1. Origens
O primeiro impulso do homem foi retirar da terra os alimentos necessários à
sua sobrevivência.
Depois, quando os homens se organizaram em tribos, tornou-se
imprescindível a criação de normas reguladoras das relações entre eles,
tendo por objeto o “agro”.
As regras de conduta que regem o homem em sua relação com a terra
evoluíram do Decálogo de Moisés para as codificações e leis subsequentes,
até atingir um grau de tipicidade que justifica o direito agrário como ramo
autônomo da ciência jurídica.
“o Código de Hammurabi, do povo babilônico, pode ser considerado o
primeiro Código Agrário da Humanidade” - continha nada menos do que 65
temas específicos de conteúdo marcadamente agrarista.
“Lei das XII Tábuas” (450 a.C.) – indenização, usucapião, Penhor, etc...
O Direito Agrário tem suas raízes em institutos jurídicos criados na mais
longínqua antiguidade. Explicam-se, assim, a sua sedimentação e o prestígio
que desfruta até hoje, não obstante a sua autonomia, como ramo jurídico, ter
sido reconhecida há bem pouco tempo.
2. Denominação
A mais consagrada é “Direito Agrário” (voltado para as relações jurídicas
entre o homem e a terra, visando à produção de alimentos)
Poderosa corrente de agraristas prefere outras terminologias, tais como
“Direito Rural”, “Direito da Reforma Agrária”, “Direito da Agricultura”, ou
mesmo “Direito Agrícola”.
A preferência pela denominação “Direito Agrário” está no substantivo ager,
agri, de que decorre o agrarius, significando campo.
O rural é concebido como o terreno que se situa distante da urbs, pouco
importando a sua destinação. Já o agrário é considerado o campo suscetível
de produção ou destinado à exploração. O rural tem a conotação estática,
enquanto o agrário tem caráter dinâmico.
Não padece dúvida, porém, de que a preferência, hoje, é pela denominação
“Direito Agrário”, até porque reflete o sentido dinâmico enfeixado no
princípio da função social da propriedade imóvel - a autonomia legislativa
do Direito Agrário, que se deu por uma emenda constitucional (EC no 10, de
10.11.1964), adotou essa terminologia, o que se repetiu na atual Carta
Magna (art. 22, inc. I).
3. Definição
“Direito Agrário é o ramo da ciência jurídica, composto de normas
imperativas e supletivas, que rege as relações emergentes da atividade do
homem sobre a terra, observados os princípios de produtividade e justiça
social.”
No Brasil, afigura-se-nos o conceito concernente ao desempenho da função
social da propriedade, ou seja, o exercício da produção racional e
econômica, visando chegar à empresa rural pelo que, com esse fator
dinâmico, acrescido aquele estático, podemos afirmar ser a terra o objeto do
Direito Agrário.
4. Objeto – atividades agrárias
“o objeto do Direito agrário seriam os fatos jurídicos que emergem do
campo, consequência da atividade agrária, da estrutura agrária, da empresa
agrária e da política agrária; o que caracteriza a relação jurídica agrária”.
As atividades agrárias constituem o núcleo do objeto do Direito Agrário,
sem obscurecer o elemento terra com todas as suas potencialidades que
devem ser conservadas e preservadas.
A lavoura pode ser classificada como temporária ou permanente, ou, como
prefere Laranjeira, transitória ou duradoura. São exemplos da lavoura
temporária o arroz, o milho, o feijão e outros; e permanente, o café, o
abacate, o cacau, a laranja etc.
A pecuária, à sua vez, pode ser classificada como de pequeno, médio e
grande porte. Exemplos de pecuária de pequeno porte são as aves
domésticas, abelhas etc. De médio porte, os suínos, caprinos, ovinos etc. E
de grande porte, os bovinos, bubalinos, asininos, equinos ou muares.
A atividade classificada como hortigranjearia é aquela apropriada às
pequenas glebas, cuja produção é constituída de hortaliças, frutas, verduras,
ovos etc.
O extrativismo rural, também considerado atividade típica, consiste na
extração de produtos vegetais e na captura de animais. São exemplos dessa
atividade a extração de castanha, açaí, babaçu, carnaúba, látex e a caça e a
pesca.
A agroindústria, tida como exploração atípica, diz respeito ao processo
industrializante desenvolvido nos mesmos limites territoriais em que são
obtidos os produtos primários. São exemplos dessa atividade as usinas de
beneficiamento de arroz, a produção de rapaduras, farinha de mandioca etc.
Pode-se dizer que essas atividades são de beneficiamento ou de
transformação dos produtos rústicos, a chamada matéria-prima.
A atividade complementar da exploração rural, por sua vez, é aquela que diz
respeito ao transporte e à comercialização dos produtos, diretamente do
estabelecimento rural e pelo próprio produtor. Não sem razão, uma corrente
doutrinária denomina de conexas essas atividades. A classificação dessas
atividades como agrárias, todavia, não é pacífica, pois há quem as inadmita
mesmo como atípicas, à consideração de que se situam no setor terciário da
economia. A primeira – transporte – é considerada como prestação de
serviços, e a segunda – comercialização – como atividade tipicamente
comercial (mercantil).
Sempre que seja o produtor o que transporta, transforma, armazena e vende,
sempre será um sujeito agrário privado.
5. Autonomia do Direito Agrário
Já é entendimento pacífico entre os doutrinadores que o Direito Agrário
goza de autonomia sob os seguintes aspectos: legislativo, científico,
didático e jurisdicional. No Brasil, essa autonomia se apresenta apenas sob
os aspectos legislativo, científico e didático, porquanto ainda não temos a
Justiça Agrária, que representaria a autonomia jurisdicional.
A autonomia legislativa se deu através da EC no 10, de 10.11.64, quando
se acrescentou, na Constituição Federal de 1946, então vigorante, mais uma
alínea – a alínea a – ao inciso XV, do art. 5o. Por tal inserção, a União
ampliou a sua competência legislativa, podendo fazê-lo também sobre
Direito Agrário. Na sequência da EC no 10/64, foi logo promulgado o
Estatuto da Terra (Lei no 4.504, de 30.11.64), para muitos considerado um
verdadeiro código agrário, que ainda se conserva, não obstante a avalanche
de decretos posteriores que se propuseram regulamentá-lo, além de
alterações que se fizeram em seu texto original.
A autonomia científica é identificada na existência de princípios e normas
próprias, diferenciados dos demais ramos da ciência jurídica. Além do mais,
o Direito Agrário tem um objeto particularizado, conforme foi explicitado
em outro momento. Na verdade, o direito agrário brasileiro não é
constituído apenas ou simplesmente por algumas normas esparsas e
princípios desconexos, mas tem toda uma estrutura devidamente
esquematizada a partir do Estatuto da Terra, com normas próprias,
diferenciadas e especializadas.
A autonomia didática, por sua vez, constitui uma realidade da maior
evidência, porquanto, hoje, a disciplina Direito Agrário é lecionada em
praticamente todos os estabelecimentos de ensino superior de Direito,
alguns nos níveis de graduação e de pós-graduação, como sucede com a
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, onde a matéria é
dada em nível de graduação, de especialização e de mestrado.
Quanto à autonomia jurisdicional, infelizmente ainda não foi possível
implantar a Justiça Agrária no Brasil, a despeito da pregação sistemática de
quantos se tornam agraristas convictos.
6. A justiça agrária
“O país precisa de justiça agrária porque o Poder Judiciário a cada dia perde
mais expressão – dele mais desconfiando, do que confiando, quantos
estejam inseridos na equação agrobiológica da exploração da terra.”
7. Os princípios
(1) o monopólio legislativo da União (art. 22, § 1o, CF);
(2) a utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial;
(3) a propriedade da terra é garantida, mas condicionada ao cumprimento da
função social;
(4) o Direito Agrário é dicotômico: compreende política de reforma
(Reforma Agrária) e política de desenvolvimento (Política Agrícola);
(5) as normas jurídicas primam pela prevalência do interesse público sobre o
privado;
(6) a reformulação da estrutura fundiária é uma necessidade constante;
(7) o fortalecimento do espírito comunitário, através de cooperativas e
associações;
(8) o combate ao latifúndio, ao minifúndio, ao êxodo rural, à exploração
predatória e aos mercenários da terra;
(9) a privatização dos imóveis rurais públicos;
(10) a proteção à propriedade familiar, à pequena e à média propriedade;
(11) o fortalecimento da empresa agrária;
(12) a proteção da propriedade consorcial indígena;
(13) o dimensionamento eficaz das áreas exploráveis:
(14) a proteção do trabalhador rural;
(15) a conservação e a preservação dos recursos naturais e a proteção do
meio ambiente.
8. Natureza jurídica
Muito se discute sobre a natureza jurídica do Direito Agrário: se é ramo do
direito público ou do direito privado.
“as regras de direito agrário têm uma destinação universal, dirigida à
comunidade e à sociedade, enquanto as demais regras têm apenas um
dimensionamento social, familiar ou profissional”.
“o Direito Agrário é, de fato, composto de normas privadas e públicas, ao
mesmo tempo... Dúvidas não persistem quanto ao caráter misto do Direito
Agrário”.
É imperioso reconhecer que há um predomínio de normas de ordem pública
sobre as de direito privado, porquanto, até mesmo na disciplina dos
contratos agrários, onde a vontade das partes tem o seu maior espaço, a
autonomia privada é quase nenhuma, em face das normas imperativas
impregnadas no Decreto no 59.566, de 14.11.66.
Merece consignar, afinal, que o princípio maior da função social, que
constitui até uma exigência constitucional a subordinar a garantia do direito
de propriedade, é o principal preceito de ordem pública impregnado no
ordenamento jurídico agrário.
9. As fontes
Apesar da autonomia legislativa do Direito Agrário, não se pode abstrair a
sua inegável vinculação com outros ramos do Direito, bem como com outras
áreas de conhecimento, numa verdadeira interação.
A principal fonte do Direito Agrário é o Direito Civil, o que não significa
que seja o seu apêndice, como querem alguns cultores desavisados.
Também busca subsídios no Direito Constitucional, no Direito
Administrativo, no Direito Judiciário Civil, no Direito Comercial, no Direito
do Trabalho, no Direito Penal, no Direito Tributário e até mesmo no
nascente Direito Ambiental. Nas suas formulações legislativas e mesmo nos
estudos e nas pesquisas científicas que se desenvolvem, o Direito Agrário
também busca suporte na Agronomia, na Economia, na Antropologia, na
Geografia, na História, na Sociologia e em outras áreas.
Como todo ramo da ciência jurídica, as fontes do Direito Agrário podem ser
classificadas em:
Imediatas ou diretas - leis e os costumes;
Mediatas ou indiretas - doutrina e a jurisprudência.
O que é importante é deixar claro que o poder legítimo para elaborar a lei
(fonte formal) antes de elaborá-la é compelido e condicionado, para elaborá-
la, por fatos sociais, fatos econômicos ou fatos políticos: esses fatos é que
são as fontes materiais do direito e esses é que geram os princípios para a
elaboração e para a interpretação e aplicação das leis e, ao serem utilizados,
para essas finalidades, transformam-se em princípios do Direito.
Qualquer que seja a classificação que se adote, a verdade é que o Direito
Agrário tem como principal fonte as leis e os costumes, por isso que são
chamadas diretas ou imediatas. E, entre as leis, a principal é a civil.
As duas primeiras exceções foram definidas no Decreto no 62.504, de 8.4.68 (art. 2o),
que regulamentou o art. 65, do Estatuto da Terra. A última exceção foi prevista no art.
8o, § 4o, da Lei no 5.868/72. Agora, a Lei no 11.446, de 5.1.2007, introduz mais uma
exceção, permitindo o parcelamento em área inferior ao módulo nos programas de
apoio à atividade agrícola familiar (§ 5o, art. 65, ET). Contudo, preserva o
princípio da indivisibilidade (§ 6o, art. 65, ET).