A globalização económica tem levado recentemente à discussão sobre a globalização cultural, a cultura de massas
e o fim das identidades locais, regionais e nacionais. Simultaneamente assistimos a reacções contrárias a estes
movimentos que têm levado à afirmação cada vez mais vincada de determinados valores culturais próprios.
Após as ideias de uma arquitectura internacional, defendidas pelo Movimento Moderno, por exemplo, surgiram
uma série de regionalismos mais ou menos críticos que não são de forma alguma movimentos únicos da
arquitectura, mas transversais às outras artes. Defendiam a valorização da cultura popular e da identidade local
enquanto fonte de inspiração à produção cultural.
Não é possível hoje criar sem uma profunda consciência do nosso contexto específico, seja ele geográfico, físico
ou cultural. Não é igualmente possível compreender esse contexto sem ser à luz daquilo que se passa em todos
os outros contextos, ou seja, no contexto global.
O contexto é assim hoje um elemento fundamental de estudo em diversas áreas. O contexto imediato da
arquitectura é, normalmente, a cidade. Compreender a cidade enquanto reflexo de uma determinada sociedade
é também uma forma de conhecermos o nosso contexto.
Este trabalho assenta assim num estudo do contexto urbanístico, simultaneamente global e local, como ferramenta
essencial para uma formação em arquitectura. O contexto global traduz-se pela primeira parte do trabalho no
estudo da cidade e sociedade contemporâneas, tendo como ponto de vista específico os fenómenos de urbanização
difusa. O contexto local traduz-se pela segunda parte no estudo de um fenómeno urbano específico. Como
conclusão ensaia-se uma terceira parte onde se procura retirar algumas reflexões sobre os temas apresentados.
Docente Acompanhante:
Prof. Cat. Manuel Fernandes de Sá
Prova Final
para Licenciatura em Arquitectura
3
ABSTRACT
Este trabalho surge na sequência da investigação efectuada no âmbito do semi-
nário de urbanismo do 6º ano da FAUP, orientado pelo Prof. Cat. Manuel Fernandes
de Sá, sobre a problemática da cidade contemporânea e da cidade difusa. O trabalho
procura compreender as novas formas de cidade existentes, analisando para isso um
fenómeno particular: a estrada mercado com os seus tipos arquitectónicos específicos
– os edifícios montra. Partindo da investigação efectuada no seminário, procurou-se
por um lado contextualizar e por outro aprofundar e sistematizar o estudo realizado
e, em consequência, produzir uma reflexão sobre a condição da arquitectura e dos
tipos arquitectónicos na nova realidade territorial.
O trabalho organiza-se em três partes, que nos pareceram corresponder a uma
sequência natural de investigação. São as seguintes: compreensão da actualidade,
análise de uma realidade concreta e finalmente a reflexão. Na primeira parte, intro-
duz-se o panorama da nova realidade territorial (cidade difusa e cidade contemporâ-
nea), e apresentam-se outros temas que permitem a sua compreensão e contextuali-
zação: as alterações económicas, sociais, políticas e tecnológicas que a determinam. A
cidade contemporânea na sua complexidade e heterogeneidade é assim o assunto de
estudo. Como manifestação mais clara desta realidade aparecem os fenómenos de
dispersão urbana, estudados inicialmente de uma forma genérica, e posteriormente
na especialidade – no caso concreto da rurbanização (ou urbanização rural difusa) e
dos distritos industriais. A segunda parte do trabalho debruça-se sobre a análise do
objecto de estudo – a estrada mercado e o edifício montra – enquadrando-o para isso
na análise do contexto territorial: o distrito industrial do Vale do Sousa na sua relação
5
com a cidade região do Porto. O concelho de Paços de Ferreira por ser a envolvente
ao objecto de estudo, é também alvo de um exame ao nível geográfico, histórico,
económico, social e finalmente, territorial. Os conceitos: estrada rua, estrada urbani-
zada e estrada mercado; enquadram a análise da estrada em estudo (EN207). Final-
mente para o estudo tipológico, introduziu-se algum enquadramento teórico sobre o
tema e uma breve definição do tipo «edifício montra». Seguem-se a caracterização
arquitectónica do fenómeno e finalmente a sua classificação e distribuição tipológica.
A terceira parte do trabalho procura fazer, como conclusão, uma reflexão geral sobre:
a condição da arquitectura na cidade difusa, o funcionamento desta ao nível das
relações entre edificado e espaço livre e o papel do edifício montra na disciplina.
6
ÍNDICE
INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 11
I – DA CIDADE AO URBANO
3. CONTEXTO ................................................................................................................... 47
3.1 Vale do Sousa ....................................................................................................................47
3.2 Paços de Ferreira ...............................................................................................................55
3.3 Território de estudo ............................................................................................................65
4. ESTRADA MERCADO................................................................................................... 81
4.1 Definição de conceitos.......................................................................................................81
4.1 Caso de estudo ..................................................................................................................88
7
III – CONDIÇÃO DA ARQUITECTURA
CONCLUSÕES...................................................................................................................... 163
ANEXOS
Inquéritos os proprietários ........................................................................................................... 167
Inventário de todos os edifícios montra estudados .................................................................... 171
8
(…) não se pode observar uma onda sem ter em conta os aspectos complexos que
concorrem para a sua formação e aqueles outros, igualmente complexos, a que essa
mesma onda dá lugar. Estes aspectos variam continuamente, pelo que uma onda é
sempre diferente de uma outra onda; mas também é verdade que cada onda é igual a
uma outra onda, mesmo que não seja aquela que lhe é imediatamente contígua ou
sucessiva; em resumo, existem formas e sequências que se repetem, ainda que
irregularmente distribuídas no espaço e no tempo.
9
INTRODUÇÃO
As sociedades contemporâneas introduziram novas práticas de ocupação do
espaço que conduziram a uma maior complexidade e especialização nas formas e no
funcionamento da cidade. A cidade difusa é uma expressão disto. Surge com a explo-
são das cidades e a invasão das zonas tradicionalmente rurais pela vida urbana.
Criam-se novas condições e novos tipos urbanos, com diferentes modos de funcio-
namento. O campo de estudo deste trabalho é a cidade difusa enquanto área da
investigação urbanística.
A complexidade resultante das novas formas urbanas da era pós-industrial (por
contraponto à unidade, clareza e continuidade da cidade antiga e moderna) incita
por vezes certos discursos, que acusam tais tipos de cidade de representarem o caos,
a falta de ordem ou mesmo a má forma urbana. Este discurso é proveniente da
incompreensão dessa mesma complexidade. O que acontece na verdade é o assomar
de uma outra espessura urbana e de diferentes modos de organização, ainda pouco
compreendidos. Quando se estima que mais de metade da população do planeta viva
em cidades1, os territórios periféricos de dispersão urbana tornam-se cada vez mais
representativos e importantes, reclamando uma maior atenção. Paralelamente a isto,
assistimos na sociedade em geral a uma crescente consciencialização para os proble-
1. João Ferrão, «Intervir na Cidade: Complexidade, Visão e Rumo», in João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas
Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003
11
mas do planeamento urbano e do ordenamento do território (uma vontade de con-
trolar, prevenir, planear e projectar o ambiente urbano), associada a um despertar
para a valorização e reabilitação do património edificado. Esta atenção para com o, já
amplamente reconhecido, património – as cidades antigas e os centros históricos –
provoca normalmente o desprezo pela outra cidade – a «cidade emergente». A con-
sequência é visível: má qualidade do ambiente urbano nos espaços onde vive a maio-
ria da população. Compreender a cidade contemporânea, quer pela complexidade
que esta demonstra, quer pela possibilidade de intervenção (mesmo que seja só no
campo do projecto arquitectónico), torna-se portanto essencial para quem estuda
arquitectura.
12
Estudar este fenómeno implica, antes de mais, uma compreensão do seu enqua-
dramento territorial, social e económico. Para isso, o estudo do fenómeno urbano é
introduzido por uma reflexão alargada a propósito desse enquadramento territorial,
mas também por uma observação histórica e socio-económica (do Vale do Sousa e
Paços de Ferreira). Como complemento à análise, alargou-se a investigação às outras
duas estradas nacionais do concelho (EN209 e a EN319) e respectivas envolventes
próximas, pela semelhança de fenómenos e pela proximidade geográfica. Conside-
rou-se como território de estudo a envolvente à EN207 no concelho de Paços de Fer-
reira. São apresentados em anexo, os inquéritos aos comerciantes realizados durante
o seminário que contribuíram para uma mais completa compreensão do fenómeno.
13
Para cumprir o primeiro pressuposto – compreensão e explicação de uma
determinada realidade – é requerido um olhar intrigado, mas também imparcial e
descomplexado sobre esta2. Segundo Venturi “a suspensão do juízo pode usar-se
para formar logo um juízo mais sensato”. À complexidade das cidades contemporâ-
neas (que as torna de difícil compreensão), têm de responder os estudos urbanos com
maior profundidade e densidade. O conhecimento da realidade é fundamental sobre-
tudo no campo da intervenção. É necessário, segundo Távora, conhecer o existente
“tão intensamente que conhecer e ser se confundem”3. Para ele, na intervenção “a
dificuldade da posição a tomar está exactamente em saber que porção da circunstân-
cia haverá que seguir e que porção haverá que esquecer ou mesmo contrariar”. Isto é,
“o espaço organizado não é apenas condicionado, mas é também condicionante”. Só
a atitude mais descomprometida possível (mas não insensível) pode levar ao conhe-
cimento. E é só com base neste conhecimento que podemos alcançar o segundo pres-
suposto – a definição de objectivos operativos. Isto é, a tomada de posição.
O objectivo geral do trabalho é então, por um lado compreender o funcionamen-
to da cidade contemporânea e da cidade alargada através de um exemplo particular,
e por outro, retirar algumas conclusões sobre a condição contemporânea da arquitec-
tura nesta forma de cidade. Do particular pode-se explicar o geral. A compreensão da
origem e funcionamento destes tipos pode permitir perceber melhor o funcionamen-
to da cidade difusa em geral. Procura-se portanto dar um contributo à compreensão
desta realidade, através do estudo de um fenómeno particular. Adicionar a toda
investigação desenvolvida sobre a matéria, a documentação de mais um fenómeno
(pouco estudado) e a aproximação à escala da arquitectura e da sua relação com os
espaços livres (públicos e privados). Tendo esperança de que o mesmo contribua
para a compreensão do todo, que é a cidade actual.
A estrada mercado comporta um forte potencial de intervenção, pelo que o seu
estudo serve não só para compreende-la, como também para alimentar futuras pro-
postas de intervenção. Por outro lado, procura-se estudar de que modo é que os tipos
2. “Aprender da paisagem existente é a forma de ser um arquitecto revolucionário (…) de um modo distinto, mais tolerante:
pondo em questão a nossa maneira de ver as coisas (…) Os arquitectos perderam o hábito de olhar à sua volta imparcialmen-
te, sem pretender juízos de valor”. Robert Venturi, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el
simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2004 (tradução livre)
3. Fernando Távora, Da organização do espaço, Publicações FAUP, Porto, 1999
14
arquitectónicos excepcionais são responsáveis pelo novo formato de cidade, que
novidades trazem estes programas à disciplina da arquitectura e de que maneira
podem ser geradores de alguma urbanidade. A compreensão do fenómeno edifício
montra implica o estudo da arquitectura da cidade difusa em geral, levantando
algumas questões: que influência tem a cidade difusa na arquitectura? Há uma arqui-
tectura própria desta? Que implicações tem este modelo urbano no modo de fazer
arquitectura contemporânea e de que maneira isto pode implicar considerações no
método projectual? Isto é, de que forma pode a arquitectura responder a este contex-
to diferente – a uma envolvente não só híbrida, mas em constante mutação?
15
1. CIDADE CONTEMPORÂNEA
Passámos da era industrial à era digital. Na era da globalização, da liberalização
e abertura dos mercados, da informação e do marketing, as novas formas de vida e de
organização económica e social trazem inevitavelmente novas formas de organização
do espaço. A comunicação global e a aceleração da mobilidade são provavelmente as
marcas mais importantes na transformação das sociedades de hoje. São responsáveis
directos pela transformação radical das formas urbanas e revolucionaram as relações
entre as pessoas, destruindo as distâncias e aproximando virtualmente os pontos no
mapa. No mundo de hoje, as distâncias já não se medem em metros e quilómetros
mas em minutos e horas. É cada vez menos importante o sítio concreto onde estamos,
e mais os meios de deslocação ou de comunicação a que temos acesso.
Toda esta revolução tecnológica vai ter efeitos importantes na forma de organi-
zação dos espaços urbanos. Assistimos a uma transformação urbana historicamente
inédita. A relativização do lugar geográfico e a crescente urbanização do mundo
fazem com que a cidade esteja em todo lado. Depois de séculos de êxodos rurais para
as cidades, dá-se uma transformação que inverte o ciclo. É a cidade que vai ao cam-
po. As cidades começam por crescer para fora dos antigos e estabelecidos limites. Dá-
se a chamada explosão das cidades. Propagando-se de forma espontânea pelo espaço
circundante e pelas suas vias de acesso, elas vão ocupando cada vez mais território
até se unirem em conurbações que se vão tornando cada vez maiores. Perde-se a
noção de limite – aparecem os chamados territórios de urbanização difusa. E, da
cidade que cresce inicialmente por continuidade, em substituição ao campo passa-
mos à uma urbanização de outros territórios, como é o caso dos territórios rurais, já
17
não por substituição, mas por mutação. Mantendo-se virgens por séculos, ou numa
ocupação rural dispersa que servia especialmente o sector primário, estas áreas vão
rapidamente industrializar-se e transformar-se também elas em espaços urbanos, se
bem que de outro tipo. E a velha estrutura rural passa a servir uma função comple-
tamente diferente. Esta cidade que se forma nem é cidade como a conhecemos, nem é
campo: é um novo tipo de espaço. Uma cidade difusa, expandida, alargada. Que não
foi feita do nada, mas que é o resultado da urbanização do campo e da expansão da
outra cidade, e que mistura os velhos hábitos seculares e tipos rurais com as particu-
laridades mais recentes do mundo pós-industrial. Esta mistura cria um novo estado
que não é já nem uma coisa nem outra. É um modelo diferente. A cidade foi ao cam-
po, e este acontecimento é irreversível. Nunca mais teremos os estados anteriores:
“sem dúvida que a urbanização não é contínua e que pôde e poderá conhecer pausas
e retomas. No entanto, não existe exemplo histórico de sociedades ou de civilizações
que tenham sobrevivido a uma «desurbanização».”4
4. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998
5. Jean Baudrillard, Simulacros e simulação, Relógio d’Água, Lisboa, 1991 – 1ª Edição 1981
18
temporânea. Em contacto com esta realidade não experimentamos o real mas o vir-
tual, o simulacro, aquilo a que ele chama o «hiper-real». Na «hiper-realidade» vive-
mos de certa forma alienados pelo consumo e pela publicidade. Numa etapa de capi-
talismo avançado e de liberalismo económico, a sociedade torna-se cada vez mais
numa sociedade do consumo. A sedução da publicidade é cada vez mais forte e vio-
lenta. Na sociedade contemporânea é imperativo consumir. O consumo não advém
de uma determinada necessidade, passa a ser necessidade e, de certa forma, condição
de felicidade. Vivemos assim também, segundo Guy Debord6, na sociedade do espec-
táculo, onde os media cumprem o seu papel alienador.
A sociedade do consumo tem como materialização espacial urbana uma série de
diferentes edifícios comerciais, sendo as catedrais contemporâneas os shoppings. Íco-
nes da era, homenagens ao consumo, fascinam e atraem para ele. A diversidade e
originalidade de produtos, as cores, as imagens, a publicidade, exercem poder sobre
as pessoas, atraindo e alienando. Como uma crença, consumir torna-se não só uma
condição de felicidade como de aceitação social, sendo quase impossível viver sem
consumir. O consumo já não segue as necessidades, ou pelo menos as mesmas de
antes, (pois até aquilo que é uma necessidade é algo de difícil definição). Consumir
torna-se uma necessidade. Os shoppings, hipermercados, grandes armazéns, lojas
especializadas, e outro tipo de equipamentos comerciais concentrados tornam-se
assim, necessariamente os novos espaços públicos, neste caso colectivos, uma vez
que são de propriedade privada, apesar de serem de uso público. O individualismo e
a competitividade são explícitos nas novas formas de vida urbana – a imensa procura
pela habitação de tipo unifamiliar isolada e a fuga a modelos de vida mais colectiva e
partilhada com os vizinhos. Os novos modos de vida, e sobretudo a sua diversidade
(são disto exemplo os novos tipos de família), são características fundamentais da
cidade hoje. Actualmente as relações sociais são feitas por razões de interesses
comuns e não de vizinhança ou proximidade geográfica. A população das cidades já
não é a mesma:
19
A cidade está cada vez menos habitada por uma população homogénea e estável que nasce
e morre nela, e cada vez mais por uma população instável e com raízes culturais diversas e
distantes: invadem-na grupos nómadas, como por exemplo os turistas nas suas diferentes
categorias, uns grupos que adaptam o seu ciclo de vida e as suas exigências ao lugar de
residência. Desta maneira, em toda a Europa foram criadas imensas áreas de negócios,
bairros com conotação étnica, cidades de ócio ou, nas regiões favorecidas por climas tem-
perados, imensas áreas geriátricas. Do mesmo modo, muitas cidades antigas foram trans-
formadas em grandes parques temáticos.7
7. Bernardo Sechi, «La cuidad contemporánea y su proyecto», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
8. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)
20
vais, as cidades abrem-se e crescem: “a cidade tradicional estalava debaixo da pres-
são demográfica e as parcelas sem fim dos subúrbios «londinenses» simbolizavam a
expansão selvagem da cidade.”9
Cerdà, Wagner e Haussman, salvas as diferenças, procuram higienizar as cida-
des tradicionais, mas também abri-las, rasgá-las, romper o isolamento dos bairros,
fazer comunicar pontos-chave da cidade, procurando conectá-la com o resto do terri-
tório. Procuram relacionar o centro histórico, livre das muralhas, com o resto da
cidade que se está a expandir. Contribuíram assim para o início do crescimento além
limites das cidades na época. É interessante que já Cerdá previa aquelas que viriam a
ser as grandes transformações características da cidade contemporânea: “Os rasgos
distintivos da nova civilização são o movimento e a comunicação” e “a cidade não é
mais que uma espécie de estação, ou de um eixo do grande sistema viário univer-
sal”10.
Outras ideias anunciavam também a previsível desconstrução da cidade tradi-
cional, dentro da convicção de Cerdá de que a comunicação em todas as suas formas
seria o futuro do mundo e de que a cidade iria fazer parte de uma rede universal. A
cidade linear, defendida por Soria y Mata e também pelos «desurbanistas» soviéticos,
tenta precisamente responder ao novo contexto em que as comunicações e o trans-
porte, assim como a expansão indefinida das cidades começam a revolucionar o
espaço urbano. Soria imagina uma cidade linear contínua de Cádiz a São Petersburgo
e põe pela primeira vez a questão do assentamento humano à escala mundial. Tam-
bém a «Ville Radieuse» de Le Corbusier se apresenta (numa visão mais utópica) como
a desconstrução das anteriores formas de cidade contínua, sendo que o Movimento
Moderno concede também um privilégio exclusivo à escala territorial quando trata a
cidade. Segundo Nuno Portas, o planeamento e a arquitectura deste período foram,
de alguma forma o pivot nesta mudança de paradigma na cidade11.
9. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)
10. Ildefonso Cerdà, citado por Françoise Choay em «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en
20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 (tradução livre)
11. Nuno Portas, «Ciudad contemporánea y gobernabilidad», in Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín
Ramos, Barcelona, 2004 (tradução livre)
21
Há, apesar de tudo, ideias de contraponto, e reacção, sobretudo em relação à
desagregação das cidades, como sejam as pequenas cidades de periferia para a popu-
lação trabalhadora, de Bruno Taut, ou mesmo a ideia de «cidade-jardim» de Ebene-
zer Howard. Esta, que Le Corbusier considerava como o extremo oposto da sua
Cidade Radiante, responde à explosão das cidades europeias com um processo de
reconstrução. Procura, ao mesmo tempo preservar a cidade e o campo, procurando
que se complementem em defesa da qualidade de vida, considerando a disseminação
das construções de alto risco social e cultural. Segundo Choay remete para a rurali-
dade da cidade medieval.
A referida desagregação no entanto, deu-se. E as cidades explodiram. Hoje,
assistimos a dois tipos de fenómenos, no que toca à forma de implantação dos con-
juntos urbanos – a compressão e a dispersão:
Por um lado, uma tendência à concentração focaliza os fluxos humanos em direcção aos
pólos de atracção que continuam a ser as metrópoles nacionais e regionais, mas as activi-
dades instalam-se nas periferias cada vez mais amplamente irradiadas, cuja expansão,
ligada à saturação progressiva das redes de serviços, coincide com o despovoamento geral
e progressivo do centro e dos núcleos urbanos históricos. Por outro lado, uma tendência à
dispersão provoca uma desconcentração que pode ser linear ou pontual.12
12. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)
22
distintos do que foram. Ao mesmo tempo crescem os territórios periféricos, extra-
urbanos, periurbanos, rururbanos, etc., produtos da explosão das cidades, possíveis
por que se acentua a utilização do automóvel individual. Com este processo dá-se
uma das maiores transformações já ocorridas nas cidades até então: as cidades que
eram até aqui monocêntricas, com um centro mais ou menos definido rodeadas por
uma periferia, passam a policêntricas, e zonas anteriormente periféricas ganham
conotações de centralidade. A cidade contemporânea é, assim, um conjunto de con-
densações pontuais, de polaridades, organizadas em rede.
Com a globalização das economias surgem também as cidades globais, as cha-
madas megacities, termo utilizado no início do século por P. Geddes, e mais recente-
mente por Peter Hall para designar as grandes cidades de carácter metropolitano
ligadas globalmente ao mundo. Segundo François Ascher13, passámos da fase da
«metropolização» à fase da «metapolização»: as metrópoles evoluem para outro
estado a que ele chama a «metápolis». Aqui já não existe o tradicional centro rodeado
por uma periferia cada vez mais complexa, mas um sistema urbano em rede, que
funciona em rede com outros sistemas semelhantes também à escala global – num
sistema único de cidade global. Passa-se do modelo «christalleriano» (em que as
cidades se relacionam por uma hierarquia em função da dimensão) ao sistema
«metapolitano» onde só as cidades maiores mantêm relações directas entre elas,
estando as mais pequenas apenas ligadas às principais (Fig. 1).
Os meios de transporte e comunicação fazem com que isto seja possível, origi-
nando um aumento brutal da mobilidade sobretudo no interior das grandes cidades,
Fig. 1 – Os dois modelos de funciona-
mento da cidade: rede christalleriana (em e um pouco por todo o território; fomentando o «zapping urbano»14 como “condição
cima) e rede em hubs e spokes (em
baixo) óptima de usufruto das possibilidades da conurbação alargada”15. O automóvel
individual ganha uma importância crescente no funcionamento das cidades contem-
porâneas. O aumento da mobilidade tem também efeitos de segregação social, divi-
dindo a população em «hipermóveis» (aqueles que se deslocam facilmente tendo
13. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998
14. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Porto, 2002
15. Idem, Ibidem
23
acesso aos meios de transporte colectivos e individuais) e «sedentários à força»16
(aqueles que não têm acesso aos meios de transporte).
A crise do espaço público tradicional é consequência do modo de viver contem-
porâneo – da crescente mobilidade, e do policentrismo – que ao descentralizar as
cidades, acaba com a tradicional concentração das pessoas nos centros e nos seus
espaços públicos:
16. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998
17. Jordi Borja, El espacio publico: ciudad y ciudadanía, Electa, Barcelona, 2003 (tradução livre)
18. Bernardo Sechi, «Ciudad moderna, cuidad contemporánea y sus futuros», in AAVV, Lo urbano: en 20 autores contemporá-
neos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004 (tradução livre)
19. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)
20. Rem Koolhas, «La ciudad genérica»,in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004
(tradução livre)
21. Manuel de Solà-Morales, «Contra el modelo de metrópolis universal», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ediciones UPC, Barcelona, 2004 (tradução livre)
24
parte da mesma realidade. Não há fronteiras, nem mesmo dos países. As urbes fun-
cionam hoje, sobretudo, em rede e interdependência destinando às antigas cidades
apenas uma fracção do novo tecido urbano. A cidade espartilhou-se, deixando de ser
um elemento produtor de sentido, dotado de unidade e lógica:
22. Álvaro Domingues e Luís Pedro Silva, «Formas recentes de urbanização no Norte Litoral», in Sociedade e território – 20
anos de Actualidade, Junho de 2004
25
2. CIDADE DIFUSA
23. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona,
2004 (tradução livre) – 1ª Edição 1990
24. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)
27
ele, mas interpenetrando-o, vivendo em coexistência. Criam-se territórios mistos,
uma nova forma de urbanização difícil de definir ou catalogar mas que genericamen-
te podemos intitular de cidade difusa. Dá-se a mutação no sentido da extinção da
dicotomia cidade-campo – dois conceitos que, “lógica e fenomenologicamente, exis-
tiam um para o outro.25
Sprawl26, «cidade difusa», «território urbano», «urbanização difusa», «cidade
alargada», «cidade dispersa»…, são só alguns dos inúmeros termos usados para
definir a cidade nova. Só no livro Ville Emergente são referidas “seis definições dife-
rentes para as quais se encontram vários sinónimos: «1. Ville-Mobile; 2 Ville-Terriroire:
ou Ville illimitée; Ville-pays; Ville-archipel; Région urbaine; Ville région; Ville diffuse; Ville
étale ; 3. Ville-Nature: ou Ville-campagne; Nature-ville; Campagne-ville; 4. Ville-
Polycentrique ; 5. Ville au choix : Ville à la carte; Ville pas points; Ville de la multi-
appartenance; Ville éclatée; 6. Ville-vide »”27. Sendo que as definições são inúmeras, e
com significados que variam consoante os autores, adoptaremos daqui para a frente
e de uma forma genérica o termo cidade difusa. Este é o mais utilizado para designar
o fenómeno de expansão urbana através de processos de difusão (que podem ter as
mais diversas expressões), em contraponto à cidade compacta tradicional. Note-se
que o termo cidade difusa também pode ser usado, incluindo na sua definição a
cidade contemporânea como um todo, ou seja, englobando as cidades compactas, ou
núcleos de cidade tradicional que existem dentro dela. Não é, no entanto, esse, o uso
que faremos do termo nos capítulos seguintes. Será, então, utilizado, para distinguir,
de uma forma genérica, aquilo que histórica e universalmente apelidámos de cidade,
dos novos fenómenos urbanos – da «cidade emergente»:
25. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)
26. “Sprawl, palavra introduzida nos EUA nos anos 60 para designar o crescimento urbano sem forma, significa, literalmente
«espalhar(-se)», «estender». Não existe palavra equivalente na linguagem europeia. Periferia, periurbano, conurbação, nebulo-
sa urbana, exurbia, ou cidade difusa são tudo palavras e conceitos para descrever um facto geográfico que se tem repetido
de modos diversos, como no sprawl americano. É um fenómeno que se verifica à volta da cidade, entre as cidades, e também
dentro das cidades. (…) Mas o sprawl possui também razões antropológicas. O mundo cívico da praça foi abandonado
porque se vive e se trabalha algures. Os valores da polis, monumentalizados nas formas urbanas dos centros históricos, não
se reproduziram fora do centro onde tudo parece terra de ninguém: o terreno é mais barato, as taxas mais baixas, é mais
cómodo o uso do automóvel, existem menos vínculos urbanísticos, torna-se real o desejo de viver junto ao verde.” Richard
Ingersoll, Sprawltown, citado por Álvaro Domingues em Cidade e democracia: 30 anos de transformação urbana em Portugal,
Argumentum, Lisboa, 2006
27. Geneviève Dubois-Taine e Yves Chalas, La Ville emergente, citados por Luís Pedro Silva em Formas da cidade difusa –
Investigação efectuada no Espaço Urbano do Porto, FAUP/FEUP, Porto 1998
28
Estendida, difusa, dispersa são só alguns dos adjectivos utilizados para exprimir a dilatação
física do espaço urbanizado no qual as construções singulares são referidas a unidades ele-
mentares dispersas no território. A cidade assume uma configuração contínua, sem início
nem fim, uma indefinida extensão dos edifícios nos quais se fixa, traduzindo-se em formas
recorrentes, os costumes da vida contemporânea, as exigências de espaço apropriado para
a residência, para a produção e o comércio, para o divertimento. 28
28. Luigi Coccia, «OuGM, Organismi urbani Geneticamente Modificati», in CAO, Umberto, COCCIA, Luigi (coord.), Polveri
Urbane, Meltemi Babele, Roma 2003 (tradução livre)
29. Raymond Williams, O campo e a cidade – na história e na literatura, Companhia das Letras, São Paulo, 1989
30. Álvaro Domingues, «Paisagens rurais em Portugal: algumas razões da polémica» in Faculdade de Letras – Geografia,
Universidade do Porto, Porto, 2003
31. Williams, op. cit.
29
“Há muito que a cidade deixou de se distinguir do campo pela fronteira das suas mura-
lhas, pelo limiar dos seus arrabaldes, pela distinção diversificada e concentracionária do
seu espaço, em antagonismo com o território envolvente.”32
Podemos talvez encontrar, não uma distinção clara, mas uma espécie de grada-
ção tonal que define aquilo que é mais ou menos urbano e mais ou menos rural. Isto
é, revela a maior ou menor semelhança às tradicionais imagens da cidade ou do
campo (embora sempre com hibridez). Enquanto fenómeno complexo, a cidade difu-
sa é alvo de inúmeras interpretações, como a de Françoise Choay34, que considera
estarmos a assistir a uma “morte da cidade” e que advoga a passagem “da cidade
para o urbano”. O desmantelamento do tradicional elo entre urbs e civitas é defendi-
do no seu texto “O reino do urbano e a morte da cidade”:
32. Miguel Melo Bandeira, «A oposição cidade campo: uma quase memória ou ténue realidade?!», in AAVV, Cadernos do
Noroeste, vol.7(2), Centro de Ciências Históricas e Sociais da Universidade do Minho, Braga, 1994
33. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003
34. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)
35. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
30
Francesco Indovina tem uma visão particular sobre este fenómeno. Defende
uma evolução daquilo a que ele apelida «urbanização difusa» (fase primária da difu-
são urbana) para o que considera uma outra estrutura – a «cidade difusa». Argumen-
ta que nos encontramos face a um fenómeno novo. O termo «cidade difusa» é usado
com mais precisão para caracterizar aquilo que insiste ser recorrente na organização
do espaço do seu país (Itália). Afirma que tem algumas parecenças com os subúrbios
norte-americanos. Defende mesmo que esta pode ser considerada a resposta italiana
ou europeia ao contexto que no continente americano deu lugar aquela forma de
organização do espaço:
36. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona,
2004 – 1ª Edição 1990 (tradução livre)
37. Bernardo Sechi, «La cuidad contemporánea y su proyecto», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
38. Luigi Coccia, «OuGM, Organismi urbani Geneticamente Modificati», in CAO, Umberto, COCCIA, Luigi (coord.), Polveri
Urbane, Meltemi Babele, Roma 2003 (tradução livre)
31
território edificado, observado a grande distância, aparece assim como uma grande
superfície disseminada de infinitos minúsculos corpos, «poeiras urbanas» deposita-
das na crosta terrestre”). Nuno Portas39 chama «ilha» à cidade do passado e «arqui-
pélago» ou «nebulosa» à cidade contemporânea. Refere também os conceitos de
«sistema» ou de «hipertexto»: “Por isso alguns teóricos falam da metáfora do hiper-
texto (em vez de falar de sistema) restituindo a complexidade que antes se mantinha
reduzida a simples níveis temáticos de uma análise funcional sectorizada.”40 O terri-
tório lido como hipertexto parte da analogia entre a cidade contemporânea e o fun-
cionamento deste tipo de estrutura, onde não há início nem fim, não há uma sucessão
única de acontecimentos, onde os elementos se organizam em rede, mas sem haver
necessariamente hierarquias ou sequências predeterminadas. Isto dá a cada um (tal
como os sistemas de navegação world wide web), a capacidade de escolher como é que
quer utilizar os espaços (quais, quando e por que ordem), de uma forma totalmente
interactiva, pessoal e única. Ou seja, os elementos não se organizam de uma forma
explícita ou contínua no território, pois são usados de forma alternada e descontínua.
Acabando com as hierarquias clássicas e com o sistema de “lugares centrais”, a utili-
zação do espaço aparece, assim, descentralizada, espontânea e difusa. Isto explica a
passagem do sistema de mobilidades pendulares programável e previsível (da antiga
metrópole centralizada) ao sistema de mobilidades espontâneo e imprevisível (das
metápoles actuais).
O efeito túnel, referido por Ascher41, é algo que se verifica à escala mundial
(através, sobretudo das viagens aéreas e ferroviárias de alta velocidade) mas também
à escala urbana, na cidade difusa e na cidade compacta. Relaciona-se, sobretudo, com
as possibilidades trazidas pelas novas tecnologias de mobilidade, e, portanto, com
uma nova forma de viver a cidade. Sente-se mais na cidade difusa, onde os transpor-
tes (sobretudo o automóvel individual) são mais utilizados, as vias mais rápidas e as
actividades mais espalhadas no espaço, embora também exista na forma contempo-
rânea de viver as cidades antigas. Graças às novas formas de cidade, mas também às
39. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
40. Idem, Ibidem
41. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998
32
novas formas de vida, o espaço já não é contínuo mas descontínuo, ou pelo menos, a
forma de o viver e percepcionar. A orientação no espaço urbano faz-se menos em
função das distâncias e da orientação cardial e mais subordinada ao tempo e às con-
dições específicas de acesso. Isto permite que o espaço seja do tipo policêntrico em
vez de monocêntrico. Emergem pontos essenciais e centrais de grande importância e
acessibilidade, em detrimento de outros que pela sua condição de marginalidade aos
sistemas de transporte se tornam intersticiais e secundários.
Que razões levaram aos fenómenos de difusão urbana? Esta é uma questão
complexa e que ainda causa alguma discussão. Foi o avanço tecnológico na área das
comunicações e transportes a causa ou terá sido apenas aquilo que permitiu? Secchi
defende que as dinâmicas sociais impeliram o progresso tecnológico. Como tal, a
difusão urbana é também fruto da vontade humana e surge por uma procura de uma
distância correcta entre as pessoas:
A minha ideia é, portanto, que a fragmentação e a dispersão da cidade, mais que ao pro-
gresso da técnica da mobilidade urbana se há de atribuir a uma nova busca da distância
justa e que esta busca há de ser correctamente interpretada pelo projecto da cidade con-
temporânea (…) Provavelmente para muitos indivíduos e grupos sociais, a cidade antiga e
a cidade moderna não consentem uma distância entre eles e os seus vizinhos; a dispersão
converte-se na oportunidade para «dar um espaço cada vez maior aos aspectos ‘privados’
da existência (…) 42
42. Bernardo Sechi, «La cuidad contemporánea y su proyecto», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
43. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona,
2004 – 1ª Edição 1990 (tradução livre)
33
a cidade actual não é o social, mas, possivelmente o individual ou o familiar. O edifí-
cio unifamiliar é a sua unidade de medida. A cidade difusa apresenta-se como uma
novo arquétipo urbano – mais adaptada ao transporte individual, onde se podem
encontrar as vantagens do campo na cidade.
O crescimento deste tipo de cidade é, afirma Portas44, descontínuo e qualquer
esforço para reproduzir actualmente a continuidade como alternativa peca por inge-
nuidade:
Talvez a continuidade deverá ser de outro tipo, uma continuidade descontínua; uma con-
tinuidade feita de elementos virtuais ou simbólicos, com as suas conexões de efeito túnel,
em que por momentos se deixe de perceber o elemento de continuidade e se encontre de
novo noutro ponto mais longínquo. No tempo de Cerdà ainda era possível fazer coincidir a
continuidade com a similitude dos elementos físicos (rua, quarteirão, jardim). No nosso
tempo, o ensanche fragmenta-se na «megalópolis» e só será reconhecível como continuida-
de se mantém características do anterior mas não necessariamente miméticas.
44. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
34
do território difuso há heterogeneidades e existem troços com especial diversidade
de usos ou serviços. Estes têm um funcionamento mais próximo de cidade do que
outros. Perante a variação de condições urbanas, é complicado e até, talvez arriscado
usar hoje o termo cidade para designar este tipo de espaços. Fala-se genericamente
de território urbano, de sistema urbano, ou abreviando de urbano, uma vez que a condi-
ção de um território pode variar entre o rural ou natural, e a cidade compacta tradi-
cional (passando pelos vários estágios de transição de maior ou menor densidade e
complexidade). A cidade difusa é, também, lugar de muito maior incerteza que a
cidade tradicional:
A verdade é que os condicionantes que podemos encontrar nas «ilhas» da cidade herdada
são, de facto, muito mais rigorosos e portanto as soluções possíveis são mais prováveis e
também mais excludentes. Por outro lado, o território das ilhas menos estruturadas entre
essas cidades apresenta-se como mais vulnerável potencialmente, mais aberto às oportuni-
dades, mais inovador em termos tipológicos, de escala e também de impactos.45
45. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
35
cialmente pela forma de os recuperar enquanto espaços de qualidade e de convívio
saudável com a natureza, preservando aquilo que ainda existe de natural e benefi-
ciando os espaços construídos.
O crescimento da cidade difusa é, sobretudo consequência de um processo não
controlado, não planeado – espontâneo. Pertence ao conjunto de fenómenos de cres-
cimento urbano a que se costuma intitular genericamente de cidade espontânea ou
ainda, cidade informal. Estes são termos abrangentes que não definem propriamente
características particulares ou modelos. Mas terá a cidade difusa um modelo ou será
esta uma cidade sem modelo? Será que o que a caracteriza é não ter arquétipo?
Segundo Portas, a cidade difusa é, precisamente, o exemplo de cidade sem modelo
por oposição à tradicional cidade de modelos claramente estabelecidos:
46. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
36
ser planeado, desenhado, estruturado, organizado, à excepção das grandes reservas e
dos outros espaços naturais ou agrícolas que serão salvaguardados. Ou seja, a urba-
nização que era excepção num território livre mais ou menos natural (selvagem ou
cultivado), passa a ser a regra (que se materializa em cidades compactas, terrenos de
urbanização difusa ou infra-estruturas de transporte de bens ou pessoas que rasgam
o território), e o terreno virgem a excepção a preservar:
A ideia de cidade delimitada, compacta e homogénea, isolada no espaço rural são hoje con-
trapostas ideias como as da “cidade difusa”, “cidade emergente”, “Metapolis”, “campo
urbanizado”. E às teses de contradição cidade-campo sucedem as teses de que “tudo é
urbano” e de que as cidades são sistemas distendidos, descontínuos e fragmentados, cada
vez mas entrosados com espaços agrícolas e naturais, formando regiões urbanas comple-
xas.47
E é assim, neste imenso território misto, que deverão ser aplicadas as teorias
urbanas, ou seja, as reflexões que até aqui se debruçavam sobre a cidade devem pas-
sar a incluir as novas considerações sobre o território em geral.
O espaço público, que se diz estar hoje em crise, com a explosão das cidades e a
separação do edificado das vias, é outra questão importante que se coloca na cidade
contemporânea, sobretudo, na cidade difusa (onde este parece não existir). O que é o
espaço público na cidade difusa? Quais os seus tipos? Na cidade acelerada e alarga-
da, não existem praças, largos, ou outro tipo de estruturas tradicionais de espaço
público estático, e às ruas (aqui constantemente confundidas com estradas) não é
dado o uso tradicional. O espaço usado como público aparece-nos frequentemente
disfarçado, sendo na verdade espaço privado de uso colectivo. São exemplo os equi-
pamentos culturais, desportivos e comerciais. Surgem também alguns espaços como
parques ou corredores verdes, mas o que existe é essencialmente estrada, berma de
estrada, ou espaço sobrante, intersticial, sem programa nem desenho. Os terrenos
vazios (terrains vagues ou amnésias urbanas, segundo F. Caresi) tornam-se consequen-
temente elementos fundamentais de reflexão para a urbanística. São fruto de ausên-
47. António Fonseca Ferreira, «Paradoxo do planeamento urbanístico», in Sociedade e território – 20 anos de Actualidade,
Junho de 2004
37
cia de programa, sobras da urbanização difusa em torno das estradas mas também
parte do território que deve ser elemento de desenho e programa. Apesar desta crise
do espaço público (fruto de uma outra forma de viver a cidade e de um crescente
individualismo) percebe-se que a cidade difusa, é cada vez mais povoada por ele-
mentos de forte poder simbólico, de afirmação pessoal e de ostentação. Acontece
sobretudo nos espaços exteriores privados que nunca são escondidos ou recolhidos à
intimidade, mas antes expostos à estrada. Ou seja, ao mesmo tempo que o individua-
lismo confina as pessoas às casas, estas parecem querer cada vez mais comunicar,
afirmar-se e relacionar-se com os outros.
Surge também, associada a este factor de expansão territorial da cidade contem-
porânea, uma crescente preocupação com a paisagem, sobretudo com a paisagem
urbana (conceito de certa forma recente). A “súbita emergência da paisagem (ou dos
discursos que dela se servem) como preocupação socialmente correcta”48 leva à cres-
cente consideração do espaço urbano enquanto objecto de desenho. Já não falamos só
da paisagem urbana tradicional, mas também, da paisagem da cidade difusa e da
paisagem das zonas naturais (cada vez mais artificializadas). A imagem da cidade
difusa é, naturalmente, uma complexa e heterogénea mistura de referentes (tradicio-
nalmente associados a campos diferentes) que resulta num todo fragmentado, rare-
feito e descontínuo:
(…) aqui a fábrica pode ter um jardim ou estar no meio de uma vinha, resultar de uma
novíssima arquitectura de autor ou de uma ampliação de uma nave de granito, a casa de
um operário modesto transforma-se, amplia-se incorpora novas funções e estilos, os blocos
habitacionais ou mistos repetem formulas encontráveis em qualquer lugar, no alinhamento
de uma rua consolidada ou anacronicamente plantados no meio de tipologias residenciais
em parcelas agricultadas (…)49
48. Álvaro Domingues, «Paisagens rurais em Portugal: algumas razões da polémica» in Faculdade de Letras – Geografia,
Universidade do Porto, Porto, 2003
49. Idem, «Novas paisagens urbanas», in Jornal Arquitectos, nº 206 Maio/Junho de 2002
38
necessariamente feita com os seus elementos próprios – não só com edificado mas
também com o verde. O verde passa a ser elemento de desenho, ganha protagonis-
mo. Mais do que isso, ele é um factor de valorização ambiental destes espaços. É uma
vantagem deste tipo de cidade sobre o outro. Passar do chamado terrain vague, sem
programa, aos espaços públicos verdes planeados e desenhados – florestais, rurais ou
de uso urbano – é fundamental.
Num tempo onde a mobilidade é essência da condição urbana, e a velocidade a
sua principal característica, os transportes tornam-se assim, o motor de desenvolvi-
mento das cidades. São eles que, encurtando as distâncias, relativizando-as ao tempo,
diminuindo o atrito territorial, permitem a troca de mercadorias e pessoas e a comu-
nicação directa entre zonas distantes. Aéreos, rodoviários, marítimos ou ferroviários
têm formas e escalas diferentes de ser relacionar com o território. Os transportes
rodoviários funcionam a uma escala territorial ou urbana e são os que na nossa época
mais revolucionaram o funcionamento das cidades, permitindo o aparecimento da
cidade difusa. Pela primeira vez na história, temos um tipo de transporte completa-
mente individual. É este factor que permite o aparecimento e desenvolvimento da
difusão urbana. A vantagem de não necessitar de vias próprias, de poder circular
praticamente por todos os espaços onde circula o peão dá ao seu utilizador uma
sensação de liberdade total de movimentos. Esta liberdade está intrinsecamente asso-
ciada à procura da cidade difusa enquanto alternativa à cidade tradicional. Dentro do
automóvel, cada um é o centro da acção, adquirindo um poder de decisão pratica-
mente total sobre a sua mobilidade. É esta a forma de viver na cidade difusa – o
automóvel usado como prótese do corpo. E, no entanto, ao mesmo tempo que esta
revolução trazida pelo automóvel amplia as capacidades e a diversidade de utiliza-
ção da cidade, também a reduz. Aqueles que não têm acesso a este meio de transpor-
te vêm-se limitados e, de certa forma, segregados pela cidade. As soluções de trans-
portes colectivos na cidade difusa são muito difíceis e limitadas de implantar porque
a extensão no território dificulta a justificação do investimento. Paradoxalmente nos
centros urbanos e nos seus acessos o automóvel individual é o transporte mais limi-
tador – é constantemente travado pelos distúrbios do trânsito e torna-se um entrave
quando necessitarmos de um lugar para o estacionar porque queremos parar. Isto só
confirma que a cidade tradicional não foi feita para o automóvel. O uso excessivo do
automóvel individual traz outros problemas para o planeta. A poluição ambiental e
39
sonora, assim como o uso de uma fonte de energia não renovável, tem provocado o
descontentamento da sociedade com este meio de transporte. As repercussões na
cidade são claras: uma procura urgente (sobretudo na cidade histórica) de restrição
ao seu uso, a promoção do transporte colectivo como alternativa viável, a construção
crescente de parques de estacionamento, a actual preocupação com o alargamento
dos passeios50 e estreitamento das faixas de rodagem (ao essencial) e a promoção da
intermodalidade entre vários tipos de transporte público (e entre este e o individual).
A ascensão de transportes alternativos (bicicletas, patins, skates) tem sido também
uma preocupação crescente das sociedades contemporâneas, sobretudo europeias,
que se reflecte na criação de vias próprias para este tipo de transporte.
Paradoxalmente, esta mudança dá-se num momento em que crescem e se
expandem os territórios de urbanização difusa extremamente dependentes do auto-
móvel individual. No entanto, o futuro deste meio de transporte é dúbio. Os proble-
mas ambientais inerentes à sua utilização poderão vir a ser resolvidos (com a imple-
mentação das energias alternativas), legitimando a progressão dos territórios de
urbanização difusa que funcionam hoje em alta dependência do mesmo.
A evolução urbana desde as primeiras cidades até hoje transformou completa-
mente as infra-estruturas. Das estreitas ruas esguias da cidade histórica às auto-
estradas, passando pelas avenidas «haussmanianas», muito mudou. Sendo que, vive-
mos na era da cidade território e da mobilidade, as grandes infra-estruturas de trans-
porte tornam-se fundamentais, ganham uma importância simbólica fulcral. No
entanto, as preocupações com o seu desenho não correspondem a esta preponderân-
cia. Elegemos como monumentos: alguns edifícios institucionais, as pontes das prin-
cipais cidades e os mega-equipamentos desportivos. Negligenciamos a concepção
das auto-estradas, dos viadutos, dos nós, das portagens, das estações de serviço – os
lugares de passagem (ou os não lugares, como apelidaria Marc Augé51). Esquecemos
que todo o território pode ser hoje objecto de desenho e que o planeamento dos espa-
ços adquire escalas territoriais. As infra-estruturas de passagem devem ser pensadas
e desenhadas na sua relação com o território e não de forma irreflectida. Assim, o
50. A recente pedonização dos centros urbanos está, de certa forma, associada ao retorno ao centro e à revalorização dos
centros urbanos pelo seu carácter simbólico, valor patrimonial e histórico.
51. Marc Augé, Não-lugares – Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, 90 Graus Editora, Lda., 2005
40
desenho deste tipo de estrutura deve passar a ser objecto de uma integração profis-
sional multidisciplinar entre as áreas da arquitectura e do urbanismo e as outras
especialidades.
Pode a cidade difusa competir com a concentrada? Uma grande diferença que
há entre as cidades históricas e os novos terrenos de urbanização difusa é o prestígio
cultural e patrimonial que as primeiras têm. Com isto a cidade difusa não pode com-
petir, exibe, no entanto, outros trunfos (facilidade de acesso automóvel, forte relação
com o espaço natural, mais espaço, menos poluição, mais calma). Mas será que pode
chamar a si as actividades mais avançadas? Pode “atrair aquelas actividades cuja
localização assinala uma posição alta na hierarquia territorial geral? Ou seja, pode
competir em termos de atracção para as actividades inovadoras e de poder com a
cidade compacta?”52 Indovina defende que a cidade difusa dificilmente pode concor-
rer com as grandes cidades no que toca aos serviços e actividades avançados, poden-
do apenas fazê-lo naquelas que são as actividades de massas: “A cidade concentrada
expulsa as actividades mais maduras e mantém as actividades produtivas avança-
das”. Mesmo aceitando esta opinião podemos questioná-la. Se o desenvolvimento
urbano levou à formação de um tipo imprevisível de cidade, como podemos saber
qual a sua configuração no futuro? E portanto, que certezas temos ao arriscar previ-
sões? Parece não haver dúvidas de que a cidade difusa se constituiu como um novo
tipo de cidade que aparentando a total anarquia e desordem, tem, na verdade, uma
lógica própria. É, no entanto, dependente (em maior ou menor grau) de outras cida-
des pertencentes ao antigo modelo compacto. Irá o modelo de cidade difusa substi-
tuir o antigo? Serão complementares ou será esta apenas uma fase de crescimento da
cidade compacta? Tenderá esta a densificar todas estas áreas difusas, passando assim
do crescimento disperso para a concentração (e posterior consolidação)? Estas são
questões em aberto. Todavia, parece pouco provável a densificação de todas as áreas
intersticiais dos territórios difusos. Por duas razões essenciais. Primeiro, porque isso
exigiria um crescimento colossal das cidades, que não se prevê. Segundo, porque os
52. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona,
2004 (tradução livre)
41
espaços intersticiais começam a ser regulamentados enquanto reservas (agrícolas ou
ecológicas) ou enquanto sistemas de espaços verdes colectivos. Dificilmente o pla-
neamento urbano vai permitir que venham a ser preenchidos no futuro. A cidade
difusa veio garantidamente para ficar e é com ela que tem que vir a ser feita a inter-
venção:
53. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
42
de estudo e compreensão, mas também de intervenção específica. No plano prático
deve haver tanto ou mais cuidado com o tratamento da cidade difusa, como aquele
que rege a acção na cidade tradicional e nos centros históricos, ainda que o método
de intervenção para um modelo de cidade completamente diferente, tenha que ser
necessariamente diferente. Descobrem-se assim, novas ferramentas de intervenção
urbanística para este tipo de cidade pois não é possível utilizar as ferramentas clássi-
cas:
Basta comparar um regulamento urbanístico actual para nos apercebermos como se regula
facilmente a construção nas áreas antigas, através de alinhamentos e cérceas e como é difí-
cil assegurar a qualidade da imagem urbana final nas zonas de expansão quando não exis-
tia uma base estável de referência, que não pode ser senão um modelo de relacionamento
de elementos significantes discretos como sejam os espaços públicos e a edificação54
43
ou seja, não se conseguem identificar em parte os dois elementos que se fundem – o
urbano e o rural, sendo “cada vez mais complexo distinguir o campo da cidade,
porque as áreas rurais tendem rapidamente a desaparecer ou a se rurbanizar.”55
Surge normalmente quando uma vasta área ou região tradicionalmente rural é
urbanizada, não necessariamente por um processo de explosão de uma cidade pró-
xima (a fuga à cidade) mas mais por um processo de industrialização gradual e pos-
terior terciarização desse território. Preservam-se as estruturas, as infra-estruturas e
os modos de vida rurais, em coabitação com as mais actualizadas formas de mobili-
dade, equipamentos e serviços próprios da vida urbana56.
Os territórios rurbanizados funcionam normalmente em regiões com caracterís-
ticas mais ou menos uniformes que conformam os chamados distritos industriais:
Em algumas áreas urbanas e regiões, por exemplo, a sociedade que a habita gerou dinâmi-
cos «distritos produtivos» que souberam utilizar em determinados casos o sedimento de
antigos conhecimentos contextuais para dar vida a um importante processo de desenvol-
vimento57
55. Miguel Melo Bandeira, «A oposição cidade campo: uma quase memória ou ténue realidade?!», in AAVV, Cadernos do
Noroeste, vol.7(2), Centro de Ciências Históricas e Sociais da Universidade do Minho, Braga, 1994
56. “as expressões rururbanização e urbanzação rural difusa (…) designam a interpenetração dos modelos dos modelos do
urbano e do rural sem admitirem, contudo, a emergência de um terceiro estado em tudo diferente aos que supostamente lhes
estão na origem.”, Álvaro Domingues, «Da cidade ao urbano – Parte 1», in Arquitectura e Vida, n.º 74, Setembro de 2006
57. Bernardo Sechi, «La cuidad contemporánea y su proyecto», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la
renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)
58. “O renovar do interesse pela problemática dos distritos industriais decorre da dificuldade constatada pelos economistas
em explicar a dinâmica de regiões marcadas pela presença de sistemas de pequenas e médias empresas”, Carla Marques,
Inovação e transferência tecnológica: o caso da Beira Interior, UBI, Covilhã, 1998
44
cas, produzindo bens em larga escala para o mercado interno e principalmente para
o mercado externo. As PME’s tinham como benefícios infra-estruturas, mão-de-obra
já treinada, recursos naturais locais, informações sobre as novas técnicas de produ-
ção, mas sobretudo a proximidade geográfica entre as empresas e o um alto grau de
interrelacionamento, reduzindo os custos de transporte e outras transacções, com boa
comunicação entre os produtores. As “economias externas” (como eram designados
por Marshall os ganhos obtidos pelas PME’s) eram apontadas como as primeiras
causas do brutal desenvolvimento socio-económico conseguido pela Inglaterra no
século XIX. Este tipo de desenvolvimento era conhecido como “teoria do desenvol-
vimento local”, isto é, um modelo que para além das variáveis económicas tinha
também em atenção as potencialidades de uma determinada região (recursos existen-
tes, vocação trabalhista e produtiva da comunidade e factores socio-culturais – laços
familiares, confiança entre os agentes produtores, cooperação entre firmas, costumes,
tradições, religião, etnia, laços culturais, etc.). É assim um processo de desenvolvi-
mento que coordena os empreendimentos associativos, individuais, comunitários,
urbanos e rurais, e que permite às PME’s competirem com vantagens que só estavam
ao alcance das grandes empresas. Na década de 70 este fenómeno repete-se na Euro-
pa, sobretudo em Itália, na região de Emília Romagna, ficando internacionalmente
conhecido pelo extraordinário desenvolvimento conseguido – alta taxa de exporta-
ção, elevados salários, pleno emprego e melhoria do nível de vida. Isto só seria pos-
sível através da combinação entre o sistema produtivo, um governo progressista,
integração social e êxito empresarial. Becattini (1992) retoma o conceito de distrito
Industrial Marshaliano para adaptá-lo ao caso italiano: “O distrito industrial é uma
entidade sócio-territorial caracterizada pela presença activa de uma comunidade de
pessoas e de uma população de empresas num determinado espaço geográfico”59.
Segundo Camagni (1991), a perspectiva dos distritos industriais (ou sistemas territo-
riais de produção) enfatiza particularmente o papel das relações que se estabelecem
ao nível local entre as empresas, apresentando, contudo, uma perspectiva estática do
espaço económico. Este fenómeno italiano foi de tal forma difícil de explicar que se
fizeram vários estudos sobre o tema, sendo designado por Bagnasco (1999) de “Ter-
59. Carla Marques, Inovação e transferência tecnológica: o caso da Beira Interior, UBI, Covilhã, 1998
45
ceira Itália”. É a forma de designar o desdobramento do tradicional dualismo italiano
entre o norte desenvolvido (Primeira Itália) e o sul atrasado (Segunda Itália). O con-
ceito de distrito industrial comporta outras noções similares, entre as quais encon-
tramos o Sistema Territorial de Produção (Crevoisier e Maillat, 1991), o Sistema
Industrial Localizado (Courlet e Pecquer, 1992), o Sistema de Produção Local (Garo-
foli, 1992; Courlet e Soulange, 1993), o Distrito Tecnológico (Maillat, Lecoq, Nemeti e
Pfister, 1995), entre outros60. O fenómeno ocorrido em Itália despertou particular
interesse dos observadores internacionais, que identificaram outros distritos indus-
triais na Europa e noutros continentes como: Vale do Silício, na Califórnia; Vilarejos
do Cholet, Vale do Rio Arve, Oyonnax e Thiersna, em França; Baden-Württemberg,
na Alemanha, entre outros. O modelo de distritos industriais ganhou uma importân-
cia enorme para os investigadores ao por em dúvida a eficácia dos antigos modelos
macroeconómicos de desenvolvimento. Muitos países periféricos começaram a
mudar as suas políticas económicas, copiando o modelo dos distritos industriais
italianos
O distrito industrial apresenta-se sintetizando como uma concentração de
empresas especializadas em sectores determinados da economia, mas com um ramo
em comum – uma determinada área da produção. Induz a especialização económica
de uma região, definindo-a em termos de espaço e de preparação funcional da popu-
lação. Uma vantagem destes territórios é que, muitas vezes, permitem adquirir os
produtos directamente aos produtores – escapando a todo o percurso de distribuição
e comercialização – permitindo uma grande redução de preço. O sistema de distritos
industriais consiste numa espécie de zonamento funcional espontâneo do território
que se organiza por áreas de produção particulares. Cada um destes distritos opera
como uma mircro-região economicamente especializada.
60. Carla Marques, Inovação e transferência tecnológica: o caso da Beira Interior, UBI, Covilhã, 1998
46
3. CONTEXTO
61. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, FAUP, Porto, 2002. CEFA, Área Metropolitana do Porto: estrutura territorial, o
presente e o futuro, FAUP, Porto, 2000
Fig. 2 – “As três macro-geografias de
62. “O território continental português reflecte, hoje, a combinação de três espacialidades macroregionais : a oposição
Portugal continental”: o norte/sul de
Norte/Sul, característica do Portugal tradicional; a oposição litoral/interior, característica do Portugal moderno; um «território-
Orlando Ribeiro, a oposição litoral/interior
arquipélago» organizado em rede, característico do Portugal pós-moderno“, João Ferrão, «Portugal, três geografias em
(através da densidade da população) em
recombinação: espacialidades, mapas cognitivos e identidades territoriais», in Lusotopie, Paris, 2002, pág. 151
1981 e as ilhas do arquipélago Portugal
63. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação
Continental nos anos 90 (áreas com
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003
maior dinamismo demográfico e econó-
mico)
47
gas divisões administrativas, desadequadas à actual realidade do território urbano
nacional.
A conurbação metropolitana do Porto é a que tem sido mais estudada tanto pelo
Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da UP como por alguns docentes
dessa faculdade (em teses de mestrado e doutoramento64). É definida a duas escalas –
uma mais restrita, outra mais alargada – consoante os critérios usados (os limites são
naturalmente pouco definidos). É na sua escala mais ampla, aquilo a que se chama
uma cidade região, já que funciona como um só sistema urbano de dimensão regional,
englobando vários subsistemas urbanos de Aveiro a Braga. O estudo elaborado pelo
CEFA65 divide-a em 14 subsistemas urbanos, divisão que procurou reproduzir a
realidade territorial da região. Através da investigação e interpretação do construído,
propõe-se a reorganização do espaço de forma a que corresponder mais à realidade.
Permitindo que se adapte aos chamados sistemas urbanos, enquanto conjuntos de
espaços urbanizados que funcionam com uma certa autonomia, mas sempre em
relação com os outros sistemas.
O espaço de estudo a ser aqui analisado insere-se num destes subsistemas: a
conurbação não metropolitana do Vale do Sousa66. Este estabelece várias relações
com a conurbação metropolitana (Porto). É considerado parte da sua segunda coroa e
encontra-se na sua “esfera de influência”67. Estudar um fenómeno como a estrada
mercado EN207 é algo que não pode ser feito ignorando esta realidade, pois só per-
cebendo o seu contexto é que se potencia a compreensão do mesmo. É necessário que
ele seja posicionado dentro do seu enquadramento regional e territorial. “No entanto,
a análise detalhada permite, ao contrário, perceber mais claramente o efeito «macro»
da aglomeração metropolitana como produtor de transformações ao nível local.”68
Isto quer dizer que a análise detalhada de um fenómeno concreto pode contribuir
para a explicação do todo que é a cidade região do noroeste do país (partindo das
suas influências e transformações particulares ao nível local).
48
A conurbação não metropolitana ou distrito industrial do Vale do Sousa é um
dos 14 subsistemas que compõem esta cidade região. É um polígono de 15Km de
dimensão norte-sul que tem o vértice mais próximo do centro do Porto a 19km e o
mais afastado a 68Km. Está encostado à conurbação metropolitana do Porto e encon-
tra-se a sul da conurbação não metropolitana do Vale do Ave. Tem uma “localização
estratégica interessante, pois está conectado directamente com a conurbação metro-
politana pelo concelho de Valongo, constituindo uma articulação entre o Litoral e o
Porto com toda a província de Trás-os-Montes”69. Há um fluxo expressivo de trans-
porte colectivo de ligação ao Porto. É constituído por todas as freguesias dos conce-
lhos de Paços de Ferreira e quase todas as de Paredes, as do noroeste do município
de Penafiel, de poente do concelho de Lousada e uma parte de Alfena (do concelho
de Valongo). Mediamente povoado (162 837 habitantes em 2001), apresenta o 4º lugar
da cidade região em termos de população e o 3º em termos de área, com uma taxa de
crescimento populacional muito expressiva. É servido por várias estradas municipais
de grande alcance, dependendo em termos de estrutura arterial do IP4 e do recente-
mente aberto IC25, que ligam o subsistema ao Porto, a Lisboa e Sul do país (com a
conclusão do IC24, sem ter que passar pelo Porto), ao interior de Trás-os-Montes ou a
Espanha. O caminho-de-ferro passa a Sul do subsistema, em Recarei pelo vale do
Sousa, e entre Paredes e Penafiel, seguindo depois para o Marco de Canaveses. O
sector económico dominante é o secundário, seguido do terciário (sendo o sector
primário pouco expressivo). A actividade industrial predominante é o mobiliário,
mas também o fabrico de componentes para a construção civil e empresas de serra-
ções, existindo ainda algum peso da indústria têxtil (pela proximidade ao vale do
Ave), e de outros sectores como: o alimentar (lacticínios e vinhos), a actividade
extractiva de granito e a actividade artesanal com oficinas de pirotecnia. É o subsis-
tema que se encontra à cota mais elevada, sendo que grande parte da população
habita acima dos 300m, o que é pouco comum na cidade região. É limitado a Noroes-
te pelo alto de S. Jorge e pela serra de Campelos, definindo a fronteira com o Vale do
Ave; a Sudeste pela Serra de Luzim que o separa do vale do Tâmega; a Sudoeste
pelos vales agrícolas próximos do Douro; e a ocidente pelas Serras da Agrela e do
49
Penedo. O povoamento deriva da fixação pré-romana, entre vales férteis e florestas
de encosta, sendo que a dispersão é característica primária da urbanização, fazendo-
se ao longo de vias sinuosas e irregulares, maioritariamente de matriz rural. É fruto
do fraccionamento da propriedade e de uma actividade económica com base nas
pequenas e médias empresas da fileira das madeiras e do mobiliário. Estas formam
uma teia coesa de relações produtivas que não coincidem com os limites administra-
tivos. As vias que estruturaram a urbanização do território foram essencialmente a
EN15 (Porto – Penafiel – Vila Real), EN209 (Campo – Sobrado – Paços de Ferreira),
EN106 (Penafiel – Nespereira) e EN207 (Água Longa – Paços de Ferreira – Freamun-
de – Lousada – Felgueiras – Fafe). A conurbação é constituída por “nucleações de
valores equivalentes não podendo dizer-se que existe uma verdadeira polaridade
com supremacia sobre as demais”70 – nenhuma sede de concelho é claramente mais
importante do que as outras. Os nós do IP4 têm recentemente acentuado o efeito
polarizador dos concelhos do sul da conurbação (Paredes e Penafiel), crendo-se que a
ligação de Penafiel a Lousada tenha o mesmo efeito, assim como a abertura do IC25,
Fig. 3 – Nos distritos industriais como o
em Paços de Ferreira. Para além disso existe uma maior densidade de serviços e de Vale do Sousa é possível comprar os
produtos directamente na fábrica
edifícios de habitação colectiva em Paredes e Penafiel como: o hospital geral, concen-
tração de serviços às empresas, transportes colectivos, hipermercados e ensino supe-
rior. Em Paços de Ferreira existem alguns serviços às empresas, hipermercados e
concentração de transporte colectivo e de habitação colectiva. Em Lousada: concen-
tração de serviços às empresas e habitação colectiva. Há ainda algumas freguesias
que, não sendo sede de concelho, têm algum peso no subsistema, como Freamunde,
Lordelo e Rebordosa.
O Vale do Sousa, conurbação não metropolitana onde se insere Paços de Ferrei-
ra pode, assim, ser considerado um distrito industrial, onde se confirma a “ocorrên-
cia de regimes pluriactivos, a que correspondem formas de economia familiar mista,
em que o trabalho na fábrica, o trabalho à tarefa e a agricultura em tempo parcial
asseguram o rendimento familiar”71. Fazendo a analogia com a definição de Marshall
(exposta anteriormente): confirma-se a existência de uma concentração de pequenas e
54
médias empresas apesar de nem sempre se encontrarem localizadas ao redor das
grandes indústrias. O Vale do Sousa tem semelhanças com os distritos industriais
que se localizavam nos subúrbios das cidades inglesas, pois é um sistema que fun-
ciona, de certa forma, como segundo subúrbio da conurbação metropolitana do Por-
to. É constituído por PME’s interrelacionadas numa micro-região geográfica que
produzem bens em larga escala para o mercado interno e externo. A indústria e a
comercialização do mobiliário operam sobretudo para o mercado exterior a ela (resto
do país e estrangeiro). Também aqui as PME’s usufruem dos benefícios provenientes
da sua localização – num distrito industrial. Ou seja, infra-estruturas, mão-de-obra
treinada, recursos naturais locais, informações acerca de novas técnicas produtivas,
mas sobretudo uma grande proximidade geográfica entre as empresas e um alto grau
de interrelacionamento, que reduzem os custos de transporte e outras transacções,
com boa comunicação entre os produtores. Este sistema foi responsável pelo desen-
volvimento económico da região (pela alta taxa de exportação, elevados salários,
pleno emprego e melhoria do nível de vida) mas não se traduziu, infelizmente, num
desenvolvimento cultural e educativo. Apesar das semelhanças com o modelo italia-
no e com as concepções de Becattini, o Vale do Sousa como distrito industrial (tal
como outros distritos industriais da região e do país) não foi um sistema económico
planeado, previsto, ou importado de Itália ou de Inglaterra. Ele surgiu natural e
espontaneamente e é um fenómeno comum na região noroeste da península. Especia-
lizou-se na área da madeira e mobiliário, como por exemplo o Vale do Ave se espe-
cializou no têxtil.
55
Sousa. Estes concelhos somam 327 806 habitantes e 767.1 Km2 (427,3 Hab/km2). Não
existe, no entanto, correspondência deste conjunto com o subsistema Vale do Sousa
definido pelo CEFA, uma vez que não é baseado na realidade das contiguidades
territoriais mas no agrupamento dos limites administrativos já existentes (concelhos).
Tem como objectivo coordenar políticas comuns para os municípios e constituiu-se
como entidade político-administrativa em 2004 com a designação de Valsousa –
Comunidade Urbana do Vale do Sousa.
O IC25 (A42) passou a ser o principal eixo viário de ligação do concelho ao resto
do território72, função que antes estava destinada às três estradas nacionais que o
atravessam: a EN207 (Santo Tirso – Fafe), a EN209 (Paços de Ferreira – Valongo) e a
EN319 (Santo Tirso – Paredes). A A42 funciona actualmente como uma SCUT (sem
pagamentos) acentuando a mobilidade na região. Vai valorizar a zona do vale do
Sousa, pois para além de o ligar ao Porto, possibilita, através da A41 (IC24) uma
rápida ligação ao aeroporto Francisco Sá Carneiro e ao porto de Leixões, permitindo
Fig. 5 – IC25
o escoamento dos produtos da região e a Espanha (Fig. 5).
A Via do Poder Local, variante sul à EN207, é uma importante via de ligação e
distribuição dentro do concelho, apesar de ainda não ter sido concluído o troço norte
da mesma. Quando estiver concluída tornar-se-á a principal via distribuidora e acar-
reta grandes expectativas da indústria mobiliária. Estão construídas e em projecto
outras variantes às três estradas nacionais, como é o caso da Via Panorâmica (já exe-
cutada) – variante norte à EN319. Há ainda uma proposta de ligar o nó da A3 (em
Santo Tirso) à A4 (passando pelo nó da Seroa - no IC25), facilitando a conexão do
concelho à Galiza. Todas estas vias visam fortalecer ligações e aumentar a posição
estratégica de Paços de Ferreira no panorama do noroeste peninsular actual. O conce-
lho não está servido directamente por uma rede ferroviária, sendo que o ponto mais
próximo de acesso ferroviário é Paredes.
72. Com a auto-estrada A42 a viagem de automóvel entre a capital do móvel e a cidade do Porto pode ser feita em menos de
15 minutos
56
Estrategicamente, é urgente a qualificação ambiental da urbanização difusa e o reforço da
competitividade da fileira madeira/mobiliário. O traçado do IC25 é de extrema importân-
cia para o reforço dos núcleos urbanos de Paços de Ferreira e Lousada e, em geral, para a
melhoria da acessibilidade da subregião.73
O concelho situa-se num território que nos tempos visigóticos se chamava Ané-
gia e que compreendia as terras superiores do rio Ferreira, os vales do rio Sousa e do
rio Tâmega, transpunha o rio Douro e estendia-se até metade do rio Paiva. Antes da
Reconquista estas terras resistiram ao controle dos Asturianos e dos Muçulmanos. O
Mosteiro de Ferreira foi-se apropriando de quase todas as terras do concelho. Parte
destas estavam na posse de famílias nobres que as exploravam indirectamente. As
terras e a sua forma de cultivo eram o factor de ordenamento económico e adminis-
trativo da área. As 16 freguesias de Paços de Ferreira pertenciam a dois concelhos:
Refojos de Riba d’Ave e Aguiar de Sousa. Havia também uma divisão eclesiástica
pois a parte norte pertencia à diocese de Braga e o resto à diocese do Porto. Em 1385
D. João I inclui estas terras no Termo do Porto, passando os seus habitantes a ter de
responder perante a Câmara do Porto. Em 1836 é instituído o concelho de Paços de
Ferreira, inserido na Comarca de Penafiel. Frazão e Freamunde, freguesias rivais,
eram os seus grandes centros. Para atenuar a contenda, o centro administrativo ficou
entre os dois: em Paços de Ferreira. O concelho teve um passado de revolta contra a
monarquia nos anos 40 e 50 do século XIX. A implantação da república em 1910 foi,
por isso, muito festejada. Paços de Ferreira foi elevado a cidade em 1993.
Fig. 6 – O mosteiro de Ferreira Relativamente ao património histórico da região, há que valorizar a Citânia de
Sanfins (importante estação arqueológica) e o mosteiro de S. Pedro de Ferreira (tem-
plo românico que resistiu quase inalterado até aos dias de hoje – Fig. 6). Várias enti-
dades no concelho insistem nas potencialidades turísticas, já que este possui zonas
com excelentes condições naturais e paisagísticas e de algum valor arqueológico.
A população do concelho tem aumentado desde 1758. Nas décadas de 20 e 30
do século XX ocorreu um surto demográfico acompanhado, no entanto, de uma
grande saída de população activa. Uma segunda vaga de emigração (para o Brasil,
59
França e Alemanha) nas décadas de 60 e 70, acentuada pela fuga à guerra colonial,
ditou o decréscimo da população jovem entre 1962 e 1975. Segundo os dados da
época, a maior percentagem de emigrantes trabalhava no sector secundário. Há, no
entanto, que ter em conta a emigração clandestina, e não contabilizada, essencial-
mente proveniente do sector primário. O actual crescimento é mais evidente nas
freguesias de Paços de Ferreira, Penamaior, Frazão e Freamunde. A população é
jovem e a taxa de envelhecimento é inferior à do país. O concelho situa-se na segun-
da coroa de desenvolvimento da Área Metropolitana do Porto apresentando, por
isso, uma densidade populacional de transição e uma taxa de crescimento elevada.
No entanto, a taxa de escolaridade é baixa e escasseia a formação profissional. É
notória a falta de equipamentos culturais. O poder de compra per capita é o 2º maior
do Vale do Sousa. A diferenciação social na região baseia-se na posse de bens mate-
riais e não na posse de cultura ou formação, o que é revelador da pouca valorização
dos recursos humanos.
Apesar da região ser hoje predominantemente voltada para o sector secundário
(como no resto do Vale do Sousa) e para algumas actividades terciárias, nem sempre
foi assim. Inicialmente a actividade principal do concelho era o sector primário.
Dados estatísticos, fornecidos pela Associação Empresarial de Paços de Ferreira,
revelam que no ano de 1258 a população que trabalhava na terra somava um total de
70% dos trabalhadores do concelho. Nos séculos XIV e XV com a propagação da
peste, a população acumulou-se nas vias de comunicação que ligavam a povoação ao
Porto e a Guimarães. A percentagem de trabalhadores no sector primário era ainda
de 70%. Em 1836 as terras estavam nas mãos da burguesia local, dos nobres e dos
emigrados no Brasil. As principais colheitas eram o milho, a batata e a vinha. A
exploração pecuária centrava-se principalmente no gado bovino. Nos anos 60 a
introdução da maquinaria na agricultura mundial condenou esta actividade no con-
celho. O tradicionalismo dos sistemas e técnicas agrícolas, a ausência de infra-
estruturas sociais e económicas, a inexistência de uma estratégia de mercado e a fuga
da população activa ao trabalho no campo, deixaram a exploração agrícola do conce-
lho numa crise para a qual restaram apenas duas soluções: a desistência e venda das
terras ou um novo tipo de estrutura agrícola – planeada e actualizada tecnologica-
mente. A agricultura torna-se cada vez menos importante no concelho de Paços de
Ferreira.
60
Em 1920 surgiram as primeiras indústrias mobiliárias. Nos anos 50, o sector
industrial destacava-se ligeiramente do sector agrícola, próximos em número de
população activa. O destaque torna-se mais nítido 10 anos depois e, nas décadas
seguintes, a agricultura volveu-se secundária em relação ao comércio e serviços. Em
apenas 60 anos o sector secundário apoderou-se da mão-de-obra agrícola – 72,7% da
população trabalhadora – contrastando com os 8,4% do sector primário. A agricultu-
ra contava com 38% da população activa em 1950 e 8,4% em 1981. Em 1936 existiam
já várias fábricas de lacticínios, provavelmente relacionadas com a exploração pecuá-
ria. Paços de Ferreira insere-se na área de maior tradição industrial da região norte. A
sua situação privilegiada combinada como aproveitamento de recursos locais tradu-
ziu-se num crescimento superior à média regional e nacional. Verificava-se (e ainda
se verifica) uma predominância das pequenas e médias empresas, por vezes familia-
res. Em 1999 o sector industrial ocupava 73,3% da população activa distribuída por
cerca de 3000 empresas. As freguesias: Paços de Ferreira, Freamunde, Seroa, Frazão e
Penamaior são as que apresentam os maiores índices de população no sector indus-
trial. A evolução da indústria do mobiliário é complexa. A sua origem está relaciona-
da com a existência de fábricas de moagem e serração de madeiras na freguesia de
Arreigada, de fábricas de material escolar e mobiliário doméstico em Freamunde e
com a tradição da tamancaria e marcenaria fortemente presentes no artesanato do
concelho. Numa primeira fase a produção incidia sobre os móveis de grande consu-
mo, em contraplacado, cujos desenhos eram copiados de catálogos estrangeiros –
com «pseudo-estilos». Nos anos 50 e 60 os efectivos nas oficinas de móveis duplica-
ram, resultado: das dificuldades vividas no resto da Europa após a 2ª Guerra Mun-
dial, da protecção aduaneira à indústria nacional e do aumento das disponibilidades
financeiras das famílias portuguesas. Em 1970, 74% da população activa trabalhava
nas indústrias ligadas à madeira, mas em 1981, apenas 63%. Isto deve-se ao aumento
das indústrias têxteis no concelho. Em 1981 o sector do vestuário ocupava 37,2% da
mão-de-obra do sector secundário, existido implicitamente uma abertura do sector
secundário à mão-de-obra feminina. Esta evolução é paralela ao ramo do vestuário
do Vale do Ave e sofre dos mesmos problemas. Após o 25 de Abril a população
aumentou, dinamizando a construção civil. Ampliaram-se as facilidades de crédito.
O aumento generalizado dos rendimentos das populações reflectiu-se na expansão
da indústria de mobiliário. Na década de 80 surgiram diversas fábricas que não pas-
61
savam de simples empresas de acabamentos e revenda. Em 1985, estas lojas, somadas
às oficinas familiares, às pequenas e médias empresas e às grandes fábricas somavam
350 unidades empresariais. Em 2001, 66% da população activa estava empregada no
sector secundário, e 30 % no sector terciário. De referir que, segundo dados de 1999,
16% da população activa estava no ramo do comércio, alojamento e restauração e
72,6% na indústria transformadora. Analisando a distribuição do volume de negócios
no concelho constatamos que: a indústria transformadora movimenta 49% do valor
total, enquanto que ao comércio, ao alojamento e à restauração cabe a parcela de
43,6%. A excessiva especialização da economia local cria dependências e fragilidades
que podem resultar em crise no sector. A tendência das empresas emergentes para
imitar as já existentes nada contribui para evitar a situação.
O concelho sofre de um grande atraso no sector terciário, sobretudo nos servi-
ços, o que obriga o recurso aos concelhos vizinhos. No entanto, teve um forte cresci-
mento: em 1981, 19,1% da população activa estava empregada no sector, em 1991 esta
percentagem era de 26,9% e em 2001 era de 30,8%. A localização próxima do Porto
inibiu o desenvolvimento de funções centrais, de elevado e médio grau de especiali-
zação. O sector terciário é dominado pelo comércio de mobiliário que ocupa cerca de
metade das pessoas afectas ao sector e concentra-se nas freguesias de Paços de Fer-
reira e Freamunde. A seguir ao comércio, os ramos de actividade com mais relevân-
cia são a restauração e os serviços financeiros especializados no apoio a empresas.
Actualmente, o mobiliário e as indústrias ligadas à madeira ocupam o primeiro
lugar das actividades produtivas locais. As razões da concentração anormal de
indústria e comércio do mobiliário em Paços de Ferreira são complexas. Envolvem
factores como a história da industrialização da região e o boom económico do conce-
lho despoletado no período seguinte ao 25 de Abril. O crescimento imobiliário do
país pós-revolucionário alimentou este ramo da indústria e do comércio. Na década
de 80 deu-se início à feira anual agro-alimentar onde se entendeu o mobiliário como
um potencial económico do concelho. A feira tinha como objectivo divulgar a indús-
tria mas progressivamente os comerciantes começaram a integrá-la. Nessa mesma
década houve uma aposta generalizada de implantação de lojas-exposição em contí-
nuo nas estradas do concelho. Nos anos 90 surgiu o slogan “Capital do Móvel”,
desenvolvido pela Associação Empresarial de Paços de Ferreira, com a intenção de
promover no exterior a indústria e comércio de mobiliário do concelho.
62
Qualquer aglomeração em França aspira ser o centro de um espaço significativo e de pelo
menos uma actividade específica. Se Lyon, que é uma metrópole, reivindica, entre muitos
outros títulos, o de “capital da gastronomia”, uma pequena cidade como Thiers pode
declarar-se “capital da cutelaria”, uma vila grande como Digouin “capital da cerâmica”, e
uma aldeia grande como Janzé “berço do frango de quinta”. Estes títulos de glória figuram
hoje à entrada das aglomerações, a par das indicações que indicam a sua geminação com
outras cidades ou aldeias da Europa. Estas indicações, que fornecem de certo modo uma
prova de modernidade e de integração ao novo espaço económico europeu, coexistem com
outras indicações (e outros painéis de informação) que expõem detidamente as curiosida-
des históricas do lugar: capelas do século XIV ou XV, castelos, megalitos, museus do arte-
sanato, dos trabalhos de renda ou da cerâmica.74
74. AUGÉ, Marc, Não-lugares – Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, 90 Graus Editora, Lda., 2005
63
dem no seu estabelecimento. Isto torna incerta a continuidade do funcionamento do
sistema de edifícios montra.
Apesar deste concelho possuir uma economia bastante forte, a população que
concluiu o ensino primário é de 53,4% contra uma percentagem de 2% que frequen-
tou cursos profissionais ou superiores. As empresas do concelho têm uma gestão
empírica e conservadora – as comerciais mais do que as industriais. Estas têm portan-
to baixa propensão para a inovação e cooperação, deficiente compreensão do merca-
do e uma ausência de planeamento e marketing. A AEPF tem como objectivo pro-
mover tanto as indústrias como o comércio.75 Pretende fazê-lo concertando estraté-
gias com a Câmara Municipal de forma a permitir que as novas acessibilidades
fomentem uma aposta no mercado espanhol – facilitando aos potenciais clientes o
acesso automóvel ao concelho. Há também a pretensão da internacionalização das
indústrias de mobiliário. O objectivo de aumentar as qualificações dos trabalhadores,
dos jovens e dos empresários e apoiar técnica e tecnologicamente as empresas, têm
fomentado contactos com duas instituições nacionais: o Centro de Formação Profis-
sional da Indústria de Mobiliário e Madeira e o Centro Tecnológico da Indústria do
Mobiliário e Madeira. A estratégia de localização das empresas em áreas próprias
está prevista – o PDM já contempla algumas áreas industriais – mas o terreno contí-
nuo é limitado pelo que é necessário assegurar novas áreas de industrialização.76 O
modelo industrial assenta nas pequenas empresas, por vezes familiares e instáveis, o
que dificulta a definição de estratégias no sector. A localização dispersa do comércio
de mobiliário não se enquadra na lógica de procura de potenciais clientes. Uma
maior concentração traria economia de meios. A acessibilidade disponibilizada pelo
IC25 potencia as novas áreas de expansão, mas poderá tirar público ao resto do
comércio do concelho (que se concentra nas estradas nacionais). A Via do Poder
Local poderá ser a forma de distribuir o tráfego por todo o concelho. As novas áreas
comerciais (que se situam uma em cada extremo da EN207) vão atrair mais gente à
75. “O mais grave para uma associação, um concelho ou um país não é a crise, mas a incapacidade de gerar ideias que
permitam encontrar saídas para superá-la” (Carlos Dithmer - Secretário Geral da AEPF)
76. A Industria Portuguesa do Mobiliário tem de combater a forte penetração das importações que, pela primeira vez em 1998,
e de forma continuada desde então, ultrapassaram as exportações. As importações têm crescido a um ritmo bastante superior
às exportações, resultando uma balança comercial negativa no sector do mobiliário. Apesar deste défice ter vindo a reduzir-se
em termos percentuais, a tendência mantém-se. AEPF, Caracterização Económica do Concelho de Paços de Ferreira, Paços
de Ferreira, 2002
64
zona (já que é um sistema bastante organizado e divulgado), porque promovem
pequenas exposições que são uma amostra dos grandes armazéns situados na estra-
da mercado. A recente entrada da multinacional Ikea no mercado português não
representa uma ameaça directa, mas divide os consumidores. Pode obrigar à aposta
na qualidade de desenho do mobiliário da região. Projectos de design de mobiliário
como o evento Mobilis deverão ser repetidos. De forma a minimizar a poluição visual
propõe-se normalizar a sinalética e publicidade espalhada pelo concelho referente ao
comércio de mobiliário. As pequenas indústrias devem regulamentar a sua convi-
vência e proximidade com a habitação, abrandando os impactos negativos tanto ao
nível ambiental como urbano77. Procuram-se com estas medidas melhorar e refrescar
a imagem da “Capital do Móvel”.
77. “É patente a problemática do Disperso-Urbano, surgindo a necessidade de racionalização do património fundiário existen-
te e da conveniência em adoptar uma política urbanística que contrarie o desordenado crescimento urbano-industrial, salva-
guardando os recursos ambientais e paisagísticos e promova o cerzimento dos tecidos intersticiais urbanos”, Câmara Munici-
pal de Paços de Ferreira, Plano Director Municipal (em processo de revisão)
65
funcionam como núcleos de cidade compacta (constituídos pelos tradicionais quar-
teirões, ruas e avenidas, praças, rotundas, largos e jardins). É tipologicamente um
território de urbanização difusa (com todas as suas variantes, entre caminhos rurais e
estradas ruas mais ou menos urbanizadas, de forma mais ou menos compacta), mar-
cado por dois núcleos de cidade tradicional e rasgado por várias vias, entre as quais
as três estradas nacionais, anteriormente referidas, algumas variantes (vias rápidas) e
uma auto-estrada (Fig. 9). É possível ler, no edificado, uma concentração forte de
construção, sobretudo em torno da EN207. As outras estradas nacionais existentes
(EN209 e EN319) começam a densificar agora a construção, fenómeno que se relacio-
na com o facto de ambas cruzarem, em dois nós diferentes, a recente auto-estrada
(IC25) e a EN207. Servem de acesso à auto-estrada a partir do centro urbano de Paços
de Ferreira (EN307), ou das suas imediações (EN209). Assim, estes recentes nós de
auto-estrada começam a constituir-se como pontos importantes para futuras localiza-
ções e concentrações de estruturas (o futuro centro comercial do móvel – Multiparque
– já vai aproveitar esta oportunidade). Desde os anos 70 que tem havido um cresci-
mento na construção civil, traduzindo-se num aumento dos aglomerados urbanos de
Freamunde e Paços de Ferreira, onde a malha se conforma em quarteirões regulares,
maioritariamente residenciais. No resto do território há uma dispersão da população
segundo as principais vias de comunicação. Há um padrão de urbanismo repartido e
a habitação é quase inteiramente unifamiliar isolada no lote, resultante de um pro-
cesso de crescimento espontâneo, de raízes rurais. As indústrias estão dispersas pelo
território, coincidindo com a distribuição da população. Isto deve-se a uma procura
de proximidade entre os locais de trabalho e de residência dos operários. Esta reali-
dade urbano-industrial resultou de um rápido crescimento que implicou “versatili-
dade na autorização da convivência urbanística” de residências e indústrias. Foi esta
versatilidade que permitiu o aparecimento de pequenas unidades industriais que são
agora o cerne da riqueza económica do concelho. É de referir a importância do auto-
móvel particular. Sendo um território vasto e mal servido de transportes públicos, o
carro particular é o principal meio de transporte e a principal referência para o dese-
nho das vias e, por conseguinte, da malha urbana. As novas propostas dos órgãos
executivos procuram o cerzimento dos tecidos urbanos retalhados e o controle da
promiscuidade urbano-industrial salvaguardando os recursos ambientais. A malha é
predominantemente orgânica, apesar de alguns momentos ortogonais nas polarida-
68
des urbanas. É uma malha fragmentada e com nucleações porque se adapta à topo-
grafia. É difícil estabelecer um juízo sobre a precedência da malha em relação ao
edificado. No entanto, sabe-se que tem origens rurais, definidas pela separação das
terras de cultivo e pela ligação entre antigos núcleos. Há uma enorme desproporção
entre o edificado e o número de vias.
A cidade difusa em Paços de Ferreira não segue exactamente as fases de génese
e evolução da cidade difusa sugeridas por Francesco Indovina, no seu texto A cidade
difusa78. Segundo o autor, estas são, respectivamente e por ordem: “cidades inseridas
em espaço agrícola”, “cidades rodeadas por campo urbanizado” e, finalmente, “uma
única grande cidade com algumas zonas de campo incorporadas nela”. Isto porque, à
excepção do pequeno núcleo central parcialmente consolidado, não houve uma cida-
de, no sentido comum, inserida num espaço agrícola ou rodeada por campo urbani-
zado. A menos que consideremos o contexto de cidade território do Porto onde isso,
de facto, acontece. Neste caso Paços de Ferreira poderia ser considerado o campo
urbanizado da área urbana do Porto: teria sido inicialmente o seu “espaço agrícola”
para mais tarde se converter em “campo urbanizado” (atingindo a segunda fase). A
terceira fase parece-nos mais difícil aplicar a este contexto. Apesar da ambiguidade
dos conceitos, não se percebe (pelo menos agora) uma contiguidade urbana clara
(mesmo que com falhas) do Porto até Paços de Ferreira (ainda que funcionem em
relação). Integrar a urbanização difusa do território de estudo na mancha urbana do
Porto, parece-nos assim forçado. Existe uma grande falha entre as duas manchas,
determinada sobretudo pelos acidentes naturais, que as mantém muito distantes. Só
recentemente se deu a sua união em termos de vias de comunicação de alta velocida-
de (auto-estrada IC25). Não queremos contudo dizer que a fusão das manchas urba-
nas do Porto e Paços de Ferreira não possa vir a acontecer. No entanto, a eleição do
território de estudo para este trabalho foi feita com base na interpretação da conjectu-
ra actual – sem contiguidade.
Indovina define três características que identificam a cidade difusa no seu esta-
do de maturação. Em analogia com a área em estudo detectam-se equivalências e
78. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in AAVV, Lo urbano: en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona,
2004) – 1ª Edição 1990 (tradução livre). Nota: todas as citações deste capítulo, não referenciadas a partir deste ponto, perten-
cem a este mesmo livro
69
diferenças das mesmas. A primeira característica define a cidade difusa como uma
área que comporta “massa consistente de cidade e população, pelo menos em parte
de serviços e actividades produtivas”. Isto é verificável em Paços de Ferreira, onde
predominam essencialmente duas actividades: a habitação e a indústria/comércio de
mobiliário. Os serviços são contudo um pouco escassos e concentrados no centro
urbano. Confirma-se também que há uma “dispersão no território tão vasta que não
apresenta em conjunto fenómenos de alta densidade e intensidade do tipo urbano
[clássico]”, à excepção de alguns pequenos núcleos (demasiado pequenos para che-
garem a ter um peso urbano forte) e da zona central (que está entretanto a densificar-
se). A “mistura entre concentração e difusão parece ser a tipologia recorrente”.
Finalmente, verifica-se a típica “alta conexão entre os diferentes pontos do território”
já que este é raiado de estradas que evidenciam a mobilidade.
Indovina, defende que a cidade difusa padece de ausência de “imagem dese-
nhada” no sentido tradicional, ou seja, da inexistência de planeamento e de desenho
do espaço. Paços de Ferreira tem um crescimento e um desenho espontâneos, natu-
rais, embora naturalmente influenciados por algumas regras gerais urbanas (RGEU,
por exemplo) aplicadas de forma indiferente a todo o território nacional. Tem, por-
tanto, uma imagem de “campo construído”, que cresce através de “soluções de con-
tinuidade”. E é, em contraste com a cidade consolidada, “grande consumidora de
território”.
Não nos parece que haja ainda, grandes movimentos ou migrações intra ou inter
municipais. Ou seja, o que deverá ter acontecido, em termos populacionais, foi a
adaptação gradual de uma população rural a um novo modo de vida, urbanizando-
se. Hoje, a grande maioria da população local trabalha directa ou indirectamente
para as actividades industriais e comercias da área do mobiliário. Este território não
é, pelo menos por agora, apelativo para quem procura fugir da cidade compacta.
Embora seja essa a vontade actual dos autarcas, apresentando as vantagens da quali-
dade ambiental e eventualmente vantagens económicas em termos do custo da habi-
tação (benefícios mais ou menos comuns na cidade difusa) como razões para a pro-
cura desta cidade enquanto residência para quem trabalha no Porto ou na área
metropolitana. A ideia é responder às aspirações da classe média – “a classe média
tem um modelo de habitar que não encontra satisfação na cidade concentrada”. No
concelho faltam, no entanto, “algumas características do tipo urbano – a nova onda
70
de migração teve uma experiência urbana a que moldou as suas necessidades – man-
tém-se alguns costumes urbanos”. Esta migração de fuga da cidade compacta para a
cidade difusa é, assim, muitas vezes, responsável por uma exigência maior de uma
série de infra-estruturas, equipamentos e serviços, para responder às referidas neces-
sidades e costumes urbanos desta população. Tal como descreve Indovina, também
aqui o colectivo pouco se sente e é “substituído pelo mercado” parecendo-nos dar-se
o fenómeno de “restrição do conceito de habitar ao de simples «casa» e deterioração
da relação casa – serviços colectivos”. As questões das “tipologias sociais” propostas
por Indovina não nos parece colocarem-se, esta cidade não é direcção de migração ou
da “fuga à cidade”. Confirma-se o “alcance de níveis económicos mais elevados” que
conduzem à “busca de melhores condições residenciais”, mas este é um fenómeno
interno – com a permanência das pessoas. O tipo habitacional é esmagadoramente a
moradia unifamiliar, com maior ou menor carácter rural, de maior ou menor quali-
dade ou nível económico e de ostentação, onde muitas vezes “os sujeitos solicitantes
são eles os promotores e às vezes autoconstrutores”, sendo que “a seguir é que apa-
rece a oferta institucional”.
Quanto à referida “ausência de uma adequada rede de infra-estruturas” ineren-
te à cidade difusa, verifica-se a cobertura das infra-estruturas básicas (água, sanea-
mento básico e electricidade), mas debilidades noutras. O suporte viário é de quali-
dade deficiente (sobretudo as vias capilares), há muitos caminhos rurais e estrangu-
lamentos nas estradas, que impedem a sua melhoria. Os transportes colectivos rodo-
viários são reduzidos. Os ferroviários, como foi dito, inexistentes. A via rodoviária de
alta velocidade (auto-estrada) chegou agora ao concelho e um conjunto de estradas
variantes às nacionais está a ser construído neste momento. Pensamos que estes dois
factores possam reduzir o frequente congestionamento das ruas principais da cidade.
Confirma-se a “exigência crescente de serviços” e o “incremento da dotação de infra-
estruturas”, sobretudo com o aumento da população, sendo que, como diz Indovina,
“a qualidade é também induzida pelo número de pessoas”. O fenómeno de cresci-
mento de infra-estruturas e serviços confirma-se como sendo não homogéneo. Indo-
vina refere ainda que “as situações de urbanização difusa não conhecem no sector
privado os serviços urbanos; abordam directamente os serviços metropolitanos”.
Aqui no entanto não há, praticamente serviços metropolitanos, sendo que os poucos
serviços que existem são da escala urbana, concentrados no centro.
71
A mobilidade, como é típico na cidade difusa, faz-se quase unicamente através
do transporte automóvel individual. Como já foi dito, em Paços de Ferreira haverá
cerca de um automóvel para cada dois habitantes. Percebe-se uma grande habituação
ao uso deste tipo de transporte e pouca motivação para o uso do transporte público.
Segundo os autarcas, este não é desejado pela população; a autarquia garante apenas
o transporte escolar. Existe algum (escasso) transporte rodoviário colectivo, sobretu-
do de ligação aos outros concelhos da região e ao Porto. Em Paços de Ferreira “a
população apresenta-se fortemente penalizada em termos de acessibilidade física”,
caso não se encontre motorizada. O “uso do automóvel privado como uma prótese
(ou seja, utilizado para todas as movimentações) aumenta a propensão à mobilidade
e amplia o território acessível”, para além de que “a maior propensão ao movimento
e maior acessibilidade são factores que anulam a ausência de densidade e intensida-
de (necessárias à criação do efeito cidade)”, segundo Indovina. Tal como ele diz: Fig. 10 – Antigas Polaridades: as
estradas nacionais (sobretudo a
“Sem o automóvel privado a cidade difusa não poderia existir.” EN207) e o núcleo compacto
A “conexão residência – actividade produtiva” através da “localização difusa de
pequenas empresas” é explícita em Paços de Ferreira. As PMEs são muitas vezes do
tipo familiar e algumas funcionam quase a nível individual. Concentram no mesmo
edifício a habitação do proprietário, a loja e a indústria (nas traseiras, ou na proximi-
dade). Este é um modelo que existe muito no concelho, ainda que tenda a ser substi-
tuído por outros de carácter menos familiar e menos local. Estas pequenas empresas
surgem muitas vezes impulsionadas por ex-operários provenientes das grandes.
Indovina distingue área metropolitana de cidade difusa pelos sistemas hierár-
quicos que as estruturam. A primeira é fortemente hierarquizada, com conexões Fig. 11 – Novas polaridades: as
grandes superfícies de venda de
verticais e mono-direccionalidade dos fluxos. Na segunda praticamente não há estra- mobiliário (a vermelho) e os
shoppings ou hipermercados (a
tificação, as conexões são horizontais e constata-se a pluri-direccionalidade dos flu-
xos. No caso em estudo não se percebe uma forte polarização na direcção da área
metropolitana do Porto (a única em proximidade) e esta não expulsa actividades
para aqui. Contudo a cidade difusa “gera no seu interior certas hierarquias e especia-
lizações”. Os expoentes máximos de importância no concelho são a EN207 – porque
detém o comércio e produção de mobiliário – e o núcleo central da cidade – porque
concentra a oferta de serviços, restauração e outro tipo de comércio. Tal como refere
Indovina, a cidade difusa constitui-se num “território estruturado em velhas e novas
hierarquias”. Podemos interpretar as estradas nacionais, sobretudo a EN207 e os
72
núcleos concentrados (Paços de Ferreira e Freamunde) como as velhas hierarquias
(Fig. 10). As novas são estabelecidas por estruturas recentes (Fig. 11): o centro comer-
cial de mobiliário doMóvel, o hipermercado Modelo e o hipermercado Intermarché
(com estação de serviço e loja de bricolage). Adivinham-se outras hierarquias: o futuro
centro comercial convencional Ferrara Plazza e a futura mega-estrutura de venda de
mobiliário Multiparque. Curiosamente, as duas mega-estruturas de venda de mobili-
lário (doMóvel e Multiparque), tendo boa acessibilidade à auto-estrada, posicionam-se
nos dois extremos da EN207. Esta localização pode potenciar a utilização da estrada
nacional (que perderá provavelmente o peso de trânsito que possui tendendo a
aproximar-se de uma rua tradicional) enquanto percurso comercial. Passariam a
subsistir os dois modelos hierárquicos em complementaridade.
Como na maioria dos concelhos portugueses, o território em estudo desenvol-
veu-se urbanisticamente de forma espontânea e com ausência quase total de planea-
mento. A excepção consistiu nos regulamentos gerais (como o RGEU ou os regula-
mentos sobre a construção próxima das estradas nacionais). É só em 1994, com a
elaboração do PDM, que se inicia o processo de planeamento. Este surge tardiamen-
te, após o boom de construção no concelho, como aconteceu no resto do país. Encon-
tra-se em estudo a sua segunda versão, que deveria ter sido concluída em 2004. O
PDM estabelece a estrutura espacial do território municipal constituindo uma síntese
da estratégia de desenvolvimento e ordenamento local, integrando as opções de
âmbito nacional e regional com incidência na respectiva área de intervenção. Assenta
na classificação do solo e desenvolve-se através da qualificação do mesmo. Da análise
dos dois PDM’s (inicial e em revisão), pudemos retirar algumas conclusões, relati-
vamente aos vários parâmetros que os compõem:
• Solo urbanizado e equipamentos (Fig. 12): com a análise dos PDM’s identifi-
cámos dois pólos com uma carregada mancha de construção/espaços urbanizados,
no Centro de Paços de Ferreira e Freamunde, pontos fundamentais para a estrutura-
ção do território do concelho. Os espaços urbanos são caracterizados pelo elevado
nível de infraestruturação e concentração de edificado, onde o solo se destina prefe-
Fig. 12 – Solo urbanizado e equi- rencialmente à construção. A principal diferença entre estes dois Planos é a área de
pamentos (PDM de 1994 e PDM em
revisão): baixa densidade (castanho mancha urbanizada, que se foi estendendo ao longo dos dez anos que os separam. É
claro), média densidade (castanho
intermédio), alta densidade (casta-
indiscutível a diferença de rigor e especificidade dos estudos (ao nível do correcto
nho escuro) e equipamentos (azul) levantamento do território e da aplicação da legislação). No primeiro plano a preo-
73
cupação com a pulverização dos equipamentos no território era inexistente (eles nem
sequer aparecem no desenho) e actualmente existe um estudo cuidado sobre a distri-
buição equilibrada das funções de habitação, trabalho, cultura e lazer.
• Solo industrial (Fig. 13): através dos PDM’s em análise verificámos que existe
uma manifesta vontade de aumentar as zonas industriais do concelho. As estratégias
de localização visam atingir a maior mobilidade possível. No entanto, verificámos
também, que existe uma ausência de estratégia de ordenamento no que toca à
pequena e média industria, que se dispõem de forma fragmentada, desajustada e
aleatória no território em estudo. A indústria sempre foi vista como um elemento
negativo e desestruturante, uma presença indesejada, devido às perturbações que
causa no ambiente. Mas a presença industrial é inevitável – cria postos de trabalho,
traz novos produtos para o mercado do país, aumenta as exportações e condiciona a
nossa acção no mercado internacional. Assim sendo, defende-se a concentração para
que só se tenha de sacrificar um local. Esta politica de intervenção no território levou Fig. 13 – Solo industrial (PDM de
1994 e PDM em revisão)
à criação de pólos industriais destinados a actividades transformadoras e serviços
próprios, apresentando um elevado nível de infraestruturação ou uma forte intenção
de que isso venha a acontecer. No concelho, o sector industrial destina-se essencial-
mente ao ramo mobiliário, uma mono-especialização que condiciona o território de
forma densa e difusa, localizando-se preferencialmente ao longo da rede viária dis-
tribuidora. Este modelo industrial difuso funciona quando é complementado por
outras unidades industriais. No PDM de 2004 corrige-se o erro de rigor do anterior,
recortando cuidadosamente da zona industrial o espaço destinado à rede nacional de
estradas e sua envolvente.
• Solo a urbanizar (Fig. 14): os espaços urbanizáveis são assim denominados por
poderem vir a adquirir características de espaços urbanos. São geralmente designa-
dos por áreas de expansão. As zonas mistas constituem a área urbanizável por exce-
lência e implicam o entendimento dos tecidos urbanos existentes e a formar (usos
residenciais, comerciais e de serviços). Estas prevêem a diversidade de actividades e
usos, sendo a função dominante a habitação. No processo de alargamento do tecido
urbano e de desestruturação do espaço agrícola, é este tipo de solo que surge como
principal factor de pressão e especulação. Este fenómeno assume diferentes intensi-
Fig. 14 – Solo a urbanizar (PDM de
dades conforme a localização dos terrenos e a dinâmica social existente. Não admira, 1994 e PDM em revisão): espaço
construído (cinza) e espaço a
portanto, que o espaço peri-urbano seja, de entre o fragmentado espaço rural o mais construir (laranja)
74
fortemente sujeito a pressões de urbanização. Também é claro que o espaço agrícola e
florestal, por vezes altamente segmentado com acessos e infra-estruturas deficientes
que diminuem o seu valor de mercado, acaba por ser um espaço altamente procura-
do e sujeito a pressões. O alargamento dos tecidos reflecte-se não só no aumento dos
subúrbios que envolvem o centro mas também na extensão e dispersão da população
e actividades. O espaço que envolve o núcleo central é sujeito a loteamentos sucessi-
vos que vão aproximando os aglomerados desfragmentados.
• Reservas naturais (Fig. 15): a evolução populacional resultou numa destruição
de terrenos férteis, ocupando-os com actividades mais lucrativas como a indústria.
Esta evolução fez-se sentir muito fortemente no concelho de Paços de Ferreira – uma
mudança brutal do sector primário para o sector secundário. Para tentar atenuar este
rápido desenvolvimento, criaram-se as reservas nacionais (Reserva Agrícola Nacio-
nal e Reserva Ecológica Nacional) nos anos 80 – pelo Ministro da Qualidade de Vida,
Ribeiro Telles – com o único propósito de proteger áreas de valor ecológico e agríco-
la. As RAN são áreas que englobam espaços de maior aptidão agrícola, com o objec-
tivo de contribuir para o desenvolvimento desta actividade, e para um ordenamento
do território mais correcto. As REN constituem uma estrutura ecológica que “(…)
garante a protecção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos
biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades huma-
nas”79. Na região em estudo, as reservas assumem particular importância nas áreas
que correspondem às margens dos rios, às margens dos cursos de água e às áreas de
ocupação de uso do solo florestal em protecção. A morfologia do território define
vales intensos, com enorme interesse paisagístico. Torna-se portanto óbvio que nas
zonas determinadas Reservas Nacionais, as construções sejam possíveis, mas míni-
mas. Estas não podem afectar a envolvente negativamente, quer do ponto de vista da
Fig. 15 – Reservas naturais (PDM de imagem, da utilização e salubridade (sendo os critérios bem mais detalhados, como
1994 e PDM em revisão): REN
(cinza) e RAN (verde) os metros quadrados da construção, os materiais empregues, etc.). Na revisão do
Plano Director Municipal em estudo, concluiu-se que “A RAN necessitava de ser
ajustada, pois integrava aglomerados urbanos consolidados bem como áreas inseri-
das em loteamentos urbanos aprovados e plenamente eficazes, inviabilizando qual-
79. Ministério das Obras Públicas, Gabinete do Ministro, Diário da República, Decreto-Lei 93/90, 31 de Março
75
quer alteração, ainda que de pormenor, não permitindo, em alguns casos, a consoli-
dação e/ou expansão no interior dos aglomerados.”80 Enquanto que “A REN encon-
trava-se desajustada por razões análogas às que consideraram para a RAN.”81
• Zonas agro-florestais e florestais (Fig. 16): as zonas agro-florestais são espaços
destinados a vários usos entre os quais: prados permanentes, florestas naturais,
pomares, vinhas, hortas, regadios, etc. A actividade agrícola tende a articular-se
espacialmente com a indústria. A agricultura continua a fazer-se sentir através de
pequenas explorações individuais, ao longo do espaço em estudo, uma característica
essencial para explicar a convivência urbano/rural existente no território. Esta, con-
tudo, perdeu importância devido à constante urbanização sofrida no concelho. O seu
abandono total poderá causar diversas paisagens: se seguido de um processo de
regeneração florestal não causará degradação ambiental; poderá também adquirir
naturalmente uma estabilidade como zona selvagem; ou ainda, acontecer a degrada-
ção do solo por não servir nenhuma actividade e/ou utilidade. A recuperação destes
terrenos poderá passar pela reconversão do uso do solo. Sobre os espaços florestais
podemos referir dois tipos de utilização: o de protecção e o de produção. As zonas
florestais são ricas na diversidade e complexidade biológica daí a consequente pro-
tecção. A floresta cria paisagens de qualidade, locais propícios para actividades
recreativas, como o passeio, a pesca e a caça, actividades que podem levar ao seu Fig. 16 – Zonas agro-florestais e
florestais (PDM de 1994 e PDM em
desgaste. “As áreas florestais de protecção, denominadas, na versão originária, como revisão): florestal de protecção
(verde claro), florestal de produção
áreas florestais de produção e áreas florestais estruturantes, correspondem, no essen- (verde intermédio) e agro-florestal
(verde escuro)
cial, às áreas da REN (…)”82 As zonas florestais de produção fornecem matéria-prima
importante para a economia do concelho: a madeira. Estes espaços foram diminuin-
do ao longo dos anos com o alargamento das áreas destinadas ao fabrico, adquirindo
o estatuto de zona de protecção.
• Zonas únicas (Fig. 17): quando nos referimos às zonas únicas, temos como
objectivo incluir as áreas de estrutura ecológica urbana e as áreas de interesse públi-
co, a salvaguardando de edifícios e monumentos. A área da estrutura ecológica
urbana tem vindo a crescer. Os espaços de maior interesse para incluir neste zona-
80. Câmara Municipal de Paços de Ferreira, Plano Director Municipal (em processo de revisão), Paços de Ferreira, 2004
81. Idem, Ibidem
82. Idem, Ibidem
76
mento são as margens dos rios e linhas de água. No PDM de 1994, perto da sede
urbana da cidade, já existia uma zona para a criação de um parque urbano. O aumen-
to da procura deste tipo de espaços proporcionou um interesse pelas áreas recreati-
vas, de lazer e turísticas. O sistema natural acessível à população, o usufruto paisa-
gístico completamente aberto e democrático implica manutenção. Existem, em Paços
de Ferreira, 54 imóveis de interesse público, dos quais 9 são Património Classificado
e a classificar; 45 são Património Arquitectónico. Relativamente ao Património
Arqueológico são 12 as áreas de protecção, e 5 destas pertencem ao Património Clas-
sificado e por classificar. Distribuem-se pelo território imóveis religiosos e civis que
datam de diversas épocas: pré-história, idade do Bronze, Idade do Ferro, etc. A loca-
lização dos edifícios é curiosa, nota-se uma pontual implantação ao longo dos cursos
de água. As áreas de protecção diminuíram mas, são mais os edifícios que merecem
destaque e salvaguarda. O concelho de Paços de Ferreira começa a utilizar premissas
de interesse cultural para incentivar a procura turística. A Citânia de Sanfins é muitas
Fig. 17 – Zonas únicas (PDM de vezes procurada para visitas de estudo ou lazer. A criação de um roteiro turístico
1994 e PDM em revisão): estruturas
ecológicas (cinza), linhas de água para visitar o património do concelho já está a ser pensado.
(azul), áreas de protecção (contorno
lilás) e áreas de património arqueo-
lógico (mancha lilás)
77
4. ESTRADA MERCADO
81
núcleos urbanos, ou então como faixas soltas no território que se organizam unica-
mente em torno da estrada. Estas vias constituem-se muitas vezes como cidades
lineares onde ao longo do seu percurso se pode encontrar de tudo o que é indispen-
sável à vida. Este crescimento da cidade (ou do urbano) ao longo de estradas urbani-
zadas (forma típica de crescimento da cidade difusa) acaba por demonstrar como a
questão dos limites já nada interessa à cidade contemporânea. Estas estradas urbani-
zam-se e densificam-se em certas áreas e não noutras imediatamente a seguir. Podem
existir em contiguidade trechos que se transformaram em cidade compacta e outros
onde o carácter de estrada não se perdeu pois não se urbanizou. Assim, a cidade vai
aparecendo e desaparecendo intermitentemente ao longo da via.
Pode-se dizer que a cidade difusa apresenta, em contraponto à rua, a estrada ou
Fig. 20 – Rua tradicional da cidade
a «estrada rua» (Figs. 20, 21 e 22). Ainda que este tipo de classificação seja muito consolidada (centro de Paços de Ferreira)
difícil de fazer, como é qualquer classificação dos fenómenos urbanos deste território,
pois entre estrada e rua existem infinitas situações intermédias. A estrada rua é uma
delas e é o tipo mais comum que encontramos na cidade difusa. Rua e estrada con-
fundem-se constantemente. A mesma via produz recorrentemente vários tipos de
ambiente: ora é caminho rural, ora é rua, ora é estrada, via rápida ou mesmo auto-
estrada. Este tipo de acontecimento é sobretudo habitual nas estradas nacionais pois
foram elas que durante muitos anos desempenharam a função de maior ligação entre Fig. 21 – Estrada no concelho de Paços
as cidades e núcleos urbanos (entre capitais de distrito, entre sedes de concelho, etc.). de Ferreira
82
vezes numa espécie de centro urbano de uma determinada zona. Liga e articula os
pontos e funções mais diversos, servindo de canal de atravessamento longitudinal e
de relacionamento transversal. Está muitas vezes sujeita a uma descarga pesada de
trânsito, e a uma concentração de funções e actividades diversas (como é o caso das
estradas mercado).
A «estrada mercado», conceito utilizado no estudo Cidade Difusa do Noroeste
Peninsular83 (“aglomerações axiais ao longo de eixos preferenciais de mobilidade e de
relação”), nos livros Políticas Urbanas84 (“eixo comercial «espontâneo» ao longo da
via”85) e Il territorio che cambia – ambienti, paesaggi e immagini della regione milanese86
(designada strada mercato ou “nastri” comerciali) define a estrada urbanizada com
comércio de forma dispersa ao longo da via. É um exemplo de estrada rua que faz a
ligação entre importantes núcleos e tem características mistas urbano viárias onde o
comércio é particularmente predominante. Este é um conceito algo ambíguo, pois
não define características fixas para este tipo de estrutura; por outro lado, é a melhor
designação porque este fenómeno é também ele pouco claro e definido. Na obra
acima referida (Il territorio che cambia – ambienti, paesaggi e immagini della regione mila-
nesse) a estrada mercado da região milanesa é definida da seguinte forma:
Actividades comerciais, ainda que muito diferentes entre si, organizam-se ao longo das
infra-estruturas territoriais principais – estradas estatais, provinciais, intercomunais – cons-
tituindo urbanizações lineares que se tornam a referência para amplas porções de território
(frequentemente de urbanização difusa) e configuram-se como localizações comerciais
reconhecíveis em alternativa aquelas tradicionais dos centros históricos. A acessibilidade
automobilística e a disponibilidade das amplas superfícies são as condições irrenunciáveis
da actividade comercial “de vocação territorial” que compõem o fenómeno da estrada
mercado.87
83. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Porto, 2002
84. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003
85. Idem, Ibidem
86. Stefano Boeri, Arturo Lanzani e Edoardo Marini: Il territorio che cambia : ambienti, paesaggi e immagini della regione
milanese, Abitare Se gesta, Milano, 1993
87. Idem, Ibidem
83
A palavra estrada utiliza-se normalmente para definir um percurso, um canal,
uma infra-estrutura que permite a ligação física entre localidades, ou ainda, um cor-
redor perfeitamente delineado, cujas ramificações possibilitam uma maior permeabi-
lidade no território, favorecendo a dinâmica de movimentos. “A estrada é corredor,
lugar de passagem, suporte de relações longínquas ou próximas, elemento de per-
meabilidade dos territórios, sistema de capilaridades onde, por uma espécie de pro-
cesso de percolação, se multiplicam tipologias, funções, usos (…)”88. Segundo o
Dicionário Digital On-line Priberam, a definição da palavra é a seguinte: “s. f., via ter-
restre, geralmente pública e destinada ao trânsito automóvel”89.
A palavra mercado define normalmente um agrupamento de comerciantes, num
espaço amplo e público (como na feira semanal por exemplo) com o objectivo de com-
pra e venda, como esclarece a definição a seguinte: “s. m., lugar onde se vendem
comestíveis e outros géneros; feira; povoação onde há grande movimento comercial;
centro de comércio; o comércio”.90
Na cidade medieval, as feiras revelaram-se importantes meios abastecedores de
mercadorias e bens alimentares de uma ampla região. Existiam para além da venda
no rés-do-chão das casas da cidade, que especializavam as ruas num determinado
ramo de comércio. Além deste tipo de actividade comercial, existiam outros, como é
o caso da venda ambulante e porta a porta. A vantagem das feiras enquanto grandes
concentrações de vendedores era a facilidade de comparação de produtos e preços.
As feiras aumentavam em número e dimensão quando comércio e produção estavam
associados. Os produtos comercializados provinham maioritariamente da agricultu-
ra. As feiras e mercados eram normalmente organizados nas portas das muralhas das
cidades. Na casa gótica mercantil existiam indícios de um modelo comercial e habita-
cional misto, formados sobre uma parcela estreita e profunda, onde se sobrepõe o
habitáculo da unidade familiar com o local para a actividade produtiva, convertendo
assim a rua num lugar de intercâmbio e trabalho.
88. Álvaro Domingues, «Novas paisagens urbanas», in Jornal Arquitectos, nº 206, Maio/Junho de 2002
89. AAVV, Dicionário Digital On-line Priberam, Texto Editores (http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx)
90. Idem
84
Como se desenvolve o comércio? Na origem, na pequena cidade, o comércio encontra-se
no seu coração num espaço privilegiado pelas possibilidades de acesso, que lhe asseguram
o máximo de clientes e lhe permitem desenvolver-se (…). Paralelamente ao crescimento
urbano, multiplicam-se os estabelecimentos comerciais: o núcleo enche-se e desenvolve
tentáculos que acompanham o alongamento de grandes eixos de circulação. Esta estrutura
é comum às cidades pequenas e médias. (…)91
O comércio fixo atinge maior importância no final do século XIX quando ocupa
definitivamente o rés-do-chão das habitações ou, mais raramente, alguns andares
superiores. As ruas comerciais (mais ou menos especializadas) generalizaram-se
como modelos de organização do comércio, usando muitas vezes antigos percursos
de acesso às cidades para se desenvolverem (como é exemplo a Rua de Costa Cabral,
na entrada norte da cidade do Porto). Hoje as implantações comerciais são cada vez
mais periféricas aos antigos centros. Localizam-se estrategicamente assumindo o
automóvel como principal destinatário (procurando os pontos de maior acessibilida-
de - nós do sistema rodoviário arterial) e como elemento indispensável da relação
interesse/tempo/velocidade. Destrói-se a antiga ligação entre concentração comer-
cial e proximidade geográfica:
Não é pelo facto de um indivíduo estar mais próximo de um núcleo comercial que o fre-
quentará. Pode preferir um outro mais afastado, mas que lhe «convenha» mais – e neste
termo podem entrar situações complexas: preço, hábitos, percepções mais favoráveis,
agrupamentos de certas actividades92
91. Jacqueline Garnier, Geografia Urbana, Edição da Fundação Colouste Gulbenkian, Lisboa, 1997
92. Idem, Ibidem
85
Las Vegas93. Neste caso, temos uma auto-estrada e os edifícios são de grande escala
(metropolitana - escala de hipermercado ou shopping) com funções diferentes (casi-
nos, motéis e capelas nupciais). No entanto, há também um carácter de aglomeração
linear comercial, com um funcionamento quase exclusivo na lógica do automóvel e
um enorme investimento em publicidade e sinalética como meio de atracção. Este é,
de certa forma, um fenómeno semelhante ao da estrada mercado. Se a via é o elemen-
to estrutural da cidade difusa, mais do que da cidade concentrada, a estrada rua e a
estrada urbanizada não são mais que o seu elemento modular e constituinte. A estra-
da mercado é um caso concreto, com particular importância urbana. Estudar esse
elemento modular é uma forma de estudar a própria cidade difusa, a partir do seu
elemento tipo. A estrada mercado é assim, simplificando, um fenómeno de desen-
volvimento urbano de beira de estrada em que o comércio ganha um papel especial
(influenciando o tipo e a morfologia do edificado) ao ponto da estrada funcionar
especialmente para este objectivo:
Intervir na cidade difusa é em primeiro lugar, intervir sobre a via. Isto porque
este espaço intermédio e misto entre cidade e campo é feito sobretudo de aglomera-
ções lineares. A parte urbanizada deste território consiste em faixas de construção
(mais ou menos contínuas, agarradas a vias) que o rasgam. Como intervir nas estra-
93. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma
arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 (tradução livre)
94. Stefano Boeri, Arturo Lanzani e Edoardo Marini: Il territorio che cambia : ambienti, paesaggi e immagini della regione
milanese, Abitare Se gesta, Milano, 1993 (tradução livre)
86
das mercado? Quais os seus problemas? Tradicionalmente estas vias sofrem de
excesso de trânsito e de velocidade. Caracterizam-se pela falta de segurança, de qua-
lidade e de continuidade na circulação pedonal que tem grandes dificuldades de
atravessamento. A escassez de transportes colectivos, normalmente de má qualidade,
com paragens desadequadas ao nível do trânsito (condicionando-o) e do peão (mal
resguardadas, sem passeio) assim como a pouca largura no espaço para além da via
são problemas recorrentes. Sintetizando, corporizam um problema essencial – o de
combinarem na mesma via um carácter de atravessamento e de inter-relação, de
percurso e de cruzamento, de via rápida e de rua. As estradas mercado são lugar de
projecto, um lugar de certa forma novo, que deverá ser alvo, antes de mais, da reso-
lução deste tipo de problemas:
Uma vez que estamos perante territórios com um forte défice infraestrutural, o caso da
«estrada-mercado» (um conflito entre a rua “urbana” e o canal de tráfego) constitui um
bom laboratório: a desclassificação dessas vias (implicando o desvio do tráfego para outros
corredores) permite o alargamento dos passeios, a gestão do estacionamento, a arboriza-
ção, a instalação de galerias técnicas (água, saneamento, energia, cablagem, etc.); ao mesmo
tempo, a densificação linear pode viabilizar a introdução de transporte colectivo. No caso
da presença de actividades com impactes negativos (ruído, materiais perigosos, poluição
atmosférica) o conflito aumenta e só é resolúvel com medidas drásticas de re-localização ou
de forte regulamentação das novas localizações.95
95. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003
87
4.2 Caso de estudo
O caso concreto em estudo é a EN207, no concelho de Paços de Ferreira (Fig. 23).
Importante eixo de ligação para a região, une Alfena e Lousada, atravessando o cen-
tro de Paços de Ferreira e de Freamunde. É um caso muito particular deste tipo de
estrutura urbana. Particular antes de mais por ser extremamente monofuncional, ou
especializada (em comércio de mobiliário), contrariamente ao que é normal na estra-
da mercado um pouco por todo o país e noutros países (onde se misturam vários
tipos de comércio e serviços). O carácter peculiar de especialização desta estrada traz
Fig. 23 – A EN207
algumas questões sobre o que é na verdade a estrada mercado. Poder-se-á chamar-
lhe estrada mercado?
O mercado na sua designação mais elementar define um espaço de venda onde
há uma diversidade grande de produtos, ainda que todos relacionados com o mesmo
ramo (sobretudo o alimentar). Nas estradas mercado em geral, os ramos são nor-
malmente mais amplos, abrangendo todo o tipo de comércio e restauração (incluindo
mesmo serviços e outras funções). A EN207, em concreto, é eminentemente especiali-
zada, podendo-se encontrar uma diversidade grande de produtos, dentro do mesmo
ramo (o mobiliário). Tem assim um funcionamento semelhante ao do mercado tradi-
cional. Isto não faz com que deixe de ser estrada mercado, é no entanto, uma estrada
mercado específica, e não uma estrada mercado comum. Encerra um excepcional
mediatismo e espectáculo visual, traduzido na sinalética, mas também nas formas
urbanas, que o comércio, e sobretudo a publicidade, naturalmente lhe impõem. Este
mediatismo publicitário é então, a nosso ver, reforçado pela própria monofunciona-
lidade da estrada, uma vez que a concorrência entre comerciantes do mesmo ramo se
torna mais forte e mais directa. Aqui, o comércio de mobiliário é de tal forma predo-
minante (concentra uma enorme parte do comércio e indústria de mobiliário do país)
que praticamente não temos outras funções, à excepção da habitação. A EN207 apre-
senta essencialmente estes dois tipos de funções. O aparecimento de ramos diferentes
de comércio ou serviços (como a restauração, stands de automóveis, vendas de lou-
ças, cabeleireiros por exemplo) é caso raro. O caso de estudo é uma espécie de strip
comercial especializada em mobiliário. É de notar que a venda ambulante de peixe
ou pão, por exemplo, tem um certo peso nesta região e em particular nesta estrada.
O conflito tradicional entre a estrada e a rua está aqui patente. Os espaços
«sobrantes» para além da via, tentam resolver, na ausência de passeio, todo o tipo de
88
outras funções não planeadas (estacionamento, paragem, circulação de peões, inver-
são do sentido da marcha, etc.) uma vez que esta foi pensada quase exclusivamente
para o uso automóvel (a circulação pedonal é perigosa). É constante a alteração da
imagem da via; o desconforto e perigo da sua utilização pedonal (ausência e descon-
tinuidade de passeios); a ausência de espaços públicos programados, desenhados e
estáticos (como os tradicionais - praças, largos e jardins - substituídos pelos alarga-
mentos pontuais da estrada e pelos escassos passeios) e o desconforto automóvel
(pela estrada alternar constantemente de perfil e, portanto, de largura e de carácter,
alterando também a velocidade e cuidado com que se pode circular). A já referida
monofuncionalidade vai dotar a estrada de um enorme número de edifícios caracte-
rísticos – do tipo edifício montra (que serão analisados mais à frente).
Por ser uma importante ligação viária, e portanto, possuir considerável quanti-
dade de tráfego esta estrada foi sendo preferida para a localização de habitações
ligadas à agricultura. Posteriormente, com a industrialização da região, vai-se trans-
formando-se gradualmente numa espécie de centro urbano, centro comercial linear,
espinha dorsal desta cidade difusa. Adquire uma importância simbólica fundamental
pela representatividade e referência conquistada dentro e fora do país, reforçada pela
adopção do slogan “Capital do Móvel” como identificador e factor de atracção da
cidade. A estrada mercado EN207 torna-se assim um caso de estudo interessante ao
ser simultaneamente representativa da realidade nacional (pois é um tipo de ocupa-
ção recorrente no país) e bastante particular pela especialização e concentração
extraordinariamente invulgar de edifícios montra.
Dentro deste tipo urbano o território de estudo apresenta outras estradas seme-
lhantes. Para compreender o enquadramento do fenómeno, recorreu-se à análise
Fig. 24 – EN319 – Rua na cidade com- genérica do território envolvente e ao estudo das outras estradas nacionais, que cru-
pacta
zam o concelho – EN209 e a EN319. Relativamente a estas podemos tirar conclusões
diferentes.
A EN319 é a que menos se assemelha às outras. Tem uma importância inferior
enquanto estrada de carácter nacional. Ao longo do seu trajecto vai apresentando
características diferentes, sendo de todas a mais heterogénea (Figs. 24 e 25). É essen-
cialmente uma estrada de passagem/ligação, de aspecto predominantemente rural,
ladeada na sua maior parte por habitação unifamiliar. Praticamente não existem
Fig. 25 – EN319 – Estrada na cidade
alargada outras funções, à excepção do troço de atravessamento do centro urbano de Paços de
91
Ferreira, onde se encontram alguns edifícios escolares, equipamentos e comércio.
Assume aqui a forma de rua tradicional de cidade consolidada. Possui ainda um
troço com perfil de via rápida, uma vez que foi incluída na variante – Via do Poder
Local – a sul do centro urbano. Os edifício montra escasseiam, existindo só pontual-
mente, sobretudo junto ao nó da auto-estrada (IC25).
A EN209 (Fig. 26) apresenta mais semelhança com a EN207. Possui um número
significativo de edifícios montra, mas tem, no entanto, um carácter mais plurifuncio- Fig. 26 – EN209
nal do que as outras duas. É aquela que apresenta maior variedade de funções urba-
nas, e portanto, uma vivência urbana mais intensa. Congrega um número significati-
vo de estabelecimentos de restauração, o que é normalmente indício de alguma
intensidade urbana. A concentração de edifícios montra tem uma densidade inferior
(do que na EN207) apesar de se manter presente para além da área de estudo, duran-
te vários quilómetros. Mantém esta baixa concentração durante todo o percurso.
Ao percorrer o território de estudo podemos facilmente perceber que estas três
estradas são realmente estruturantes, referentes simbólicos e de orientação. Permi-
tem-nos rapidamente perceber a localização no território, sobretudo se conseguirmos
perceber qual o sentido da estrada onde nos encontramos. Circulando pelas restantes
vias rapidamente acabamos por nos cruzar com uma destas nacionais.
92
5. TIPOLOGIA DO EDIFÍCIO MONTRA
96. Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche, Eléments d’analyse urbaine, AAM
Editions, Bruxelles, 1980 (tradução livre)
93
(defendendo que “a criação de formas espaciais torna-se uma espécie de combinação
científica”), por Brinkmann, Riegl, Schmarsow, Seldmayr, Portoghesi e Cristian Nor-
berg-Schulz.
J.N.L. Durand elabora um estudo intitulado Recolha e Paralelo dos Edifícios de
todos os géneros Antigos e Modernos, notáveis pela sua beleza, pela sua grandeza ou pela sua
singularidade, e desenhados à mesma escala. Constitui-se como uma classificação tipoló-
gica dos edifícios que formavam na época (1801) a base da cultura arquitectural. No
entanto, é uma recolha feita por um arquitecto com o objectivo de servir o ensino
(onde este trabalhava) e o projecto; não é uma recolha histórica ou de carácter infor-
mativo. Procurava essencialmente ser um estudo operativo para dar resposta eficaz à
necessidade de construção de edifícios civis na época. Compila formas soltas abertas
a conteúdos e interpretações, passíveis de serem utilizadas livremente.
Panerai divide os tipos em dois: os tipos consagrados e os elementos tipificados
(vulgo planos tipo). No primeiro temos uma regularidade lida posteriormente, e no
segundo uma regularidade desejada e imposta (anteriormente). Apresenta, como
exemplo de tipos consagrados, a villa romana, a catedral gótica, a mesquita otomana,
o hotel particular, a casa burguesa, por exemplo:
(…) quer dizer que numa determinada época, e por uma sociedade específica, o século
XVIII em Paris para o hotel particular, o século XV em Florença para o Palácio, o conjunto
dos arquitectos (ou mais amplamente, de criadores) e dos construtores de um lado, os
arquitectos e os seus clientes do outro, concordaram sobre a correspondência entre um con-
junto de disposições espaciais e de elementos estilísticos e uma prática (…). Esse acordo
que inclui os saberes técnicos foi bastante estável para ser reconhecido pela sociedade 97
Podemos juntar outro exemplo como a casa do Porto do século XIX. Estes for-
maram a estrutura implícita da arquitectura na época, difundidos essencialmente
pelo conhecimento empírico e espontâneo. Estão enraizados numa determinada
cultura e região e admitem variações. Não são exemplos de arquitectura erudita
(fruto do trabalho de autor), aparecem sobretudo na produção vernacular. A arqui-
97. Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche, Eléments d’analyse urbaine, AAM
Editions, Bruxelles, 1980 (tradução livre)
94
tectura comum baseia-se em tipos consagrados, normalmente anónima, sendo
transmitida mais por contágio entre os construtores que por estudo formal ou inves-
tigação.
Com a Revolução Industrial dá-se uma transformação radical nas condições de
trabalho, nos modos de vida, na configuração das cidades e no papel e status dos
arquitectos. Estas transformações não se fazem instantaneamente e ao longo de todo
o século XIX podemos ver simultaneamente a persistência dos tipos antigos e o sur-
gir de novos tipos. Os tipos deixam de ser implícitos para passarem a ser explícitos –
propostos como ferramentas para a produção de edifícios. É assim que aparece o
termo tipo na arquitectura. É uma ideia que pouco tem em conta as condições locais e
a diversidade de culturas, antes procura racionalizar, abolindo as particularidades. É
na Inglaterra, onde tem origem a Revolução Industrial, que a racionalização da arqui-
tectura doméstica tem o seu apogeu. A forte industrialização e a não divisão da pro-
priedade permitem operações de grande envergadura com construção em série de
enormes loteamentos. A unidade de intervenção deixa de ser o edifício, passando a
ser o conjunto. As casas tornam-se assim elementos tipificados, realizados em série
por um só construtor, utilizando elementos estandardizados. São o módulo de uni-
dades mais vastas e introduzem uma escala tipológica de maior dimensão. Modifica-
se radicalmente a relação entre edifícios e forma urbana:
(…) no caso da habitação em banda, é o tipo de edifício que determina a parcela, bastante
independente então, da forma urbana, como o demonstra a periferia de tantas cidades
inglesas; o que é o inverso da parcela gótica (…apesar das dimensões vizinhas…) que não
existe fora de uma localização urbana 98
98. Carlo Aymonimo, La Cittá di Padova, citado por Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e
Michel Veyrenche em Eléments d’analyse urbaine, AAM Editions, Bruxelles, 1980 (tradução livre)
95
tipo, da «machine a habiter», do «Existenzminimum». O tipo é a bandeira desta época,
assumindo como módulo o corpo humano, a família e a habitação. A tipificação
extrema da habitação transforma a habitação num produto industrial, definido de
forma isolada do sítio como resposta à carência de habitação a satisfazer. O tipo pas-
sa a ser desejado, ambicionado e procurado como referente de qualidade e igualdade.
Mais do que fruto de condicionantes externas, tipo é sinónimo de modernidade:
“Classifier, typifier, fixer la cellule et ses éléments. Economie. Efficacité. Architectu-
re.”99
Já numa época de crítica ao Movimento Moderno, Saverio Muratori procura
relacionar de novo arquitectura e cidade, defendendo a contextualização histórica do
estudo tipológico. Isto porque a noção de tipo se tornou confusa, oca e desprovida de
intenção. Como professor de arquitectura, produz com os seus alunos um estudo
tipológico do tecido urbano da cidade de Veneza, integrando a história, a construção
e a análise arquitectural. Daí advém três conclusões: “o tipo não se caracteriza fora da
sua aplicação concreta, ou seja fora de um tecido construído”; “o tecido urbano por
seu lado, não se caracteriza fora do seu quadro, ou seja, fora do estudo do conjunto
da estrutura urbana”; e “o estudo de uma estrutura urbana só se concebe na sua
dimensão histórica” 100. A caracterização arquitectónica por tipos deve estar, portan-
to, sujeita às condicionantes da análise local e histórica, em vez de partir de estrutu-
ras abstractas ou arquétipos estéticos independentes da realidade. A introdução da
expressão «typologia edilizia», revela esta preocupação, já que engloba, para além do
edifício, o contexto e as estruturas que o rodeiam (as ruas, os espaços públicos, os
jardins).
Carlo Aymonimo vai mais tarde retomar e sistematizar o trabalho de Muratori,
aplicando-o a outras cidades. Em conjunto com Aldo Rossi, estuda a formação das
cidades moderna e contemporânea como processos completamente diferentes dos
que as precederam. Aymonimo defende uma relação dialéctica entre o tipo dos edifí-
cios e a forma urbana, uma visão global da cidade e das suas relações com o edifica-
99. Le Corbusier et Pierre Jeanneret, Œuvres completes 1910-1929, citado por Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule,
Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche em Eléments d’analyse urbaine, AAM Editions, Bruxelles, 1980
100 Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche, Eléments d’analyse urbaine, AAM
Editions, Bruxelles, 1980 (tradução livre)
96
do. A tipologia surge assim como um instrumento (e não como uma categoria) sem
uma definição absolutista – sujeita a redefinições constantes. Procura também siste-
matizar leis gerais de crescimento das cidades europeias na fase avançada do capita-
lismo burguês. O seu estudo prevê que o fenómeno possa ser extensível a várias
cidades do velho continente.
Aldo Rossi defende que, em todas as áreas da produção humana há reinterpre-
tação de modos de fazer anteriores, que nada é criado do vazio, sem relação com o
passado. A arquitectura está naturalmente sujeita a esta premissa:
Por isso nos chegaram mil coisas de todos os géneros, e uma das principais ocupações da
ciência e da filosofia para captar a sua razão de ser é investigar a sua origem e a sua causa
primitiva. Isso é ao que há que chamar tipo em arquitectura, como em qualquer outro ramo
das invenções e instituições humanas 101
Ou seja, o tipo é uma constante, a razão de ser, o núcleo de cada coisa, presente
em todos os edifícios e estruturas urbanas. Este precede a própria arquitectura, apro-
xima-se do seu âmago: “podemos dizer que o tipo é a ideia mesma de arquitectura; o
que está mais próximo da sua essência. É por isso o que, não obstante de qualquer
mudança, sempre se impôs «ao sentimento e à razão» como o princípio da arquitec-
tura e da cidade“102 Rossi fala-nos do tipo como algo existente em tudo, o que Panne-
rai apelidaria de «tipo consagrado».
Rossi faz a distinção entre tipo e modelo. O tipo não é copiável, é uma estrutura
eminentemente abstracta que serve de regra ao modelo. É o factor que na construção
leva à inevitabilidade de semelhanças entre as obras. O modelo, pelo contrário, repe-
te-se tal como é, constitui-se por especificidades e características concretas. O tipo é
reconhecível, o modelo é reproduzível. O primeiro não tem uma representação for-
mal, uma vez que sintetiza as características diversificadas do segundo: “Nenhum
tipo se identifica com uma forma, se bem que todas as formas arquitectónicas são
remissíveis a tipos”.103
101. Aldo Rossi, La arquitectura de la cuidad, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1976 (tradução livre)
102. Idem, Ibidem
103. Idem, Ibidem
97
A tipologia pode ser definida genericamente como o estudo dos tipos, ou estudo
tipológico. Tal como a ciência estuda os fenómenos naturais, a tipologia, enquanto
momento analítico da arquitectura, debruça-se sobre os tipos edificados. Propõe a
organização destes num sistema, já que individualmente não são uma ferramenta
útil. O estudo tipológico consiste assim numa sistematização do conhecimento. Per-
mite à arquitectura optimizar e objectivar as comparações (frequentemente intuitivas
e pessoais) entre diferentes formas do edificado. É mais do que uma mera ferramenta
de conhecimento porque tem uma utilidade operativa. Enquanto a ciência estuda a
evolução natural das espécies, a teoria da arquitectura estuda produção cultural. E o
seu estudo contribui e influencia a própria produção – os tipos funcionam como
antecedentes da criação. A história da arquitectura consiste num enorme inventário
tipológico disponível, a ser interpretado, relido e completado. Segundo Rossi todos
os tratados de tipologia são também tratados de arquitectura e ao projectar é difícil
distinguir os dois momentos104. A aprendizagem em arquitectura faz-se essencial-
mente através do conhecimento das obras produzidas:
104. Aldo Rossi, La arquitectura de la cuidad, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1976 (tradução livre)
105. Álvaro Siza, Imaginar a evidência, Edições 70, Lisboa, 1998, pág. 139
106. José Fernandes, Porto – cidade e comércio, Arquivo Histórico, Câmara Municipal do Porto, 1997
98
diferenciado. As transformações económicas e sociais que levaram à fixação do
comércio, acentuadas com a industrialização (séc. XIX), vão ter como consequência
transformações nos tipos arquitectónicos, nomeadamente na adaptação do piso tér-
reo à nova função:
Como a casa habitacional que, do kraal primitivo, fechado e escuro, se rasgou sucessiva-
mente, na escala da civilização, em amplas janelas (…) assim a loja, rés-do-chão que ainda
ontem era sinónimo de casa de comércio, foi pouco a pouco abrindo a quem passa, atare-
fado ou descuidoso, a paisagem aliciante oferecida ao seu desejo: no expressionismo da
linguagem inglesa a montra chama-se window (janela).107
O homem quanto mais finca os pés na terra, mais ama o sonho e mais deseja encaminhar-
se para o lado espiritual. E a montra tem de ser o maravilhoso ilusionista o grande circo da
rua, a tradução do conto de fadas das coisas reais – e por isso banais – da existência, con-
denadas ao tacto e ao gosto, os sentidos grosseiros da posse; o espectáculo óptico da poesia
imaterial dos objectos inatingíveis que, justamente por isso, aspiramos a tocar com os nos-
sos dedos cobiçosos. 108
107. Celestino Gomes, «A montra, factor social de cultura», in AAVV, Arquitectura, Ano XLII, nº 158, 3ª série, Janeiro 1950
108. Idem, Ibidem
99
A montra existe para um género específico de comércio, já que certos ramos
(como o vestuário, o mobiliário ou a decoração) podem tirar mais partido desta do
que outros (como a restauração, as mercearias ou os talhos). Nos últimos, ela pode
ser mais desprezada ou nem sequer existir. Na restauração a montra é muitas vezes
substituída por grandes janelas, onde há uma relação directa entre interior e exterior.
Esta conexão entre o espaço público e o espaço colectivo acaba por funcionar como
um convite à entrada. Portanto, funcionalmente tem o valor de montra. Fig. 29 – Edifício montra numa estrada
mercado em Milão
O edifício montra109 é um tipo arquitectónico recorrente na cidade difusa, que
podemos caracterizar como sendo a adaptação do edifício comercial tradicional (com
montra no rés-do-chão) a este contexto – e consequentemente ao funcionamento
automóvel (Figs. 29 e 30Fig. ). O edifício transforma-se todo numa montra, tendo
como função exclusiva expor artigos. Consiste numa espécie de front-office da indús-
tria, que funciona geralmente nas traseiras. Este tipo surge frequentemente aliado ao
comércio de objectos de grande dimensão, apresentando essencialmente mobiliário e
automóveis. Contudo, o comércio de automóveis na cidade difusa surge frequente- Fig. 30 – Edifício montra na EN207 (em
Paços de Ferreira)
mente sem edifício – os automóveis (piscinas, ou outro tipo de materiais) são sim-
plesmente mostrados ao ar livre. É também a partir do desenvolvimento da venda
ambulante de beira de estrada, que este fenómeno arquitectónico se inicia. O comér-
cio na berma da via (de fruta e vegetais, assim como de outros tipos de artigos de
alimentação) pode também evoluir para a construção de edifícios ou de estruturas
temporárias para essa função.
109. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003; Álvaro Domingues, «Novas paisagens urbanas», in Jornal Arquitectos, Janeiro a Junho de
2005; Álvaro Domingues (coord.), Cidade e democracia: 30 anos de transformação urbana em Portugal, Argumentum,
Lisboa, 2006
100
dos construtivos são comuns: estruturas de pórticos, com pilares e vigas em betão
armado e enchimento de paredes em tijolo. A imagem maciça de paredes com aber-
turas é sobretudo característica da área de habitação, enquanto que as zonas comer-
ciais são vulgarmente tratadas com panos de vidro. Na habitação – a expressão fecha-
da com janelas; no comércio – uma expressão rasgada e transparente. As alturas são
constantes – entre 2 e 4 pisos. Não é propriamente pela altura que estes edifícios se
destacam e demonstram a sua monumentalidade. Mas antes, pela forma, pela
dimensão em largura, pela espectacularidade da construção. Alguns servem a mes-
ma loja em 2, 3, ou 4 pisos, acentuando a fachada em vidro que atravessa todos os
Fig. 31 – Os alçados laterais são nor-
malmente cegos
andares – exibindo as várias camadas de edifício como uma montra de vários níveis
(Fig. 32). Os pés-direitos interiores são o standard (2,5 a 3 metros) e tira-se pouco
partido das soluções de pés-direitos duplos, mezzanines, etc.
Podemos perceber que há uma clara contradição entre exterior e interior, sobre-
tudo nos edifícios com carácter mais espectacular. A imagem destes é, na maior parte
das vezes, como uma pele (Fig. 33). Uma pele que cobre a fachada (com pouca cor-
respondência com o interior) e que tende a ser ignorada nos outros alçados. Por mui-
to trabalhado e original que seja o invólucro, o interior limita-se a ser um grande e
Fig. 32 – As montras prolongam-se por
vários pisos amplo espaço expositivo. Depois de transposta a majestosa fachada principal (majes-
tosa para uma simples loja de mobiliário) nada formal no edifício surpreende. Aqui,
são os móveis que fazem a sua parte. Esta contradição entre o interior e o exterior
relaciona-se com o poder simbólico e atractivo dos edifícios, com aquilo que são e
aquilo que mostram ser – o que é do edifício e o que é da cidade. Venturi110 refere que
a história da arquitectura está repleta de exemplos destes – onde o que é mostrado
fora do edifício serve para fazê-lo dominar como marco urbano e para transformá-lo
em comunicação ou mensagem. Ou seja, uma função urbana que remete para a sua
Fig. 33 – A fachada funciona como uma
pele, tratada para a imagem exterior relação com a cidade e com o território, e que extravasa de certa forma, os limites do
edifício.
A arquitectura, de uma forma ou de outra, é sempre dotada de algum simbo-
lismo, seja ele intencional ou não. Quer se constitua como verdadeiro símbolo, ícone
110. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma
arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 e Robert Venturi, Contradição e Complexidade em Arquitectura,
Martins Fontes, São Paulo, 2004
101
identificador (de determinada cidade, região ou país); quer se afirme como a materia-
lização espacial de determinadas opções plásticas ou conceptuais; ou mesmo enquan-
to mera solução técnica ou funcional (para uma necessidade prática), ela está sempre
disposta a simbolizar alguma coisa e a referir a algo. É isto que defende Venturi. E
completa, afirmando que os arquitectos modernos querendo afastar-se de qualquer
carga expressiva ou simbólica, opondo-se a procurar inspiração ou influência em
atributos ou imagens exteriores e recusando aceitar o simbolismo expresso na sua
própria arquitectura, estão apesar de tudo e inevitavelmente a comunicar. A intenção
Fig. 34 – Elementos simbólicos típicos da
de fazer unicamente cumprir a função prática da arquitectura (funcionalismo) tra- habitação unifamiliar da cidade difusa
Os arquitectos modernos começaram a fazer da frente uma traseira (…) negando na teoria
o que faziam na prática. (…) O menos pode ter sido mais, mas a secção em I das primeiras
colunas antifogo de Mies van der Rohe, por exemplo, é tão complicadamente ornamental
como as pilastras aplicadas sobre o pilar renascentista ou o fuste cortado no pilar gótico (na
verdade menos era mais trabalho) (…) Se as ordens clássicas simbolizavam «o renascer da
Idade Dourada de Roma», as modernas vigas em I representam «a honesta expressão da
tecnologia moderna como espaço», ou algo parecido111
111. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma
arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 (tradução livre)
102
mente de símbolos preexistentes que chamam a atenção e fundamentam a sua exis-
tência. Estabelece-se assim como referência simbólica no território.
103
do é um espaço urbano comercial, quase como uma espécie de centro comercial
linear, exterior e alargado.
Podemos destacar a diferença entre os edifícios comerciais de carácter local e os
de carácter universal – os que são únicos e se afirmam como tal e os que são invaria-
velmente iguais e que se dispersam em várias localizações (Figs. 39 e 40). Destes
últimos são exemplo: as bombas de gasolina, super e hipermercados, grandes arma-
zéns ou lojas de artigos de vestuário, bricolage, lojas de fast-food, e até os bancos. Estes
são feitos de forma a serem imediatamente reconhecidos, seguindo o mesmo esque-
ma e até o mesmo projecto predefinido. Podemos encontrar em qualquer lado um
drive-in ou uma estação de serviço, por exemplo, igual à que temos na nossa cidade.
Usamo-los quando estamos numa cidade desconhecida sem necessitarmos verdadei-
Fig. 39 – Edifício de carácter local
ramente de “entrar” na cidade procurando perceber que tipo de estabelecimentos
particulares tem, que tipo de alimentação em particular vende, como são os restau- Fig. 39 – Edifício de carácter local
rantes dessa cidade. Encontramos em Paços de Ferreira alguns edifícios deste género,
dos quais destacamos os super e hipermercados (Plus, Intermarché, Modelo, Lidl), as
bombas de gasolina diversas, sucursais de todos os bancos portugueses (pois todos
se encontram representados na cidade), a pastelaria Celeste, e algumas lojas de ves-
tuário. Este tipo de edifício joga fortemente no campo do marketing, da publicidade e
Fig. 40 – Edifício de carácter global
da sinalética mas diferenciando-se dos outros (que são maioritariamente os de venda
de mobiliário). Pelo seu carácter global ou universal, ou seja, por se encontrarem
representados globalmente (em diferentes cidades, às vezes até em todo o mundo) o
seu factor de atracção reside na familiaridade e na sensação de conforto ou de estabi-
lidade. Dizem: “nós também estamos cá”, garantindo um determinado tipo de servi-
ço, de tratamento, etc.
A sinalética torna-se fundamental para a orientação no espaço, sobretudo em
situações de urbanização difusa espontânea (é naturalmente mais difícil encontrar Fig. 41
edifícios que estão espalhados pelo território). Nestes casos é comum não haver uma
lógica aparente ou razão de ser organizativa que decida a localização dos edifícios de
comércio ou serviços. A sinalética é, portanto, um importante elemento de estudo e
reflexão para este tipo de trabalho. Funciona por vezes a distâncias incríveis, quando
usada a altura elevada, dando-nos a orientação não por sinais direccionais com o
sentido e a distância, mas sendo ela a própria marca do sítio. Por vezes, faltam mes-
mo elementos de referência ou orientação em termos de paisagem ou urbanismo, e
104
toda esta massa mista de urbanização e espaço livre nos parece infinitamente cons-
tante, igual e indiferenciada: “Se prescindimos do anúncio, ficamos sem lugar”.112 A
sinalética é assim, por vezes, a única salvação para a orientação. Pode também acon-
tecer o contrário – a sinalética toma o lugar desses outros elementos na nossa memó-
ria, e já não olhamos para eles para nos orientarmos.
Na cidade difusa, há normalmente dificuldade em explicar um percurso que era
simples na cidade compacta (segunda à direita, primeira à esquerda, etc.), pois as
vias raramente são perpendiculares, muitas vezes não têm nome ou não é conhecido
(por exemplo). A forma de referenciar no espaço não é a mesma da cidade tradicio-
nal, funcionando mais por zonas, lugares e elementos particulares de orientação (um
nó de auto-estrada, um elemento marcante) e menos por ruas e números de porta. A
própria forma de indicar um endereço publicamente (por exemplo a nível comercial)
complica-se. Aquilo que antes era simples – o nome da rua e o número da porta – já
não funciona e é necessário recorrer a esquemas gráficos. Chega mesmo a ser usada
em anúncios, a fotografia do edifício – cuja imagem pode ser de tal forma poderosa
que, acompanhada pelo nome da localidade ou lugar, é suficiente para substituir um
endereço convencional. A internet é consecutivamente referida nas indicações publi-
citárias, ainda que estas possam ser colocados precisamente em frente ao edifício.
Fig. 42 – Sinalética sobre o edifício A sinalética aparece-nos no espaço em estudo com configurações diferentes. É
quase sempre colocada de forma perpendicular à estrada podendo variar do tama-
nho mínimo visível ao tamanho máximo – o outdoor. Há também muitos casos de
sinalética colocada no próprio edifício: na fachada principal paralelamente à estrada,
aplicada na parede lateral (a maioria das vezes, como já referido, cega), ou então
sobre o próprio edifício, na cobertura. A maioria das intervenções publicitárias refe-
re-se de forma diversificada ao móvel e à sua comercialização. Podemos no entanto
Fig. 43 – Publicidade nos veículos constatar a existência de outros anúncios, essencialmente mais simples (a cafés, a
reparações automóveis, a estofos, a floristas). Os veículos de transporte do mobiliário
são também utilizados como sinalética (Fig. 43).
112. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma
arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 (tradução livre)
105
A sinalética existente na via em estudo foi organizada em cinco tipos: sinalética
perpendicular à via, sinalética paralela à via, sinalética sobre/no edifício, sinalética
de proximidade (aquela que publicita uma determinada loja, não se encontrando
junto a ela, mas fazendo referência ao endereço, sítio ou direcção) e outras sinaléticas
que não de mobiliário. Do levantamento efectuado na EN207 podemos tirar algumas
conclusões. Ela distribui-se de uma forma bastante contínua ao longo da via, tendo
no entanto intervalos e também alguns pontos de concentração ou de reforço. A que
é específica do mobiliário tem mais presença perpendicular à via, sendo que a menos
comum é paralela à via. Isto é facilmente compreensível pelo facto de a sinalética
perpendicular ter uma eficácia muito maior para quem circula (e a procura), ainda
que a paralela possa funcionar também pelas inúmeras curvas e contracurvas da via
que permitem que aquela seja melhor percepcionada quando nos encontramos incli-
Figl. 44 – sinalética perpendicular e
nados em relação à mesma. A maioria da sinalética – de mobiliário ou não – é colo- paralela à via
106
Artigo 8º (Proibições em terrenos limítrofes da estrada) 1. É proibida a construção, estabe-
lecimento, implantação ou produção de: (…) f) Tabuletas, anúncios ou quaisquer objectos
de publicidade com ou sem carácter comercial, a menos de 50m do limite da plataforma
da estrada ou dentro da zona de visibilidade, salvo que no que se refere a objectos de
publicidade colocados em construções existentes no interior de aglomerados populacionais
e, bem assim, quando os mesmos se destinam a identificar instalações públicas ou particu-
lares113
Podemos facilmente verificar que esta norma não foi minimamente respeitada
pois toda a sinalética se encontra na proximidade imediata da via, normalmente no
limite do espaço privado com o público. O resultado de toda esta situação é visual-
mente caótico (Fig. 46). Os painéis publicitários acotovelam-se uns aos outros, cada
um tentando chamar mais a atenção, e os edifícios fazem o mesmo – reclamando com
a arquitectura aquilo que eventualmente não conseguem atingir com o simples recla-
mo (fig. 17). Esta espécie de caos visual é típica de uma situação de mercado linear ao
ar livre. Mas ao contrário do que acontecia no strip (em Las Vegas), aqui não temos
elementos estruturadores públicos (iluminação, separador central e passeios) que Fig. 46 – Entropia visual causada pelo
excesso de sinalética
contraponham uma certa ordem ao caos, produzido pelos elementos que pertencem
ao investimento privado (edifícios e painéis), a não ser a própria via (e alguns postes
de iluminação, que no entanto não chegam a dar uma ideia de continuidade, ritmo e
estrutura) (fig. 47). A questão do caos e da ordem é fundamental sobretudo em con-
texto de cidade difusa. Sendo que a maioria deste tipo de cidades em Portugal foi
feita de forma espontânea, ou seja, sem praticamente nenhum tipo de planeamento (à
excepção de alguns regulamentos existentes como o referido anteriormente para as
Fig. 47 – Strip de Las Vegas: a iluminação
Estradas Nacionais e o RGEU), elas reflectem uma espécie de caos organizado, em pública regrada serve de contraponto à
que as iniciativas individuais parecem constituir a única razão de desenvolvimento confusão visual causada pela sinalética
113. Ministério das Obras Públicas, Gabinete do Ministro, Diário da República, , Decreto-Lei n.º 13/71, 23 de Janeiro
108
desenvolvimento espontâneo do privado, que o equilibre, seja através do desenho do
espaço público, seja da regulamentação das construções e dos espaços privados. O
espaço público aqui, não está praticamente desenhado ou decidido.
Aquilo que desenha este território, particularmente a estrada comercial, são as
leis do mercado e a iniciativa privada. Assim, se temos uma arquitectura comercial
numa cidade comercial, o principal objectivo ou função desta é, obviamente, a atrac-
ção e a sedução do potencial comprador. Ela quer, não só mostrar o mobiliário a
quem passa, mas também (e porque é difícil sobretudo com tantas lojas e à velocida-
de de um automóvel ver o interior das montras) jogar, de forma eficaz, com os refe-
rentes simbólicos do cliente, enquanto ele se encontra dentro do automóvel. A visibi-
lidade e a preponderância do edifício tornam-se fundamentais. Dependem de uma
série de factores, dos quais se destacam três: a sinalética, a forma (no extremo, os
edifícios que se constituem eles próprios como um tipo especial de sinalética) e a
Fig. 48
localização. Porquê diferentes tipos e sobretudo tantas formas de edifício (Figs. 48, 49
e 50), sendo que todos respondem à mesma e simples função – venda de móveis?
Para quê tantas formas para uma só função? Não haverá então, uma contradição
entre forma e função nestes edifícios? Aparentemente sim, pois as mais diversas
formas cumprem todas a mesma simples função. No entanto, esta é algo complexa e
dificilmente se rege por regras básicas, objectivas, elementares e, sobretudo, imutá-
veis. Na verdade, o comércio é tudo menos fixo. O mercado está em constante flutua-
Fig. 49 ção, a bolsa sobe e desce, os mercados globais são influenciados por todo o tipo de
acontecimento a nível internacional, todos os dias se inventam produtos e novas
necessidades. Portanto estimular o consumo é algo que requer alguma imaginação, e
estudo da situação concreta. A função que os edifícios desempenham é essencialmen-
te simbólica e de sedução, o que, associado ao factor de concentração (carácter mono
comercial da estrada) despoleta uma forte competitividade entre comerciantes. Toda
a imaginação destes é utilizada para a composição da imagem e atractividade dos
Fig. 50
edifícios. Podemos então dizer, que a diversidade formal é fruto exclusivo da função,
que a forma segue a função.
A arquitectura compromete-se com o empirismo e responde a critérios estéticos
mainstream, usando-os para atrair comercialmente. Alguns edifícios nesta estrada
mercado usam e abusam dos meios disponíveis, ambicionando serem os mais apela-
tivos. Tornam-se de tal forma poderosos simbolicamente e na relação com o territó-
109
rio, que se transformam naquilo a que Kevin Lynch chama de “elementos marcan-
tes”114 (Fig. 51). Ou seja, passam a ser referências espaciais na cidade – dão identida-
de aos lugares, orientam e chamam. Destes decidimos destacar alguns, aqueles que
de forma mais empenhada cumprem este papel (ver próximo capítulo). Os que criam
pontos específicos no espaço fluído, momentos diferentes. Estes edifícios convertem
uma área aparentemente homogénea em algo relativamente estruturado. O impacto
deles é de tal forma significativo que, além de funcionarem como pólos de atracção
comercial, chegam mesmo a configurar-se como referências na via – estruturando-a,
ajudam à orientação.
Tal como acontece com a sinalética, o excesso de comunicação arquitectónica Fig. 51 – A força visual do edifício montra
provoca efeitos de entropia. Em vez de haver informação e comunicação, as mensa- isolado no espaço livre
gens sobrepõem-se, enchendo o espaço e criando não símbolos mas um padrão úni-
co. A expressão do edifício (tal como o cartaz ou o reclame) torna-se ineficaz. A quan-
tidade e diversidade de formas e estilos arquitectónicos, associada a toda a sinalética
formam uma verdadeira explosão visual. Este excesso de simbolismo e de comunica-
ção reflectem as características da cidade (não só difusa) e da sociedade contemporâ-
nea. O extremo existe quando o edifício se transforma ele próprio num sinal, num
veículo de transmissão de mensagem. Quando a arquitectura é usada como media.
Assim, sobretudo em situações de estrada mercado, o símbolo, mais que a forma,
domina o espaço. Apresenta-se como painel publicitário, indicação de direcção, ou
mesmo como edifício – «edifício-anúncio». Vivemos aqui, muitas vezes, o referido
efeito de entropia. Venturi115 refere como exemplo máximo do uso da arquitectura
enquanto meio de comunicação, o caso do edifício de venda de pato (“The Long Island
114. “Os elementos marcantes, pontos de referência considerados exteriores ao observador, são simples elementos físicos
variáveis em tamanho. Para aqueles que conhecem bastante bem uma cidade, está comprovado que os elementos marcantes
funcionam como indicações absolutamente seguras do caminho a seguir – a especialização e a originalidade passam, agora,
para primeiro plano” (…) Uma vez que o uso de elementos marcantes implica o isolamento de algo de uma série de possibili-
dades, a característica-chave destes é a originalidade, um aspecto que é memorável ou único num contexto. No caso de
terem uma forma clara, os elementos tornam-se, ainda, mais fáceis de identificar; isto verifica-se, igualmente, quando contras-
tam com o cenário de fundo ou se localizam espacialmente num local predominante. O contraste com as formas do cenário
parece ser o mais importante. O fundo no qual ou do qual um elemento se ergue não necessita de ser limitado aos seus
arredores imediatos (…) O domínio espacial pode causar elementos marcantes de duas formas: tornando um elemento visível
de muitos outros pontos (…), ou criando um contraste local com os elementos circundantes, isto é, sendo uma variante em
altura ou constituição.”, Kevin Lynch, A imagem da cidade, Edições 70, Lisboa 1982
115. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma
arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004
110
Duckling”) em Las Vegas que é, na verdade, um pato gigante (fig. 52). A montra sai
do seu caixilho rectangular para o espaço, estendendo-se às imagens publicitárias
(em painéis), ao próprio edifício (como um produto a vender) e à sua envolvente.
Assumindo-se como media, a arquitectura manifesta-se pela utilização do edifício
como painel publicitário e pela própria concepção do edifício e da sua forma (pensa-
da num sentido puramente comercial e expositivo). Tudo é comunicação, portanto,
tudo é: montra e publicidade, sedução e marketing. A estrada mercado, ou via comer-
cial, que é espaço de mostra e compra de mobiliário, também funciona assim. É uma
montra, um grande expositor, onde os edifícios se mostram, chamam, tentam apelar
Fig. 52 – The Long Island Duckling, em
o consumidor que percorre a estrada (como se fossem eles próprios o produto a ven-
Las Vegas der). Mais do que a estrada mercado passamos a ter a «estrada-montra» onde a ima-
gem é fundamental (Fig. 53), como aliás na cidade e na sociedade contemporânea em
geral (expressão da sociedade do consumo).
A localização dos edifícios na estrada é fundamental, é um dos factores mais
relevantes em todo o processo de sedução comercial. Casual ou intencional, a locali-
zação do edifício em relação à estrada, e portanto aos dois enfiamentos visuais possí-
veis (num sentido ou noutro), é essencial e vai fazer parte do sucesso e visibilidade
Fig. 53 – A estrada montra do mesmo. Podemos assim afirmar que os edifícios que têm maior visibilidade e
capacidade de atracção são aqueles que se encontram em posições que surgem no
centro da perspectiva do enfiamento de uma rua, posição obtida pelas constantes
curvas e contracurvas da estrada. Ou seja, é nas charneiras das curvas que se locali-
zam estrategicamente os melhores lugares para construir um edifício deste tipo (ape-
sar de que quem os construiu possivelmente não soubesse disso). A rua comercial sai
assim beneficiada com o desenho herdado da antiga estrada que, contrariamente à
strip de Las Vegas e outras estradas do mesmo género (relativamente rectas), é
extremamente ondulado. A acentuada indiscrição e a grande distância de alcance
visual destes edifícios permite que, sempre que há uma curva, seja possível limpar-
mos a nossa imagem mental e voltarmos a centrar o enfiamento noutro edifício. É
interessante verificar a relação entre os edifícios especiais (aqueles que funcionam
como elementos marcantes) e as curvas da estrada. Podemos quase afirmar que a
cada alteração no percurso da via (curva ou contracurva) nos aparece uma constru-
ção marcante. Estas necessitam de espaço para funcionar e por isso se separam.
Comprova-se que estes edifícios só poderiam existir num tipo de cidade como este
111
(se os concentrássemos todos perdia-se o impacto) e explica-se o funcionamento da
cidade difusa como uma espécie de alargamento da cidade tradicional. É de referir
outro privilégio na localização dos estabelecimentos comerciais (para além da relação
com as curvas da estrada) - a sua posição em relação ao resto do território. Destacam-
se: a proximidade ou distanciamento do centro urbano, a sua posição na estrada
(inicial ou final - o primeiro a aparecer num ou noutro sentido) e a proximidade aos
nós da malha arterial (vias rápidas ou auto-estradas). Nos edifícios com maior capa-
cidade de atracção, podemos destacar um tipo específico – o que cumpre a função de
porta. Há dois edifícios que parecem beneficiar desta característica, em duas das
estradas nacionais concorrentes no concelho. O primeiro (Fig. 54) encontra-se no
início da EN207, na chamada “Porta da Capital do Móvel”, que é o acesso para quem
entra na cidade pelo antigo percurso (Serra da Agrela) e para quem usa o recente-
Fig. 54 – Um dos edifícios que cumpre a
mente aberto IC25 e sai no primeiro nó da cidade (Nó de Seroa). O segundo (Fig. 55) função de porta
116. “ (…) As vias, que são dominantes em muitas imagens individuais, e que podem ser a fonte principal de organização à
escala citadina, têm relações íntimas com outros tipos de elementos. Nós de junção ocorrem automaticamente em intersec-
ções de maior importância e em terminais e, através da sua forma, deveriam reforçar os momentos críticos de um percurso.
Estes nós, por sua vez, não só são reforçados pela presença de elementos marcantes (…), mas chamam a atenção para tais
marcas neles existentes. De novo as ruas adquirem identidade e movimento, não só pela sua própria forma ou pelas junções
nodais mas devido às regiões pelas quais elas passam, aos limites ao longo dos quais elas se estendem e aos elementos
marcantes distribuídos pela sua extensão.”, Kevin Lynch, A imagem da cidade, Edições 70, Lisboa 1982
117. “Um elemento marcante pode ser reforçado através da sua localização num cruzamento, onde as pessoas possam ser
obrigadas a tomar decisões acerca de qual o percurso a seguir”, Idem, Ibidem
112
Há outros edifícios que, não tendo a função de venda de móveis também se des-
tacam visualmente, tirando partido dos processos referidos. É o caso de algumas
igrejas, das quais se destaca uma particularmente eficaz porque tem um raio de visi-
bilidade enorme, graças à sua forma algo anómala e à grande torre que possui (Fig.
56).
O posicionamento dos edifícios face à estrada é semelhante: todos recuam para
Fig. 56 – A igreja visível a grande distân- permitir o espaço para o estacionamento. Este recuo, que anda à volta dos 12 metros,
cia
é também consequência de uma imposição legal. O Decreto-Lei 13/71, aplicava-se às
estradas nacionais como esta, que agora são da responsabilidade das autarquias, mas
ao qual todas as construções com alguns anos de existência, ainda foram submetidas.
Diz o artigo 8º que:
118. Ministério das Obras Públicas, Gabinete do Ministro, Diário da República, Decreto-Lei n.º 13/71, 23 de Janeiro
113
pendicular ou na oblíqua), porque nunca há falta de espaço de estacionamento. Este
está sempre em excesso, ao contrário daquilo que acontece na cidade compacta.
A área em frente ao edifício serve também para parar temporariamente e em
certa medida ela complementa funcionalmente a estrada (demasiado estreita para
mais que uma via em cada sentido). Constitui-se como um espaço privado de uso
colectivo. Este complemento à via é essencial ao funcionamento da cidade difusa em
automóvel individual. Ela não existiria sem uma confortável utilização deste. É de Fig. 58 – Solução com via interior para o
estacionamento
notar que, praticamente em todos os casos, esta faixa de estacionamento tem uma
largura superior a 5 metros (convencionados para o efeito), atingindo os 7 ou 8 e
mais raramente os 10 metros, mesmo que os lugares estejam marcados no solo. Isto
significa que este espaço é feito intencionalmente assim, ou seja, é premeditadamente
pensado como espaço sobrante para permitir as mais diversas utilizações rodoviá-
rias. Note-se também que, nas raras zonas em que há passeio materializado em frente
a uma loja e junto à via (com diferença do tipo de pavimento e de nível), o recuo
existe na mesma e o estacionamento faz-se após o passeio (havendo uma rampa em
Fig. 59 – A membrana que faz a transição
toda a frente do edifício). Mas na maioria dos casos este entra dentro do espaço de do exterior para o interior
recuo do edifício contornando-o, e deixando junto à estrada o acesso e estacionamen-
to automóvel. Há também alguns casos em que é construída uma via paralela inter-
na, para o acesso ao estacionamento se fazer de forma mais cómoda e recatada (fig.
58).
O espaço do lote em frente ao edifício e à via (sendo privado) apresenta-se como
uma membrana119 que separa o espaço público do privado e que tem um estatuto
eminentemente ambíguo. (fig. 59 e 60). É um espaço fundamental. Nenhum comer-
Fig. 60 – A membrana pode servir para
ciante procura separar completa e fisicamente o espaço administrativamente público filtrar a entrada para a habitação
do privado. A diferenciação é feita de forma mais discreta, através de certos objectos
(canteiros, muretes, etc.). Pretende-se dizer que aquele espaço não é propriamente
privado, é oferecido ao cliente como espaço de estacionamento e recepção. Por vezes
é necessário separar este espaço colectivo da entrada da habitação (que existe por
cima do edifício). Para isso utiliza-se a mesma estratégia de indução sem proibição.
119. Álvaro Domingues (coord.), Cidade e democracia: 30 anos de transformação urbana em Portugal, Argumentum, Lis-
boa, 2006
114
Indica-se, informa-se, indicia-se, mas nunca se impede (com o mesmo tipo de objec-
tos é feita a separação entre entrada da loja e entrada da habitação). Para além deste
espaço, há ainda outro, entre a via e a limitação do lote (que não faz parte do lote). É
público, mas não faz parte da estrada, vulgarmente chama-se berma. Não apresen-
tando características de passeio nem de estrada, com cerca de 2 a 3 metros de largura,
é muitas vezes caracterizado por uma diferença de material, apesar de se encontrar
normalmente à mesma cota da estrada. Por vezes não há qualquer diferenciação de
materiais, outras vezes há passeio. Este espaço é deixado um pouco ao livre arbítrio,
à espontaneidade própria do crescimento e funcionamento deste tipo de cidade.
Quanto ao resto do espaço do lote, é normalmente ajardinado sendo por vezes fecha-
do.
120. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma
arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004
115
suem). Há assim duas escalas em confronto – a escala do peão para a qual são feitas
as montras (mas sendo praticamente impossível percorrer a estrada a pé) e a escala
do automóvel. Podemos dizer que enquanto que a montra funciona para a primeira
escala (peão), a pele dos edifícios e a sinalética funcionam para a segunda (do auto-
móvel). No entanto, a dimensão do peão não é pensada em continuidade. O passeio
existe em frente a um edifício mas não em frente ao próximo, ainda que no seguinte
volte a aparecer. Isto significa que o passeio tem aqui uma função de complemento
do automóvel, ou seja, serve para o deslocamento deste até o edifício, e fundamen-
talmente para o visionamento da montra. E é a estas duas escalas que a circulação
funciona, complementando-se. A escala do automóvel alarga a dimensão dos espaços
(também entre os edifícios) de tal forma que para ir de uma loja à seguinte temos
Fig. 62 – A habitação unifamiliar típica
necessariamente que o utilizar.
Se tivermos em atenção os diferentes tempos de cidade possíveis de percepcio-
nar no edificado, assim como as condições de permanência e mudança, percebemos
que está ainda bem presente o passado rural deste território (e as edificações relacio-
nadas com esse passado). Isso é perceptível nos tipos e na idade de alguns edifícios,
que datam da pré-industrialização do concelho que contrastam com a ocupação con-
temporânea (fig. 63).
Fig. 63 – Edifício montra antes da inter-
Toda a construção ligada ao comércio de mobiliário, sobretudo os típicos edifí- venção na fachada
cios montra, é de um período temporal muito próprio e apertado. Datam do boom
desta actividade (década de 80) e do emergir da cultura pós-moderna (na arquitectu-
ra e noutras áreas). Existem também várias moradias unifamiliares (fig. 62), datadas
desde a década de 80 até hoje.
A via diz-nos claramente qual a idade de cada troço. O tempo está patente nos
constantes alargamentos e estreitamentos que vai tendo. Ao aparecimento das lojas
montra correspondem zonas mais largas e, logo, mais recentes. Ao edificado mais Fig. 64 – O mesmo edifício algum tempo
depois
antigo, equivalem zonas mais estreitas. Os edifícios unifamiliares, mesmo os mais
recentes, recuam (como é regulamentado pela legislação) mas não partilham o alar-
gamento com a via. Este espaço excepcional além de privado (normalmente jardim) é
fechado por muro ou grades.
Podemos então, resumir que: as várias preexistências rurais e as moradias mais
antigas localizam-se em grande proximidade com a via (seja do edifício seja do muro
delimitador de propriedade). Nestas zonas a estrada muitas vezes não tem mais de 6
116
metros, sem passeios, ou com passeios muito estreitos, sendo completamente diferen-
te das outras zonas. Às (relativamente) recentes construções habitacionais, comerciais
ou mistas, corresponde um alargamento da via. Estes dois momentos (alargamento e
afastamento) estão distribuídos de uma forma regular e, portanto, alternada ao longo
da via.
Em relação às condições de permanência e à velocidade de transformação deste
espaço, verifica-se que a função comercial exige uma constante actualização sob a
pena de se tornarem ultrapassados (fig. 63 e 64).
Regular – Quadrado
Quadrilátero Regular – Rectângulo
Irregular
Forma irregular simplificável a quadrilátero
Forma irregular simplificável a triângulo
Forma irregular simplificável a L
Forma Irregular
Tabela 1 – Classificação das formas dos edifícios
117
Podemos também concluir que 79% dos edifícios têm planta quadrilátera, ou apro-
ximada a tal.
%
Quadrado 8 5
Rectângulo 36 25
79
Quadrilátero irregular 16 11
Forma irregular simplificável a quadrilátero 56 38
Forma irregular simplificável a triângulo 4 3
Forma irregular simplificável a L 9 6 21
Forma irregular 17 12
Podemos concluir que mais de metade dos edifícios (51%) se coloca paralela-
mente à estrada, o que se explica pelo facto de serem edifícios expositores – faz todo
o sentido aproveitarem a maior quantidade de alçado possível exposto. Seguindo-os
em número temos os edifícios de planta centralizada (21%).
Conclui-se que a maior parte dos edifícios tem uma forma aproximadamente
quadrilátera e se coloca paralelamente à via.
118
vivenda) em que o primeiro piso é transformado em espaço comercial de mobiliário,
eventualmente com pequena indústria atrás. E tem como ponto de chegada o grande
edifício autónomo de comercialização de mobiliário. Autónomo na morfologia (falta
de conexão ou colagem aos edifícios envolventes) mas também na imagem e referen-
tes simbólico-visuais que o compõem. Foi a partir do estudo destas famílias tipológi-
cas iniciais que se organizaram os edifícios em tipos e subtipos. Não constituindo
necessariamente uma evolução cronológica (ainda que não esteja distante disso), a
sequência de famílias tipológicas responde a uma evolução do tipo que é paralela à
evolução do modelo de loja e do sistema de produção-comercialização. Compreen-
dem-se aqui os seguintes edifícios: a pequena loja familiar por baixo da habitação
(com fábrica por trás), a grande superfície comercial que não fabrica e a grande
superfície comercial que fabricando (com ou sem indústria na proximidade – conce-
lho ou país) pode ou não comercializar mobiliário de outras indústrias nacionais (do
concelho, região ou país) ou estrangeiras. Entre estas situações há todas as intermé-
dias e as mistas.
121. Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche, Eléments d’analyse urbaine, AAM
Editions, Bruxelles, 1980
119
Edifício isolado no lote
MORFOLOGIA
Edifício em barra (2 empenas)
Unifamiliar
Mista (habitação e comércio)
FUNÇÃO Plurifamiliar
Comercial
Vivenda
Prédio de habitação tipo “urbano”
IMAGEM
Armazém/expositor/edifício comercial
Espectacular
familiar (Fig. 65), o tipo 2 de prédio urbano (Fig. 66) e o tipo 3 de edifício comercial
(Fig. 67). Sintetizando: no tipo 1 colocámos os edifícios morfologicamente isolados no
lote, que servem a habitação unifamiliar e que têm aparência de moradia típica de
urbanização difusa; no tipo 2, os edifícios em barra, com função de habitação colecti-
va e que se apresentam como prédios de apartamentos; no tipo 3, os edifícios em
barra (com excepções), que funcionam para o comércio de mobiliário e cuja imagem é
de edifício comercial (pode ir do neutro ao espectacular). Fig. 66 – Tipo 2
120
Morfologia Isolado no lote
Imagem Vivenda
Morfologia Barra
T1 A B C T2 D E F T3
121
Se atentarmos a todas as variações entre tipos, podemos precisar que elas se dão
essencialmente pela variação de três parâmetros. O primeiro é a relação entre o
número de pisos de habitação e o número de pisos de comércio, define-se assim a
vocação principal do edifício: predominantemente habitacional, predominantemente
comercial, ou mista (essencialmente no tipo 2). O segundo é o grau de espectaculari-
dade da imagem do edifício: mais ou menos neutro (essencialmente no tipo 3). O
terceiro parâmetro refere-se à morfologia (essencialmente no tipo 1): barra (duas
empenas), edifício isolado no lote (sem empenas) ou situação intermédia (uma
empena – topo). Entre as hipóteses apresentadas existem infinitas variações:
+ - HAB - H+C
ESPECT
BARRA +COM Espect
1 empe-
H=C
na
+ISOL. +HAB
T1+T2 NEUTRO
LOTE - COM
T1 T2 T3
Tabela 7 – Possibilidades nas variações dos tipos
123
minuciosamente trabalhadas. Destaca-se obstinação pela construção do jardim, ou do
canteiro (que remetem claramente para este imaginário da moradia - apesar de a
função do edifício não ser exclusivamente habitacional) mesmo que o espaço em
frente à casa seja nada mais que o estacionamento para os clientes da loja. A delimi-
tação destes espaços privados existe sempre (mesmo que só sugerida), concretizada
em muros e grades intencionalmente cuidados. Estão também frequentemente pre-
sentes os elementos escultóricos puramente decorativos.
O tipo 2 remete-nos para edifícios com uma imagem de prédio «urbano» de
apartamentos, com 3 a 5 pisos, entrada e acessos colectivos, onde a loja ocupa o rés-
do-chão, ou eventualmente dois pisos. Este tipo, apesar de frequentemente desprovi-
do de decoração exuberante (aplicada à moradia e ao T1), não dispensa na maioria
das vezes um telhado de duas águas.
Fig. 68 – Subtipo 1.1
Entre os edifícios do tipo 1 e do tipo 2 há alguns que são de difícil classificação,
pois têm características dos dois, como o facto de serem de habitação colectiva mas
com uma imagem de casa unifamiliar. Alguns possuem acessos directos do exterior,
sem espaços de acesso colectivos, e uma morfologia de edifício isolado no lote.
Outros podendo ter acessos colectivos, caracterizam-se sobretudo por não serem
isolados no lote, mas em barra (uma ou duas empenas).
Existem edifícios que podemos classificar entre o Tipo 2 e o 3 porque, apesar de
Fig. 69 – Subtipo 1.2
estarmos perante habitação colectiva em barra, é a loja que predomina, em número
de pisos e importância, sobre a habitação. A montra, com mais do que um piso,
sobressai na fachada e começa a emancipar-se. Tem muitas vezes tal importância e
espectacularidade que relega para segundo plano os pisos de habitação (por vezes só
um, e recuado).
Os edifícios do tipo 3 de aparência neutra são normalmente independentes.
Caracterizam-se pela ausência de decoração e pela sobriedade. Assumem a imagem
de simples armazém, não tirando partido desta para provocar atracção ou comunicar Fig. 70 – Subtipo 1.3
com o cliente. É uma espécie de contentor expositivo de linguagem industrial.
Os edifícios do tipo 3 espectacular são os que mais tiram partido da imagem
para fins comerciais. Baseiam-se no imaginário do “estilo rústico”, do “neo-colonial”
ou do “clássico moderno”. Evidenciam-se pondo em destaque a entrada (voltada
para a estrada mercado) ou um cunhal. Têm sempre sinalética junto e no edifício (por
vezes na cobertura). Podemos concluir que é sobretudo ao tipo 3 que podemos cha-
124
mar, com mais precisão, edifício montra – é neste que a montra ganha maior escala e
importância.
Consideramos estar perante uma evolução tipológica. Embora não possamos
datar cronologicamente a variação dos tipos (podem hoje ser feitos edifícios dos três
tipos), sabemos que esta admite um sentido progressivo – de transição do tipo 1 em
direcção ao tipo 3. Isto explica-se pelo ponto de vista do crescimento comercial e de
adaptação da loja tradicional ao percurso automóvel. Podemos através das caracterís-
ticas dos tipos e da definição de subtipos, encontrar esta evolução tipológica. Deter-
Fig. 71 – Subtipo 2.1
minaram-se assim sete subtipos.
O subtipo 1.1 corresponde à situação geral de tipo 1: um edifício claramente uni-
familiar e separado no lote, normalmente com dois pisos (Fig. 68).
O subtipo 1.2 corresponde a uma situação mista: em que o edifício, sendo pluri-
familiar, tem aparência e funcionamento semelhantes ao unifamiliar – com acessos
directos da rua e ausência total ou quase total de espaços de acesso colectivos. Possui
frequentemente um terceiro piso (normalmente recuado). É um edifício isolado no
lote, mas com uma dimensão bastante superior à do subtipo 1.1 (Fig. 69).
Fig. 72 – Subtipo 2.2
O subtipo 1.3 tem as mesmas características do subtipo 1.1, mas os edifícios não
estão isolados no lote. Funcionam por colagem de empenas, com outros do mesmo
subtipo. São normalmente edifícios de habitação unifamiliar com dois pisos (Fig. 70).
O subtipo 2.1 corresponde aos edifícios do tipo 2 onde a habitação prevalece
sobre a loja, que se reduz a 1 ou 2 pisos sem muito protagonismo. Funciona essen-
cialmente como um edifício de habitação colectiva e comércio, comum na cidade
tradicional (Fig. 71).
Fig. 73 – Subtipo 3.1 O subtipo 2.2 corresponde a um edifício do tipo 2 onde a loja ganha mais impor-
tância do que a habitação, em número de pisos e em importância simbólica. Alguns
edifícios deste subtipo assemelham-se aos do tipo 3, tendo unicamente como diferen-
ça um piso de habitação recuado e discreto (Fig. 72).
O subtipo 3.1 inclui edifícios do tipo 3 que têm uma imagem neutra de arma-
zém, mais que de edifício de venda ao público (Fig. 73).
O Subtipo 3.2 é aquele que melhor define um edifício montra pois utiliza a
arquitectura para criar atracção comercial e visibilidade especial (Fig. 74).
Fig.74 – Subtipo 3.2
Podemos assim, desenvolver a tabela anterior, desta vez com os subtipos e as
suas variações por parâmetro:
125
MORFOLOGIA Isolado no lote
Subtipo 1.1 FUNÇÃO Mista – unifamiliar
IMAGEM Vivenda
MORFOLOGIA Barra
Subtipo 1.3 FUNÇÃO Mista – unifamiliar (com excepções)
IMAGEM Vivenda
MORFOLOGIA Barra
Subtipo 2.1 FUNÇÃO Mista – predominantemente habitacional
IMAGEM Prédio de apartamentos
MORFOLOGIA Barra
Subtipo 2.2 FUNÇÃO Mista – predominantemente comercial
IMAGEM Armazém/expositor/edifício comercial
Tabela 8 – Caracterização dos subtipos segundo os três parâmetros: morfologia, função e imagem
126
Depois de definidos os tipos e subtipos, foi feito um levantamento da sua pre-
sença:
QUANTIDADE
TIPO E SUBTIPO
nº %
1.1 44 30
1 1.2 8 5 40
1.3 8 5
2.1 6 4
2 13
2.2 28 19
3.1 17 13
3 37
3.2 35 24
127
TIPO E SUBTIPO LARGURGA MÉDIA ALÇADO DA RUA
1.1 14,85
1 1.2 27,06 19,28
1.3 35,83
2.1 36,13 26,05
2 29,30
2.2 27,89
3.1 25,56
3 31,79
3.2 34,90
Tabela 10 – Larguras médias (por tipo, subtipo e total)
Dos dados recolhidos podemos tirar várias conclusões. A primeira é que a lar-
gura aumenta de tipo para tipo, sendo aproximadamente 19m no tipo 1; 29m no tipo
2; e 32m no tipo 3. Daqui se conclui que, em média, a maior diferença de largura está
entre o tipo 1 e os outros, pois entre o tipo 2 e 3 a diferença não é tão grande. Pode-
mos concluir também que, a largura dos subtipos não é necessariamente próxima da
dos respectivos tipos. Por exemplo, apesar de a largura média do tipo 1 ser 19m
(aproximadamente), a do subtipo 1.3 é de 36m, uma largura já próxima à dos tipos 2
e 3. Também a largura do subtipo 1.2 é visivelmente maior que a largura média do
seu tipo, sendo aproximadamente 27m. Isto mostra que, no caso do subtipo 1.2,
temos uma largura média de aproximadamente o dobro da do subtipo 1.1. o que
mostra que morfologicamente o tipo 1.2 é uma espécie de colagem de dois edifícios
do tipo 1.1, duplicando-se a escada exterior (do alçado lateral), as varandas e as mon-
tras (no rés-do-chão). Quanto ao subtipo 1.3, percebe-se através dos dados que este
subtipo funciona essencialmente na horizontal (tendo normalmente só dois pisos) e
por colagem com os outros, sendo naturalmente mais largo. Dentro do tipo 2 é curio-
samente o subtipo 2.1 que tem maior largura, e dentro do tipo 3 é o 3.2. Estas medi-
das permitiram a determinação das larguras tipo dos edifícios, sendo usadas para a
construção das plantas, cortes e alçados dos subtipos. Foram arredondadas para: 15,
27, 36, 36, 28, 26 e 35 metros.
128
TIPO E SUBTIPO PROFUNDIDADE MÉDIA
1.1 16,08
1 1.2 13,80 15,55
1.3 14,41
2.1 17,88 18,33
2 17,48
2.2 17,40
3.1 20,06
3 22,26
3.2 23,29
Tabela 11 – Profundidades médias (por tipo, subtipo e geral)
Quanto ao número médio de pisos, podemos tirar uma primeira conclusão (que
confirma o que se disse antes): este não varia muito, sendo que o total é aproxima-
damente 2,6. Constata-se também que todos os subtipos têm entre 2 e 3 pisos e que os
edifícios mais altos são os do tipo 2 (com uma média aproximada de 3 pisos).
129
NÚMERO MÉDIO DE PISOS POR FUNÇÃO
TIPO E SUBTIPO
Comércio Habitação Comércio Habitação Comércio Habitação
1.1 1,1 1,3
1 1.2 1,1 2,0 1,1 1,4
1.3 1,1 1,3 1,7 0,9
2.1 1,2 2,3
2 1,9 1,3
2.2 2,0 1,1
3.1 1,9 -
3 2,3 - - -
3.2 2,5 -
Tabela 13 – Número médio de pisos segundo a função (por tipo, subtipo e total)
Em relação ao número médio de pisos por função (que serve unicamente para
avaliar os dois primeiros tipos uma vez que o terceiro é monofuncional), podemos
concluir que: enquanto no tipo 1 é a habitação que prevalece sobre o comércio, no
tipo 2 acontece o contrário – o comércio prevalece sobre a habitação. Analisando as
médias por subtipo, confirma-se a prevalência da habitação sobre o comércio nos
subtipos do tipo 1, mas nos do tipo 2 há duas situações: no 2.1 prevalece a habitação
e no 2.2 prevalece o comércio. Mais uma vez os dados confirmam a ideia genérica
que se tinha apresentado sobre este assunto.
Estes valores serviram para a determinação do número de pisos na construção
dos desenhos tipo (cortes e alçados). Utilizou-se assim como número de pisos tipo: 1
de comércio e 1 de habitação para o subtipo 1.1; 1 de comércio e 2 de habitação para o
subtipo 1.2; 1 de comércio e 1 de habitação para o subtipo 1.3; 1 de comércio e 2 de
habitação para o subtipo 2.1; 2 de comércio e 1 de habitação para o subtipo 2.2; 2 de
comércio para o subtipo 3.1 e de 3 de comércio para o subtipo 3.2.
130
A distância média à via é o valor que menos varia em função do tipo e do subti-
po. No entanto, também aqui podemos constatar uma gradação das medidas do
primeiro para o terceiro tipo. Constata-se igualmente que a média total da distância
em relação à via é próxima do valor mínimo exigido pela legislação (12 metros),
segundo o Decreto-Lei 13/71.
Fig. 75 - Esquema geral das dimensões e distâncias à via dos edifícios (à mesma escala)
131
tivamente duas ou uma frente cada). O telhado é normalmente de duas águas. Têm
também, na maior parte das vezes, um recuado, parte da habitação. Este pode apare-
cer recortado na cobertura e é em duas águas, adoptando soluções muito variáveis.
Os edifícios do subtipo 1.3 funcionam em bloco, tendo uma ou duas empenas.
São mais longos e têm regularmente o acesso às habitações pelo interior. Possuem
também, com frequência, varandas corridas e telhados em duas águas.
Os edifícios do subtipo 2.1 apresentam um ou dois acessos colectivos, assumi-
dos. Têm, normalmente um piso de comércio e dois de habitação (ou por vezes
mais). Funcionam em bloco, e por isso têm, por regra, duas empenas.
Os edifícios do subtipo 2.2 têm geralmente características muito semelhantes aos
do subtipo 2.1, mas com a diferença, já referida, de darem mais importância ao
comércio que à habitação, normalmente recuada. O comércio funciona no em dois
pisos, com uma escada interior a fazer a ligação entre eles.
Os edifícios do subtipo 3.1 são edifícios autónomos de comércio, que funcionam
como pavilhões abertos, com o alçado frontal em panos de vidro e os laterais usual-
mente cegos. Têm dois ou três pisos e uma escada central que os une.
Os edifícios do subtipo 3.2 têm sensivelmente as mesmas características, com a
diferença de serem em regra maiores e trabalhados em termos de linguagem arqui-
tectónica (sobretudo no alçado principal) para atracção comercial. Têm normalmente
sinalética aplicada nos alçados, decorados das mais diversas formas e estilos possí-
veis – impossíveis de tipificar.
Todos os edifícios usam sistemas estruturais semelhantes, em porticado de
betão armado, cujos vãos médios têm as medidas mais regulares e económicas (entre
4 e 7 metros). Têm em comum montras quase contínuas no piso térreo, com várias
portas de entrada para a loja, interrompidas quase exclusivamente pelos pilares. O
interior das habitações foi naturalmente deduzido do exterior, uma vez que não foi
possível entrar nestes espaços. Serve unicamente como exemplo do hipotético fun-
cionamento da mesma.
132
interrompidas e retomadas, acompanhando as curvas e contracurvas da estrada (ver
planta). Dentro desta distribuição dos edifícios, a variação do tipo e subtipo também
se faz de forma equilibrada, não havendo zonas com concentração particular de um
deles. Confirma-se o que já foi referido: a EN209 e a EN319 têm muito menos exem-
plares deste fenómeno (23% do total). A distribuição quantitativa dos edifícios pelas
três estradas é a seguinte122:
122. Note-se que há dois edifícios que se localizam simultaneamente na EN207 e na EN209 (funcionam em gaveto). Há
também um edifício que se localiza simultaneamente na EN209 e na EN319. Como critério de opção para a elaboração da
tabela, considerou-se o alçado maior. Este determinou a que estrada se considera pertencer. Sendo assim, dos dois primeiros
pertence um a cada estrada. No segundo caso considerou-se que o edifício pertence à EN209.
136
Ou então em função do subtipo:
139
SUBTIPO EN207 EN209 EN319
1.1 6 2 -
1.2 2 - -
1.3 0 - -
2.1 2 - 1
2.2 4 - -
3.1 6 - -
3.2 6 1 1
Tabela 20 – Distribuição dos edifícios devolutos/em construção pelas estradas – por subtipo
Em relação aos de outras funções, foram localizados 76, um número já mais sig-
nificativo. A sua distribuição contraria a tendência anterior, já que é na EN209 que
encontramos o maior número. Isto deve-se ao já referido carácter plurifuncional da
EN209 em contraste com a especialização da EN207 no comércio do móvel.
140
Para melhor estudar o impacto dos edifícios na estrada através do seu poder de
atracão comercial, seleccionaram-se 50 edifícios que funcionam como elementos
marcantes123.
Fez-se, para estes edifícios, uma análise mais detalhada que a anterior. Utiliza-
ram-se os seguintes critérios: quantidade de sinalética no edifício; quantidade de
sinalética independente (paralela ou perpendicular); número de alçados principais
(isto permite-nos perceber se o edifício tem relação de um alçado em especial com a
rua ou não, ou se eventualmente funciona em duas direcções numa situação do tipo
gaveto – Fig. 76); e grau de atractividade (medido de forma intuitiva numa escala de
1 a 3). Analisando a localização na planta podemos tirar algumas conclusões: divi-
dindo a EN207 em quatro troços iguais, percebemos que no primeiro troço se encon-
tram 15 edifícios; no segundo também 15; no terceiro 5 e no quarto 3. Isto é: a primei-
ra metade (da porção da EN207 em estudo) apresenta 76% dos edifícios de toda a
Fig. 76 – Edifício montra que funciona em
cunhal estrada. As outras estradas (EN209 e EN319) possuem uma pequena quantidade
destes edifícios: 10 a EN209124 e 2 a EN319, contra os 38 da EN207. Na EN209 os edi-
fícios estão igualmente distribuídos nas suas duas metades (5 em cada uma):
123. Condição apresentada no capítulo anterior (Kevin Lynch, A imagem da cidade, Edições 70, Lisboa 1982)
124. Um dos edifícios presentes nesta estrada localiza-se simultaneamente na EN209 e na EN319 (ver tabela dos 50 edifícios
seleccionados). Como foi já referido, para optar por uma das estradas, decidiu-se usar como critério o alçado maior (que está
neste caso voltado para a EN209)
141
cios com mais impacto visual são maioritariamente do tipo 3, e dentro deste são
esmagadoramente do subtipo 3.2 (60% do total). Em seguida vêm os do tipo 2, que
são maioritariamente do subtipo 2.2, e só excepcionalmente aparecem os do tipo 1.
TIPO 1 2 3
SUBTIPO 1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1 3.2
3 1 0 1 9 6 30
QUANT.
4 (8%) 10 (20%) 36 (72%)
Tabela 25 – Quantificação dos edifícios de maior impacto por tipo e subtipo
Através da análise dos dados da tabela seguinte, podemos tirar mais algumas
ilações. A maioria dos edifícios tem apenas um anúncio publicitário no edifício,
havendo muitos que não têm. Esta situação justifica-se pelo facto de que, com fre-
quência, o impacto destes edifícios é de tal forma grande, que a sinalética funciona só
de forma informativa ou nem sequer é necessária – o edifício funciona por si. Aquela
que é independente do edifício mostra-nos o mesmo – a maioria dos edifícios tem um
só anúncio independente do edifício, o que significa que este é essencialmente infor-
mativo. A maioria dos edifícios só têm um alçado principal (62%), confirmando o que
foi dito antes – os edifícios montra funcionam essencialmente para a estrada e para o
alçado da mesma. Há no entanto uma quantidade considerável de edifícios que têm
dois alçados principais (34%). São usualmente edifícios que funcionam em gaveto –
ladeiam também uma estrada que intersecta a estrada mercado – embora por vezes o
segundo alçado funcione enquanto principal, mesmo sendo interior ao lote. Quanto
ao grau de atractividade, podemos concluir que metade dos edifícios seleccionados
tem grau 3; enquanto só 36% têm grau 2; e 14% grau 1.
142
Nº NOME DA LOJA ESTRADA TIPO SUBTIPO SINAL.EDIF. SIN. INDEP. ALÇ.PRINC. GRAU ATR. DIST.VIS.M
Quanto alcance visual máximo de cada edifício, podemos concluir que há edifí-
cios visíveis até cerca de 500m, uma distância muito considerável e que a maior parte
dos edifícios seleccionados têm 100m de alcance visual e uma grande parte tem
200m. Os edifícios com mais impacto (400 e 500 metros) são então poucos, o que lhes
acentua destaque e importância na paisagem:
147
DISTÂNCIA (metros) 1.1 1.2 2.1 2.2 3.1 3.2 TOTAL
50 - - - - 1 4 5
100 1 1 1 6 2 12 23
200 - - - 1 1 9 11
300 2 - - - - 3 5
400 - - - - 2 2 4
500 - - - 2 - - 2
Tabela 30 – Distribuição dos edifícios segundo o seu alcance visual por subtipo
148
6. ARQUITECTURA E CIDADE DIFUSA
6.1. Relações
Que ilações se podem tirar sobre as relações entre arquitectura e cidade difusa?
Este assunto obriga-nos a pensar a organização urbana ao longo da história. Durante
séculos, as cidades foram feitas de quarteirões. O quarteirão foi a mais simples forma
encontrada de fazer cidade e de definir, separar e delimitar o espaço. Mais do que
um bloco de edificado, o quarteirão é regulamentador daquilo que é espaço público e
espaço privado. No sistema de cidade compacta tradicional, a separação é essencial-
mente feita pelo edificado.
O quarteirão é o produto da multiplicação da rua, a sistematização da mais
básica forma de urbanização – o alinhamento de edifícios. Permite o alastramento em
duas dimensões e permite portanto, expandir a cidade. Passa-se das duas às três
dimensões, do plano ao espaço, da urbanização linear à malha urbana.125 Para além
de edificado e espaço privado, ele é também um conjunto de ruas com continuidade.
Este sistema de fazer cidade que durou tantos séculos, começou a ser posto em causa
essencialmente na Europa no século XX (com mais precisão um pouco antes - sobre-
tudo em Inglaterra - pelos processos de sprawl ou difusão urbana que se sucederam à
Revolução Industrial no século XIX). Foi fortemente criticado pelos arquitectos do
Movimento Moderno, em especial Le Corbusier que defendia o fim da terrível «rua-
125. David Mangin, Philippe Panerai, Projet Urbain, Éditions Parenthèses, Marseille, 1999
149
corredor», procurando assim a autonomia da via em relação ao edifício. A enorme
diversidade de processos de difusão urbana da cidade contemporânea permitiu que
o quarteirão deixasse de ser a única forma de organização urbana, sobretudo na
maioria das novas áreas de expansão das cidades. O modernismo (e os processos de
explosão e difusão) conseguiu pôr fim a um modo de fazer cidade com séculos de
existência, criando uma autêntica ruptura urbana ao por em causa a definição clara
entre espaço público e espaço privado.
Como funciona a organização espacial da cidade difusa? Aqui o espaço é orga-
nizado com uma malha muito mais irregular e orgânica que a tradicional cidade
planificada ou as cidades históricas não planificadas. Isto deve-se ao facto das suas
estradas serem muitas vezes herança de antigos caminhos rurais em zonas com aci-
dentes naturais difíceis de vencer (no passado). Dá-se um fenómeno interessante
neste tipo de território: as vias ganham uma certa interioridade e desligam-se do
restante espaço (sobretudo as vias mais importantes), graças possivelmente ao facto
de serem sinuosas e com desenhos complexos. Constituem-se como sistemas lineares
fechados. Não existe portanto a anterior relação de orientação pelas direcções norte,
sul, nascente, poente no espaço. Cada via que rasga o território tem a sua lógica
interna, sendo que os espaços entre elas acabam sempre por ser intersticiais. As vias
podem funcionar em árvore – ou seja, no fim não têm saída – ou em redes fechadas.
Quando as ruas têm saída, fecham espaços entre elas. Não se formam quarteirões
mas algo parecido em termos de funcionamento, Mas só em termos rodoviários,
porque os edifícios não fazem a separação entre espaço público e privado. A maior
parte deles funciona no esquema de edifício isolado no lote (que pode ser encerrado
por muros ou não), sendo que uma grande parte dos lotes está vazia, (características
que fazem difusa a cidade) ou pode até ser espaço público. Portanto, a percepção
espacial da cidade não funciona da mesma forma (uma vez que não há uma leitura
clara do que é espaço público e privado). O edifício isolado no lote aparece como a
unidade de medida e de composição, partícula mínima da cidade difusa (em contra-
ponto ao quarteirão na cidade compacta). São, assim, os tecidos estilhaçados, com-
150
postos por edifícios isolados, a expressão da cidade contemporânea feita, segundo
Secchi126, de fragmentos.
De que tipos arquitectónicos é então feita a cidade difusa? Dos mesmos que na
cidade tradicional, ou de outros? De que são compostos os interiores destes territó-
rios difusos? Que padrões há no interior das manchas dispersas? Há, sobretudo,
edifícios unifamiliares isolados no lote (Fig. 77), casas em banda, blocos (Fig. 78),
torres, indústrias isoladas ou em zonas industriais próprias, grandes superfícies
comercias, estações de serviço automóvel, etc. Analisando o território de urbanização
difusa em geral (e o território concreto de estudo em particular) podemos encontrar
novos tipos que dificilmente, ou nunca, se adaptam à cidade tradicional. São sobre-
tudo tipos fortemente dependentes do transporte individual, que tem dificuldade em
adaptar-se à antiga cidade histórica e que encontram na cidade dispersa – mais dis-
Fig. 77 – A moradia unifamiliar como tipo ponível para a mobilidade –melhores condições de funcionamento (através de vias
recorrente da cidade difusa
construídas para o efeito e de outras que se adaptaram facilmente). Ou seja, a cidade
difusa funciona como uma espécie de upgrade automobilístico da cidade tradicional –
para uma cidade preparada, feita ou adaptada ao automóvel. E quais são então estes
novos tipos de edificado? São essencialmente, shoppings e grandes superfícies comer-
ciais ou industriais especializadas, que funcionam a grande escala e com um enorme
raio de atracção. Simultaneamente temos novos tipos de estruturas comerciais,
industriais e de serviços., No que respeita à habitação há sobretudo a importação
Fig. 78 - Blocos de habitação soltos no
directa de modelos tipológicos da cidade canónica e do espaço rural, para o novo
espaço
contexto. Esta arquitectura é composta essencialmente por dois tipos: a habitação
unifamiliar isolada no lote (a tradicional moradia com jardim já referenciada) e em
constante coabitação, o edifício plurifamiliar de habitação colectiva (o típico bloco de
apartamentos) de vários pisos onde o rés-do-chão é normalmente um piso comercial.
126. Bernardo Sechi, «Ciudad moderna, cuidad contemporánea y sus futuros», in AAVV, Lo urbano: en 20 autores contempo-
ráneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004
151
edificado, prevalece o espaço livre sobre o espaço construído. O espaço aqui é por-
tanto definido por ausência, ao invés do espaço definido por presença da cidade
compacta. O edifício ganha protagonismo porque se solta dos outros, e se no lote,
(que está por sua vez isolado porque se rodeia de outros lotes não construídos). A
nova forma de cidade faz com que o edificado ganhe uma relação diferente com a
envolvente. Esta já não é feita por contacto directo através de um sistema de colagem
lateral, (de acordo com a delimitação parcelar do terreno em empenas), mas através
da via e do espaço livre (com ou sem programa). Os edifícios espaçam-se, e por isso
há menos edifícios por unidade de área – dilatando-se o espaço. Este facto produz
Fig. 79 - O edifício isolado no espaço
um fenómeno interessante – a possibilidade de o edifício ser contornado e visível a
toda a volta, em diferentes pontos de observação, permitindo que este assuma a
emancipação de todas as fachadas. Para alem disto, ter 4 alçados disponíveis permi-
te-lhe também ter insolação e arejamento de 4 direcções.
Esta vantagem é normalmente pouco aproveitada e é especialmente desprezada
na estrada mercado (Figs. 80 e 81). A maioria dos edifícios pura e simplesmente igno-
ra as fachadas laterais – que até são as mais expostas à estrada, uma vez que se
encontram perpendiculares a esta (como o comprova a sinalética ao ser maioritaria- Fig. 80 – Edifício montra na EN207
(Paços de Ferreira) - traseiras
mente colocada na perpendicular). Esta questão é importante, pois revela que muitos
dos tipos importados da cidade canónica para a difusa não souberam ainda adaptar-
se a esta. Estão desadequados porque não foram pensados especificamente para este
sítio. Defendemos que há possibilidades a aproveitar na arquitectura da cidade difu-
sa, em termos morfológicos que nem sempre são feitas, Estas aparecem por vezes,
mas de uma forma muito espontânea e pouco reflectida, Em termos tipológicos, a
cidade difusa traz algumas inovações importantes na arquitectura. Cabe a esta o
Fig. 81 – Edifício montra na EN207
papel de as interpretar, traduzindo-as na melhor morfologia para os edifícios, aten- (Paços de Ferreira)
tando a que mesmo os tipos que não sofreram adaptações tipológicas podem vir a
sofrê-las, assim como os tipos que não necessitam de se adaptar tipologicamente
podem ser, apesar disso, adaptados morfologicamente.
Pode ou deve a cidade difusa criar uma arquitectura própria? Num novo con-
texto de cidade, em que a relação entre o edificado e o espaço vazio é completamente
diferente, que tipo de arquitectura podemos encontrar? Há ou deve haver uma arqui-
tectura própria da cidade difusa? Podemos afirmar que não há necessariamente uma
152
arquitectura própria da cidade difusa. Esta baseia-se essencialmente na importação
de modelos da cidade tradicional de forma espontânea, a maioria das vezes feita por
não arquitectos (não sendo assim obras de autor), ainda que certos tipos de edifício
se vão adaptando progressivamente a este contexto. E sendo feita por arquitectos,
poderá a cidade difusa gerar uma arquitectura diferente da cidade compacta? Ela
pode ser diferente sobretudo na forma como se relaciona com o sítio e na visibilidade
que possui.
Sem dúvida que o edifício montra, por exemplo, é um tipo arquitectónico pró-
Fig. 82
prio desta. Mas de que outra forma é que a arquitectura, (tirando partido das possibi-
lidades oferecidas por este novo contexto, e respondendo de forma eficaz às novas
necessidades) se constitui como uma especificidade própria na cidade difusa? Basi-
camente, grande parte da arquitectura hoje presente na cidade difusa não soube
ainda interpretar e tirar partido deste tipo de contexto. Novos tipos, novas funções e
novas formas urbanas surgem actualmente no seio da sociedade, a uma velocidade
impressionante (e de acordo com a imensa aceleração em todas as áreas – sobretudo
Fig. 83 a nível tecnológico – do último século). Cabe aos arquitectos estudá-las e dar-lhes a
melhor forma:
127. Jean Castex, Jean-Charles Depaule, Philippe Panerai, Formas urbanas: de la manzana al bloque, Editorial Gustavo Gili,
Barcelona, 1986 (tradução livre)
153
A cidade difusa traduz uma nova relação entre arquitectura e sítio, entre arqui-
tectura e contexto. Sendo que a arquitectura na cidade difusa nos surge essencial-
mente isolada no lote, e que a maneira como se distribuem os lotes é sobretudo
informal (como já referimos na maioria das vezes estes espaços surgiram sem grande
planeamento), parece-nos que esta nova cidade é, de certa forma, produtora de “edi-
fícios-objecto”128. A arquitectura solta no espaço funciona como arquitectura sem
sítio. Os projectos na cidade difusa são normalmente escolhidos por catálogo, e
alguns até importados. Na maioria das vezes são pura e simplesmente depositados
no local pretendido, sem grandes adaptações. Esta forma de fazer arquitectura e de
construir a cidade é eminentemente abstracta, desligada da realidade e do contexto,
(seja este territorial, regional, cultural ou social). Lembremo-nos que o Movimento
Moderno defendia uma arquitectura universal e desligada do lugar, – o edifício
fabricado como um objecto em série:
“O edifício era projectado como objecto técnico, como artefacto mesmo, segundo testemu-
nha a famosa fórmula de «artefacto habitável» que Le Corbusier tomou de Ozenfant Coro-
lários: o edifício convertia-se em objecto autónomo, desligado de toda a dependência ou
articulação contextual e, chegado o caso, podia ser reproduzido pela indústria. Para além
disso, o novo estatuto de objecto arquitectónico contaminava o da cidade que, participando
dos mesmos princípios passava ao controle do arquitecto: transferência de competências
garantida pela Carta de Atenas, que redigiu o CIAM de 1933. A cidade converte-se por sua
vez numa machine à vivre e deve assim mesmo «fazer tábua rasa do passado» (…)”129
Esta forma de cidade, onde prevalece o vazio sobre o cheio, impossibilita defini-
tivamente que se desenhe a cidade como antes – de uma forma simples, onde o espa-
ço público é o negativo do construído (tudo o que está para fora do quarteirão). O
espaço que sobra, desimpedido, público ou não, não consegue ser conformado pelas
fachadas dos edifícios, pois a maioria das vezes não há edifícios suficientes para o
128. “(…) para uma exigencia ou demanda social configura-se um novo espaço. Pelo abandono progresivo das suas referên-
cias à cidade, a arquitectura comum, da vivenda e da vida quotidiana torna-se monumento, objecto” Jean Castex, Jean-
Charles Depaule, Philippe R. Panerai, Formas urbanas: de la manzana al bloque, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1986
(tradução livre)
129. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos,
Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004 (tradução livre)
154
conformar. Torna-se um espaço não contido (ao contrário das praças, das ruas, das
avenidas e dos jardins tradicionais), um espaço aberto, alargado, esguio, e infinito. Já
não pode ser desenhado unicamente pelos edifícios, mas também, e essencialmente,
por outro tipo de elementos, sobretudo vegetais.
155
mente são concebidos pensando em coerência com uma escala deste género, e igno-
rando frequentemente a sua relação com a escala micro. Há ainda aqueles que fun-
cionam a um nível mais local como as pequenas lojas, mercearias, ou serviços. Final-
mente há e os intermédios e os mistos. Estes últimos, operando a um nível regional
ou metropolitano, podem também ter uma função de relação à escala micro. Aqui
pode mistura-se a linguagem característica da grande escala metropolitana (anúncios
e imagem do edifício destinados a serem vistos a larga distância e montras de escala
de rua tradicional. Um exemplo disso é o edifício do El Corte Inglês em Vila Nova de
Gaia).
Na cidade difusa temos normalmente uma grande abertura de horizonte que faz
com que possamos ter ângulo de visão para o infinito, ou seja, podemos olhar até
onde a vista alcança (Fig. 85). Esta é uma mais valia que começa a ser apreciada por
quem opta viver na cidade difusa de uma forma espontânea, pois ao abrir claramente
a vista, permite um contacto muito directo e intenso com os elementos naturais
(como vales, montanhas, rios, mar…). Aquilo que a vista alcança é muitas vezes
longínquo – uma e esta nova paisagem permite uma excepcional abertura visual aos
utilizadores dos seus edifícios.
A arquitectura tem sempre (intencionalmente ou não) qualquer relação com o
sítio, com o território e com a paisagem. A paisagem (sendo parte do sítio) é aliás um
tema importante e até fundamental na concepção arquitectónica. Se estamos perante Fig. 85 – A vista aberta para o horizonte
novos tipos urbanos, novos territórios, estamos também perante novas paisagens.
Estas formas de cidade podem trazer à arquitectura uma vantagem paisagística sobre
a cidade concentrada. A cidade é difusa e portanto o horizonte é aberto, o campo de
visão maior, (muitas vezes com vista para o infinito), o ar é naturalmente mais sau-
dável e a relação com os elementos naturais é mais intensa. Esta pode ser uma vanta-
gem da arquitectura produzida na cidade difusa sobre a que é feita na cidade concen-
trada, (sempre baseada no ancestral sistema de ruas e quarteirões). A questão da Fig. 86 – Paisagem da cidade difusa
paisagem é também importante não só neste ponto de vista (como esta se lê do edifí-
cio) mas também na forma como o próprio edifício faz paisagem. Isto é, a paisagem
que resulta do povoamento urbano difuso sobre o território natural (Fig. 86). Esta
uma mistura difusa entre os dois: o território natural e o polvilhar urbano, sobretudo
de habitação ou indústrias. Portanto, mesmo com maior proximidade à natureza, a
156
cidade difusa não conta com paisagens virgens, mas normalmente com grandes
extensões de território rurbano onde se misturam tradicionais espaços naturais com o
povoamento disperso.
157
potencial simbólico e visual muito maior, sobretudo quando associada ao comércio.
E é este tipo de construção que vai produzir a imagem da cidade. Esta arquitectura
com uma imagem forte acaba por dar sentido e significado aos lugares, criando não
só elementos marcantes, mas também definindo referências espaciais no espaço con-
fuso que pode ser a cidade difusa. É um contributo para a identidade dos sítios. O
comércio, que historicamente não interferia de forma assumida com a arquitectura e
com os tipos arquitectónicos (no comércio tradicional dá-se simplesmente a adapta-
ção do piso térreo e a introdução da sinalética) passa, na cidade difusa, a ter um
papel importante e fundamental: influencia claramente o desenho e configuração dos
edifícios. Tem um papel decisivo na conquista de novas formas e tipos arquitectóni-
cos, que se traduz sobretudo em edifícios montra e em shoppings.
questão (ainda que num plano especulativo): que fazer se estas lojas fecham e os
edifícios ficam vazios? São observáveis já, alguns (poucos) exemplos de possíveis
158
reutilizações destes para outras possibilidades comerciais. Muitas vezes a conversão
é possível pela subdivisão do seu interior em propriedades diferentes (Fig. 93).
Se observarmos os casos em estudo percebemos que especialmente o tipo 1 é
muito frequente nos terrenos de urbanização difusa, sujeitando-se às mais diversas
funções (Fig. 91). Os edifícios do tipo 1 chegam mesmo a ser o denominador comum
da construção. Numa cidade feita de habitação unifamiliar, é o mesmo tipo (ainda
que adaptado no rés-do-chão), que vai resolver a maioria das funções, fazendo a
colmatação das outras necessidades que a vida urbana requer (cafés, restaurantes,
comércio, serviços, etc., muitas vezes associado a pequenas indústrias ou armazéns),
e que acaba por ser praticamente o responsável pelo funcionamento da cidade alar-
gada. É uma adaptação funcional dos tipos tradicionais de habitação unifamiliar a
novas funções (tipo 1), não constituindo propriamente uma alteração morfológica.
Fig. 91 – Possível reutilização de um
edifício montra Os edifícios do tipo 2 começam também a destacar-se neste contexto difuso
associados a outras funções (além da habitação), que são maioritariamente cafés,
restaurantes e outras variantes de comércio ou serviços. O uso deste tipo de edifício
relaciona-se muitas vezes com o aparecimento de certas aglomerações (pequenas ou
grandes, mais ou menos compactas), no espaço de urbanização difusa – os núcleos de
condensação urbana. Muito frequentemente estão associados a um recuo em relação
à estrada (possivelmente exigido por lei), por vezes com uma via paralela interior,
Fig. 92 – Edifício do Tipo 1 com outros
mas sempre com estacionamento associado. Alguns, isolados no território, concen-
usos tram em blocos uma série de funções, sendo que, em aglomerações um pouco maio-
res, consegue-se fazer quase tudo no mesmo local, e só com um único estacionamen-
to (ir ao café, levantar dinheiro, ir ao supermercado, à loja, etc.). Isto contraria, de
certa forma, o funcionamento da cidade difusa, sempre dependente do automóvel
para todas as actividades.
Os edifícios do tipo 3 são também frequentes em determinados locais da cidade
difusa, mas são geralmente mais raros, uma vez que praticamente só funcionam para
Fig. 93 – Edifício do Tipo 2 com outros comércio de objectos de grandes dimensões. Daí que surjam essencialmente relacio-
usos
nados com o comércio de mobiliário e automóveis. Aparecem com alguma frequên-
cia no território de estudo, sobretudo nas estradas nacionais, embora em nenhum
outro lado a concentração seja tão acentuada como na EN207.
Podemos assim quase explicar o tipo de cidade difusa aqui estudado a partir
destes tipos de edificado, sendo que, mesmo os edifícios de habitação unifamiliar
159
podem ser considerados uma variação do tipo 1 (pois em pouco diferem). O edifício
montra é indubitavelmente um novo tipo, próprio da cidade difusa. Neste sentido é
uma adaptação tipológica e também morfológica (sobretudo o classificado como tipo
3) da arquitectura a um contexto novo. Nem é um tipo anterior à cidade difusa, nem
é um tipo que funciona noutro tipo de cidade. O edifício montra (sobretudo o tipo 3)
aparece-nos assim como um exemplo paradigmático da influência da cidade difusa
na arquitectura (Fig. 94). É a interpretação espontânea desta nova situação espacial
preparado para o comércio de mobiliário. Ao divulgar e publicitar o seu produto, fá-
lo a grande escala (a escala do automóvel). A estrada mercado não é assim mais do Fig. 94 – Edifício montra de venda de
automóveis (concelho de S. M. da Feira):
que uma tradicional rua comercial ampliada em extensão e velocidade. E o edifício o edifício como verdadeiro ícone comer-
montra é um tipo próprio deste novo formato de cidade e da contemporaneidade. cial
Não poderia existir noutro local nem noutro tempo. Este tipo de edifício é responsá-
vel por um fenómeno urbano particular e por um tipo particular de cidade, ou se
quisermos de urbanidade – a estrada mercado.
160
acesso automóvel, as possibilidades visuais e de insolação do edifício, o contacto com
a natureza, ou a existência de um espaço exterior próprio. A questão do sítio e do
contexto, que é um dos temas fundamentais da arquitectura, deve ser introduzida na
cidade difusa de uma forma mais alargada. Já que toda a cidade funciona a uma
escala ampla, também o contexto deve ser estudado mais num sentido de território
que, propriamente, de sítio. Obviamente que, se no campo do urbanismo, a cidade
difusa impõe novas ferramentas de trabalho, (diferentes das do urbanismo tradicio-
nal), também no plano da na arquitectura não se pode intervir da mesma forma que
na cidade tradicional.
A cidade difusa é geralmente, um território instável, constantemente inacabado
e em permanente crescimento e mutação. Como se projecta num território em trans-
formação e envolvente incógnita? Como interpretar um contexto deste tipo? Como
podemos projectar sem o conhecermos de forma definitiva? O projecto nesta situação
deve incluir também uma certa dose de incerteza, ou de flexibilidade, na sua relação
com o sítio, deixando espaço ao natural crescimento, evolução e alteração, ou perma-
nência da envolvente. Sintetizando, a forma de projectar deve ser em parte, diferente
da convencional, sobretudo por três razões: uma distinta forma de funcionamento da
cidade (na relação edifício/espaço livre e edifício/edifício), um conjunto de novos
tipos arquitectónicos (sem precedente na história da cidade compacta e na história da
arquitectura) e uma envolvente que, para além de ser diferente, é, sobretudo, incerta
e inconstante.
161
CONCLUSÕES
O estudo elaborado permite tirar uma série de conclusões genéricas e outras
mais particulares, sobre as questões levantadas no início do trabalho.
Primeiro, a cidade difusa e os territórios periféricos e de rurbanização adquirem
cada vez mais importância no contexto das cidades região (em termos económicos e
sociais). Por isso, a sua organização em regiões territoriais alargadas e delimitadas
pelo seu contexto real – o construído – permite mais eficácia na intervenção a efec-
tuar pelas respectivas administrações. Nesta outra cidade, cada vez maior, reclama-
se melhor tratamento e planificação. Para além disto, a cidade (ou o urbano) enquan-
to construção social, é um reflexo da sociedade e da economia, e não pode ser estu-
dada ou mesmo transformada ignorando este factor – exige, por isso, multidiscipli-
naridade.
Segundo, as estradas urbanizadas e as estradas mercado são a mais concreta
expressão deste processo de crescimento extra-urbano, concentrando a maior diver-
sidade de funções e o maior número de pessoas. Deverão necessariamente ser o alvo
principal da intervenção nesta área, já que oferecem boas oportunidades para a cria-
ção de espaços urbanos de trabalho e lazer, com qualidade. Urge implementar-se este
tipo de programa. Algumas questões em relação ao objecto deste estudo ficam, natu-
ralmente, em aberto. O que irá suceder às estradas mercado, e à EN207 em particu-
lar? Como resistirá à recente criação dos shoppings do móvel? Serão reutilizados os
edifícios montra se se tornarem obsoletos? E a economia do concelho e do distrito
industrial? Resistirá à abertura dos mercados à economia global e à entrada das mul-
tinacionais do mobiliário no país?
163
Em terceiro lugar, a tipologia do edifício montra permitiu retirar algumas con-
clusões quanto ao funcionamento e evolução deste tipo arquitectónico, que se consti-
tui como um paradigma da transformação tipológica da arquitectura na cidade difu-
sa. Demonstrou-se assim que a cidade difusa tem influência na forma e na função do
edificado e portanto na arquitectura em geral. Produzindo novos tipos de tecido
urbano, produz também novos tipos de edificado (que só podem existir e funcionar
num contexto deste tipo), assim como novas relações entre este e o sítio. Portanto, o
fenómeno da estrada mercado é basicamente um reflexo da sociedade contemporâ-
nea (dispersão, velocidade, automóvel individual, comunicação e imagem) no cres-
cimento da cidade de hoje. E uma nova escala de cidade implica uma nova escala na
leitura do sítio, que compreenda as novas velocidades no funcionamento do territó-
rio e uma diferente forma de relação entre edifício e cidade (o que vai implicar outras
possibilidades e transformações na forma dos edifícios). Assim, a interpretação que o
projecto fará deste contexto terá necessariamente que actualizar os conceitos acadé-
micos de terreno, sítio ou lugar, próprios da cidade compacta e do espaço natural ou
rural, pois o contexto é agora novo.
164
ANEXOS
1. Inquéritos aos proprietários dos edifícios
2. Inventário de todos os edifícios estudados
165
1. Inquéritos aos proprietários
Com as visitas aos edifícios, foi sendo reconhecida a importância de propor um
inquérito que nos pusesse em diálogo directo com os intervenientes para nos ajudar a
perceber as dinâmicas territoriais, sociais, económicas e politicas. O inquérito era
uma ferramenta fundamental para colmatar algumas dúvidas que ainda persistiam.
Foram abordados 20 proprietários e este consistiu nas seguintes questões:
167
apostar na imagem, na exposição, na proximidade entre comprador e vendedor,
tentando estabelecer uma correspondência entre o slogan criado nos anos 80 (“Paços
de Ferreira – Capital do Móvel”) e o edificado. Esta forma simples e directa de mar-
keting funcionou. A capital, uma mega-estrutura, uma cidade expositor, permitia
possível satisfazer todas as exigências a preços bastante acessíveis. Vivíamos o pós 25
de Abril. Finalmente Portugal conseguia a estabilidade politica, económica e social
que tanto ansiava. O Governo promove a construção de imóveis e incentiva a compra
– quem quer imóvel, quer móvel. Paços de Ferreira tinha-se tornado um caso de
sucesso. Qualquer um que tivesse acompanhado o desenvolvimento da cidade sentia
vontade de investir. Assistiu-se à separação entre habitar e trabalhar, abriram-se
equipamentos especializados, com grandes áreas de exposição que iam ao encontro
das necessidades do comprador: “Aqui pode mobilar toda a sua casa”. O edifício era
o rosto, o cartão de visita, o cartaz publicitário – era o primeiro contacto que o com-
prador estabelecia com o vendedor. Se no primeiro momento reconhecemos o fabri-
cante puro, no segundo o interveniente apresenta-se como um mero vendedor que
aproveita para investir num mercado em crescimento.
3. A terceira pergunta surge relacionada com as anteriores. Será que podemos
identificar diversas fases tipológicas? Será que existe qualquer tipo de evolução entre
elas? Estará o modelo comercial directamente relacionado com os diferentes anos em
questão? Depois de analisar e cruzar os dados podemos concluir que existe uma
evolução tipológica que se agrupa em dois momentos fortes, sendo os restantes pou-
co significativos. O primeiro com habitação e comércio muitas vezes associada a uma
pequena fábrica. Este modelo resulta de uma busca natural de comodidade, conforto,
eficácia e segurança. Com a proximidade entre estes campos podia-se controlar de
perto todo o processo desde o fabrico até à venda. Ao proprietário desta sistema era
possível intervir de forma activa in locu e a qualquer momento. Este núcleo produti-
vo foi-se adaptando à evolução económica e comercial, foi sendo reinterpretado mas
nunca posto de lado. No entanto, mostra alguma dificuldade em responder às actuais
necessidades do cliente, daí se projectarem edifícios de raiz com o único objectivo de
expor e exibir a diversidade de produtos.
4. Com a quarta questão, a nossa principal intenção era perceber a origem dos
produtos expostos. Será que todas as lojas têm uma fábrica própria, uma produção
individual, uma imagem de marca, um cunho pessoal? Ou virão os produtos de um
168
grande pólo fabril que distribui posteriormente pelas lojas espalhadas pelo território?
Relacionando o ano de abertura das lojas com o fabrico dos produtos identificámos
duas figuras diferentes. Os empresários que construíram uma loja entre os anos 90 e
2000 não têm geralmente fábrica própria, ao contrário dos que investiram no período
anterior, onde se trata normalmente de um negócio de família que foi atravessando
gerações.
5. O grosso das vendas é feito ao português comum que se dirige à loja tanto
para comprar um candeeiro como para mobilar toda a sua casa. Cada caso é um caso,
não existe um cliente tipo, um perfil para o comprador em Paços de Ferreira. Os
principais compradores em Portugal vêm do Grande Porto, de Lisboa e do Algarve.
No que toca às exportações, é de referir dois grandes mercados: o espanhol (princi-
palmente a Galiza) e o francês, sendo que grande parte das vendas é feita a emigran-
tes portugueses distribuídos neste último país.
6. Quando levantávamos esta questão, a resposta parecia bastante óbvia para os
nossos inquiridos. Aquele modelo tinha sido escolhido para se impor no terreno,
para chamar a atenção, para ser visto, marcar a diferença. O edifício torna-se um
símbolo, um elemento fundamental que caracteriza e define todo o espaço que o
envolve.
7. Quando tentávamos perceber a origem ou o porquê do edifício, obtínhamos
sempre como resposta um “não sei, sempre foi assim”. Ou seja, tendo uma fábrica é
preciso uma loja para vender os produtos. Tendo uma loja é necessário uma montra
onde os possa expor. Qualquer pessoa se podia ter lembrado de tal coisa.
8. Grande parte dos inquiridos está dentro do ramo do mobiliário, porque sendo
um negócio de família em crescimento alguém tinha de o perpetuar. Os terrenos
eram baratos, tratava-se da “Capital do Móvel” com uma grande concentração de
lojas que pressupunha um certo movimento e portanto, um certo sucesso garantido.
9. A população mais idosa ainda tem algumas memórias, de um concelho pobre,
com pouco mais de 40 mil habitantes que vivia essencialmente da agricultura, mas o
tempo encarregou-se de apagar esta recordação. Os mais jovens que hoje em dia
exploram este mercado não conseguem imaginar a cidade sem o boom do móvel:
“Sempre foi assim, eu ainda me lembro de aos domingos se fazerem romarias pelas
lojas à procura de móveis, vinha gente de todo o país.”
169
10. Como se trata de um negócio de família, o grosso dos trabalhadores é de
Paços de Ferreira. Nos anos 70 e 80 muitos foram aqueles que emigraram para países
como França, Suiça ou Brasil mas aproveitaram o crescimento do mercado para
regressar à terra natal. O desenvolvimento económico que se verificou no concelho
não acompanhou o desenvolvimento cultural e intelectual. Não se investiu na forma-
ção, na mão-de-obra qualificada e especializada. A cidade ficou demasiadamente
presa aos lucros que ia obtendo do mercado em expansão.
11. A resposta é quase unanimemente afirmativa. A concorrência é muito gran-
de, o número de vendedores aumentou e os compradores diminuíram. Devido à
crise que se verifica em Portugal o poder de compra decresceu. “Já não se vendem
imóveis, logo, não se compram móveis.” Os poucos estabelecimentos onde se afirma
não se sentir a crise são aqueles que vendem produtos de preço mais elevado, direc-
cionados para uma população de nível económico superior.
12. Aqui jogamos (naturalmente) no campo das incertezas, o que está para vir
ainda ninguém sabe. Muitos acham que, com a abertura dos novos empreendimentos
quem vai ficar à margem são as pequenas e médias empresas, a rua mercado vai
deixar de fazer sentido, vai deixar de ter o movimento que teve outrora. No entanto,
os mais optimistas acreditam que, com os novos investimentos, o concelho vai
ganhar “sangue novo”, e que estes vão dar uma nova dinâmica à estrada-mercado
que já conheceu melhores momentos. Todos querem ter uma loja nestes dois pólos,
mas poucos são aqueles que têm rendimentos para poder investir.
170
2. Inventário de todos os edifícios montra estudados
Dist. à via Número de pisos
Nº Tipo Subtipo Forma Direcção Larg. Alç. Rua Profund. Estrada
Dist A Dist B Média Comércio Habitação Total
130. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998
131. João Ferrão, «Portugal, três geografias em recombinação – Espacialidades, mapas cognitivos e identidades territoriais»,
Lusotopie, Paris, 2002
132. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma
arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004
133. Stefano Boeri, Arturo Lanzani e Edoardo Marini: Il territorio che cambia : ambienti, paesaggi e immagini della regione
milanese, Abitare Se gesta, Milano, 1993 (tradução livre)
175
IMAGEM / TABELA PÁG FONTE
Fig. 21 82 Autor
Fig. 22 82 Autor
Fig. 23 88 Autor
Fig. 24 91 Autor
Fig. 25 91 Autor
Fig. 26 92 Autor
Fig. 27 98 Natália Costa
Fig. 28 99 Natália Costa
Fig. 29 100 AAVV, Il territorio che cambia…134
Fig. 30 100 Autor
Fig. 31 101 Autor
Fig. 32 101 Autor
Fig. 33 101 Autor
Fig. 34 102 Natália Costa
Fig. 35 103 http://www.schnapp.org/bosi/images/LowQ/20041011_13.jpg
Fig. 36 103 Natália Costa
Fig. 37 103 http://world.lib.ru/img/a/antosha/paris/photo049.jpg
Fig. 38 103 Natália Costa
Fig. 39 104 Autor
Fig. 40 104 Autor
Fig. 41 104 Autor
Fig. 42 105 Autor
Fig. 43 105 Autor
Fig. 44 106 Autor
Fig. 45 106 Autor
Fig. 46 108 Autor
Fig. 47 108 Autor
Fig. 48 109 Autor
Fig. 49 109 Autor
Fig. 50 109 Autor
Fig. 51 110 Autor
Fig. 52 111 Autor
Fig. 53 111 Autor
Fig. 54 112 Autor
Fig. 55 112 Autor
Fig. 56 113 Autor
Fig. 57 113 Autor
Fig. 58 114 Autor
Fig. 59 114 Autor
Fig. 60 114 Autor
Fig. 61 115 Autor
Fig. 62 116 Autor
Fig. 63 116 Autor
Fig. 64 116 Autor
Fig. 65 120 Autor
134. Stefano Boeri, Arturo Lanzani e Edoardo Marini: Il territorio che cambia : ambienti, paesaggi e immagini della regione
milanese, Abitare Se gesta, Milano, 1993 (tradução livre)
176
IMAGEM / TABELA PÁG FONTE
Fig. 66 120 Autor
Fig. 67 121 Autor
Fig. 68 124 Autor
Fig. 69 124 Autor
Fig. 70 124 Autor
Fig. 71 125 Autor
Fig. 72 125 Autor
Fig. 73 125 Autor
Fig. 74 125 Autor
Fig. 75 131 Autor
Fig. 76 141 Autor
Fig. 77 151 Autor
Fig. 78 151 Autor
Fig. 79 152 Autor
Fig. 80 152 Autor
Fig. 81 152 Autor
Fig. 82 153 Autor
Fig. 83 153 Autor
Fig. 84 155 Autor
Fig. 85 156 Autor
Fig. 86 156 Autor
Fig. 87 157 Autor
Fig. 88 157 Autor
Fig. 89 158 Autor
Fig. 90 158 Autor
Fig. 91 159 Autor
Fig. 92 159 Autor
Fig. 93 159 Autor
Fig. 94 160 Autor
177
IMAGEM / TABELA PÁG FONTE
Tabela 22 – Distribuição dos edifícios com outra função 140 Autor
Tabela 23 – Distribuição dos edifícios com outra função 140 Autor
Tabela 24 – Distribuição dos edifícios de maior impacto 141 Autor
Tabela 25 – Quantificação dos edifícios de maior 142 Autor
Tabela 26 – Caracterização dos edifícios de maior 142 Autor
Tabela 27 – Distribuição do grau de atractividade por 147 Autor
Tabela 28 – Distribuição do grau de atractividade por 147 Autor
Tabela 30 – Distribuição dos edifícios segundo o seu 148 Autor
Tabela 29 – Distribuição dos edifícios segundo o seu 147 Autor
135. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Porto, 2002
178
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Geral
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BAUDRILLARD, Jean, Simulacros e simulação, Relógio d’Água, Lisboa, 1991 (1ª Ed
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