São Paulo
Agosto de 2006
Vertamatti, Leila Rosa Gonçalves
V567a
Ampliando o repertório do coro infanto-juvenil: Um estudo de repertório inserido numa nova estética / Leila
Rosa Gonçalves Vertamatti. - São Paulo: [s.n.], 2006.
296 f.
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CDD–784.94
780.7
LEILA ROSA GONÇALVES VERTAMATTI
BANCA EXAMINADORA
2º Examinador .........................................................................................
3ºExaminador ..........................................................................................
incondicional.
Muitos foram os que caminharam comigo durante o tempo deste estudo. Os agradecimentos manifestam o meu
À minha grande amiga e orientadora, Profa. Dra. Marisa Fonterrada, que não só me guiou para que conseguisse
Aos compositores Jean-Yves Bosseur, Álvaro Borges, Arthur Rinaldi e Sergio Leal,
Aos compositores, educadores e pianistas que enriqueceram a pesquisa com suas sugestões,
Aos monitores, Samatha, Milka,Geraldo Neto, Vera, Wasti e Simei, pela ajuda e incentivo.
Aos monitores e cantores do CatorIA ao longo desses anos, que colaboraram com seus depoimentos.
Ao Prof. Dr. Alberto Ikeda, pelo constante incentivo e auxílio sempre que precisei.
A Lutero Rodrigues, professor e amigo, que com paciência me auxiliou nas minhas dificuldades.
Aos meus amigos do OMNES, pela amizade, apoio e paciência e também às amigas de sempre Bia e Cláudia.
Ao Colégio São José pelo encontro do Grupo CantorIA, no sítio Santo Antonio.
Ao Instituto de Artes da UNESP, que tem acolhido o Projeto Educação Musical pela Voz há vários anos.
À Maria Apparecida Marcondes Bussolotti, que me ajudou nas correções e formatação finais.
À Grande Mestra Beatriz Balzi, responsável por me introduzir no universo da música contemporânea, que continua viva
Em especial, ao grupo CantorIA, que aceitou o desafio de passar por esta experiência.
O menino que carregava água na peneira
água na peneira.
RESUMO
Nesta pesquisa pretende-se introduzir repertório vocal, que envolva parâmetros musicais não
vivenciados pelos grupos corais infantis ou infanto-juvenis. Hoje na cidade de São Paulo, a maior
parte desses coros dedica-se a um repertório mais ou menos restrito. A comprovação dessa hipótese foi
feita pela análise de programas de concerto e por informações fornecidas por alguns regentes a
respeito do trabalho coral realizado em seus coros. Mediante a comprovação da restrição, acredita-se
que a produção musical vivenciada por esses grupos fornece uma visão unilateral da música. O
objetivo desse estudo é aproximar a prática coral do sujeito da pesquisa, a um tipo de repertório
musical que utiliza organizações harmônico-melódicas até então desconhecidas pelo grupo. Esperou-
se com isso que a forma e atitude de escuta fossem modificadas e a lacuna existente entre compositor e
prática educativa, minimizada. Como fundamentação, partiu-se da idéia de música como linguagem,
seguindo os pressupostos teóricos de GADAMER e MERLEAU-PONTY em que a linguagem é vista pelo
prisma de seu uso pelo falante. O suporte pedagógico foi encontrado no compositor GUY REIBEL que
aponta para a lacuna existente entre a prática musical estudantil e profissional e a produção de música
contemporânea. Na área vocal, a pesquisa foi amparada pelos trabalhos de SHARON MABRY e BRIGITTE
ROSE. A pesquisa é qualitativa participativa de caráter intervencionista e privilegiará a descrição, a
análise e a interpretação de dados. Dessa reflexão e de sua aplicação no trabalho prático, percebeu-se
que há envolvimento e comprometimento do coro com o repertório selecionado e que já se notam
mudanças na atitude de escuta do grupo, necessárias à sua execução.
A atividade como docente foi iniciada bem cedo e durante essa trajetória houve
Paralelamente, prosseguia nos estudos de piano, tendo sido aluna de Beatriz Balzi, que
então pouco conhecido, aumentava à medida que entrava em contato com obras e
UNESP.
No entanto, ao confrontar este repertório com o que meus alunos vivenciavam, não
Esse vácuo detectado na experiência de meus alunos, porém, não se restringia a uma
partir do século XX e XXI, neles contida, é muito menor do que o repertório composto em
épocas anteriores, denotando, por parte dos praticantes de música, um afastamento em relação
a essas práticas. Esse fato, de início observado informalmente, aponta para a desigualdade no
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Música Contemporânea: O termo “música contemporânea” dá margem a várias interpretações, podendo-se incluir nele o
repertório de música popular, inclusive, uma vez que contemporâneo significa do nosso tempo; dentro desse rótulo portanto
convivem as mais variadas tendências estéticas. No entanto, neste trabalho, a utilização do termo estará em consonância com
o uso que dele faz Guy Reibel, ou seja, como designativo de obras do período da história da música em que o sistema tonal é
ampliado, gerando a prática de novas técnicas composicionais, mudanças na maneira de execução instrumental e uso da voz,
interesse por materiais musicais extras ocidentais, pelo ruído, e pela ênfase dada ao aspecto timbrístico, entre outros. Essas
técnicas permitiram uma abordagem diferente do fenômeno sonoro e nas formas de organizá-lo, gerando uma grafia musical
adaptável a essas produções, uma vez que a notação tradicional já não era suficientemente ampla para dar conta de todas as
nuanças sonoras em uso no período.
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não ocorria. Embora fossem casos particulares, não podendo ser tomados como regra geral,
obserou-se que essa prática, entre outros fatores, devia-se a propostas educacionais de alguns
com quem trabalhavam, como técnica vocal aplicada a crianças e jovens em processo de
como: GEORGE SELF, JOHN PAYNTER e MURRAY SCHAFER, entre outros. Esses músicos demonstram
oportunidade de acompanhar durante dois meses o trabalho vocal realizado por BRIGITTE ROSE
porém, mostram um outro ângulo da prática musical, mais abrangente do que a usualmente
encontrada no Brasil.
música tonal, ao repertório de MPB (Música Popular Brasileira) e à música étnica, e meus
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próprios interesses musicais, que se mostravam em minha atuação como pianista e estudante
melódicas, rítmicas, para eles não usuais, dentro da prática coral, mudando, conseqüentemente, sua
no repertório trabalhado pelos coros, foi realizada uma enquete com vários regentes corais de
musical não é vivenciada por esses coros em todas as suas modalidades. A questão que se
pretende discutir neste espaço é que essa produção representa apenas parcialmente a
linguagem musical, sendo que os procedimentos que não fazem parte desse universo, em
linguagem musical.
Na aplicação prática com o grupo-sujeito desta pesquisa, como meio de ampliar sua
experiência e lhes dar oportunidade de conhecer outros sistemas musicais, foram empregados
Esse tipo de repertório envolve alguns procedimentos não usuais à prática coral
vivência de acordes não triádicos, o uso melódico de intervalos não usualmente empregados
no repertório tradicional nomeado, o emprego de ruído, além da exploração de maneiras não
usuais de emissão da voz, como o Sprachgesang, entre outros. Supõe-se que, pela prática
desse repertório, os coros possam ampliar sua capacidade de escuta, uso da voz, e
Entendendo o coro como processo educacional, ou seja, que a prática vocal é uma
ser apresentada e vivenciada em ampla diversidade, com seus vários estilos e modalidades,
seja ela tonal, modal, atonal ou eletroacústica. Somente por meio dessa ampla vivência, será
possível que os jovens cantores tenham uma visão global e profunda compreensão desta
linguagem.
o às mudanças na escuta e no uso da voz, originadas pelo estreito contato com a prática
desse repertório.
CONCLUSÃO
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surgiram a partir da hipótese, comprovada no primeiro capítulo, de que grande parte dos coros
infantis e infanto-juvenis de São Paulo se atêm a uma prática restrita à música tonal. A
comprovação dessa hipótese trouxe à tona a discussão sobre o distanciamento existente entre
prática coral e a produção de música contemporânea. A existência dessa lacuna abriu espaço
o Se a prática desse tipo de música levaria a uma mudança na atitude de escuta dos
A primeira dessas questões não poderia ser respondida sem a eficácia da segunda. As
idéias de REIBEL, PAYNTER, SCHAFER, ROSE E MABRY foram norteadoras para que esta experiência
pensamento de REIBEL (1984), da longa prática do ensino restrita à música tonal que faz que os
contemporânea, muitas vezes, não utiliza os mesmos códigos do sistema tonal, outras vezes os
não deixando dúvidas de que elas foram muitas. Por esse motivo, o Grupo CantorIA sentiu
possam dar sentido a essa música. O conseqüente resultado é o afastamento dessa abordagem
REIBEL (1984), desenvolve em seu estudo, a idéia de que para que a aproximação entre
específicas de atuação de ambas as áreas, que se forneçam “chaves de escuta” para que a
música inserida na estética contemporânea possa ser compreendida por quem a pratica.
Ao analisar a segunda parte deste estudo vê-se que a teoria de REIBEL tem fundamento.
as capacidades especificas por elas trabalhadas foram sendo assimiladas, tornando possível
sobrepor e justapor várias delas. Fica evidente em cada item do segmento que as estratégias
serviram como “chaves de escuta” às obras trabalhadas, fazendo que a porta da compreensão
realizadas de forma rápida e com um mínimo de dificuldade. Pelo fato de o grupo ter passado
passadas, para que o coro percebesse e entendesse o que estava sendo pedido no presente, à
O exemplo mais evidente desse fato foi a prática realizada com a peça Der Nordwind
(MELLNÄS). A primeira experiência foi longa e cansativa com resultados frustantes, a segunda,
porém, sucedeu em um único ensaio com pouco esforço e com resultados bastante
satisfatórios.
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São alguns resultados que demonstram que a experiência realizada com o CantorIA
interferiu na maneira de escuta de cada um dos cantores, auxiliou na compreensão musical das
obras praticadas e, certamente, de obras futuras. Mostram, ainda, que as estratégias foram
eficazes para o contato intenso das obras e finalmente, que é possível desenvolver a prática da
música contemporânea no CantorIA, e que ela pode servir de inspiração e discussão à pratica
de outros coros.
alguns pontos.
para que a linguagem musical seja vivenciada na sua totalidade. Por esse motivo, no decorrer
do processo abriu-se uma brecha para que a vontade do grupo fosse satisfeita, mesmo que
moderno, pois ela representa a maior parcela da música veiculada nos meios de comunicação.
apontam para o fato de não gostarem das músicas do “repertório novo”, assim por eles
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denominado, e não se sentirem atraídos por elas, porque se sentem confortáveis cantando a
conhecimento e de enfrentar desafios. Isso só foi possível devido ao laço existente entre grupo
e pesquisadora. Esse vínculo fez que o trabalho se tornasse importante. Eles próprios fazem
essa declaração durante os depoimentos, afirmando que apesar de no início não gostarem das
respeito muito forte com a pesquisadora. Paralelamente, a amizade entre os colegas fez que a
caminhada se tornasse interessante. Esse fato tem relevância, pois não foi a imposição o
veículo de condução do processo, mas a exposição das idéias, das propostas e da importância
que elas representavam tanto para a pesquisadora como para a vivência do grupo. Dessa
maneira, os cantores decidiram embarcar na viagem. Além disso, o respeito pelos colegas e a
Outro ponto a ser considerado é que muitas músicas contemporâneas são de grande
ouvido tonal não está acostumado. A condução melódica, rítmica e harmônica, por vezes,
escapa à compreensão imediata. É preciso tempo para assimilá-las. Isso faz que o resultado
final demore a ser alcançado, podendo ser um dos motivos de serem substituídas por obras
dificuldade das obras, mas, olhar os atuais resultados, sentem-se orgulhosos de terem
superados muitos dos desafios. Ao cantar o repertório proposto sentem-se valorizados como
cantores e como pessoas, pois todos têm consciência de sua complexidade e sentem-se
satisfeitos com o sucesso que vêm alcançando. Eles declaram que, quando lembram da
dificuldade inicial e comparam-na com o resultado atual, percebem que muito foi superado.
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Vários dos integrantes afirmam que com o tempo passaram a gostar das músicas e a sentir
trabalho, que é o de pesquisador e sujeito da pesquisa caminharem lado a lado para discutirem
procedimento foram;
resultados alcançados.
flua.
colocando-se como uma pessoa que tem experiências diferentes das do grupo,
relacionado à aplicação pedagógica dos elementos contidos nas obras selecionadas, como
apresentá-los de maneira que etapas não fossem excluídas, como modificá-los a partir dos
como regente, pois várias das obras apresentavam desafios relativos ao gesto de regência.
coral do CantorIA, acredita-se que avanços foram conseguidos, no entanto, para que se torne
uma prática freqüente é necessário uma efetiva integração entre compositor e coro infantil e
infanto-juvenil. É necessário que o compositor conheça o grupo antes de escrever para ele,
conheça seus limites, possibilidades, faixa etária, nível técnico, recursos disponíveis, tempo
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de ensaio, tudo enfim que subsidie o sucesso interpretativo da composição. Mesmo diante de
vocal de um compositor.
Apesar do interesse do grupo por esse tipo de música não ter crescido enormemente,
como se esperava à princípio, acredita-se que a experiência tenha aberto janelas para os
jovens e crianças que dela participaram, tornando-os receptivos a uma gama maior de
sonoridades do que um grupo restrito a uma única estética musical. Além disso, o conceito de
linguagem musical foi ampliado, ficando esse aspecto evidente na prontidão que demonstram
Acredita-se que a prática coral seja um processo de Educação Musical que possibilita
o indivíduo entrar em contato com a música por meio da voz. Dessa maneira, voz e linguagem
musical devem ser tratadas de maneira ampla e profunda. A experiência com o Grupo
gosto, seja na compreensão da linguagem musical, seja na interação das várias artes e de