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Resenha sobre o texto "Novas Formas de Servidão e Suicídio" de C. Dejours, apresentada como uma das atividades na disciplina Trabalho, Corpo e Saúde do curso de psicologia da UFF de Rio das Ostras.
Resenha sobre o texto "Novas Formas de Servidão e Suicídio" de C. Dejours, apresentada como uma das atividades na disciplina Trabalho, Corpo e Saúde do curso de psicologia da UFF de Rio das Ostras.
Resenha sobre o texto "Novas Formas de Servidão e Suicídio" de C. Dejours, apresentada como uma das atividades na disciplina Trabalho, Corpo e Saúde do curso de psicologia da UFF de Rio das Ostras.
Resenha - Texto 5 - Novas formas de servidão e suicídio
Aluno: Lucas Moraes de Araújo
Vemos que no mundo do trabalho, as forças contínuas da modernização
impõem valores como o de produtividade, desempenho e qualidade. As avaliações individuais se configuram como formas de imposição de medidas, e atualmente diversos estudos buscam entender quais os efeitos destas forças na subjetividade. O antigo conceito de servidão voluntária, de La Boétie, têm sido trazido à baila por estudiosos do trabalho como Dejours na busca de fazer um contraponto às teorias do capital humano. Para Dejours existem atualmente três patologias no trabalho que emergem à partir das estratégias de defesa que os que os sujeitos empreendem na busca de resistir às formas adoecedoras atuais de organização do trabalho: a patologia de sobrecarga, a patologia da violência e a de servidão voluntária. A idéia de servidão voluntária descreve um processo no qual o trabalhador adere incondicionalmente ao discurso gerencial da empresa, buscando fazer corresponder ao máximo seus interesses com aqueles da empresa. A conduta do trabalhador passa então a ser caracterizada pela subserviência e a bajulação, o que Dejours descreve em sua análise, por exemplo, através dos conceitos de zelo e da idéia de submissão. A reorganização do capital promoveu uma série de mudanças na relação com o trabalho, e trouxe novas formas de submissão e de sofrimento humano inerentes as novas formas de mobilização das capacidades cognitivas e afetivas no trabalho instauradas pelo toyotismo, que tem sido atualmente objeto de estudo da psicodinâmica do trabalho. Em seu primoroso estudo de caso sobre o sofrimento e as novas formas de servidão no trabalho Dejours (2008) se debruça sobre o caso de suicídio de Madame V. B., uma executiva de uma grande empresa de consultoria. Ele apresenta-o como um caso exemplar de sofrimento produzido pela servidão, uma “morte voluntária” que escancara de maneira trágica e denunciatória a existência de um problema invisibilizado no meio empresarial. Nessa análise ele apresenta algo que seria novo com relação ao sofrimento psíquico no trabalho - o suicídio no ambiente de trabalho, algo recente e inexistente antes dos anos de 1990. E isso seria um indicador de problemas nas atuais formas de organização do trabalho. Dejours defende que esses suicídios denunciam uma desestruturação das relações sociais no trabalho. Ele argumenta que existe uma grande dificuldade de se fazer uma avaliação do suicídio em locais de trabalho e de realizar pesquisas nessa direção, e que por isso sabemos muito pouco sobre isso. Descreve o que chama de uma “conspiração do silêncio” no meio corporativo e familiar, que envolve fatores de muitas dimensões, que vão desde a dimensão moral familiar até o receio dos colegas de trabalho e o silenciamento no meio empresarial. E para entender o suicídio é necessário perscrutar a intimidade do defunto, assim como seu contexto de vida na família, na empresa. E recolher essas informações levantam espinhosos problemas deontológicos. O suicídio é indiscutivelmente signo do que ele descreve como uma “solidão psicológica”. Essa solidão é de ordem afetiva, e mesmo que o sujeito seja parte de um agrupamento de pessoas a ausência de laços afetivos configura uma solidão de qualidade psicológica, capaz de se extremar e culminar no suicídio. Ou seja, ele percebeu que os suicídios são cometidos por pessoas que não estão necessariamente afastados materialmente do convívio na comunidade. Eles estão acompanhados físicamente, mas sós afetivamente. Assim, como os laços entre os trabalhadores não são sempre de ordem afetiva, é comum de depararmo-nos com o que Dejours chama de “convivência estratégica”, que é um tipo de convivência que não estruturada pela solidariedade, mas por uma “camaradagem” que disfarça a concorrência existente no mundo executivo. Para Dejours não é mera circunstância que o suicídio ocorra em local de trabalho. O suicídio quando ocorre é um indicativo de um problema sistêmico, que afeta a todos, e onde todos são responsáveis. A maior preocupação de Dejours em seu trabalho envolve percorrer um caminho de pesquisa oposto ao tradicional dos especialistas e defender outra ideia: a de que o suicídio não depende apenas de uma causalidade psíquica. A psicodinâmica do trabalho de Dejours busca se contrapor às análises demasiadamente individualistas e que centralizam os problemas em uma causalidade psíquica e interior. Nesse sentido o caso da Madame V. B. é um exemplo interessante e estratégico para sua argumentação. A senhora não era uma pessoa de vida desordenada, bem vista e não demonstrava nenhum tipo de conduta ou valores condenáveis - e isso é bastante relevante para a capacidade ilustrativa do caso escolhido por Dejours, pois a biografia por si só dificulta qualquer apelo à fragilidades psíquicas determinantes que sobrepujariam o contexto do trabalho. Madame V. B. é descrita como uma mulher de notável inteligência, obstinada, compromissada com o emprego e com a família, e sucessos consecutivos em sua carreira. “Ela é vista por seus colegas, como por seu meio e pelos seus amigos, como uma personalidade extremamente sólida e estável, sempre disponível e ainda por cima generosa. Depositária da confiança dos colegas, eles lhe pedem conselhos” (DEJOURS, 2008). A apresentação da situação geral não facilita a localização de alguma justificativa predominantemente individual para a consumação de seu trágico desfecho, e isso permite a Dejours certo conforto no empreendimento de sua análise, eximindo-o de longas ressalvas sobre os pormenores da condição psicológica de Madame V. B. A apresentação dos fatos concretos parece praticamente antecipar e conduzir inexoravelmente às suas conclusões. . Entretanto, ainda que com um pouco de hesitação, ele busca, ao final de sua análise, se debruçar sobre seus possíveis aspectos individuais que constituiriam o que chamou de vulnerabilidade psicológica. Ou seja, ele não descarta completamente uma análise dos vetores individuais que comporiam as circunstâncias do suicídio de Madame V. B.. Seu altruísmo que advinha de seus valores cristãos e sua obstinação, que Dejours chama de ativismo, resultariam em uma rigidez moral patológica, entendida por ele como um ponto de vulnerabilidade e que estariam na base de seu suicídio, visto que foi esse o ponto insistentemente afligido pelas injustiças flagrantes que sofreu. Dejours delineou ao longo de sua pesquisa algumas categorias de signos que identificam a presença de estratégias defensivas nas situações de trabalho. Os signos não necessariamente são explícitos ou conscientes, e isoladamente podem não parecer uma defesa, sendo por isso necessário levar em consideração o contexto do seu surgimento. Dentre estas categorias está esse ativismo, que consiste em um engajamento, em situações múltiplas, como forma de evitar tomar consciência de determinada situação desagradável. O sofrimento quase nunca é revelado, ele esconde-se sob estratégias defensivas que tornam o trabalho menos sofrível. Revelar o sofrimento pode parecer um sinal de fraqueza, ou seja, sofrer “pega mal”, e é um estigma desfavorável na luta pela concorrência. A negação do próprio sofrimento pode tornar-se quase como uma condição para que o trabalhador preserve-se em seu lugar. E essa negação pode ocorrer à partir do cultivo coletivo da crença de que os bons trabalhadores (ou, no novo vocabulário, os “colaboradores”) são os que defendem como seus os ideais da empresa, e tomam para si as metas e objetivos. Para sustentar essa lógica do trabalhador que “veste a camisa” uma série de estratégias “cosméticas” são desenvolvidas para descaracterizar os mecanismos de captura da subjetividade do trabalhador dentro da lógica produtivista. É a chamada “gestão por sedução”. Madame V. B. “vestia a camisa” e por isso as progressivas injustiças e represálias que foram infligidas nela podem ser vistas como simbólicas, ferem os valores que ela cultivava para si e para a empresa, e que são tão visivelmente denunciadas em sua carta de suicídio. A importância dessa análise para a psicodinâmica é trazer uma importante reflexão sobre a relação entre a servidão e a dominação, trazendo uma ilustração real da indissociabilidade que existe entre os aspectos ditos psicológicos e aqueles organizacionais.
Referência: DEJOURS, C. Novas formas de servidão e suicídio. In: MENDES, A. M. (Org.). Trabalho e Saúde: o sujeito entre emancipação e servidão. Curitiba: Juruá, 2008. p. 26-39.