Resumo
O presente artigo analisa as motivações alegadas pelos 511 deputados federais presentes
na sessão para a votação pela admissibilidade do impeachment da presidente Dilma
Rousseff ocorrida na Câmara dos Deputados em 17 de abril de 2016. A metodologia é a
análise de conteúdo das falas dos deputados, de acordo com os parâmetros de
categorização e codificação descritos por Bardin (2011). O estudo encontrou como
resultados referências a regiões de origem dos deputados votantes; valores
conservadores, como pátria, Deus e decência; e aspectos legais do processo de
impeachment, com citações à Constituição Federal, legalidade e justiça. À luz dos
conceitos de política, da relevância dessa votação para o cenário político contemporâneo
no Brasil, da atual indefinição da situação da presidente da república eleita e frente ao
governo interino, observa-se a importância da realização desta pesquisa.
Introdução
O cenário político brasileiro tem sofrido consideráveis mudanças nos últimos
meses. A reeleição da presidente Dilma Rousseff em outubro de 2014 com 61,54% dos
votos válidos acirrou o debate na sociedade, dividida entre os dois candidatos do
segundo turno, aumentando a presença de grupos contra e a favor do governo nas
manifestações sociais nas ruas do país, os “vermelhos”, favoráveis à presidente Dilma
Rousseff, e os “verde e amarelos”, contrários ao governo atual, à medida que a crise
econômica se intensificou e que investigações conduzidas pela Polícia Federal
encontraram inúmeras organizações públicas e privadas participantes de esquemas de
corrupção. Em 17 do abril de 2016, devido à alegação de crime de responsabilidade
fiscal, conhecido popularmente de “pedaladas fiscais”, presente no relatório do
1
Trabalho apresentado no GP Políticas e Estratégias de Comunicação, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em
Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP, bolsista CAPES, e-mail:
tariana@gmail.com
3
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP, bolsista CAPES, e-mail:
simonecarvalho@usp.br
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Categorias de análises
A análise de conteúdo, segundo Bardin (2011), pode ser realizada por meio da
classificação analógica e progressiva dos elementos, trabalhando com atenção às
palavras, sentenças e seus significados, nas fases de pré-análise, exploração das
informações e interpretação dos resultados. Assim, construíram-se as categorias e
analisaram-se todas as falas dos 511 deputados votantes (CÂMARA, 2016) permite a
observação de 11 categorias:
A. Aspectos legais: a categoria inclui intenções expressas contra a corrupção, crimes,
ladrões etc.; menções à inocência da presidente em relação aos crimes alegados no
relatório encaminhado para a admissibilidade do impeachment; menções à
legalidade, incluindo Constituição de 1988, direitos, resultados legítimos das
eleições presidenciais; justiça, incluindo citações ao juiz Sérgio Moro, à chamada
República de Curitiba e à operação Lava-Jato, da Polícia Federal; afirmações contra
golpe de estado; a favor da liberdade; e referências contra a ditadura militar de
1964.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
A7 - Contra a
Categoria A - Aspectos legais ditadura militar de
1964
A6 - Liberdade 2,07%
4,15%
A1 -
A5 - Contra a
Contra corrupção
golpe 27,20%
22,02%
A4 - Justiça A2 - Inocência /
6,22% Honestidade
A3 - Legalidade
28,50% 9,84%
B2 - Trabalhadores
45,67%
C3 - Tendência
C5 - Em nome de 3,19%
personalidades C4 - Partidos
mortas políticos
12,41% 8,16%
Figura 4 – Categoria C – Aspectos políticos
D3 - Indústria
1,32%
D2 - Futuro melhor
64,24%
E4 - Povo
brasileiro E1 - Pátria
29,13% 38,99%
E3 - Deus
16,51%
E2 - Família
12,16%
Figura 6 – Categoria E – Valores conservadores
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Categoria F - Regionalismo
F2 - Cidade
30,65%
F1 -
Região
e Estado
69,35%
G3 - Grupo social
2,16% G1 -
G2 - Profissão Familiares
10,39% 64,94%
Eduardo cunha foi o político com maior rejeição expressa pelos deputados,
com 41,67% das referências à categoria “H – Contra políticos e partidos”, seguido por
Michel Temer, com 20,37%. A presidente Dilma Rousseff aparece em terceiro lugar nas
menções negativas a políticos, com 17,59%, seguida pelo ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, com 5,56%. Menções contra o Partido dos Trabalhadores (PT) aparecem
em quinto lugar, com 11,11%, seguidas de referências negativas a Aécio Neves
(1,85%), o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (0,93%), e ao
governador em exercício do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles (0,93%), como indica a
figura 9.
H3 - Contra
Temer
20,37% H2 - Contra
Cunha
41,67%
I2 - Contra Folha
I1 - Contra Globo
de S.Paulo
50,00%
50,00%
J1 - Contra
impeachment
40,00%
J2 - A favor do
impeachment
60,00%
100%
Considerações finais
A forte prevalência das referências às cidades, aos estados e às regiões de
proveniência da base eleitoral dos deputados votantes, que mandam abraços e
lembranças aos seus conterrâneos ou às terras que os adotaram politicamente, bem
como a presença marcante dos valores conservadores, entre eles a pátria, a família, a
decência e sobretudo à pretensa vontade de Deus e em homenagem aos mais diversos
grupos religiosos e igrejas, remete ao estilo coronelista tradicional de gestão da política
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
brasileira. Isso pode mostrar que a nossa jovem democracia ainda está demasiadamente
vinculada aos seus vícios mais que aos valores democráticos que almeja.
Os aspectos legais, que deveriam reger a fala dos deputados em se tratando de
admissibilidade do processo de impeachment aparecem em terceiro lugar, seguidos
pelos aspectos políticos, com motivos como a determinação do partido por uma posição
ou em respeito aos eleitores de modo geral, que repete o traço coronelista, também
presente nos aspectos pessoais, com representatividade significativa, em que os
deputados se empenham a dar nome aos mais diversos parentes e amigos a quem
dedicam seus votos.
Já os aspectos econômicos e sociais, que poderiam ter mais relevância em se
tratando da avaliação pública que fizeram os deputados sobre o governo de Dilma
Rousseff na oportunidade, tiveram menor relevância percentual que as demais
categorias citadas.
Sobretudo, não se pode furtar a ressaltar a pequena, mas preocupante presença
de menções favoráveis à ditadura militar implantada em 1964 no Brasil e uma chocante
e lamentável homenagem ao torturador da presidente da república quando de sua
detenção no período.
Esse artigo analisou os discursos da sessão de votação pela admissibilidade do
impeachment realizada na Câmara dos Deputados em 17 de abril de 2016, e esta foi
seguida da votação no Senado Federal, oferecendo mais material para diversas análises
que enriqueçam a pesquisa científica no campo da comunicação política no Brasil.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro. São
Paulo: Edições 70, 2011.
MAAR, Wolfgang Leo. O que é Política? 20a ed. Brasiliense: São Paulo, 2006.