Desde seu surgimento na América Latina, na década de 1950 até os dias de hoje, a
telenovela tem reforçado sua importância nas grades de programação de emissoras ao longo de
toda esta região, assegurado o crescimento e expansão de importantes cadeias de comunicação e
conquistado novos públicos consumidores em outras regiões do mundo. Mas foi apenas nas duas
últimas décadas que o fluxo se intensificou, ganhando novos produtores e mercados consumidores.
Entre os países importadores deste gênero, destaca-se a Bolívia. A tímida produção
televisiva devido à falta de recursos financeiros e técnicos fez com que o país, desde o surgimento
da televisão, recorresse à pirataria ou à compra de telenovelas originárias do México e do Brasil.
Atualmente, a maior parte da programação televisiva da Bolívia ainda consiste em programas
originários de outros países, como filmes, seriados e telenovelas. Em julho de 2007, por exemplo,
eram exibidas 22 telenovelas nas principais emissoras do país, o que mostra claramente a
importância deste gênero para as emissoras.
Partindo dessas observações, buscou-se compreender quais motivos levam os
telespectadores bolivianos a assistir às telenovelas brasileiras. A partir da teoria dos usos e
gratificações de Elihu Katz, examinaram-se quais os usos que os telespectadores fazem dos
conteúdos apreendidos através deste gênero e quais as gratificações obtidas ao assisti-lo.
O principal objetivo, portanto, foi observar o fluxo das telenovelas brasileiras para a Bolívia.
Os objetivos específicos foram verificar como o gênero é recebido por estes telespectadores, quais
as mensagens apreendidas e qual a importância deste gênero para as emissoras do país.
1 Doutoranda em Comunicação pela UFF, mestre em Comunicação pela Umesp, especialista e bacharel em
Comunicação Social pela UFJF. End. eletrônico: anapaulaslc@yahoo.com.br
2 Orientadora do trabalho. Professora e Pesquisadora de Mídia Global e Regional e Presidente do Conselho Curador da
(1984, p. 186). Durante este período, as telenovelas já representavam cerca de 70% das
exportações de emissoras da Argentina, Brasil, México e Venezuela (1984, p.187) e os índices de
audiência da programação nacional era muito superior aos índices registrados durante a audiência
de programas importados dos Estados Unidos. (1984, p.189).
Numa análise comparativa, Antola e Rogers constataram que a telenovela mexicana Os
ricos também choram obteve mais sucesso que o seriado norte-americano Dallas na maioria dos
países latino-americanos. As principais conclusões dos autores mostraram a redução da importação
e dos índices de audiência dos produtos provenientes dos Estados Unidos. Eles observaram,
também, que o México era o principal exportador de produtos da América Latina com direção aos
Estados Unidos e que a Televisa liderava o fluxo de programas gravados em espanhol. Constatou-
se, ainda, que Brasil e México lideravam as exportações na região analisada. (1984, p.199)
No final da década de 1990, Daniël Biltereyst e Philippe Meers (2000) também realizaram
pesquisa em que se analisava o fluxo e o contra-fluxo de comunicação. Nela, assinalaram o
desenvolvimento da produção televisiva local em alguns países latino-americanos e a participação
global de emissoras desta região, o que tornou ainda mais complexo o fluxo internacional de
programas. A partir deste cenário e da observação de que a telenovela estaria no centro de muitas
discussões teóricas a respeito do fluxo internacional de comunicação, os autores analisaram a
participação do gênero no mercado internacional. Dentre as principais discussões envolvendo a
telenovela, questionou-se se o contra-fluxo de programas televisivos é realmente significativo, já
que as telenovelas preenchem grades de programação em horários de baixa audiência na Europa,
exceto em Portugal. Desta maneira, Biltereyst e Meers relativizaram a teoria de crescimento do
contra-fluxo de comunicação e atribuíram à telenovela a função de preencher as grades de
programação das emissoras de países europeus.
A intensificação deste fluxo de ficção dentro da América Latina e desta região para outras
partes do mundo nos anos seguintes fez com que se multiplicassem os estudos referentes a esta
temática. Sobre a exportação da telenovela brasileira, observa-se que este tema tem sido estudado
por pesquisadores de diversas áreas nas últimas décadas. Na economia, por exemplo, se admite
que a telenovela é o gênero responsável pela internacionalização da Rede Globo. Isa Grael e
Ângela Rocha (1987: p.139) e Felipe Rizzo (2005) afirmam que a telenovela não foi importante
apenas na conquista e liderança absoluta da Rede Globo no mercado de interno, mas também
representou o grande motivador da penetração no mercado externo.
Na comunicação, Nora Mazziotti (2004, p.389) considera a telenovela como o “único
produto de reconhecimento internacional da televisão latino-americana” devido às políticas de
comercialização, à qualidade técnica e à carga de emoção das histórias narradas e, portanto,
responsável pelo seu sucesso internacional.
Para José Marques de Melo, este sucesso se deve especialmente à capacidade das
telenovelas da Rede Globo de promoverem a identificação e a participação dos telespectadores
através da linguagem coloquial, da escolha de personagens de classe média e da presença do mito
de ascensão social (1988, p.52). Ele aponta também a inovação da linguagem e os recursos
técnicos como elementos que justificam o interesse crescente em relação às telenovelas desta
emissora (1988, p.54). Além disso, nos focos dramáticos e no comportamento dos personagens
encontram-se valores universais, que podem ser reconhecidos por milhões de telespectadores
estrangeiros. “Em relação ao mercado externo, os estrategistas comerciais da Globo perceberam
três ingredientes que impressionam os telespectadores: as cenas externas, a naturalidade dos
atores e o enredo em suspense” (1988, p.55), completa.
Ainda que a exportação de telenovelas pelas emissoras latino-americanas não seja um
fato recente – o México exportou sua primeira telenovela ainda na década de 1950 – apenas nas
três últimas décadas este fluxo se intensificou. A abertura de novos canais de TV por assinatura e a
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demanda de novos produtos fizeram com que outros países da América Latina também se
lançassem no mercado internacional de telenovelas e passassem a vender para um novo mercado
consumidor na Ásia, Europa e no Oriente Médio. Assim, hoje não é possível realizar uma análise do
mercado de bens culturais sem citar o caso das telenovelas latino-americanas. Justamente por isso,
pode-se considerar este gênero como um produto transnacional, uma vez que ele superou seus
mercados locais e é consumido atualmente por um mercado marcadamente global, em que
empresas de diferentes nacionalidades se unem na realização de projetos comuns.
Para Daniel Mato (2001, p.3), o forte crescimento deste fenômeno de transnacionalização
é resultado da abertura de novos mercados. A criação de escritórios no exterior facilitou o comércio
entre os países, bem como as estratégias de contratação de elencos multinacionais e de co-
produções com participação de empresas de países diferentes, colaborando, assim, para o aumento
deste intercâmbio.
Diante deste cenário, Antonio La Pastina (2004) e Joseph Straubhaar (2004) observam
que houve uma mudança nos mercados consumidores de telenovela que antes eram lingüístico-
culturais e agora são nitidamente globais, conquistando cada vez mais novos mercados. Mas, até
que ponto a transnacionalização poderia interferir nas características mais essenciais do gênero?
Segundo Maria Immacolata Vassallo de Lopes (2004, p.18), a lógica do mercado mundial
poderia neutralizar as “características de uma latino-americanidade” e fragilizar a integração
sentimental dos países latino-americanos, estimulada anteriormente pela própria telenovela.
O processo de globalização, ao mesmo tempo em que confunde o campo de
competência dos territórios-nações, introduz um elemento de fragilidade nas
marcas de identidade cultural que neles se configuraram historicamente. A
diferença cultural, enquanto corresponde a uma identidade histórica e
geograficamente constituída, é submetida à tensão pela norma da
competitividade introduzida no mercado de bens culturais e pela forte tendência
da conquista de um público externo. A transgressão das fronteiras nacionais é
também a transgressão de universos simbólicos.
Verifica-se, portanto, que houve uma mudança de postura empresarial das emissoras
latino-americanas. Se antes as telenovelas eram produzidas visando prioritariamente o público
interno, atualmente existe uma dinâmica de comercialização voltada também para estes novos
mercados consumidores. No entanto, como lembra Nora Mazziotti, “apesar de a venda internacional
de telenovela ser o principal das exportações das empresas latino-americanas – por volta de 70%-
80% de suas vendas internacionais –, os rendimentos mais altos provêm do mercado local.” (2004,
p.388). Com isso, as empresas se vêm orientadas a competir não apenas pelo público local, mas
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também por uma fatia de um novo público telespectador que se forma, concorrendo com emissoras
de outros países.
Elihu Katz (apud Wolf, 1987, p.80), estabeleceu cinco necessidades dos telespectadores
que os meios podem satisfazer: necessidades cognoscitivas, necessidades afetivas estéticas,
necessidades afetivas em nível social e integradoras em nível de personalidade e necessidade de
evasão.
Nessa perspectiva, compreende-se, em primeiro lugar, que as telenovelas satisfazem as
necessidades cognoscitivas, já que elas são provedoras de conhecimento para o público
telespectador. Ainda que não seja perceptível a mudança de comportamento entre os
telespectadores, observa-se um consenso de que a telenovela transmite informações e que,
conseqüentemente, gera aprendizagem. Isso se verifica, por exemplo, no discurso de um dos
entrevistados, que aprendeu a respeito da imigração italiana para o Brasil, sobre a cultura
marroquina, a alquimia e a história da escravidão no Brasil através das telenovelas; ou no discurso
de outro entrevistado, que afirmou aprender através dos erros dos personagens. Além disso, a
telenovela impulsiona alguns telespectadores a buscarem informações a respeito de questões
retratadas na trama, o que contribui para a aquisição de novos conhecimentos. Dos quatorze
telespectadores entrevistados, apenas um deles relatou que não aprende nada com as telenovelas.
Em segundo lugar, as telenovelas satisfazem as necessidades afetivas estéticas ao
retratarem personagens com os quais os telespectadores se identifiquem. Verificou-se que esta
necessidade é satisfeita, pois os entrevistados reconhecem o encontro da realidade com a ficção
nas telenovelas assistidas.
A abordagem de temáticas sociais como o tráfico de mulheres, o alcoolismo e o consumo
de drogas satisfaz, de alguma forma, as necessidades cognoscitivas e afetivas estéticas. Satisfaz a
primeira necessidade porque presta informações a respeito de importantes acontecimentos sociais
e, a segunda, porque os telespectadores reconhecem os problemas retratados nas telenovelas com
os problemas sociais que ocorrem em sua sociedade.
Em terceiro lugar, as necessidades afetivas em nível social são atendidas porque o hábito
de assisti-las é capaz de reforçar os contatos interpessoais. Através da trama, aprende-se a
resolver conflitos e a tomar decisões, o que contribui para a interação entre as pessoas.
As telenovelas têm, por fim, uma função escapista e contribuem para que os
telespectadores entrevistados consigam liberar as tensões, reduzir a ansiedade e esquecer
momentaneamente os problemas.
Considerações finais
emissoras de maior audiência, pode-se observar que, entre os programas importados, destacam-se
seriados, telenovelas e filmes provenientes tanto da América Latina, como dos Estados Unidos.
Constatou-se a importância da telenovela neste país ao se verificar que ela ocupa os
horários nobres das principais emissoras. Observou-se, ainda, que o investimento na compra de
telenovelas pelas emissoras bolivianas não representa riscos econômicos, pois a importação de
programas, em geral, é mais barata do que a produção local e garante altos índices de audiência.
A análise do questionário permitiu concluir, a respeito da amostra: que as telenovelas
brasileiras são mais assistidas e mais lembradas do que as provenientes de outros países; que são
o segundo gênero mais procurado por estes telespectadores e que a Unitel é a emissora mais
assistida por este público.
A teoria dos usos e gratificações permitiu uma análise dos tipos de necessidades e
motivações dos telespectadores bolivianos de telenovelas:
• Ocorrem transformações cognoscitivas, pois os telespectadores utilizam as
telenovelas brasileiras como uma fonte de informação. Através delas, se informam,
observam outras formas de cultura, copiam modelos de conduta e aprendem com
os erros dos personagens.
• Por meio dos dados e das temáticas exibidas nas telenovelas, abre-se um novo tipo
de problemática social a ser discutida entre os telespectadores; as telenovelas
oferecem repertório para conversas entre familiares e amigos.
• Existem diferentes usos das telenovelas, dependendo do país de sua origem, do
tipo de narrativa apresentada e do público telespectador. Nas telenovelas
brasileiras, por exemplo, a função informativa foi a mais destacada. No caso das
telenovelas colombianas, a função de evasão foi mais ressaltada.
• As telenovelas brasileiras também são procuradas como uma forma de se fugir da
realidade e de entrar num mundo irreal, em que a ficção se transforma na principal
maneira de gastar o tempo ocioso.
• Foram registradas mudanças de comportamento relacionadas, principalmente, à
adoção de moda de vestuário pelas mulheres.
• As telenovelas de horário nobre contribuem para que os familiares se reúnam,
criam um hábito comum entre eles e organizam a rotina dos telespectadores. Estes
cumprem as mesmas tarefas e assistem aos mesmos programas diariamente, de
maneira que existe uma repetição na ordem de seus afazeres neste período do dia.
dava da América Latina em direção aos países de culturas mais próximas, aos poucos ocorreram
mudanças que transformaram este fluxo.
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