível tomar como referência inicial para a reflexão um dado clínico: a
paciente jamais procurou relacionamentos amorosos com homens e vivia
tranqüilamente com sua velha mãe, sustentando-a.

A partir deste fragmento, é possível entrever uma poderosa ligação


homossexual da paciente com sua mãe, o que é confirmado por Freud quando
ele diz: "Seu amor pela mãe se tornara o porta-voz de todas as tendências
que, desempenhando o papel de uma 'consciência', procuram embargar o
primeiro passo de uma moça na nova estrada que leva à satisfação sexual
normal."(Freud, 1915/1996d, p. 275).

Portanto, a paciente está dominada por um complexo de representações,


carregadas afetivamente, que se referem à sua relação com a mãe.
Provavelmente, esse complexo materno é o fator que coloca em ação o
mecanismo de rejeição, o qual incide sobre um fragmento da realidade da
paciente: sua própria sexualidade, que se expressa na relação amorosa com
um homem ou, mais especificamente, o que é rejeitado é a percepção da
diferença sexual. O conflito é desencadeado pela irrupção da sexualidade
versus o vínculo que a paciente mantém com sua mãe, na medida em que a
sexualidade é aquilo que vem denunciar a realidade da separação entre o
sujeito e o objeto, pois sectio, do latim, significa divisão.

No que diz respeito a um outro mecanismo presente na paranóia, a projeção,


Freud defende a idéia de que, provavelmente, o ruído que a paciente alegava
escutar e que, segundo ela, provinha do estalido de um relógio que se
encontrava sobre a escrivaninha, na verdade tratava-se de uma projeção: a
situação erótica em que se encontrava a mulher justificava a sensação de
excitação clitoriana a qual foi projetada como sendo uma percepção externa.

A partir dessa ruptura com a realidade externa, a paciente inicia um movimento


de restauração dos vínculos rompidos com a realidade, por meio de uma
construção delirante. Essa construção delirante da realidade é realizada a
partir de fragmentos presentes na própria realidade externa, que são
deslocados do contexto em que estão inseridos e rearranjados em um novo
contexto, que é elaborado de acordo com os desejos do Isso. Assim, a serviço
do Isso, o eu cria uma nova realidade que irá substituir, autocraticamente, a
realidade externa.

Outra característica deste processo de construção delirante que ocorre na


paranóia, além do deslocamento de impressões é, segundo Freud, o uso
retardado desse material. No que se refere a esse uso retardado enfocado por
Freud, é possível pensar que esse retardamento está relacionado com os dois
tempos do mecanismo psicótico: primeiramente, o rompimento dos elos entre o
eu e a realidade externa e, em um segundo tempo, um movimento que tem
como objetivo a reconstrução dos elos rompidos. Portanto, o processo de
deslocamento das impressões que se prestará à remodelação delirante da
realidade é retardado porque vem tarde, vem a posteriori, depois de um
processo de ruptura, visando remendá-lo.

Ainda em referência ao processo de reconstrução delirante da realidade, é


importante considerar a vertente dinâmica presente no movimento da libido.
Para Freud, a construção delirante elaborada pela paciente é movida pelo
acervo de fantasias inconscientes e, mais precisamente, por uma fantasia
específica: a fantasia de observar as relações sexuais parentais. Para Freud,
esta fantasia foi o que regeu a reorganização delirante dos fragmentos de
impressões deslocadas da realidade.

Assim, as impressões extraídas da realidade foram montadas de acordo com o


roteiro desta fantasia e esta construção foi colocada em cena, na realidade
externa, tomando como suporte os personagens ali presentes. Como se trata
de uma fantasia de observação da cópula pressupõem-se três personagens,
sendo que um deles observa os outros dois que são observados. Desta forma,
a chefe idosa passou a ocupar o papel da mãe e o amante estaria na posição
do pai da paciente.

A partir de um movimento regressivo, a paciente substituiu a mãe como objeto


amoroso e identificou-se com ela, ou seja, ela se tornou a mãe por
identificação. Com isto, pressupõe-se que a mãe tenha sido destruída e,
portanto, a posição de observador foi atribuída a uma terceira pessoa: os
indivíduos que ela encontrara na escada, logo após ter saído dos aposentos do
amante.

Provavelmente, a peculiaridade desta forma de identificação aponta para uma


regressão de caráter oral, na medida em que há um processo de incorporação
que denuncia uma certa forma de organização da libido, seguida por uma
escolha objetal específica que teria uma origem narcísica e, portanto,
homossexual.

No que diz respeito ao processo de substituição da realidade externa pela


realidade delirante, é possível observar que o eu procura impor essa
construção no lugar em que ocorreu a ruptura com a realidade externa.

Este movimento pode ser observado no momento em que a paciente, movida


por sua desconfiança em relação ao amante, começa a indagá-lo de forma
atormentadora sobre a veracidade do conteúdo de sua construção delirante. A
não confirmação por parte do amante configura uma forte oposição da
realidade ao delírio, o que pode mobilizar quantidades de angústia diante do
fracasso dessa tentativa de substituição que viria a atender aos desejos do
Isso.

Disso, podemos concluir que a proposição metapsicológica elaborada por


Freud deixa patente o lugar da psicanálise em sua relação com a questão da
invisibilidade. Essa invisibilidade é aquilo mesmo que está nas origens do
humano no momento em que o outro, com sua sexualidade, invade a partir de
fora as fronteiras da carne e inscreve uma primeira marca, alicerce do ser que
será por ela regido, a partir de um desfile de representações encenadas
segundo a ordem do desejo.

A partir dessas representações é que se torna possível falar em sofrimento,


uma vez que o sujeito se faz como resposta à intensidade da sexualidade do
outro e, sendo o que reage a esta marca, ele é o próprio sintoma de si mesmo.

Somente as lembranças podem fazer sintoma, na medida em que a


recordação é aquilo que ficou representado do fato em si, portanto, adoece-se
de representações inseridas em um contexto que envolve, sempre, um circuito
afetivo com o outro.

Neste circuito afetivo, o sintoma é apenas mais uma representação que se faz
visível e, ao mesmo tempo, oculta todo um mundo de fantasias que constroem
aquele animal desnaturado, impulsionado, dolorido, chamado humano. Vozes,
palavras, histórias... talvez sonhos...

BIBLIOGRAFIA

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