DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MESTRADO EM DESIGN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
1
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Banca:
Prof. Dr. Vicente Gosciola
Profa. Dra. Míriam Cristina Carlos Silva
Profa. Dra. Rachel Zuanon
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho
sem autorização da universidade, do autor e do orientador.
CDD 741.6
3
Dedicatória:
Dedico aos meus pais, pela força, incentivo e
carinho durante todo o período desta dissertação.
4
Agradecimentos
Ao profs. João Garção e Josiane Tonelotto pelo apoio e incentivo;
À profa. Luisa Paraguai, por ter aceitado o desafio de me orientar;
Ao prof. Mauro Baptista, pelas primeiras orientações;
Aos profs. Jofre Silva e Elizabeth Wada, pelo voto de confiança;
Aos meus amigos, professores do curso de Rádio e TV.
5
RESUMO
A presente dissertação apresenta possibilidades de atuação do designer no
cinema, por meio do estudo do design de efeitos especiais, como atividade
conectada ao design de produção de um filme. Dessa forma, são objetos da
pesquisa a conceituação da linguagem cinematográfica, a história dos efeitos
especiais, a relação entre arte e design na produção audiovisual, bem como os
aspectos de construção e os processos de intervenção da imagem. O método de
análise envolve o estudo de caso de três filmes que materializam distintamente o
uso do efeito especial como elemento de linguagem: O Livro de Cabeceira (1996),
de Peter Greenaway; Rebobine Por Favor (2008), de Michel Gondry e Kill Bill
(2003), de Quentin Tarantino. Tais análises identificam também elementos do
design presentes nas obras, relacionando-os com o conceito visual do filme. Nosso
objetivo é aproximar a área de efeitos especiais no campo do design, classificando-
a como atividade criativa e projetual, para além dos atributos exclusivamente
técnico-operacionais.
6
ABSTRACT
This paper presents designer’s performance possibilities in a film by studying
special effects design. Thus, the objects of research are: the concept of film
language, the history of special effects, the relationship between art and design of
a film, as well as aspects of construction and intervention processes of the
image. The analysis method involves a case study of three films that embody
distinctly the use of special effects as part of language: The Pillow Book (1996,
Peter Greenaway); Be Kind Rewind (2003, Michel Gondry) and Kill Bill (2003,
Quentin Tarantino). Such analysis also identifies design elements, linking them
with the visual concept of the film. Our goal is to approach the special effects
department in the design field, classifying it as a creative and project-oriented
activity, beyond the purely technical-operational attributes.
Key words: production design, special effects, cinema, film language, art direction
7
SUMÁRIO
LISTA DE IMAGENS E ILUSTRAÇÕES.................................................................................. 9
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 11
1 OS EFEITOS ESPECIAIS E A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA ........................ 17
1.1 A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA: RELAÇÕES ENTRE DESIGN E ARTE ............................ 18
1.2 DESIGN DE EFEITOS ESPECIAIS: O DESIGN DE PRODUÇÃO + DIREÇÃO DE ARTE ................. 27
1.3 PANORAMA HISTÓRICO DOS EFEITOS ESPECIAIS ............................................................. 36
2 ASPECTOS CONSTRUTIVOS DA IMAGEM ................................................................ 52
2.1 A IMAGEM STILL .......................................................................................................... 53
2.2 A IMAGEM EM MOVIMENTO .......................................................................................... 57
2.3 INTERVENÇÕES NA IMAGEM .......................................................................................... 59
2.3.1 Camadas e composições.......................................................................................... 63
3 REBOBINE POR FAVOR, KILL BILL E O LIVRO DE CABECEIRA:
EXPERIMENTAÇÕES E DESCONSTRUÇÕES DA LINGUAGEM ..................................... 73
3.1 MICHEL GONDRY: REBOBINE FOR FAVOR ..................................................................... 73
3.2 QUENTIN TARANTINO: KILL BILL - PARTE I .................................................................. 86
3.3 PETER GREENAWAY: O LIVRO DE CABECEIRA............................................................... 94
CONCLUSÃO...........................................................................................................................102
REFERÊNCIAS........................................................................................................................106
FILMOGRAFIA ..........................................................................................................................112
8
LISTA DE IMAGENS E ILUSTRAÇÕES
9
FIGURA 38: LA SCIENCE DES RÊVES (2006) .................................................................... 74
FIGURA 39: CENAS DE MATRIX (1999) E MATRIX - BAIXO ORÇAMENTO (2006)...................... 75
FIGURA 40: FILMES “SUECADOS” EM REBOBINE, POR FAVOR (2008) .................................... 76
FIGURA 41: CENA DE ABERTURA DE REBOBINE, POR FAVOR (2008) ...................................... 79
FIGURA 42: CARROS FEITOS DE PAPELÃO EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)........................... 80
FIGURA 43: SEQUÊNCIA DO EFEITO DE SOBREPOSIÇÃO EM REBOBINE, POR FAVOR(2008).......... 80
FIGURA 44: MIKE E JERRY VESTIDOS DE CAÇA-FANTASMAS EM REBOBINE, POR FAVOR (2008).... 81
FIGURA 45: MONSTRO DE MARSHMALLOW EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)........................ 81
FIGURA 46: MÁSCARAS XEROCADAS EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)................................. 82
FIGURA 47: “SUECAGEM” DE DIVERSOS FILMES EM REBOBINE, POR FAVOR (2008) .................. 84
FIGURA 48: INTERFERÊNCIA NA CÂMERA EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)........................... 85
FIGURA 49: CENA DE ABERTURA DE KILL BILL – PARTE I (2003) ........................................... 89
FIGURA 50: SEQUÊNCIA DO LANÇAMENTO DA FACA EM KILL BILL – PARTE I (2003) .................. 90
FIGURA 51: SEQUÊNCIA DO TIRO EM KILL BILL – PARTE I (2003) .......................................... 90
FIGURA 52: PRÓTESE EM LÁTEX EM KILL BILL – PARTE I (2003) ........................................... 91
FIGURA 53: FLASHBACK EM KILL BILL – PARTE I (2003) ..................................................... 92
FIGURA 54: A HISTÓRIA DE O-REN ISHII EM KILL BILL – PARTE I (2003) ................................. 93
FIGURA 55: BRUCE LEE EM JOGO DA MORTE E A NOIVA (B) EM KILL BILL (2003)..................... 93
FIGURA 56: A EVOLUÇÃO DO FETICHE DE NAGIKO EM O LIVRO DE CABECEIRA (1996)................ 96
FIGURA 57: “DOES IT MAKE SENSE?”DE APRIL GREIMAN ................................................... 98
FIGURA 58: COMPOSIÇÃO DE TELAS EM O LIVRO DE CABECEIRA (1996)................................. 99
FIGURA 59: CAMADAS EM O LIVRO DE CABECEIRA (1996) ............................................... 100
10
Introdução
Vale a pena lembrar que a edição ou montagem fílmica, por exemplo, não
era muito entendida ou valorizada até o aparecimento de estudos mais
aprofundados, a partir pesquisadores e realizadores como Kuleshov, Vertov,
Pudovkin, Eisenstein e outros. Nos dias de hoje isso acontece com relação ao
estudo do potencial estético-narrativo dos efeitos especiais. Deste modo, analisá-
los como linguagem, e não apenas como “técnicas soltas”, pode ser de grande
valia para o reconhecimento dessa área no meio acadêmico.
1
Set é denominação genérica para o local (locação) ou estúdio em que ocorre a captação
(filmagem), na etapa de produção do filme.
11
eletrônicas ou grandes maquinários para criar a atmosfera demandada pelo filme.
Pode-se dizer que uma de suas funções primárias é a persuasão do público, a fim
de fazê-lo acreditar na história.
2
O Neorrealismo Italiano surgiu no final da II Guerra Mundial. No cinema, buscava-se um enfoque
realista das histórias, evitando o uso de estúdios, efeitos especiais e outras manipulações no filme.
Os principais diretores desse movimento foram Roberto Rosselini, Vittorio De Sica e Lucchino
Visconti.
3
Nouvelle Vague foi um movimento iniciado no cinema francês por jovens cineastas como uma
forma de protesto e também busca de novos padrões estéticos e narrativos, em oposição,
principalmente, às convenções da indústria cinematográfica norte-americana. Esse movimento
influenciou (e ainda influencia) gerações de cineastas e foi, juntamente com o Neorrealismo
italiano, uma das bases iniciais do Cinema Novo no Brasil, encabeçado pelo cineasta Glauber Rocha.
Os principais cineastas da Nouvelle Vague foram: Claude Chabrol, Jean-Luc Godard e François
Truffaut.
12
realizadores. O Cinema Novo4 brasileiro, embasado nesses movimentos, surgiu nos
anos de 1950, politicamente alinhado contra o imperialismo norte-americano,
desprezando a produção cinematográfica de Hollywood (Rocha, 2004). É nesse
contexto histórico e político que as ficções científicas e os filmes de efeito são
classificados como uma categoria irrelevante da produção cinematográfica
nacional. A criação de efeitos especiais era percebida como uma forma cara e
comercial, que não contribuía muito para a construção do cinema em nosso país.
Rejeitava-se até mesmo as filmagens feitas em estúdio, segundo Rocha (2004):
4
O Cinema Novo, surgido nos anos de 1950, alinhava-se contra as grandes produções
cinematográficas norte-americanas e as chanchadas, defendendo um cinema de baixo custo,
politizado e que refletisse a realidade do país. Alguns dos cineastas de destaque desse movimento
foram: Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Rogério Sganzerla, Ruy Guerra,
Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman.
13
contrapondo-os com as propostas e soluções oferecidas pelo design é o grande
desafio deste trabalho. Pretende-se defender o design de efeitos especiais como
um campo do design, ampliando também suas possibilidades como recurso
estético do cinema.
14
cinema, em especial nos anos de 1960 e 1970, foram os autores David Cook
(2002), Fernando Mascarello (2006) e o trio Thomas Elsaesser, Alexander Horwath
e Noel King (2004). Para o estudo das características do cinema clássico foi
adotada a definição de David Bordwell e Kristin Thompson (2003). Na reconstrução
da história dos efeitos especiais foram de fundamental importância os autores
Pascal Pinteau (2004), Richard Rickitt e Jay Harryhausen (2007).
15
Denser (2008), Patrick McGee (2007) e Ana Vicentini Azevedo (2006). Para a
análise de Livro de Cabeceira (1996), além de Nova (2009), Gosciola (2003),
Carvalho (1999) e Manovich (2007), temos Randolph de Souza (2009) que traz os
aspectos da colagem e Rick Poynor (2003).
16
1 Os efeitos especiais e a linguagem cinematográfica
5
Entende-se por design de produção no cinema a área responsável pelo projeto e/ou
planejamento estético do filme. Essa definição, no entanto, pode variar de autor para autor ou ter
atribuições diferentes, dependendo do país em que se aplica.
17
Por fim, será apresentada uma perspectiva histórica dos efeitos especiais,
com destaque para algumas das principais técnicas e realizadores que
revolucionaram a área em cada período.
18
mesmo modo, ainda vai levar muito tempo para que descubramos o que é filmar
ou fotografar.
19
No entanto, o estudo da linguagem ou da sintaxe visual cinematográfica
perpassa a análise da imagem congelada ou frame: é preciso entender a relação
entre os planos, estabelecida na etapa de edição ou montagem do filme. De
acordo com Eisenstein (2002b, p.16) “a justaposição de dois planos isolados
através de sua união não parece a soma de um plano mais outro plano, mas o
produto”. Para o autor, esse produto tem um resultado qualitativamente diferente
de cada um dos planos originais. Esse conceito também é conhecido como
montagem dialética ou intelectual de Eisenstein. Carrière (2006, p.16) concorda
com a idéia de que a relação entre os planos é um dos diferenciais da linguagem
cinematográfica: “foi aí, na relação invisível de uma cena com outra que o cinema
realmente gerou uma nova linguagem”. Percebe-se, então, que a montagem do
filme e mesmo a movimentação da câmera inserem novas variáveis à noção de
sintaxe imagética, e que o próprio conceito de linguagem cinematográfica,
segundo as definições apresentadas, transita entre diferentes princípios e teorias.
Em uma definição mais próxima ao design, Coelho (2008, p.41) afirma que a
linguagem surge da “combinação de associações e referências, com base em
código e repertório partilhados por sujeitos de um grupo social e histórico,
gerando informação e comunicação”. Aqui, acrescenta-se à discussão a questão do
“contrato invisível” entre pessoas de um mesmo grupo, estipulando normas e
chegando a um consenso para a validação eficaz da inteligibilidade e
comunicabilidade inerentes a uma linguagem convencionada. Para Royo (2008),
existe um ciclo, de modo que as tecnologias de comunicação servem à cultura de
uma época por meio da linguagem, que é configurada pelo design, condicionado,
por sua vez, pela cultura. É uma cadeia imbricada de influências e referências, mas
tendo o design como um dos motores dessa mudança.
20
objetos do design. Ele pode estar muito próximo, como na moda, ou distante,
como nas viagens espaciais. Para o autor, o design determina não apenas a
existência, mas também a natureza, ou a essência, de algo. Essa essência
manifesta-se pelos símbolos utilizados por cada grupo social. Porém, para Flusser
(2008), o ser humano perdeu o contato direto com os símbolos e, por esse motivo,
criou os sistemas de códigos como uma forma de superar o abismo entre ele e o
mundo. Uma dessas materializações do código é o próprio design.
Bürdek (2005) afirma que nossa comunicação com outras pessoas se dá por
meio de produtos, que definem também os grupos sociais aos quais pertencemos,
marcando o nosso lugar individual na sociedade. Flusser (2008) acrescenta que
esses produtos não precisam ser necessariamente objetos materiais, ou seja, é
possível a aplicação do design em softwares, por exemplo. De qualquer modo, a
comunicação é sempre de modo a atender as necessidades ou expectativas de
alguém. Para Hollis (2001) essas expectativas são atendidas na aplicação das três
funções básicas do design: identificar (dizer o que é determinada coisa e de onde
ela veio), informar/instruir (relacionando duas coisas de acordo com a direção,
posição e escala) e apresentar/promover (no caso do design gráfico significa
prender a atenção, tornando a imagem inesquecível). No caso do cinema, a
execução dessas funções passa invariavelmente pela direção de arte e pelo design
de produção.
Design de produção e direção de arte são dois termos que definem áreas
específicas da realização de um filme e que, curiosamente, destacam já em suas
respectivas nomenclaturas, dois conceitos importantes para o estudo da
linguagem cinematográfica: design e arte. Por esse motivo é de suma importância
entender de que modo essas duas áreas completam-se e/ou tensionam-se na
realização cinematográfica e como, dessa sinergia e/ou conflito, é construída a
linguagem visual do filme.
21
profunda, que é de ordem espiritual”. Já Debrix e Stephenson (1969, p.17)
definem a arte como o “processo pelo qual o artista utiliza sua experiência,
intuição ou inspiração (...) para criar belos e autênticos objetos artísticos que (...)
imitam a realidade”. Frange (2003) considera que arte é algo intimamente ligado a
uma exteriorização do sujeito em diferentes níveis, criando uma pessoalidade e
uma coletividade, conectadas por um único discurso visual, relacionado a muitos
outros. A partir desses extratos, percebe-se um aspecto muito forte, presente em
várias definições aplicadas à arte: ela tem como ponto de partida a materialização
de algo que está no sujeito.
Uma vez que a maioria dos filmes contêm cenários e personagens, tais
elementos podem ser concebidos por diversas áreas do design, como, por
exemplo, o design de interiores da casa do protagonista. Esse microcosmo do
design para um filme atua como um elemento da direção de arte. A produção de
objetos é outra área da produção cinematográfica que conta com a formação do
22
designer para propor cenários mais significativos para a construção da narrativa.
Há também o vestuário que apresenta visualmente o perfil do personagem ao
elaborar gostos e preferências, comportamentos e gestualidades específicos.
Entende-se os personagens como o centro desse microcosmo - cenário, objetos,
figurino e maquiagem articulam-se para compor o universo de significação de cada
enredo. O filme Quero Ser Grande (Big, 1988), por exemplo, conta a história de
um menino que tem seu desejo atendido e acorda em um corpo de adulto,
interpretado por Tom Hanks. Em uma das sequências ele ganha muito dinheiro,
compra uma cobertura e passa a mobiliá-la de acordo com a concepção infantil do
que seria ideal para o seu novo lar: uma máquina de refrigerantes na sala, cama
elástica e muitos brinquedos (figura 1).
23
Um exemplo característico é o personagem Curinga, dos quadrinhos do
Batman. Pensando nas adaptações para o Cinema, temos duas linhas estéticas
bem distintas nos filmes Batman (1989) e Batman – O Cavaleiro das Trevas (Dark
Knight, 2008). Na primeira versão, o personagem é interpretado por Jack
Nicholson e na segunda, por Heath Ledger. Observando apenas o figurino
podemos perceber que conceitos diferentes são atribuídos ao mesmo personagem
a partir da visão que os respectivos diretores tiveram da obra. Na versão mais
recente, o Curinga aparece com vestuário menos colorido, rosto mais cinza,
maquiagem borrada e visual bem deteriorado (figura 2).
Figura 2: à esquerda o personagem Curinga, interpretado por Jack Nicholson (Batman, 1989) e
o mesmo personagem, por Heath Ledger (The Dark Knight, 2008).
Fonte: <www.nydailynews.com>
24
Flusser (2008) critica a burguesia moderna que, segundo ele, foi responsável
pela separação das artes e das técnicas, dividindo a cultura em dois ramos
distintos: “por um lado, o ramo científico, quantificável, ‘duro’; e por outro o ramo
estético, qualificador, ‘brando’” (FLUSSER, 2008, p.183). O resultado disso pode ser
observado na afirmação de Bonsiepe (1997) de que o design é visto na América
Latina com um certo preconceito, como se fosse apenas cosmética, limitado a
adicionar elementos decorativos aos projetos advindos da engenharia. Esse ponto
de vista também é compartilhado por muitos realizadores no cinema, que
compreendem o design de produção apenas como a elaboração de adornos para
cenários e personagens, e o design de efeitos especiais como simples pirotecnia.
Tanto arte como design são determinados por processos criativos, mas
apresentam diferenças no ponto de partida. Pelo diagrama lógico de Bonsiepe
(1997) o início do design está no desejo do usuário (em realizar uma ação efetiva),
já para Debrix e Stephenson (1969), a gênese do processo artístico encontra-se no
desejo do artista em expressar-se. Dessa forma, entende-se que a realização
cinematográfica, em seu aspecto multifacetado, abarca tanto a criação artística,
como a do design.
25
e as necessidades de uma narrativa específica”. Como conseguimos acreditar que
o super-homem pode voar? Foram os processos e técnicas ligados aos efeitos
especiais, que permitiram essa ilusão. Flusser (2008) defende que o ponto de
encontro entre o design e a arte situa-se no campo do ilusionismo.
6
Blockbuster é um conceito difundido a partir dos anos de 1970 para denominar filmes feitos para
o mercado, extremamente competitivos e com grande apelo para o público. São os filmes de
grandes bilheterias e, geralmente, contam com um orçamento bastante alto.
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1.2 Design de efeitos especiais:
o design de produção + direção de arte
7
Mise-en-scène é um termo francês que significa, literalmente, colocar ou inserir algo na cena. No
cinema, a expressão é utilizada para referir-se ao design de uma cena e, de forma geral, diz
respeito a tudo o que aparece no enquadramento: atores, cenário, figurino, objetos de cena e
mesmo a iluminação.
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filme. O designer participa da elaboração de todo o aspecto visual, de modo a
delinear uma identidade consistente para o filme. Para Lo Brutto (2002), o design
de produção fica no topo do departamento de arte sendo também responsável
pelo ambiente físico, estúdios e locações, supervisionando o trabalho de figurino e
maquiagem e coordenando a construção dos ambientes do filme. O designer de
produção reporta ao produtor do filme pelas questões físicas, como a construção
do cenário, e responde artisticamente ao diretor, a fim de validar o potencial
criativo do roteiro. Segundo o autor, “o designer de produção busca a intenção e o
potencial visual do filme, de modo que possa ser consolidado no ambiente físico”
(LO BRUTTO, 2002, p.34).
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quais trabalharão o Cenógrafo, o Figurinista, o Maquiador, o
Técnico de Efeitos Especiais Cênicos, os gráficos e os demais
profissionais necessários, supervisionando-os durante as
diversas bases de desenvolvimento do projeto (Decreto
82.285/78).
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Figura 3: cena de abertura de Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007), de Tim
Burton, mostra, por meio de uma animação 3D, o caminho que a carne e o sangue das vítimas do
barbeiro percorre até transformar-se em recheio de empada.
Fonte: <screenmusings.org >
Figura 4: tipografia utilizada na abertura do filme Romeo + Juliet (1996), dirigido por Baz Luhrmann,
destaca a forte religiosidade presente nas duas famílias rivais.
Fonte: <screenmusings.org >
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O chroma-key8, por exemplo, utiliza preferencialmente um tecido verde ou
azul como fundo de uma cena, que pode ser substituído digitalmente (ou por meio
de aparelhagem específica) por qualquer cenário que represente um espaço físico
ou imaginário. Dependendo da situação e dos objetivos da direção, essa técnica
minimiza o custo e o tempo que seriam consumidos pela equipe caso tivessem que
se deslocar para o lugar e realizar a mesma cena.
8
Chroma-key é um recurso técnico, ou trucagem, que permite substituir uma cor por outra ou por
uma imagem ou elemento gráfico. Muito utilizado em efeitos especiais, é mais frequente nas cores
azul ou verde.
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Figura 5 – cena do filme Jurassic Park, lançado em 1993, já com a inserção dos dinossauros feitos
em computador.
Fonte: <http://www.jurassicpark.com>
32
estético do design de produção. Todo filme, seja ficção científica ou obra
naturalista, trabalha com uma lógica própria, que termina por sustentá-lo e cabe
ao designer criar as estratégias que o farão verossímil.
Deve-se estudar o ambiente e avaliar o impacto que uma ação pode trazer,
bem como cuidar da preservação da saúde e integridade dos atores e dublês. É
preciso entender a função do efeito, criado de acordo com a proposta narrativa e
visual do filme, e também utilizar a melhor técnica disponível que ofereça
segurança, otimização de custos e resultados satisfatórios para o público.
33
Vamos imaginar que se queira fazer a explosão de uma ponte. Se essa for a
única informação, vários problemas podem surgir na realização do efeito, o pior
deles é colocar em risco o ambiente e a vida das pessoas. Se, no entanto, o
designer de efeitos já tiver visto o storyboard9 do filme poderá perceber, por
exemplo, que somente uma parte da ponte fica visível, não sendo necessário
produzi-la por completo. Em seguida, fará suas pesquisas para saber qual o melhor
processo ou técnica para a construção desse efeito.
Após a aprovação do efeito pelo diretor, cabe ao designer cuidar para que o
projeto seja realizado de acordo com as especificações, buscando profissionais
com experiência e conhecimento suficientes para a sua materialização. Ele
também montará o cronograma de desenvolvimento desse efeito, de acordo com
os prazos estipulados para a realização da cena.
No dia da gravação todo o processo deve ser acompanhado para que não
haja falhas. Alguns tipos de efeitos são tão complexos que só podem ser feitos
9
Representação gráfica das cenas do filme, como se fosse uma história em quadrinhos. Mostra, em
especial, os ângulos de câmera, posicionamento dos personagens e uma prévia da dinâmica da
montagem esperada para a cena.
34
uma ou duas vezes, de modo que, se ocorrer algum erro, haverá um aumento
considerável dos custos, para além do orçamento previamente aprovado.
35
1.3 Panorama histórico dos efeitos especiais
Outro invento mais simples, porém curioso, era o Taumatrópio (figura 7), um
brinquedo da era vitoriana. Podia vir em forma de colar ou preso a outro
brinquedo e consistia em uma chapa metálica, presa pelas extremidades. De um
lado havia um desenho, como uma ave, por exemplo, e do outro uma gaiola. Ao
girar a placa, ambos misturavam-se, formando um terceiro significado, como se as
duas imagens fossem uma só.
Houve também o kineógrafo (figura 8), de 1868, mais conhecido como flip
book ou animação de bloco de notas; os desenhos eram feitos em cada folhinha e
36
a animação surgia pela rápida sobreposição das imagens. Por esse motivo, esse
método também é conhecido como “cinema de dedo”.
Um invento importante para o cinema foi a Lanterna Mágica (figura 9), criada
pelo jesuíta Athanasius Kircher (1601-1680). Ela era um dispositivo que projetava
na parede imagens desenhadas em um vidro e colocadas na frente de uma
lanterna. Segundo Carvalho (1999), o grande sucesso alcançado pela Lanterna
Mágica já trazia o princípio de uma nova relação com a imagem, pois “nesse tipo
de espetáculo, elas já eram fragmentos estáticos que ajudavam a compor a
narrativa, muitas vezes combinando-se e intercalando-se com textos que
descreviam os acontecimentos da história” (CARVALHO, 1999, pp. 12-13).
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filme, a derrubada do muro é rodada ao contrário, gerando a impressão de
reconstrução a cada golpe de marreta.
38
Figura 11: quadro do filme Le Voyage Dans la Figura 12: quadro do filme Le Mélomane,
Lune, de Georges Méliès. de Georges Méliès.
Fonte: MÉLIÈS, 1902. Fonte: MÉLIÈS, 1903.
Existem várias formas de chegar ao mesmo resultado. Ele pode ter filmado
primeiro a cena, como mostrado a seguir (figura 14-a), ensaiando os intervalos
para coincidirem com a reação da cabeça que ficaria ao centro (figura 14-b).
Depois, pode ter feito marcações no visor para saber onde a área preta estaria
posicionada. Note que a parte preta central não sensibilizará o filme. Dessa forma,
uma nova exposição é possível. Em seguida, controlou bem a área exposta, com o
uso de faixas ou telas para que a próxima imagem gravada nunca ultrapassasse a
39
área preta no centro do cenário (figura 14-c). Rebobinando o filme, uma nova
imagem poderia ser gravada na película. A única parte sensibilizada seria o centro,
onde a imagem nunca deveria se sobrepor à moldura criada no cenário anterior,
ou o truque seria revelado (figura 14-d).
b
a
c
d
Figura 14: Processo de criação de efeito utilizando máscaras e dupla exposição: a) filmagem da
cena com a área mascarada. b) filmagem da pessoa ou objeto em fundo preto com a máscara na
região do pescoço, para deixar somente a cabeça visível. c) resultado da imagem mascarada.
d) resultado final da mesclagem do filme gerado em “a” e do rosto “c”, justapondo os dois
negativos.
Fonte: MÉLIÈS, 1901. Montagem feita pelo autor.
40
posicionar um vidro com uma área espelhada na frente da câmera, em ângulo de
45 graus. Esse efeito permite colocar na cena, em tempo real (sem a necessidade
de manipular o negativo depois), seres humanos e objetos dentro de miniaturas
de castelos, cavernas, etc.
Figura 15: esquema de montagem do processo Schüfftan. Figura 16: Resultado final
Fonte: <http://homepage.mac.com/cirquefilm> do efeito.
Fonte: idem.
animatronics.
41
Outro efeito, o glass-painting (figura 18) consistia em colocar um vidro na
frente da câmera e pintá-lo com objetos realistas que pudessem compor com o
cenário. De acordo com Miller (2006), o glass-painting, precursor do processo
Schüfftan, foi inventado em 1905 pelo cinegrafista Norman Dawn, como uma
solução barata e eficaz na criação de cenários complexos e fantásticos. Até hoje
filmes de grande orçamento utilizam essa técnica.
Imagem pintada em
vidro, que complementa
a paisagem real.
42
Figura 19: pintura em duas placas de alumínio e a composição final no
filme The Golden Voyage of Sinbad, 1974.
Fonte: <http://domingo-lizcano.blogspot.es>
43
Figura 20: projeção traseira em uma cena de
perseguição no filme Dr. No, de 1962, da série OO7.
Fonte: RICKITT & HARRYHAUSEN, 2007.
Figura 21: esquema de produção da projeção traseira para cenas dentro de veículos.
Fonte: RICKITT & HARRYHAUSEN, 2007.
44
funcionamento (figura 23): a câmera (figura 23-a) capta, na verdade, a imagem da
tela semirreflexiva (figura 23-c); o cenário de fundo é emitido pelo projetor (figura
23-b), atinge a tela (figura 23-c), que reflete metade da luz para o fundo (figura 23-
d), composto por uma película altamente reflexiva; uma luz extra é direcionada
apenas no ator, a fim de eliminar os resíduos da imagem de fundo que possam
estar sobre ele. O resultado final (figura 23-e) é a integração do personagem com o
cenário falso.
ESQUEMA DE FUNCIONAMENTO
DA PROJEÇÃO FRONTAL
e) resultado
final d) película reflexiva
b) projetor
c) tela
semirreflexiva
a) câmera
45
Todos esses recursos formaram a base da criação dos efeitos especiais,
muitos deles já manipulados de forma a dialogar com a estética do filme, outros
apenas para causar impacto, chamando a atenção do público. Estes últimos dariam
origem, alguns anos mais tarde, aos “filmes de efeitos”, que proliferaram após a
grande crise do cinema americano na segunda metade do século XX, ocasionada
por um colapso econômico devido aos filmes com orçamentos altíssimos, que nem
sempre eram recuperados na bilheteria.
A respeito dessa crise, Cook (2002) observa que, no final dos anos de 1960, o
complexo industrial do cinema norte-americano entrou em colapso, acumulando
perdas de milhões de dólares a cada período e sofrendo processos por formação
de trustes. Os grandes estúdios começaram a passar por um período de grave
recessão, de modo que empresas como Fox, Universal e Paramount ficaram com
sérios problemas econômicos. Para Bordwell e Thompson (2003), grandes perdas
financeiras como a produzida pelo filme Cleópatra (Cleopatra, 1963), dirigido por
Joseph Mankiewics, desencorajaram os grandes estúdios a assumirem o risco de
investir em projetos caros.
Segundo Cook (2002), esse cenário crítico não favorecia os grandes, lentos e
pesados exércitos dos maiores estúdios de Hollywood, mas sim as pequenas
milícias, mais rápidas, ágeis e flexíveis: as produtoras independentes. Hollywood
precisava de novos projetos: os antigos esquemas e tramas já não dialogavam
mais com os interesses do público. Por esse motivo os novos talentos e produtores
independentes foram, pela primeira vez na história do cinema americano, tão bem
aceitos e assimilados rapidamente ao sistema, dando início a uma fase que ficou
conhecida como a Nova Hollywood.
46
Para os autores Elsaesser, Horwath e King (2004), as produções da Nova
Hollywood passaram a abordar temas relacionados às drogas, motocicletas e
Rock’n Roll, como o filme Sem Destino (Easy Rider, 1969), dirigido por Dennis
Hopper. Em geral substituía-se o herói clássico por um anti-herói, como em Uma
Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, 1967), dirigido por Arthur Penn. Embora tais
mudanças atraíssem o público jovem, isso ainda não representava muito em
termos de bilheteria. Houve, então, uma mudança no sentido original desse
movimento, segundo Mascarello (2006)
47
Considerando o cinema como uma indústria, percebemos que a expressão
autoral quase sempre vem em segundo plano, depois da bilheteria. O blockbuster,
então, é um filme que visa essencialmente o lucro, podendo até conter uma boa
história, mas que deve ser, antes de qualquer coisa, rentável, como afirma
Mascarello (2006).
Surge também a definição do filme high concept, projetado para não dar
prejuízo, mesmo quando arrecadar pouca bilheteria. Isso ocorre porque os
produtos de consumo lançados com a marca do filme sustentam uma receita que
pode compensar eventuais perdas. Nos high concepts há o total predomínio dos
aspectos econômicos sobre a construção formal fílmica, prevalecendo a criação de
ícones e imagens para o marketing, bem como de produtos conexos
(MASCARELLO, 2006).
Uma característica desse período é a busca pela perfeição técnica, por meio
de engenhosa maquinaria, cenografia imponente e bonecos mecânicos
(animatronics). É a partir desse período que ocorre uma vinculação fortíssima
entre os grandes estúdios de Hollywood e o mercado, fortalecendo paralelamente
a indústria dos efeitos especiais. No entanto, a banalização dos efeitos especiais e
a espetacularização passam a ser vertentes comuns que norteiam boa parte das
produções para o grande público.
48
Antes, no início da Nova Hollywood, buscava-se um cinema de autor, focado
na expressão artística e visão estética de um diretor. Procura-se mais um cinema
de público, feito para entretenimento das massas (ELSAESSER, HORWATH e KING,
2004). É nessa busca que se popularizaram os filmes “de ação”, como Rambo:
Programado para Matar (First Blood, 1982) e Comando para Matar (Commando,
1985). Esses filmes, também conhecidos como “filmes de efeitos”, apresentam
marcadamente algumas características do cinema clássico, descritas por Bordwell
e Thompson (1985):
49
Óticos: são aqueles que utilizam em seu favor as peculiaridades de cada
tipo de objetiva. Por exemplo, uma miniatura colocada perto da câmera,
sem a referência da perspectiva, pode parecer muito maior do que um
prédio.
50
Este capítulo apresentou as relações históricas dos efeitos especiais, bem
como sua participação na linguagem, indústria e economia do cinema: vistos como
experimentação no início do cinema, passaram a ser explorados como linguagem
pelos cineastas russos e alemães nos anos de 1910 e 1920; foram ignorados pelo
Neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague francesa e ressurgiram nos anos de 1970
como peça fundamental dos blockbusters, na indústria cinematográfica americana.
51
2 Aspectos construtivos da imagem
52
a compreensão de que estes também constituem uma ação temporal. Para Debrix
e Stephenson (1969) a composição no cinema é dinâmica, diferente da existente
na fotografia, “tanto o movimento dentro do plano, como o movimento criado
pelas mudanças de plano para plano dão lugar a considerações de dinâmicas
desconhecidas numa composição estática” (DEBRIX e STEPHENSON, 1969, p.84).
Sontag (2004) afirma que as fotos são fragmentos que mudam de acordo
com o contexto que são vistas, de modo que a realidade, representada pela
câmera, oculta mais do que revela. A autora as resume em “uma fina fatia de
espaço, bem como de tempo” (SONTAG, 2004, p.33). Para Flusser (2002) a imagem
nasce da abstração, da interpretação de um mundo tridimensional, por meio de
um sistema bidimensional. Essa abstração decorre da imaginação, isto é, a
anuência do espectador de que aquela ilusão é uma realidade plausível.
53
Planos abertos, segundo Martin (2007) são mais impessoais, tendem a
expressar o vazio ou o contexto da cena (mostrar o lugar onde ela se passa),
enquanto que os planos mais fechados, como o close, quando aplicados a um
personagem, tendem a destacar mais o lado dramático e a tensão. De modo geral,
um dissocia o espectador da cena, enquanto o outro o associa emocionalmente.
10
Segundo Donis A. Dondis (2003), os elementos básicos da comunicação visual são: ponto, linha,
forma, direção, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento.
54
Figura 24: composição visual do filme Outubro (Octyabr, 1928).
Fonte: < http://counterlightsrantsandblather1.blogspot.com>
55
Figura 25: cena da patinação de Carlitos na loja de
departamentos.
Fonte: Tempos Modernos, 1936.
Resultado final
56
2.2 A imagem em movimento
57
história, ela é uma justaposição de planos que produzem um efeito específico,
desencadeado pelo choque de imagens ao longo de um determinado tempo. O
objetivo dessa montagem é despertar uma idéia ou sentimento. A essência da
montagem expressiva foi descoberta por Eisenstein, quando elaborou o conceito
que delinearia a montagem por atrações ou montagem dialética11. Para Debrix e
Stephenson (1969):
11
Esse tipo de montagem diferencia-se por buscar não uma construção linear narrativa da história,
mas a criação de uma idéia ou conceito a partir do conflito gerado entre imagens sobrepostas ou
exibidas em uma sequência específica.
58
de ação, como no filme Kill Bill (2003), quando a Noiva atira uma faca na
personagem Vernita Green, na cozinha.
12
Transições são as animações ou efeitos utilizados na edição do filme na passagem de uma cena
para outra.
13
Franquia é o termo utilizado para caracterizar filmes que por questões da narrativa (história ou
roteiro muito longo) ou por estratégia comercial, são lançados em partes interdependentes que,
juntas, completam o sentido da história. Algumas continuações, como De Volta Para o Futuro (Back
To The Future, 1985) ou Rambo embora composta por filmes com histórias independentes também
são consideradas franquias.
59
A narrativa temporal não-linear ocorre quando há uma relação entre
personagens históricos de períodos diversos, como no filme De Volta Para o Futuro
(Back To The Future, 1985). Nessa narrativa encontramos alguém fora de seu
tempo, um visitante ou remanescente de outra época (figura 27). Ela é
característica dos filmes em que há algum tipo de viagem temporal ou
congelamento do personagem por longo período.
Figura 27: exemplo de narrativa temporal não-linear no filme Back To The Future (1985), dirigido
por Robert Zemeckis. O protagonista volta aos anos de 1960 e muda a história da sua família.
Fonte: <www.imdb.com>
60
Por fim, a narrativa simultânea por sobreposição de ações, representa
todas as formas de composição física das imagens, misturando ou dividindo-as em
múltiplas telas. Segundo Gosciola (2003), esse tipo de narrativa pode ocorrer em
três situações: sobreposição de ações, sobreposição de telas e encadeamento de
telas com projeção simultânea.
Figura 29: exemplo de composição criada por Dziga Vertov em Chelovek S. Kino-
Apparatom, 1929.
Fonte: <www.moma.org>
61
Figura 30: uso da profundidade de campo em Citizen Kane (1941).
Fonte: < www.takegreatpictures.com>
a b
Figura 31: à esquerda composição com fusão de imagens e sobreposição de telas no filme The
Pillow Book (1996). Ao lado, um exemplo de encadeamento simultâneo de telas, em Mean Girls
(2004)
Fonte: <2.bp.blogspot.com>
62
2.3.1 Camadas e composições
As camadas invisíveis, por sua vez, existem apenas na sua criação: uma vez
prontas, desaparecem. Um exemplo bem característico é o chroma-key, em que
um personagem pode ser inserido artificialmente em outro ambiente, conforme
63
veremos adiante. Embora a criação desse efeito envolva no mínimo duas camadas
(a imagem do personagem e o fundo colorido que será substituído por uma
paisagem), uma vez concluído o processo, há a impressão de que o personagem
está de fato em outro local.
64
Figura 32: dupla exposição no filme Nosferatu, Figura 33: composição de telas em The Pillow Book,
1922. 1996.
Fonte: <http://www.thenorthphase.co.uk> Fonte: <http://www.offscreen.com>
65
incluem a sobreposição de algumas imagens e múltiplas telas
usadas pelos cineastas de vanguarda na década de 1920, por
exemplo, imagens sobrepostas [em Um Homem Com Uma
Câmera] de Vertov e uma tela de três partes em Napoleão, de
Abel Gance, 1927 (MANOVICH, 2001, p. 9).
66
A divisão da tela representa uma quebra da realidade imposta pelo
enquadramento tradicional. Em alguns casos evoca a idéia de voyeurismo, como
se estivéssemos espiando através de diversas câmeras de segurança. As imagens
que compõem as várias telas podem ser totalmente diferentes, abordar situações
similares ou constituir parte de um mesmo material original. Em cada um dos
casos a relação do espectador com essas construções visuais será diferente.
Acerca do último exemplo, Nova (2009) explica que:
67
Greenaway, a divisão de telas é usada para realçar pontos de vista, não de um
objeto ou pessoa, mas de séries de procedimentos e tarefas que são executadas.
Figura 34: exemplo de split screen em Timecode Figura 35: exemplo de split screen ilustrativo.
(2000) como função narrativa. Fonte:<http://minnesota.publicradio.org>
Fonte: <http://www.mondobhz.com.br>
Um tipo de camada invisível muito utilizada antes dos efeitos digitais eram
as projeções frontais e traseiras (quando o ator fica na frente de uma tela em que
está sendo projetado o cenário), já abordadas anteriormente. Percebe-se que elas
68
relacionam diferentes camadas, só que em tempo real. O brilho e o contraste do
fundo devem ser ajustados de modo a dar veracidade à cena.
c) imagem em primeiro
a) imagem de plano (árvores)
fundo (floresta)
Figura 36: composição em três camadas: plano de fundo (a), plano da ação (b) e primeiro plano
(c) ao lado, o resultado final (d).
Fonte: RICKITT & HARRYHAUSEN, 2007.
14
Programa utilizado para a edição, correção e aplicação de efeitos em fotos e figuras.
69
transparência revelará qualquer imagem que esteja posicionada na camada de
baixo, que neste caso é uma floresta. Para dar mais realismo à cena, colocou-se
uma terceira camada, na frente daquela em que está o veículo, para simular
árvores passando na frente dele. Isso dá uma ilusão de perspectiva muito forte e
traz mais realismo à cena. No final, a cena do veículo sobrevoando a floresta torna-
se crível, dentro do contexto proposto pelo filme.
70
c) luz de fundo
b) luz para o
a) câmera personagem
Figura 37: esquema de composição de um chroma-key. A base do cenário era posicionada longe
da tela para que ela pudesse ser iluminada separadamente e o refletor emitia luz laranja para
facilitar o recorte. Abaixo, três sequencias de imagens representando respectivamente: a visão
da câmera, o cenário que será inserido e a composição final.
Fonte: RICKITT e HARRYHAUSEN, 2007.
71
universo digital, os bits podem tomar formas diversas e serem organizados de
modos infinitos. Com o avanço da computação gráfica, os CGI (Computer
Generated Imagery) são capazes de reproduzir todos os efeitos já citados e muito
mais. Pode-se, por exemplo, colocar um helicóptero virtual em uma cena já
filmada, recriar personagens com altíssima fidelidade e desenvolver cenários
inteiros.
72
3 Rebobine Por Favor, Kill Bill e O Livro de Cabeceira:
experimentações e desconstruções da linguagem
73
(Human Nature, 2001) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal
Sunshine of the Spotless Mind, 2004). Este último ganhou o Oscar de melhor
roteiro original em 2005.
74
Em Rebobine, Por Favor (2008) Gondry passa a explorar mais abertamente,
não apenas a relação do povo americano com o cinema de efeitos, mas também a
questão de como esse mesmo público apodera-se do blockbuster e cria a sua
própria linguagem.
a b
Figura 39: à esquerda (a), cena original do filme Matrix, de 1999, e ao lado (b), sua reprodução
em “Matrix - Baixo Orçamento”, feito por estudantes de Audiovisual da ECA/USP em 2006.
Fonte: <http://www.youtube.com>. Diagramação feita pelo autor.
75
Em Rebobine, Por Favor, Gondry inventa um neologismo: o conceito de
sweded films ou “filmes suecados” (figura 40), quando um dos protagonistas
mente que as versões dos filmes haviam sido feitas na Suécia, para justificar aos
clientes a demora na entrega dos produtos, quando, na verdade, eles precisavam
era de mais tempo para gravá-los. Isso gerou uma onda no YouTube com vários
“filmes suecados”, feitos por internautas do mundo todo.
O filme Rebobine Por Favor, conta a história de dois amigos, Jerry e Mike.
Após um acidente em uma estação de energia, um deles fica magnetizado e
inutiliza involuntariamente todas as fitas VHS da locadora em que o outro
trabalha. Para solucionar o problema, eles têm a idéia de regravar os filmes com
recursos próprios e muito improviso, temendo que o dono do local descubra o
prejuízo causado. Curiosamente são esses filmes caseiros, feitos pela e para a
comunidade, que acabam salvando o estabelecimento da falência. Existe também
uma história paralela, que é a lenda sobre as origens de Fats Waller, famoso
pianista de Jazz norte-americano dos anos de 1920 e 1930, mostrada em forma de
documentário.
76
O objetivo dos protagonistas é recriar diferentes tipos de efeitos especiais,
mas, sem dinheiro, precisam valer-se de muita criatividade para conseguir o
melhor resultado utilizando apenas uma velha câmera VHS. Os efeitos criados são
como improvisos e gambiarras. Dessa forma, toda a linguagem visual do filme é
baseada na recriação rudimentar e empírica das grandes produções de Hollywood.
Em todas as cenas que remetem a outros filmes o objeto passa por uma
alteração de sua função ou significado original, tornando-se componente de um
todo mais complexo, que é a cena que se constrói. Caixas de papelão, fotos e
pedaços de marshmallow tornam-se extrato de um filme famoso. Tal efeito é
possível com a ajuda generosa da imaginação do espectador e da licença poética
dada ao diretor. Retomandoo conceito de bricolagem, podemos relacioná-lo
77
também à fotomontagem que, segundo Carvalho (1999, p.56) “aproveita o
conteúdo de significação existente em cada fragmento, adaptando e
reorganizando este conteúdo dentro de um novo contexto”. Villas-Boas (2003),
porém, contesta essa prática como uma ação legítima do design:
78
O filme dialoga com a verdade documental, exposta por Carrière, utilizando
de modo instintivo e amador os recursos persuasivos dos noticiários. As cenas
desse documentário remetem aos filmes antigos, trazendo o aspecto visual da
película envelhecida, o figurino e o ambiente recriado pela cenografia.
a b
Figura 41: (a) cena de abertura mostrando o mapa feito de forma rudimentar. Ao lado, (b) um
exemplo da textura utilizada no documentário que narra a lenda de Fats Waller.
Fonte: Rebobine, Por Favor, 2008. Diagramação feita pelo autor.
Esse documentário foi construído não apenas com cenários falsos, mas
também com carros antigos de papelão (figura 42-a). Existe também uma
miniatura de trem bastante rudimentar, com neve falsa sendo jogada
desordenadamente nos vagões (figura 42-b).
79
a b
Figura 42: carros feitos de papelão (a) e uma miniatura de trem (b).
Fonte: Rebobine, Por Favor, 2008. Diagramação feita pelo autor.
Figura 43: sequência do efeito de sobreposição utilizado na cena da morte de Fats Waller.
Fonte: Rebobine, Por Favor, 2008 (vide filmografia). Diagramação feita pelo autor.
80
a b
Figura 44: Mike e Jerry vestidos de caça-fantasmas em roupa de papel alumínio (a). À direita,
ambos fazendo um “comercial” de TV para divulgar os seus serviços (b).
Fonte: Rebobine, Por Favor, 2008. Diagramação feita pelo autor.
a b
Figura 45: Monstro de marshmallow (a) e a multidão desesperada, representada por uma foto
(b), na reconstrução do filme Caça-Fantasmas, 1984.
Fonte: Rebobine, Por Favor, 2008 (vide filmografia). Diagramação feita pelo autor.
81
Segundo Coelho (2008), o styling surgiu nos anos de 1930, nos Estados
Unidos, para estimular o consumo devido à Grande Depressão; essa prática
consistia no “tratamento superficial da estética de um objeto no recurso de
aplicação de ornamentos, isto é, novas embalagens para velhos produtos”
(COELHO, 2008, p.36). Neste filme de Gondry uma nova roupagem é dada aos
filmes já consagrados, mas a intenção não é estimular o consumo, no entanto é
curioso perceber que é isso que acaba acontecendo, pois a comunidade passa a se
interessar por esses filmes “suecados”.
Para fazer uma cena que se passa à noite, só que durante o dia, os
protagonistas invertem as cores da imagem por meio de um recurso muito comum
em câmeras caseiras. A idéia parece não funcionar porque o rostos ficam com as
cores invertidas também (figura 46-a). Para solucionar o problema, eles fazem
uma cópia xerográfica invertida dos seus rostos (figura 46-b) e usam o resultado
como uma máscara (figuras 46-c e 46-d).
a b
c d
Figura 46: os amigos descobrem que podem filmar de dia como se fosse noite, invertendo as
cores da câmera, mas o rosto fica esquisito (a). Para resolver isso, tiram uma cópia negativa de
seus rostos (b) e usam-nas como máscaras (c), gerando um efeito ainda mais estranho (d).
Fonte: Rebobine, Por Favor, 2008. Diagramação feita pelo autor.
82
O que surpreende é que esse tipo de efeito não era empregado
originalmente na caracterização de um ambiente noturno no cinema, para isso
utilizava-se um filtro azul chamado “Noite Americana” na lente. Debrix e
Stephenson (1969) destacam o uso da imagem com cores invertidas para mostrar
elementos irreais e bizarros. No entanto, esse é um recurso que, dentro do
universo apresentado e da linguagem adotada em Rebobine, Por Favor, torna-se,
apesar de grotesco, perfeitamente aceitável.
As cenas de Rei Leão (Lion King, 1994) são feitas com bonecos de papelão
manipulados pelos protagonistas e o fundo é um edredom estampado estendido
(figura 47-d).
83
a b
Figura 47: “suecagem” dos filmes: Robocop (a), Os Donos da Rua (b), 2001: Uma Odisséia no
Espaço (c) e Rei Leão (d).
Fonte: Rebobine, Por Favor, 2008. Diagramação feita pelo autor.
84
história. Por exemplo, depois que Jerry é eletrocutado (figura 48-a) e fica
magnetizado, quando passa próximo à câmera, a imagem desestabiliza, como se
tivesse um problema de sintonia (figura 48-b). A câmera torna-se um personagem
e passa a ser afetada pela narrativa, deixando de ser apenas uma observadora
externa.
a b
Figura 48: depois de ser eletrocutado (a), toda vez que Jerry passa pela câmera ela dá um sinal de
interferência (b). Fonte: Rebobine, Por Favor, 2008. Diagramação feita pelo autor.
85
3.2 Quentin Tarantino: Kill Bill - Parte I
15
A origem dos filmes “B” está ligada à época de ouro do cinema norte-americano, em especial
entre os anos de 1930 e 1950. O termo refere-se aos filmes que costumavam passar em sessões
duplas, geralmente depois de um filme de maior destaque do estúdio. Nem sempre essas
realizações eram de baixo orçamento e havia unidades de produção exclusivas e pequenos estúdios
especializados em filmes desse tipo. Atualmente, o senso comum caracteriza o filme “B” como
sendo de segunda linha ou exclusivamente de baixo orçamento, o que não é totalmente correto, se
observarmos a utilização inicial dessa nomenclatura.
16
Exploitation films eram as produções de baixo orçamento, geralmente com temas polêmicos
e/ou sensacionalistas, que exploravam exaustivamente cenas de sexo, nudez, violência e
escatologia. Surgidos em meados de 1920, popularizaram-se nos anos de 1960 e 1970. Alguns dos
diretores ligados a esse gênero foram John Carpenter, Roger Corman, George Romero e Ed Wood.
86
Já Denser (2008), acredita em uma colagem de estilos, mais ligada ao
grafismo. Segundo a autora, “Tarantino traz para o cinema uma releitura da
colagem encontrada na Pop Art” (DENSER, 2008, p. 95), pois identifica nesse
movimento a exploração de elementos da cultura de massa representada pelo
cinema, quadrinhos, propaganda, mídia gráfica e design.
Outro ponto de referência para Tarantino são os Westerns, tanto que um dos
agradecimentos póstumos nos créditos de Kill Bill vai para o diretor Sérgio Leone.
Segundo McGee (2007) uma das mais interessantes reconstruções dos Westerns
não é um Western: é Kill Bill, que “remodela os elementos do Western clássico de
Hollywood (...) de forma complexa que sugere a alegoria apropriada para a era da
globalização” (MCGEE, 2007, p. 263).
17
O star system foi um sistema adotado pelos grandes estúdios de Hollywood, a partir de 1920,
para criar e promover astros e estrelas, a fim de que trouxessem mais público para os filmes. O
foco estava mais na imagem e no carisma passado pelos atores do que no talento ou conhecimento
da arte dramática.
87
Das estéticas ocidentais, tem-se, em um plano bastante
evidente, a presença do faroeste, especialmente em sua versão
spaghetti, ou seja, o estilo paródico desenvolvido pelo cinema
italiano sobre o clássico gênero americano. Este também se faz
presente através de citações – de que tanto faz uso o diretor
americano – de filmes ou personagens como The Lone Ranger
(o cavaleiro solitário), esse herói de coloratura épica, que
percorre as terras norte-americanas em sua busca por ‘fazer
justiça’, significante mote da figura do vingador (AZEVEDO,
2006, p.44).
88
a
Figura 49: (a) cena de abertura de Kill Bill – Parte I, 2003. No detalhe (b), o filme Três Homens
em Conflito (The Good, The Bad and The Ugly, 1966).
Fonte: <http://www.tarantino.info>. Diagramação feita pelo autor.
89
a b
c d
Figura 50: Sequência do lançamento da faca. A transição é feita por um corte em movimento (c).
Fonte: Kill Bill – Parte I, 2003. Diagramação feita pelo autor.
I II
III IV
V VI
90
Para essa cena foi feito o mock-up18 desses elementos, a fim de que
pudessem ser filmados de perto, numa simulação do que seria um tiro captado em
baixíssima velocidade. É importante notar que Tarantino não quis usar
computação gráfica, mantendo-se fiel às convenções (ou limitações) dos antigos
filmes “B”.
18
Segundo Coelho (2008) mock-ups são modelos de um determinado projeto, feitos na escala 1:1
ou maior (escala de ampliação), feitos para enriquecer detalhes e estudar o objeto, além de
permitir novos tipos de interação com o produto.
19
O hiperrealismo caracteriza-se por apresentar cenas ou fatos que poderiam ser reais, mas com
um contorno de exagero, que pode ser obtido por meio da atuação ou mesmo dos efeitos
especiais. Em muitos filmes de Tarantino, por exemplo, as armas fazem um som muito mais forte
do que o normal e o sangue tem tonalidades mais vivas ou jorra de forma absurda.
91
Em algumas passagens do filme a protagonista tem um flashback, que
aparece em tom avermelhado (53-a), precedido por um plano detalhe de seus
olhos e um som característico. Essa linguagem adotada para o flashback foi
herdada de westerns (53-b e 53-c), como A Morte Anda a Cavalo (Death Rides a
Horse, 1967).
b c
Figura 53: (a) cena de Flashback em Kill Bill. Fonte: Kill Bill – Parte I, 2003. No detalhe (b,c), duas
imagens em sequência do filme A Morte Anda a Cavalo (Death Rides a Horse, 1967).
Fonte: <http://www.tarantino.info>. Diagramação feita pelo autor.
92
Pode-se perceber que Tarantino respeita os parâmetros narrativos das obras
que ele referencia, evitando acrescentar elementos que fujam às regras ou
convenções estabelecidas pelos gêneros específicos utilizados em seus filmes.
a b
Figura 54: A história de O-Ren Ishii contada em forma de anime e uma cena da personagem
decapitando um chefe Yakuza. Kill Bill – Parte I (2003).
Fonte: Kill Bill – Parte I, 2003 (vide filmografia). Diagramação feita pelo autor.
a b
Figura 55: (a) Bruce Lee em Jogo da Morte (The Game of Death, 1978) e a Noiva (b) em Kill Bill.
Fontes: New York Times People / Kill Bill – Parte I, 2003. Diagramação feita pelo autor.
93
3.3 Peter Greenaway: O Livro de Cabeceira
20
Conceito difundido por Sergei Eisenstein, que corresponde a uma composição com imagens
interdependentes em uma determinada sequência de montagem (EISENSTEIN, 2002a, p. 15-26).
94
sonoridades que quebravam a sequencia lógica e cronológica da história”
(GOSCIOLA, 2003, p.110).
É por isso que Vertov tem uma relevância singular para as novas
mídias. Isso prova que é possível transformar "efeitos" em uma
linguagem significativamente artística. (...) Nos filmes de Vertov,
eles são motivados por um argumento específico, sendo que as
novas técnicas para obter imagens e manipulá-las, resumidas
por Vertov em sua expressão "kino-olho", podem ser usadas
para decodificar o mundo. (...) Assim, nas mãos de Vertov, uma
série de dados, normalmente estática e "objetiva", torna-se
dinâmica e subjetiva. Mais importante, Vertov é capaz de
conseguir algo que designers e artistas das novas mídias ainda
têm que aprender - como mesclar dados e narrativa em uma
nova forma (MANOVICH, 2001, p.18).
Nagiko foge de casa, após incendiá-la e muda-se para a China, buscando uma
vida nova e um homem que pudesse ser um excelente calígrafo e bom amante,
95
mas nenhum dos candidatos preenche satisfatoriamente as duas exigências
(figuras 56-b e 56-c).
a b
Figura 56: a evolução do fetiche de Nagiko por escrever em corpos vem das boas lembranças com
seu pai (A). Depois, ela busca desesperadamente um amante com boa caligrafia que escreva em
seu corpo (B). Finalmente, passa a criar livros no corpo de seu amante, Jerome (C e D).
Fonte: O Livro de Cabeceira, 1996 (vide filmografia). Diagramação feita pelo autor.
96
Nagiko descobre que o editor mandou exumar o corpo de Jerome, arrancar
sua pele e transformá-la em páginas de um livro. Para tentar recuperar esse
objeto, ela completa os outros sete poemas em corpos de diferentes pessoas e os
envia ao editor, que se torna obcecado por esse jogo.
21
Lay-out é a composição imagética que resulta das escolhas feitas entre os elementos gráficos
disponíveis (COELHO, 2008, p.148).
97
Greenaway em suas composições audiovisuais, devemos retornar aos princípios da
fotomontagem e ao próprio conceito de colagem em si.
Figura 57: Composição de April Greiman publicada na revista Design Quarterly, nº 133, sob o
título “Does It Make Sense?”. MIT Press/Walker Art Center, 1987.
Fonte: Idsgn - Design discussions: April Greiman on technology.
22
April Greiman é designer americana, nascida em 1946. Foi uma das primeiras a experimentar
composições baseadas nas novas tecnologias digitais e a incorporar o pixel e os defeitos gerados
pelos computadores como linguagem.
98
Poynor (2003, p.99) diz que o elemento principal na imagem criada por
Greiman é o seu caráter excessivo, expresso no tamanho do cartaz (0,6m x 1,8m),
nos detalhes e nas grandes quantidades de informações, além da inovação em
utilizar a baixa resolução das imagens na tecnologia digital da época como
elemento de linguagem. O autor afirma que, na opinião de muitos artistas, em
meados dos anos de 1980, “a baixa resolução gráfica dos mapas de bits
representava um retrocesso, no entanto, os primeiros expoentes do desenho em
Macintosh encarregaram-se de aproveitar ao máximo as limitações do
computador” (POYNOR, 2003, p.97).
a b
Figura 58: Na imagem da esquerda, o pequeno quadro no canto superior direito da tela revela as
cenas que estão por vir. Ao lado, o quadro na parte inferior central mostra em detalhe os livros
que Nagiko carrega, quase que imperceptivelmente, ao fundo da cena.
Fonte: O Livro de Cabeceira, 1996. Diagramação feita pelo autor.
99
Essa colagem visual de Greenaway divide o foco de atenção e pontua
elementos específicos na cena. Uma fragmentação narrativa e pictórica é
constante em Livro de Cabeceira. As composições não são feitas ao acaso e
influenciam na fruição do filme. Carvalho (1999) entende a composição e o corte
como sintomas das incertezas advindas com a pós modernidade:
100
lidos, tanto que, mesmo quem sabe ler ideogramas, não consegue entender os
escritos nos corpos dos personagens. O texto é mais uma camada, um elemento
da composição, uma rebeldia do autor à palavra que teima em ser lida. De acordo
com Coelho (2008, p.152) “estamos habituados a olhar as palavras em termos da
informação que possuem e raramente, ou quase nunca, observamos a aparência
de uma letra, palavra, linha ou texto”. De fato, para Greenaway (2001b) texto e
imagem na cultura ocidental “são partes de dois tipos diferentes de cultura, (...)
[porém] há um juízo de valor nisso (...) de que, de alguma forma o texto é superior
à imagem devido a nossa educação” (GREENAWAY, 2001b, p.2).
101
Conclusão
102
que, de outro modo, colocariam as pessoas ou o meio ambiente em risco. Por
meio de trucagens, por exemplo, o ator ou o dublê não precisa se expor a um
perigo físico. Outro objetivo significativo é a redução de custos e otimização de
processos, fornecendo soluções mais baratas para a composição de cenários,
personagens e até movimentos de câmera. Isso envolve a pesquisa de materiais
alternativos e o investimento em produção de conhecimento que seja, de fato,
compartilhado pelos profissionais e estudiosos da área.
Em Rebobine, Por Favor (Be Kind, Rewind, 2008) Gondry elabora o projeto
visual do filme como uma reconstrução improvisada dos efeitos especiais das
grandes produções de Hollywood. Assim, seu projeto de efeitos especiais é
fundamentado justamente na bricolagem e nas gambiarras inventadas pelos
103
personagens para fazer referência a outras produções. É nesse aparente e
despretensioso improviso que o autor cria ícones e caricaturas dos efeitos mais
consagrados do cinema.
104
relacionado à constituição da mise-èn-scene. Os efeitos especiais provêm de
fontes técnicas e estéticas e este resultado poderá ser observado no filme pronto.
No entanto, o desafio de articular o design no cinema torna-se um pouco mais
complexo na prática, pois nem todos os cineastas e profissionais da área
entendem os processos envolvidos, como as atividades projetuais e as
contribuições do design para a realização do filme.
105
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