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A EXPERIÊNCIA DA FÁBRICA RECUPERADA UNIFORJA: AUTOGESTÃO OU

HETEROGESTÃO?

COSTA, Elaine Hipólito dos Santos1

Orientador: DAGNINO, Renato Peixoto2

Área: Sociólogos do Futuro

GT30: Precarização, solidarismo e políticas públicas no mundo do trabalho

Resumo

O intuito é apresentar uma revisão bibliográfica das fábricas recuperadas e dos processos de autogestão
dentro dela. Tratar dessas dificuldades focalizando o caso da Uniforja (cooperativa criada por um grupo de
trabalhadores da Conforja, fábrica de Diadema que faliu em 1998). Percebendo as dificuldades inerentes a
esse projeto participativo, buscamos algumas bibliografias que tratam sobre a temática das Fábricas
recuperadas, bem como sobre a autogestão. Por tratar-se de uma experiência em muitos aspectos bem
sucedida, o trabalho pode aportar elementos importantes para análises posteriores.

Palavras-chave: Fábricas Recuperadas; Economia Solidária, Autogestão, Uniforja.

1
Mestranda do Departamento de Política Científica e Tecnológica – DPCT - Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP -
13083-970, Campinas, SP, Brasil. (elainehipolito@ige.unicamp.br).
2
Professor Doutor do Departamento de Política Científica e Tecnológica – DPCT - Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP - 13083-970, Campinas, SP, Brasil (rdagnino@ige.unicamp.br).
COSTA, Elaine Hipólito dos Santos; DAGNINO, Renato Peixoto. A experiência da fábrica recuperada Uniforja: autogestão ou heterogestão? In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 14., 2009, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
SUMÁRIO

Conteúdo
1. Introdução.............................................................................................................................. 1
2. Autogestão e Heterogestão ..................................................................................................... 3
3. De Conforja para Uniforja...................................................................................................... 6
4. Adequação Sociotécnica (AST)............................................................................................ 10
5. Quatro Concepções de Tecnociência .................................................................................... 12
6. Processo atual de autogestão da Uniforja.............................................................................. 13
7. Considerações finais ............................................................................................................ 14
Referências ................................................................................................................................... 16

COSTA, Elaine Hipólito dos Santos; DAGNINO, Renato Peixoto. A experiência da fábrica recuperada Uniforja: autogestão ou heterogestão? In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 14., 2009, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
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1. Introdução

Na definição do Grupo de Trabalho (GT) 30 - precarização, solidarismo e políticas


públicas no mundo do trabalho - tem uma abordagem que pode ser importante para
entender como ocorre o processo de gestão da força de trabalho que é o foco dessa
pesquisa. De acordo com a definição da SBS (2009) na realidade contemporânea, a
relação ser social – trabalho toma novas formas. Por um lado, observam-se processos de
precarização do trabalho, quanto à remuneração, às condições e formas de contratação e
à proteção social.
Por outro, para além das formas tradicionais de luta, parcelas crescentes de
trabalhadores se organizam e adotam formas associativas de vida econômica, cujo mote
é o solidarismo, o cooperativismo e a reciprocidade. Outro elemento com caráter de
urgência é a gestão da força de trabalho, porque atua como fator de integração social, de
formação de identidade e de construção do sujeito coletivo.
Os modelos de gestão adotados são compelidos a organizar o trabalho de maneira
eficaz diante do mercado global, o que modifica práticas de trabalho imersas em
contextos locais e regionais.
Diante desse quadro, as políticas públicas podem servir de contraponto à
voracidade do mercado, minimizando seus efeitos perversos e fortalecendo alternativas.
Esse GT pretende ser um espaço de: a) debates sobre as formas de resistência dos
trabalhadores e das várias formas associativas de produção, consumo e crédito; 2)
consolidação da rede de pesquisadores que desenvolvem estudos sobre políticas
públicas voltadas ao trabalho e sobre a gestão da força de trabalho; 3) compartilhamento
das perspectivas teóricas e metodológicas utilizadas na apreensão de tais fenômenos.
Na Economia Solidária, o intuito é que os trabalhadores assumam a gestão da
fábrica, repartam os “ganhos de uma forma diferente da convencional” e não explorem
outros trabalhadores. No entanto, isso não se constitui uma regra, pois muitas fábricas
possuem dificuldades para implementar a autogestão.
Esta economia é uma nova prática de produção e consumo regida pelos valores da
autogestão, democracia, cooperação, solidariedade, respeito à natureza, promoção da
dignidade e valorização do trabalho humano, igualdade de direitos e deveres,
responsabilidade etc. Visando um projeto de desenvolvimento sustentável global e
coletivo. É entendida como uma estratégia de enfrentamento da exclusão social e da
precarização do trabalho, sustentada em formas coletivas, justas e solidárias de geração
de trabalho e renda.
COSTA, Elaine Hipólito dos Santos; DAGNINO, Renato Peixoto. A experiência da fábrica recuperada Uniforja: autogestão ou heterogestão? In:
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Surge também como característica de uma revolução cultural que pressupõe uma
mudança de valores liberais e individualistas para valores solidários e comunitários.
A economia solidária é hoje um conceito amplamente utilizado em muitos países,
com acepções variadas, mas que giram todas ao redor da idéia da solidariedade, em
contraste com o individualismo competitivo que caracteriza o comportamento econômico
padrão nas sociedades capitalistas. O conceito se refere a organizações de produtores,
consumidores, poupadores, que se distinguem por duas especificidades: a) estimulam a
solidariedade entre os membros mediante a prática da autogestão e b) praticam a
solidariedade para com a população trabalhadora em geral, com ênfase na ajuda aos
mais desfavorecidos. (SINGER, 2003, p. 116).
Singer (2002) diz ainda que a autogestão no empreendimento de economia
solidária significa que “ninguém manda em ninguém”, ou seja, as decisões são tomadas
ou por consenso ou pela votação. O autor vê espaço, neste modo de produção, para a
participação do estado exercendo uma função redistributiva entre os empreendimentos
com ganhos acima do considerado socialmente necessário e os empreendimentos com
ganhos abaixo do considerado socialmente necessário.
Singer, por final, enxerga a economia solidária enquanto modo de produção
baseado na autogestão (entendida como democracia interna nas empresas), que
depende, para constituir-se, das brechas históricas que são dadas pelo modo de
produção capitalista e da formação democrática dos trabalhadores.
O artigo segue o seguinte percurso: retratamos inicialmente o contexto histórico
que deu origem a autogestão dentro do movimento da Economia Solidária na América
Latina e algumas características da heterogestão. Em seguida, mostramos a modificação
da Conforja para a Uniforja. Para isso foi realizada uma breve revisão bibliográfica que
contou com aprofundamento teórico de temas como Economia Solidária (ES), autogestão,
Adequação Sociotécnica (AST), Tecnociência, bem como a situação atual da Uniforja.
Ao final, espera-se contribuir com o entendimento não apenas da dificuldade das
Fábricas Recuperadas (FRs), bem como - e principalmente - das dificuldades em se
aplicar à autogestão e encontrar um consenso na definição de suas abordagens,
percebendo as particularidades da autogestão e a sua vivência lado a lado com a
heterogestão.

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2. Autogestão e Heterogestão

A autogestão, não é um modelo fácil de ser aplicado, pois ele ainda não é o modelo
administrativo mais comum de ser encontrado, uma vez que as decisões e o controle das
cooperativas são exercidos pelos trabalhadores, ou seja, é a participação direta e coletiva
na tomada de decisões e no poder da cooperativa.
Dessa forma, a autogestão é reconhecida como uma relação de produção que se
generaliza e se expande para todas as outras esferas da vida social. Isso significa que os
próprios produtores associados dirigem suas atividades e o produto dela derivado, ou
seja, elimina-se a divisão social do trabalho.
E para Singer a Economia Solidária tem várias vertentes e por conta disso ele
afirma que a dele é a autogestão, pois

o que diferencia a Economia Solidária de outras formas de organização da


produção, do consumo, da distribuição, é a ausência de distinção de classes
entre os que se organizam para essas atividades, a democracia na unidade
de produção, distribuição e assim por diante (SINGER, 2005, p. 12).

A ES identifica uma larga faixa de organizações não-governamentais nos países de


língua francesa que cresce bastante na União Européia; abrange grande variedade de
organizações sem fins lucrativos, tais como companhias de seguro mútuo, caixas de
depósitos e cooperativas. O quadro 1 mostra uma comparação entre o capitalismo e a ES
que nos ajuda a entender as características de cada modo de gestão.

Quadro 1 - Comparativo entre Capitalismo e Economia Solidária


ASPECTOS ECONOMIA SOLIDÁRIA ECONOMIA CAPITALISTA
GESTÃO Autogestão Heterogestão ou adm.
hierárquica
REMUNERAÇÃO Não assalariado (renda) ou Valor diferenciado em função
diferenciada da hierarquia e determinado
(fixo)
RELAÇÃO ENTRE OS Cooperativista e inf. Competitiva e hierárquica
TRABALHADORES compartilhada
DECISÃO decisões democráticas ou Participação de poucos
por representação (acionistas majoritários ou
grupos controlados)
MEIO DE PRODUÇÃO Normalmente posse coletiva Propriedade individual ou
capital privado
COMUNICAÇÃO Assembléias ou reuniões Reuniões entre diretores e
ordens de cima para baixo

Segundo Cattani (2003), a autogestão pode ser entendida como o conjunto de


práticas sociais que se caracteriza pela natureza democrática das tomadas de decisão,
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propiciando assim a autonomia de um “coletivo”. É um exercício de poder compartilhado,


que qualifica as relações sociais de cooperação entre pessoas e/ou grupos, independente
do tipo das estruturas organizativas ou das atividades, por expressarem intencionalmente
relações sociais mais horizontais.
Pode-se dizer que uma Cooperativa ou até mesmo uma Fábrica Recuperada é
uma sociedade ou empresa constituída por membros de um determinado grupo
econômico ou social, e que objetiva desempenhar, em benefício comum, determinada
atividade econômica.
Faz-se importante tratar brevemente sobre as fábricas recuperadas3, lembrando
que existem alguns trabalhos já prontos que abordam tal temática. Podemos começar
dizendo que aqueles que perderam seus postos de trabalho assalariado ocupam fábricas
fechadas e, por meio de uma organização coletiva e autogestionária, assumem o controle
da produção. Como comenta Naomi Klein, comparando com o movimento ludista (na
Inglaterra, início do século XIX), ao invés de destruir as máquinas para combater a lógica
destrutiva do capital, os trabalhadores “querem proteger as máquinas e destruir a lógica”
Magnani (2003, p. 15 apud TIRIBA, 2008). Dado que os empresários abandonam a
fábrica, ao invés de ‘tomá-la’, os trabalhadores querem ‘retomar’ os meios de produção.
(TIRIBA, 2008, p. 9)
É verdade que os efeitos sociais da tecnologia devem ser concebidos como uma
relação de força, a qual depende da atuação dos grupos sociais envolvidos no seu
processo de desenvolvimento e no modo de sua utilização. É também verdade que os
estudos sobre tecnologia devem se originar não apenas a partir dos elementos
econômicos ligados a produtividade, mas também devam levar em consideração os
aspectos políticos relacionados à questão da dominação dos trabalhadores diretos e da
disputa pelo poder no interior dos estabelecimentos produtivos (Noble, 1979; Leite, 1994;
Guimarães, 1995 apud Novaes, 2007).
De acordo com os argumentos dos defensores da autogestão, esta tem significado
de controle da sociedade pelos trabalhadores. A autogestão implica em mais que uma
tomada do poder, implica em destruição do poder, ou em uma “mudança radical e a
instauração de outra maneira de viver em comum, inteiramente nova”. No entanto, a
autogestão diz respeito a mais que simples participação, co-gestão ou controle dos
trabalhadores. Devemos atentar para o fato de que a participação diz respeito à
contribuição, acompanhamento, execução ou de somar-se aos demais. A co-gestão é

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NOVAES, H.T.; DAGNINO, R. O Fetiche da Tecnologia. In: Revista Organizações & Democracia, Marília, v. 5, n. 2,
2004.
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mais que participação, é “ter uma palavra a dizer” na própria organização do trabalho, o
que pode se dar por meio da organização técnica do trabalho ou da política geral do
empreendimento. É, portanto, a reintegração da iniciativa e criatividade dos trabalhadores
nos processos produtivos. Já o controle operário é a contestação do poder patronal, é a
imposição do controle dos trabalhadores. Por isso, é um importante passo rumo à
autogestão (GUILLERM; BOURDET, 1976, p. 14).
Os defensores da autogestão propõem uma mudança radical, tanto econômica
como política. E, nesse caso, a própria noção de política ganha novo sentido, que é “a
manipulação, sem intermédio e em todos os níveis, de todos os ‘seus negócios’ por todos
os homens”. Essa mudança radical deve culminar na superação do capitalismo, visando o
“benefício de um conjunto autogestionado de cooperativas igualitariamente associadas
segundo um plano elaborado pela soma de necessidades e desejos” (GUILLERM;
BOURDET, 1976, p. 30).
Ao contrário do sistema capitalista, os defensores da autogestão propõem a
socialização dos meios de produção e a reconversão da produção tendo em vista a
satisfação das necessidades humanas, em oposição à produção de valores de troca.
Para estes pensadores franceses, “o que chamamos de autogestão é outra
organização nacional (...) que suprime o capitalismo e o estatismo em benefício de um
conjunto autogestionado de cooperativas igualitariamente associadas segundo um plano
elaborado pela soma de necessidades e desejos” (Ibid, p. 30).
Os princípios básicos da ES, que podem ser observados através da cooperativa de
produção são: a) posse coletiva dos meios de produção; b) divisão dos excedentes entre
todos os cooperados. O aspecto da autogestão aparece em conjunto com o de
cooperativismo ou de Economia Solidária. Cruz (2006) diz que empreendimentos
autogeridos são aqueles que apresentam as seguintes características: as experiências
possuem um caráter coletivo; as relações de trabalho não são baseadas no
assalariamento; o empreendimento é controlado coletivamente.
Mas então, como estudar as Fábricas Recuperadas (FRs) se o que está em
questão não é mais a dominação e a disputa de poder, mas sim – ao menos teoricamente
- a promoção de algumas características da autogestão no interior das fábricas? Se agora
os trabalhadores têm o poder irrestrito, como advoga (ODA, 2001)4, pode-se dizer que
não há mais poder centralizado dentro da fábrica? Todos intervêm da mesma forma em
todos os níveis do processo decisório? O processo de trabalho interno pode ser

4
ODA, Nilson Tadashi. Gestão e trabalho em cooperativas de produção: dilemas e alternativas à participação. 2001. 154
f. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
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modificado ou o que está em questão é apenas a necessidade de um parlamento dentro


da fábrica? No que se refere à tecnologia hardware, trata-se da necessidade de uma
radical reestruturação ou um simples uso dos meios de produção para outros fins?
(NOVAES, 2007, p. 38).
Essas são questões que nos ajudam a pensar o que poderia ser melhor dentro do
movimento de Fábricas Recuperadas, principalmente no que se refere à autogestão.

3. De Conforja para Uniforja

Em 1954 foi fundada uma pequena forjaria na periferia de São Paulo, chamada
Conforja. Graças à excelente qualidade de seus produtos, em 1968, foi transferida para
Diadema, num grande parque industrial no ramo de forjaria, laminação e tratamento
térmico, cobrindo assim uma grande gama de produtos requeridos pelo mercado
brasileiro.
Apesar da excelente qualidade de seus produtos, com afastamento de seu
fundador e com o surgimento de dificuldades, em 1999 a Conforja S/A foi transformada
em massa falida. Por iniciativa de seus técnicos e funcionários foram criadas quatro
cooperativas de produção industrial no interior do seu parque fabril, concebidas como
unidades de negócios autônomas.
Em 1994, frente ao agravamento das dificuldades econômico-financeiras vividas
pela empresa, é adotada, como alternativa de contorno à crise, a proposta de co-gestão,
que previa a participação dos trabalhadores na gestão da empresa, por meio da
Associação dos Empregados na Conforja (Assecon) e do Sindicato dos Metalúrgicos do
ABC, contando inicialmente com o apoio da Associação Nacional dos Trabalhadores em
Empresas de Autogestão e Participação Acionária (Anteag). No entanto, esta tentativa não
se mostra capaz de contornar a crise vivida pela empresa. Com o malogro da co-gestão e
a iminência do fechamento da fábrica, alguns trabalhadores passaram a discutir a
possibilidade de constituir uma única cooperativa, inviabilizada pelo baixo grau de
aceitação da proposta pela maioria dos trabalhadores. Hoje em dia a Uniforja é associada
também a Unisol – Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários
Todavia, um grupo menor, formado pelos trabalhadores do setor de tratamento
térmico, acreditou na proposta de formar uma cooperativa. Em dezembro de 1997 é então
constituída a Coopertratt - Cooperativa Industrial de Trabalhadores em Tratamento
Térmico e Transformação de Metais, a qual passa a ter o controle sobre todas as
atividades do setor mediante contrato de arrendamento estabelecido com a empresa.
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Com os resultados positivos alcançados pela Coopertratt, em termos de


remuneração, os demais trabalhadores da empresa passam a se organizar, objetivando
constituir cooperativas.
Uma vez mais, por opção dos trabalhadores, foram criadas apenas três
cooperativas, a partir das unidades de negócios, que passaram a incorporar as atividades
de apoio à produção. Em março de 1998 é constituída a Cooperlafe - Cooperativa
Industrial de Trabalhadores de Laminado de Anéis e Forjados Especiais - seguida da
Coopercon - Cooperativa Industrial de Trabalhadores em Conexões Tubulares - e pela
Cooperfor - Cooperativa Industrial de Trabalhadores em Forjaria - ambas em meados de
abril de 1998. Mas atualmente existem apenas três cooperativas que atuam de forma
autônoma, a Coopercon foi dissolvida e seus produtos e trabalhadores foram distribuídos
entre as outras três cooperativas.
A criação destas quatro cooperativas industriais com gestões autônomas e
independentes, a partir da desintegração das atividades de uma única empresa,
despertou diversos interesses e questões a serem exploradas, que dizem respeito: a) às
relações de trabalho, produção e gestão entre as cooperativas, dada a integração física e
a inter-relação do processo de produção; b) à forma como são tratados os problemas e as
necessidades comuns às quatro cooperativas.
As cooperativas de produção são influenciadas pelo processo anterior de co-gestão
e o fato delas agregarem um considerável número de sócio-trabalhadores, se
comparadas com as demais cooperativas disponíveis na amostra limitada à região do
ABC e ao apoio do sindicato. Cabe destacar que este foi o primeiro caso no país onde os
trabalhadores obtiveram autorização, junto ao Juízo do processo de falência, para
continuar desenvolvendo suas atividades por meio do arrendamento dos equipamentos e
instalações que integram a “massa falida” (ODA, 2001, p. 29).
Toda segunda-feira tem reunião da diretoria dos departamentos, dos
representantes das cooperativas juntamente com o presidente da Uniforja. E uma vez por
mês se reúnem em assembléia para decidir e votar em todas as propostas colocadas
pelos representantes escolhidos por eles em votação.
A formação dos associados está no planejamento da Uniforja eles possuem cursos
e treinamentos para entenderem como funciona a Economia Solidária, o Cooperativismo
e a Autogestão. Os cargos e salários são diferenciados e a retirada é de acordo com o
serviço prestado, somente as sobras são divididas em partes iguais.
Ainda de acordo com Oda (2001) os aspectos estruturais das empresas de
propriedade dos trabalhadores são: a) Direitos patrimoniais; b) Participação nos lucros e
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exigências de subscrição de capital; c) Impedimento para que não trabalhadores se


tornem membros; d) Trabalho assalariado, estabilidade de emprego e diferenciais de
remuneração; e) Direito ao voto.
A proposta da formação da cooperativa Coopertratt, a primeira das quatro que
viriam a se constituir, tinha seu foco direcionado para a manutenção do trabalho e renda.
Neste sentido, as discussões entre os trabalhadores privilegiavam a cooperativa apenas
como uma forma jurídica que poderia viabilizar a continuidade do emprego. […] Assim,
temas como a gestão da cooperativa, a organização do processo produtivo e de trabalho
e, principalmente, da participação dos sócio-trabalhadores na condução dos negócios da
cooperativa não ocuparam um lugar de destaque nos debates realizados com os
trabalhadores (ODA, 2001, p. 70).
Segundo Oda (2001) os coordenadores gerais concentram grande parte do poder
nas cooperativas e chega a compará-los com os executivos contratados pelos acionistas
de uma empresa convencional. E foi verificado também que nas assembléias o assunto
retiradas estava na maioria e que temas que influenciam o cotidiano das cooperativas, em
termos da organização da produção e do trabalho não era sugerido pelos sócio-
trabalhadores.
Oda (2001) reconhece ainda que não houve mudanças significativas nos cargos,
funções/tarefas, remunerações e na jornada de trabalho. Mas na Cooperfor, os
trabalhadores são motivados a falar sobre os problemas e dificuldades enfrentadas no
desempenho das atividades do setor e, a partir do diagnóstico, os cooperados
apresentam alternativas para a solução dos problemas no âmbito interno
“redistribuindo/redividindo tarefas ou responsabilidades específicas” e, “externamente,
estabelecendo responsáveis para o encaminhamento da solução junto ao
setor/cooperativa envolvidos na solução do problema” (ODA, 2001, p. 101).
Mesmo reconhecendo que o embrião dessas reuniões foi à discussão sobre os
valores de retiradas por cargo e função / atividade, este pesquisador acredita que as
reuniões atuais agilizam as assembléias, pois apenas os problemas que envolvem a
cooperativa como um todo ou os problemas que o setor não consegue solucionar sozinho
são levados ao conhecimento dos demais. As FRs herdam uma organização tradicional
do trabalho, cabendo aos trabalhadores desestruturá-la.5

5
No livro de NOVAES (2007). O fetiche da tecnologia: a experiência das fábricas recuperadas. São Paulo: Expressão popular. O
capítulo 5 “Os trabalhadores de FRs como interventores privilegiados no espaço de trabalho” realiza uma revisão bibliográfica
dos estudos de caso sobre FRs no Brasil e na Argentina. Avaliou alguns casos nos quais os trabalhadores tentaram subverter ou
usar as forças produtivas concebidas para empresas convencionais, mostrando a persistência do conflito e da antiga divisão do
trabalho.
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O processo de se constituir uma instituição de Economia Solidária muda muito de


um empreendimento para o outro e isso não é diferente nas FRs, conforme afirma Culti
(2006) a respeito das conclusões dos estudos de Gaiger em nove estados do país.

As abordagens desenvolvidas por GAIGER (2004, p. 371-402), ao analisar


os resultados da pesquisa realizada em nove Estados brasileiros, chama a
atenção para a diversidade de caminhos e soluções que estão expressos
na economia solidária e para as opções teórico-conceituais “ligeiramente
diferentes” adotadas pelos pesquisadores. Porém, em suas constatações
históricas sobre a economia solidária e as marcas que ela deixou ou pode
vir a deixar no desenvolvimento atual e futuro da sociedade brasileira,
deduz que a existência de empreendimentos econômicos solidários nada
tem de corriqueiro, trivial, e tampouco é um reflexo previsível diante da
crise do mercado de trabalho. Percebeu-se, na pesquisa, que a adoção de
iniciativas de trabalhos cooperativos pode advir de objetivos
despretensiosos quanto a provocar reviravoltas no padrão de vida dos
indivíduos, sem possuírem nenhuma ambição política, de dizer algo para a
sociedade, e mesmo assim responderem a necessidades de proteção,
pela via associativa, contra o rolo compressor dos grandes poderes
econômicos. As circunstâncias isoladas ou conjugadas que levam ao
surgimento dos empreendimentos apontam para algumas circunstâncias
como: a presença de setores ou a existência de organizações e lideranças
populares com experiência em práticas associativas, comunitárias ou de
classe; chances favoráveis para práticas econômicas associativas
compatíveis com a economia popular dos trabalhadores; presença de
entidades e grupos de mediação (apoiadores, assessores, etc.) aptos a
canalizar as demandas dos trabalhadores para alternativas associativas e
autogestionárias; a incidência concreta sobre os trabalhadores dos efeitos
da redução do emprego e a formação de um cenário político que
reconhece a relevância das demandas sociais, oriundas de longo caminho
já percorrido, que coloca a economia solidária para o debate da sociedade.

Antes do processo falimentar havia 650 trabalhadores na Conforja. Para constituir


as novas cooperativas 280 trabalhadores acompanharam o processo, que foi longo e
trabalhoso. Com o crescimento das cooperativas e visando melhor atender o cliente final,
em 3 de outubro de 2000 foi constituída a Cooperativa Central de Produção Industrial de
Trabalhadores em Metalurgia – Uniforja. E ela funciona até hoje, com 550 trabalhadores,
sendo 220 contratados através do regime CLT, uma vez que para serem sócios,
necessitam passar por uma experiência de três anos como trabalhador CLT e necessitam
integralizar 80% da rescisão dos três anos de contrato CLT.
Para atuar nas FRs uma proposta interessante seria a de Adequação Sociotécnica
incorporadas à política de Ciência e Tecnologia como abordaremos no próximo tópico.

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4. Adequação Sociotécnica (AST)

A adequação Sociotécnica é uma forma de adaptar as Tecnologias Convencionais


(TC) para os EES e as Frs. No texto de Dagnino,Brandão e Novaes (2004) mostram que a
Rede de Tecnologia Social possui um marco analítico-conceitual e um caráter de rede e
abordam o desenvolvimento do Marco teórico conceitual.
Os autores dizem que os teóricos que foram surgindo desde então ao longo da
trajetória de consolidação do campo dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia
(ESCT) e que, partindo de matrizes disciplinares e concepções ideológicas bastante
diferentes, parecem aportar elementos para o processo de elaboração de um marco
analítico-conceitual da TS com os atributos de interdisciplinaridade, pluralidade e
efetividade, necessários para a construção, em bases sólidas, da RTS. (DAGNINO,
BRANDÃO E NOVAES, 2004, p. 17)
Introduzem o conceito de Adequação Sociotécnica (AST) e Tecnologia Apropriada
(TA). A Índia do final do século XIX é reconhecida como o berço do que veio a se chamar
no Ocidente de TA. Gandhi dizia que a “produção é pelas massas, não produção em
massa”. TA é “um conjunto de técnicas de produção que utiliza de maneira ótima os
recursos disponíveis de certa sociedade maximizando, assim, seu bem-estar” (DAGNINO,
1976, p. 86).
Por entenderem a ciência como uma incessante e interminável busca da verdade
livre de valores e a tecnologia como tendo uma evolução linear e inexorável em busca da
eficiência, os críticos da TA não podiam perceber seu significado.
O conceito de determinismo tecnológico, é a idéia de que o desenvolvimento social
se encontra determinado quase inteiramente pelo tipo de tecnologia que uma sociedade
inventa, desenvolve, ou que nela é introduzido. E a teoria crítica combina as percepções
da tecnologia como humanamente controlada e como portadora de valores.
Dagnino, Novaes e Brandão (2007) revelam que a AST tem sete modalidades: Uso,
Apropriação, revitalização ou repotenciamento das máquinas e equipamentos, ajuste do
processo de trabalho, alternativas tecnológicas, incorporação de conhecimento científico-
tecnológico existente e incorporação de conhecimento científico-tecnológico novo.
A tecnologia Social somente será possível quando os grupos que por ela tem
interesse, conseguirem criar uma agenda de política com as suas reivindicações. A partir
disso, ela precisa ser apresentada para a comunidade de pesquisa que com muita sorte
estará sensibilizada com essa causa em favor dos menos favorecidos e para que ela seja
aplicada na produção auxiliando os cooperados dentro dos EES e das FRs. A agenda
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com as necessidades, precisa ser pensada e criada para ser avaliada a fim de que se
tenha a real possibilidade de ser implementada.
A AST pode ser entendida como um processo que busca promover uma
adequação do conhecimento científico e tecnológico (esteja ele já incorporado em
equipamentos, insumos e formas de organização da produção ou ainda sob a forma
intangível e mesmo tácita), não apenas aos requisitos e finalidades de caráter
tecnicoeconômico, como até agora tem sido o usual, mas ao conjunto de aspectos de
natureza sócio-econômica e ambiental que constituem a relação Ciência, Tecnologia e
Sociedade. (DAGNINO, 2008, p. 18).
Novaes (2007) faz uma análise do que se poderia dizer quando os trabalhadores
são donos dos meios de produção, ou mais precisamente, quando a normatividade da
tecnologia em FRs se dá pelo rompimento das relações de poder no seio da fábrica?
Teremos a manutenção das relações de poder ou as novas “condições sociais que
constrangem os meios técnicos” levarão a diferentes processos de AST?
E ele considera como processo de AST: a) software – questões relacionadas à
repartição do excedente (distribuição das retiradas e fundos) e mudanças culturais; b)
orgware – organização do processo de trabalho, participação dos trabalhadores nos
conselhos e decisões internas / estratégicas da fábrica, concentração do poder nas mãos
do(a) presidente, dos conselhos etc; c) hardware – a adequação da tecnologia herdada
(máquinas e equipamentos) aos propósitos autogestionários. (NOVAES, 2007, p. 41).
No contexto da preocupação com os empreendimentos com características
autogestionárias, o processo de AST teria então por objetivo adequar a tecnologia
convencional (e, inclusive, conceber alternativas) aplicando critérios suplementares aos
técnico-econômicos usuais a processos de produção e circulação de bens e serviços em
circuitos não formais, situados em áreas rurais e urbanas (como as redes de Economia
Solidária), visando otimizar suas implicações. (NOVAES, 2007, p. 56)
O conceito de AST pode ser entendido com o concurso do diferencial
proporcionado pelo construtivismo. Segundo esse enfoque, Construção Sociotécnica é o
processo mediante o qual artefatos tecnológicos vão tendo suas características definidas
através de uma negociação entre “grupos sociais relevantes”, com preferências e
interesses diferentes, no qual critérios de natureza distinta, inclusive técnicos, vão sendo
empregados até chegar a uma situação de “estabilização” e “fechamento” Bijker (1995
apud Dagnino, 2008, p. 19).
Acreditamos que a Tecnologia Convencional, engendrada sob as relações sociais
de produção capitalistas para atender à lógica de acumulação das suas grandes
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empresas, não pode ser “usada” sem significativas modificações nos EES e nas FRs. E,
por extensão, para construir um estilo de desenvolvimento alternativo.

5. Quatro Concepções de Tecnociência

Existem quatro concepções sobre a Tecnociência, mas este trabalho foca-se na


principal para esse texto que é a Adequação Sociotécnica (AST) a qual combina as
perspectivas da tecnociência como humanamente controlável e como portadora de
valores. Seus partidários concordam com o Instrumentalismo (a tecnociência é
controlável), mas reconhecem que os valores capitalistas conferem a tecnociência
características específicas, que os reproduzem e reforçam, que implicam conseqüências
sociais e ambientalmente catastróficas, e que inibem a mudança social.
Mas, ainda assim, vêem na tecnociência uma promessa de liberdade. O problema
não estaria no conhecimento como tal, mas no pouco êxito que temos tido até o momento
em criar formas institucionais que, explorando a ambivalência (graus de liberdade) que
possui o processo de concepção de sistemas tecnológicos que sejamos capazes de
exercer o controle humano – coletivo e socialmente equânime - sobre ela. (DAGNINO,
2008, p. 16).
Ainda de acordo com Dagnino (2008, p. 22) a solução para a exclusão na
construção de um estilo alternativo de desenvolvimento para que busquem perceber e
atender as demandas cognitivas que ele coloca. Os movimentos sociais poderão utilizar
para “pressionar” a comunidade científica e o governo a conformar uma nova agenda de
Política Científica e Tecnológica.
Nossos estudos afirmam que as estratégias gerencialistas – e aqui se insere o
modelo japonês – atacam os sintomas (e não as causas) da alienação: os trabalhadores
decidem sobre tudo, menos o essencial, enquanto nas propostas autogestionárias
propõe-se que o trabalhador participe da gestão dos problemas essenciais da empresa,
da construção de um novo processo de trabalho, assim como da construção de uma
sociedade produtora de valores de uso, de acordo com as possibilidades históricas. A
nosso ver, a diferença entre elas não é só de grau de participação, mas também na
natureza da participação. (NOVAES, 2007, p. 127).
Para Faria (2004), a busca da participação do trabalhador, o enriquecimento de
tarefas, o kanban e o kaisen, são estratégias utilizadas pelo capital para atacar os
sintomas e não as causas da alienação do trabalho. Já a autogestão não nasce desta

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visão de participação, mas sim das lutas históricas da classe trabalhadora nos séculos 19
e 20 para levar a cabo a democracia na produção e, quem sabe, a construção de uma
sociedade voltada para a satisfação das necessidades humanas.
Foram estabelecidas características como: a participação comunitária no processo
decisório de escolha tecnológica, o baixo custo dos produtos ou serviços finais e do
investimento necessário para produzi-los, a pequena ou média escala, a simplicidade, os
efeitos positivos que sua utilização traria para a geração de renda, saúde, emprego,
produção de alimentos, nutrição, habitação, relações sociais, ao meio ambiente (com a
utilização de recursos renováveis). Passou-se, enfim, a identificar a TA a “um conjunto de
técnicas de produção que utiliza de maneira ótima os recursos disponíveis de certa
sociedade maximizando, assim, seu bem-estar”. (DAGNINO, 1976, p. 86).

6. Processo atual de autogestão da Uniforja

Todos os anos a Uniforja realiza o planejamento anual. E isso é feito com a


colaboração de três membros de cada cooperativa, os diretores dos departamentos
juntamente com o presidente da Uniforja. Eles levam a proposta construída para a última
assembléia do ano e todos os cooperados analisam e votam nas propostas.
O maior problema enfrentado hoje pela Uniforja, de acordo com seu presidente, é
fazer os sócio-trabalhadores entenderem e acreditarem no cooperativismo. Uma vez que
eles possuem dificuldades em compreender que ele é um prestador de serviço e sócio da
empresa. Que o investimento precisa ficar em primeiro lugar. O correto é pensar
coletivamente, no todo para que a proposta funcione.
As considerações teóricas expostas ao longo deste trabalho procuraram não
criticar aqueles que resumem a autogestão à necessidade de uma nova cultura do
trabalho, e de mecanismos parlamentares nas FRs. Segundo Novaes (2007), trata-se da
necessidade de um olhar mais profundo, que identifique a necessidade de se levar a
cabo, ao menos no que se refere às forças produtivas, uma total reestruturação dos meios
e da organização da produção.
A sensação de liberdade por ter arrancado o poder dos patrões pode gerar
confusões no seio da classe trabalhadora ao reivindicar o poder para dentro de cada FR.
Tudo leva a crer que o problema é muito mais complexo do que a mudança de
propriedade dos meios de produção e a criação de assembléias democráticas, conselhos
administrativos ou até mesmo uma nova divisão do trabalho (NOVAES, 2007, p. 312).
No caso das fábricas visitadas por Novaes (2007) verifica-se uma acentuação
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imensa da autogestão como possibilidade de decisão democrática no seio da unidade


produtiva. E diz também que muitas vezes, em função do fetiche da tecnologia,
principalmente a hardware, os trabalhadores de FRs não colocam na agenda de
mudanças a necessidade de uma tecnologia hardware alternativa.
Mas no caso da Uniforja, por conseguirem criar quatro cooperativas após o
processo falimentar, e mesmo com os problemas que enfrentam, estarem bem colocadas
no mercado novamente, realizar reuniões semanais com todos os representantes, uma
assembléia mensal com a participação de todos os trabalhadores e dividir a sobra em
partes iguais faz com que ela seja uma experiência bem sucedida e interessante de
estudar, bem como servir de exemplo para outras cooperativas.

7. Considerações finais

Este trabalho fez um levantamento sobre a Uniforja e seu processo de gestão. Foi
possível verificar que a autogestão pensada de forma teórica tem um dimensionamento
mais profundo do que é percebido na prática.
Uma empresa que utiliza a heterogestão como forma de gestão por diversos anos,
encontra dificuldades para se adaptar a nova realidade e para modificar sua cultura
organizacional. A mudança pode ocorrer, mas necessita da colaboração de todos os
sócio-trabalhadores assumindo a responsabilidade de gerir uma fábrica.
Quanto à organização do processo de trabalho, alguns pesquisadores da
Economia Solidária identificam a necessidade de desestruturação das antigas relações de
trabalho e a criação de um processo de trabalho autogestionário, enquanto outros se
contentam com o mecanismo parlamentar no chão de fábrica. Já os trabalhadores
percebem a necessidade de reorganizar o processo de trabalho, principalmente no que se
refere aos processos internos à fábrica. Outro ponto a ser pensado sobre a autogestão é
qual o seu verdadeiro significado, seria apenas retiradas igualitárias? Acreditamos que o
termo tem uma proposta diferente de gestão e isso inclui a tomada de decisão de forma
conjunta, mesmo que em muitos casos, as informações estratégicas relacionadas ao
mercado externo - concorrentes, formação de preços e custos - não sejam divulgadas
para todos os cooperados, ficando apenas com a presidência e os diretores das
cooperativas.
Novaes (2007) levantou três hipóteses sobre os motivos que levam os
trabalhadores à não desconstruir o processo de trabalho vigente na fábrica. Poderíamos
especular que os trabalhadores deixam de acreditar no mecanismo da assembléia
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quando percebem que não participam das decisões estratégicas. Outra possibilidade
interpretativa acentuaria a naturalização do processo de trabalho e a ausência do
conhecimento técnico necessário para transformá-lo. Para muitos trabalhadores, o
processo de trabalho é compreendido como sendo o único possível, não havendo
necessidade de mudá-lo.
Todas essas questões necessitam ser pensadas juntamente com os trabalhadores
para que a solução seja conjunta e que os princípios da ES realmente sejam aplicados
nessa nova forma de produção.

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