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A ideologia de Schmoo

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, setembro/outubro de 2006

O termo “liberalismo” serve para designar a esquerda, nos EUA, e a direita, no Brasil. Maior
elasticidade, só a do Schmoo, o bicho-panacéia da revista Li’l Abner (“Família Buscapé”), que
uma vez assado e servido podia ser frango, pato, ganso, peixe, vaca, porco, pizza ou o que você
bem desejasse no momento. “Neoliberalismo” pode parecer um pouco mais específico, mas,
no auge da campanha esquerdista contra ele na América Latina, em 2000, seus representantes
reunidos em Berlim no encontro de chefes de Estado eram Bill Clinton, Felipe Gonzales,
Gerhard Schroeder e outros que tais – a fina flor dos advogados da esquerda pobre no mundo
rico (v.http://www.olavodecarvalho.org /semana/berlim.htm).

A dificuldade de definir as correntes políticas leva por vezes à tentação de declará-las


inexistentes. “Não há esquerda ou direita” é um lugar-comum que desde os anos 50 ressurge
periodicamente, sem impedir que as facções assim denominadas continuem disputando
eleições, xingando-se e não raro tentando liquidar fisicamente uma à outra, como se
existissem.

A solução desse problema já foi enunciada 2.400 anos atrás, quando Aristóteles explicou a
diferença entre o discurso dos agentes do processo político e o do cientista que descreve e
analisa esse processo.

O nome de uma ideologia ou grupo político tem sempre três acepções diversas.

Ele veicula, em primeiro lugar, a autodefinição desse grupo, o conjunto das virtudes e
esperanças que ele pretende representar. Essa definição não precisa expressar claramente
algum plano político efetivo. Com freqüência, serve antes para camuflar a substância do plano
por baixo de uma camada de belas qualidades morais que o grupo desejaria personificar, de
modo a concentrar as atenções da platéia nessas qualidades, sempre inatacáveis e atraentes
em si mesmas, saltando sobre a discussão do plano concreto, que sempre inclui algum detalhe
estratégico e tático constrangedor. A autodefinição deve, no entanto, marcar muito
nitidamente a fronteira entre o grupo e seus concorrentes ou inimigos. A auto-imagem do
grupo não depende de que ele se conheça a si mesmo positivamente, mas sim negativamente,
como inversão dos vícios e pecados atribuídos ao antípoda, ao estranho, ao “outro”.

Em segundo lugar, existe a definição que esse outro dá ao grupo, a definição adversa ou hostil.
Esta também não precisa descrever objetivamente o grupo, mas apenas projetar sobre ele,
invertidas, as virtudes que o adversário julga possuir.
Temos aí então duas auto-imagens grupais com suas respectivas projeções inversas. Por baixo
delas, existem duas realidades objetivas que elas em parte expressam, em parte camuflam,
sendo também duplas por sua vez a expressão e a camuflagem, de vez que podem refletir a
auto-imagem idealizada do próprio grupo ou a simples inversão retórica dos vícios atribuídos
ao adversário. Essas realidades podem ser conhecidas, em parte, pela análise dos discursos de
auto-idealização e de depreciação do adversário, em parte por dados obtidos de fora desses
discursos. Mas é claro que os discursos, tanto o positivo quanto o negativo, retroagem sobre
as realidades subjacentes, modificando-as no decurso do tempo. A qualquer momento, o
membro de um dos grupos pode exigir que algum item do cardápio auto-idealizante, usado
inicialmente como pura efusão retórica para obter vantagem sobre o adversário, se incorpore
nos planos e objetivos reais do grupo, ou que, ao contrário, uma parte objetiva do plano seja
abandonada na prática e se torne puro instrumento de auto-idealização. A equação pode
ainda complicar-se pelo fato de que os conflitos entre grupos políticos não são estáticos, mas
evoluem no tempo, incorporando e rejeitando pontos de divergência – por sua vez reais ou
puramente retóricos – conforme a situação do momento.

Não usei a palavra “equação” à toa. Montar a equação completa desses vários fatores,
chegando à descrição objetiva dos conflitos e do sistema inteiro de artifícios e subterfúgios
usados no combate, tal é a obrigação inicial do estudioso, do analista, do cientista político. A
definição de cada grupo receberá então uma formulação descritiva diferente daquela que
tinha nos discursos dos dois (ou três, ou quatro, ou n) agentes políticos. Com base nessa
descrição e na sua confrontação com outros dados da realidade em torno, é possível então
arriscar análises e previsões quanto ao desenrolar do conflito. Descrição, análise e previsões
constituem então o terceiro discurso, o discurso analítico do cientista político.

Com a distinção das três acepções da definição dos grupos, Aristóteles lançou as bases para o
estudo científico da atividade política. A idéia corrente de que esse estudo foi inaugurado por
Maquiavel é apenas fruto da ignorância. As bases da ciência política antiga continuam válidas
até hoje, e a obra inteira de Maquiavel não é senão a aplicação parcial e caricatural de alguns
elementos dela. Talvez a única coisa a acrescentar ao método descritivo de Aristóteles seja um
fato característico da modernidade: com freqüência o discurso descritivo e analítico dos
cientistas é incorporado, com maior ou menor sinceridade e realismo, nos próprios discursos
dos agentes ou grupos políticos. Um discurso de autolegitimação política grupal que traga em
seu bojo elementos de ciência política ora mais, ora menos valiosos intelectualmente, é aquilo
que hoje em dia se chama uma ideologia. É usual que esse discurso incorpore também
elementos de outras ciências, como por exemplo o socialismo, o nazismo e até a apologia do
livre mercado acabaram incorporando a teoria da evolução de Darwin. O que define uma
ideologia é precisamente a presença de fortes elementos científicos, mas articulados não
segundo uma estratégia de conhecimento da realidade e sim de acordo com as necessidades
da auto-imagem grupal e da estratégia política. O surgimento das ideologias é um subproduto
do prestígio social da ciência moderna; aplicar o termo a qualquer discurso político anterior à
modernidade é um abuso letal da linguagem e um erro de método, quando não ele próprio um
artifício de retórica ideológica.
Usando a distinção de Aristóteles, veremos que o termo “liberalismo” é tão repleto de
sentidos diferentes porque ao longo do tempo foi usado, com intenções diversas, para a
autodefinição de grupos distintos, heterogêneos, inconexos ou até opostos. Algumas dessas
autodefinições acabaram incorporando, retoricamente ou substantivamente, vários elementos
das anteriores, complicando bastante o quadro para além da confusão normal nascida do jogo
de autodefinições idealizadas e definições adversas.

Um conceito objetivamente válido do liberalismo só pode portanto ser obtido pela


reconstituição da sua equação originária e pelo rastreamento das sucessivas mutações que ela
veio sofrendo ao longo dos tempos. Só assim é possível compreender a unidade por trás de
formulações opostas nascidas mais ou menos da mesma origem.

Algumas das fontes melhores para esse estudo ainda são o clássico de Guido de Ruggiero, The
History of European Liberalism (transl. R. G. Collingwood, Oxford University Press, 1927) e o
ensaio de Eric Voegelin, “Liberalism and its History”, datado de 1960 e reproduzido no vol. 11
das Collected Works (Published Essays, 1953-1965, ed. Ellis Sandoz, The University of Missouri
Press, 2000). Seria preciso atualizá-los, mas não conheço nenhum estudo posterior que
alcance o nível de rigor analítico desses dois trabalhos notáveis.

Nas dimensões do presente artigo, não é possível nem necessário resumir a seqüência de
transformações do liberalismo. Podemos nos contentar com mencionar duas formulações
históricas opostas da idéia liberal, cuja mistura confusa e nebulosa compõe hoje em dia o
sentido que a palavra tem na autodefinição do liberalismo brasileiro.

O mais antigo liberalismo não se denominava expressamente como tal. Recebeu a


denominação de seus sucessores no momento em que o incorporaram a si próprios. Refiro-me
àquilo que hoje se chama “liberalismo econômico clássico” – a escola de Adam Smith. Sua
essência é a defesa da economia de livre mercado. Os argumentos que apresenta são de
ordem prático-técnica, psicológica e moral, mas é importante entender que, nessa sua
primeira versão, o liberalismo não era uma proposta de ação nem uma autodefinição de
grupo. Adam Smith não traçou um programa político, mas descreveu processos econômicos
que já existiam desde a Idade Média, explicando as razões da sua eficácia, enaltecendo a sua
moralidade intrínseca e explicando algumas condições políticas e culturais requeridas para a
continuidade do seu sucesso. Essas condições podem resumir-se na fórmula da democracia
constitucional anglo-americana. Smith não era um ideólogo de grupo político, mas um filósofo
e cientista social.

Uma segunda vertente liberal origina-se da Revolução Francesa, mas deve seu nome à
formulação que obteve mais tarde na Espanha. O movimento liberal espanhol do século XIX
não se compunha de capitalistas, mas de intelectuais e estudantes. Seu objetivo não era a
liberdade de mercado, mas a destruição da monarquia e da Igreja, as quais não constituíam
obstáculo ao capitalismo emergente mas sim à ascensão social e política de indivíduos de
classe média que não encontravam oportunidade numa hierarquia estatal preenchida
basicamente por membros da classe nobre. Autodenominados “liberales” em oposição
pejorativa aos “serviles”, os militantes desse movimento viam-se a si próprios como
promotores das liberdades civis e das idéias racionalistas do iluminismo contra a fé e a
tradição. Essas propostas tinham pouca relevância econômica, já que o centro do progresso
industrial e comercial na época era justamente o país que mais categoricamente rejeitara as
idéias da Revolução Francesa e permanecera mais apegado às suas tradições monárquicas e
eclesiásticas: a Inglaterra. O liberalismo econômico clássico de Adam Smith e o liberalismo
ateístico e anticlerical dos franceses e espanhóis eram não somente independentes um do
outro, mas opostos. Smith insistia que a economia de mercado só progrediria num ambiente
de moralidade e legalidade que ela própria não poderia criar mas tinha de encontrar pronto. O
tradicionalismo inglês, e não o liberalismo revolucionário franco-espanhol, foi o berço da
democracia liberal-capitalista. Na França e na Espanha, a ascensão dos liberal-revolucionários
veio acompanhada, ao contrário, de uma expansão da autoridade estatal, indispensável como
instrumento para a implantação de políticas anticlericais, especialmente de um sistema de
educação baseado no ateísmo.

Quando, no seio do movimento revolucionário, o socialismo adquiriu força bastante para


tornar-se um movimento independente, alguns dos liberais (no sentido espanhol do termo)
aderiram a ele, abandonando o rótulo de liberalismo. Outros preferiram apegar-se às
liberdades já conquistadas e, embora permanecendo aliados dos socialistas no que diz respeito
a antitradicionalismo, anticlericalismo e mesmo ateísmo militante, criaram um foco de
resistência anticomunista ambígua cuja importância veio crescendo ao longo dos tempos até
expandir-se numa multiplicidade de movimentos diversos como o “liberalism” americano de
nossos dias e a própria social-democracia européia, se bem que esta teve origem
independente, como dissidência interna do movimento comunista.

Foi no curso da oposição movida ao comunismo que o liberalismo revolucionário assimilou,


retroativamente, a argumentação econômica do liberalismo clássico em favor da liberdade de
mercado, a qual não fazia parte da sua formulação originária e que na verdade era
contraditória com a idéia revolucionária de criar uma sociedade ateística por meio da ação
estatal. Daí provém a ambigüidade do “liberalism” americano, que permanecendo pró-
capitalista da boca para fora é estatista e socializante no fundo enquanto a defesa da liberdade
de mercado incumbe essencialmente aos autodenominados “conservatives”.

O quadro complica-se um pouco mais nas últimas décadas, quando a expansão da atividade
capitalista no mundo assume o rótulo de “globalização”. Globalização é, por um lado, a
abertura dos mercados. Corresponde, nesse sentido, ao ideário do liberalismo clássico. Mas é,
por outro lado, a gestação de uma administração planetária que, corroendo a autoridade dos
Estados nacionais, coloca em lugar deles uma macro-burocracia mundial, o Leviatã dos
leviatãs. As discussões pró e contra a globalização, no Brasil, tornam-se apenas uma
logomaquia psicoticamente confusa na medida em que os inimigos esquerdistas do livre
mercado internacional são servidores e agentes da administração planetária (suas conexões
com a ONU e com as fundações globalistas bilionárias são mais que conhecidas), ao passo que
os autodenominados “liberais”, combatendo tenazmente toda forma de estatismo local e
portanto de nacionalismo, contribuem também para o sucesso da burocracia global que
sustenta seus inimigos esquerdistas. Nesse contexto, a apologia de ideais abstratos torna-se
não raro ação política concreta em favor dos ideais opostos.

Nos EUA, o sentido presente do termo “liberalism” deriva diretamente da tradição liberal-
revolucionária (“espanhola”), ao passo que o movimento “conservative”, autodefinido com
clareza só a partir dos anos 40 do século XX, é o herdeiro consciente do liberalismo clássico.

No Brasil, o movimento “liberal” inclui, numa pasta indistinta, autênticos “conservatives”, no


sentido americano do termo, e liberais revolucionários para os quais a defesa da liberdade de
mercado é apenas o excipiente necessário para tornar mais assimiláveis as mutações
revolucionárias da ordem social (abortismo, casamento gay, anticristianismo, etc.). A
coexistência pacífica deles com autênticos “conservatives” resulta apenas da fraqueza desses
últimos que, esvaziados ideologicamente e reduzidos à luta pela manutenção de um mínimo
de liberdade econômica, cedem tudo e mais alguma coisa para conservar esses seus aliados
parasitas, numa promiscuidade letal.

A coisa mais urgente, para os adeptos brasileiros da liberdade de mercado, é compreender


que a rigor ela é incompatível, na prática, com as mutações radicais da ordem civilizacional
propugnadas pelos liberais revolucionários. Uma dificuldade a ser vencida é que, no contexto
brasileiro, a “direita” está historicamente associada ao nacionalismo fascista que, no horizonte
microscópico da política local, tem uma relação masoquista de amor-ódio com a esquerda. No
anseio de diferenciar-se dessa “direita”, os defensores do mercado livre preferem associar-se
aos liberais revolucionários, fugindo ao rótulo de “conservadores” e contribuindo assim para a
dissolução do seu ideário em projetos políticos que só servem à implantação da nova ordem
global socialista. Um pouco de clareza na delimitação das várias correntes não é hoje em dia
uma simples obrigação acadêmica: é uma questão de sobrevivência. O Schmoo liberal
brasileiro tem de decidir, afinal, se é pato ou ganso. É uma loucura esperar para fazê-lo
quando for levado ao forno.

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