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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE

DARCY RIBEIRO – UENF


CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEM – CCH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS SOCIAIS -
PPPS

ADOECIMENTO E MORTE DOS PESCADORES ARTESANAIS NA BACIA DE


CAMPOS – RJ

DANIELE MARIA ALVES TORRES

CAMPOS DOS GOYTACAZES –RJ


SETEMBRO – 2016
ADOECIMENTO E MORTE DOS PESCADORES ARTESANAIS NA BACIA DE
CAMPOS – RJ

DANIELE MARIA ALVES TORRES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Políticas Sociais do Centro de
Ciências do Homem da Universidade Estadual
do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como
parte das exigências para obtenção do título de
Mestre em Políticas Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Geraldo Márcio Timóteo

CAMPOS DOS GOYTACAZES –RJ


SETEMBRO – 2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Preparada pela Biblioteca do CCH/UENF
062/2016

T693 Torres, Daniele Maria Alves.

Adoecimento e morte dos pescadores artesanais na Bacia de Campos – RJ


/ Daniele Maria Alves Torres. – Campos dos Goytacazes, RJ, 2016.
109 fl. : il.

Orientador: Geraldo Márcio Timóteo.


Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais) – Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem, 2016.

Bibliografia: f. 104-109.

1. Pescador Artesanal - Adoecimento. 2. Doenças Laborais. 3. Pesca


Artesanal. I Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. II.

Título.

CDD – 306.364
ADOECIMENTO E MORTE DOS PESCADORES ARTESANAIS NA BACIA DE
CAMPOS – RJ

DANIELE MARIA ALVES TORRES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Políticas Sociais do Centro de
Ciências do Homem da Universidade Estadual
do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como
parte das exigências para obtenção do título de
Mestre em Políticas Sociais.

APROVADA:____/____/____

BANCA EXAMINADORA

Prof.ᵃ Dr. ᵃ Tatiana Walter (Ciências Sociais – UFRRJ)


Universidade Federal do Rio Grande – UFRG

Prof. Dr. Leandro Garcia Pinho (Ciência da Religião – UFJF)


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF

Prof. Dr. Mauro Macedo Campos (Ciência Política – UFMG)


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF

Prof.Dr. Geraldo Márcio Timóteo (Sociologia – UFMG)


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
(Orientador)
Dedico essa dissertação ao meu marido,Vando,
por todo carinho e dedicação a mim dispensado; a
minha filha, Laís, por me dar um amor sem igual;
aos meus pais, pela educação que me deram, por
sempre estarem ao meu lado me incentivando e
acreditando nos meus sonhos.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por ser presença em minha vida. Ao meu marido por me conduzir aos meus
trabalhos de campo, por toda paciência e compreensão durante esses dois anos. A minha mãe,
por sempre acreditar na minha capacidade e saber que eu iria chegar até aqui. Ao meu pai que,
mesmo ausente fisicamente, foi presença em meus pensamentos e nos momentos difíceis
quando pensava em desistir eu lembrava o quanto ele estaria orgulhoso de dizer que eu era
mestranda da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Aos meus irmãos, Danilo e João
Vitor, por estarem sempre por perto, e entenderem os momentos em que precisei me ausentar.
A minha cunhada, Estela, e aos meus sobrinhos Lucas e Amanda, que sempre se fizeram
presentes durante essa trajetória. Ao meu grande amor, minha filha, Laís, por fazer parte desse
sonho.
Ao meu orientador , Geraldo Timóteo, não me esqueço de suas palavras no primeiro
dia em que pensei em desistir e você me disse: “você está aqui para aprender e eu estou aqui
para ensinar, você não vai desistir”, elas foram muito importantes para mim ao longo desses
dois ano. Obrigada pela confiança e por me permitir realizar uma pesquisa tão intensa e
necessária para uma classe de trabalhadores que ainda precisa tanto de conhecer seus direitos,
principalmente quando adoecem e uma morte com menos dores. Obrigada, porque essa
pesquisa me fez crescer e ver no outro as dificuldades que não conhecia.
Muito obrigada à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
por me acolher e permitir me aprofundar no meu conhecimento, assim como ao Projeto
Pescarte, que financiou minha pesquisa. Aproveito para agradecer a todos os pesquisadores do
Projeto Pescarte que me ouviram e me ensinaram tanto, a todos os técnicos da pesquisa de
campo, que foram fundamentais para o desenvolvimento da minha pesquisa e à equipe do
escritório, que sempre esteve pronta para me ajudar nas minhas necessidades.
Ao Presidente da Colônia de Cabo Frio, Alexandre, e ao Filipe Coutinho – sem os
quais a pesquisa de campo seria mais difícil – por me conduzirem até as famílias de
pescadores que haviam falecido. Aos pescadores doentes que aceitaram participar da pesquisa
e a todas as famílias de pescadores que haviam falecido que responderam tão prontamente às
perguntas, mesmo sendo lembranças dolorosas.
A todos os professores que dividiram seus conhecimentos comigo durante esses dois
anos por meio de disciplinas, com certeza eles foram essenciais para minha pesquisa e para
meu crescimento pessoal.
Aos meus grandes amigos Leandro e Francine, por todo incentivo, por terem
acreditado em mim.
Aos meus amigos do Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Rio de Janeiro, por
todo incentivo e trocas de plantões.
Aos meus amigos mestrandos da turma 2014/2015, sem os quais o mestrado não seria
o mesmo, obrigada por fazerem parte da minha história de vida. Em especial a Suelen
Ribeiro, que não tenho como retribuir, pois não mediu esforços para me ajudar na reta final
com documentação, quando as minhas possibilidades de resolver eram mais difíceis por causa
do resguardo da Laís.
Como é doce morrer no mar
(Dorival Caymmi)

É doce morrer no mar


Nas ondas verdes do mar
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar
A noite que ele não veio foi
Foi de tristeza prá mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi prá mim
É doce morrer...
Saveiro partiu de noite foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou
É doce morrer...
Nas ondas verdes do mar meu
bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá
É doce morrer...
RESUMO

TORRES, D.M.A. Adoecimento e morte dos pescadores artesanais na bacia de Campos – RJ.
Campos dos Goytacazes, RJ: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro –
UENF, 2016.

Esta pesquisa tem como objeto de estudo o processo de adoecimento e a morte entre os
pescadores artesanais na Bacia de Campos, RJ. Este objeto é fruto do espantamento causado
na pesquisadora quando leu os dados da pesquisa realizada pela Petrobrás, em 2009, com uma
amostra de 10% da população pesqueira da Bacia de Campos. Nesses resultados não era
apresentado nenhum pescador com 70 ou mais anos. O que nos trouxe a questão: de quais
seriam as causas de adoecimento e morte, supostamente prematura, entre os pescadores
artesanais? Para responder a esta pergunta norteadora, esse estudo foi realizado nas
comunidades de pescadores artesanais dos Municípios de Cabo Frio e São Francisco do
Itabapoana; os aspectos relacionados à causa mortis foram realizados por meio da análise
documental das declarações de óbito dos municípios em estudo, e uma análise dos dados do
Censo realizado pelo Projeto Pescarte em que o pescador é questionado se possui alguma
doença relacionada à pesca. Foram realizadas entrevistas com pescadores doentes e com as
famílias dos pescadores que haviam falecido para fazer o nexo da causa de morte com o modo
de vida e verificar se existe ligação com as atividades da pesca. Dessa maneira, a pesquisa
assumiu um caráter de natureza quali/quantitativa. Os instrumentos utilizados foram a
pesquisa documental nas declarações de óbito e nos dados do Censo Pescarte sobre o
adoecimento, e entrevista em profundidade com familiares de pessoas que já haviam falecido,
o que nos permitiu realizar uma triangulação dos dados obtidos. Ao analisar os dados
coletados, os resultados apresentados foram que as causas de morte em sua maioria são por
doenças crônico-degenerativas, o que também é comum na população geral, porém, do
diagnóstico até a morte do pescador a expectativa de vida é menor. Das 13 entrevistas com as
famílias de vítima que haviam morrido, o tempo máximo de sobrevida foi de 1 ano, do
diagnóstico da doença até a morte, em decorrência da não busca por serviços de saúde, o que
faz com que a doença avance de forma a permitir apenas o tratamento paliativo. Foi possível
analisar que as doenças pelas quais os pescadores se consideram acometidos são as que
impedem que ele vá pescar. Além disso, pelo fato de terem uma iniciação precoce na pesca,
eles não conseguem relacionar as doenças e os acidentes com as atividades que desenvolvem,
mas sim como uma casualidade, o que faz com que muitas vezes não busquem realizar a
prevenção de doenças e de acidentes.

Palavras-chaves: adoecimento, morte, pescador artesanal, pesca


ABSTRACT

TORRES, D.M.A. Illness and death of artisanal fishermen in the Campos Basin - RJ.
Campos dos Goytacazes, RJ: State University of Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF,
2016.

This research has as its objetc of study the process of illness and death among the fisherfolk in
Campos Basin, RJ. This object is product of the frightening induced in the researcher when
she read the data of the search fullfiled by Petrobrás, in 2009, with a sample of 10% of the
fishing population of the Campos Basin. These results didn‟t show any fisherman above 70
years old. Which has brought us to the question of what would be the causes of illness and
death, supposedly overhasty, between the fisherfolk? To answer this guiding question, this
study was conducted in fisherfolk communities of Cabo Frio and São Francisco do
Itabapoana; the aspects related to causa mortis were carry through desk reviews of death
certificates of the counties under study, and an analisis through the data of the Census
contucted by Pescarte Project wherein the fisherman is questioned if he has any disease
related to fishing. Interviews with sick fishermen and with families of fishermen who had
passed away were conducted to make nexus of the cause of death with their way of life and
acertain if there is connection with the fishing activity. Thus, the research assumed a natured
quali/quantitative character; the instruments used were the desk review on death certificates
and Pescarte Census data, and in-depth interview with relatives of people who had already
died, which has allowed us to realize a triangulation of data. When analyzing the colected
data, the results shown, that most of the reasons of death were in consequence of chronic
degenerative diseases, which is usual on the general population, but, from the diagnosis
through the fisherman‟s death the life expectancy is lower, of 13 interviews with the victim
families who had died, the maximum survival time were 1 year, from the disease‟s diagnosis
until death, due lack of search for health services, which causes the disease progresses so as to
allow only palliative treatment. It was possible to analyse that the diseases that fishermen
think are making them sick, are the ones that prevents that they go fishing, besides, the fact
they have an early initiation on fishery. They can‟t relate the diseases and the accidents with
the developed activities, but as a casuality, what makes that many times they don‟t look for
realizing their prevention.

Keywords: illness, death, fisherfolk, fishery


LISTA DE GRÁFICO

Gráfico 1 – Coeficiente de Mortalidade da população Geral de Cabo Frio X População de


Pescadores Artesanais de Cabo Frio ........................................................................................65
Gráfico 2 – Coeficiente de Mortalidade da População Geral X Pescadores Artesanais de São
Francisco de Itabapoana............................................................................................................68
Gráfico 3 –Causa de Morte de Pescadores Artesanais de Cabo Frio-RJ .................................74
Gráfico 4 – Causa de Morte de Pescadores artesanais de São Francisco de Itabapoana –RJ...75
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIDS- Sindrome da Imuno Deficiência Adiquirida


AIS- Ações Integradas de Saúde
AVC -Acidente Vascular Cerebral
CCH- Centro de Ciências do Homem

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho


CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNPT – Conselho Nacional para o Desenvolvimento de Populações Tradicionais
CNS - Conferência Nacional de Saúde
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DAC – Doença Arterial Coronariana

DataSUS - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde


DPA -Departamento de Pesca e Aquicultura
DM - Diabetes Mielitus
DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
DST - Doenças Sexualmente Transmissíveis
EPC - Equipamento de Proteção Coletivo

EPI - Equipamentos de Proteção Individual


FAS – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
FAT- Fundo de Amparo ao Trabalhador
Fiset- Fundo de Investimento Setorial
Gespe- Grupo Executivo do Setor Pesqueiro
FUNRURAL- Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica


HIV- Vírus da Imino Deficiência
IAP - Instituto de Aposentadorias e Pensões
IAM - Infarto Agudo do Miaocárdio
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

IBDF- Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal


IML - Instituto Médico Legal
INAMPS- Instituto Nacional de Assistência Médica Previdenciária Social
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social
IRA- Insuficiência Renal Aguda

LEEA- Laboratório de Estudo do Espaço Antropológico


LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social
Mapa- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MPA- Ministério da Pesca e Aquicultura
MONAPE - Movimento Nacional dos Pescadores
NR‟s - Normas Regulamentadoras
OIT- Organização Internacional do Trabalho

OMS - Organização Mundial da Saúde


OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
ONU - Organização das Nações Unidas
PAM - Pronto Atendimento Médico
PAF - Perfurações por Arma de Fogo
PCR - Plano de Categorização Regional

PIB- Produto Interno Bruto


PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
Renast- Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
RGP - Registro Geral de Pesca
RCQ - relação da medida da relação cintura quadril
SEAP - Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (Seap/PR).

SEMA - Secretaria Especial de Meio Ambiente


SAMUD- Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência
SUS - Sistema Único de Saúde
SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

SUDEPE - Superintendência do Desenvolvimento da Pesca


Sudhevea- Superintendência do Desenvolvimento da Borracha
UENF- Universidade Estadual do Norte Fluminense
UPA- Unidade de Pronto Atendimento
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................13
2 OBJETIVOS............................................................................................................................17
1.1 Objetivo Geral .................................................................................................................17
2.2 Objetivos Específicos .......................................................................................................17
3 HIPÓTESES ............................................................................................................................18
4 REFERENCIAL TEÓRICO...................................................................................................18
4.1 O PESCADOR ARTESANAL COMO TRABALHADOR ............................................18
4.1.1 A Organização Produtiva da Pesca desde o Financiamento para sua Exploração até
a Comercialização ...................................................................................................................24
4.1.2 O Pescador Artesanal Respeita o Período de Reprodução das Espécies e o Meio
Ambiente e o Governo faz a Contrapartida com o Pagamento do Seguro-Defeso ................28
4.1.3 As Principais Diferenças entre o Pescador Artesanal e o Operário ...........................29
4.1.4 A Luta dos Operários para Diminuir a Morbidade e a Mortalidade por Doenças e
Acidentes Laborais ..................................................................................................................31
4.1.5 A Profissionalização do Pescador Artesanal...............................................................34
4.1.5.1 A Formação do Pescador Artesanal Preservando sua Cultura e Oferecendo Novos
Conhecimentos ........................................................................................................................36
4.2 PROCESSO SAÚDE-DOENÇA .....................................................................................37
4.2.1 O Adoecimento no Trabalho .......................................................................................40
4.2.2 As Políticas Públicas de Saúde no Brasil ....................................................................42
4.2.3 A Saúde do Trabalhador após a Constituição de 1988...............................................49
4.2.4 Processo Saúde – Doença do Pescador Artesanal .......................................................55
5 METODOLOGIA ...................................................................................................................56
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS ......................................................................61
6.1 RESULTADOS QUANTITATIVOS ..............................................................................62
6.1.1 Dados de Morte ...........................................................................................................62
6.1.2 Dados de Adoecimento ................................................................................................76
6.2 RESULTADOS QUALITATIVOS .................................................................................78
6.2.1 Iniciação na Pesca .......................................................................................................79
6.2.2 Os Acidentes e as Doenças Laborais ...........................................................................82
6.2.3 As Doenças dos Pescadores Artesanais .......................................................................92
6.2.4 A Dificuldade de Receber Seguro-Saúde Quando o Pescador Encontra-se Doente ..97
7 CONCLUSÃO .........................................................................................................................99
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.................................................................................. 103
1 INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objeto o processo de adoecimento e a morte dos pescadores
artesanais na Bacia de Campos- RJ. A motivação inicial para a realização desse estudo foi o
contato com uma pesquisa de plano de caracterização regional (PCR) da Pesca na Bacia de
Campos realizada pela Petrobrás, em 2009, que abrangeu a população de pescadores
artesanais da Bacia de Campos desde o Município de São Francisco de Itabapoana – RJ, que
fica localizado ao norte do Estado do RJ, até o Município de Arraial do Cabo, que fica ao sul
da Bacia de Campos no Estado do RJ, por serem municípios que sofrem impactos ambientais
pela exploração de Petróleo, o que ocorre principalmente no município de Macaé. A amostra
foi de 10% da população pesqueira dessa Bacia, na região mencionada, e seu resultado não
apresentou nenhum pescador artesanal com 70 anos ou mais.
Considerando essa situação, surgiu uma curiosidade: a amostra havia sido insuficiente,
ou não haveria pescador com mais de 70 anos? Entretanto, a pergunta que norteou essa
pesquisa foi: quais seriam as causas de adoecimento e morte “precoce” entre os pescadores
artesanais? Para a construção do entendimento da maneira como ocorre a morte desses
profissionais, foi preciso realizar um diagnóstico epidemiológico das principais causas que
levam ao seu adoecimento; entrevistas com os familiares das pessoas que haviam falecido,
com os pescadores doentes e com os presidentes de colônias; além de ter que fazer uma busca
por referências bibliográficas sobre o modo de viver dos pescadores, principalmente em
relação às atividades que realizam. Fez-se necessária a coleta de informações sobre os
serviços de saúde que deveria ser oferecidos aos pescadores artesanais, o que permitiria
quebrar a invisibilidade vivida por eles diante do poder público.
Antes de falar do pescador, é preciso identificar a pesca como sendo uma atividade
exercida desde o princípio da humanidade como forma de subsistência e arte. Atualmente esta
é uma atividade que tem como objetivo, além da arte e preservação de uma cultura, ser fonte
de riqueza, ou apenas, para alguns pescadores, uma renda de subsistência. Por isso, foi
necessário fazer uma equiparação de pescadores artesanais enquanto trabalhadores autônomos
do mar e seus correlatos urbanos assalariados.
Os trabalhadores urbanos, no período inicial do capitalismo, foram obrigados a deixar
o seu meio de produção, que era tipicamente rural, e assumir algumas características que antes
não existiam em seu cotidiano:
14

1) passaram à condição de assalariados, sendo subordinados a um patrão, tendo que


obedecer às suas ordens;
2) tinham que cumprir uma carga horária que dependia de cada local de trabalho e,
muitas vezes, ou quase sempre, chegavam a 18 horas por dia, tinham que produzir o máximo
possível;
3) realizavam suas atividades em situações insalubres e perigosas.
Todos esses elementos ensejaram várias lutas por direitos trabalhistas que, depois de
um longo tempo, proporcionaram, gradativamente, a esses trabalhadores, algumas melhorias,
tais como:
1) estabelecimento de uma carga horária máxima de trabalho;
2) proibição da exploração do trabalho infantil;
3) pagamento adicional pela realização de atividades que pudessem ter alguma
periculosidade e insalubridade;
4) implantação das Normas Regulamentadoras (NR‟s);
5) pagamentos de indenizações pela vitimização em acidentes, cuja responsabilidade
está provada contra o empregador;
6) assistência à velhice e nos casos de adoecimento e morte;
7) entre outros benefícios, tais como férias e repouso remunerado.
Contudo, no longo percurso de transformações de servos a operários, várias categorias
de trabalhadores foram sendo mantidas em suas origens. Entre eles, estão os pescadores
artesanais, cujo trabalho ancorado em sua cultura ancestral consegue manter-se até o presente.
Hoje, no Brasil, a partir de dados do Registro Geral de Pesca (RGP), sabe-se que
existem perto de 1 milhão de pescadores artesanais1. Porém, apesar da importância numérica
dos pescadores artesanais, ainda nos dias atuais, boa parte daquelas conquistas adquiridas
pelos trabalhadores operários não lhes foi concedida. Assim, essa categoria precisou ir à busca
de um reconhecimento enquanto classe trabalhadora para que tivesse seus direitos trabalhistas
reconhecidos, e isto ainda se faz necessário, porque o pescador artesanal possui uma
dependência econômica da pesca para suprir os seus gastos e de sua família, mas também
precisa ser assistido em sua incapacidade produtiva, pois esses trabalhadores não possuem um
salário fixo, vivendo do que consegue extrair do mar, lagoas, mangues etc. E, por muitas
vezes, essa ação é feita em condições de trabalho extremamente insalubres e perigosas como:

1
Esse número varia de um mês para outro devido ao fato de o registro ser um processo realizado diariamente,
com inclusões e exclusões constantes.
15

1) exposição às mudanças climáticas; 2) defeitos de embarcações que podem levar aos


naufrágios; 3) condições de higiene precárias nos locais de trabalho, seja nos barcos, seja nos
mangues ou nos cais; entre outras. Essas situações estão associadas ao aparecimento de
doenças e, ou, são causas de acidentes laborais. Entretanto, este estudo permitiu-nos uma
percepção de que nem sempre as doenças e os acidentes que os vitimam são reconhecidos
pelos profissionais de saúde, pela previdência social ou, até mesmo, pelos próprios pescadores
artesanais como sendo consequências dos trabalhos realizados por eles.
Para conseguir chegar ao reconhecimento desses adoecimentos e acidentes de
trabalho, é necessário que haja uma assistência à saúde voltada ao trabalhador, por isso foi
necessário estudar quais são os deveres do Estado para com os trabalhadores autônomos, em
relação aos direitos à assistência da saúde. Para esse fim, fez-se um estudo sobre a saúde
pública no Brasil desde o início do século XX, quando o Estado começou a se preocupar com
a Saúde Pública. Pode-se entender que, somente após a Constituição de 1988, essa assistência
obrigatória passa a ser lei: “Saúde direito de todos e dever do Estado”. Para que de fato a
população tenha acesso aos serviços de saúde, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS),
que possui como uma de suas atribuições os cuidados com a saúde do trabalhador.
Dessa forma, o estudo das vulnerabilidades dessa classe de trabalhadores é
imprescindível para que posteriormente, por meio do diagnóstico das principais causas de
adoecimento e morte dos pescadores artesanais, possam ser desenvolvidas políticas públicas
de saúde. Com isso, essas doenças e acidentes não ficaram invisíveis para o Estado, para a
previdência social, para os profissionais de saúde e para os próprios pescadores artesanais,
podendo, assim, ser desenvolvido um trabalho de prevenção daquelas condições laborais
adversas, evitando-se as mortes por doenças e acidentes que são preveníveis.
Com o propósito de alcançar o objeto de estudo que é o levantamento das causas de
adoecimento e morte dos pescadores artesanais na Bacia de Campos – RJ, realizou-se a
pesquisa nos Municípios de Cabo Frio e São Francisco de Itabapoana – ambos pertencentes a
Bacia de Campos, como mencionado anteriormente, ficando aos extremos da Bacia, um ao
Norte e o outro ao Sul da bacia de Campos no Estado do Rio de Janeiro.
A metodologia utilizada nesta pesquisa foi de uma abordagem quali/quantitativa, em
que foram feitos os levantamentos dos dados epidemiológicos das causas de morte dos
pescadores artesanais, que estão nas declarações de óbito. Posteriormente foram utilizados os
16

dados do Censo do Projeto Pescarte2 para analisar quais eram as causas de adoecimento que
os pescadores relatavam como mais graves. Por fim, foram realizadas entrevistas com
familiares de pescadores que haviam falecido e com pescadores que estavam doentes para que
pudesse haver uma melhor compreensão sobre as causas de morte e os adoecimentos desses
trabalhadores. Fez-se necessário entrevistar também os presidentes da colônia de pescadores
dos dois municípios em estudo.
Os resultados dos dados quantitativos podem ser identificados nos cálculos de
coeficiente de mortalidade, demonstrado por meio de gráficos, que esse coeficiente é maior na
população de pescadores artesanais do que na população geral em todas as faixas etárias no
município de Cabo Frio. No município de São Francisco de Itabapoana, esse coeficiente só
passa a ser menor entre os pescadores artesanais na faixa etária de 60 a 79 anos, o que mostra
que a morte é maior na população de pescadores artesanais mais jovens em relação à
população geral na mesma faixa etária, sendo a principal causa de morte a doença crônico-
degenerativa3, o que também ocorre na população geral.
Entretanto, nos resultados dos dados qualitativos, pode-se verificar que quando se
chega ao diagnóstico da doença nos pescadores, a mesma já se encontra em um estágio tão
avançado que os cuidados já deixaram de ser curativos e passaram a serem paliativos 4. Com
isso, uma doença que poderia ter um tratamento que levaria a pessoa à cura, caso fosse
realizado no início pode, em poucos meses, levar a pessoa a óbito de forma precoce. Ou seja,
além da morte cronologicamente precoce, também existe a morte precoce no período da
doença, de acordo com os dados coletados com as famílias, pois uma doença em que a
sobrevida poderia ser de anos, infelizmente complicações, avanço da doença e o óbito ocorre
em poucos meses. Além disso, foi possível analisar que as causas de morte normalmente não
são as doenças identificadas pelos pescadores como as de maior gravidade − com exceção da
2
O Projeto Pescarte é uma medida de mitigação exigida pelo licenciamento ambiental federal, conduzido pelo
IBAMA . Visa ao apoio a organização social por meio do desenvolvimento de projetos de trabalho e renda tendo
por base o saber fazer dos pescadores artesanais da Bacia de Campos. O Projeto é desenvolvido desde de 2014
em 7 municípios da Bacia de Campos – São Francisco do Itabapoana, Quisamã, Campos dos Goytacazes, São
João da Barra, Macaé, Arraial do Cabo e Cabo Frio – em convênio entre Universidade do Estado Norte
Fluminense (UENF) e Petrobrás. Os trabalhos são desenvolvidos pelo Laboratório de Estudos do Espaço
Antrópico (LEEA) e o Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (PPGPS), do Centro de Ciências do
Homem (CCH).
3
Doença crônico-degenerativa são doenças não transmissíveis que o organismo desenvolve, principalmente pelo
modo de vida. Exemplos de doenças crônico-degenerativa são: câncer, diabetes, hipertensão arterial
4
Os Cuidados Paliativos são realizados nos pacientes que não possuem possibilidades terapêuticas de cura
buscando controlar ou amenizar os sintomas e sinais físicos e psicológicos (MARCUCCI,2004).
17

pneumonia. Para eles, doenças são aquelas que fazem com que o pescador fique
impossibilitado de realizar suas atividades laborais.
Para a concretização desse estudo, foi necessário investigar, a partir dos objetivos,
algumas hipóteses que permitirão alcançar uma melhor compreensão dessa realidade social
sui generis.

2 OBJETIVOS

Tem por finalidade direcionar a pesquisa para a obtenção dos dados epidemiológicos
que permitiram encontrar as causas de adoecimento e morte dessa classe de trabalhadores.

1.1 Objetivo Geral

Identificar as prováveis causas de adoecimento e morte dos pescadores artesanais da


bacia de Campos e relacioná-las aos fatores sócio-organizacionais presentes nessa atividade.

2.2 Objetivos Específicos

1. Analisar as doenças típicas mais frequentemente relacionadas às atividades


laborativas dos pescadores e que podem ser apontadas como causas de suas mortes;
2. Analisar as condições do exercício da atividade de pescador artesanal;
3. Analisar políticas públicas de prevenção de acidentes e doenças laborais que estão
voltadas para a saúde dessa classe trabalhadora;
4. Identificar o tipo de assistência prestada ao pescador doente junto à Previdência
Social.
18

3 HIPÓTESES

H1: Afirmamos que parcela do adoecimento e morte dos pescadores artesanais se dão
em razão de suas atividades laborativas;
H2: Afirmamos que parcela do adoecimento e morte dos pescadores artesanais se dão
em razão da inexistência de uma assistência à saúde voltada para os casos típicos de
adoecimento dessa categoria profissional;
H3: Afirmamos que o adoecimento e morte de parcelas dos pescadores artesanais se
dão em razão da formação inadequada na segurança do trabalho e em sua alimentação;
H4: Afirmamos que o adoecimento e a morte de parcela dos pescadores artesanais é
agravada em razão da falta de acesso aos direitos previdenciários.

4 REFERENCIAL TEÓRICO

O referencial teórico foi desenvolvido em dois sub-tópicos. O primeiro irá fazer a


abordagem do pescador artesanal enquanto trabalhador que depende da pesca para sua
existência, ou seja, a atividade da pesca é tomada como uma atividade econômica; avaliam-se,
suas lutas por reconhecimento enquanto classe e pela preservação de sua cultura. O segundo
sub-tópico se desenvolve com uma trajetória da saúde pública no Brasil desde o início do
século XX, chegando à Constituição de 1988, em que saúde passa a ser “um direito de todos e
dever do Estado”, e, para que isso aconteça, em 1990 é criado o SUS que, dentre suas várias
obrigações, deve garantir a saúde do trabalhador, passando a desenvolver leis e portarias que
normatizam o atendimento à saúde do trabalhador autônomo até os dias de hoje.

4.1 O PESCADOR ARTESANAL COMO TRABALHADOR

A pesca, por sua história, é considerada uma parte importante para a construção sócio-
cultural da humanidade, pois foi se construindo na sociedade ao longo dos anos como um
19

saber fazer na apropriação da natureza (CARDOSO, 2001). Mesmo sendo considerada uma
arte, no sentido do saber fazer do artesão, os pescadores artesanais possuem uma dependência
econômica da pesca, por isso, além de ser uma arte, também deve ser considerada como seu
trabalho, o que deveria fazer com que tivessem os seus direitos trabalhistas reconhecidos em
lei. Da mesma forma os operários, não sem luta, foram em busca de seus direitos trabalhistas,
ou seja, de um espaço de trabalho com menor coerção organizacional, de salários mais dignos
e de ambientes de trabalho com um menor grau de agressão à saúde. Essas lutas trabalhistas
iniciaram-se pelo fato de que os espaços criados para o desenvolvimento de muitas atividades
laborais estavam – e muitos delas ainda estão – vitimando os trabalhadores por meio do
adoecimento e da morte muitas vezes precoce em razão das atividades desenvolvidas.
Historicamente, a organização dos pescadores enquanto classe iniciou-se por medo das
autoridades portuguesas de que o litoral brasileiro fosse tomado por potências estrangeiras
que cobiçavam as riquezas naturais do Brasil. Em períodos anteriores, países como a França,
Holanda e até mesmo a Espanha, tentaram invadir o país. Dessa forma, a partir de 1817, na
Enseada das Garoupas (SC), em razão da abundância de peixes na região, iniciou-se um
processo intenso de colonização autorizada por D. João VI. Seus principais moradores foram,
inicialmente, os colonizadores açorianos 5 (SEVERO, 2012), mas logo atraindo brasileiros
nativos para aquela região.
A organização do processo de ocupação daquela área e o recrutamento de pescadores
para a formação das primeiras colônias de pescadores ficaram a cargo da Marinha e a função
primeira das colônias era contribuir para a proteção da costa brasileira, pois ninguém conhecia
tão bem e empiricamente a costa brasileira quanto os pescadores. Dessa forma, não era a
organização da classe o objetivo, ficando as colônias pescadoras submetidas à marinha
portuguesa, pois o Brasil era, ainda, pertencente ao do Reino de Portugal (BRASIL, 2010). E
essa experiência foi levada a todo o litoral brasileiro, conforme a citação a seguir:

Posteriormente, esse processo [de formação de colônia] foi levado a cabo


pela Marinha e pelo então Ministro Almirante Frederico Villar, que
percorreu toda a costa do Brasil para implementar as colônias de pescadores,
visando à segurança nacional, no sentido de que, no período de pós-guerra
[Primeira Guerra Mundial], essas agremiações colaborassem na defesa do
País contra possíveis invasões. Nesse período, de 1919 a 1923, foram criadas
mais de 800 colônias de pescadores (BRASIL, 2010, p.22).

5
Informação de um blog : http://mochilabrasil.uol.com.br/destinos/bombinhas#sthash.s6MHOjar.dpufdevido,
acessado em 29/03/2016.
20

O interesse na implementação das colônias em toda a costa brasileira não era a formação da
classe de pescadores artesanais, mas continuava sendo apenas o interesse do Estado em
defender a costa brasileira (MORAES, 2001). Esse processo alcançou maior impulso a partir
da eclosão da Primeira Guerra Mundial, dado o fato de que navios alemães haviam sido
avistados em águas brasileiras. Uma outra razão, e não menos importante, para que o Estado
tivesse o interesse nos pescadores era o fato de que, apesar do vasto litoral e do complexo
sistema de águas interiores, o Brasil ainda precisava importar esse tipo de alimento para sua
população (MORAES, 2001). Novamente, a sua organização se dava não pelo interesse
enquanto classe de trabalhadores, com intuito de melhorar as suas condições de trabalho e
renda, permitindo a esses trabalhadores uma organização trabalhista que lhes desse uma
melhor condição de vida, mas, simplesmente, como produtores de alimentos de boa qualidade
e custos reduzidos.
Os pescadores artesanais sempre estão ligados a instituições governamentais, e
geralmente o interesse do governo não é organizá-los enquanto classe de trabalhadores e sim
explorar benefícios que o trabalho dos pescadores pode trazer para o Estado. Ao realizar
estudos sobre os aspectos legais da pesca, é possível identificar vários instrumentos
normativos a partir da organização dos pescadores artesanais, entretanto, muitos desses
instrumentos encontram-se inadequados ou ultrapassados, esse fato contribuiu para dificultar
sua aplicação, tanto pelo usuário, quanto pelos órgãos responsáveis pela gestão das atividades
pesqueiras no governo. (DIAS NETO, 2010).
A organização dos pescadores, enquanto classe de trabalhadores, teve seu início em
1920, quando foi criada a Confederação de Pescadores do Brasil. Contudo, o Estado ainda
manteve a mesma relação de paternalismo com os pescadores, oferecendo redes e consertos
de embarcações. Além disso, como um passo na direção correta, criou escolas para os filhos
de pescadores denominadas de Escoteiros do Mar, porém, sua finalidade estava ligada,
invariavelmente, à questão da segurança nacional, ou seja, o objetivo era militarizar os jovens
e cultivar o patriotismo (MORAES, 2001).
Em 1934, os pescadores deixam de ser subordinados à Marinha e passam a fazer parte
do Ministério da Agricultura. Por meio do Decreto 23.672/34, foi aprovado o código de caça e
pesca, e os pescadores foram alocados em uma divisão com o mesmo nome. Neste mesmo
período, estava ocorrendo no país uma luta pela autonomia dos sindicatos dos operários que
viviam no meio urbano. Vendo as lutas dos operários por reconhecimento de seus direitos –
pois os sindicatos teriam maior autonomia, e não ficariam submissos ao Estado, o que iria
21

proporcionar aos assalariados melhores condições de trabalho – os pescadores artesanais


também queriam que as colônias deixassem de se subordinar ao Estado, como vinha
acontecendo desde sua criação (MORAES, 2001), o que permitiria a luta pelo reconhecimento
enquanto classe de trabalhadores, podendo buscar por mais direitos.
Em 1938, Getúlio Vargas, instituiu o Código de Pesca, por meio do Decreto-Lei n°
794/38. O capítulo II desse decreto fala sobre a organização dos pescadores e suas associações
de classe: Colônias, Federações e Confederação. Fala inclusive da obrigatoriedade dos
pescadores em terem que fazer parte das colônias, que estavam submetidas ao Estado, fazendo
com que essa classe de trabalhadores estivesse sempre subordinada a ele.
Em 1962, no governo de João Goulart, pela Lei n° 10/62 cria-se a Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) que tinha por seus objetivos oferecer assistência
técnica e financeira aos empreendimentos da pesca, além de realizar estudos de
aprimoramento das leis e fiscalização com base nos códigos da pesca, inclusive coordenação
de programas de assistência técnica nacional e estrangeira.
Em 1964, ocorreu o golpe militar e acarretou o fechamento dos sindicatos.
Em 1967, foi instituído por meio do Decreto n° 221/67, em pleno regime militar, o
novo código de Pesca que estabeleceu as normas para o exercício da atividade da pesca, em
que as colônias continuavam subordinadas ao Estado (MORAES, 2001). Mesmo sendo um
instrumento com muitas alterações, é o atual Código de Pesca Brasileiro e continua sendo o
principal instrumento legal que rege a atividade pesqueira em águas jurisdicionais do país
(DIAS NETO, 2010). Faz-se necessário dizer que os incentivos fiscais destinados à pesca,
previstos neste decreto-lei passaram a estar presentes no Decreto-Lei n° 1.376/74, que dispõe
sobre o Fundo de Investimento Setorial – Fiset (pesca, turismo e reflorestamento).
No final da década de 1960, o Estado começa a estimular a implantação da indústria
pesqueira Nacional por meio de incentivos fiscais e isenção de impostos, pelo Decreto n°
62.458, de 25 de março de 1968, que regulamenta o Capítulo VIII, do Decreto-Lei n° 221/67,
no tocante às isenções gerais para investimentos na indústria pesqueira. Essa nova forma de
empreendimento da captura de pescado refletiu na pesca artesanal, e “entre 1967/1977, [o
pescador artesanal] havia recebido somente 15% do equivalente aos fundos de investimentos
na indústria pesqueira através de incentivos fiscais” (DIEGUES, 1983, p.137). Fatos como
estes foram os responsáveis pelos acontecimentos dos anos 70 quando, durante a ditadura
militar, a Pastoral dos Pescadores incentivou que os pescadores artesanais iniciassem uma
mobilização por melhores condições de trabalho e que as lideranças das colônias pudessem
22

ser escolhidas de formas mais democráticas, por votações, tendo como candidatos pescadores
que não permitiriam que as colônias continuassem subordinadas ao Estado, por meio da
Marinha do Brasil, ou pelo Ministério da Agricultura (CARDOSO, 2001). O movimento dos
pescadores, neste momento, almejava maior autonomia para as colônias e por lideranças que
atentassem para as necessidades dos pescadores.
Em 1985, a Confederação Nacional dos Pescadores convocou todas as Federações
Estaduais a participarem da Assembléia Constituinte, a qual deu origem ao Movimento
Constituinte da Pesca e foi a partir deste momento que houve uma mobilização de pescadores
em todo o país com o objetivo de incluir seus direitos na Constituição que seria elaborada
(CARDOSO, 2001).
Uma das conquistas da organização dos pescadores foi a aprovação da Lei n° 7.356, de
30 de agosto de 1985, que altera a Lei n° 3.807/60 determinando a inclusão de dispositivo que
inclui os pescadores profissionais, sem vínculos empregatícios, na qualidade de trabalhadores
autônomos, quando exercem a profissão, para

na condição de pequenos produtores, trabalharem individualmente ou em


regime de economia familiar, fazendo da pesca sua profissão habitual ou
meio principal de vida e estejam matriculados na repetição competente, o
que possibilita as suas aposentarias junto a previdência social.

Os pescadores tinham a percepção da necessidade de se organizarem cada vez mais e


de forma mais consistente, pois almejavam seus direitos sociais e políticos, tais como outros
movimentos sociais como os quilombolas, indígenas, trabalhadores sem terra e os atingidos
pela construção de barragens.
Cardoso (2001) escreve que:

apesar das dificuldades, a Constituinte da pesca logrou a expandir as


Colônias de Pescadores os mesmos princípios que regem os sindicatos
urbanos, a partir da inclusão do parágrafo único, do Artigo 8° 6 da

6
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão
competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria
profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores
interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em
questões judiciais ou administrativas;
IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em
folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da
contribuição prevista em lei;
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado ao sindicato;
23

Constituição Federal aprovada em 1988. Dentre eles, a livre associação, não


interferência do poder público, autonomia, unicidade sindical, entre outros,
marcando legalmente o fim da tutela sobre as colônias de pescadores
(CARDOSO, 2001, p.105-106).

Os pescadores artesanais conseguiram direitos como o de não serem mais obrigados a


estar associados à colônia de pescadores para conseguirem o RGP quando são reconhecidos
pelo Estado como tais. Porém, ao se associarem à colônia, eles passam a ter a oportunidade de
se organizarem como sindicatos, a ter estatutos próprios, adequando-os às realidades de suas
atividades laborais executadas em seu município, além de poderem lutar para que o Estado
volte a realizar incentivos à pesca artesanal, sem que sejam privados dos seus direitos
enquanto classe trabalhadora. O fato de realizar lutas constantes pelo exercício pleno da
democracia, significava romper com a perpetuação das lideranças que mantinham sob a sua
tutela todo o processo de representação social dos pescadores.
Associações, movimentos apoiados por instituições nacionais, tais como a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), entre outras, foram as responsáveis pelo reconhecimento dos
pescadores como membros da classe trabalhadora. Toda aquela organização e mobilização
dos pescadores artesanais permitiu que fossem forjadas novas lideranças. Contudo, toda essa
luta não conseguiu elevar seu padrão de renda, nem romper com a pobreza endêmica que
caracteriza essa classe, pois muitas famílias, em razão de sua pouca organização produtiva,
conseguem apenas uma produção para sua subsistência (CARDOSO, 2001).
Mas, a luta para melhorar as condições de vida continua, por isso, em 1988, depois da
Constituição, foi criado o Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE), que tinha por
objetivo continuar a mobilização dos pescadores (CARDOSO, 2001). A criação do MONAPE
foi uma ação estratégica dos pescadores, pois passou a ter representatividade dos pescadores
artesanais durante as reuniões em que definiriam as leis e portarias que seriam de interesse da
classe de pescadores artesanais, assim:

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;


VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou
representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta
grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de
pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.
24

a MONAPE [participou] de reuniões para a discussão de portarias


normativas do setor pesqueiro e [participou] no CNPT – Conselho Nacional
para o Desenvolvimento de Populações Tradicionais, responsável, entre
outras ações, pela implantação de Reserva Extrativista (CARDOSO, 2001,
p.107).

A MONAPE era favorecida pela existência das colônias, tendo em vista que os pescadores
já possuíam a tradição de organizar-se no entorno de uma instituição a qual, havia adquirido o
status de sindicato. Entretanto, havia uma disputa ideológica a ser vencida, pois os pescadores
e a maioria de seus dirigentes não conseguiam diferenciar o papel de sindicato da tradicional
ação das colônias. Enquanto sindicato ― o que era almejado pelo MONAPE ― deveria lutar
pelo cumprimento dos direitos estabelecidos ou a serem estabelecidos para a categoria; por
sua vez, em sua forma tradicional, a colônia continuava a cuidar somente da manutenção dos
pescadores a serviço dos interesses do Estado por meio de ações claramente assistencialistas.
Esse embate continua a ser travado país afora, sendo um divisor importante para o
entendimento do processo organizativo da classe de pescadores artesanais.

4.1.1 A Organização Produtiva da Pesca desde o Financiamento para sua


Exploração até a Comercialização

Na tentativa de realizar mudanças, em 22 de fevereiro de 1989, por meio da Lei n°


7.735, extinguiu-se a SUDEPE e criou-se o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), fazendo com que houvesse uma grande mudança de
paradigmas na gestão do uso dos recursos pesqueiros, pois segundo José Dias Neto (2010,
p.136) o
Instituto passa a incorporar o patrimônio, os recursos orçamentários e
financeiros, a competência legal, as atribuições, o pessoal, etc, da ex-
Superintendência e outros três órgãos, também extintos: a Secretaria
Especial de Meio Ambiente – SEMA, Superintendência do Desenvolvimento
da Borracha – Sudhevea e Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal
(IBDF).

Com isso, o início dos anos de 1990 ficou marcado para a pesca por esta passar a ser
gerida por um órgão que considerava os recursos pesqueiros como parte dos recursos
ambientais e que possuía uma atuação voltada não para os interesses do governo, mas sim
para os interesses do público. Esses programas e projetos buscavam as atividades de
recuperação de recurso pesqueiro em situação de sobrepesca ou ameaça de exaustão (DIAS
NETO, 2010).
25

Mesmo apresentando bons resultados, o instituto foi se desgastando ao longo do


período em que esteve na gestão do recurso pesqueiro. As pessoas que estavam adaptadas a
uma relação mais clientelista com o Estado não aceitavam as propostas realizadas pelo
IBAMA, principalmente após o fim dos benefícios e subsídios, que aconteceu no final da
década de 1980, o que agravou as divergências entre o Poder Público e os empresários da
pesca (DIAS NETO, 2010). Com o desgaste do IBAMA, junto com a divergência na posição
da coalizão dos usuários dos recursos, associado aos grupos ligados ao governo que tentavam
retomar o espaço perdido pela SUDEPE, juntamente com a desinformação da população, a
pressão exercida sobre o governo fez com que fossem tomadas decisões como:
1- Decreto de Lei n° 1.687, de 13 de novembro de 1995, em que se cria o Grupo
Executivo do Setor Pesqueiro - Gespe, subordinado à Câmara de Política de Recursos
Naturais, do Conselho de Governo da Presidência da República.
2- A Lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência
da República e dos Ministérios, dá outras providências, em que a produção e o
fomento referentes à pesca passa a ser do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa), mantendo no Ministério do Meio Ambiente (MMA) e no
IBAMA com políticas de preservação, conservação e uso sustentável de recursos
naturais.
Nesse momento, em razão dos objetivos de se criar uma estrutura industrial em torno da
pesca, o que se verifica é que a maior parte do lucro fica com os setores de distribuição e
comercialização do pescado. Objetivamente, a realidade dos pescadores obteve poucas
mudanças, continuando suas dificuldades para conseguirem empréstimos e a comercialização
de seus produtos sem a presença dos atravessadores. Sendo que uma das atribuições do Mapa
era a implantação de infra-estrutura, pesquisa, difusão de tecnologias, interação institucional,
entre outras ações importantes como o plano de safra pesqueira. Contudo, apesar dos esforços
iniciais terem sido feitos, na tentativa de reverter esse quadro, com a criação de uma infra-
estrutura que pudesse conservar melhor o pescado, levando a uma possibilidade de conseguir
melhores preços em suas mercadorias; de criar entrepostos de comercialização, para que não
tivessem que passar por uma intermediação entre peixarias, atacadistas, comércio varejista,
com muitos municípios passando a desenvolver atividades de apoio aos pescadores artesanais
tais como espaço para as mariculturas, conservação do pescado, e até mesmo um setor de
informação com os dados referentes à pesca, o que se percebeu é que as ações postas em
prática eram muito tímidas diante das situações encontradas (DIAS NETO, 2010).
26

3- Em 21 de junho de 1998, por meio do Decreto n.° 2.681, foi criado o Departamento de
Pesca e Aquicultura – DPA;
4- A divisão de competências sobre recursos da pesca entre o Mapa e o MMA (DIAS
NETO, 2010).
Com menor autoridade e poder, devido às pressões contrárias às propostas do Instituto
e do MMA, os dirigentes do IBAMA passaram a ter menos compromisso com os princípios
de sustentabilidade do recurso pesqueiro (DIAS NETO, 2010).
Em 1° de janeiro de 2003, foi criada a Secretaria de Aquicultura e Pesca (Seap/PR) –
por meio da Medida Provisória n° 103 –, que tem a responsabilidade de assessorar direta ou
indiretamente a Presidência da República na formulação de políticas e diretrizes para o
desenvolvimento e o fomento da produção pesqueira e aquícola e, especialmente, promover a
execução e a avaliação de medidas, programas e projetos de apoio ao desenvolvimento da
pesca artesanal e industrial.
A Seap foi criada com intuito de produzir ações voltadas para implantação de infra-
estrutura de apoio a produção e comercialização do pescado e de fomento à pesca e
aquicultura, organizar e manter RGP previsto no art.93 do Decreto-Lei n.° 221, de 28 de
fevereiro de 1967; normalizar e estabelecer medidas que permitam o aproveitamento
sustentável dos recursos pesqueiros altamente migratórios e dos que estejam subexplorados
ou inexplorados; supervisionar, coordenar e orientar atividades referentes às infra-estruturas
de apoio à produção e circulação do pescado e das estações e postos de aqüicultura; manter,
em articulação com o Distrito Federal, Estados e Municípios, programas racionais de
exploração da aqüicultura em águas públicas e privadas.
Essa secretaria foi criada também com o objetivo melhorar as condições econômicas
da pesca, tanto no mercado interno quanto no mercado externo, buscando um crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB), de gerar empregos diretos e redinamizar a base produtiva dos
pescadores artesanais e aquicultores familiares. Para isso tomou medidas como o acordo que
disciplina o licenciamento ambiental, autoriza o uso de águas públicas para atividades
produtivas da pesca e aquicultura e abre espaço para políticas de fomento dirigidas para
exploração sustentável da pesca e aquicultura em todo o território nacional. Além de outros
programas de crédito, podemos destacar o programa Profrota Pesqueira que deveria investir
1,5 bilhões de reais na modernização e ampliação da frota brasileira 7.

7
(http://www.redetec.org.br/?p=611)
27

A Seap foi transformada em Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), em 29 de julho


de 2008, por meio da Medida Provisória n° 437. O MPA, na tentativa de melhorar as
condições de trabalho dos pescadores artesanais sancionou, em 26 de junho de 2009, a Lei nº
11.958, que dispõe sobre a transformação da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da
Presidência da República ― criada pela Medida provisória de 1º de janeiro de 2003 e
transformada na Lei nº 10.683, em 2003 ― em Ministério da Pesca e Aquicultura.
Todo esse processo, aqui sinteticamente esboçado, foi resultado das mobilizações ao
longo do século XX e início do século XXI, e após a criação do Ministério da Pesca e
Aquicultura. Esse ministério sancionou a Lei 11.959/09, que dispõe sobre a Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca e regula as atividades pesqueiras,
definindo o que seria a pesca, os direitos desses trabalhadores e como se organizariam para
um melhor desenvolvimento comercial. Em seu Art.8°, é diferenciada a pesca comercial
artesanal da pesca comercial industrial, nos seguintes itens:
a) pesca comercial artesanal é definida com a pesca “praticada diretamente por
pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de
produção próprios ou mediante aos contratos de parceria, desembarcado, podendo utilizar
embarcações de pequeno porte8”;
b) pesca comercial industrial: “quando praticada por pessoa física ou jurídica e
envolver pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotas-partes,
utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande porte9, com finalidade comercial”.
Além dessa definição importante, tem-se que considerar outras características que
definem bem o que é a pesca profissional artesanal, tais como:
1) uma pesca realizada sem grandes tecnologias;
2) trabalho de forma autônoma;
3) emprego de mão-de-obra familiar ou amigos; e
4) a produção é destinada ao mercado interno, geralmente, ao mercado que fica
próximo de sua residência.
De todas as suas características a mais evidente para diferenciar é a forma como esses
trabalhadores se organizam, ou seja, entre família e amigos. Por isso, tem que se evidenciar
que a redação do Art. 4°, parágrafo único, da mesma lei, ainda estende a condição de pescador
8
Embarcação de pequeno porte é quando possui uma arqueação bruta - AB igual ou menor que 20 toneladas
9
Embarcação de médio porte: quando possui arqueação bruta - AB maior que 20 (vinte) e menor que 100 (cem)
toneladas. Embarcação de grande porte: quando possui arqueação bruta - AB igual ou maior que 100 (cem)
toneladas.
28

artesanal a todos que trabalham na “confecção e reparo de artes e petrechos de pesca, os


reparos realizados em embarcações de pequeno porte e processamento do produto da pesca
artesanal”, ou seja, todas as pessoas envolvidas no processo da pesca serão consideradas
pescadores artesanais.

4.1.2 O Pescador Artesanal Respeita o Período de Reprodução das Espécies e o


Meio Ambiente e o Governo faz a Contrapartida com o Pagamento do
Seguro-Defeso

A pesca artesanal não é uma pesca desordenada, não lhe pode ser atribuída a
característica de pesca predatória, a qual tem como connsequências a destruição do
ecossistema e a diminuição do pescado.
Na pesca artesanal tem-se a preocupação de permitir que haja a reprodução dos peixes,
pois não se trata de um trabalho em que o homem fabrica o produto, mas sim, da apropriação
que o homem faz dos peixes, moluscos e crustáceos, os quais são oriundos da natureza, e não
passam por mudanças como ocorre com os produtos industrializados, que sofrem alterações,
conforme a necessidade da sociedade. No caso da extração da natureza, se não houver o
respeito no período de reprodução e seu habitat, poderá acontecer a extinção de algumas de
suas espécies, por isso, continua-se a respeitar o período de reprodução das espécies, que é
chamado de período do Defeso, definido pela Lei n°11.959/09 como sendo a “paralisação
temporária da pesca para a preservação da espécie, tendo como motivação a reprodução e/ou
recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes”.
Este fato leva o Estado a pagar o seguro defeso ao pescador, que é o pagamento de 1
(um) salário mínimo por um período que varia conforme a reprodução de cada espécie. Isto já
estava previsto na Lei n° 8.287, de 20 de dezembro de 1991, que dispõe sobre a concessão do
seguro-desemprego aos pescadores profissionais que exerçam suas atividades de forma
artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar sem contratação de terceiros, e
durante os períodos de defeso ou piracema. Estabelece que benefício será pago à conta do
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Esse pagamento é necessário, pois o fato de o pescador não poder pescar durante um
longo período, reflete em sua renda familiar e, na maioria das vezes, esse é o único trabalho
desses homens e mulheres. Aliás, como os pescadores são postos no regime de segurados
especiais pela Previdência Social, o exercício de qualquer outra atividade profissional
29

registrada em carteira é razão para seu desligamento dessa condição. Porém, é comum entre
os pescadores que, durante o período do defeso, esses homens e mulheres tenham que realizar
outras atividades – pintor, manicure, pedreiro, cabeleireira, cozinheiro, entre outras – para
complementar a renda familiar, sendo essa uma das características que os diferenciam dos
operários.

4.1.3 As Principais Diferenças entre o Pescador Artesanal e o Operário

A pesca artesanal é uma atividade econômica desenvolvida por trabalhadores


autônomos, diferente dos operários que são assalariados. Estes, em sua maioria, são
trabalhadores que deixaram seus trabalhos agrícolas para dirigirem-se à cidade. Como esse
trabalhador havia sido retirado do meio rural, onde realizava atividades das quais retirava sua
renda familiar, passou a ter a necessidade da busca por emprego que proporcionasse a ele e a
sua família alguma condição de vida.
É possível verificar que, na Revolução Industrial Inglesa, o que levou os trabalhadores
a tornarem-se urbanos e a trabalharem na indústria foi o cercamento dos campos, obrigando
milhares de servos a migrarem para as cidades como única forma de sobreviverem. Essa
mudança acarretou grandes transformações na vida desses trabalhadores. A primeira e
principal delas talvez tenha sido que “o trabalho deixa de ser administrado por sistema de
recompensas e passa a ser submetido a um controle da divisão de trabalho e a uma
coordenação” (DWYER, 2006, p.31). O trabalhador já não se administra, ele passa a obedecer
às ordens e a ter um horário a ser cumprido com hora para chegar e sair do local de
desenvolvimento de suas atividades trabalhistas e terá, para isso, um salário.
Já os pescadores artesanais mantêm sua pseudoautonomia: não se submetem a um
empregador direto, o que faz com que, também, não possuam vínculos trabalhistas e, em
consequência, não possuam direitos trabalhistas reconhecidos, podendo ser citado entre esses
direitos o fato de não terem os cuidados necessários para a prevenção do adoecimento e da
morte em decorrência do trabalho, que são cuidados já regulamentados nas leis trabalhistas,
por meio das NR‟s; não possuírem salários fixos, ou seja, ganham aquilo que conseguiram
extrair do mar e/ou das águas continentais. Isso faz com que o pescador dependa da venda do
pescado para ter uma renda, tendo, por muitas vezes, sua força de trabalho utilizada no setor
industrial de forma indireta, pois a venda do pescado será realizada para o mercado, por um
30

baixo preço e, muitas vezes, será dirigida ao setor industrial para uma maior agregação de
valor.
Diferente do operário especializado, que se profissionaliza em escolas técnicas, o
pescador é formado a partir de uma relação com sua família, sendo seu aprendizado resultado
da transferência de saberes oriundos de seus parentes mais próximos, os quais, mais do que a
técnica de pesca, lhe deixam como herança o conhecimento dos locais em que se pesca,
legado que é um verdadeiro tesouro a ser guardado dos demais.
Assim, devido ao seu suposto encontro com o progresso – melhor discutido à frente –
conseguimos entender que para o operário não houve apenas uma troca da condição de
trabalhador rural para trabalhador industrial urbano, mas sim uma renúncia ao seu modo de
vida, pois a figura do trabalhador operário teve que se adaptar às situações de “falta de
higiene, esgotamento físico, acidente de trabalho, subalimentação, [que] potencializam seus
respectivos efeitos e criam condições de uma alta morbidade, de uma alta mortalidade e de
uma longevidade formidavelmente reduzida” (DEJOURS, 1992, p.15). Esses fatores sociais,
descritos por Dejours, foi um cenário encontrado, principalmente, quando os operários
começaram a vir para o meio urbano, entretanto, nos dias atuais, ainda é o cenário do local de
trabalho de muitos pescadores artesanais, principalmente nas embarcações, em que passam
dias no mar.
Mesmo hoje, ainda pode-se verificar que um dos fatores para o inchaço das cidades
continua sendo a mão-de-obra excedente originária da mecanização da produção rural e da
atração exercida pela cidade no imaginário social de que a cidade oferece melhores condições
de vida, que vão melhorar a qualidade de ensino e a presença de uma infra-estrutura de
serviços básicos, tais como hospitais e transportes (DONKIN, 2003)
Temos, no entanto, que no caso dos pescadores, não foi sua saída em busca da cidade
que lhes causou uma transformação de trabalhadores rurais em urbanos, mas, justamente, o
fato de que foi a cidade que chegou ao meio em que viviam e vivem os pescadores. Soma-se a
isso, também, a chegada de pessoas aos seus territórios em razão da fuga de desastres
naturais, tais como as secas, enchentes e, não menos importante, à chegada de
empreendimentos vultosos, como barragens; e, no caso específico da Bacia de Campos, a
exploração do petróleo, que atraiu uma massa de trabalhadores de todo o país em busca de
melhores salários e condições de vida.
Todas essas transformações levaram ao pensamento de que isso significa um
progresso. Entretanto, quando o trabalhador é levado a deixar o meio rural para exercer
31

alguma atividade laboral no meio urbano, quase sempre, essas mudanças irão significar
mudanças sociais e culturais, resultado da imposição de um modo de vida bastante diverso
daquela experiência anterior, rompendo a solidariedade entre vizinhos, perturbando a
confiança interpessoal, além, claro, daquele tipo de adoecimento e morte, que Nobert Elias
(2001) descreve que era caracterizado pelo apoio e a presença maciça da família e vizinhos no
leito do doente, o que diminuía o processo de afastamento e solidão que vivem hoje os
doentes das cidades, permitindo um acolhimento maior e uma solidão menos aviltante.

4.1.4 A Luta dos Operários para Diminuir a Morbidade e a Mortalidade por


Doenças e Acidentes Laborais

Os operários urbanos passaram por mudanças promovidas pela incorporação de um


certo modo de vida urbano que, em razão do passar do tempo, tornaram-se permanentes.
Juntamente com isso, temos que aquelas características de trabalho que eram as responsáveis
diretas pelo aumento do adoecimento, da morbidade (internação hospitalar) e da mortalidade
não se alteram substancialmente, porquanto, os dados estatísticos oficiais demonstram a morte
prematura de milhares de trabalhadores por doenças e acidentes: no ano de 2013, foram
registrados no INSS cerca de 717.911 (setecentos e dezessete mil novecentos e onze)
acidentes do trabalho. Entretanto, apenas 312.765 (trezentos e doze mil e setecentos e sessenta
e cinco) benefícios por acidentes foram concedidos pela via administrativa (BARRETO,
2015).
Como podemos perceber, esse quadro desalentador foi e ainda é o responsável pela
promoção de muitas lutas que repercutiram em conquistas na melhoraria de suas condições de
trabalho. Entre essas lutas estavam a diminuição das horas de trabalho/dia, a diminuição e
proibição da exploração do trabalho infantil, além da promoção de locais apropriados para o
desenvolvimento das atividades laborais e a obrigação do fornecimento de Equipamentos de
Proteção Individual (EPI) e Coletivo (EPC) para a realização de serviços em ambientes
insalubres e/ou perigosos. Esse reconhecimento é secundado pela compreensão de que o
ambiente de trabalho e, quando não a própria atividade laborativa, poderia deixar o
trabalhador mais vulnerável ao adoecimento e ao acidente que conduziria à doença, à
morbidade e à morte (DWYER, 2006).
Ainda hoje, apesar dos avanços da legislação e da fiscalização, temos situações em
que se prefere, diante das condições precárias e de risco, pagar adicionais de insalubridade,
32

periculosidade e explosividade pelo exercício daquelas atividades do que modificar as


atividades de riscos existentes. Isto está amparado no Decreto da Lei n° 5.452/43, da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos artigos Art.192 e 193. O primeiro refere-se aos
percentuais sobre os salários que o empregador deve pagar aos seus funcionários pelos
exercícios insalubres executados; o segundo refere-se ao pagamento de serviço em situações
perigosas.
Os empregadores, diante das condições de insalubridade e periculosidade, passaram a
oferecer o pagamento em dinheiro como forma de conseguirem o consentimento dos
trabalhadores para o exercício daquelas atividades. E isso passou a ser aceito por eles como
forma de gerar um suposto conforto a mais para suas famílias. Contudo, em caso de perda de
sua vida, ou de tornar-se portador de uma doença crônica, ou mesmo da aquisição de uma
deficiência física permanente, devido aos acidentes e adoecimentos contraídos nos postos de
trabalho, não havia nenhum outro comprometimento das empresas, pois essas atribuíam essas
ocorrências a uma mera fatalidade e, para o trabalhador e sua família restava, apenas, recorrer
à previdência pública.
Essa situação de pagamento da periculosidade fica evidente no relato produzido por
Tom Dwyer (2006), sobre um acidente de trabalho em uma mina subterrânea, próximo a
cidade de Workington, no Reino Unido, em que já havia sido verificada a prática de trabalhos
perigosos com a anuência dos próprios trabalhadores. No relato, o autor afirma que um
supervisor de uma mina já havia sido alertado quanto ao perigo do mar invadir o local de
trabalho, pondo em risco consciente a vida de todos. Para quebrar a resistência dos operários,
foi instituído um incentivo financeiro.
De fato, a invasão pelo mar ocorreu e isso causou um acidente de grandes proporções,
envolvendo a morte de quase 40 trabalhadores. Tem-se claro que nesse episódio, tanto os
trabalhadores quanto os supervisores eram conhecedores do perigo da invasão do mar;
referente a esse fato o autor afirma que “o acidente foi injusto, uma vez que resultou de ações
dos superiores, que ofereceram incentivos para os trabalhadores atuarem em uma situação em
que seu senso de verdade lhes mostrava ser perigosa” (DWYER, 2006, p.35).
A recorrência de fatos como esse, em que há uma subordinação às condições de
trabalho degradantes e perigosas, fez com que o legislador previsse que quando o trabalhador
manifesta consciência do perigo de uma ação a ser desenvolvida, ele tem o direito de recusar a
sua execução. Porém, o que se sabe é que essa previsão da lei é sistematicamente ignorada,
pois, muitas vezes, a recusa à execução de uma tarefa dada pode significar a demissão do
33

cargo ocupado. Percebe-se, então, que parte da luta dos trabalhadores sempre foi conseguir
impor aos empregadores que a melhor maneira de evitar os acidentes de trabalho é o
investimento na prevenção, ou seja, na eliminação das condições que geram o risco de
acidentes, criando, assim, as condições para o exercício de uma força de trabalho segura.
A manutenção adequada do trabalho tem sido importante para que os empregadores
não percam o controle sobre a força de trabalho necessária, tendo em vista a exigência dos
trabalhadores por um “trabalho com segurança”, e quando essa exigência é cumprida, existe
uma maior satisfação entre os empregados, pois estes são conhecedores de que quanto maior
for a segurança no trabalho, maior será a possibilidade de retornar ao lar sem qualquer tipo de
enfermidade ou acidente. Soma-se a esse fato o reconhecimento de que a morbidade
decorrente das doenças ou acidentes laborais estava tornando-se a maior causa de absenteísmo
dentro das indústrias, isso significava para o patrão uma diminuição de mão-de-obra, o que
resultaria em uma menor produção (DWYER, 2006). Contudo, todas as mudanças
promovidas em lei, que reconheciam as responsabilidades das empresas sobre os acidentes e
as doenças laborais, não reconheciam ainda suas repercussões para além do espaço da
empresa, ou seja, o quanto esse adoecimento e morte repercutiam no convívio familiar.
Segundo Tom Dwyer, assim como a omissão citada anteriormente, estavam acontecendo
vários acidentes de trabalho que faziam com que houvesse “o crescimento do número de
viúvas, de filhos órfãos e de trabalhadores inválidos desamparados” (2006, p.45). Como
consequência surgiram, as críticas severas dentro das próprias elites, tornando socialmente
inaceitáveis os acidentes de trabalho.
Com isso, as chamadas indenizações começaram a fazer parte do cálculo de risco das
empresas, e essas deveriam ser pagas quando ocorressem casos de acidentes com mortes ou
invalidez permanente e isto significava custo adicional para o empregador. No caso da
mortalidade por acidentes, as indenizações seriam pagas às viúvas ou sua prole. Ainda hoje,
nos casos daqueles trabalhadores vítimas de acidentes ou de doenças laborais que sobrevivem,
constantemente acabam perdendo o emprego, pois a lei 8.213/91 no art. 118 prevê a garantia
de emprego por apenas 1 (um) ano após o acidente ou o afastamento motivado por algum
evento relacionado ao ambiente de trabalho, ou seja, essas situações sociais precisam de
intervenções.
Ao longo dos anos, na busca por seus direitos, os trabalhadores conseguiram que a
instituição do direito do trabalhador impusesse um novo equilíbrio de poder dentro dos locais
de trabalho que, apesar de não conseguir acabar com o autoritarismo dos patrões, levou
34

Dwyer a afirmar que “houve uma mudança no equilíbrio de poder nos locais de trabalho,
particularmente refletido em uma sindicalização crescente, que deu contribuições importantes
para a redução, mas não para a eliminação do autoritarismo [dos patrões]”, (2006, p.49), e sua
pior consequência, a imposição da prática de trabalhos perigosos ou potencialmente perigosos
que vitimavam e, ainda, vitimam inúmeros trabalhadores. O que se tem é, então, que inúmeros
avanços na prevenção do adoecimento e da morte dos trabalhadores aconteceram em
decorrência das lutas dos trabalhadores pelo direito a um ambiente de trabalho seguro e
ergonomicamente adaptado. Quando isso não era possível por razões técnicas, a luta se deu
pelo fornecimento de EPI‟s ergonômicos e sem custos para o empregado (DWYER, 2006).
Neste momento, o Estado se vê obrigado a intervir em favor dos trabalhadores,
criando leis para o controle dos acidentes de trabalho como as NR‟s – hoje, no Brasil, já
existem 35 NR‟s. Assim, vê-se que, com as lutas dos trabalhadores por seus direitos, o Poder
Público começa a perceber a necessidade de intervir, até mesmo porque o Estado passa a ter
gastos com as internações hospitalares, tratamento de acidentes e doenças laborais evitáveis,
além, claro, dos gastos com a previdência social, por isso, passa a exigir das empresas uma
maior organização nos locais de trabalho em que se faz necessário qualificar os trabalhadores
com cursos teóricos e práticos, exigir experiência, educação continuada e idade mínima para
realização de determinadas atividades (DWYER, 2006). Ou seja, o trabalhador já havia
buscado seus direitos quanto às questões de idade e carga horária trabalhada, que podem
influenciar nos casos de acidente, mas o Estado também precisa intervir junto com os
trabalhadores a fim de que essas lutas tenham êxito para que se consiga alcançar a prevenção
da saúde do trabalhador.
Já o pescador artesanal não possui quem o fiscalize e exija os cuidados devidos para a
prevenção de acidentes e doenças, o que faz com que fiquem expostos aos riscos de acidente
de trabalho. E isso se dá principalmente pela forma como a profissionalização acontece na
vida dos pescadores artesanais.

4.1.5 A Profissionalização do Pescador Artesanal

O pescador artesanal preserva a cultura no seu modo de viver e de trabalhar. Sua


iniciação no trabalho da pesca, muitas vezes, dá-se em forma de brincadeiras. No período da
infância, para muitos esta será uma realidade, tanto para os meninos quanto para as meninas.
Essas brincadeiras começam a dar lugar às pequenas obrigações, que serão atividades leves,
35

como catar caranguejo, andar no barco, ajudar a amarrar uma corda, limpar uma rede,
aprender a remar, aprender como funciona o barco, quais são os métodos de pesca, como
fazer uma melhor pesca de linha (melhor anzol, melhor isca), fazer o recolhimento das redes,
a se adaptar ao balanço do mar evitando as náuseas (CARDOSO, 2001).
Ao realizarem esses primeiros trabalhos, como já estão dentro do barco, essas crianças
começam a se interessar por saber sobre a observação das condições do mar, o tempo (se vai
ficar estável, se vai mudar), as direções dos ventos, os hábitos dos seres que vivem no meio
aquático, de que determinados peixes se alimentam, como cortar e preparar cada tipo de
pescado, diferenciar o gosto de cada tipo. Na realidade passará a ter o conhecimento do saber-
fazer do pescador (CARDOSO, 2001).
Todas essas atividades serão ensinadas por meio dos conhecimentos práticos e
tradições dos seus pais, ou irmão mais velho, ou algum familiar pescador, ou por um vizinho,
e esse ensinamento é o que vai socializar essa criança com o mundo da pesca, fazendo parte
da cultura do pescador (CARDOSO, 2001). Entretanto, não se pode pensar que esse
aprendizado se dará apenas como brincadeira, pois existem as situações em que a pobreza é
tão grande que o trabalho da criança se torna essencial para a sobrevivência familiar,
principalmente quando há uma ausência precoce do responsável pela renda familiar esse caso
o filho mais velho passa a ter que ocupar a função de sustentar a casa, fazendo com que a
profissionalização aconteça mais cedo para essas crianças.
Esse processo de profissionalização, que ocorre no momento em que aquela criança
que brincava de ser pescador já não é mais criança, mas um jovem adulto que precisa entrar
no mercado de trabalho acontece associado à formação de uma cultura profissional. Assim
como todo trabalhador, o pescador artesanal, quando se profissionaliza, precisa regulamentar
sua profissão juntos aos órgãos competentes no Estado em que reside, o qual realizará a
emissão da Carteira de RGP, conforme as Instruções Normativas MPA 6/12, sem a
necessidade de estar vinculado a qualquer colônia ou associação.
A profissionalização do pescador artesanal pode ocorrer por dois motivos:
1) a princípio, é a forma de esse trabalhador se inserir no mercado de trabalho, visto
que é uma atividade que possui conhecimento prévio, pelo fato de ele ter aprendido
naturalmente durante a infância, os seus pais viveram da pesca e lhes deram condições de
sobrevivência. Então esse jovem pescador acredita que, por meio da pesca, será possível
realizar uma pequena poupança que lhe possibilitará ter uma casa, comprar um carro, comprar
uma pequena embarcação, casar e sustentar sua família;
36

2) trabalhar como pescador, muitas vezes, é a única possibilidade de emprego.


Cardoso (2001) afirma, por exemplo, que entre os “anos de 1996 e 1997 somente aqueles que
não possuíam outras fontes de rendimento lançavam-se na pesca”, pois, nesse período, os
pescadores artesanais sentiam dificuldades para manterem-se na pesca, já que, para o
pescador que não é o dono do barco há uma

exploração consentida da força de trabalho, uma vez que o tempo de trabalho


e o esforço empregado não traduzem uma remuneração fixa e sim variável,
de acordo com a produção do pescado e o preço descontado pelo
proprietário, os custos de amarração e os custos operacionais da embarcação
– ranchos, óleo e gelo(CARDOSO, 2001, p.53)

O pescador vai para o mar e não sabe o quanto vai ganhar, uma vez que o seu ganho será
atribuído à extração que foi possível realizar, depois se retiram as despesas da viagem e o
pagamento será dividido de forma que o mestre da embarcação e o dono do barco ficam com
a maior parte.
O mestre da pesca pode ser definido como “um misto de conhecimento adquirido na
vida da pesca, com uma postura de responsabilidade e empenho no trato da embarcação e da
tripulação” (CARDOSO, 2001, p.61). O Mestre da pesca, é o que todos os pescadores
desejam ser um dia, pois os mestres são aqueles que possuem o conhecimento prático da
pesca, é conhecedor do mar mais do que qualquer outro que está na embarcação, além, claro,
de ter uma quarta-parte maior da produção do barco.

4.1.5.1 A Formação do Pescador Artesanal Preservando sua Cultura e


Oferecendo Novos Conhecimentos

Como a formação do pescador é desenvolvida de forma prática e faz parte da cultura


das famílias dos pescadores, é necessário que possamos preservar essa forma de ensinar a
profissão em que o conhecimento é passado de pai para filhos, de irmão para irmão, de amigo
para amigo. Para melhorar esse cenário, precisam-se verificar as questões de ensino
profissional ligado à pesca a fim de que possa ser oferecido um conhecimento teórico e
prático para esses pescadores, como uma das formas de diminuir sua vulnerabilidade diante
das situações as quais são expostos. Junto a essa formação administrativa, seria necessário,
ainda, que se pudessem inserir as prevenções de doenças e acidentes de trabalho, da mesma
forma que o trabalhador operário aprendeu a conviver com a necessidade de se prevenirem
doenças e acidentes laborais.
37

Ao longo desse estudo comparativo entre as classes trabalhadoras de operários e


pescadores artesanais, o que se percebe é que o trabalhador operário perdeu sua cultura de
realizar um trabalho agrícola para ir para cidade em busca de progresso, direitos trabalhistas,
espaço no mercado de trabalho. Já o trabalhador pescador, continua mantendo suas raízes
culturais, sua forma de trabalhar, porém não possui direitos trabalhistas suficientes e as
políticas públicas nem sempre suprem as suas necessidades e a de sua família.
Mesmo não tendo seus direitos trabalhistas reconhecidos em lei, muitas vezes não
conseguindo se organizar enquanto classe trabalhadora, o pescado nacional é a quarta maior
fonte de proteína animal para consumo humano. De 1975 a 1994, a produção foi de 67,7 a
85,2% da produção de pescado do Brasil (DIAS NETO, 2010). Isso demonstra que o que é
produzido por essa força de trabalho e que, devido às características da fauna de nosso litoral
― caracterizada por uma grande diversidade de espécies em pequenos estoques. Por isso, a
manutenção e a preservação da capacidade de exploração desse recurso são, acima de tudo, a
segurança alimentar para nossa população, o que faz com que seja estimulada a continuidade
desse trabalho realizado pelos pescadores artesanais, dando a eles o reconhecimento de classe
trabalhadora, com seus direitos e deveres da mesma forma como foi dado aos trabalhadores
operários.
O pescador artesanal já tem o direito à assistência da saúde ao trabalhador. Para isso se
faz necessário a compreensão do processo saúde-doença que acontece no Brasil, e abrange
toda a população, em que daremos ênfase aos direitos dos trabalhador autônomo que é a
situação do pescador artesanal.

4.2 PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

Apesar dos vários estudos que já vêm ocorrendo, o processo de saúde-doença ainda é
difícil de ser entendido pelos indivíduos doentes, seus familiares, os amigos e a sociedade, por
causa das diversas formas como pode ser visto: mágico (quando a explicação se apóia na
magia ou no castigo de Deus); ingênuo (quando a doença e morte é aceita sem explicação,
como pronto e acabado sem ter tido possibilidade de evitar); crítico (quando se estabelece
relações de casualidade entre saúde e doença, relacionando-a com as condições materiais de
vida e de trabalho) (GESTÃO DE SAÚDE,1998). A divergência na forma de ver a doença faz
38

com que as pessoas, por muitas vezes, não consigam fazer a conexão do modo de vida com as
condições de trabalho.
Com a evolução dos estudos na área de saúde, passou-se a ter uma maior preocupação
com todos os estágios do adoecimento, mesmo antes que eles aconteçam, levando uma
crescente transformação do modo de viver, adoecer e morrer. Segundo Barata (2005), estudos
epidemiológicos tiveram início desde o século XIX quando a sociedade passa a ser estudada
cientificamente quanto aos dados de investigação e quantificação dos eventos vitais –
nascimentos e óbitos – os quais forneciam evidências de que a observação dos modos de viver
da população era útil para a compreensão dos processos de adoecimento. Em que a
observação das regularidades nas estatísticas sugere vínculos causais ou processos de
determinação subjacentes.
A epidemiologia encontrou, na quantificação, ferramentas fundamentais para a
produção de conhecimentos, e nos estudos empíricos a possibilidade de gerar leis universais a
partir da análise da diversidade dos indivíduos, no modo de viver, indicando quais são os
fatores responsáveis pelo adoecimento, e mostrando que, se acontecerem mudanças no modo
de vida – que podem ser causas do adoecimento –, podem ser elaboradas políticas públicas
baseadas nesses fatos, fazendo com que seja realizada a prevenção das doenças (BARATA,
2005).
O que fez com que houvesse na sociedade mudanças da composição etária, chamada
de transição demográfica, isso pode ser percebido nas pirâmides etárias, em que há um
afunilamento da base e um aumento do topo da pirâmide, ou seja, menos pessoas nascendo e
pessoas vivendo por mais tempo por se apresenta uma baixa taxa de fecundidade e a
população de pessoas idosas com mais de 65 anos que em 1960 era de 2,7% da população, em
2000 passou a ser 5,4% e a expectativa é que chegará à 19% em 2050, superando o número de
jovens. Isso significa que quanto maior o envelhecimento da população, maior será o aumento
das doenças crônico-degenerativas que atingem a população de maior idade (MENDES,
2010).
Isso reflete na forma de adoecer e morrer dos grupos humanos, que pode-se chamar de
transição epidemiológica, em que em 1930 as doenças infecciosas eram responsáveis por 46%
das mortes, em 2000 representava apenas 5% das causas de morte, o contrário do que ocorreu
com as doenças crônico-degenerativas, por exemplo, as doenças cardiovasculares que em
1930 representavam 12% das causas de morte em 2000 elas eram quase 30% de todos os
óbitos (MENDES, 2010).
39

As mudanças que estão ocorrendo na forma de adoecer e morrer se devem a vários


fatores, inclusive aos fatores socioeconômicos, que se estendem a todas as camadas da
sociedade, e ao longo dos dois últimos séculos foram se acumulando evidências de que
indivíduos pobres vivendo em ambientes degradados apresentam pior estado de saúde do que
indivíduos pobres vivendo em ambientes melhores, podendo chamar esses dados de
epidemiologia social. (BARATA, 2005).
Por isso, faz-se necessário o nexo das relações entre as condições de vida, os hábitos, a
cultura e o adoecimento. Segundo Barata (2005) “Villermé, em 1826, relacionou as taxas de
mortalidade geral nos bairros parisienses à proporção de rendas não taxadas da população,
tomada como indicadora do grau de riqueza ou pobreza desses bairros” (Barata, 2005, p. 9).
Mais tarde, em 1984, foi Engels, que chamou a “atenção para a alta mortalidade entre os
pobres, dadas as condições precárias de vida da classe operária na Inglaterra e, alertava para
as influências deletérias das privações sofridas na infância sobre a saúde na idade adulta”
(BARATA, 2005, p.9). Sendo assim fica evidente que o fator social influencia no processo de
saúde-doença da população.
Durante esta pesquisa um dos objetivos, foi fazer a relação das causas de morte dos
pescadores artesanais com a atividade da pesca e a sua cultura. Há por exemplo, a questão das
condições de saneamento básico nas embarcações que podem ser precários ou inexistentes. Os
acidentes de trabalho, que em sua maioria são tratados como uma casualidade e não como
algo que possa ser prevenível; além disso, existem os casos das doenças não-transmissíveis,
como câncer de pele, visto que o pescador artesanal sofre com a exposição constante à
radiação solar e, mesmo existindo a forma de prevenção, por muitas vezes não há a percepção
do pescador quanto a este fato. Não se pode deixar de relatar a omissão do poder público,
enquanto secretaria municipal de saúde, que não desenvolve políticas de prevenção e
tratamento para a comunidade de pesca, as quais possam estimular desencadear ações para
que os pescadores consigam fazer a conexão entre o adoecimento e a morte, com o modo de
vida que possuem e a sua relação com as atividades laborais.
Ao longo do tempo, percebeu-se que quanto mais se investe em políticas públicas de
saúde, maiores são os reflexos das mudanças, principalmente quando esses investimentos são
realizados nas ações de vigilância em saúde, que de acordo com as Diretrizes Nacionais da
Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (2010) tem por objetivo a observação e análise
permanentes da situação de saúde da população, de forma a desenvolver ações que sejam
capazes de controlar determinantes riscos e danos à saúde das populações que vivem em
40

determinados territórios, garantindo-se a integralidade da atenção, o que faz com que se tenha
tanto a abordagem individual como coletiva dos problemas de saúde. Sendo assim, permite
que haja uma maior percepção das causas de adoecimento e morte da população do território
observado.
Com isso, se houver uma maior atenção de atendimento primário à saúde, fazendo a
prevenção das doenças que são causas de morte, tanto de forma transmissíveis, como crônico-
degenerativas e mesmo das causas externas 10, ou seja, se de fato ocorrer vigilância em saúde e
forem implementadas as ações preventivas para todos os tipos de doenças, pode-se mudar o
conceito popular de que “só se procura um serviço de saúde quando está sentindo algo”,
passando-se a procurar o serviço de saúde de forma preventiva, fazendo com que as doenças
sejam diagnosticadas no início, tendo a possibilidade de realizar o tratamento curativo.
É necessário aplicar o princípio da integralidade, em que se pensa no indivíduo como
um todo, da prevenção, diagnóstico, tratamento, recuperação e reabilitação, de forma que as
pessoas adoeçam menos (Ministério da Saúde, 2010). Entretanto, se adoecerem, que tenham
um diagnóstico, tratamento, recuperação e reabilitação necessários.

4.2.1 O Adoecimento no Trabalho

A falta de conexão do modo de vida com adoecimento acontece porque, de uma forma
geral, existem divergências quanto à percepção de estar doente:
1°) pela pessoa doente – o que a pessoa que está doente pensa sobre a doença? Será
que ela se considera doente?;
2°) pela família – a família acha que realmente aquela pessoa está doente? A família
percebeu que a pessoa está doente, mas ele não se vê doente?;
3°) pelo profissional de saúde – o profissional que visita a casa daquela pessoa ou é
visitado em seu consultório percebeu que ela está doente, mas a pessoa não se sente doente
(GESTÃO DE SAÚDE,1998).

10
A doença pode ser dividida em 3 tipos de causas (GESTÃO DE SAÚDE, 1998) – transmissíveis (infecciosas,
ex.: malária, febre amarela, tuberculose), não transmissíveis (crônico-degenerativas, ex.: câncer, hipertensão
arterial, diabetes mielitus) e por causas externas ( acidentes e violência, ex. perfuração por arma branca,
perfuração por arma de fogo, colisão de veículos)
41

Mesmo quando os profissionais médicos chegam a um diagnostico, pode existir


divergência em relação à origem da doença, por exemplo, um médico ambulatorial pode
indicar que ela é originária das atividades laborativas do indivíduo, já o médico perito do
INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) pode atribuí-la não ao trabalho, mas
considerá-la como um adoecimento comum. Isso, por vezes, faz com que ocorra uma
subnotificação das doenças laborais e o não estabelecimento de nexo causal entre o trabalho e
a doença, fazendo com que a enfermidade não seja reconhecida como uma doença laboral da
atividade exercida pelo trabalhador da pesca.
A realidade do dia a dia é que uma pessoa doente pode se orientar por diversas
dimensões, a saber:
a) o sofrimento: não só a dor, mas também as limitações como a perda do poder físico;
b) o estar e o poder estar doente: tal dimensão corresponde ao entregar-se à doença e
declarar-se doente (no caso dos pescadores, eles rejeitam essa possibilidade, principalmente
quando não conseguem o “benefício” do INSS visto que há a necessidade da continuidade do
trabalho);
c) a adversidade: a doença evidencia aquela possibilidade de ser concebida como
anormal, desvio, inferioridade, tudo aquilo que não coincidir com o protótipo da normalidade.
Lembrando que a normalidade depende do fator cultura, o que faz com seus padrões sejam
variáveis ― essas doenças explicam o fenômeno de morte física antecipada pela morte social,
como decorrente da exclusão e marginalização dos pacientes. Como exemplo, temos as
doenças transmissíveis como tuberculose, Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida (AIDS),
e mesmo doenças não-transmissíveis como os transtornos mentais, que discriminam, isolam
as pessoas na sociedade. Como se vê, o perigo são as doenças que trazem consigo a idéia do
contágio, da condenação;
d) e o sinal da doença: muitas vezes, serve para evidenciar o surgimento de um
desequilíbrio expresso nas dificuldades de vida de uma pessoa ou de um grupo social e
produz, também, o seu afastamento, por exemplo, a epilepsia e doença mental (GESTÃO DE
SAÚDE,1998).
Assim, infelizmente, é preciso reconhecer que a morte social muitas vezes é mais
árdua do que a morte física.
42

4.2.2 As Políticas Públicas de Saúde no Brasil

No estudo do processo saúde-doença, é necessário conhecer as políticas públicas de


saúde no Brasil e no Mundo. Para isso faz-se necessário conhecer os princípios das políticas
públicas da Organização Mundial da Saúde e do governo brasileiro, a saber:
1) a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO, 1946), tem como
princípio que a “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social”;
2) a Constituição Brasileira de 1988, no art.196, diz que “a Saúde é um direito de
todos e um dever do Estado, garantido mediante as políticas sociais e econômicas que visem à
redução dos riscos de doenças e de outros agravos e o acesso é universal e igualitário às
ações e os serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Entretanto, ao conviver diariamente com a população que está precisando de
atendimento à saúde, percebe-se que há muitas dificuldades para o acesso à saúde pública
brasileira. Esta não consegue atender à necessidade da população, tanto no que se refere aos
cuidados das patologias, quanto aos cuidados preventivos. São extensas filas de espera para
atendimento, falta de leito nos hospitais, cirurgias eletivas que demoram anos para
acontecerem – isso devido à escassez de recursos financeiros, humanos e materiais – seja
porque o SUS paga pouco e/ou porque o repasse dos planos de saúde demora a acontecer
(POLIGNANO, 2001). Isso não é diferente em meio à população de pescadores artesanais, a
qual muitas vezes não conhece os seus direitos, assim como não conhece a prevenção das
doenças e dos acidentes relacionados ao trabalho.
Como diz Marcos Polignano (2001, p.1):

Para que possamos analisar a realidade hoje existente é necessário conhecer


os determinantes históricos envolvidos neste processo. Assim como nós
somos frutos do nosso passado e da nossa história, o setor saúde também
sofreu as influências de todo o contexto político-social pelo qual o Brasil
passou ao longo do tempo.

Lembrando que as políticas de saúde estão diretamente relacionadas às políticas


sociais e econômicas do Brasil e que nunca ocuparam o lugar central das preocupações do
Governo, pois apenas quando endemias 11 ou epidemias12 podem causar algum dano na

11
Endemias: Doenças infecciosas que ocorrem habitualmente e com incidência significativa em dada população
e/ou região (DICIONÁRIO TERMOS TÉCNICOS DE SAÚDE).
12
Epidemias: Manifestação coletiva de uma doença que afeta simultaneamente um grande número de pessoas,
em região mais ou menos extensa e que extingue depois de um dado período de tempo.
43

economia ou no meio social é que passam a ser alvo de uma maior atenção por parte do
governo. Outra constante de diversos governos, na saúde pública brasileira, é a dificuldade de
identificar e diferenciar os cuidados preventivos dos cuidados curativos, em que cada um tem
a sua devida importância (POLIGNANO, 2001).
Quando falam dos cuidados com a saúde, da previdência social, não estão falando de
favores que os políticos concedem à população, mas sim de direitos sociais que não são
concedidos facilmente, mas são resultados das lutas, das organizações e das reivindicações
constates dos trabalhadores brasileiros. Pelo fato de não haver uma definição concreta, a
política de saúde acaba por permear e se confundir com a história da Previdência Social no
Brasil em alguns períodos (POLIGNANO, 2001).
Então, para compreender as políticas públicas de saúde no Brasil, dos dias atuais,
voltaremos ao início do século XX, quando:

em meados de 1900, o governo começou a se preocupar com as condições de


vida e de saúde principalmente das populações que moravam nas capitais
dos Estados. Naquela época, a principal fonte de renda da economia
brasileira era a agricultura de exportação. As cidades onde se localizavam os
portos tinham um papel de destaque, uma vez que a exportação era realizada
por meio de navios. É neste quadro que o governo começa a atuar na saúde
pública, preocupado com trabalhadores das capitais, das cidades portuárias e
com aqueles que trabalhavam nos portos (CUNHA, MELO, TONINI, p.47,
2005).

Mesmo porque, devido à epidemia de várias doenças como a malária, a febre-amarela, a


varíola, a peste, muitos navios do exterior não queriam atracar nos portos brasileiros em
função da situação sanitária das cidades (POLIGNANO, 2001).
Nesse período, Oswaldo Cruz foi nomeado Diretor Federal de Saúde Pública, com o
principal objetivo de erradicar a epidemia de febre-amarela na cidade do Rio de Janeiro,
capital do Brasil. Para isso, 1.500 pessoas foram para as ruas com o intuito de realizar
atividade de desinfecção e erradicar o mosquito, vetor da febre-amarela. Devido à falta de
esclarecimento, a população ficou revoltada com os “agentes de endemias” que, por muitas
vezes, entravam nas residências queimavam colchões e roupas dos doentes (POLIGNANO,
2001).
Isto ocorria porque os problemas de saúde estavam relacionados ao meio em que esses
trabalhadores viviam, compreendendo desde sua habitação aos hábitos de higiene e condições
de trabalho (sem direitos trabalhistas reconhecidos, como exemplo: longas jornadas de
trabalho, sem férias). Além disso, a alimentação inadequada e o saneamento básico precário,
44

tanto nos domicílios quanto nos locais de trabalho, somados, tinham como resultado uma
população doente e mal desenvolvida (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
Para melhorar essa situação, Oswaldo Cruz tomou algumas outras medidas como a
implementação da Lei Federal n° 1.261, de 31 de outubro de 1904, que instituiu a vacina anti-
varíola, que passa a ser obrigatória em todo o território nacional, e isso levou a uma
insatisfação que ficou conhecida na história como a Revolta da Vacina. Mesmo com toda
insatisfação da população, com todas as arbitrariedades e abusos cometidos pelos “agentes de
endemias”, o modelo campanhista implementado por Oswaldo Cruz foi vitorioso no controle
de doenças endêmicas, conseguindo erradicar a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro, o
que fortaleceu o modelo proposto e acabou sendo uma proposta de saúde coletiva durante
décadas (POLIGNANO, 2001).
Enquanto esteve no cargo de Diretor de Saúde, Oswaldo Cruz organizou a diretoria
geral de saúde pública e realizou algumas reformas que, segundo Marcos Polignano (2001,
p.5),

incorporou elementos das ações de: registro demográfico, possibilitando


conhecer a composição e os fatos vitais de importância da população; a
introdução do laboratório como auxiliar do diagnóstico etiológico; a
fabricação organizada de produtos profiláticos para uso em massa.

Essas ações foram de extrema importância para a saúde pública no Brasil e no Mundo,
visto que são medidas utilizadas até os dias atuais.
Carlos Chagas sucedeu Oswaldo Cruz e, em 1920, acontece uma reestruturação do
departamento Nacional de Saúde, com a qual foram introduzidas propagandas de educação
sanitária, que foi uma inovação ao modelo de Oswaldo Cruz, fiscalizador e policial. Nesse
período, foram criados órgãos com intuito de combater a tuberculose, lepra (hoje conhecida
com hanseníase), e as doenças venéreas (as atuais Doenças Sexualmente Transmissíveis –
DST). As atividades de saneamento básico foram expandidas para outros Estados, além do
Rio de Janeiro, e foi criada a Escola de Enfermagem Anna Nery (POLIGNANO, 2001).
O controle de epidemias que estava acontecendo nas cidades se expandiu para o meio
rural, com o combate de endemias rurais, uma vez que a agricultura era a principal atividade
econômica do país. Esse modelo foi utilizado no combate a diversas endemias (Chagas,
Esquitosomose, e outras), mais tarde passa a incorporar a Fundação Nacional de Saúde
(POLIGNANO, 2001).
Após assumir o Governo em 1930, Getúlio Vargas aumenta o processo de
industrialização e urbanização no Brasil, levando ao surgimento de fábricas, o que acelerou o
45

êxodo rural, fazendo com que houvesse um rápido e, por isso, desordenado crescimento das
cidades, tendo como consequências as questões sanitárias que começaram a ser uma
preocupação do governo (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
No Brasil, nesse período, os operários ainda não tinham seus direitos trabalhistas
reconhecidos, quais sejam: férias, jornada de trabalho definida, pensão ou aposentadoria.
Como os trabalhadores que vinham para as indústrias, em sua maioria eram os imigrantes –
principalmente os italianos – que já conheciam o movimento antes acontecido na Europa, por
direitos trabalhistas, e que esses já haviam sido conquistados pelos trabalhadores europeus,
procuraram organizar a classe trabalhadora brasileira na luta pelos seus direitos
(POLIGNANO, 2001).
Devido às condições de trabalho desfavoráveis e à falta de direitos trabalhistas, os
operários se organizaram e deflagaram duas greves gerais no Brasil, uma em 1917 e outra em
1919. Foi a partir desses movimentos sociais que surgiram os primeiros direitos sociais. No
dia 24 de janeiro de 1923, foi aprovado pelo Congresso Nacional a Lei Eloi Chaves, pela qual
foi instituída as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP‟s). Esta lei, que deu início a
Previdência Social no Brasil, beneficiava apenas operários urbanos, os trabalhadores rurais
ficaram excluídos da Previdência até a década de 1960. As Caixas eram organizadas pelas
empresas e não pelas classes de trabalhadores e, para existirem, dependiam da mobilização
dos trabalhadores dentro das empresas para que fossem criadas, elas não eram criadas
automaticamente (POLIGNANO, 2001).
As Caixas eram responsáveis pelas aposentadorias e pensões, entretanto os fundos
proviam outros serviços, como: funerário; médico (tanto para o funcionário quanto para
familiares que habitassem sob o mesmo teto e tivesse dependência econômica do
funcionário); medicamentos com preços especiais determinados pelo Conselho de
Administração. O acidente de trabalho já era contemplado pela Caixa que, no artigo 27,
obriga a CAPs a arcar com a assistência aos acidentes no trabalho (POLIGNANO, 2001).
Em 1930, a CAP já havia se expandido de tal forma que havia 47 caixas, com 124.464
segurados ativos, 8.006 aposentados, e 7.013 pensionistas (POLIGNANO, 2001).
As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas pela nova forma de atendimento à saúde,
pois só tinha esse direito os trabalhadores formais, ou seja, os de carteira de trabalho assinada
e que contribuíam para a Previdência Social. Isso porque houve aliança entre o governo e
movimentos sindicais, o que deu origem a políticas sociais como a criação do Instituto de
Aposentadorias e Pensões (IAP), que era a base de assistência médica e previdenciária, o qual
46

substituiu a CAPs. Diferente do modelo anterior, a organização não mais se dava por meio
das empresas, mas sim por classe de trabalhadores que mais se destacavam como usuários do
IAP – eram os trabalhadores da indústria , do comércio, os bancários, os ferroviários, os
estivadores, os marítimos e os funcionários públicos (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
Sendo assim, o Estado não era responsável pela saúde de toda a população, sendo atendidas
apenas as pessoas que contribuíssem para que obtivessem atendimento quando necessário.
Dessa forma, trabalhadores rurais, pescadores artesanais e demais trabalhadores que
não tivessem suas profissões regulamentadas eram excluídos dos direitos de cidadania, e isso
podemos incluir o não direito a reivindicar empregos, salários, renda e benefícios sociais. “Os
indigentes e pobres recebiam atendimento nas Santas Casas e Beneficiências, que eram
instituições de Caridade” (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
Como o direito à saúde estava reservado para as pessoas que tinham dinheiro para
comprá-la, percebe-se que acontece uma valorização da saúde médica individualizada,
curativa e especializada. Isso traz consequências até os dias atuais, em que as pessoas não
conseguem ver a necessidade de uma saúde pública coletiva, preventiva (CUNHA, MELO,
TONINI, 2005). Essa estrutura privilegiada, que é apresentada pelo IAP, não se sustentava,
pois havia uma necessidade de extensão dos direitos sociais o que levou à promulgação da Lei
n° 3.807, denominada Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), em 1960, que, para ser
aprovada, aconteceu intenso debate político a nível legislativo em que os representantes das
classes dos trabalhadores se recusavam realizar a unificação, pois isto representaria a perda de
muitos direitos conquistados. Mas a Lei foi promulgada e com isso passa a se ter uma
unificação do regime geral da Previdência Social, destinado a todos os trabalhadores do
regime CLT, com exceção dos trabalhadores rurais, empregados domésticos e servidores
públicos e os que tivessem regime próprio de previdência (POLIGNANO, 2001). Ou seja, os
direitos sociais estavam sendo ampliados para todos os empregados assalariados.
Os trabalhadores rurais só foram incorporados ao sistema em 02 de março de 1963 por
meio da Lei 4.214 que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL).
Mas só se tornaram beneficiários em 1971 com a criação do PRORURAL, que era financiado
pelo FUNRURAL. Os empregados domésticos e os autônomos só se tornaram beneficiários
em 1972 (Polignano, 2001). Só não eram beneficiários previdenciários – com direito a
aposentadoria, pensão e assistência médica – neste momento, os trabalhadores do mercado
informal, ou seja, quase toda a população, tanto urbana quanto a rural passou a ter direito à
assistência médico-hospitalar (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
47

Mas, esse processo de unificação de 1960, só começa a acontecer em 02 de janeiro de


1967, quando foi implantado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em que
foram reunidos os seis Institutos de Aposentadorias e Pensões, o Serviço de Assistência
Médica e Domiciliar de Urgência (SAMUD) e a Superintendência dos Serviços de
Reabilitação da Previdência Social. Essa medida de unificação fazia com que o número de
contribuintes aumentasse, porém, também aumentaria o número de beneficiários, que se
estendia a todos os contribuintes da previdência, mas para o serviço médico previdenciário era
impossível atender a toda demanda existente (POLIGNANO, 2001).
Por isso a Previdência Social passa a construir hospitais próprios, principalmente, na
cidade do Rio de Janeiro, e a comprar serviços de muitos hospitais privados, para conseguir
atender à demanda existente (CUNHA, MELO, TONINI, 2005). Isso fez com que a
previdência gastasse mais para se ter um tratamento individualizado com exames sofisticados
para realizar diagnóstico e tratamento – medicamento – das doença. Assim, crescia uma
medicina assistencialista voltada para os cuidados curativos, permitindo o surgimento de um
complexo médico-industrial com maior utilização de medicamentos e utilização de
equipamentos sofisticados para realização dos exames (POLIGNANO, 2001). Dessa forma
o atendimento nos hospitais particulares e os convênios com empresas privadas, deixaram de
ser serviços públicos e passassem a ser uma assistência médica privada. Esse fato somado ao
pagamento das consultas médicas e à dificuldade de administração, permitiu que houvesse o
superfaturamento nos serviços privados, criando a possibilidade de levar a Previdência à
falência (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
Além disso, foi perceptível a mudança que aconteceu no modo de adoecer e morrer,
trazendo um desafio para as questões sanitárias, pois começaram a surgir outras formas de
adoecimento na população com as doenças crônico-degenerativas como diabetes, câncer,
hipertensão. Mas, algumas epidemias persistiam (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
Como pode-se perceber, o INPS, passou a ter uma complexidade tanto na parte
assistencialista, como na administrativa e na parte financeira, que o levou em 1978 a criar a
sua própria estrutura administrativa que foi o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS) (POLIGNANO, 2001).
Em 1974, foi desvinculado o sistema previdenciário do Ministério do Trabalho,
passando a existir o Ministério da Previdência e Assistência Social que, juntamente com o
novo Ministério, passa a ter o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS). Esse fundo
fez empréstimos com juros subsidiados para os hospitais privados, o que fez com que
48

houvesse um crescimento próximo a 500% dos leitos hospitalares privados no período de


1969 a 1984, dessa forma o número de leitos que era 74.543 (setenta e quatro mil quinhentos
e quarenta e três) em 1969, passou a ser 348.255 (trezentos e quarenta e oito mil duzentos e
cinqüenta e cinco) em 1984 (POLIGNANO, 2001).
Em 1975, começa a crise no modelo econômico implantado pela ditadura militar. Isso
acontece porque o capitalismo internacional também está em crise, o que faz com que haja
uma diminuição de capital estrangeiro para movimentar a economia nacional, fazendo com
que o Brasil diminua o ritmo de crescimento e, consequentemente, aumenta o desemprego,
juntamente com a marginalidade, favelas e mortalidade infantil (POLIGNANO, 2001).
A realidade é que o modelo de saúde previdenciário começa a apresentar as suas
dificuldades, pois, por ter priorizado uma saúde com cuidados apenas curativos, mostrou-se
incapaz de solucionar os problemas de saúde que precisam de cuidados coletivos, que são
voltados para: a prevenção de endemias, epidemias, e indicadores de saúde (como exemplo,
mortalidade infantil); uma medicina curativa de alto custo, voltada apenas para a medicina
hospitalar de alta complexidade; a diminuição na arrecadação do sistema previdenciário; uma
população carente que sem carteira assinada, não tinha mais o direito de ser atendida pelo
sistema previdenciário. Não bastasse tudo isso, o governo federal, além de não repassar
recurso do tesouro para o sistema previdenciário, ainda desviou verbas da previdência para
cobrir despesas de outros setores, como realização de obras (POLIGNANO, 2001).
Com isso, a década de 1980 tem seu início com a crise financeira da Previdência
social, que foi consequência do atendimento a uma grande parte da população sem criar fontes
de financiamento. Entretanto, essa década será marcada pela Reforma Sanitária, que foi um
movimento de professores, pesquisadores e intelectuais cujos estudos eram de críticas ao
sistema de saúde existente, devido às condições de saúde que eram oferecidas à população
brasileira, por isso eles ofereciam alternativa para que se aplicassem novas políticas de saúde,
as quais atenderiam à demanda da população (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
A Reforma Sanitária tinha por objetivo oferecer à população o direito universal à
saúde. Visava à criação de um sistema único de Saúde que fosse de responsabilidade do
Estado para realizar sua administração e que fosse um sistema descentralizado, que sua
estrutura fosse de acordo com a estrutura político-administrativa do país (CUNHA, MELO,
TONINI, 2005). Ou seja, os municípios que estão mais próximos da população fariam a
assistência, recebendo recursos dos Estados e da União, e sendo supervisionados pelos
mesmos.
49

Em 1983 foi criado o projeto Ações Integradas de Saúde (AIS), que é a integração dos
três ministérios – Previdência, Saúde e Educação – cujo objetivo era um modelo de
assistência para o setor público, em que se buscava a integração de ações educativas, curativas
e preventivas. Com isso, a previdência passa a pagar, não mais aos hospitais privados, mas
sim por serviços prestados por estados, municípios, hospitais filantrópicos, públicos e
universitários (POLIGNANO, 2001).
Em 1985 aconteceram as eleições democráticas em que Tancredo Neves foi eleito
presidente do Brasil. Era o fim do regime militar, e o surgimento de vários movimentos
sociais, inclusive na área de saúde, que deram origem às secretarias estaduais e secretarias
municipais de saúde. Além disso, em 1986, ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde,
em que foram discutidas as bases para reforma sanitária, já trazendo em seu texto saúde como
direito de todos e dever do Estado e criação do Sistema Único Descentralizado de Saúde
(SUDS) (Polignano, 2001).
O SUDS foi importante no processo político e determinante para que a Constituição de
1988 desse origem ao SUS, que passou a dar a todos os cidadãos o direito à saúde. Seus
princípios são de acesso universal, igualitário e equitário, podendo oferecer ao trabalhador
autônomo os mesmos direitos de assitência à saúde que é oferecido ao trabalhador
assalariado.

4.2.3 A Saúde do Trabalhador após a Constituição de 1988

A institucionalização do SUS, a partir do início dos anos 90, envolveu os três níveis de
poder: Ministério da Saúde (Governo Federal), Secretarias Estaduais de Saúde, e Secretarias
Municipais de Saúde, tendo cada um sua autonomia em sua esfera de atuação. Com esse
modelo organizacional, o sistema de saúde brasileiro deixou de ser centralizado. Com
supervisão e financiamento da União e do Estado, as Secretarias Municipais passam a prestar
serviços e atendimentos comprometidos com a promoção, proteção, recuperação da saúde,
conforme a necessidade da população (Ugá et.al., 2003). Além da descentralização das ações,
conforme a Constituição de 1988, passa a ter a participação social. Ou seja, esse sistema de
saúde tem por objetivo oferecer um atendimento à saúde de forma integral, descentralizado e
com controle social. Para isso foram desenvolvidas as leis que regulamentam o SUS, as quais
foram criadas em 1990, que são:
50

1) a Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, a qual dispõe sobre as condições para a


promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências; e
2) a Lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da
comunidade na Gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área de saúde e dá outras providências.
Como este estudo é sobre a saúde do trabalhador, destaca-se a Lei 8.080/90, no Art.6°,
Parágro terceiro a saúde do trabalahdor é definida como

um conjunto de atividades que se destina através das ações de vigilância


epidemiológica e vigilância sanitária, a promoção e proteção da saúde dos
trabalhadores, assim como visa à recuperação e à reabilitação da saúde dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos [advindos] das condições de
trabalho.

Para isso, se faz necessário priorizar os seguintes pontos nessa lei:


1) assistência aos trabalhadores que sofreram algum acidente ou adquiriram doença
laboral;
2) participação de estudos que realizem a avaliação para um maior controle dos
agravos potenciais à saúde existentes em todos os processos de trabalho;
3) normatização, para além de ter que fiscalizar, controlar as condições de produção,
extração, armazenamento, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e
equipamentos que apresentem riscos à saúde do trabalhador;
4) avaliação dos impactos que as tecnologias provocam à saúde;
5) informação ao trabalhador, assim como a sua entidade representativa (sindicato,
colônias) e às empresas, sobre os riscos de acidente de trabalho e as doenças profissionais e
do trabalho;
6) fiscalização, avaliação dos ambientes de trabalho, realizando exames de saúde na
admissão, durante o período em que estiver trabalhando, assim como na demissão,
respeitando a ética profissional;
7) participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do
trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
8) revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho,
tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais;
51

9) e a garantia ao sindicato ou à colônia dos trabalhadores de requerer ao órgão


competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo o ambiente de trabalho,
quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.
Apesar de ser citada várias vezes na Lei 8.080/90, somente em 1998 foi criada uma
portaria que normatiza a saúde do trabalhador no SUS, que foi a Portaria n°3.120, de 1° de
julho de 1998, a qual aprova a Instrução Normativa de Vigilância em Saúde do Trabalhador
no SUS, na forma de anexo a esta Portaria, com finalidade de definir procedimentos básicos
para as ações correspondentes à saúde do trabalhador.
Nessa portaria são oferecidos subsídios para o desenvolvimento de ações de vigilância
da saúde do trabalhador, respeitando as particularidades regionais, a cultura caracteristica da
população. Entretanto, como o Sistema é Único, ele deve manter linhas mestras de atuação,
principalmente para conseguir relacionar as informações e fazer um intercâmbio de
experiências. Com a normatização passa a existir a possibilidade para que as diferentes
esferas do governo observem as mudanças nos perfis de morbidade e mortalidade, resultantes
da relação trabalho-ambiente-consumo e saúde. Para isso se faz necessário um
comprometimento de vigilância e fiscalização.
A Vigilância em Saúde do Trabalhador, segundo a instrução normativa, precisa
identificar quais são os agravos que acontecem em todas as relações entre trabalho e saúde.
Essa identificação deve estar a cabo da vigilância epidemiológica, que deve, juntamente com
a determinação dos agravos, ser capaz de produzir uma avaliação da capacidade necessária
para uma imediata intervenção sobre os fatores determinantes da saúde e adoecimento
existente nos ambientes de trabalho.
Segundo a instrução normativa da saúde do trabalhador, de 1° de julho de 1998, o
conceito básico de vigilância em saúde do trabalhador é

compreender uma atuação contínua e sistemática, ao longo do tempo, no


sentido de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os fatores determinantes e
condicionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos e ambientes
de trabalho, em seus aspectos tecnológicos, social, organizacional e
epidemiológico, com a finalidade de planejar, executar e avaliar intervenções
sobre esses aspectos, de forma a eliminá-los ou controlá-los.

A Instrução Normativa pode ser considerada um instrumento de sensibilização e de


ampliação das áreas específicas de saúde do trabalhador. O SUS poderá intervir não só nas
instituições privadas e públicas, mas, principalmente, junto aos trabalhadores autônomos
como os trabalhadores rurais que se expõem aos agrotóxicos, tal como na realidade estudada
52

dos pescadores que se expõem à radiação solar e a outros fatores de risco da atividade laboral
exercida.
A Vigilância em Saúde do Trabalhador é realizada com seus princípios baseados nos
princípios do SUS, os quais são (Portaria n°3.120, de 1° de julho de 1998):
1) Universalidade: todos os trabalhadores são objetos e sujeitos da Vigilância em
Saúde do Trabalhador. Isso independe de qual é sua condição de trabalho (rural X urbano;
autônomo X empregado; público X privado...);
2) Integralidade das ações: atenção à saúde do trabalhador desde à assistência até a
recuperação do trabalhador, lembrando muito que os agravos à saúde do trabalhador são
preveníveis;
3) Pluriinstitucionalidade: prevê a articulação entre as universidades e centros de
pesquisa e as instituições públicas com responsabilidade na área de saúde do trabalhador,
consumo e ambiente, assim como a vigilância de saúde do trabalhador e os centros de
assistência de reabilitação;
4) controle social: considera os trabalhadores, suas formas de se organizarem, seja por
sindicatos, ou seja, como neste estudo, por colônias, e sua participação em todas as etapas de
Vigilância em Saúde do Trabalhador;
5) Interdisciplinaridade: que seria a abordagem de diferentes profissionais, de diversas
áreas, com conhecimento técnico distinto, para atuarem na vigilância em Saúde do
Trabalhador, e principalmente, o saber do trabalhador para o desenvolvimento de ações;
6) Pesquisa-intervenção: a pesquisa se faz necessária para verificar quais são os fatores
que afetam a saúde do trabalhador e posteriormente fazer a intervenção desses fatores;
7) O caráter transformador: a intervenção sobre os fatores determinantes e
condicionantes dos problemas de saúde relacionadas aos processos e ambientes de trabalho
com entendimento de que a vigilância em saúde do trabalhador, sob a lógica do controle
social e da transparências das ações, pode ter na intervenção um caráter proponente de
mudanças dos processos de trabalho, a partir das análises tecnológica, ergonômica,
organizacional e ambiental efetuadas pelo coletivo de instituições, sindicatos, trabalhadores e
empresas, inclusive, superando a própria legislação.
Após a publicação das Normativas de Saúde do Trabalhador, foram publicadas novas
portarias que têm por objetivo aprimorar e complementar as normativas que seriam:
A) Portaria 3.908, de 30 de outubro de 1998, que estabelece procedimentos para
orientar e instrumentalizar as ações e serviços de saúde do Trabalhador no SUS;
53

B) Portaria 1.339, de 18 de novembro de 1999, que institui a lista de doenças


relacionadas ao Trabalho, a ser adotada como referência dos agravos originados no processo
de trabalho no SUS, para uso clínico e epidemiológico. Essa lista poderá ser revisada
anualmente;
C) Portaria n° 1679, de 19 de setembro de 2002, a qual dispõe sobre a estruturação da
rede nacional de atenção integral à saúde do trabalhador no SUS;
D) Portaria n°777, de 28 de abril de 2004, que dispõe sobre os procedimentos técnicos
para a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador em rede de serviço sentinela
específica, no SUS;
E) Portaria 1.125, de 6 de julho de 2005, que dispõe sobre os propósitos de saúde do
trabalhador para o SUS;
F) Portaria n° 2.437, de 7 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a ampliação e o
fortalecimento da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador – REANAST
no SUS.
Em 30 de março de 2006, foi aprovada a Portaria n° 687, que prevê a Política de
Promoção da Saúde, considerando a necessidade de diretrizes e ações para a Promoção da
Saúde em consonância com os princípios do SUS. Essa política de promoção à saúde se faz
necessária pelas várias mudanças ocorridas na sociedade brasileira após a implementação do
SUS, em que houve uma transformação da saúde e dos problemas sanitários. Por isso, é
preciso cuidar da vida de forma que se possa reduzir a vulnerabilidade ao adoecer e as
possibilidades de que seja produzida incapacidade, sofrimento crônico e de morte prematura
de indivíduos e população.
Na perspectiva ampliada de saúde como a que é definida no âmbito da Reforma
Sanitária Brasileira, do SUS e das Cartas da Promoção da Saúde, a forma como os sujeitos e
as coletividades elegem o seu modo de vida, organizam suas escolhas e criam novas
possibilidades para satisfazer suas necessidades, desejos e interesses podem pertencer tanto ao
individual, quanto ao coletivo, isso significa que quando as pessoas fazem opções de vida,
como, por exemplo, fazer uso do tabaco, bebida alcoólica, comida com muita gordura, isso é
um modo de vida, que quando estendido para várias pessoas pode prejudicar a saúde de todos
que praticam esse mesmo modo de vida.
Isso faz com que as intervenções de saúde ampliem-se, tomando como objeto os
problemas, as necessidades de saúde e seus determinantes e condicionantes. Além disso, o
modo de organização da atenção e cuidado que envolva ao mesmo tempo as ações e serviços
54

que operem sobre os efeitos do adoecer e aqueles que visem o espaço para além dos muros
das unidades de saúde – pois nem sempre as pessoas irão procurar o sistema de saúde,
principalmente se forem trabalhadores autônomos – exigem que os profissionais de saúde
tenham iniciativas de desenvolver atividades preventivas que incidam sobre as condições de
vida, favorecendo a ampliação de escolhas saudáveis por parte dos sujeitos e coletividades no
território onde vivem e trabalham (BRASIL, 2010).
A saúde exige a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos em sua produção
(usuários, movimentos sociais, trabalhadores da saúde, gestores do setor sanitário e de outros
setores), na formulação de ações que visem à melhoria da qualidade de vida. A promoção à
saúde é uma estratégia de articulação transversal a qual confere visibilidade aos fatores que
colocam a saúde da população em risco e às diferenças entre necessidades, territórios e
culturas presentes no nosso país, visando à criação de mecanismo que reduza as situações de
vulnerabilidade e defenda radicalmente a equidade e a incorporação da participação e do
controle social na gestão das políticas públicas.
Com o intuito de alcançar os princípios do SUS, diminuir a vulnerabilidade e melhorar
o controle social, as complementações e as alterações da constituição continuaram
acontecendo. Por isso, em 22 de dezembro de 2009, quando foi aprovada a Portaria n° 3.252,
surgiram, finalmente, as diretrizes para a execução e financiamento das ações de Vigilância
em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, entre outras providências.
Nessa portaria são feitas diversas considerações e é enfatizada a necessidade de que “o
processo em curso de integração das vigilâncias (sanitárias, epidemiológicas e saúde do
trabalhador) nas três esferas de governo” torna-se uma realidade, pois é fundamental para que
se alcance o reconhecimento dos fatores de risco para as doenças laborais e que elas possam
ser notificadas e reconhecidas como decorrentes dos fatores existentes no ambiente de
trabalho e sua posterior e efetiva prevenção.
Para uma melhor compreensão, a Portaria n° 3.252/09 trará um anexo em que são
desenvolvidos alguns temas, como os princípios gerais de Vigilância em Saúde, cujo objetivo
é realizar uma análise permanente da situação da saúde da população, articulando-se com
ações que visem controlar determinantes de riscos e danos à saúde da população que vive em
determinado território, garantindo integralidade de atenção, o que inclui abordagem individual
ou coletiva dos problemas de saúde.
55

O Art. 2° dessa portaria, estabelece que a vigilância em saúde constitui-se das ações de
promoção da saúde da população, vigilância, proteção, prevenção e controle das doenças e
agravos à saúde, abrangendo:
1) Vigilância epidemiológica;
2) Promoção da saúde;
3) Vigilância da situação de saúde;
4) Vigilância em saúde ambiental;
5) Vigilância Sanitária;
6) Vigilância em saúde do trabalhador: nesta tem-se por objetivo a promoção da saúde
e a redução da morbimortalidade da população trabalhadora, por meio da integração de ações
que intervenham nos agravos e seus determinantes decorrentes dos modelos de
desenvolvimento e processo produtivo.
No Art.4°, parágrafo 2°, está escrito que a “integralidade é compreendida como
garantia de acesso a todos os serviços indispensáveis para as necessidades de saúde,
adequando competência dos profissionais ao quadro epidemiológico, histórico e social da
comunidade e do usuário”. Muitas vezes, para conseguir esse objetivo se faz necessário
realizar educação permanente com os profissionais de saúde, com abordagem integrada nos
eixos da clínica, vigilância, promoção e gestão.
Então, nos municípios em que há a pesca, as secretarias municipais de saúde, junto
com órgãos não governamentais, como as colônias, deverão desenvolver atividades que
abarquem essa população, de forma a realizar o atendimento clínico, as ações de vigilância
epidemiológica e sanitária e promoção de eventos com orientações para a prevenção dos casos
mais típicos de adoecimento e morte. Essas ações dependem tanto da gestão da secretaria
municipal de saúde quanto da presidência das colônias para que possa acontecer de fato. Por
isso, é preciso falar sobre o processo de saúde-doença do pescador artesanal para que se
tenham diretrizes de como desenvolver essas atividades, respeitando sua cultura e seu modo
de vida.

4.2.4 Processo Saúde – Doença do Pescador Artesanal

Os pescadores artesanais e sua família ao ficarem doentes e na necessidade de


tratamento ― comprar medicamento, fazer exames para chegar ao diagnóstico, fazer repouso
e ou outros tratamentos com profissionais como fisioterapeutas, psicólogos, dentistas, etc ―
56

terá dificuldade de concretizar o tratamento, uma vez que o pescador é um trabalhador


autônomo que não pode perder o dia de serviço para procurar atendimento de saúde. Esta falta
significaria perder dinheiro tanto o que ele deixou de ganhar, quanto o que ele teria que
gastar.
O termo “ficar doente” significa ter novos gastos e, consequentemente, diminuição dos
recursos para suprir a casa. Então, para esses trabalhadores, estar saudável não é apenas não
ter nenhum sintoma, não ter nenhuma dor, nenhum sofrimento que o impeça de realizar suas
atividades cotidianas, mas estar em condições de sustentar a família. Esse trabalhador não
consegue usufruir dos princípios que estão presentes nas premissas da OMS (Organização
Mundial da Saúde), ou terem seus direitos conseguidos na Constituição Brasileira,
respeitados.
Por isso, Dejours esclarece os motivos pelos quais os trabalhadores e suas famílias
deixam de ir ao consultório do médico:

[...] todo ato médico termina infalivelmente por uma receita. Compra
medicamentos, supõe adiantar quantias algumas vezes importantes; ou este
dinheiro não está disponível, ou se estiver, isso supõe, apesar de tudo,
restrições alimentares para toda família até na hora do reembolso (1992,
p.31).

Ou seja, o trabalhador autônomo, precisa fazer a escolha: ou ele vai ao médico, ou ele
compra o medicamento, ou ele supre as necessidades de sua casa. Por isso, ainda nos dias de
hoje, mesmo quando se pensa ter um SUS, em que se tem a saúde do trabalhador como uma
prioridade de atendimento, em que se tem oferta de profissionais para realizar a consulta,
prescrever o medicamento e o tratamento, ainda assim encontramos pessoas que possuem uma
cultura trazida por seus pais de realizarem seu tratamento apenas medicamentosos, ora
prescritos por vizinho, ora por balconistas de farmácia, curandeiros, entre outras crenças. Há
de se ressaltar as inúmeras dificuldades que se podem encontrar para agendar uma consulta,
um exame, um tratamento complementar.

5 METODOLOGIA

Apesar de as ciências biológicas terem produzido um volume considerado de estudos


referentes à saúde e ao adoecimento das populações, permitindo a implantação de sistemas de
57

cura e prevenção eficazes, as ciências humanas é que têm permitido uma maior compreensão
das dinâmicas desses processos. Por isso este estudo de políticas sociais teve como destaque
as diversas formas de organização do processo de trabalho que expõem os trabalhadores a
uma gama de situações que produzem, ou têm potencial para produzir, formas diversas de
convalescências em decorrência do trabalho executado pelos pescadores artesanais.
Assim, pretendeu-se colher informações sobre o trabalho a que estão submetidos os
pescadores artesanais, como meio de chegar aos cuidados necessários que precisam ter com a
saúde desses trabalhadores (VICTORIA; et al, 2000).
Apesar de a pesca ser um trabalho exercido desde a pré-história, esses trabalhadores
do mar ainda não alcançaram os direitos à saúde do trabalhador, que estão disponíveis para
outras categorias profissionais tais como garis, mecânicos, professores, digitadores, entre
outros. Esse fato permite antever que parte dos agravos à saúde dessa classe de trabalhadores
se deve à ausência de nexo causal entre o adoecimento e o exercício laboral. Isso favoreceria a
superação dessa invisibilidade, levando o Estado, por meio do SUS e da Previdência Social, a
propiciar o acesso aos serviços de saúde ocupacionais existentes, e a permitir que os
profissionais de saúde tenham conhecimento sobre as doenças do trabalho dessa categoria.
Dessa forma, faz-se necessário questionar sobre quais seriam as causas de
adoecimento e morte entre os pescadores artesanais. Com intuito de responder a essa questão,
foi preciso avaliar quais são os melhores meios de prevenção, diagnóstico, tratamento,
reabilitação e recuperação das doenças ou acidentes laborais dessa classe de trabalhadores.
Como são poucos os estudos referentes à saúde do pescador artesanal, foi feita a opção por
realizar uma pesquisa com abordagem quali-quantitativa, cujo objetivo maior é permitir a
integração dos dados estatísticos às informações coletadas por meios de entrevistas em
profundidade, como forma de compreender a realidade social investigada.
Ao identificar os pescadores artesanais como uma categoria de trabalhadores
autônomos, foi preciso compreender o trabalho realizado pelo trabalhador operário
assalariado, visto que esse trabalhador foi o primeiro a realizar a busca por seus direitos, tendo
conquistado, ao longo da história, vários ganhos em termos das melhorias das condições de
exercício de suas atividades produtivas.
No Brasil, em especifico, foram elaboradas as NR‟s que oferecem regras para a
promoção à saúde e à segurança. Contudo, mesmo com a existência das NR´s, é prática
recorrente das empresas pagarem aos trabalhadores para executarem os serviços insalubres e
perigosos, e muitas vezes essa é a mesma condição a que o pescador artesanal se expõe na
58

realização de suas atividades. Entretanto, não há nenhum empregador que irá fazer a
fiscalização das NR‟s e conceder a eles direitos trabalhistas, ficando isso a cargo de
instituições do Estado como a Capitania dos Portos, e também das colônias de pescadores.
Estas últimas não possuem a obrigação de fiscalizar, mas têm como uma de suas funções
realizar as orientações necessárias para que possam ser prevenidas as doenças e os acidentes
laborais.
Em sequência, o estudo teve o pescador artesanal como prisma, e a observação de sua
atividade laborativa como o exercício de uma arte, o que levou a pesquisa a entender a cultura
pesqueira. Com isso, foi possível identificar o que essa classe de trabalhadores pensa sobre os
acidentes e doenças laborais, no meio em que vivem, uma vez que essas atividades são
realizadas “em ambientes inóspitos, envolvendo riscos muitas vezes letais e de difícil
controle” (MOTA; PENNA, 2014, p.23). Pode-se ressaltar que, por ser um meio em que
convivem desde criança, nem sempre eles fazem o nexo de que o ambiente de trabalho é o
responsável pelo seu adoecimento, pelo acidente e, muitas vezes, pela sua morte.
Em relação aos aspectos relacionados às características sui generis, essa atividade
influencia, sobremaneira, os pescadores artesanais, assim como outros grupos sociais, a
desenvolverem características físicas, estéticas e comportamentais próprias, que resultam,
claramente, nos tipos de doenças, típicas dessa classe de trabalhadores (VICTORIA et al.,
2000). Independente do fenômeno biológico, a doença é vista como um fenômeno coletivo, na
medida em que é pensada em um sistema de símbolos que lhe confere um status social, pois a
doença, apesar de ser um acontecimento individual, mobiliza um conjunto de relações sociais.
É nesse sentido que se precisa ver a doença como objeto privilegiado de investigação, pois
coloca em relação, ao mesmo tempo, o biológico e o social, o individual e coletivo
(VICTORIA et al., 2000, p.20-21).
Para isso, esse estudo teve estratégias de investigação variada, porém complementares,
que seriam as esferas socioantropológicas, e clínicas – relacionadas às atividades realizadas –
aos riscos, doenças e acidentes de trabalho na pesca artesanal (MOTA; PENA, 2014). Estes
serão vistos no referencial teórico, no processo de saúde e doença e no desenvolvimento de
políticas públicas de saúde do início do século XX até a criação do SUS, que passa a ter um
olhar diferenciado sobre a saúde do trabalhador, incluindo o trabalhador autônomo. Além
disso, será enfatizada a cultura do pescador artesanal no processo de saúde-doença e as ações
do INSS.
59

Para a investigação foi utilizado o método de natureza quali/quanti (porque tal


abordagem irá permitir a observação do contexto social em que essa classe de trabalhadores
atua e das doenças que resultam na morte desses trabalhadores), aliado aos dados
epidemiológicos e entrevistas em profundidade que foram coletados nos municípios de Cabo
Frio e São Francisco de Itabapoana. Esses municípios foram escolhidos por sofrerem
impactos econômicos e ambientais por causa da exploração de petróleo que ocorre na Bacia
de Campos, principalmente na cidade de Macaé, e por apresentarem posições geográficas nas
extremidades da Bacia de Campos no Estado do RJ, ficando, respectivamente, um ao sul e o
outro ao norte. Esses municípios possuem quantitativos populacionais e situações econômicas
distintas; Cabo Frio recebe Royalties de Petróleo e São Francisco de Itabapoana não possui
esse benefício, fazendo com que a renda familiar deste último município dependa mais da
pesca e da agricultura.
Foram realizadas 17 entrevistas em profundidade, sendo 13 no município de Cabo Frio
e 04 em São Francisco de Itabapoana, com os seguintes entrevistados: 02 presidentes de
colônias de pescadores, 01 pescador doente, 01 pescador que sofreu naufrágio por 48h, 13
familiares de pescadores que haviam falecido, – desses familiares, 02 são pescadores e, no
momento da entrevista, encontravam-se doentes. Essas entrevistas trouxeram a compreensão
das possíveis causas de adoecimento e morte dos pescadores artesanais. Foi realizada a
pesquisa nas declarações de óbito dos profissionais pescadores presentes nas secretarias de
saúde para obter os dados das causas de morte, referentes ao período de 2010, 2011 e 2012,
visto que em maio de 2014, quando a pesquisa documental teve seu início, não havia dados de
mortalidade no sistema de informação do DataSUS (Departamento de Informática do SUS)
referente ao ano de 2013.
Foram utilizados também os dados do questionário survey, realizado pela equipe de
campo do projeto Pescarte, em que os pescadores artesanais são questionados sobre alguma
doença que considerassem estar relacionada à sua atividade de trabalho na pesca e quais
doenças eles consideravam graves. Além desse dado também utilizou-se o número de
pescadores que há nos dois municípios e sua idade, sendo considerados apenas os pescadores
que tem como sua única atividade a pesca.
Os dados do DataSUS, das declarações de óbito e do questionário survey permitiram
que houvesse a possibilidade de chegar ao coeficiente de mortalidade dos pescadores
artesanais, que foi calculado da seguinte forma:
60

Com os dados quantitativos foram realizados gráficos com intuito de:


1) demonstrar que o coeficiente de mortalidade de pescadores artesanais é maior do
que o da população geral tanto em Cabo Frio quanto em São Francisco de Itabapoana;
2) demonstrar as causas de morte de pescadores artesanais, segundo as declarações de
óbito em ambos os municípios pesquisados;
3) identificar o que os pescadores pensam sobre a doença e o que de fato leva esses
trabalhadores à morte. Observando que as doenças que eles consideram grave, em sua
maioria, são as que os afastam da pesca, entretanto, nem sempre são essas a causa de morte
dos pescadores.
Os dados qualitativos desenvolvidos após as entrevistas em profundidade, com intuito
de confirmar as hipóteses desta pesquisa, se dividiram em códigos da seguinte forma:
1) Iniciação da pesca: em que foram abordados a iniciação do pescador, a cultura que
faz com que haja a dedicação pela pesca, de forma que não são descartados os riscos e os
medos dessa profissão, além de ser um fator que não permite fazer um nexo entre o
adoecimento e a morte com as atividades laborais que exercem, pela naturalidade que essa
atividade é apresentada;
2) Acidentes e doenças laborais: os acidentes de trabalho são vistos como acidentes
casuais na maioria das vezes, e quando não, estão tão presentes no dia a dia que as pessoas já
se habituaram a eles e não pensam que são acidentes laborais e que existe possibilidades de
prevenção para os mesmos. Além disso, nos casos de adoecimento, quando as doenças não os
afastam da pesca, eles não conseguem fazer o nexo da doença com a atividade pesqueira que
realizam, além de não buscarem pelo profissional médico. Assim como não percebem a
necessidade de se fazer a prevenção das doenças e dos acidentes com o uso correto dos
Equipamentos de Proteção Individual e uma alimentação saudável, com menor teor de
gordura e sal, por exemplo. Além destes fatores, deveriam ter maior controle do uso de
bebidas alcoólicas e do tabaco que, além de serem fatores que predispõem às doenças crônico-
degenerativas, podem ser causas de acidentes no mar;
3) As doenças dos pescadores artesanais: foi possível identificar os principais
sintomas, a expectativa de vida após a descoberta da doença, o sofrimento da pessoa doente e
da família, o diagnóstico que nos casos pesquisados foi rápido, pelo fato de as doenças já
61

estarem em estágios avançados, fazendo com que a morte fosse precoce não apenas na idade,
mas no período entre o diagnóstico e a morte. Nesse caso, o tratamento, devido ao estágio
avançado da doença, foi, em sua maioria, mais paliativo do que curativo; e por fim
4) A dificuldade de receber o seguro-saúde quando o pescador encontra-se doente: os
pescadores, quando adoecem, em muitos casos, não conseguem receber seu seguro saúde por
meio da Previdência Social. Isso foi constatado tanto com as famílias que relataram não
receber o benefício dos pescadores com menos de 60 anos, no período do adoecimento,
quanto com o pescador doente que já havia dado entrada no seguro-saúde por causa de um
câncer de boca há 2 meses e até o momento não havia conseguido receber o seguro-saúde. Da
mesma forma que os presidentes de colônias dizem que, por exemplo, pescador com problema
de coluna não consegue receber seguro saúde, sendo que essa é a maior queixa de
adoecimento dos pescadores.
Estas três abordagens: entrevistas em profundidade, questionário do Projeto Pescarte e
análise documental das declarações de óbito, permitiram que fosse realizada uma triangulação
de informação, realizando, assim, a análise e a interpretação dos dados sobre o adoecimento e
morte dos pescadores artesanais, levando em consideração a sua cultura, seu modo de vida.
Permitiram também que fosse possível a compreensão da relação do adoecimento e da morte
dos pescadores artesanais com as teorias encontradas ou eventualmente propostas
(VICTORIA et. al, 2000).
Ressalta-se que a pesquisa bibliográfica aconteceu durante todo o processo, a fim de
oferecer subsídios e fundamentos teóricos para o trabalho.

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

Os dados quantitativos apresentados foram os coletados das declarações de óbito,


DataSUS, e questionário do Projeto Pescarte, que possibilitaram verificar os coeficientes de
mortalidade de pescador artesanal e compará-los com o coeficiente de mortalidade da
população geral, além de reconhecer as principais causas de morte. Também foram
apresentados os dados do questionário realizado pelo projeto Pescarte, que identifica quais são
as principais doenças que o pescador relaciona com a pesca.
62

Os dados qualitativos foram coletados por meio de entrevistas em profundidade com


familiares de pescadores que haviam falecido, pescadores doentes e presidentes de colônias,
para que fosse possível compreender o que leva ao adoecimento e à morte dessa classe de
trabalhadores.

6.1 RESULTADOS QUANTITATIVOS

Os dados quantitativos foram subdivididos em 02 subtópicos: o primeiro apresenta os


dados obtidos em relação às mortes de pescadores artesanais; o segundo é em relação ao
adoecimento dos pescadores artesanais.

6.1.1 Dados de Morte

Na busca por dados quantitativos, é possível identificar o que James Trostle afirma:
“dados epidemiológicos podem está sujeitos a erro sistemático, derivado de influência como
memória falível ou manutenção imperfeita dos registros” (2013, p.25). Isso foi ratificado
durante a pesquisa documental das declarações de óbito no município de São Francisco de
Itabapoana, em que, nos registros das declarações de óbito, houve um fato alarmante: no
campo que deve ser preenchido com a profissão da pessoa que, há uma observação de que,
nos casos de aposentado, a profissão que deve ser preenchida é a que a pessoa exercia
anteriormente, mesmo porque não há a profissão aposentado. Entretanto, dos 817 óbitos
ocorridos neste município, nos anos de 2010, 2011 e 2012, havia 252 (30,84%) declarações
com esse campo preenchido de forma incorreta, sendo 193 óbitos em que a profissão era
aposentado, 48 sem ocupação e 11 eram pensionistas. O que nos mostra que não havia como
traçar um perfil epidemiológico de uma profissão sem esbarrar na manutenção imperfeita dos
registros desse documento.
Além desse fato, foi possível identificar que, mesmo a mulher sendo considerada
pescadora diante da legislação brasileira, pelas atribuições a ela concedidas – seja por desejo
próprio ou pela necessidade – mesmo que ela não vá para o mar ou para as águas continentais
para pescar, se ela faz a rede, fileta o pescado, ajuda na venda, ela deve ser considera
pescadora. Entretanto, há uma invisibilidade profissional com as pescadoras até na hora da
morte, pois dos 3 anos pesquisados em cada um dos municípios – Cabo Frio e São Francisco
de Itabapoana – só havia 01 declaração de óbito de mulher pescadora em cada um deles.
63

Mas, apesar de toda a deficiência nos registros, foi possível realizar o cálculo de
coeficiente de mortalidade, causa de morte de Pescadores, e as doenças de cuja prevalência
esses trabalhadores mais se queixam.
Para realizar os cálculos de coeficiente de mortalidade geral, foram utilizados os dados
de população geral de cada município referente ao ano de 2012. Esse foi o último ano em que
foram pesquisadas as declarações de óbito. Para fazer o cálculo da população de pescadores,
foi utilizado a quantidade de pescadores artesanais do questionário survey realizado pelo
projeto Pescarte, de acordo com faixa etária, visto que foi a única fonte de acesso a esse dado,
o qual não estava disponível nas colônias, e nem no RGP – Ministério da Pesca e Aquicultura.
Os óbitos dos pescadores artesanais foi o do mesmo período que utilizado para a população
geral, ou seja, o período de 2010 a 2012, como foi relatado na metodologia, em 2014 só havia
disponível no DataSUS os anos anteriores à 2013. Para chegar ao coeficiente de mortalidade,
é necessário fazer o cálculo abaixo:

TABELA 1: População Geral de Cabo Frio em 2012, por faixa etária


POPULAÇÃO GERAL DE CABO FRIO EM 2012
Faixa etária População geral de Cabo Frio
15-19 17.133
20-29 31.924
30-39 30.124
40-49 27.349
50-59 21.089
60-69 12.483
70-79 6.311
Fonte: DataSUS

A tabela 1 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número da
população geral de Cabo Frio –RJ no ano de 2012, que foi o último ano em que se pesquisou as
declarações de óbito. Ela tem por objetivo apresentar dado para que seja possível elaborar o
coeficiente de mortalidade da população geral.

TABELA 2: Óbito da População Geral de Cabo Frio dos anos de 2010 a 2012, por faixa etária
64

ÓBITO DA POPULAÇÃO GERAL DE CABO FRIO DE 2010-2012


Faixa etária Óbito da população geral de Cabo Frio
15-19 87
20-29 191
30-39 220
40-49 327
50-59 525
60-69 673
70-79 737
Fonte: DataSUS

A tabela 2 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número de
óbitos da população geral de Cabo Frio –RJ em 2012, que foi o último ano em que estava
disponível o número de óbitos no DataSUS. Esse dado é necessário para fazer a elaboração do
coeficiente de mortalidade da população geral de Cabo Frio-RJ
A tabela 3, assim como as anteriores, é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79
anos e apresenta o número de pescadores artesanais de Cabo Frio –RJ em 2014, quando foi
realizado o Censo do Percarte. Esse dado é necessário para fazer o coeficiente de mortalidade da
população de pescadores artesanais de Cabo Frio-RJ e posteriormente fazer a comparação dos
coeficientes de mortalidade da população geral com a população de pescadores artesanais de Cabo
Frio.

TABELA 3: População de Pescadores Artesanais de Cabo Frio em 2014, por faixa etária.
POPULAÇÃO DE PESCADORES ARTESANAIS DE CABO FRIO EM 2014
Faixa etária População de Pescadores de Cabo Frio
15-19 15
20-29 36
30-39 41
40-49 75
50-59 103
60-69 42
70-79 10
Fonte: Censo Pescarte

Nessa tabela, em particular, existe um dado que responde a uma das perguntas que
incentivaram a realização dessa pesquisa, que são pescadores artesanais na faixa etária dos 70
aos 79 anos, no Município de Cabo Frio. A pesquisa anterior apresentava uma amostra
insuficiente que não abrangia os pescadores dessa faixa etária, uma das possibilidades desse
fato ter ocorrido, foi desconsiderar o pescador quando ele relatava ser aposentado.
65

TABELA 4: Óbito dos Pescadores Artesanais de Cabo Frio de 2010 a 2012, por faixa
etária.
ÓBITO DOS PESCADORES ARTESANAIS DE CABO FRIO DE 2010 -2012
Faixa etária Óbito de Pescadores Artesanais de Cabo Frio
15-19 0
20-29 0
30-39 5
40-49 8
50-59 8
60-69 12
70-79 7
Fonte: Declaração de óbito

Essa tabela é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número de
óbitos de pescadores artesanais de Cabo Frio –RJ no período de 2010 a 2012. Esse dado é
necessário para fazer coeficiente de mortalidade dos pescadores artesanais de Cabo Frio-RJ e
posteriormente fazer a comparação dos coeficientes de mortalidade dos pescadores artesanais com
o coeficiente de mortalidade da população geral.
Após a presentação de todas as tabelas, os dados das mesmas foram utilizados para
fazer o coeficiente de mortalidade da população geral e da população de pescadores artesanais
de Cabo Frio-RJ.

Gráfico 1: Coeficiente de Mortalidade População Geral Cabo X Pescadores Artesanais


dividido por faixa etária, 1 a cada 1000.

Fonte: DataSuS; Declaração de Óbito; Censo Pescarte


66

O gráfico mostra que na faixa etária de 30 a 79 anos o coeficiente de mortalidade dos s


pescadores artesanais é maior do que a população geral de Cabo Frio –RJ.
Em São Francisco de Itabapoana, também foram coletados dados que permitiram gerar
gráficos de Coeficiente de Mortalidade, comparando os pescadores artesanais de São
Francisco do Itabapoana com a população geral do município, utilizando as mesmas fontes de
dados do Município de Cabo Frio e a seguinte fómula:

TABELA 5: População Geral de São Francisco de Itabapoana no ano de 2012, por faixa etária
POPULAÇÃO GERAL DE SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA 2012
Faixa etária População geral de São Francisco do Itabapoana 2012
15-19 3.783
20-29 6.636
30-39 6.181
40-49 5.553
50-59 4.265
60-69 2.741
70-79 1.598
Fonte:DataSUS

A tabela 5 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número da
população geral de São Francisco de Itabapoana –RJ em 2012, que foi o último ano em que se
pesquisou as declarações de óbito. Essa tabela tem por objetivo apresentar dado para que seja
possível elaborar o coeficiente de mortalidade da população geral.

TABELA 6: Óbito da população geral de São Francisco de Itabapoana de 2010 a 2012, por
faixa etária
ÓBITO DA POPULAÇÃO GERAL DE SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA NO PERÍODO DE 2010-2012
Faixa etária Óbito da População geral de São Francisco do Itabapoana
15-19 11
20-29 29
30-39 46
40-49 76
50-59 117
60-69 139
70-79 169
Fonte:DataSUS
67

A tabela 6 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número de
óbitos da população geral de São Francisco de Itabapoana –RJ no período de 2010 à 2012, que
foram os anos dos óbitos pesquisados. Essa tabela tem por objetivo apresentar dado para que seja
possível elaborar o coeficiente de mortalidade da população geral.

TABELA 7:População de Pescadores Artesanais de São Francisco de Itabapoana em 2014,


por faixa etária
POPULAÇÃO DE PESCADORES ARTESANAIS DE SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA EM 2014
Faixa etária População de pescadores artesanais de São Francisco do Itabapoana
15-19 54
20-29 102
30-39 86
40-49 99
50-59 113
60-69 54
70-79 20
Fonte: Censo do Pescarte

A tabela 7, assim como as anteriores, é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79
anos e apresenta o número de pescadores artesanais de São Francisco de Itabapoana –RJ em 2014,
quando foi realizado o Censo do Pescarte. Esse dado é necessário para se fazer o coeficiente de
mortalidade da população de pescadores artesanais de São Francisco de Itabapoana-RJ e
posteriormente fazer a comparação dos coeficientes de mortalidade da população geral com a
população de pescadores artesanais de Cabo Frio.
Na tabela 7, assim como na tabela 3, existe um dado que responde a uma das
perguntas que incentivaram a realização dessa pesquisa, a respeito dos pescadores artesanais
na faixa etária dos 70 aos 79 anos, no Município de São Francisco de Itabapoana. A pesquisa
anterior apresentava uma amostra insuficiente que não abrangia os pescadores dessa faixa
etária. Uma das possibilidades de esse fato ter ocorrido, foi desconsiderar o pescador quando
ele relatava ser aposentado.

TABELA 8: Óbito de pescadores artesanais de São Francisco de Itabapoana de 2010 a 2012,


por faixa etária
68

ÓBITO DE PESCADORES ARTESANAIS DE SÃO FRANCISCO


DE ITABAPOANA DE 2010-2012
Faixa etária Óbito de pescadores artesanais de São Francisco do Itabapoana
15-19 0
20-29 0
30-39 1
40-49 2
50-59 5
60-69 2
70-79 2
Fonte: declaração de óbito

A tabela 8 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número de
óbitos de pescadores artesanais de São Francisco de Itabapoana –RJ no período de 2010 a 2012.
Esse dado é necessário para elaborar o coeficiente de mortalidade dos pescadores artesanais de
São Francisco de Itabapoana-RJ e, posteriormente, fazer a comparação dos coeficientes de
mortalidade dos pescadores artesanais com o coeficiente de mortalidade da população geral.
Após apresentação de todas as tabelas, os dados das mesmas foram utilizados para
elaborar os coeficiente de mortalidade da população geral e da população de pescadores
artesanais de São Francisco de Itabapoana-RJ.

Gráfico 2: Coeficiente de Mortalidade População Geral de São Francisco X Pescadores


Artesanais, por faixa etária

Fonte: Data SuS; Declaração de óbito; Censo Pescarte


69

O gráfico mostra que na faixa etária de 30 aos 59 anos o coeficiente de mortalidade


dos pescadores artesanais é maior do que a população geral de São Francisco de Itabapoana –
RJ, o que mostra que neste município os pescadores artesanais morrem mais jovens do que a
população em geral, visto que após os 60 anos o coeficiente de mortalidade da população
geral passa a ser maior.
Ao buscar as causas de morte dos pescadores artesanais, foi necessário fazer a
pesquisa nas declarações de óbito e o resultado obtido foi o seguinte:
Em Cabo Frio, com registro no Departamento de Verificação de Óbitos do Município
de Cabo Frio, nos anos de 2010, 2011 e 2012 foram 44 óbitos. Desses 44, 32 óbitos foram por
causas não transmissíveis, conhecidas como doenças crônico-degenerativas, na maioria das
vezes influenciados por fatores sócio-econômicos e culturais. Esse resultado levou a estudos e
mostram que, a partir da década de 80, também nos países em desenvolvimento, as principais
causas de morte passaram a ser as causas não transmissíveis por doenças crônico-
degenerativas. Segundo Guerra et al (2004), essas mudanças se dão pelo processo de
industrialização, e existem fatores que contribuem para o aumento das doenças crônico-
degenerativas como foi a mudança nutricional que sofreu alterações com a industrialização de
alimentos (refrigerantes, condimentos, conservantes etc), tendo como uma de suas
consequências o aumento das doenças crônicas com :“câncer, doenças cardivasculares,
diabetes tipo 2, doença de Alzeheimer [...] envelhecimento e a obesidade” (2004, p.228).
Pode-se observar que, no município de Cabo Frio, das 32 doenças não transmissiveis,
09 casos foram de diferentes tipos de câncer (pulmonar, hepático, esofágico, de reto, de
próstata, gástrico), sendo que, em 2001, com exceção do câncer hepático, os demais foram
considerados como de maior incidência no Brasil (GUERRA et al, 2004), ou seja, as causas
de adoecimento por câncer, não são diferentes da população geral, entretanto, nesse estudo se
faz necessário uma comparação das doenças crônico-degenerativas com os fatores de risco
para identificar se é o modo de vida do pescador que leva a essas possíveis doenças. Assim,
pode-se verificar que:
1) O Câncer de Pulmão, que tem como fator de risco o tabagismo, “é o mais comum
[dos casos] no mundo” (GUERRA et al, 2004, p.229) , além disso, o tabagismo está associado
ao câncer de laringe, esôfago, boca e faringe. Em Cabo Frio houve 2 óbitos de pescadores
artesanais, entre os anos de 2010 e 2012, por câncer de pulmão.
70

2) O câncer de esôfago: segundo Guerra et al (2004) , os fatores de risco são o


tabagismo e a bebida alcólica. Em Cabo Frio, entre os anos de 2010 e 2012 houve 2 óbitos de
pescadores artesanais por este tipo de câncer.
3) O câncer de próstata: “alguns estudos [fazem associações] dessa doença com
componentes específicos, com maior risco associado ao consumo de gordura e carne”
(GUERRA et al, 2004, p.231). O Brasil vem desenvolvendo pesquisas para fazer uma
associação entre o câncer de próstata com as atividades laborais desenvolvidas e um dos
resultados dessa pesquisa citado pelo autores Guerra et all (2004, p. 231) foi que: “ [em]
militares da Marinha do Brasil, o câncer de próstata apresentou-se como uma das três causas
de maior mortalidade da população estudada”. Não se deve esquecer que, assim como os
Militares da Marinha, o pescador artesanal desenvolve suas atividades no mesmo meio, ou
seja, no mar. Entre os anos de 2010 e 2012, houve 01 caso de morte por câncer de próstata, e
durante as entrevistas, houve um discurso contínuo de que comida para pescador é “comida
pesada”, com “bastante gordura”, carne e sal.
4) Câncer de Estômago: segundo Guerra et all (2004, p.230), ele está associado a
“hábitos dietéticos tais como aditivos alimentares e elevado teor de sal, que ocasionariam a
inflamação da mucosa gástrica, além da infecção do Helicobacter pylori13 ”. Além disso, esses
mesmos autores relatam que o baixo nível socioeconômico, tabagismo e baixo consumo de
frutas e de vegetais foram considerados fatores de risco para câncer de estômago [em
pesquisas realizadas] em São Paulo (GUERRA et al, 2004, p.230). Nos anos de 2010 a 2012
houve 02 óbitos cuja causa foi câncer de estômago.
5) Câncer de reto: os fatores de risco são: “fatores ambientais, especialmente
dietéticos, a predisposição genética e a obesidade, entre outros fatores [...como] hábito de
vida, condições ocupacionais e características urbano industriais” ( GUERRA et al, 2004,
p.231). Esses também são fatores de riscos apresentados pelo pescador artesanal no seu dia a
dia.
6) Câncer de fígado: também é conhecido como câncer hepatocelular ou
hepatocarcinoma, e segundo a Portaria 602 de 26 de junho de 2012, deve ser considerada
como uma:

neoplasia epitelial maligna primária do fígado. Trata-se de um tumor raro em todo o


mundo, sendo que no Brasil está relacionado, em 98% dos doentes, com cirrose
hepática e pode estar associado à hepatite crônica secundária à infecção pelo vírus

13
Helicobacter pylory: é uma espécie de bactéria que infecta o estômago humano
71

da hepatite C (54%) ou da hepatite B (16%) e ao consumo de álcool (14%), fatores


de risco com diferenças regionais de prevalência relevantes.

No município de Cabo Frio, entre os anos de 2010 e 2012, houve 01 caso de tumor
hepático.
Ao analisar os 06 tipos de câncer que foram causas de morte em pescadores artesanais,
percebeu-se que, em sua maioria, eles estão associados ao uso de bebida alcoólica, tabaco e
alimentação inadequada, além da obesidade. Ao analisar os resultados da pesquisa qualitativa,
o resultado foi que a bebida alcoólica, o tabaco, e a alimentação inadequada (gordura, sal, em
grande quantidade) e a obesidade estão presentes na vida dos pescadores artesanais, isto tanto
no Município de Cabo Frio quanto em São Francisco de Itabapoana.
Além dos diferentes tipos de câncer, outras doenças crônico-degenerativas, com os
mesmos fatores de riscos, foram identificadas como causa de morte de pescadores artesanais e
estão presentadas na Tabela 9.

Tabela 9: Outras doenças crônico-degenerativas degenerativas que atinge pescadores


artessanais de Cabo Frio -RJ
OUTRAS DOENÇAS CRÔNICO-DEGENERATIVAS QUE ATINGE
PESCADORES ARTESANAIS DE CABO FRIO-RJ
DOENÇA NÚMERO DE PESCADORES ATIGIDOS
EM CABO FRIO
Acidente Vascular Cerebral 04
Doença Pulmonar Obstrutiva 02
Crônica
Infarto Agudo do Miocárdio 04
Insuficiência Renal Aguda 01
Pneumonia 04
Cardiopatia Hipertensiva 01
Anemia 02
Insuficiência Cardíaca 01
Congestiva
Falência Múltipla de Órgãos 03
Hemorragia Digestiva Alta 01
Fonte: Declaração de Óbito

1) Acidente Vascular Cerebral (AVC), Segundo Silva et al (2005, p.146):

é uma patologia que atinge os vasos do encéfalo, uma subdivisão do sistema nevoso
que compreende cérebro, cerebelo e tronco encefálico.[...] Diversos são os fatores
desencadeantes de um AVC, dentre eles estão: obesidade, hipertensão arterial,
inatividde física, predisposição genética, tabagismos e diabetes mielitus.
72

Ou seja, também possuem fatores de risco muito semelhantes aos dos cânceres típicos de
pescadores artesanais e presentes na vida dessa classe de trabalhadores, como obesidade,
tabagismo e inatividade física.
2) Infarto Agudo do Miaocárdio (IAM): segundo Avezum (2003, p. 2018)

os fatores de risco tabagismo, RCQ[relação da medida da relação cintura quadril],


antecedente de HAS[hipertensão arterial sistêmica], antecedente de DM [diabetes
mielitus], história familiar de DAC [Doença Arterial Coronariana] e nível sérico de
LDL - colesterol estão independentemente associados com risco elevado de IAM .
Dentre os fatores de risco, o tabagismo foi o mais potente fator de risco
independente identificado.

Esses fatores de risco também puderam ser percebidos no dia a dia dos pescadores
durante as entrevistas realizadas com os familiares.
3) Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC): segundo Dourado et.al (2006,
p.162)

é [uma doença] definida como doença respiratória prevenível e tratável [mesmo


assim ainda é causa de morte entre os pescadores artesanais por não buscarem um
serviço de saúde quando começam a sentir os primeiros sintomas], caracterizada por
obstrução crônica ao fluxo aéreo que não é totalmente reversível. Essa obstrução é
progressiva e está relacionada a resposta inflamatória anormal dos pulmões à
inalação de partículas e/ou gases tóxicos, sobretudo a fumaça de cigarro.

O tabaco mais uma vez é reconhecido como um dos fatores de risco, e o tabagismo foi um dos
vícios mais citados durante as entrevistas com familiares de pescadores que haviam morrido.
4) Pneumonia: segundo Gomes (2001, p.97) “a pneumonia pneumocócica e a
influenza são infecções do trato respiratório inferior que levam a significante morbidade e
mortalidade, especialmente em determinadas populações (como de idosos e aquela com
doenças cardiopulmonares)” e devemos considerar como os seus principais fatores de risco:
“envelhecimento, tabagismo, DPOC, Insuficiência Cardíaca, Colonização [por bactérias] da
orofaringe, alcoolismo e cirrose hepática, deficiência nutricional, imunossupressão e fatores
ambientais” (GOMES, 2001, p.98), que são fatores de risco identificados no cotidiano dos
pescadores artesanais.
5) Insuficiência Renal Aguda (IRA): é quando há uma paralisação do sistema renal de
forma súbita. Os fatores de risco são mais comuns em pessoas hospitalizadas, entretanto,
segundo Costa et.al (2003, p.310), além desses fatores existem outros que podem levar ao
desenvolvimento de IRA: “ idade avançada, doença hepática, nefropatia pré-existente, e
diabetes”, que são fatores de risco vivenciados pela classe trabalhadora estudada.
73

Existem outras causas de morte como: Cardiopatia Hipertensiva, Anemia,


Insuficiência Cardíaca Congestiva, Hemorragia Digestiva Alta, Falência Múltipla de Órgãos.
Todas essas causas de morte são secundárias, ou seja, o pescador já desenvolvera uma doença
pregressa como cirrose hepática, hipertensão arterial sistêmica e, como foi visto
anteriormente, existem fatores de risco associados ao modo de vida do pescador artesanal.
Além das doenças crônico-degenerativas, as causas externas se sobressaem a partir da
década de 80 como umas das principais causas de óbito, e entre os pescadores artesanais de
Cabo Frio, essa foi a segunda causa de morte , em que ocorreram 03 Perfurações por Arma de
Fogo (PAF), 02 Acidentes de trânsito, essas duas causas se justificam por ser uma cidade em
que há um maior volume de veículos e onde a violência tem aumentado, segundo a
Organização das Nações Unidas (UNESCO) para educação, ciência e cultura 14, Cabo Frio é a
88ᵃ cidade mais violenta do Brasil. Já as outras 02 causas externas foram: 01 afogamento e 01
carbonização de barco, ou seja, ambas estão diretamente ligadas à pesca.
Houve 04 causas de morte por doenças transmissíveis, sendo a maioria (03) por Vírus
da Imuno Deficiência (HIV); o outro caso foi de Tuberculose pulmonar. Isso quer dizer que,
as causas de doenças transmissíveis (assim como na população geral) também são menores
que as demais causas de morte entre os pescadores artesanais.
Ocorreu apenas 01 morte por causa indeterminada. Geralmente ocorre em pessoas
idosas que falecem em domicílio, havendo um médico que já acompanha esse processo de
adoecimento e percebe não haver a necessidade de enviar o corpo para verificar a causa de
morte no Instituto Médico Legal (IML).
Os dados das causas de morte dos Pescadores em Cabo Frio dos anos de 2010, 2011 e
2012 podem ser vistos no gráfico 03.

Gráfico 3: Causa de morte de pescadores artesanais em Cabo Frio – RJ dos anos de


2010 a 2012

14
Informação retirada de um blog, a repórter que redigiu a matéria é Renata Cristina. Disponível
em:http://rc24h.com.br/mobile/ver/index/16360/ Acesso em 20/03/2016
74

Fonte: Declaração de óbito

Esse gráfico confirma que a maioria das mortes do município de Cabo Frio-RJ, no
período de 2010-2012, ocorreram por doenças não transmissíveis, seguidas de causas
externas, posteriormente de doenças transmissíveis e tendo apenas 01 (um) óbito por causa
indeterminada.
O total de óbitos de pescadores com registro na Vigilância Epidemiológica do
Município de São Francisco de Itabapona foi 12, sendo que não houve caso de morte por
doenças transmissíveis.
As causas de morte por doenças não transmissíveis foram 05, que estão apresentadas
na Tabela 10.
Tabela 10: Outras doenças crônico-degenerativas que atinge pescadores artesanais de
São Francisco de Itabapoana-RJ
OUTRAS DOENÇAS CRÔNICO-DEGENERATIVAS QUE ATINGE
PESCADORES ARTESANAIS DE SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA-RJ
DOENÇA NÚMERO DE PESCADORES
ATIGIDOS EM SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA
Choque Cardiogênico 01
Pneumonia 01
Tumor Ósseo 01
Cirrose Hepática 02
Fonte: Declaração de óbito

Apresenta as doenças crônico-degenerativas do Município de São Francisco de


Itabapoana. O choque cardiogênico é uma doença causada pela fibrilação apical aguda, que
pode ser desenvolvida por diversos fatores de risco como pegar excesso de peso e hipertensão
arterial. Esses também são fatores de risco presentes no dia a dia do pescador artesanal de São
Francisco de Itabapoana; a pneumonia, que já esteve presente na análise dos casos de Cabo
Frio; o tumor ósseo e os casos por cirrose hepática, que podem estar associados ao
75

desenvolvimento de doenças hepáticas como hepatite B e C, além, do uso de medicamentos –


como anabolizantes –, mas, o principal fator de risco entre os pescadores artesanais é a bebida
alcoólica. Existe também uma grande influência do tabaco (e até de drogas como a cocaína)
nos fatores de risco para determinadas doenças que atingem órgãos como o coração, os
pulmões, ossos e fígado.
As mortes por causas externas foram 02, sendo uma por ferida corte-contusa15 e a outra
devido a acidente de trânsito.
As causas indeterminadas foram 05, mesmo número de causas não transmissíveis.
Essas mortes geralmente ocorrem em domicílio com pessoas idosas que são acompanhadas
por um médico e, como a doença pregressa já é conhecida e previsível de morte, os corpos
não são encaminhados para o IML para serem autopsiados e ter a causa de morte definida.
Mas, ao pesquisar nas declarações de óbito só havia 01 vítima com 70 anos e 01 vítima com
65. As outras 03 vítimas eram pessoas que ainda não haviam completado os 60 anos e que
teriam as respectivas idades: 51 anos, 52 anos e 54 anos. Provavelmente, apesar de serem
jovens e estarem em idade de produção, já deveriam estar acamados sem conseguir exercer
suas atividades, necessitando de cuidados médicos, o que possibilitou que não fossem
enviados os corpos para o IML para definir as causas de morte.
Gráfico 4: Causa de morte dos Pescadores Artesanais em São Francisco do Itabapoana
dos anos de 2010 a 2012.

Fonte: Declarações de óbito

15
Ferida corte-contusa é quando a pessoa foi vítima de uma lesão simultaneamente por um corte e um impacto.
Ex.: Pescador caiu, bateu a cabeça na ancora do barco, ele sofreu o impacto da batida e a âncora cortou a sua
cabeça.
76

Como pode ser observado no gráfico nos anos de 2010 à 2012, no Município de São
Francisco de Itabapoana não ocorreram mortes por doenças transmissiveis; ocorreram 02
mortes por causas externas, 05 por causas indeterminadas, o que já foi explicado
anteriormente e 05 por doenças não transmissiveis, que são as doenças crônico-degenerativas.
Esses dados são importantes na questão epidemiológica para que se possa realizar um
perfil das maiores causas de morte. As causas indeterminadas devem ser estudadas para
verificar o modo de vida desses pescadores.

6.1.2 Dados de Adoecimento

No Censo do Pescarte havia uma questão em relação às doenças de pescadores, que


era ¨Você já teve alguma doença relacionada à pesca?” E a pergunta seguinte era: “Qual
doença você considera mais grave?” Dos 173 pescadores artesanais de Cabo Frio que
responderam à questão de adoecimento, 94 (54%) consideraram não ter nenhuma doença
grave relacionada à pesca. Contudo, 79 (46%) pescadores relataram alguma doença
relacionada com a pesca.
Todas as doenças que os pescadores artesanais, de Cabo Frio, consideraram graves
estão relacionadas na tabela 11

TABELA 11: Doenças Consideradas graves pelos pescadores artesanais de Cabo Frio - RJ
Doenças Consideradas graves pelos Pescadores Artesanais de Cabo Frio –RJ

Doenças Quantidade de Pescadores Artesanais que consideram


essas doenças graves
Alergia 4
Asma 1
Audição 1
Bronquite 2
Câncer de Pele 2
Choque Térmico 1
Circulação 1
Coluna 31
Corte na Perna 1
Deficiência na mão 1
esquerda
Estomago 1
Fratura 3
Gripe 5
Hérnia 1
77

Hérnia de Disco 3
Hipertensão 1
Infecção Pulmonar 1
Lesão 2
Manchas na pele 1
Meningite 1
Micose 4
Otite 1
Pneumonia 7
Rins 1
Sinusite 2
Suspeita de Câncer 1
Varizes 1
Visão 7
Fonte: Censo Pescarte

Ao realizar a análise, é perceptível que as causas de morte, em sua maioria, não estão
relacionadas com as doenças que os pescadores artesanais pensam ser as mais graves, como as
listadas anteriormente: dor na coluna (31), em seguida é a pneumonia (7), alterações na visão
(7), gripe (5), micose (4) e alergia (4). São doenças que impedem ou os dificultam a
realização da pesca. A hipertensão, a anemia, a DPOC, o Infarto Agudo do Miocárdio, os
diferentes tipos de câncer, que são doenças diagnosticas, ou doenças que levam a outras
doenças, que são causa de morte entre os pescadores artesanais de Cabo Frio – são pouco
citadas ou às vezes nem são mencionadas por eles. Provavelmente, nem reconhecem a
gravidade dessas doenças, porque quando elas acontecem não lhes impedem de pescar.
Entretanto, quando são diagnosticadas, elas fazem com que a morte chegue rapidamente, e
eles acabam não vendo sua gravidade e o quanto elas estão associadas à atividade da pesca.
A Pneumonia é a única doença que o pescador reconhece como grave, e também é
uma das causas de morte. Isso acontece porque os seus sintomas são: febre alta, prostração,
dor torácica, mal-estar, entre outros sintomas, os quais irão dificultar a sua ida para a pesca,
ou seja, o pescador, de fato, só reconhece como doença aquelas que os impedem de sair para
pescar.
No Município de São Francisco de Itabapoana, também foram utilizados os dados do
Censo do Pescarte com a pergunta sobre quais doenças os pescadores consideram mais
graves. Dos 369 pescadores de São Francisco do Itabapoana que responderam à questão sobre
adoecimento, 229 (62%) consideraram não haver nenhuma doença grave relacionada à pesca.
Entretanto, 140 (38%) pescadores relataram alguma doença relacionada com a pesca.
As doenças mais citadas como grave estão relacionadas abaixo:
78

TABELA 12: As principais doenças consideradas graves pelos pescadores artesanais de São
Francisco de Itabapoana - RJ
As principais Doenças Consideradas Graves pelos Pescadores
Artesanais de São Francisco de Itabaoana –RJ
Doenças Quantidade de Pescadores Artesanais
Afetados
Alergia 3
Artrose 4
Audição 2
Bronquite 2
Câncer de Pele 2
Coluna 54
Estômago 2
Fratura 2
Hérnia 3
Hérnia de Disco 4
Hipertensão 4
Lesão Joelho 2
Pneumonia 10
Problemas Cardíacos 3
Problemas Neurológicos 4
Tuberculose 4
Visão 2
Fonte: Censo Pescarte

Assim como em Cabo Frio, em São Francisco de Itabapoana, para os pescadores


artesanais, as doenças mais graves não estão relacionadas às causas de morte. As doenças que
os pescadores consideram ser as mais graves foram: dor na coluna (54); pneumonia (10);
artrose (4); hérnia de disco (4); hipertensão (4); problemas neurológicos (4) e tuberculose (4),
que são doenças que impedem ou dificultam que eles realizem a pesca. A diabetes, o tabaco, o
alcoolismo, as drogas ilícitas, os diferentes tipos câncer, as diferentes doenças que afetam o
coração, são pouco citadas ou não são citadas por eles.

6.2 RESULTADOS QUALITATIVOS

Esses resultados foram os obtidos durante as entrevistas em profundidade, realizadas


nos municípios de Cabo Frio e São Francisco de Itabapoana com familiares de pescadores
artesanais que haviam falecido, pescadores doentes e presidentes de colônias. foram
subdivididos em subtópicos para que fossem melhores compreendidos.
79

6.2.1 Iniciação na Pesca

Uma das maiores características da pesca artesanal é a passagem de conhecimento dos


pais para os filhos desde criança, sendo este o momento de inserção na pesca, quando são
levados para realizarem pequenas tarefas, como relata o entrevistado 2 “eu ia [quando
criança] mais para mirar rede com meu pai”. Parece que seria mais uma companhia, do que
para fazer o serviço da pesca, mas isso não deixava de aproximar aquela criança da atividade
pesqueira, para que, mais tarde, quando se tornasse um jovem adulto, fosse inserido como
trabalhador da pesca.
O entrevistado 1 relata que teve sua iniciação na pesca aos 13 anos, e que sua iniciação
se deu com seu tio e seu avô. Ele pescava o camarão para vender como isca para outros
barcos, ou seja, ele recebia pelas tarefas exercidas. Mesmo que essas atividades muitas vezes
fossem vistas tanto pelas crianças quanto pelos pais como uma brincadeira, já era um serviço.
Entretanto, essas crianças crescem e começam a desejar ter uma renda que lhes
possibilite comprar roupas, um carro, ter uma casa, sustentar uma família e, nesse momento,
são colocados à prova de que são homens para serem aceitos entre os pescadores – este fato
Dejours (1992) chama de “idelogia-defesa”, que é a submissão aos riscos da profissão no
caso de serem aprovados, passando a fazer parte daquele grupo de trabalhadores – e para que
isso ocorra, eles aceitam o desafio de ir para o mar, local de trabalho em que muitas vezes não
se fala dos riscos do serviço, mas todos são conhecedores de que a vida de pescador é de
risco. Isso fica claro na fala do Entrevistado 1 quando questionado sobre o medo de ir para o
mar e ele diz: “a gente pede bastante a Deus para proteger a gente, a gente tem que sair,
quando a gente sai daqui a gente sai, são 5 famílias que a gente deixou, que a gente deixa em
casa para dar o sustento”. Entretanto, eles precisam vencer os desafios e desenvolver essas
atividades, visto que muitas vezes eles não possuem outra opção de trabalho, pois essa é a
única profissão que eles conhecem, mesmo não sendo o que os pais idealizaram para a vida
dos filhos. Como o próprio Entrevistado 1 relatou “não era o sonho da minha mãe que via o
sofrimento lá [daquela] tradição, de pescador muito beberrão...isso ...é e maltratava as
famílias, aí pai, os filhos vê aquilo, é ...não orientava filho nenhum seguir a profissão do pai”,
mas ele insistiu em seguir a profissão do avô e do tio e relata: “com 16, 17 anos comecei ir lá
para fora” (Entrevistado 1). Ao contrário da mãe, o entrevistado 1, desejava que os filhos
fossem pescadores, eles chegaram a ser inseridos na pesca, mas, com as dificuldades de
beneficiamento, eles foram em busca de novos empregos.
80

Mesmo que se tenha mais oportunidade de estudar e de ter outros empregos, ainda
existem os pais que conseguem que os filhos permaneçam com atividades na pesca, seja nos
barcos, seja no beneficiamento e venda dos peixes, isso pode ser lido no relato do
Entrevistado 2:

já fui muito com meu pai. Porque minha família toda vive da pesca. Então
meu pai já teve muito barco. Não a pesca obrigatoriamente, eu ia mais para
mirar rede com meu pai. Já fui muito para alto mar com meu pai. Minha
juventude toda. Porque depois disso meu pai tocava uma peixaria, então
indiretamente, quem cuidava do peixe e do camarão para vender era eu e
minha mãe. Então tinha, sempre, [que fazer] troca de óleo e tocava peixaria,
quem administrava isso era eu e minha mãe, porque meus irmãos pescavam
e meu pai também ( Entrevistado 2).

Essa permanência nem sempre se dá pelo fator financeiro, mas por ser algo prazeroso:
“é aprendi com meu avô, com meu pai, sempre ia junto com eles aí fui pegando, a gente
gosta, já tá no sangue...” (Entrevistado 9), inclusive esse pescador possui um outro emprego,
mas não deixa de realizar a pesca.
Se para alguns pescadores, como o Entrevistado 9, a pesca é prazerosa e é exercida
porque de fato existe uma tradição que traz boas recordações, para outros a pesca só acontece
por uma necessidade, por ser o único trabalho que conhece. Isso pode ser compreendido
durante a entrevista quando foi perguntado ao entrevistado 15: “Todo mundo é pescador na
sua família?” “é... infelizmente ou felizmente é”. E na mesma pergunta o entrevistado 16 diz:
“É tudo pescador! Ele[s] não tiveram quase estudo e caíram no mar”, e nesse momento era
perceptível a insatisfação que existe dos filhos serem pescadores.
Durante a pesquisa de campo, com o contato com alguns pescadores e suas famílias,
foi possível observar que essa insatisfação se dá por alguns motivos como:
1) a pesca nem sempre dá à família o retorno financeiro que eles queriam;
2) quando se conversa sobre o adoecimento é perceptível que a maioria desses
trabalhadores só procuram o médico quando não têm outra alternativa, as dores, a falta de ar
ou o cansaço já estão insuportáveis, pois não podem parar a pesca devido à necessidade
financeira da família;
3) para aguentar os riscos a que se submetem, muitas vezes se utilizam de bebidas e
cigarros, e até as drogas ilícitas acabam fazendo parte do dia a dia de alguns pescadores, o que
faz com que o convívio familiar seja prejudicado.
81

Um dos relatos do entrevistado 1 foi que: “o consumo de droga, [fez com que alguns]
pescadores [estejam] se tornando praticamente mendigos, essa droga o craque veio, veio para
arrasar mesmo” e em conversa ele diz que muitos pescadores gastam tudo o que ganham com
as drogas ilícitas. Entretanto, em nenhuma entrevista com as famílias de pescadores que
haviam morrido, há o reconhecimento de que eram usuários de drogas ilícitas, apenas faziam
uso da bebida e do tabaco, na maioria das vezes como uma forma de amenizar as
preocupações e medos, como Dejours escreve (1992,p.72) “o vinho, a água ardente, são uma
dose de energia nem tanto física, mas psicológica que ajuda a enfrentar o trabalho”. Como foi
dito anteriormente, o trabalho do pescador apresenta riscos que, consequentemente, trazem o
medo da atividade pesqueira, que faz com eles passem a ter vícios com intuito de não
pensarem no medo.
Durante as entrevistas, ao perguntar aos familiares sobre o medo devido aos riscos de
ir para o mar, das 13 entrevistas com as famílias, 11 relataram que os pescadores falecidos
não tinham ou não falavam do medo de ir para o mar, ou seja, apenas 02 relataram que os
pescadores que haviam morrido em algum momento da vida reconheceram esse medo, entre
eles o Entrevistado 3 que relata: “Só quando ele saía de barra a fora, aí ele tinha medo. Ele
falava muito era com a minha filha, o medo que ele tinha de morrer lá e não ver ninguém” e o
Entrevistado 11 disse : “No começo ele tinha medo, se amarrava até no...tipo o negócio de
amarrar bandeira, quando o mar estava bravo ele se amarrava ali...ele era muito medroso. Ele
ia porque tinha que ir”, a realidade é que eles reconhecem o risco que correm, mas não
querem expor aos que estão mais próximos a eles.
Ao pesquisar sobre os riscos, Trostle (2013, p.188-189) diz que: “ para o público geral,
risco é um sinônimo de ameaça e perigo: se uma pessoa assumir os riscos, ela arriscará a
própria vida”. Então, é possível identificar que são dois os motivos que levam esses
trabalhadores a pescarem em embarcações que ficam em alto mar por dias, ou semanas, sem
que alguém fale dos riscos, dos medos, dos acidentes que presenciam:
1) eles aprenderam a conviver com essa atividade desde criança e acham que é uma
atividade normal e que acidentes acontecem por casualidade e se tiver que morrer isso
aconteceria mesmo estando no continente;
2) se eles ficarem falando do medo e do risco de irem para o mar, eles não conseguem
voltar na próxima pescaria, e muitas vezes essa é a única fonte de renda da família, ou seja, se
tenho que sustentar a minha família eu não posso pensar nos riscos que eu corro e no medo
que tenho do trabalho que realizo.
82

Para essas situações Dejours (1995, p.70) afirma que “se o medo não fosse assim
neutralizado, se pudesse aparecer assim em qualquer momento durante o trabalho, nesse caso
os trabalhadores não poderiam continuar suas tarefas por muito tempo mais”, e isso acontece
com qualquer trabalhador que se expõe a riscos, o que não seria diferente com o pescador
artesanal, como exemplo, temos o Entrevistado 17, que foi vítima de um naufrágio. Ele relata
que após o acidente: “ficou um pouco de trauma... mas, mesmo assim voltamos a pescar que a
gente... fazer o que, né!?” Eles precisam sustentar a casa e a única coisa que faz com que eles
parem de pescar são outras oportunidades de trabalho ou nos casos de adoecimento e
acidentes que os impossibilitam de ir ao mar para pescar, muitas vezes esse adoecimento e
esses acidentes são oriundos da própria pesca.

6.2.2 Os Acidentes e as Doenças Laborais

As doenças e os acidentes que afastam os pescadores do mar, para serem combatidas,


precisam da implementação de políticas públicas de saúde voltadas para a saúde do pescador,
que é um trabalhador autônomo. Por isso Pena e Martins (2014, p.94) dizem que em relação
aos pescadores artesanais, precisa-se criar um atendimento de saúde

com os objetivos de: orientar a investigação clínica; compor elementos e


medidas preventivas para as patologias do trabalho; propiciar informações
para que essas doenças sejam efetivamente diagnosticadas e notificadas
junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) e a Previdência Social

mesmo porque, muitas vezes os pescadores estão acometidos por doenças que não os
impedem de pescar, mas que se não forem diagnosticadas e cuidadas, se tornarão crônico-
degenerativas e chegarão a um estágio em que não haverá tratamento para cura, apenas
tratamentos paliativos com intuito de diminuir a dor e o sofrimento.
Das 13 entrevistas com as famílias que perderam parentes que eram pescadores, 02
casos foram de infarto fulminante, ou seja, as pessoas morreram na mesma hora sem chances
de receberem qualquer tratamento; 01 caso por causa indeterminada; nas outras 10 causas de
morte, o máximo que a pessoa ficou doente foi 1 ano; os demais, do período que descobriram
a doença até morrer, foram apenas alguns meses (3, 4, 5, 6, 8 meses), sendo que estas
doenças, quando são tratadas precocemente, há uma maior possibilidade de as pessoas
ficarem curadas e viverem por mais tempo. Ou seja, muitas vezes a morte não é precoce em
83

idade cronológica, mas é precoce do tempo de sobrevida do diagnóstico até o momento da


morte.
Além do sofrimento da vítima, também existem as famílias que convivem diariamente
com a realidade de estar com uma pessoa aparentemente saudável e que de repente fica doente
e por muitas vezes em um estado de vida com muita dor. Uma das viúvas relatou que o
marido tinha 59 anos e que nunca imaginou que ele iria morrer daquela forma, tão debilitado,
mas que o sofrimento dele era tão grande que ela pedia a Deus para ele morrer.
Entretanto, pelo fato de exercerem a profissão desde a infância, o adoecimento, o
acidente que acontece no trabalho e/ou por causa dele, nem sempre são reconhecidos como
sendo a principal causa de morte. Na maioria das vezes, a morte é reconhecida como uma
fatalidade, algo que aconteceria de qualquer forma, isso porque “a influência da cultura pode
ser observada no modo como as pessoas cuidam dos sintomas [ou têm a percepção dos
acidentes] antes de receberem o diagnóstico. Há variações entre os grupos em sua disposição
de tomar medidas preventivas” (TROSTLE, 2013, p.23). Esse fato pode ser observado quando
se fez a seguinte pergunta: “Desde os 13 anos quando o senhor começou a trabalhar com a
pesca, o senhor viu muitos acidentes acontecendo nos barcos por acidente de trabalho?”

não acidente de trabalho! Pessoas perdem braço, mão, dedo, é


acidente...acidente dentro do barco, pessoas quebram costela, é amarrada em
uma corda no trancão e naquele trancão já tinha um parafuso ali há 50 anos,
na hora que o barco forçava ele estava na direção daquele trancão
(Entrevistado 1)

Ou seja, na fala desse pescador fica claro que os acidentes de trabalho acontecem,
porém eles são vistos apenas como um acidente casual. Outro relato que ele faz são as mortes
causadas pelos navios, mas que ele não faz menção em ser um acidente de trabalho:

no ano [de] 2009 uma embarcação ficou quebrada aqui, a 20Km da costa de
Cabo Frio e a gente estava pescando dourado, a gente estava mais para
Angra dos Reis, escutamos o cara pedindo socorro, pedindo apoio para
rebocar, ficou o primeiro dia, o segundo dia, no terceiro dia de manhã o
navio passou bateu na proa do barco dele, um dos tripulantes dele caiu
dentro da água, a maré corre muito aqui na área fora do Arraial e o cara foi
embora, ai é triste, você sai com 5 tripulantes e você vê um tripulante indo
embora sem você poder buscar ele, isso acontece direto (Entrevistado 1).

Então percebemos que muitas vezes, para o pescador, tanto os acidentes que não são
fatais (como amputar um dedo, um braço, quebra uma costela), quanto os acidentes fatais
(como ser jogado ao mar e morrer afogado) não são reconhecidos como acidente de trabalho.
84

Mesmo os casos em que eles reconhecem como acidente de trabalho, já se tornaram


tão frequentes que acabam por se normalizar:

Olha a gente tem muito aqui [acidente de trabalho], inclusive um pescador


faleceu com isso, aconteceu com meu irmão, uns 6 meses atrás, porque tem a
correia do motor, porque muitos quando vão mexer [no motor como foi] no
caso do meu irmão a blusa enrolou, a primeira coisa que dá [é]o puxão e vai
é a cabeça, o meu irmão e outro pescador, como são mais fortes eles
conseguiram segurar o corpo, só que o braço e mão esfolou todo, a camisa
que era de linha foi dissolvendo toda, ele chegou a cortar o pescoço, mas
eles não bateram direto a cabeça porque eles eram mais fortes,[no caso do
menino que faleceu] o menino, como era mais fraquinho bateu a cabeça e
morreu na hora, então isso é um tipo de acidente que eu falo „caras, vocês
tem que ter muita atenção com isso‟. Teve um que foi puxando a rede, ele
caiu de mal jeito quebrou a perna, acontece de cair e quebrar a perna, ah!
Porque é pecador não cai....cai dependendo de como está o mar, o vento, cai.
Ah! São Francisco é Record nessa questão de acidente. As embarcações,
principalmente de Barra do Itabapoana, todas essas, uma embarcação com 5
pescadores em que o barco afundou, nunca achou esses pescadores(
Entrevistado 2)

Não sendo apenas esses casos, posteriormente o entrevistado 2 continua a fazer outros
relatos de acidente:

em 2011 estava um barco vindo, um [homem] caiu, o que estava na vigia


quando deram por falta, tentaram voltar e não acharam o corpo desse senhor.
E teve um em 2013 que foi na reta de Farol de São Tomé que eles estavam
vindo e teve um temporal muito grande, foram todos para dentro da
casuarina, a casuarina se soltou da embarcação, a embarcação seguiu com
peixe e eles continuaram dentro da casuarina, ai tiveram que ficar acordado
em cima das tábuas, ai teve uma embarcação de Farol que viu e conseguiu
socorrer todos (Entrevistado 2).

O acidente de trabalho entre os pescadores artesanais é narrado de forma natural, eles


contam as histórias dos acidentes como se fosse algo comum e rotineiro, inclusive, durante as
entrevistas, as famílias de pescadores também tinham histórias que eles relatavam. Como o
caso do entrevistado 4 que diz: “uma vez, o barco que ele estava foi ao fundo”. Então foi
perguntado: “neste episódio faleceu alguém?” “Não, os dois que estavam no barco
sobreviveram e foram parar lá em Búzios, na tábua do assoalho do bote”. “Tinha colete salva-
vidas?” “Tinha, mas não deu tempo para eles botarem”. Neste caso percebemos que não basta
ter os EPI, é necessário tê-los e saber utilizá-los quando necessário para fazer a prevenção de
acidentes de trabalho. Dejours vai dizer que:

Mesmo se o risco é combatido por medidas e regras de segurança, ele quase


sempre conta com uma prevenção incompleta pela organização do trabalho,
85

seja pela limitação dos investimentos necessários, seja porque o risco ou


suas manifestações são mal conhecidos. (1992, p.64)

Isso fica perceptível, no caso dos pescadores artesanais, quando se sabe da existência
de órgãos que são os responsáveis pela fiscalização das embarcações quanto ao uso de EPI,
como é o caso da Capitanias dos Portos, e de fato isso não fica apenas no papel, essas
fiscalizações acontecem assim como o Entrevistado 2 relata:

na realidade tem [EPI] na embarcação, nas embarcações de alto mar tem que
ter até aquelas boias, mas na hora que eles estão pescando não. A marinha
hoje está pegando no pé do pessoal. Mês passado nós fizemos um itinerante
com 5 sargentos [da Marinha], eles estiveram aqui, na questão de legalizar,
porque a gente tinha muitos barcos, ainda que muito tempo tinha
embarcação, mas não tinha documentação, não tinha passado por essa
questão de vistoria que é a questão de que se tem 3 tripulantes, tem que se ter
3 coletes salvas -vidas, tem que ter 3 boias, tem que ter extintor, tem que ter
todo equipamento, então a gente está nesse trabalho legalizando que a
marinha está apertando, porque se pega, até no rio sem colete, sem extintor,
tudo isso gera multa.

Mesmo tendo a exigência, é perceptível que nem sempre o pescador vai aderir ao uso
desses EPI, seja porque ele não sabe utilizá-lo da forma correta, seja porque durante toda a
sua vida ele viu seu pai indo pescar sem se preocupar com esses EPI e o próprio pescador, até
então, não utilizava esses equipamentos.
Essa situação da dificuldade de utilizar EPI fica clara na resposta quando foi
perguntado o que eles achavam dessas exigências realizadas pela Marinha sobre o uso de EPI:
“Ah! Muitos acham um absurdo, que não precisa ter tudo isso, mas muitos já estão se
conscientizando que realmente é importante essa questão de ter esse equipamento na
embarcação. Sempre têm aqueles que são contra e aqueles que são a favor” (Entrevistado 2).
Se eles não reconhecem a importância da prevenção de acidentes, apesar de
reconhecerem que acontecem muitos acidentes e que possuem uma profissão de risco, mais
difícil é trabalhar a questão de prevenção de adoecimento, que vai desde às questões de
vestimentas e protetor solar para prevenção de doenças de pele, à alimentação inadequada,
posição ergonômica para realizar a pesca, e ao uso de bebidas alcoólicas e tabagismo. Borges
et al deixam isso claro quando dizem:

Não há registro na literatura de estudos brasileiros com o propósito de


avaliar conjuntamente o quanto a população conhece sobre os fatores de
risco, como tabagismo, sedentarismo, alimentação inadequada e consumo
excessivo de álcool, as doenças e os agravos não transmissíveis. (2009,
p.1511)
86

Além disso, ainda existem os fatores culturais, sociais, econômicos e regionais ligados a
informações. Quando foi perguntado ao entrevistador 1 sobre o uso de protetor solar entre os
pescadores, ele respondeu: “está melhorando. Ai vai vê, você vai comprar um protetor é caro,
mas ele [o pescador] não larga a droga dele [aqui ele dizia dos dependentes químicos] para
comprar um protetor”. Por mais que seja falado e orientado sobre os problemas de câncer de
pele, o pescador, nem sempre conseguirá comprar o protetor, seja por condições financeiras
precárias, seja porque a sua cultura não o deixa perceber a importância da prevenção.
Entretanto, existem os que viram acontecer na família e perceberam a necessidade de
utilização do protetor solar, como relata o Entrevistado 2:

Meu irmão, por ser muito branco, hoje ele tem essa preocupação usa um
chapelão bem grande, bastante protetor, porque a família do meu pai teve
muito câncer de pele, inclusive ele [o pai do Entrevistado, que é pescador]
vai fazer uma outra cirurgia, semana que vem, no nariz, mais um começo de
câncer de pele, eu por ser mais morena já tive, porque quando você é mais
jovem e vai para o mar, não esquentava de usar protetor, tive um começo de
câncer de pele no rosto e eu sou mais morena. Meu pai é super branco, então
é mais uma preocupação, os pescadores mais jovens estão tendo essa
conscientização de usar protetor, de usar chapéu e muitos fizeram o que
antes não havia, uma varanda nas embarcações, uma varandinha para não
ficar diretamente [exposto ao sol].

Existem os que possuem conhecimento sobre a necessidade de prevenção de doenças,


mas para que isso seja uma realidade compartilhada pela maioria dos pescadores, precisam-se
realizar políticas públicas de saúde que trabalhem a questão da prevenção, ou até verificar
qual é a real necessidade de distribuição de protetor solar. Ao pensar em valores, trabalhar a
prevenção de câncer de pele e fazer a distribuição de protetor solar é mais barato e fácil do
que tratar um câncer.
Além do câncer de pele, existem outros tipos da doença que são mais comuns entre os
pescadores artesanais, como podemos identificar nos dados quantitativos que são: pulmonar,
hepático, de esôfago, de reto, de próstota, gástrico e ósseo, sobre os quais já foram relatados
os fatores de risco. Existem também outras causas de morte que são consequências de doenças
crônico-degenerativas como é caso do Infarto, Insuficiência Cardíaca e Acidente Vascular
Cerebral, que também são preveníveis. Segundo Guerra et al (2005, p.228) “a condição
nutricional [...] desencadeada pelo processo de industrialização, afetou, sobremaneira, a
prevalência de doenças crônicas como o câncer, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e
outros agravos relacionados ao envelhecimento e à obesidade”.
87

É possível notar na fala do entrevistado o quanto a alimentação é inadequada quando


ele relata: “come, de menos é peixe... é feijoada, dobradinha, rabada, mocotó, carne
ensopada... tem o isopor térmico que fica essa comida toda e no gelo. Geralmente [nós
levamos], um saco de laranja, banana, mas assim... comida mais pesada mesmo”
(Entrevistado 1).
Quando questionado sobre o uso de gordura na comida ele responde:

É isso ai, é o normal. Ai fazer um purê de batata com frango, ai, isso ai não é
comida. Tem que ter um jeito de orientar, já me falaram „evita de tomar
refrigerante dentro do barco, você não anda‟ refrigerante é um dos grandes
causadores para você chegar a ser um diabético, não sei se é verdade. Leva
laranja, leva suco, leva isso, leva aquilo, evita refrigerante, seu barco tem 8
metros e 90 cm, 4 metros você tem para andar, você não anda, 22 litros
[garrafas] de refrigerante de 2litros, beber água!? Pescador não gosta de
beber água, então é café, café, café, cigarro, cigarro, mesmo quem não fuma
bebe muito café, mas não tem coragem de ir lá beber um copo de água,
pouca água, mais refrigerante. Bastante, pão com ovo, pão com...frita peixe
coloca no pão. Come toda hora, frita peixe, frita lula, frita ovo (Entrevistado
1).

A fala sobre a comida apresentar grande teor de gordura, de não existir um horário de

se alimentar, do alto consumo de refrigerante, de café, cigarro, principalmente entre os


pescadores que ficam dias no mar, é recorrente, o Entrevistado 2 vai relatar:

Olha, aqui os que vão no vai e vêm, leva café, biscoito, porque sai de
madrugada, e chega. Aí os que vão para o alto-mar levam tudo, feijão, carne,
refrigerante, levam compra, porque vai ficar mais tempo. Oh! Pelo que meu
irmão me passa eles têm comida para almoço e janta, mas eles levam tudo,
levam biscoito, então se um está com fome, eles fazem suco, tem
refrigerante, eles não têm muita hora certa para comer, aí ele fala, se tá de
vigia, porque tem as escalas de quem vai ficar à noite, e enquanto está de
vigia sempre está comendo um biscoitinho para distrair, então não tem muito
essa questão de ter o horário para comer. Eles comem de tudo. A comida de
homem parece ser mais gostosa, ele estava me ensinando a fazer um atum
desfiado que ele faz que é com azeite e tudo mais, comem bem, na verdade
comem bem, pegam o peixe fresquinho ali. Levam carne, carne seca.

O comer bem para o pescador é comer sem horário, comer em grande quantidade. A
gordura não é vista por eles como um fator complicador para a saúde. Mesmo tendo
diagnósticos de doenças que precisam de uma dieta, eles insistem em ter uma alimentação
inadequada:
88

Pescador você sabe como que é!? Pescador gosta de comida pesada, fritura,
esses negócios. Por isso que ele ficou com esses problemas de diabetes, de
pressão, isso ai, não esquentava a cabeça, eu falava com ele: „pai não pode!‟
a problemada do AVC que ele teve foi causada por isso ai! A pessoa é
teimosa, a pessoa vai chegando a uma certa idade vai ficando teimoso
(Entrevistado 9).

Percebe-se que a alimentação inadequada faz parte da cultura deles, eles veem muitas
vezes como sendo importante pelo trabalho que é realizado: “No mar, ah...eles levam
rancho... no mar a comida é pesada, carne seca, feijoada, lá a comida é pesada. Passa até
porque trabalha, faz muita força, puxa a rede” (Entrevistado 11).
Como trabalham muito, uma das coisas que mais lhes dão prazer é a comida, por isso,
não gostam que supervisionem ou interfiram na sua alimentação, pois o pensamento do
pescador é o que a viúva (Entrevistado 16) falou que seu marido dizia: “se eu comer, eu vou
morrer, se eu não comer, eu também vou morrer! Então, deixa eu comer! ”. Eles não querem
perder o prazer da alimentação.
O período que passam no mar comendo em horários diversos, sem controle de sal,
gordura, temperos, comidas condimentadas – salame, salsicha, carne-seca, creme de cebola,
etc.– e quando estão no continente onde a comida pode ser melhor preparada, com um menor
teor de gordura, muitos deles passam pelo problema do alcoolismo: “olha, quando ele estava
bebendo, que ele passava 2, 3 dias bebendo, ele não comia direito não, mas quando ele parava
de beber ele comia muito. Comia bem! Só quando ele estava bebendo que ele não comia”
(Entrevistado 4). Ou seja, ainda existe a questão da bebida alcoólica, que entre os pescadores
é algo frequente como visto anteriormente. Dejours (1992), reconhece que durante os serviços
de riscos os trabalhadores usam a bebida como forma de enfrentar os medos.
O uso de bebida alcoólica nas embarcações é proibido pela Marinha. Em Cabo Frio os
familiares dos pescadores que haviam falecido e o pescador doente que foi entrevistado
relataram que os pescadores não bebiam quando estavam nas embarcações. Um dos relatos
que deixa isso claro é do Entrevistado 11: “no barco tem o mestre, e o mestre não consentia
bebida nenhuma no mar, se a capitania pegasse era uma multa danada, então ninguém levava,
quando chegava que ele bebia, chegava ancorava o barco e ia para o bar”.
Já em São Francisco de Itabapoana, algumas pessoas relataram que o uso de bebidas
nas embarcações é comum, como foi o relato do Entrevistado 2 “eles levam [bebida
alcoólica], eu tinha conversado com o capitão nessa reunião ele pegou [durante uma
fiscalização] muitos com bebida (cachaça) na embarcação”. Como o Entrevistado 2 havia
relatado anteriormente que São Francisco de Itabapoana “é um município recorde [forma que
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o Entrevistado utilizou para expressar o grande número de acidentes que ocorre no município]
em acidente de trabalho com pescadores, inclusive naufrágios”, a ele foi perguntado se o uso
de bebida alcoólica poderia ser um dos fatores que influenciavam nesses acidentes, e a
resposta obtida foi: “Também. Tem muitos que levam até droga, para conseguir ficar
acordado por mais tempo” (Entrevistado 2).
Mesmo não sendo uma realidade dentro das embarcações, em Cabo Frio, os
pescadores também sofrem pela dependência do álcool. O Entrevistado 10 associa o uso de
bebida alcoólica à morte por infarto fulminante do irmão: “na embarcação eles não liberam
bebida alcoólica. Ele não tava doente, ele bebia muito quando ele tava em terra, numa dessa
ele bebeu tanto que deu um infarto, deu uma convulsão e ele morreu dentro de casa, no chão”.
Para muitas famílias o uso de bebida alcoólica chega a atrapalhar o convívio familiar:

a única coisa que me incomodava nele era a bebida. Quando ele bebia, ele
era muito agressivo, muito encrenqueiro, mas tirando isso não era mal irmão
não. Não tinha vício de droga, eu me injuriava muito com ele quando ele se
enfiava nesse bar [o bar é do lado da casa]. Você sabe como é vida de
pescador...ai quando ele cismava ele bebia, ai a idade vai chegando e vai
acumulando tudo (Entrevistado 4).

Porém, essa realidade pode ser modificada quando eles ficam doentes, e a doença é
diagnosticada precocemente com possibilidade de cura, e não apenas como cuidados
paliativos. Eles acabam optando por parar de fazer uso de bebida alcoólica, como foi o caso
do Entrevistado 13, um pescador que está doente com um câncer na boca. Foi perguntado a
ele: – “O senhor bebe?” “Não, não, agora então que não pode mesmo”. “O senhor parou de
beber por causa do câncer de boca?” “É”.“Bebeu por quantos anos?” “Uns 30 anos”. Ou seja,
ele fez uso da bebida alcoólica desde quando começou a pescar e parou apenas por causa da
doença e por perceber que a doença ainda tem cura.
Mas, além da bebida alcoólica, não poderíamos deixar de falar sobre o tabagismo que
é um dos fatores de risco das doenças crônico-degenerativas e está presente no dia a dia
desses pescadores. Das 15 entrevistas realizadas entre pescadores doentes e familiares de
pescadores que faleceram, 10 disseram que eles eram tabagistas. Muitos deles começaram a
fumar desde muito cedo, o entrevistado 13, que é um pescador doente, diz:“Eu fumo, desde
16 anos”. A quantidade que se fuma muitas vezes é algo incontrolável como diz o
Entrevistado 4: “Ele não fumava, ele comia cigarro. Porque quando ele estava pescando, que
ele ia lá para fora, ele me dizia que fumava 3,4 carteiras de cigarro por dia”, ou seja ele
fumava em torno de 60 a 80 cigarros por dia.
90

Durante as entrevistas foi possível perceber a associação que o próprio familiar faz do
cigarro como sendo a causa do adoecimento, assim como é relatado pelo Entrevistado 14: “ele
fumava muito, era fumante desde criança praticamente, mas fumava muito, muito, muito
mesmo, foi aonde causou esse enfisema e estes problema todo, só isso mesmo, por conta do
cigarro”. O entrevistado 16 também diz:“Bebia antes e fumava muito. Antes... o médico logo
quando ele foi pro hospital pra se cuidar, o médico perguntou: „o senhor fumava?‟„Fumava‟.
„Bebia?‟„Bebia‟. Então tudo é efeito também de bebida e cigarro”.
A dependência de drogas, sejam elas ilícitas, ou mesmo as lícitas, como a bebida
alcoólica e o tabaco, deve ser considerada uma doença, pois o seu uso terá como
consequências as doenças crônico-degenerativas, ou mesmo os acidentes. Mas os pescadores
artesanais, não veem essas dependências como sendo algo grave que afeta diretamente a
saúde deles. Na realidade consideram-se doentes quando algo os atrapalha de irem pescar,
assim como o Entrevistado 2, que relatou ao ser perguntado quando alguém se considera
doente.“Geralmente, se estiver sentindo alguma coisa. Tem que ter algum sintoma. Ninguém
vai ao médico sem estar sentindo nada. Começa algum sintoma e você precisa buscar o
médico para saber o porquê disto” (Entrevistado 2). Entretanto, sabemos que há uma
necessidade da busca pelos serviços de saúde de forma preventiva, como exames periódicos
pelo menos 1 vez ao ano, da mesma forma que acontece com os trabalhadores operários.
A busca pelo profissional médico, nem sempre será uma tarefa fácil. Na própria fala
dos pescadores artesanais, é possível identificar algumas das dificuldades de irem em busca
do profissional médico. Por exemplo, as dificuldades encontradas no próprio município
devido ao fato de as políticas públicas de saúde serem ineficazes no atendimento à população
como relata o Entrevistado 1: “a saúde no Município de Cabo Frio é complicado. Quando
chega a ir no médico é pro UPA (Unidade de Pronto Atendimento) ou pro cemitério. Só, se [a
doença] for muito grave mesmo, se não, não vai”. O fato de ter que esperar muito tempo, é
um dos fatores que afastam esses trabalhadores do serviço de saúde. Foi possível perceber que
quando eles chegam a ir, são os pescadores que possuem maior acesso, maior facilidade de
realizar as consultas e os exames, isso fica evidente na fala do Entrevistado 1 quando diz:
“minha esposa trabalha no laboratório, nós fizemos [exames], acabei fazendo um check-up
todo, triglicerídeo, colesterol, ácido úrico, essas coisas assim”. Ou seja, ele vai ao médico, faz
exame, mas ele não espera em uma fila, a esposa dele trabalha em um laboratório, ele não
precisa nem ao menos ir buscar o resultado do exame, este chegará junto com a sua esposa em
91

sua residência e ainda terá o conhecimento se deu alguma alteração e se precisa ir em busca
do médico.
Ir ao médico significa perder o dia de serviço, e os pescadores que trabalham dias
embarcados, acabam não podendo embarcar, como relata o Entrevistado 13, que está doente
relata:

não tenho ido [pescar] não, com esse problema meu [câncer na boca] eu tô
[estou] correndo atrás para operar. Ai não dá para ir, tem médico marcado. A
embarcação tem dia de sair, mas voltar só Deus sabe, portanto, para gente ir
com prazo para voltar, não adianta nem ir, para atrapalhar os outros.

Além dele, o Entrevistado 8 fez o relato da consulta médica: “ele falou „o senhor vai
ter que bater outra radiografia lá‟ aí eu esperei 3h lá, quando chegou a minha vez a menina
marcou pra 20 dias depois...”, ou seja, o pescador já havia perdido 01 dia de pescaria para ir
ao médico, 01 dia para fazer o exame, e quando chegou na vez que dele, era para retornar 20
dias depois, o que significa que ele iria ficar mais 01 dia sem pescar, além da incerteza se iria
conseguir fazer o exame. A consequência desse fato foi não ter realizado o exame para
conseguir chegar ao diagnóstico para os sintomas que ele estava apresentando. Mais tarde isso
poderá ter como consequência uma doença em estágio avançado.
Eles se sentem inferiorizados diante dos profissionais médicos, isso fica claro na fala
do Entrevistado 8 quando ele diz:
a primeira vez que ele foi me atender o cara começou agarrando, apertando,
perguntou: „tá doendo?‟ falei: „o que você acha?‟ „o caroço aqui está
grande‟, „pois é, o que o senhor acha? eu vim aqui porque está doendo, e o
senhor está apertando...‟ „ai tá bom‟, ele teve coragem de me chamar de
cachaceiro [sendo que o pescador parou de beber há 30 anos].

Esse foi um dos fatos que fez com que esse pescador continuasse com o “caroço” que
está crescendo, mas que não o impede de ir pescar, provavelmente mais tarde ele terá uma
complicação nesse local, o que poderá levar a uma morte mais rápida após o diagnóstico, por
uma doença que poderia ser tratada e curada.
A cultura que possuem de buscar pessoas de suas crenças, vizinhos, balconistas de
farmácia, fica clara na fala dos pescadores:“tem, rezadeira para cuidar do coração, esse que
saiu daqui é um, „minha coluna vai melhorar porque estou tomando um chá de erva do no sei
o que e pá pápá. Então, falei: „vai nessa, qual foi a rezadeira?‟ Vai tem que se apegar a Deus,
mas Deus deu inteligência ao homem para ser médico e se formar” ( Entrevistado1).
Mesmo quando se sabe da importância da consulta médica, o meio cultural e a forma
de vivenciar a doença ainda é bem distinto no meio dos pescadores. O Entrevistado 2, que
92

demonstra ser uma pessoa instruída, faz trabalho de prevenção de doenças entre os
pescadores. Mesmo assim, relata o seguinte: “quando fico doente eu procuro a farmácia, o
farmacêutico [na realidade é o balconista da farmácia] é vizinho. Quando tem aquela gripe
que está começando eu vou ali naquela farmácia que já é conhecida, aí me dá aquela
injeçãozinha e eu já estou boa”. Entretanto, a não busca pelo profissional médico pode fazer
com que esse trabalhador chegue a uma situação que seja mais complexa, assim como
aconteceu com o pai do Entrevistado 14:

quando ele chegou a ir ao médico é porque ele já estava se sentindo muito


mal, agente marcava, agente queria levar, mas ele era irredutível não queria
ir de jeito nenhum, então quando ele viu a coisa começando a ficar feia, com
falta de ar muito forte, então foi quando ele passou mal, agente levou para o
médico e já constataram [diagnosticaram] um enfisema pulmonar crônico

Assim como esse pescador, são muitos que não buscam o médico para fazerem exames
periódicos, como por exemplo, acontece com os trabalhadores operários, formalizados pela
lei, que fazem exame admissional, periódico e demissional por ser uma conduta cobrada
dentro das próprias empresas, fazendo com que as doenças sejam previamente reconhecidas.
Mas existem as causas que fazem com que esses pescadores não retardem a busca pelo
profissional médico, que são as causas que lhes atrapalham ir para o mar pescar, como relatou
o Entrevistado 1, quando lhe perguntaram quando o pescador busca pelo profissional médico:
“é[se] machucar uma mão, furar o pé, ou tiver algo que impeça de ficar no convés e puxar
uma linha, ai ele fica. Agora, se for para procurar um para o controle da saúde dele, ele não
vai não”.

6.2.3 As Doenças dos Pescadores Artesanais

Durante a pesquisa sobre as doenças desses pescadores, o que se viu foi que quando
eles chegam a buscar pelo médico, as doenças já estão em estágios avançados, o que faz com
que o sofrimento, tanto desses trabalhadores quanto de suas famílias, seja grande.
O período de doença é um período de incertezas e medos, até porque eles não possuem
o hábito de frequentar ambientes hospitalares, de estarem diante de profissionais da área de
saúde, de enfrentarem situações de internações que os mantenha em uma cama, passando por
tratamentos, fazendo exames para diagnóstico de doenças, além de terem que se afastar da
pesca. Assim relatou o Entrevistado 3: “ [a doença – AVC] apareceu rápido, ele deu a
primeira crise, ficou internado no hospital, aqui na UPA, ele ficou 1 mês internado. A
93

primeira ele caiu, voltou e ficou conversando normal; a segunda também, já a outra ele saiu
praticamente morto”. Ou seja, esse mesmo pescador passou por 3 situações que foram se
agravando e em intervalos pequenos, pois, segundo o Entrevistado 3, tudo isso aconteceu
rápido, do primeiro AVC ao último foram 4 meses.
Além disso, por muitas vezes, quando os pescadores começam a sentir os sintomas das
doenças,eles tentam esconder da família para que não sejam pressionados a buscar pelo
serviço de saúde. Assim relata o Entrevistado 5:

Ele começou o seguinte, ele já vivia muito tempo a gente achando algumas
atitudes dele meio estranha, mas ele não reclamava de nada até que ele
começou a sentir umas dores de cabeça muito forte, mais forte mesmo que
deixava ele arriado, que ele deitava, deixava ele desanimado, às vezes
tomava um comprimido e passava, ai foi indo uns 2 ou 3 meses assim eu
falando para ele „tem que ver isso, tem que ver isso‟ e quando eu insisti
muito com ele, ele falou que estava dando tonteira, que ele deu uma tonteira
na rua, caiu, é...ele estava achando que era o remédio de pressão que estava
fazendo mal para ele, ai foi que um dia, 5h da manhã, ele desceu a escada
para ir no banheiro e levou um tombo aqui na cozinha levou um corte na
sobrancelha e depois desse dia ele ficou debilitado, não enxergava direito,
até para ir no banheiro eu tinha que levar, nos primeiros dias eu tinha até que
dar comida na boca, porque ele não estava enxergando para colocar a comida
na boca, aí foi que ele estava com um encaminhamento para ir a urologista
foi aí que agente começou a levar e descobriu que ele estava com a doença
[câncer] já avançada.

Com isso, o tratamento da doença, que seria curativo, foi apenas paliativo, com o intuito de
amenizar as dores e os sintomas, e esse pescador morreu 8 meses depois do diagnóstico da
doença. Ele tinha apenas 61 anos de idade.
Assim como esse pescador, a história se repete com outros pescadores. O Entrevistado
16 faz o relato de como apareceram os primeiros sintomas, quando foi a busca pelo médico,
como foi o avanço da doença,que chegou em um estágio em que já não havia cura, mas sim
sofrimento e angústia para o paciente e para sua família.

Olhe, ele pareceu assim, reclamando de um joelho, que tava com astrose
[artrose], no joelho, aí o médico chegava lá, tirou uma água, um líquido,
depois fez filtração [infiltração], botou lá... ele tomava muito medicamento.
E não procurava assim... se cuidar melhor, fazer um exame tal pra ver. Aí ele
ficou puxando até aquela perna mei [meio] ruim, cheio de dia melhor, dia
pior, mesmo assim pescando. Não sentia mais nada, isso foi... eu acho que
ele ficou um ano e pouco, sentindo assim... entendeu!? 2010... Ele faleceu
em... foi 2011.
94

Em 2010 ele sentiu os primeiros sintomas, que ainda não o impediam de ir pescar, o que fez
com ele não se cuidasse, não buscasse pelo profissional médico, como o próprio Entrevistado.
A viúva dele afirma:

Ai ele ficou reclamando dessa perna, desse joelho... ficou puxando um


pouquinho, e sempre reclamando de dor. Aí a gente levou ele até o Doutor.
Mas, não procurava também se cuidar. Eu, muitas vezes falava: „procura um
médico!‟ E ele: „ah! Eu tô bem! A gente procura médico, descobre a doença,
é pior‟. Ele falava assim. E quando foi um dia, né? Sentindo assim, sempre
dores, mas mesmo assim pescando, mesmo assim trabalhando.

Ou seja, ele continuava sem se cuidar, sem procurar um atendimento à saúde, pois ele
continuava conseguindo sair para pescar, e o Entrevistado continua relatando:

Ele foi pro mar... aí chegou lá lascou 2 dias que tava em alto mar, veio a
notícia: „oh, ele ta num beliche, mal‟. Aí foi e ta vindo pra terra, porque ta
mal e... o osso se rompeu da perna. Aí foi, nisso chama a ambulância quando
eles, estavam pra chegar em terra, ambulância, tudo chegou na beira do porto
e aí pra tirar aquele homem que era gordo de dentro do barco? Pra tirar do
beliche? Teve que cerrar a madeira e tudo pra abrir o barco pra tirar ele. Ele
era forte. Como que teve que meter a coisa ali pra tirar ele dali que ele não
andava e nem nada. Um grito de dor. Aí tiraram ele, botaram na ambulância,
foi pro Ponto [de Cacimba, que é um Pronto Socorro]. Aí chegou no Ponto
de Cacimba...o médico foi e passou lá uns medicamento, e... Fez raio X lá, aí
foi eu não sei se lá mesmo ele mandou pra Campos. [Depois] veio pra casa.
Aí depois eu voltei lá, era doutor João, João... o doutor João falou „olha esse
homem tem que mandar ele pra Campos porque aí tem que ver que ele ta
com um tumor‟. Aí voltou pro Ponto [de Cacimba] com 8 dias que tava em
casa já em cima de uma cama voltou pro ponto, aí ficou internado lá mais
uns dias. Aí nisso q vê... é... mandaram pra casa novamente, melhorava um
pouquinho eles mandava pra casa. Aí nisso que mandava pra casa eu tinha
uma cunhada que morava em Campos, ela foi, ajeitou um médico lá, foi na
Beneficência, ai levou, chegou lá o médico foi olhou raio-X e tal e aí falou:
olha, ele tá com um tumor nos ossos. Aí agora tem que ver o que é, né? Aí
de lá mandaram pro [Hospital] Ferreira Machado. Aí do Ferreira Machado aí
operou, aí do Ferreira Machado encaminharam ele pra Santa Casa. Aí na
Santa Casa operou pra quê? Pra botar só uma ferragem pra perna ficar dura
pra nós poder cuidar dele. Que a perna dele virou, o pé, a perna fez assim
oh...[ ela demonstrou que ficou como se fosse um S] virou... aí o pé caiu
também, aí o médico foi boto uma ferragem na perna, só pra nós cuida dele,
e leva ele pra Campos, pro hospital, só pro sofrimento não sê pior. Só
mobilizou, que jeito mais não tinha. Aí, chegou lá teve que tirar, mandou pra
fazer um exame. Aí fez, aí quando eu fui lá pegar o resultado, o médico
disse: „oh! Você vem aqui, eu preciso conversar com você‟. Aí eu deixei ele
em casa e fui. Aí chegou lá o médico foi e falou pra mim: „olha, infelizmente
ele tá com câncer maligno e é muito raro esse câncer nos ossos. Ele já tava
todo contaminado, costa, pulmão... todo contaminado‟! E foi muito
sofrimento pra nós Acho que isso me deu força, pra gente. O sofrimento dele
foi tão grande! É um consolo pra nós quando ele foi... eu já falava assim no
hospital: „Meu Deus, se esse homem durar mais uns dias, o que que eu vou
fazer da minha vida?‟ Entendeu? O que, que a gente ia fazer pra poder
95

aguentar a cuidar dele? Que ele era gordo, forte, qualquer coisinha que
mexia ele começava a gritar, gritar...

Um diagnóstico que poderia ser realizado quando esse pescador sentiu as primeiras dores, se
tivesse realizado os exames, mas a doença chegou a um estágio que não havia o que ser feito,
e sofreram todos: o pescador, a família, os amigos. A viúva relata que a morte do pai foi algo
tão triste os filhos passaram a fazer mais uso de bebida e se tornaram alcoólatras.
Ao analisar as falas dos entrevistados, percebe-se que a dificuldade em se conseguir a
primeira consulta é maior tanto pela resistência do pescador na busca do médico, quanto pelos
problemas de saúde pública que enfrentamos em nosso país.
Porém, quando chega o momento de fazer o diagnóstico, eles não relatam
dificuldades. Assim como relata o Entrevistado 6: “Logo assim que começou [fazer os
exames], logo foi diagnosticado o problema”. Assim, como não relataram dificuldade de fazer
o exame por condições financeiras, o Entrevistado 5 fala: “Usamos recurso do SUS, o único
exame que eu paguei foi um exame de vista que o médico que eu levei, o médico tinha
pedido, aíagente pagou, só”.
Uma das situações que deve fazer com que esses diagnósticos sejam concluídos sem
demora, é o avanço das doenças assim como relata o Entrevistado 5:

a médica atendeu ele no PAM [Pronto Atendimento Médico], e olhou a


ressonância dele e falou que ele tava [com câncer], ficou apavorada, ela
mesma levantou do consultório dela e saiu procurando outro médico que era
para encaminhar ele, porque esse médico trabalhava no PAM, só que na
época estava de férias e ela ligou para esse médico e esse médico veio ao
encontro da gente e ele com um telefonema só deixou a internação dele
preparada lá [no hospital de] Bonsucesso, aí agente foi para lá, e chegando lá
agente foi bem atendido e ele já ficou internado

Se os sintomas fossem mais brandos, se o resultado da tomografia não fosse tão


assustador, ao ponto de fazer o próprio profissional de saúde se levantar para agilizar os
recursos para o tratamento, talvez essa família não achasse que fosse tão rápido e eficiente o
fechamento de diagnóstico. Assim como o pescador que durante a entrevista relatou ter um
“caroço” no hipocôndrio esquerdo16 e não conseguiu fazer um simples exame de imagem, o
que fez com desistisse de fechar o diagnóstico. Quando precisar retornar, a doença estará em
um estágio avançado com fácil diagnóstico e apenas tratamento paliativo.

16
Parte superior esquerda do abdome
96

O tratamento, na maioria das vezes, é realizado pelo SUS, assim como relata o
Entrevistado 12: “Conseguiu, conseguiu, tudo pelo SUS”. Mas existiam os que conseguiam
apenas uma parte do tratamento por meio do serviço público de saúde, assim como fala o
entrevistado 14:

quando ele ficou doente e precisou tomar medicamentos, a metade do


medicamento a saúde dava, a gente até entrou com um processozinho,
porque a gente entra, porque tinha aquela bombinha que ele usava que era
para ele respirar melhor e os outros medicamentos, quando não dava, eu
comprava, meu irmão comprava, a família ajudava

Houve relatos de ter que comprar todo medicamento, como diz o Entrevistado 5:
“Não, todos os medicamentos dele foram comprados, até quando ele estava internado no
hospital, tinha um remédio que ele tinha que tomar, e eu que comprava e levava para o
hospital”. Ou seja, nem sempre o financiamento de políticas públicas consegue atender a
necessidade de todos os tratamentos. Ainda existem os casos em que a família precisa
comprar o medicamento para o próprio hospital e, nos casos de tratamentos mais caros,
muitas vezes se faz necessário entrar com processos para conseguir os recursos, mesmo sendo
a saúde um direito de todos e dever do Estado reconhecido pela Constituição de 1988.
A família também é responsável por ajudar no tratamento das pessoas doentes. O
doente por vezes dificulta esse trabalho, o Entrevistado 9 era filho de um pescador com
diabetes e hipertensão arterial e sobre o tratamento ele relatou:

Fazia exame, ai sempre ia no médico que dizia: „você tem esse problema,
Manoel, você tem que se cuidar‟ ai no caso foi isso que aconteceu com ele, a
idade também, ele era teimoso, queria comer bolo, queria tomar sorvete,
queria não sei o quê, agente ia falar com ele, no caso ele chegava de manhã
eu ia lá em cima fazia o café dele com adoçante, levava para ele, dava o
remédio, na hora do almoço, às vezes eu não tava, meu irmão dava o
almoço, dava o remédio dele certinho, mas agente não pode tomar conta,
porque ás vezes ele saia sozinho, ele gostava de andar na rua, tomar sorvete,
ele ia na padaria compra bolo „eu vi o senhor tá comendo bolo, o senhor não
pode comer doce não, rapa!‟ „Ah! Não quero nem saber, se morre, morreu,
não quero nem saber ah!‟ idade...até o médico que estava tratando dele
falava „seu Manoel, você se cuida, você tem problema de coração‟ de 2 em 2
meses trazia ele para fazer exame.

Ou seja, a família cumpria com suas obrigações, levava ao médico, oferecia uma dieta
equilibrada de acordo com a doença que o acometia, os remédios eram oferecidos na hora
correta, faziam os exames necessários. Mas ele que não queria se adaptar ao tratamento. Para
ele deixar a cultura da alimentação desregrada, como sempre foi, era pior do que a própria
97

morte como o filho relatou que ele dizia: “Ah! Não quero nem saber, se morrer, morreu, não
quero nem saber, ah!”.
Para outros, as dores eram intensas, e tudo que eles queriam era um tratamento, que
nem sempre era possível ser próximo da família:

Quando descobriu ele já estava com a doença, mas até o internar, não
internar e vinha aqui fazia um medicamento, passava, mas muita dor, ai o
médico mandou levar lá para o Rio, para Cruz Vermelha, ai ele até morreu
lá, nós fomos buscar ele, [mas ele] fazia tudo lá, fazia lá, para não vir
embora. Cabo Frio, para ir para lá era uma mão-de-obra, aí ele ficou
internado lá, uma internação para fazer isso tudo [quimioterapia e
radioterapia] lá, não ter que vir aqui e ter que voltar (Entrevistado 11).

Na realidade, a própria família queria amenizar as dores, sabia que o retorno para casa era o
retorno para um local em que ele não teria recurso para amenizar a dor.

6.2.4 A Dificuldade de Receber Seguro-Saúde Quando o Pescador Encontra-se


Doente

Além de ter que conviver com a dor,os doentes e as suas famílias têm que conviver
com uma dura realidade. Em todas as entrevistas realizadas, em que o pescador não era
aposentado antes de ficar doente, eles não conseguiram receber o seguro-saúde, que deveria
ser pago pelo INSS, mesmo tendo isso como direito. O Entrevistado 16 relata:

Ficamos com uma vida triste, ele na cama, fizeram a perícia para aposentar
ele dentro do hospital e não conseguiu. Entendeu!? Mas ele não ganhou nada
de INSS, em doença não. Enquanto tava ali na cama não [recebeu nenhum
benefício]. Depois que ele morreu que eu agendei logo pra mim ir lá.

Esse era um pescador de 59 anos, e não conseguiu receber o benefício do INSS, mesmo tendo
um câncer de ossos com metástase em outros órgãos.
O Entrevistado 5 relatou que só conseguiu o benefício no último mês de vida do
marido, e o quanto foi difícil não ter nenhum ganho, mesmo porque foi necessário parar de
trabalhar para cuidar do marido com câncer, internado no Hospital de Bonsucesso, no Rio de
Janeiro, uma cidade distante de sua residência. Então ela diz: “não, ele faleceu antes de se
aposentar. O benefício dele só saiu poucos dias antes de ele morrer. Parei de trabalhar para
cuidar dele, e meus filhos me ajudaram muito. E eu sempre tive o cuidado de guardar um
pouquinho, né, então deu para passar assim, foi apertado, mas...”. Além disso, existem
também os casos em que somente a pesca não supre a necessidade da família, por isso os
98

pescadores acabam realizando outras atividades, o que faz com que percam os direitos na
Previdência Social como Segurado Especial, assim como relata o Entrevistado 9:

Não, não, ele não se aposentou pela pesca não. Ele tinha a pescaria, mas ele
tinha barraca em praia, entendeu!? Ai depois ele vendeu e ficou só mesmo
na pescaria. Teve uma época também que ele trabalhou na praia também, na
pesca é o seguinte: tem época que dá, tem época que não dá, ai você tem que
ter um outro ganhozinho para você sobreviver, para família, senão fica
complicado viver só da pesca. Ai o que acontece, quando ele se aposentou,
foi fundo rural, ai minha mãe, se aposentou também, porque ele não pagava
muito INSS, pescador se sabe como que é, não esquenta a cabeça para pagar
esse negócio de INSS, ai como ele teve a oportunidade de, sem pagar INSS,
se aposentar ai minha mãe se aposentou primeiro e depois ele se aposentou,
mas ele num quase desfrutou, porque depois de 4 ou 5 meses ele faleceu, só
que minha mãe não tem direito, porque fundo rural não dá direito a pensão
para mulher, entendeu!?

Além desse houve o relato do Entrevistado 3: “não [recebeu benefício do INSS] e até hoje a
minha filha não tem direito a nada, não recebe um tostão”. Entretanto, há a informação, no
caso dessa vítima que havia falecido de que o mesmo havia prestado um serviço para
prefeitura, o que fazia com que o mesmo perdesse o direito de segurado especial, que é
concedido aos pescadores artesanais.
Também há relatos de que o pescador consegue receber o seguro saúde, mesmo que
não seja para todas as patologias, inclusive, a doença da qual o pescador mais se queixa que é
a dor na coluna, acaba sendo uma das doenças sobre as quais eles mais reclamam não
conseguir o seguro-saúde. Isso fica claro no relato do Entrevistado 2:
consegue [ficar com benefício do INSS nos casos de adoecimento]. A grande
maioria consegue sim, porque tem a questão do encaminhamento, agente dá
o encaminhamento, agente agenda para eles, monta todo o processo com
laudo médico, a grande maioria, sim, consegue o auxílio médico. O posto de
saúde, dependo de quem vai atender ele, se é no posto de saúde ou no
hospital, o médico dá o laudo com o que realmente aconteceu. O meu irmão
foi o médico que deu o laudo dizendo o que aconteceu, como forçou muito,
forçou a coluna, meu irmão ficou quase 1 ano pelo INSS, porque forçou
muito ele teve um probleminha na L6 (Entrevistado 2).

Porém, sabe-se que essa não é a regra, pois:

Existem casos de não conseguir o benefício. Pescador tem muito problema


de coluna. E não sei por que o INSS entende que tem que pescar. Tem uns
que tem que usar colete e tudo mais. Muitos, quando têm problema de
coluna...é complicado. Mesmo estando com laudo médico o INSS não
reconhece. Quando são outros problemas é mais fácil, mas quando é
problema de coluna é mais complicado (Entrevistado 2).
99

Ou seja, é preciso que sejam desenvolvidas políticas públicas entre as colônias de pescadores,
secretarias municipais de saúde e Previdência Social. Então a colônia irá solicitar aos seus
associados que busquem o serviço de saúde do trabalhador na secretaria de saúde e esta, por
sua vez enviará laudos de notificação de adoecimento de trabalho para o INSS. Isso permitirá
que todas as doenças, incluindo as ergonômicas, sejam reconhecidas como doenças
relacionadas ao trabalho executado. Com isso os pescadores terão seu direito ao seguro-saúde
reconhecido, lembrando que é necessário diminuir a burocracia, pois quando eles ficam
doentes, por muitas vezes a morte é rápida pelo avanço da doença.

7 CONCLUSÃO

Ao finalizar este estudo, a conclusão a que se chega, é de que os pescadores artesanais


trazem junto com a sua profissão uma cultura que incorporam por amor, pelo histórico
familiar ou por ser o único trabalho que sabem fazer. São esses os motivos que faz com que
convivam com riscos e medos que essa profissão oferece, não sendo apenas o medo do mar. O
medo de adoecer é intenso ao ponto de se recusarem a busca do médico, para que não se
descubra alguma doença que possa impedir de ir pescar, o que resultaria em uma diminuição
de renda familiar.
Outra questão cultural, que precisa ter mais atenção na atividade pesqueira, é em
relação ao gênero dos profissionais que realizam a atividade, pois, apesar de não ter sido o
foco central desta pesquisa, as mulheres que possuem suas atividades voltadas apara pesca
não podem ficar invisíveis para o sistema, tanto durante a execução do trabalho, quanto no
momento do adoecimento e da morte (nos dados apresentados pelas secretarias municipais de
saúde sobre a morte dos pescadores, nos dois municípios, só havia 01 óbito de pescadora).
Esse reconhecimento é necessário para que as pescadoras tenham direito à previdência social,
tanto no momento em que precisarem do seguro-saúde, quanto no momento em que tiverem
direito à aposentadoria, ou quando seus dependentes precisarem da pensão.
Para modificar algumas realidades do dia a dia dos pescadores artesanais em relação
aos seus direitos e aos deveres na sociedade, são necessárias algumas medidas, como o fato de
100

não mais participarem de forma passiva das colônias e das associações, mas que tenham uma
maior capacidade de lutar por espaços na sociedade, de forma que consigam administrar o
comércio do pescado, não tendo que passar por atravessadores, melhorando a renda familiar,
buscando por serviços de saúde de forma preventiva, não apenas curativa. Isso permitirá que
as próximas gerações tenham melhores condições de vida e mais conhecimento sobre seus
direitos e deveres enquanto trabalhadores autônomos, inclusive direitos com relação à saúde.
Podem realizar mudanças de vida como uma alimentação adequada, atividades físicas
regulares e prevenção de doenças laborais – câncer, catarata, dores lombares, hipertensão,
diabetes, etilismo, tabagismo, pneumonia etc.− isso somado às técnicas de prevenção de
acidentes. Essa questão de prevenção na atividade pesqueira já possui uma preocupação de
outros órgãos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que recomenda atenção
maior para as questões referentes à segurança e saúde dos trabalhadores, tendo como base
para essas recomendações as precárias condições de trabalho encontradas na pesca (BRASIL,
S; 2007).
Para isso, é necessário que as associações e as colônias de pescadores comecem a
desenvolver atividades em conjunto com as secretarias municipais de saúde para que sejam
realizadas ações que levem o pescador a ter a preocupação com a prevenção dos acidentes e
das doenças laborais. O que se observou foi que, na maioria das vezes, esse trabalho realizado
na pesca é tão rotineiro que esses trabalhadores não conseguem fazer a associação dos
acidentes e das doenças com as atividades que realizam, achando que toda doença e acidente é
uma casualidade. Nos casos das doenças, elas avançam tanto até que seus portadores
procurem algum serviço de saúde e, quando fazem os exames, o diagnóstico não demora, pois
se tornam evidentes, a ponto de “apavorarem o médico”que estava atendendo e o mesmo sabe
da necessidade de se iniciar rapidamente o tratamento.
A demora pela busca do serviço de saúde, faz com que o diagnóstico demore a
acontecer, com isso, os tratamentos se tornam apenas paliativos, pois a doença avançou tanto
que já não há possibilidade de cura. Se for levado em consideração o momento em que o
pescador procura um profissional de saúde até o momento de sua morte, esse período dura no
máximo 1 ano, trazendo tanto aos pacientes quanto aos seus familiares dor e sofrimento.
O que se conclui é que as causas de morte da população de pescadores artesanais são
as mesmas causas de morte da população geral, ou seja, a maior causa de morte é por doenças
crônico-degenerativas, seguida de causas externas e posteriormente de doenças transmissíveis.
Entretanto, esse estudo teve sua importância quando identificou algumas diferenças na morte
101

precoce entre os pescadores artesanais, ao comparar a população geral dos Municípios de


Cabo Frio e São Francisco de Itabapoana.
Isso fica claro quando se analisam os gráficos com os dados de coeficiente de
mortalidade que comparam as duas populações – pescadores artesanais e população geral– em
que o coeficiente é maior entre os pescadores artesanais nas faixas etárias menores. Além
disso, foi possível identificar que a morte pode não ser precoce apenas na idade, mas é
precoce também ao se comparar desde o tempo em que descobre a doença até a morte desses
pescadores.
Por isso, com o intuito de melhorar a saúde do pescador artesanal, faz-se necessário
um acompanhamento desses trabalhadores, fazendo exames periódicos e consultas médicas
regulares, da mesma forma que ocorre com os trabalhadores empregados pela CLT. No intuito
de prevenir doenças e possibilitar uma recuperação e reabilitação mais rápida, esse controle
de consultas e exames poderia ser feito pela própria colônia em parceria com a secretaria
municipal de saúde, por meio do setor de saúde do trabalhador.
Poderia ser o próprio Estado o responsável pela vigilância em saúde do trabalhador
autônomo a qual tem como finalidade realizar a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e a
reabilitação desse trabalhador. Para isso, é necessária a realização das seguintes ações de
vigilância epidemiológica: coleta e o processamento de dados dos pescadores doentes; análise
e interpretação dos dados processados; divulgação das informações; investigação de casos e
surtos; análise dos resultados dos óbitos; e recomendação e promoção das medidas de controle
indicadas (BRASIL, 2010).
Essa promoção das medidas torna-se necessária com a atuação da vigilância sanitária
nas orientações quanto ao uso de EPI e, mesmo de vestimentas e acessórios, que têm por
finalidade prevenir as doenças e os acidentes que forem reconhecidos como originário do
trabalho. Precis-se tentar melhorar as condições de vida, de trabalho e de saúde dessa classe
trabalhadora, a qual muitas vezes, é negligenciada pelas políticas públicas (PENA et all,
2013). É necessário que haja uma assistência à saúde dos trabalhadores de forma preventiva e
com o reconhecimento das doenças que são prevalentes nos pescadores artesanais.
A Vigilância Epidemiológica, por meio de notificação de doenças e agravos dos
pescadores, tem a possibilidade de identificar quais são as doenças típicas dessa classe de
trabalhadores. Seria possível o reconhecimento das doenças que mais atingem esse
trabalhador, com isso, essas doenças deixariam de ser invisíveis para o Estado, para os
profissionais de saúde, entre os pescadores e para o INSS.
102

Isto porque existem as questões da previdência social e, muitas vezes, esse trabalhador
não tem como provar quais são as doenças recorrentes do trabalho, mesmo com a Portaria
1.339/99, que institui a lista de doenças relacionadas ao trabalho, que deverá ser utilizada e
atualizada anualmente como referência para uso clínico e epidemiológico. A negligência da
lista tem feito com que muitas dessas doenças se tornem invisíveis quando afetam os
pescadores artesanais, fazendo com que os trabalhadores não consigam receber da previdência
o seguro- saúde para sustentar a família no período em que se encontra impossibilitado de
trabalhar por motivo de adoecimento ou pelas consequências de um acidente. Muitas vezes,
não conseguem também realizar o tratamento adequado para uma reabilitação das doenças
laborais (PENA;et al, 2013).
O pescador artesanal tem que ter, em sua atividade, os seus direitos trabalhistas
assegurados, tanto no que diz respeito à prevenção de doenças, quanto no que diz respeito aos
acidentes. E, quando houver o momento da impossibilidade de trabalhar, ele precisa conseguir
o atendimento necessário para o diagnóstico e o tratamento em tempo hábil, de modo que não
seja apenas um tratamento paliativo, mas sim, curativo, que permita a sua recuperação e a sua
reabilitação. Isso faz parte das responsabilidades do Estado para que esses trabalhadores
tenham acesso a uma assistência à saúde como direito real e inalienável.
103

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Superiores – DAS e Gratificações de Representação da Presidência da República; e dá outras
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