Bibliografia: f. 104-109.
Título.
CDD – 306.364
ADOECIMENTO E MORTE DOS PESCADORES ARTESANAIS NA BACIA DE
CAMPOS – RJ
APROVADA:____/____/____
BANCA EXAMINADORA
A Deus, por ser presença em minha vida. Ao meu marido por me conduzir aos meus
trabalhos de campo, por toda paciência e compreensão durante esses dois anos. A minha mãe,
por sempre acreditar na minha capacidade e saber que eu iria chegar até aqui. Ao meu pai que,
mesmo ausente fisicamente, foi presença em meus pensamentos e nos momentos difíceis
quando pensava em desistir eu lembrava o quanto ele estaria orgulhoso de dizer que eu era
mestranda da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Aos meus irmãos, Danilo e João
Vitor, por estarem sempre por perto, e entenderem os momentos em que precisei me ausentar.
A minha cunhada, Estela, e aos meus sobrinhos Lucas e Amanda, que sempre se fizeram
presentes durante essa trajetória. Ao meu grande amor, minha filha, Laís, por fazer parte desse
sonho.
Ao meu orientador , Geraldo Timóteo, não me esqueço de suas palavras no primeiro
dia em que pensei em desistir e você me disse: “você está aqui para aprender e eu estou aqui
para ensinar, você não vai desistir”, elas foram muito importantes para mim ao longo desses
dois ano. Obrigada pela confiança e por me permitir realizar uma pesquisa tão intensa e
necessária para uma classe de trabalhadores que ainda precisa tanto de conhecer seus direitos,
principalmente quando adoecem e uma morte com menos dores. Obrigada, porque essa
pesquisa me fez crescer e ver no outro as dificuldades que não conhecia.
Muito obrigada à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
por me acolher e permitir me aprofundar no meu conhecimento, assim como ao Projeto
Pescarte, que financiou minha pesquisa. Aproveito para agradecer a todos os pesquisadores do
Projeto Pescarte que me ouviram e me ensinaram tanto, a todos os técnicos da pesquisa de
campo, que foram fundamentais para o desenvolvimento da minha pesquisa e à equipe do
escritório, que sempre esteve pronta para me ajudar nas minhas necessidades.
Ao Presidente da Colônia de Cabo Frio, Alexandre, e ao Filipe Coutinho – sem os
quais a pesquisa de campo seria mais difícil – por me conduzirem até as famílias de
pescadores que haviam falecido. Aos pescadores doentes que aceitaram participar da pesquisa
e a todas as famílias de pescadores que haviam falecido que responderam tão prontamente às
perguntas, mesmo sendo lembranças dolorosas.
A todos os professores que dividiram seus conhecimentos comigo durante esses dois
anos por meio de disciplinas, com certeza eles foram essenciais para minha pesquisa e para
meu crescimento pessoal.
Aos meus grandes amigos Leandro e Francine, por todo incentivo, por terem
acreditado em mim.
Aos meus amigos do Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Rio de Janeiro, por
todo incentivo e trocas de plantões.
Aos meus amigos mestrandos da turma 2014/2015, sem os quais o mestrado não seria
o mesmo, obrigada por fazerem parte da minha história de vida. Em especial a Suelen
Ribeiro, que não tenho como retribuir, pois não mediu esforços para me ajudar na reta final
com documentação, quando as minhas possibilidades de resolver eram mais difíceis por causa
do resguardo da Laís.
Como é doce morrer no mar
(Dorival Caymmi)
TORRES, D.M.A. Adoecimento e morte dos pescadores artesanais na bacia de Campos – RJ.
Campos dos Goytacazes, RJ: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro –
UENF, 2016.
Esta pesquisa tem como objeto de estudo o processo de adoecimento e a morte entre os
pescadores artesanais na Bacia de Campos, RJ. Este objeto é fruto do espantamento causado
na pesquisadora quando leu os dados da pesquisa realizada pela Petrobrás, em 2009, com uma
amostra de 10% da população pesqueira da Bacia de Campos. Nesses resultados não era
apresentado nenhum pescador com 70 ou mais anos. O que nos trouxe a questão: de quais
seriam as causas de adoecimento e morte, supostamente prematura, entre os pescadores
artesanais? Para responder a esta pergunta norteadora, esse estudo foi realizado nas
comunidades de pescadores artesanais dos Municípios de Cabo Frio e São Francisco do
Itabapoana; os aspectos relacionados à causa mortis foram realizados por meio da análise
documental das declarações de óbito dos municípios em estudo, e uma análise dos dados do
Censo realizado pelo Projeto Pescarte em que o pescador é questionado se possui alguma
doença relacionada à pesca. Foram realizadas entrevistas com pescadores doentes e com as
famílias dos pescadores que haviam falecido para fazer o nexo da causa de morte com o modo
de vida e verificar se existe ligação com as atividades da pesca. Dessa maneira, a pesquisa
assumiu um caráter de natureza quali/quantitativa. Os instrumentos utilizados foram a
pesquisa documental nas declarações de óbito e nos dados do Censo Pescarte sobre o
adoecimento, e entrevista em profundidade com familiares de pessoas que já haviam falecido,
o que nos permitiu realizar uma triangulação dos dados obtidos. Ao analisar os dados
coletados, os resultados apresentados foram que as causas de morte em sua maioria são por
doenças crônico-degenerativas, o que também é comum na população geral, porém, do
diagnóstico até a morte do pescador a expectativa de vida é menor. Das 13 entrevistas com as
famílias de vítima que haviam morrido, o tempo máximo de sobrevida foi de 1 ano, do
diagnóstico da doença até a morte, em decorrência da não busca por serviços de saúde, o que
faz com que a doença avance de forma a permitir apenas o tratamento paliativo. Foi possível
analisar que as doenças pelas quais os pescadores se consideram acometidos são as que
impedem que ele vá pescar. Além disso, pelo fato de terem uma iniciação precoce na pesca,
eles não conseguem relacionar as doenças e os acidentes com as atividades que desenvolvem,
mas sim como uma casualidade, o que faz com que muitas vezes não busquem realizar a
prevenção de doenças e de acidentes.
TORRES, D.M.A. Illness and death of artisanal fishermen in the Campos Basin - RJ.
Campos dos Goytacazes, RJ: State University of Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF,
2016.
This research has as its objetc of study the process of illness and death among the fisherfolk in
Campos Basin, RJ. This object is product of the frightening induced in the researcher when
she read the data of the search fullfiled by Petrobrás, in 2009, with a sample of 10% of the
fishing population of the Campos Basin. These results didn‟t show any fisherman above 70
years old. Which has brought us to the question of what would be the causes of illness and
death, supposedly overhasty, between the fisherfolk? To answer this guiding question, this
study was conducted in fisherfolk communities of Cabo Frio and São Francisco do
Itabapoana; the aspects related to causa mortis were carry through desk reviews of death
certificates of the counties under study, and an analisis through the data of the Census
contucted by Pescarte Project wherein the fisherman is questioned if he has any disease
related to fishing. Interviews with sick fishermen and with families of fishermen who had
passed away were conducted to make nexus of the cause of death with their way of life and
acertain if there is connection with the fishing activity. Thus, the research assumed a natured
quali/quantitative character; the instruments used were the desk review on death certificates
and Pescarte Census data, and in-depth interview with relatives of people who had already
died, which has allowed us to realize a triangulation of data. When analyzing the colected
data, the results shown, that most of the reasons of death were in consequence of chronic
degenerative diseases, which is usual on the general population, but, from the diagnosis
through the fisherman‟s death the life expectancy is lower, of 13 interviews with the victim
families who had died, the maximum survival time were 1 year, from the disease‟s diagnosis
until death, due lack of search for health services, which causes the disease progresses so as to
allow only palliative treatment. It was possible to analyse that the diseases that fishermen
think are making them sick, are the ones that prevents that they go fishing, besides, the fact
they have an early initiation on fishery. They can‟t relate the diseases and the accidents with
the developed activities, but as a casuality, what makes that many times they don‟t look for
realizing their prevention.
Este estudo tem como objeto o processo de adoecimento e a morte dos pescadores
artesanais na Bacia de Campos- RJ. A motivação inicial para a realização desse estudo foi o
contato com uma pesquisa de plano de caracterização regional (PCR) da Pesca na Bacia de
Campos realizada pela Petrobrás, em 2009, que abrangeu a população de pescadores
artesanais da Bacia de Campos desde o Município de São Francisco de Itabapoana – RJ, que
fica localizado ao norte do Estado do RJ, até o Município de Arraial do Cabo, que fica ao sul
da Bacia de Campos no Estado do RJ, por serem municípios que sofrem impactos ambientais
pela exploração de Petróleo, o que ocorre principalmente no município de Macaé. A amostra
foi de 10% da população pesqueira dessa Bacia, na região mencionada, e seu resultado não
apresentou nenhum pescador artesanal com 70 anos ou mais.
Considerando essa situação, surgiu uma curiosidade: a amostra havia sido insuficiente,
ou não haveria pescador com mais de 70 anos? Entretanto, a pergunta que norteou essa
pesquisa foi: quais seriam as causas de adoecimento e morte “precoce” entre os pescadores
artesanais? Para a construção do entendimento da maneira como ocorre a morte desses
profissionais, foi preciso realizar um diagnóstico epidemiológico das principais causas que
levam ao seu adoecimento; entrevistas com os familiares das pessoas que haviam falecido,
com os pescadores doentes e com os presidentes de colônias; além de ter que fazer uma busca
por referências bibliográficas sobre o modo de viver dos pescadores, principalmente em
relação às atividades que realizam. Fez-se necessária a coleta de informações sobre os
serviços de saúde que deveria ser oferecidos aos pescadores artesanais, o que permitiria
quebrar a invisibilidade vivida por eles diante do poder público.
Antes de falar do pescador, é preciso identificar a pesca como sendo uma atividade
exercida desde o princípio da humanidade como forma de subsistência e arte. Atualmente esta
é uma atividade que tem como objetivo, além da arte e preservação de uma cultura, ser fonte
de riqueza, ou apenas, para alguns pescadores, uma renda de subsistência. Por isso, foi
necessário fazer uma equiparação de pescadores artesanais enquanto trabalhadores autônomos
do mar e seus correlatos urbanos assalariados.
Os trabalhadores urbanos, no período inicial do capitalismo, foram obrigados a deixar
o seu meio de produção, que era tipicamente rural, e assumir algumas características que antes
não existiam em seu cotidiano:
14
1
Esse número varia de um mês para outro devido ao fato de o registro ser um processo realizado diariamente,
com inclusões e exclusões constantes.
15
dados do Censo do Projeto Pescarte2 para analisar quais eram as causas de adoecimento que
os pescadores relatavam como mais graves. Por fim, foram realizadas entrevistas com
familiares de pescadores que haviam falecido e com pescadores que estavam doentes para que
pudesse haver uma melhor compreensão sobre as causas de morte e os adoecimentos desses
trabalhadores. Fez-se necessário entrevistar também os presidentes da colônia de pescadores
dos dois municípios em estudo.
Os resultados dos dados quantitativos podem ser identificados nos cálculos de
coeficiente de mortalidade, demonstrado por meio de gráficos, que esse coeficiente é maior na
população de pescadores artesanais do que na população geral em todas as faixas etárias no
município de Cabo Frio. No município de São Francisco de Itabapoana, esse coeficiente só
passa a ser menor entre os pescadores artesanais na faixa etária de 60 a 79 anos, o que mostra
que a morte é maior na população de pescadores artesanais mais jovens em relação à
população geral na mesma faixa etária, sendo a principal causa de morte a doença crônico-
degenerativa3, o que também ocorre na população geral.
Entretanto, nos resultados dos dados qualitativos, pode-se verificar que quando se
chega ao diagnóstico da doença nos pescadores, a mesma já se encontra em um estágio tão
avançado que os cuidados já deixaram de ser curativos e passaram a serem paliativos 4. Com
isso, uma doença que poderia ter um tratamento que levaria a pessoa à cura, caso fosse
realizado no início pode, em poucos meses, levar a pessoa a óbito de forma precoce. Ou seja,
além da morte cronologicamente precoce, também existe a morte precoce no período da
doença, de acordo com os dados coletados com as famílias, pois uma doença em que a
sobrevida poderia ser de anos, infelizmente complicações, avanço da doença e o óbito ocorre
em poucos meses. Além disso, foi possível analisar que as causas de morte normalmente não
são as doenças identificadas pelos pescadores como as de maior gravidade − com exceção da
2
O Projeto Pescarte é uma medida de mitigação exigida pelo licenciamento ambiental federal, conduzido pelo
IBAMA . Visa ao apoio a organização social por meio do desenvolvimento de projetos de trabalho e renda tendo
por base o saber fazer dos pescadores artesanais da Bacia de Campos. O Projeto é desenvolvido desde de 2014
em 7 municípios da Bacia de Campos – São Francisco do Itabapoana, Quisamã, Campos dos Goytacazes, São
João da Barra, Macaé, Arraial do Cabo e Cabo Frio – em convênio entre Universidade do Estado Norte
Fluminense (UENF) e Petrobrás. Os trabalhos são desenvolvidos pelo Laboratório de Estudos do Espaço
Antrópico (LEEA) e o Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (PPGPS), do Centro de Ciências do
Homem (CCH).
3
Doença crônico-degenerativa são doenças não transmissíveis que o organismo desenvolve, principalmente pelo
modo de vida. Exemplos de doenças crônico-degenerativa são: câncer, diabetes, hipertensão arterial
4
Os Cuidados Paliativos são realizados nos pacientes que não possuem possibilidades terapêuticas de cura
buscando controlar ou amenizar os sintomas e sinais físicos e psicológicos (MARCUCCI,2004).
17
pneumonia. Para eles, doenças são aquelas que fazem com que o pescador fique
impossibilitado de realizar suas atividades laborais.
Para a concretização desse estudo, foi necessário investigar, a partir dos objetivos,
algumas hipóteses que permitirão alcançar uma melhor compreensão dessa realidade social
sui generis.
2 OBJETIVOS
Tem por finalidade direcionar a pesquisa para a obtenção dos dados epidemiológicos
que permitiram encontrar as causas de adoecimento e morte dessa classe de trabalhadores.
3 HIPÓTESES
H1: Afirmamos que parcela do adoecimento e morte dos pescadores artesanais se dão
em razão de suas atividades laborativas;
H2: Afirmamos que parcela do adoecimento e morte dos pescadores artesanais se dão
em razão da inexistência de uma assistência à saúde voltada para os casos típicos de
adoecimento dessa categoria profissional;
H3: Afirmamos que o adoecimento e morte de parcelas dos pescadores artesanais se
dão em razão da formação inadequada na segurança do trabalho e em sua alimentação;
H4: Afirmamos que o adoecimento e a morte de parcela dos pescadores artesanais é
agravada em razão da falta de acesso aos direitos previdenciários.
4 REFERENCIAL TEÓRICO
A pesca, por sua história, é considerada uma parte importante para a construção sócio-
cultural da humanidade, pois foi se construindo na sociedade ao longo dos anos como um
19
saber fazer na apropriação da natureza (CARDOSO, 2001). Mesmo sendo considerada uma
arte, no sentido do saber fazer do artesão, os pescadores artesanais possuem uma dependência
econômica da pesca, por isso, além de ser uma arte, também deve ser considerada como seu
trabalho, o que deveria fazer com que tivessem os seus direitos trabalhistas reconhecidos em
lei. Da mesma forma os operários, não sem luta, foram em busca de seus direitos trabalhistas,
ou seja, de um espaço de trabalho com menor coerção organizacional, de salários mais dignos
e de ambientes de trabalho com um menor grau de agressão à saúde. Essas lutas trabalhistas
iniciaram-se pelo fato de que os espaços criados para o desenvolvimento de muitas atividades
laborais estavam – e muitos delas ainda estão – vitimando os trabalhadores por meio do
adoecimento e da morte muitas vezes precoce em razão das atividades desenvolvidas.
Historicamente, a organização dos pescadores enquanto classe iniciou-se por medo das
autoridades portuguesas de que o litoral brasileiro fosse tomado por potências estrangeiras
que cobiçavam as riquezas naturais do Brasil. Em períodos anteriores, países como a França,
Holanda e até mesmo a Espanha, tentaram invadir o país. Dessa forma, a partir de 1817, na
Enseada das Garoupas (SC), em razão da abundância de peixes na região, iniciou-se um
processo intenso de colonização autorizada por D. João VI. Seus principais moradores foram,
inicialmente, os colonizadores açorianos 5 (SEVERO, 2012), mas logo atraindo brasileiros
nativos para aquela região.
A organização do processo de ocupação daquela área e o recrutamento de pescadores
para a formação das primeiras colônias de pescadores ficaram a cargo da Marinha e a função
primeira das colônias era contribuir para a proteção da costa brasileira, pois ninguém conhecia
tão bem e empiricamente a costa brasileira quanto os pescadores. Dessa forma, não era a
organização da classe o objetivo, ficando as colônias pescadoras submetidas à marinha
portuguesa, pois o Brasil era, ainda, pertencente ao do Reino de Portugal (BRASIL, 2010). E
essa experiência foi levada a todo o litoral brasileiro, conforme a citação a seguir:
5
Informação de um blog : http://mochilabrasil.uol.com.br/destinos/bombinhas#sthash.s6MHOjar.dpufdevido,
acessado em 29/03/2016.
20
O interesse na implementação das colônias em toda a costa brasileira não era a formação da
classe de pescadores artesanais, mas continuava sendo apenas o interesse do Estado em
defender a costa brasileira (MORAES, 2001). Esse processo alcançou maior impulso a partir
da eclosão da Primeira Guerra Mundial, dado o fato de que navios alemães haviam sido
avistados em águas brasileiras. Uma outra razão, e não menos importante, para que o Estado
tivesse o interesse nos pescadores era o fato de que, apesar do vasto litoral e do complexo
sistema de águas interiores, o Brasil ainda precisava importar esse tipo de alimento para sua
população (MORAES, 2001). Novamente, a sua organização se dava não pelo interesse
enquanto classe de trabalhadores, com intuito de melhorar as suas condições de trabalho e
renda, permitindo a esses trabalhadores uma organização trabalhista que lhes desse uma
melhor condição de vida, mas, simplesmente, como produtores de alimentos de boa qualidade
e custos reduzidos.
Os pescadores artesanais sempre estão ligados a instituições governamentais, e
geralmente o interesse do governo não é organizá-los enquanto classe de trabalhadores e sim
explorar benefícios que o trabalho dos pescadores pode trazer para o Estado. Ao realizar
estudos sobre os aspectos legais da pesca, é possível identificar vários instrumentos
normativos a partir da organização dos pescadores artesanais, entretanto, muitos desses
instrumentos encontram-se inadequados ou ultrapassados, esse fato contribuiu para dificultar
sua aplicação, tanto pelo usuário, quanto pelos órgãos responsáveis pela gestão das atividades
pesqueiras no governo. (DIAS NETO, 2010).
A organização dos pescadores, enquanto classe de trabalhadores, teve seu início em
1920, quando foi criada a Confederação de Pescadores do Brasil. Contudo, o Estado ainda
manteve a mesma relação de paternalismo com os pescadores, oferecendo redes e consertos
de embarcações. Além disso, como um passo na direção correta, criou escolas para os filhos
de pescadores denominadas de Escoteiros do Mar, porém, sua finalidade estava ligada,
invariavelmente, à questão da segurança nacional, ou seja, o objetivo era militarizar os jovens
e cultivar o patriotismo (MORAES, 2001).
Em 1934, os pescadores deixam de ser subordinados à Marinha e passam a fazer parte
do Ministério da Agricultura. Por meio do Decreto 23.672/34, foi aprovado o código de caça e
pesca, e os pescadores foram alocados em uma divisão com o mesmo nome. Neste mesmo
período, estava ocorrendo no país uma luta pela autonomia dos sindicatos dos operários que
viviam no meio urbano. Vendo as lutas dos operários por reconhecimento de seus direitos –
pois os sindicatos teriam maior autonomia, e não ficariam submissos ao Estado, o que iria
21
ser escolhidas de formas mais democráticas, por votações, tendo como candidatos pescadores
que não permitiriam que as colônias continuassem subordinadas ao Estado, por meio da
Marinha do Brasil, ou pelo Ministério da Agricultura (CARDOSO, 2001). O movimento dos
pescadores, neste momento, almejava maior autonomia para as colônias e por lideranças que
atentassem para as necessidades dos pescadores.
Em 1985, a Confederação Nacional dos Pescadores convocou todas as Federações
Estaduais a participarem da Assembléia Constituinte, a qual deu origem ao Movimento
Constituinte da Pesca e foi a partir deste momento que houve uma mobilização de pescadores
em todo o país com o objetivo de incluir seus direitos na Constituição que seria elaborada
(CARDOSO, 2001).
Uma das conquistas da organização dos pescadores foi a aprovação da Lei n° 7.356, de
30 de agosto de 1985, que altera a Lei n° 3.807/60 determinando a inclusão de dispositivo que
inclui os pescadores profissionais, sem vínculos empregatícios, na qualidade de trabalhadores
autônomos, quando exercem a profissão, para
6
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão
competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria
profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores
interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em
questões judiciais ou administrativas;
IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em
folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da
contribuição prevista em lei;
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado ao sindicato;
23
A MONAPE era favorecida pela existência das colônias, tendo em vista que os pescadores
já possuíam a tradição de organizar-se no entorno de uma instituição a qual, havia adquirido o
status de sindicato. Entretanto, havia uma disputa ideológica a ser vencida, pois os pescadores
e a maioria de seus dirigentes não conseguiam diferenciar o papel de sindicato da tradicional
ação das colônias. Enquanto sindicato ― o que era almejado pelo MONAPE ― deveria lutar
pelo cumprimento dos direitos estabelecidos ou a serem estabelecidos para a categoria; por
sua vez, em sua forma tradicional, a colônia continuava a cuidar somente da manutenção dos
pescadores a serviço dos interesses do Estado por meio de ações claramente assistencialistas.
Esse embate continua a ser travado país afora, sendo um divisor importante para o
entendimento do processo organizativo da classe de pescadores artesanais.
Com isso, o início dos anos de 1990 ficou marcado para a pesca por esta passar a ser
gerida por um órgão que considerava os recursos pesqueiros como parte dos recursos
ambientais e que possuía uma atuação voltada não para os interesses do governo, mas sim
para os interesses do público. Esses programas e projetos buscavam as atividades de
recuperação de recurso pesqueiro em situação de sobrepesca ou ameaça de exaustão (DIAS
NETO, 2010).
25
3- Em 21 de junho de 1998, por meio do Decreto n.° 2.681, foi criado o Departamento de
Pesca e Aquicultura – DPA;
4- A divisão de competências sobre recursos da pesca entre o Mapa e o MMA (DIAS
NETO, 2010).
Com menor autoridade e poder, devido às pressões contrárias às propostas do Instituto
e do MMA, os dirigentes do IBAMA passaram a ter menos compromisso com os princípios
de sustentabilidade do recurso pesqueiro (DIAS NETO, 2010).
Em 1° de janeiro de 2003, foi criada a Secretaria de Aquicultura e Pesca (Seap/PR) –
por meio da Medida Provisória n° 103 –, que tem a responsabilidade de assessorar direta ou
indiretamente a Presidência da República na formulação de políticas e diretrizes para o
desenvolvimento e o fomento da produção pesqueira e aquícola e, especialmente, promover a
execução e a avaliação de medidas, programas e projetos de apoio ao desenvolvimento da
pesca artesanal e industrial.
A Seap foi criada com intuito de produzir ações voltadas para implantação de infra-
estrutura de apoio a produção e comercialização do pescado e de fomento à pesca e
aquicultura, organizar e manter RGP previsto no art.93 do Decreto-Lei n.° 221, de 28 de
fevereiro de 1967; normalizar e estabelecer medidas que permitam o aproveitamento
sustentável dos recursos pesqueiros altamente migratórios e dos que estejam subexplorados
ou inexplorados; supervisionar, coordenar e orientar atividades referentes às infra-estruturas
de apoio à produção e circulação do pescado e das estações e postos de aqüicultura; manter,
em articulação com o Distrito Federal, Estados e Municípios, programas racionais de
exploração da aqüicultura em águas públicas e privadas.
Essa secretaria foi criada também com o objetivo melhorar as condições econômicas
da pesca, tanto no mercado interno quanto no mercado externo, buscando um crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB), de gerar empregos diretos e redinamizar a base produtiva dos
pescadores artesanais e aquicultores familiares. Para isso tomou medidas como o acordo que
disciplina o licenciamento ambiental, autoriza o uso de águas públicas para atividades
produtivas da pesca e aquicultura e abre espaço para políticas de fomento dirigidas para
exploração sustentável da pesca e aquicultura em todo o território nacional. Além de outros
programas de crédito, podemos destacar o programa Profrota Pesqueira que deveria investir
1,5 bilhões de reais na modernização e ampliação da frota brasileira 7.
7
(http://www.redetec.org.br/?p=611)
27
A pesca artesanal não é uma pesca desordenada, não lhe pode ser atribuída a
característica de pesca predatória, a qual tem como connsequências a destruição do
ecossistema e a diminuição do pescado.
Na pesca artesanal tem-se a preocupação de permitir que haja a reprodução dos peixes,
pois não se trata de um trabalho em que o homem fabrica o produto, mas sim, da apropriação
que o homem faz dos peixes, moluscos e crustáceos, os quais são oriundos da natureza, e não
passam por mudanças como ocorre com os produtos industrializados, que sofrem alterações,
conforme a necessidade da sociedade. No caso da extração da natureza, se não houver o
respeito no período de reprodução e seu habitat, poderá acontecer a extinção de algumas de
suas espécies, por isso, continua-se a respeitar o período de reprodução das espécies, que é
chamado de período do Defeso, definido pela Lei n°11.959/09 como sendo a “paralisação
temporária da pesca para a preservação da espécie, tendo como motivação a reprodução e/ou
recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes”.
Este fato leva o Estado a pagar o seguro defeso ao pescador, que é o pagamento de 1
(um) salário mínimo por um período que varia conforme a reprodução de cada espécie. Isto já
estava previsto na Lei n° 8.287, de 20 de dezembro de 1991, que dispõe sobre a concessão do
seguro-desemprego aos pescadores profissionais que exerçam suas atividades de forma
artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar sem contratação de terceiros, e
durante os períodos de defeso ou piracema. Estabelece que benefício será pago à conta do
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Esse pagamento é necessário, pois o fato de o pescador não poder pescar durante um
longo período, reflete em sua renda familiar e, na maioria das vezes, esse é o único trabalho
desses homens e mulheres. Aliás, como os pescadores são postos no regime de segurados
especiais pela Previdência Social, o exercício de qualquer outra atividade profissional
29
registrada em carteira é razão para seu desligamento dessa condição. Porém, é comum entre
os pescadores que, durante o período do defeso, esses homens e mulheres tenham que realizar
outras atividades – pintor, manicure, pedreiro, cabeleireira, cozinheiro, entre outras – para
complementar a renda familiar, sendo essa uma das características que os diferenciam dos
operários.
baixo preço e, muitas vezes, será dirigida ao setor industrial para uma maior agregação de
valor.
Diferente do operário especializado, que se profissionaliza em escolas técnicas, o
pescador é formado a partir de uma relação com sua família, sendo seu aprendizado resultado
da transferência de saberes oriundos de seus parentes mais próximos, os quais, mais do que a
técnica de pesca, lhe deixam como herança o conhecimento dos locais em que se pesca,
legado que é um verdadeiro tesouro a ser guardado dos demais.
Assim, devido ao seu suposto encontro com o progresso – melhor discutido à frente –
conseguimos entender que para o operário não houve apenas uma troca da condição de
trabalhador rural para trabalhador industrial urbano, mas sim uma renúncia ao seu modo de
vida, pois a figura do trabalhador operário teve que se adaptar às situações de “falta de
higiene, esgotamento físico, acidente de trabalho, subalimentação, [que] potencializam seus
respectivos efeitos e criam condições de uma alta morbidade, de uma alta mortalidade e de
uma longevidade formidavelmente reduzida” (DEJOURS, 1992, p.15). Esses fatores sociais,
descritos por Dejours, foi um cenário encontrado, principalmente, quando os operários
começaram a vir para o meio urbano, entretanto, nos dias atuais, ainda é o cenário do local de
trabalho de muitos pescadores artesanais, principalmente nas embarcações, em que passam
dias no mar.
Mesmo hoje, ainda pode-se verificar que um dos fatores para o inchaço das cidades
continua sendo a mão-de-obra excedente originária da mecanização da produção rural e da
atração exercida pela cidade no imaginário social de que a cidade oferece melhores condições
de vida, que vão melhorar a qualidade de ensino e a presença de uma infra-estrutura de
serviços básicos, tais como hospitais e transportes (DONKIN, 2003)
Temos, no entanto, que no caso dos pescadores, não foi sua saída em busca da cidade
que lhes causou uma transformação de trabalhadores rurais em urbanos, mas, justamente, o
fato de que foi a cidade que chegou ao meio em que viviam e vivem os pescadores. Soma-se a
isso, também, a chegada de pessoas aos seus territórios em razão da fuga de desastres
naturais, tais como as secas, enchentes e, não menos importante, à chegada de
empreendimentos vultosos, como barragens; e, no caso específico da Bacia de Campos, a
exploração do petróleo, que atraiu uma massa de trabalhadores de todo o país em busca de
melhores salários e condições de vida.
Todas essas transformações levaram ao pensamento de que isso significa um
progresso. Entretanto, quando o trabalhador é levado a deixar o meio rural para exercer
31
alguma atividade laboral no meio urbano, quase sempre, essas mudanças irão significar
mudanças sociais e culturais, resultado da imposição de um modo de vida bastante diverso
daquela experiência anterior, rompendo a solidariedade entre vizinhos, perturbando a
confiança interpessoal, além, claro, daquele tipo de adoecimento e morte, que Nobert Elias
(2001) descreve que era caracterizado pelo apoio e a presença maciça da família e vizinhos no
leito do doente, o que diminuía o processo de afastamento e solidão que vivem hoje os
doentes das cidades, permitindo um acolhimento maior e uma solidão menos aviltante.
cargo ocupado. Percebe-se, então, que parte da luta dos trabalhadores sempre foi conseguir
impor aos empregadores que a melhor maneira de evitar os acidentes de trabalho é o
investimento na prevenção, ou seja, na eliminação das condições que geram o risco de
acidentes, criando, assim, as condições para o exercício de uma força de trabalho segura.
A manutenção adequada do trabalho tem sido importante para que os empregadores
não percam o controle sobre a força de trabalho necessária, tendo em vista a exigência dos
trabalhadores por um “trabalho com segurança”, e quando essa exigência é cumprida, existe
uma maior satisfação entre os empregados, pois estes são conhecedores de que quanto maior
for a segurança no trabalho, maior será a possibilidade de retornar ao lar sem qualquer tipo de
enfermidade ou acidente. Soma-se a esse fato o reconhecimento de que a morbidade
decorrente das doenças ou acidentes laborais estava tornando-se a maior causa de absenteísmo
dentro das indústrias, isso significava para o patrão uma diminuição de mão-de-obra, o que
resultaria em uma menor produção (DWYER, 2006). Contudo, todas as mudanças
promovidas em lei, que reconheciam as responsabilidades das empresas sobre os acidentes e
as doenças laborais, não reconheciam ainda suas repercussões para além do espaço da
empresa, ou seja, o quanto esse adoecimento e morte repercutiam no convívio familiar.
Segundo Tom Dwyer, assim como a omissão citada anteriormente, estavam acontecendo
vários acidentes de trabalho que faziam com que houvesse “o crescimento do número de
viúvas, de filhos órfãos e de trabalhadores inválidos desamparados” (2006, p.45). Como
consequência surgiram, as críticas severas dentro das próprias elites, tornando socialmente
inaceitáveis os acidentes de trabalho.
Com isso, as chamadas indenizações começaram a fazer parte do cálculo de risco das
empresas, e essas deveriam ser pagas quando ocorressem casos de acidentes com mortes ou
invalidez permanente e isto significava custo adicional para o empregador. No caso da
mortalidade por acidentes, as indenizações seriam pagas às viúvas ou sua prole. Ainda hoje,
nos casos daqueles trabalhadores vítimas de acidentes ou de doenças laborais que sobrevivem,
constantemente acabam perdendo o emprego, pois a lei 8.213/91 no art. 118 prevê a garantia
de emprego por apenas 1 (um) ano após o acidente ou o afastamento motivado por algum
evento relacionado ao ambiente de trabalho, ou seja, essas situações sociais precisam de
intervenções.
Ao longo dos anos, na busca por seus direitos, os trabalhadores conseguiram que a
instituição do direito do trabalhador impusesse um novo equilíbrio de poder dentro dos locais
de trabalho que, apesar de não conseguir acabar com o autoritarismo dos patrões, levou
34
Dwyer a afirmar que “houve uma mudança no equilíbrio de poder nos locais de trabalho,
particularmente refletido em uma sindicalização crescente, que deu contribuições importantes
para a redução, mas não para a eliminação do autoritarismo [dos patrões]”, (2006, p.49), e sua
pior consequência, a imposição da prática de trabalhos perigosos ou potencialmente perigosos
que vitimavam e, ainda, vitimam inúmeros trabalhadores. O que se tem é, então, que inúmeros
avanços na prevenção do adoecimento e da morte dos trabalhadores aconteceram em
decorrência das lutas dos trabalhadores pelo direito a um ambiente de trabalho seguro e
ergonomicamente adaptado. Quando isso não era possível por razões técnicas, a luta se deu
pelo fornecimento de EPI‟s ergonômicos e sem custos para o empregado (DWYER, 2006).
Neste momento, o Estado se vê obrigado a intervir em favor dos trabalhadores,
criando leis para o controle dos acidentes de trabalho como as NR‟s – hoje, no Brasil, já
existem 35 NR‟s. Assim, vê-se que, com as lutas dos trabalhadores por seus direitos, o Poder
Público começa a perceber a necessidade de intervir, até mesmo porque o Estado passa a ter
gastos com as internações hospitalares, tratamento de acidentes e doenças laborais evitáveis,
além, claro, dos gastos com a previdência social, por isso, passa a exigir das empresas uma
maior organização nos locais de trabalho em que se faz necessário qualificar os trabalhadores
com cursos teóricos e práticos, exigir experiência, educação continuada e idade mínima para
realização de determinadas atividades (DWYER, 2006). Ou seja, o trabalhador já havia
buscado seus direitos quanto às questões de idade e carga horária trabalhada, que podem
influenciar nos casos de acidente, mas o Estado também precisa intervir junto com os
trabalhadores a fim de que essas lutas tenham êxito para que se consiga alcançar a prevenção
da saúde do trabalhador.
Já o pescador artesanal não possui quem o fiscalize e exija os cuidados devidos para a
prevenção de acidentes e doenças, o que faz com que fiquem expostos aos riscos de acidente
de trabalho. E isso se dá principalmente pela forma como a profissionalização acontece na
vida dos pescadores artesanais.
como catar caranguejo, andar no barco, ajudar a amarrar uma corda, limpar uma rede,
aprender a remar, aprender como funciona o barco, quais são os métodos de pesca, como
fazer uma melhor pesca de linha (melhor anzol, melhor isca), fazer o recolhimento das redes,
a se adaptar ao balanço do mar evitando as náuseas (CARDOSO, 2001).
Ao realizarem esses primeiros trabalhos, como já estão dentro do barco, essas crianças
começam a se interessar por saber sobre a observação das condições do mar, o tempo (se vai
ficar estável, se vai mudar), as direções dos ventos, os hábitos dos seres que vivem no meio
aquático, de que determinados peixes se alimentam, como cortar e preparar cada tipo de
pescado, diferenciar o gosto de cada tipo. Na realidade passará a ter o conhecimento do saber-
fazer do pescador (CARDOSO, 2001).
Todas essas atividades serão ensinadas por meio dos conhecimentos práticos e
tradições dos seus pais, ou irmão mais velho, ou algum familiar pescador, ou por um vizinho,
e esse ensinamento é o que vai socializar essa criança com o mundo da pesca, fazendo parte
da cultura do pescador (CARDOSO, 2001). Entretanto, não se pode pensar que esse
aprendizado se dará apenas como brincadeira, pois existem as situações em que a pobreza é
tão grande que o trabalho da criança se torna essencial para a sobrevivência familiar,
principalmente quando há uma ausência precoce do responsável pela renda familiar esse caso
o filho mais velho passa a ter que ocupar a função de sustentar a casa, fazendo com que a
profissionalização aconteça mais cedo para essas crianças.
Esse processo de profissionalização, que ocorre no momento em que aquela criança
que brincava de ser pescador já não é mais criança, mas um jovem adulto que precisa entrar
no mercado de trabalho acontece associado à formação de uma cultura profissional. Assim
como todo trabalhador, o pescador artesanal, quando se profissionaliza, precisa regulamentar
sua profissão juntos aos órgãos competentes no Estado em que reside, o qual realizará a
emissão da Carteira de RGP, conforme as Instruções Normativas MPA 6/12, sem a
necessidade de estar vinculado a qualquer colônia ou associação.
A profissionalização do pescador artesanal pode ocorrer por dois motivos:
1) a princípio, é a forma de esse trabalhador se inserir no mercado de trabalho, visto
que é uma atividade que possui conhecimento prévio, pelo fato de ele ter aprendido
naturalmente durante a infância, os seus pais viveram da pesca e lhes deram condições de
sobrevivência. Então esse jovem pescador acredita que, por meio da pesca, será possível
realizar uma pequena poupança que lhe possibilitará ter uma casa, comprar um carro, comprar
uma pequena embarcação, casar e sustentar sua família;
36
O pescador vai para o mar e não sabe o quanto vai ganhar, uma vez que o seu ganho será
atribuído à extração que foi possível realizar, depois se retiram as despesas da viagem e o
pagamento será dividido de forma que o mestre da embarcação e o dono do barco ficam com
a maior parte.
O mestre da pesca pode ser definido como “um misto de conhecimento adquirido na
vida da pesca, com uma postura de responsabilidade e empenho no trato da embarcação e da
tripulação” (CARDOSO, 2001, p.61). O Mestre da pesca, é o que todos os pescadores
desejam ser um dia, pois os mestres são aqueles que possuem o conhecimento prático da
pesca, é conhecedor do mar mais do que qualquer outro que está na embarcação, além, claro,
de ter uma quarta-parte maior da produção do barco.
Apesar dos vários estudos que já vêm ocorrendo, o processo de saúde-doença ainda é
difícil de ser entendido pelos indivíduos doentes, seus familiares, os amigos e a sociedade, por
causa das diversas formas como pode ser visto: mágico (quando a explicação se apóia na
magia ou no castigo de Deus); ingênuo (quando a doença e morte é aceita sem explicação,
como pronto e acabado sem ter tido possibilidade de evitar); crítico (quando se estabelece
relações de casualidade entre saúde e doença, relacionando-a com as condições materiais de
vida e de trabalho) (GESTÃO DE SAÚDE,1998). A divergência na forma de ver a doença faz
38
com que as pessoas, por muitas vezes, não consigam fazer a conexão do modo de vida com as
condições de trabalho.
Com a evolução dos estudos na área de saúde, passou-se a ter uma maior preocupação
com todos os estágios do adoecimento, mesmo antes que eles aconteçam, levando uma
crescente transformação do modo de viver, adoecer e morrer. Segundo Barata (2005), estudos
epidemiológicos tiveram início desde o século XIX quando a sociedade passa a ser estudada
cientificamente quanto aos dados de investigação e quantificação dos eventos vitais –
nascimentos e óbitos – os quais forneciam evidências de que a observação dos modos de viver
da população era útil para a compreensão dos processos de adoecimento. Em que a
observação das regularidades nas estatísticas sugere vínculos causais ou processos de
determinação subjacentes.
A epidemiologia encontrou, na quantificação, ferramentas fundamentais para a
produção de conhecimentos, e nos estudos empíricos a possibilidade de gerar leis universais a
partir da análise da diversidade dos indivíduos, no modo de viver, indicando quais são os
fatores responsáveis pelo adoecimento, e mostrando que, se acontecerem mudanças no modo
de vida – que podem ser causas do adoecimento –, podem ser elaboradas políticas públicas
baseadas nesses fatos, fazendo com que seja realizada a prevenção das doenças (BARATA,
2005).
O que fez com que houvesse na sociedade mudanças da composição etária, chamada
de transição demográfica, isso pode ser percebido nas pirâmides etárias, em que há um
afunilamento da base e um aumento do topo da pirâmide, ou seja, menos pessoas nascendo e
pessoas vivendo por mais tempo por se apresenta uma baixa taxa de fecundidade e a
população de pessoas idosas com mais de 65 anos que em 1960 era de 2,7% da população, em
2000 passou a ser 5,4% e a expectativa é que chegará à 19% em 2050, superando o número de
jovens. Isso significa que quanto maior o envelhecimento da população, maior será o aumento
das doenças crônico-degenerativas que atingem a população de maior idade (MENDES,
2010).
Isso reflete na forma de adoecer e morrer dos grupos humanos, que pode-se chamar de
transição epidemiológica, em que em 1930 as doenças infecciosas eram responsáveis por 46%
das mortes, em 2000 representava apenas 5% das causas de morte, o contrário do que ocorreu
com as doenças crônico-degenerativas, por exemplo, as doenças cardiovasculares que em
1930 representavam 12% das causas de morte em 2000 elas eram quase 30% de todos os
óbitos (MENDES, 2010).
39
determinados territórios, garantindo-se a integralidade da atenção, o que faz com que se tenha
tanto a abordagem individual como coletiva dos problemas de saúde. Sendo assim, permite
que haja uma maior percepção das causas de adoecimento e morte da população do território
observado.
Com isso, se houver uma maior atenção de atendimento primário à saúde, fazendo a
prevenção das doenças que são causas de morte, tanto de forma transmissíveis, como crônico-
degenerativas e mesmo das causas externas 10, ou seja, se de fato ocorrer vigilância em saúde e
forem implementadas as ações preventivas para todos os tipos de doenças, pode-se mudar o
conceito popular de que “só se procura um serviço de saúde quando está sentindo algo”,
passando-se a procurar o serviço de saúde de forma preventiva, fazendo com que as doenças
sejam diagnosticadas no início, tendo a possibilidade de realizar o tratamento curativo.
É necessário aplicar o princípio da integralidade, em que se pensa no indivíduo como
um todo, da prevenção, diagnóstico, tratamento, recuperação e reabilitação, de forma que as
pessoas adoeçam menos (Ministério da Saúde, 2010). Entretanto, se adoecerem, que tenham
um diagnóstico, tratamento, recuperação e reabilitação necessários.
A falta de conexão do modo de vida com adoecimento acontece porque, de uma forma
geral, existem divergências quanto à percepção de estar doente:
1°) pela pessoa doente – o que a pessoa que está doente pensa sobre a doença? Será
que ela se considera doente?;
2°) pela família – a família acha que realmente aquela pessoa está doente? A família
percebeu que a pessoa está doente, mas ele não se vê doente?;
3°) pelo profissional de saúde – o profissional que visita a casa daquela pessoa ou é
visitado em seu consultório percebeu que ela está doente, mas a pessoa não se sente doente
(GESTÃO DE SAÚDE,1998).
10
A doença pode ser dividida em 3 tipos de causas (GESTÃO DE SAÚDE, 1998) – transmissíveis (infecciosas,
ex.: malária, febre amarela, tuberculose), não transmissíveis (crônico-degenerativas, ex.: câncer, hipertensão
arterial, diabetes mielitus) e por causas externas ( acidentes e violência, ex. perfuração por arma branca,
perfuração por arma de fogo, colisão de veículos)
41
11
Endemias: Doenças infecciosas que ocorrem habitualmente e com incidência significativa em dada população
e/ou região (DICIONÁRIO TERMOS TÉCNICOS DE SAÚDE).
12
Epidemias: Manifestação coletiva de uma doença que afeta simultaneamente um grande número de pessoas,
em região mais ou menos extensa e que extingue depois de um dado período de tempo.
43
economia ou no meio social é que passam a ser alvo de uma maior atenção por parte do
governo. Outra constante de diversos governos, na saúde pública brasileira, é a dificuldade de
identificar e diferenciar os cuidados preventivos dos cuidados curativos, em que cada um tem
a sua devida importância (POLIGNANO, 2001).
Quando falam dos cuidados com a saúde, da previdência social, não estão falando de
favores que os políticos concedem à população, mas sim de direitos sociais que não são
concedidos facilmente, mas são resultados das lutas, das organizações e das reivindicações
constates dos trabalhadores brasileiros. Pelo fato de não haver uma definição concreta, a
política de saúde acaba por permear e se confundir com a história da Previdência Social no
Brasil em alguns períodos (POLIGNANO, 2001).
Então, para compreender as políticas públicas de saúde no Brasil, dos dias atuais,
voltaremos ao início do século XX, quando:
tanto nos domicílios quanto nos locais de trabalho, somados, tinham como resultado uma
população doente e mal desenvolvida (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
Para melhorar essa situação, Oswaldo Cruz tomou algumas outras medidas como a
implementação da Lei Federal n° 1.261, de 31 de outubro de 1904, que instituiu a vacina anti-
varíola, que passa a ser obrigatória em todo o território nacional, e isso levou a uma
insatisfação que ficou conhecida na história como a Revolta da Vacina. Mesmo com toda
insatisfação da população, com todas as arbitrariedades e abusos cometidos pelos “agentes de
endemias”, o modelo campanhista implementado por Oswaldo Cruz foi vitorioso no controle
de doenças endêmicas, conseguindo erradicar a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro, o
que fortaleceu o modelo proposto e acabou sendo uma proposta de saúde coletiva durante
décadas (POLIGNANO, 2001).
Enquanto esteve no cargo de Diretor de Saúde, Oswaldo Cruz organizou a diretoria
geral de saúde pública e realizou algumas reformas que, segundo Marcos Polignano (2001,
p.5),
Essas ações foram de extrema importância para a saúde pública no Brasil e no Mundo,
visto que são medidas utilizadas até os dias atuais.
Carlos Chagas sucedeu Oswaldo Cruz e, em 1920, acontece uma reestruturação do
departamento Nacional de Saúde, com a qual foram introduzidas propagandas de educação
sanitária, que foi uma inovação ao modelo de Oswaldo Cruz, fiscalizador e policial. Nesse
período, foram criados órgãos com intuito de combater a tuberculose, lepra (hoje conhecida
com hanseníase), e as doenças venéreas (as atuais Doenças Sexualmente Transmissíveis –
DST). As atividades de saneamento básico foram expandidas para outros Estados, além do
Rio de Janeiro, e foi criada a Escola de Enfermagem Anna Nery (POLIGNANO, 2001).
O controle de epidemias que estava acontecendo nas cidades se expandiu para o meio
rural, com o combate de endemias rurais, uma vez que a agricultura era a principal atividade
econômica do país. Esse modelo foi utilizado no combate a diversas endemias (Chagas,
Esquitosomose, e outras), mais tarde passa a incorporar a Fundação Nacional de Saúde
(POLIGNANO, 2001).
Após assumir o Governo em 1930, Getúlio Vargas aumenta o processo de
industrialização e urbanização no Brasil, levando ao surgimento de fábricas, o que acelerou o
45
êxodo rural, fazendo com que houvesse um rápido e, por isso, desordenado crescimento das
cidades, tendo como consequências as questões sanitárias que começaram a ser uma
preocupação do governo (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
No Brasil, nesse período, os operários ainda não tinham seus direitos trabalhistas
reconhecidos, quais sejam: férias, jornada de trabalho definida, pensão ou aposentadoria.
Como os trabalhadores que vinham para as indústrias, em sua maioria eram os imigrantes –
principalmente os italianos – que já conheciam o movimento antes acontecido na Europa, por
direitos trabalhistas, e que esses já haviam sido conquistados pelos trabalhadores europeus,
procuraram organizar a classe trabalhadora brasileira na luta pelos seus direitos
(POLIGNANO, 2001).
Devido às condições de trabalho desfavoráveis e à falta de direitos trabalhistas, os
operários se organizaram e deflagaram duas greves gerais no Brasil, uma em 1917 e outra em
1919. Foi a partir desses movimentos sociais que surgiram os primeiros direitos sociais. No
dia 24 de janeiro de 1923, foi aprovado pelo Congresso Nacional a Lei Eloi Chaves, pela qual
foi instituída as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP‟s). Esta lei, que deu início a
Previdência Social no Brasil, beneficiava apenas operários urbanos, os trabalhadores rurais
ficaram excluídos da Previdência até a década de 1960. As Caixas eram organizadas pelas
empresas e não pelas classes de trabalhadores e, para existirem, dependiam da mobilização
dos trabalhadores dentro das empresas para que fossem criadas, elas não eram criadas
automaticamente (POLIGNANO, 2001).
As Caixas eram responsáveis pelas aposentadorias e pensões, entretanto os fundos
proviam outros serviços, como: funerário; médico (tanto para o funcionário quanto para
familiares que habitassem sob o mesmo teto e tivesse dependência econômica do
funcionário); medicamentos com preços especiais determinados pelo Conselho de
Administração. O acidente de trabalho já era contemplado pela Caixa que, no artigo 27,
obriga a CAPs a arcar com a assistência aos acidentes no trabalho (POLIGNANO, 2001).
Em 1930, a CAP já havia se expandido de tal forma que havia 47 caixas, com 124.464
segurados ativos, 8.006 aposentados, e 7.013 pensionistas (POLIGNANO, 2001).
As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas pela nova forma de atendimento à saúde,
pois só tinha esse direito os trabalhadores formais, ou seja, os de carteira de trabalho assinada
e que contribuíam para a Previdência Social. Isso porque houve aliança entre o governo e
movimentos sindicais, o que deu origem a políticas sociais como a criação do Instituto de
Aposentadorias e Pensões (IAP), que era a base de assistência médica e previdenciária, o qual
46
substituiu a CAPs. Diferente do modelo anterior, a organização não mais se dava por meio
das empresas, mas sim por classe de trabalhadores que mais se destacavam como usuários do
IAP – eram os trabalhadores da indústria , do comércio, os bancários, os ferroviários, os
estivadores, os marítimos e os funcionários públicos (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
Sendo assim, o Estado não era responsável pela saúde de toda a população, sendo atendidas
apenas as pessoas que contribuíssem para que obtivessem atendimento quando necessário.
Dessa forma, trabalhadores rurais, pescadores artesanais e demais trabalhadores que
não tivessem suas profissões regulamentadas eram excluídos dos direitos de cidadania, e isso
podemos incluir o não direito a reivindicar empregos, salários, renda e benefícios sociais. “Os
indigentes e pobres recebiam atendimento nas Santas Casas e Beneficiências, que eram
instituições de Caridade” (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
Como o direito à saúde estava reservado para as pessoas que tinham dinheiro para
comprá-la, percebe-se que acontece uma valorização da saúde médica individualizada,
curativa e especializada. Isso traz consequências até os dias atuais, em que as pessoas não
conseguem ver a necessidade de uma saúde pública coletiva, preventiva (CUNHA, MELO,
TONINI, 2005). Essa estrutura privilegiada, que é apresentada pelo IAP, não se sustentava,
pois havia uma necessidade de extensão dos direitos sociais o que levou à promulgação da Lei
n° 3.807, denominada Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), em 1960, que, para ser
aprovada, aconteceu intenso debate político a nível legislativo em que os representantes das
classes dos trabalhadores se recusavam realizar a unificação, pois isto representaria a perda de
muitos direitos conquistados. Mas a Lei foi promulgada e com isso passa a se ter uma
unificação do regime geral da Previdência Social, destinado a todos os trabalhadores do
regime CLT, com exceção dos trabalhadores rurais, empregados domésticos e servidores
públicos e os que tivessem regime próprio de previdência (POLIGNANO, 2001). Ou seja, os
direitos sociais estavam sendo ampliados para todos os empregados assalariados.
Os trabalhadores rurais só foram incorporados ao sistema em 02 de março de 1963 por
meio da Lei 4.214 que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL).
Mas só se tornaram beneficiários em 1971 com a criação do PRORURAL, que era financiado
pelo FUNRURAL. Os empregados domésticos e os autônomos só se tornaram beneficiários
em 1972 (Polignano, 2001). Só não eram beneficiários previdenciários – com direito a
aposentadoria, pensão e assistência médica – neste momento, os trabalhadores do mercado
informal, ou seja, quase toda a população, tanto urbana quanto a rural passou a ter direito à
assistência médico-hospitalar (CUNHA, MELO, TONINI, 2005).
47
Em 1983 foi criado o projeto Ações Integradas de Saúde (AIS), que é a integração dos
três ministérios – Previdência, Saúde e Educação – cujo objetivo era um modelo de
assistência para o setor público, em que se buscava a integração de ações educativas, curativas
e preventivas. Com isso, a previdência passa a pagar, não mais aos hospitais privados, mas
sim por serviços prestados por estados, municípios, hospitais filantrópicos, públicos e
universitários (POLIGNANO, 2001).
Em 1985 aconteceram as eleições democráticas em que Tancredo Neves foi eleito
presidente do Brasil. Era o fim do regime militar, e o surgimento de vários movimentos
sociais, inclusive na área de saúde, que deram origem às secretarias estaduais e secretarias
municipais de saúde. Além disso, em 1986, ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde,
em que foram discutidas as bases para reforma sanitária, já trazendo em seu texto saúde como
direito de todos e dever do Estado e criação do Sistema Único Descentralizado de Saúde
(SUDS) (Polignano, 2001).
O SUDS foi importante no processo político e determinante para que a Constituição de
1988 desse origem ao SUS, que passou a dar a todos os cidadãos o direito à saúde. Seus
princípios são de acesso universal, igualitário e equitário, podendo oferecer ao trabalhador
autônomo os mesmos direitos de assitência à saúde que é oferecido ao trabalhador
assalariado.
A institucionalização do SUS, a partir do início dos anos 90, envolveu os três níveis de
poder: Ministério da Saúde (Governo Federal), Secretarias Estaduais de Saúde, e Secretarias
Municipais de Saúde, tendo cada um sua autonomia em sua esfera de atuação. Com esse
modelo organizacional, o sistema de saúde brasileiro deixou de ser centralizado. Com
supervisão e financiamento da União e do Estado, as Secretarias Municipais passam a prestar
serviços e atendimentos comprometidos com a promoção, proteção, recuperação da saúde,
conforme a necessidade da população (Ugá et.al., 2003). Além da descentralização das ações,
conforme a Constituição de 1988, passa a ter a participação social. Ou seja, esse sistema de
saúde tem por objetivo oferecer um atendimento à saúde de forma integral, descentralizado e
com controle social. Para isso foram desenvolvidas as leis que regulamentam o SUS, as quais
foram criadas em 1990, que são:
50
dos pescadores que se expõem à radiação solar e a outros fatores de risco da atividade laboral
exercida.
A Vigilância em Saúde do Trabalhador é realizada com seus princípios baseados nos
princípios do SUS, os quais são (Portaria n°3.120, de 1° de julho de 1998):
1) Universalidade: todos os trabalhadores são objetos e sujeitos da Vigilância em
Saúde do Trabalhador. Isso independe de qual é sua condição de trabalho (rural X urbano;
autônomo X empregado; público X privado...);
2) Integralidade das ações: atenção à saúde do trabalhador desde à assistência até a
recuperação do trabalhador, lembrando muito que os agravos à saúde do trabalhador são
preveníveis;
3) Pluriinstitucionalidade: prevê a articulação entre as universidades e centros de
pesquisa e as instituições públicas com responsabilidade na área de saúde do trabalhador,
consumo e ambiente, assim como a vigilância de saúde do trabalhador e os centros de
assistência de reabilitação;
4) controle social: considera os trabalhadores, suas formas de se organizarem, seja por
sindicatos, ou seja, como neste estudo, por colônias, e sua participação em todas as etapas de
Vigilância em Saúde do Trabalhador;
5) Interdisciplinaridade: que seria a abordagem de diferentes profissionais, de diversas
áreas, com conhecimento técnico distinto, para atuarem na vigilância em Saúde do
Trabalhador, e principalmente, o saber do trabalhador para o desenvolvimento de ações;
6) Pesquisa-intervenção: a pesquisa se faz necessária para verificar quais são os fatores
que afetam a saúde do trabalhador e posteriormente fazer a intervenção desses fatores;
7) O caráter transformador: a intervenção sobre os fatores determinantes e
condicionantes dos problemas de saúde relacionadas aos processos e ambientes de trabalho
com entendimento de que a vigilância em saúde do trabalhador, sob a lógica do controle
social e da transparências das ações, pode ter na intervenção um caráter proponente de
mudanças dos processos de trabalho, a partir das análises tecnológica, ergonômica,
organizacional e ambiental efetuadas pelo coletivo de instituições, sindicatos, trabalhadores e
empresas, inclusive, superando a própria legislação.
Após a publicação das Normativas de Saúde do Trabalhador, foram publicadas novas
portarias que têm por objetivo aprimorar e complementar as normativas que seriam:
A) Portaria 3.908, de 30 de outubro de 1998, que estabelece procedimentos para
orientar e instrumentalizar as ações e serviços de saúde do Trabalhador no SUS;
53
que operem sobre os efeitos do adoecer e aqueles que visem o espaço para além dos muros
das unidades de saúde – pois nem sempre as pessoas irão procurar o sistema de saúde,
principalmente se forem trabalhadores autônomos – exigem que os profissionais de saúde
tenham iniciativas de desenvolver atividades preventivas que incidam sobre as condições de
vida, favorecendo a ampliação de escolhas saudáveis por parte dos sujeitos e coletividades no
território onde vivem e trabalham (BRASIL, 2010).
A saúde exige a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos em sua produção
(usuários, movimentos sociais, trabalhadores da saúde, gestores do setor sanitário e de outros
setores), na formulação de ações que visem à melhoria da qualidade de vida. A promoção à
saúde é uma estratégia de articulação transversal a qual confere visibilidade aos fatores que
colocam a saúde da população em risco e às diferenças entre necessidades, territórios e
culturas presentes no nosso país, visando à criação de mecanismo que reduza as situações de
vulnerabilidade e defenda radicalmente a equidade e a incorporação da participação e do
controle social na gestão das políticas públicas.
Com o intuito de alcançar os princípios do SUS, diminuir a vulnerabilidade e melhorar
o controle social, as complementações e as alterações da constituição continuaram
acontecendo. Por isso, em 22 de dezembro de 2009, quando foi aprovada a Portaria n° 3.252,
surgiram, finalmente, as diretrizes para a execução e financiamento das ações de Vigilância
em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, entre outras providências.
Nessa portaria são feitas diversas considerações e é enfatizada a necessidade de que “o
processo em curso de integração das vigilâncias (sanitárias, epidemiológicas e saúde do
trabalhador) nas três esferas de governo” torna-se uma realidade, pois é fundamental para que
se alcance o reconhecimento dos fatores de risco para as doenças laborais e que elas possam
ser notificadas e reconhecidas como decorrentes dos fatores existentes no ambiente de
trabalho e sua posterior e efetiva prevenção.
Para uma melhor compreensão, a Portaria n° 3.252/09 trará um anexo em que são
desenvolvidos alguns temas, como os princípios gerais de Vigilância em Saúde, cujo objetivo
é realizar uma análise permanente da situação da saúde da população, articulando-se com
ações que visem controlar determinantes de riscos e danos à saúde da população que vive em
determinado território, garantindo integralidade de atenção, o que inclui abordagem individual
ou coletiva dos problemas de saúde.
55
O Art. 2° dessa portaria, estabelece que a vigilância em saúde constitui-se das ações de
promoção da saúde da população, vigilância, proteção, prevenção e controle das doenças e
agravos à saúde, abrangendo:
1) Vigilância epidemiológica;
2) Promoção da saúde;
3) Vigilância da situação de saúde;
4) Vigilância em saúde ambiental;
5) Vigilância Sanitária;
6) Vigilância em saúde do trabalhador: nesta tem-se por objetivo a promoção da saúde
e a redução da morbimortalidade da população trabalhadora, por meio da integração de ações
que intervenham nos agravos e seus determinantes decorrentes dos modelos de
desenvolvimento e processo produtivo.
No Art.4°, parágrafo 2°, está escrito que a “integralidade é compreendida como
garantia de acesso a todos os serviços indispensáveis para as necessidades de saúde,
adequando competência dos profissionais ao quadro epidemiológico, histórico e social da
comunidade e do usuário”. Muitas vezes, para conseguir esse objetivo se faz necessário
realizar educação permanente com os profissionais de saúde, com abordagem integrada nos
eixos da clínica, vigilância, promoção e gestão.
Então, nos municípios em que há a pesca, as secretarias municipais de saúde, junto
com órgãos não governamentais, como as colônias, deverão desenvolver atividades que
abarquem essa população, de forma a realizar o atendimento clínico, as ações de vigilância
epidemiológica e sanitária e promoção de eventos com orientações para a prevenção dos casos
mais típicos de adoecimento e morte. Essas ações dependem tanto da gestão da secretaria
municipal de saúde quanto da presidência das colônias para que possa acontecer de fato. Por
isso, é preciso falar sobre o processo de saúde-doença do pescador artesanal para que se
tenham diretrizes de como desenvolver essas atividades, respeitando sua cultura e seu modo
de vida.
[...] todo ato médico termina infalivelmente por uma receita. Compra
medicamentos, supõe adiantar quantias algumas vezes importantes; ou este
dinheiro não está disponível, ou se estiver, isso supõe, apesar de tudo,
restrições alimentares para toda família até na hora do reembolso (1992,
p.31).
Ou seja, o trabalhador autônomo, precisa fazer a escolha: ou ele vai ao médico, ou ele
compra o medicamento, ou ele supre as necessidades de sua casa. Por isso, ainda nos dias de
hoje, mesmo quando se pensa ter um SUS, em que se tem a saúde do trabalhador como uma
prioridade de atendimento, em que se tem oferta de profissionais para realizar a consulta,
prescrever o medicamento e o tratamento, ainda assim encontramos pessoas que possuem uma
cultura trazida por seus pais de realizarem seu tratamento apenas medicamentosos, ora
prescritos por vizinho, ora por balconistas de farmácia, curandeiros, entre outras crenças. Há
de se ressaltar as inúmeras dificuldades que se podem encontrar para agendar uma consulta,
um exame, um tratamento complementar.
5 METODOLOGIA
cura e prevenção eficazes, as ciências humanas é que têm permitido uma maior compreensão
das dinâmicas desses processos. Por isso este estudo de políticas sociais teve como destaque
as diversas formas de organização do processo de trabalho que expõem os trabalhadores a
uma gama de situações que produzem, ou têm potencial para produzir, formas diversas de
convalescências em decorrência do trabalho executado pelos pescadores artesanais.
Assim, pretendeu-se colher informações sobre o trabalho a que estão submetidos os
pescadores artesanais, como meio de chegar aos cuidados necessários que precisam ter com a
saúde desses trabalhadores (VICTORIA; et al, 2000).
Apesar de a pesca ser um trabalho exercido desde a pré-história, esses trabalhadores
do mar ainda não alcançaram os direitos à saúde do trabalhador, que estão disponíveis para
outras categorias profissionais tais como garis, mecânicos, professores, digitadores, entre
outros. Esse fato permite antever que parte dos agravos à saúde dessa classe de trabalhadores
se deve à ausência de nexo causal entre o adoecimento e o exercício laboral. Isso favoreceria a
superação dessa invisibilidade, levando o Estado, por meio do SUS e da Previdência Social, a
propiciar o acesso aos serviços de saúde ocupacionais existentes, e a permitir que os
profissionais de saúde tenham conhecimento sobre as doenças do trabalho dessa categoria.
Dessa forma, faz-se necessário questionar sobre quais seriam as causas de
adoecimento e morte entre os pescadores artesanais. Com intuito de responder a essa questão,
foi preciso avaliar quais são os melhores meios de prevenção, diagnóstico, tratamento,
reabilitação e recuperação das doenças ou acidentes laborais dessa classe de trabalhadores.
Como são poucos os estudos referentes à saúde do pescador artesanal, foi feita a opção por
realizar uma pesquisa com abordagem quali-quantitativa, cujo objetivo maior é permitir a
integração dos dados estatísticos às informações coletadas por meios de entrevistas em
profundidade, como forma de compreender a realidade social investigada.
Ao identificar os pescadores artesanais como uma categoria de trabalhadores
autônomos, foi preciso compreender o trabalho realizado pelo trabalhador operário
assalariado, visto que esse trabalhador foi o primeiro a realizar a busca por seus direitos, tendo
conquistado, ao longo da história, vários ganhos em termos das melhorias das condições de
exercício de suas atividades produtivas.
No Brasil, em especifico, foram elaboradas as NR‟s que oferecem regras para a
promoção à saúde e à segurança. Contudo, mesmo com a existência das NR´s, é prática
recorrente das empresas pagarem aos trabalhadores para executarem os serviços insalubres e
perigosos, e muitas vezes essa é a mesma condição a que o pescador artesanal se expõe na
58
realização de suas atividades. Entretanto, não há nenhum empregador que irá fazer a
fiscalização das NR‟s e conceder a eles direitos trabalhistas, ficando isso a cargo de
instituições do Estado como a Capitania dos Portos, e também das colônias de pescadores.
Estas últimas não possuem a obrigação de fiscalizar, mas têm como uma de suas funções
realizar as orientações necessárias para que possam ser prevenidas as doenças e os acidentes
laborais.
Em sequência, o estudo teve o pescador artesanal como prisma, e a observação de sua
atividade laborativa como o exercício de uma arte, o que levou a pesquisa a entender a cultura
pesqueira. Com isso, foi possível identificar o que essa classe de trabalhadores pensa sobre os
acidentes e doenças laborais, no meio em que vivem, uma vez que essas atividades são
realizadas “em ambientes inóspitos, envolvendo riscos muitas vezes letais e de difícil
controle” (MOTA; PENNA, 2014, p.23). Pode-se ressaltar que, por ser um meio em que
convivem desde criança, nem sempre eles fazem o nexo de que o ambiente de trabalho é o
responsável pelo seu adoecimento, pelo acidente e, muitas vezes, pela sua morte.
Em relação aos aspectos relacionados às características sui generis, essa atividade
influencia, sobremaneira, os pescadores artesanais, assim como outros grupos sociais, a
desenvolverem características físicas, estéticas e comportamentais próprias, que resultam,
claramente, nos tipos de doenças, típicas dessa classe de trabalhadores (VICTORIA et al.,
2000). Independente do fenômeno biológico, a doença é vista como um fenômeno coletivo, na
medida em que é pensada em um sistema de símbolos que lhe confere um status social, pois a
doença, apesar de ser um acontecimento individual, mobiliza um conjunto de relações sociais.
É nesse sentido que se precisa ver a doença como objeto privilegiado de investigação, pois
coloca em relação, ao mesmo tempo, o biológico e o social, o individual e coletivo
(VICTORIA et al., 2000, p.20-21).
Para isso, esse estudo teve estratégias de investigação variada, porém complementares,
que seriam as esferas socioantropológicas, e clínicas – relacionadas às atividades realizadas –
aos riscos, doenças e acidentes de trabalho na pesca artesanal (MOTA; PENA, 2014). Estes
serão vistos no referencial teórico, no processo de saúde e doença e no desenvolvimento de
políticas públicas de saúde do início do século XX até a criação do SUS, que passa a ter um
olhar diferenciado sobre a saúde do trabalhador, incluindo o trabalhador autônomo. Além
disso, será enfatizada a cultura do pescador artesanal no processo de saúde-doença e as ações
do INSS.
59
estarem em estágios avançados, fazendo com que a morte fosse precoce não apenas na idade,
mas no período entre o diagnóstico e a morte. Nesse caso, o tratamento, devido ao estágio
avançado da doença, foi, em sua maioria, mais paliativo do que curativo; e por fim
4) A dificuldade de receber o seguro-saúde quando o pescador encontra-se doente: os
pescadores, quando adoecem, em muitos casos, não conseguem receber seu seguro saúde por
meio da Previdência Social. Isso foi constatado tanto com as famílias que relataram não
receber o benefício dos pescadores com menos de 60 anos, no período do adoecimento,
quanto com o pescador doente que já havia dado entrada no seguro-saúde por causa de um
câncer de boca há 2 meses e até o momento não havia conseguido receber o seguro-saúde. Da
mesma forma que os presidentes de colônias dizem que, por exemplo, pescador com problema
de coluna não consegue receber seguro saúde, sendo que essa é a maior queixa de
adoecimento dos pescadores.
Estas três abordagens: entrevistas em profundidade, questionário do Projeto Pescarte e
análise documental das declarações de óbito, permitiram que fosse realizada uma triangulação
de informação, realizando, assim, a análise e a interpretação dos dados sobre o adoecimento e
morte dos pescadores artesanais, levando em consideração a sua cultura, seu modo de vida.
Permitiram também que fosse possível a compreensão da relação do adoecimento e da morte
dos pescadores artesanais com as teorias encontradas ou eventualmente propostas
(VICTORIA et. al, 2000).
Ressalta-se que a pesquisa bibliográfica aconteceu durante todo o processo, a fim de
oferecer subsídios e fundamentos teóricos para o trabalho.
Na busca por dados quantitativos, é possível identificar o que James Trostle afirma:
“dados epidemiológicos podem está sujeitos a erro sistemático, derivado de influência como
memória falível ou manutenção imperfeita dos registros” (2013, p.25). Isso foi ratificado
durante a pesquisa documental das declarações de óbito no município de São Francisco de
Itabapoana, em que, nos registros das declarações de óbito, houve um fato alarmante: no
campo que deve ser preenchido com a profissão da pessoa que, há uma observação de que,
nos casos de aposentado, a profissão que deve ser preenchida é a que a pessoa exercia
anteriormente, mesmo porque não há a profissão aposentado. Entretanto, dos 817 óbitos
ocorridos neste município, nos anos de 2010, 2011 e 2012, havia 252 (30,84%) declarações
com esse campo preenchido de forma incorreta, sendo 193 óbitos em que a profissão era
aposentado, 48 sem ocupação e 11 eram pensionistas. O que nos mostra que não havia como
traçar um perfil epidemiológico de uma profissão sem esbarrar na manutenção imperfeita dos
registros desse documento.
Além desse fato, foi possível identificar que, mesmo a mulher sendo considerada
pescadora diante da legislação brasileira, pelas atribuições a ela concedidas – seja por desejo
próprio ou pela necessidade – mesmo que ela não vá para o mar ou para as águas continentais
para pescar, se ela faz a rede, fileta o pescado, ajuda na venda, ela deve ser considera
pescadora. Entretanto, há uma invisibilidade profissional com as pescadoras até na hora da
morte, pois dos 3 anos pesquisados em cada um dos municípios – Cabo Frio e São Francisco
de Itabapoana – só havia 01 declaração de óbito de mulher pescadora em cada um deles.
63
Mas, apesar de toda a deficiência nos registros, foi possível realizar o cálculo de
coeficiente de mortalidade, causa de morte de Pescadores, e as doenças de cuja prevalência
esses trabalhadores mais se queixam.
Para realizar os cálculos de coeficiente de mortalidade geral, foram utilizados os dados
de população geral de cada município referente ao ano de 2012. Esse foi o último ano em que
foram pesquisadas as declarações de óbito. Para fazer o cálculo da população de pescadores,
foi utilizado a quantidade de pescadores artesanais do questionário survey realizado pelo
projeto Pescarte, de acordo com faixa etária, visto que foi a única fonte de acesso a esse dado,
o qual não estava disponível nas colônias, e nem no RGP – Ministério da Pesca e Aquicultura.
Os óbitos dos pescadores artesanais foi o do mesmo período que utilizado para a população
geral, ou seja, o período de 2010 a 2012, como foi relatado na metodologia, em 2014 só havia
disponível no DataSUS os anos anteriores à 2013. Para chegar ao coeficiente de mortalidade,
é necessário fazer o cálculo abaixo:
A tabela 1 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número da
população geral de Cabo Frio –RJ no ano de 2012, que foi o último ano em que se pesquisou as
declarações de óbito. Ela tem por objetivo apresentar dado para que seja possível elaborar o
coeficiente de mortalidade da população geral.
TABELA 2: Óbito da População Geral de Cabo Frio dos anos de 2010 a 2012, por faixa etária
64
A tabela 2 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número de
óbitos da população geral de Cabo Frio –RJ em 2012, que foi o último ano em que estava
disponível o número de óbitos no DataSUS. Esse dado é necessário para fazer a elaboração do
coeficiente de mortalidade da população geral de Cabo Frio-RJ
A tabela 3, assim como as anteriores, é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79
anos e apresenta o número de pescadores artesanais de Cabo Frio –RJ em 2014, quando foi
realizado o Censo do Percarte. Esse dado é necessário para fazer o coeficiente de mortalidade da
população de pescadores artesanais de Cabo Frio-RJ e posteriormente fazer a comparação dos
coeficientes de mortalidade da população geral com a população de pescadores artesanais de Cabo
Frio.
TABELA 3: População de Pescadores Artesanais de Cabo Frio em 2014, por faixa etária.
POPULAÇÃO DE PESCADORES ARTESANAIS DE CABO FRIO EM 2014
Faixa etária População de Pescadores de Cabo Frio
15-19 15
20-29 36
30-39 41
40-49 75
50-59 103
60-69 42
70-79 10
Fonte: Censo Pescarte
Nessa tabela, em particular, existe um dado que responde a uma das perguntas que
incentivaram a realização dessa pesquisa, que são pescadores artesanais na faixa etária dos 70
aos 79 anos, no Município de Cabo Frio. A pesquisa anterior apresentava uma amostra
insuficiente que não abrangia os pescadores dessa faixa etária, uma das possibilidades desse
fato ter ocorrido, foi desconsiderar o pescador quando ele relatava ser aposentado.
65
TABELA 4: Óbito dos Pescadores Artesanais de Cabo Frio de 2010 a 2012, por faixa
etária.
ÓBITO DOS PESCADORES ARTESANAIS DE CABO FRIO DE 2010 -2012
Faixa etária Óbito de Pescadores Artesanais de Cabo Frio
15-19 0
20-29 0
30-39 5
40-49 8
50-59 8
60-69 12
70-79 7
Fonte: Declaração de óbito
Essa tabela é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número de
óbitos de pescadores artesanais de Cabo Frio –RJ no período de 2010 a 2012. Esse dado é
necessário para fazer coeficiente de mortalidade dos pescadores artesanais de Cabo Frio-RJ e
posteriormente fazer a comparação dos coeficientes de mortalidade dos pescadores artesanais com
o coeficiente de mortalidade da população geral.
Após a presentação de todas as tabelas, os dados das mesmas foram utilizados para
fazer o coeficiente de mortalidade da população geral e da população de pescadores artesanais
de Cabo Frio-RJ.
TABELA 5: População Geral de São Francisco de Itabapoana no ano de 2012, por faixa etária
POPULAÇÃO GERAL DE SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA 2012
Faixa etária População geral de São Francisco do Itabapoana 2012
15-19 3.783
20-29 6.636
30-39 6.181
40-49 5.553
50-59 4.265
60-69 2.741
70-79 1.598
Fonte:DataSUS
A tabela 5 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número da
população geral de São Francisco de Itabapoana –RJ em 2012, que foi o último ano em que se
pesquisou as declarações de óbito. Essa tabela tem por objetivo apresentar dado para que seja
possível elaborar o coeficiente de mortalidade da população geral.
TABELA 6: Óbito da população geral de São Francisco de Itabapoana de 2010 a 2012, por
faixa etária
ÓBITO DA POPULAÇÃO GERAL DE SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA NO PERÍODO DE 2010-2012
Faixa etária Óbito da População geral de São Francisco do Itabapoana
15-19 11
20-29 29
30-39 46
40-49 76
50-59 117
60-69 139
70-79 169
Fonte:DataSUS
67
A tabela 6 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número de
óbitos da população geral de São Francisco de Itabapoana –RJ no período de 2010 à 2012, que
foram os anos dos óbitos pesquisados. Essa tabela tem por objetivo apresentar dado para que seja
possível elaborar o coeficiente de mortalidade da população geral.
A tabela 7, assim como as anteriores, é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79
anos e apresenta o número de pescadores artesanais de São Francisco de Itabapoana –RJ em 2014,
quando foi realizado o Censo do Pescarte. Esse dado é necessário para se fazer o coeficiente de
mortalidade da população de pescadores artesanais de São Francisco de Itabapoana-RJ e
posteriormente fazer a comparação dos coeficientes de mortalidade da população geral com a
população de pescadores artesanais de Cabo Frio.
Na tabela 7, assim como na tabela 3, existe um dado que responde a uma das
perguntas que incentivaram a realização dessa pesquisa, a respeito dos pescadores artesanais
na faixa etária dos 70 aos 79 anos, no Município de São Francisco de Itabapoana. A pesquisa
anterior apresentava uma amostra insuficiente que não abrangia os pescadores dessa faixa
etária. Uma das possibilidades de esse fato ter ocorrido, foi desconsiderar o pescador quando
ele relatava ser aposentado.
A tabela 8 é dividida por faixa etária dos 15 anos até os 79 anos e apresenta o número de
óbitos de pescadores artesanais de São Francisco de Itabapoana –RJ no período de 2010 a 2012.
Esse dado é necessário para elaborar o coeficiente de mortalidade dos pescadores artesanais de
São Francisco de Itabapoana-RJ e, posteriormente, fazer a comparação dos coeficientes de
mortalidade dos pescadores artesanais com o coeficiente de mortalidade da população geral.
Após apresentação de todas as tabelas, os dados das mesmas foram utilizados para
elaborar os coeficiente de mortalidade da população geral e da população de pescadores
artesanais de São Francisco de Itabapoana-RJ.
13
Helicobacter pylory: é uma espécie de bactéria que infecta o estômago humano
71
No município de Cabo Frio, entre os anos de 2010 e 2012, houve 01 caso de tumor
hepático.
Ao analisar os 06 tipos de câncer que foram causas de morte em pescadores artesanais,
percebeu-se que, em sua maioria, eles estão associados ao uso de bebida alcoólica, tabaco e
alimentação inadequada, além da obesidade. Ao analisar os resultados da pesquisa qualitativa,
o resultado foi que a bebida alcoólica, o tabaco, e a alimentação inadequada (gordura, sal, em
grande quantidade) e a obesidade estão presentes na vida dos pescadores artesanais, isto tanto
no Município de Cabo Frio quanto em São Francisco de Itabapoana.
Além dos diferentes tipos de câncer, outras doenças crônico-degenerativas, com os
mesmos fatores de riscos, foram identificadas como causa de morte de pescadores artesanais e
estão presentadas na Tabela 9.
é uma patologia que atinge os vasos do encéfalo, uma subdivisão do sistema nevoso
que compreende cérebro, cerebelo e tronco encefálico.[...] Diversos são os fatores
desencadeantes de um AVC, dentre eles estão: obesidade, hipertensão arterial,
inatividde física, predisposição genética, tabagismos e diabetes mielitus.
72
Ou seja, também possuem fatores de risco muito semelhantes aos dos cânceres típicos de
pescadores artesanais e presentes na vida dessa classe de trabalhadores, como obesidade,
tabagismo e inatividade física.
2) Infarto Agudo do Miaocárdio (IAM): segundo Avezum (2003, p. 2018)
Esses fatores de risco também puderam ser percebidos no dia a dia dos pescadores
durante as entrevistas realizadas com os familiares.
3) Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC): segundo Dourado et.al (2006,
p.162)
O tabaco mais uma vez é reconhecido como um dos fatores de risco, e o tabagismo foi um dos
vícios mais citados durante as entrevistas com familiares de pescadores que haviam morrido.
4) Pneumonia: segundo Gomes (2001, p.97) “a pneumonia pneumocócica e a
influenza são infecções do trato respiratório inferior que levam a significante morbidade e
mortalidade, especialmente em determinadas populações (como de idosos e aquela com
doenças cardiopulmonares)” e devemos considerar como os seus principais fatores de risco:
“envelhecimento, tabagismo, DPOC, Insuficiência Cardíaca, Colonização [por bactérias] da
orofaringe, alcoolismo e cirrose hepática, deficiência nutricional, imunossupressão e fatores
ambientais” (GOMES, 2001, p.98), que são fatores de risco identificados no cotidiano dos
pescadores artesanais.
5) Insuficiência Renal Aguda (IRA): é quando há uma paralisação do sistema renal de
forma súbita. Os fatores de risco são mais comuns em pessoas hospitalizadas, entretanto,
segundo Costa et.al (2003, p.310), além desses fatores existem outros que podem levar ao
desenvolvimento de IRA: “ idade avançada, doença hepática, nefropatia pré-existente, e
diabetes”, que são fatores de risco vivenciados pela classe trabalhadora estudada.
73
14
Informação retirada de um blog, a repórter que redigiu a matéria é Renata Cristina. Disponível
em:http://rc24h.com.br/mobile/ver/index/16360/ Acesso em 20/03/2016
74
Esse gráfico confirma que a maioria das mortes do município de Cabo Frio-RJ, no
período de 2010-2012, ocorreram por doenças não transmissíveis, seguidas de causas
externas, posteriormente de doenças transmissíveis e tendo apenas 01 (um) óbito por causa
indeterminada.
O total de óbitos de pescadores com registro na Vigilância Epidemiológica do
Município de São Francisco de Itabapona foi 12, sendo que não houve caso de morte por
doenças transmissíveis.
As causas de morte por doenças não transmissíveis foram 05, que estão apresentadas
na Tabela 10.
Tabela 10: Outras doenças crônico-degenerativas que atinge pescadores artesanais de
São Francisco de Itabapoana-RJ
OUTRAS DOENÇAS CRÔNICO-DEGENERATIVAS QUE ATINGE
PESCADORES ARTESANAIS DE SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA-RJ
DOENÇA NÚMERO DE PESCADORES
ATIGIDOS EM SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA
Choque Cardiogênico 01
Pneumonia 01
Tumor Ósseo 01
Cirrose Hepática 02
Fonte: Declaração de óbito
15
Ferida corte-contusa é quando a pessoa foi vítima de uma lesão simultaneamente por um corte e um impacto.
Ex.: Pescador caiu, bateu a cabeça na ancora do barco, ele sofreu o impacto da batida e a âncora cortou a sua
cabeça.
76
Como pode ser observado no gráfico nos anos de 2010 à 2012, no Município de São
Francisco de Itabapoana não ocorreram mortes por doenças transmissiveis; ocorreram 02
mortes por causas externas, 05 por causas indeterminadas, o que já foi explicado
anteriormente e 05 por doenças não transmissiveis, que são as doenças crônico-degenerativas.
Esses dados são importantes na questão epidemiológica para que se possa realizar um
perfil das maiores causas de morte. As causas indeterminadas devem ser estudadas para
verificar o modo de vida desses pescadores.
TABELA 11: Doenças Consideradas graves pelos pescadores artesanais de Cabo Frio - RJ
Doenças Consideradas graves pelos Pescadores Artesanais de Cabo Frio –RJ
Hérnia de Disco 3
Hipertensão 1
Infecção Pulmonar 1
Lesão 2
Manchas na pele 1
Meningite 1
Micose 4
Otite 1
Pneumonia 7
Rins 1
Sinusite 2
Suspeita de Câncer 1
Varizes 1
Visão 7
Fonte: Censo Pescarte
Ao realizar a análise, é perceptível que as causas de morte, em sua maioria, não estão
relacionadas com as doenças que os pescadores artesanais pensam ser as mais graves, como as
listadas anteriormente: dor na coluna (31), em seguida é a pneumonia (7), alterações na visão
(7), gripe (5), micose (4) e alergia (4). São doenças que impedem ou os dificultam a
realização da pesca. A hipertensão, a anemia, a DPOC, o Infarto Agudo do Miocárdio, os
diferentes tipos de câncer, que são doenças diagnosticas, ou doenças que levam a outras
doenças, que são causa de morte entre os pescadores artesanais de Cabo Frio – são pouco
citadas ou às vezes nem são mencionadas por eles. Provavelmente, nem reconhecem a
gravidade dessas doenças, porque quando elas acontecem não lhes impedem de pescar.
Entretanto, quando são diagnosticadas, elas fazem com que a morte chegue rapidamente, e
eles acabam não vendo sua gravidade e o quanto elas estão associadas à atividade da pesca.
A Pneumonia é a única doença que o pescador reconhece como grave, e também é
uma das causas de morte. Isso acontece porque os seus sintomas são: febre alta, prostração,
dor torácica, mal-estar, entre outros sintomas, os quais irão dificultar a sua ida para a pesca,
ou seja, o pescador, de fato, só reconhece como doença aquelas que os impedem de sair para
pescar.
No Município de São Francisco de Itabapoana, também foram utilizados os dados do
Censo do Pescarte com a pergunta sobre quais doenças os pescadores consideram mais
graves. Dos 369 pescadores de São Francisco do Itabapoana que responderam à questão sobre
adoecimento, 229 (62%) consideraram não haver nenhuma doença grave relacionada à pesca.
Entretanto, 140 (38%) pescadores relataram alguma doença relacionada com a pesca.
As doenças mais citadas como grave estão relacionadas abaixo:
78
TABELA 12: As principais doenças consideradas graves pelos pescadores artesanais de São
Francisco de Itabapoana - RJ
As principais Doenças Consideradas Graves pelos Pescadores
Artesanais de São Francisco de Itabaoana –RJ
Doenças Quantidade de Pescadores Artesanais
Afetados
Alergia 3
Artrose 4
Audição 2
Bronquite 2
Câncer de Pele 2
Coluna 54
Estômago 2
Fratura 2
Hérnia 3
Hérnia de Disco 4
Hipertensão 4
Lesão Joelho 2
Pneumonia 10
Problemas Cardíacos 3
Problemas Neurológicos 4
Tuberculose 4
Visão 2
Fonte: Censo Pescarte
Mesmo que se tenha mais oportunidade de estudar e de ter outros empregos, ainda
existem os pais que conseguem que os filhos permaneçam com atividades na pesca, seja nos
barcos, seja no beneficiamento e venda dos peixes, isso pode ser lido no relato do
Entrevistado 2:
já fui muito com meu pai. Porque minha família toda vive da pesca. Então
meu pai já teve muito barco. Não a pesca obrigatoriamente, eu ia mais para
mirar rede com meu pai. Já fui muito para alto mar com meu pai. Minha
juventude toda. Porque depois disso meu pai tocava uma peixaria, então
indiretamente, quem cuidava do peixe e do camarão para vender era eu e
minha mãe. Então tinha, sempre, [que fazer] troca de óleo e tocava peixaria,
quem administrava isso era eu e minha mãe, porque meus irmãos pescavam
e meu pai também ( Entrevistado 2).
Essa permanência nem sempre se dá pelo fator financeiro, mas por ser algo prazeroso:
“é aprendi com meu avô, com meu pai, sempre ia junto com eles aí fui pegando, a gente
gosta, já tá no sangue...” (Entrevistado 9), inclusive esse pescador possui um outro emprego,
mas não deixa de realizar a pesca.
Se para alguns pescadores, como o Entrevistado 9, a pesca é prazerosa e é exercida
porque de fato existe uma tradição que traz boas recordações, para outros a pesca só acontece
por uma necessidade, por ser o único trabalho que conhece. Isso pode ser compreendido
durante a entrevista quando foi perguntado ao entrevistado 15: “Todo mundo é pescador na
sua família?” “é... infelizmente ou felizmente é”. E na mesma pergunta o entrevistado 16 diz:
“É tudo pescador! Ele[s] não tiveram quase estudo e caíram no mar”, e nesse momento era
perceptível a insatisfação que existe dos filhos serem pescadores.
Durante a pesquisa de campo, com o contato com alguns pescadores e suas famílias,
foi possível observar que essa insatisfação se dá por alguns motivos como:
1) a pesca nem sempre dá à família o retorno financeiro que eles queriam;
2) quando se conversa sobre o adoecimento é perceptível que a maioria desses
trabalhadores só procuram o médico quando não têm outra alternativa, as dores, a falta de ar
ou o cansaço já estão insuportáveis, pois não podem parar a pesca devido à necessidade
financeira da família;
3) para aguentar os riscos a que se submetem, muitas vezes se utilizam de bebidas e
cigarros, e até as drogas ilícitas acabam fazendo parte do dia a dia de alguns pescadores, o que
faz com que o convívio familiar seja prejudicado.
81
Um dos relatos do entrevistado 1 foi que: “o consumo de droga, [fez com que alguns]
pescadores [estejam] se tornando praticamente mendigos, essa droga o craque veio, veio para
arrasar mesmo” e em conversa ele diz que muitos pescadores gastam tudo o que ganham com
as drogas ilícitas. Entretanto, em nenhuma entrevista com as famílias de pescadores que
haviam morrido, há o reconhecimento de que eram usuários de drogas ilícitas, apenas faziam
uso da bebida e do tabaco, na maioria das vezes como uma forma de amenizar as
preocupações e medos, como Dejours escreve (1992,p.72) “o vinho, a água ardente, são uma
dose de energia nem tanto física, mas psicológica que ajuda a enfrentar o trabalho”. Como foi
dito anteriormente, o trabalho do pescador apresenta riscos que, consequentemente, trazem o
medo da atividade pesqueira, que faz com eles passem a ter vícios com intuito de não
pensarem no medo.
Durante as entrevistas, ao perguntar aos familiares sobre o medo devido aos riscos de
ir para o mar, das 13 entrevistas com as famílias, 11 relataram que os pescadores falecidos
não tinham ou não falavam do medo de ir para o mar, ou seja, apenas 02 relataram que os
pescadores que haviam morrido em algum momento da vida reconheceram esse medo, entre
eles o Entrevistado 3 que relata: “Só quando ele saía de barra a fora, aí ele tinha medo. Ele
falava muito era com a minha filha, o medo que ele tinha de morrer lá e não ver ninguém” e o
Entrevistado 11 disse : “No começo ele tinha medo, se amarrava até no...tipo o negócio de
amarrar bandeira, quando o mar estava bravo ele se amarrava ali...ele era muito medroso. Ele
ia porque tinha que ir”, a realidade é que eles reconhecem o risco que correm, mas não
querem expor aos que estão mais próximos a eles.
Ao pesquisar sobre os riscos, Trostle (2013, p.188-189) diz que: “ para o público geral,
risco é um sinônimo de ameaça e perigo: se uma pessoa assumir os riscos, ela arriscará a
própria vida”. Então, é possível identificar que são dois os motivos que levam esses
trabalhadores a pescarem em embarcações que ficam em alto mar por dias, ou semanas, sem
que alguém fale dos riscos, dos medos, dos acidentes que presenciam:
1) eles aprenderam a conviver com essa atividade desde criança e acham que é uma
atividade normal e que acidentes acontecem por casualidade e se tiver que morrer isso
aconteceria mesmo estando no continente;
2) se eles ficarem falando do medo e do risco de irem para o mar, eles não conseguem
voltar na próxima pescaria, e muitas vezes essa é a única fonte de renda da família, ou seja, se
tenho que sustentar a minha família eu não posso pensar nos riscos que eu corro e no medo
que tenho do trabalho que realizo.
82
Para essas situações Dejours (1995, p.70) afirma que “se o medo não fosse assim
neutralizado, se pudesse aparecer assim em qualquer momento durante o trabalho, nesse caso
os trabalhadores não poderiam continuar suas tarefas por muito tempo mais”, e isso acontece
com qualquer trabalhador que se expõe a riscos, o que não seria diferente com o pescador
artesanal, como exemplo, temos o Entrevistado 17, que foi vítima de um naufrágio. Ele relata
que após o acidente: “ficou um pouco de trauma... mas, mesmo assim voltamos a pescar que a
gente... fazer o que, né!?” Eles precisam sustentar a casa e a única coisa que faz com que eles
parem de pescar são outras oportunidades de trabalho ou nos casos de adoecimento e
acidentes que os impossibilitam de ir ao mar para pescar, muitas vezes esse adoecimento e
esses acidentes são oriundos da própria pesca.
mesmo porque, muitas vezes os pescadores estão acometidos por doenças que não os
impedem de pescar, mas que se não forem diagnosticadas e cuidadas, se tornarão crônico-
degenerativas e chegarão a um estágio em que não haverá tratamento para cura, apenas
tratamentos paliativos com intuito de diminuir a dor e o sofrimento.
Das 13 entrevistas com as famílias que perderam parentes que eram pescadores, 02
casos foram de infarto fulminante, ou seja, as pessoas morreram na mesma hora sem chances
de receberem qualquer tratamento; 01 caso por causa indeterminada; nas outras 10 causas de
morte, o máximo que a pessoa ficou doente foi 1 ano; os demais, do período que descobriram
a doença até morrer, foram apenas alguns meses (3, 4, 5, 6, 8 meses), sendo que estas
doenças, quando são tratadas precocemente, há uma maior possibilidade de as pessoas
ficarem curadas e viverem por mais tempo. Ou seja, muitas vezes a morte não é precoce em
83
Ou seja, na fala desse pescador fica claro que os acidentes de trabalho acontecem,
porém eles são vistos apenas como um acidente casual. Outro relato que ele faz são as mortes
causadas pelos navios, mas que ele não faz menção em ser um acidente de trabalho:
no ano [de] 2009 uma embarcação ficou quebrada aqui, a 20Km da costa de
Cabo Frio e a gente estava pescando dourado, a gente estava mais para
Angra dos Reis, escutamos o cara pedindo socorro, pedindo apoio para
rebocar, ficou o primeiro dia, o segundo dia, no terceiro dia de manhã o
navio passou bateu na proa do barco dele, um dos tripulantes dele caiu
dentro da água, a maré corre muito aqui na área fora do Arraial e o cara foi
embora, ai é triste, você sai com 5 tripulantes e você vê um tripulante indo
embora sem você poder buscar ele, isso acontece direto (Entrevistado 1).
Então percebemos que muitas vezes, para o pescador, tanto os acidentes que não são
fatais (como amputar um dedo, um braço, quebra uma costela), quanto os acidentes fatais
(como ser jogado ao mar e morrer afogado) não são reconhecidos como acidente de trabalho.
84
Não sendo apenas esses casos, posteriormente o entrevistado 2 continua a fazer outros
relatos de acidente:
Isso fica perceptível, no caso dos pescadores artesanais, quando se sabe da existência
de órgãos que são os responsáveis pela fiscalização das embarcações quanto ao uso de EPI,
como é o caso da Capitanias dos Portos, e de fato isso não fica apenas no papel, essas
fiscalizações acontecem assim como o Entrevistado 2 relata:
na realidade tem [EPI] na embarcação, nas embarcações de alto mar tem que
ter até aquelas boias, mas na hora que eles estão pescando não. A marinha
hoje está pegando no pé do pessoal. Mês passado nós fizemos um itinerante
com 5 sargentos [da Marinha], eles estiveram aqui, na questão de legalizar,
porque a gente tinha muitos barcos, ainda que muito tempo tinha
embarcação, mas não tinha documentação, não tinha passado por essa
questão de vistoria que é a questão de que se tem 3 tripulantes, tem que se ter
3 coletes salvas -vidas, tem que ter 3 boias, tem que ter extintor, tem que ter
todo equipamento, então a gente está nesse trabalho legalizando que a
marinha está apertando, porque se pega, até no rio sem colete, sem extintor,
tudo isso gera multa.
Mesmo tendo a exigência, é perceptível que nem sempre o pescador vai aderir ao uso
desses EPI, seja porque ele não sabe utilizá-lo da forma correta, seja porque durante toda a
sua vida ele viu seu pai indo pescar sem se preocupar com esses EPI e o próprio pescador, até
então, não utilizava esses equipamentos.
Essa situação da dificuldade de utilizar EPI fica clara na resposta quando foi
perguntado o que eles achavam dessas exigências realizadas pela Marinha sobre o uso de EPI:
“Ah! Muitos acham um absurdo, que não precisa ter tudo isso, mas muitos já estão se
conscientizando que realmente é importante essa questão de ter esse equipamento na
embarcação. Sempre têm aqueles que são contra e aqueles que são a favor” (Entrevistado 2).
Se eles não reconhecem a importância da prevenção de acidentes, apesar de
reconhecerem que acontecem muitos acidentes e que possuem uma profissão de risco, mais
difícil é trabalhar a questão de prevenção de adoecimento, que vai desde às questões de
vestimentas e protetor solar para prevenção de doenças de pele, à alimentação inadequada,
posição ergonômica para realizar a pesca, e ao uso de bebidas alcoólicas e tabagismo. Borges
et al deixam isso claro quando dizem:
Além disso, ainda existem os fatores culturais, sociais, econômicos e regionais ligados a
informações. Quando foi perguntado ao entrevistador 1 sobre o uso de protetor solar entre os
pescadores, ele respondeu: “está melhorando. Ai vai vê, você vai comprar um protetor é caro,
mas ele [o pescador] não larga a droga dele [aqui ele dizia dos dependentes químicos] para
comprar um protetor”. Por mais que seja falado e orientado sobre os problemas de câncer de
pele, o pescador, nem sempre conseguirá comprar o protetor, seja por condições financeiras
precárias, seja porque a sua cultura não o deixa perceber a importância da prevenção.
Entretanto, existem os que viram acontecer na família e perceberam a necessidade de
utilização do protetor solar, como relata o Entrevistado 2:
Meu irmão, por ser muito branco, hoje ele tem essa preocupação usa um
chapelão bem grande, bastante protetor, porque a família do meu pai teve
muito câncer de pele, inclusive ele [o pai do Entrevistado, que é pescador]
vai fazer uma outra cirurgia, semana que vem, no nariz, mais um começo de
câncer de pele, eu por ser mais morena já tive, porque quando você é mais
jovem e vai para o mar, não esquentava de usar protetor, tive um começo de
câncer de pele no rosto e eu sou mais morena. Meu pai é super branco, então
é mais uma preocupação, os pescadores mais jovens estão tendo essa
conscientização de usar protetor, de usar chapéu e muitos fizeram o que
antes não havia, uma varanda nas embarcações, uma varandinha para não
ficar diretamente [exposto ao sol].
É isso ai, é o normal. Ai fazer um purê de batata com frango, ai, isso ai não é
comida. Tem que ter um jeito de orientar, já me falaram „evita de tomar
refrigerante dentro do barco, você não anda‟ refrigerante é um dos grandes
causadores para você chegar a ser um diabético, não sei se é verdade. Leva
laranja, leva suco, leva isso, leva aquilo, evita refrigerante, seu barco tem 8
metros e 90 cm, 4 metros você tem para andar, você não anda, 22 litros
[garrafas] de refrigerante de 2litros, beber água!? Pescador não gosta de
beber água, então é café, café, café, cigarro, cigarro, mesmo quem não fuma
bebe muito café, mas não tem coragem de ir lá beber um copo de água,
pouca água, mais refrigerante. Bastante, pão com ovo, pão com...frita peixe
coloca no pão. Come toda hora, frita peixe, frita lula, frita ovo (Entrevistado
1).
A fala sobre a comida apresentar grande teor de gordura, de não existir um horário de
Olha, aqui os que vão no vai e vêm, leva café, biscoito, porque sai de
madrugada, e chega. Aí os que vão para o alto-mar levam tudo, feijão, carne,
refrigerante, levam compra, porque vai ficar mais tempo. Oh! Pelo que meu
irmão me passa eles têm comida para almoço e janta, mas eles levam tudo,
levam biscoito, então se um está com fome, eles fazem suco, tem
refrigerante, eles não têm muita hora certa para comer, aí ele fala, se tá de
vigia, porque tem as escalas de quem vai ficar à noite, e enquanto está de
vigia sempre está comendo um biscoitinho para distrair, então não tem muito
essa questão de ter o horário para comer. Eles comem de tudo. A comida de
homem parece ser mais gostosa, ele estava me ensinando a fazer um atum
desfiado que ele faz que é com azeite e tudo mais, comem bem, na verdade
comem bem, pegam o peixe fresquinho ali. Levam carne, carne seca.
O comer bem para o pescador é comer sem horário, comer em grande quantidade. A
gordura não é vista por eles como um fator complicador para a saúde. Mesmo tendo
diagnósticos de doenças que precisam de uma dieta, eles insistem em ter uma alimentação
inadequada:
88
Pescador você sabe como que é!? Pescador gosta de comida pesada, fritura,
esses negócios. Por isso que ele ficou com esses problemas de diabetes, de
pressão, isso ai, não esquentava a cabeça, eu falava com ele: „pai não pode!‟
a problemada do AVC que ele teve foi causada por isso ai! A pessoa é
teimosa, a pessoa vai chegando a uma certa idade vai ficando teimoso
(Entrevistado 9).
Percebe-se que a alimentação inadequada faz parte da cultura deles, eles veem muitas
vezes como sendo importante pelo trabalho que é realizado: “No mar, ah...eles levam
rancho... no mar a comida é pesada, carne seca, feijoada, lá a comida é pesada. Passa até
porque trabalha, faz muita força, puxa a rede” (Entrevistado 11).
Como trabalham muito, uma das coisas que mais lhes dão prazer é a comida, por isso,
não gostam que supervisionem ou interfiram na sua alimentação, pois o pensamento do
pescador é o que a viúva (Entrevistado 16) falou que seu marido dizia: “se eu comer, eu vou
morrer, se eu não comer, eu também vou morrer! Então, deixa eu comer! ”. Eles não querem
perder o prazer da alimentação.
O período que passam no mar comendo em horários diversos, sem controle de sal,
gordura, temperos, comidas condimentadas – salame, salsicha, carne-seca, creme de cebola,
etc.– e quando estão no continente onde a comida pode ser melhor preparada, com um menor
teor de gordura, muitos deles passam pelo problema do alcoolismo: “olha, quando ele estava
bebendo, que ele passava 2, 3 dias bebendo, ele não comia direito não, mas quando ele parava
de beber ele comia muito. Comia bem! Só quando ele estava bebendo que ele não comia”
(Entrevistado 4). Ou seja, ainda existe a questão da bebida alcoólica, que entre os pescadores
é algo frequente como visto anteriormente. Dejours (1992), reconhece que durante os serviços
de riscos os trabalhadores usam a bebida como forma de enfrentar os medos.
O uso de bebida alcoólica nas embarcações é proibido pela Marinha. Em Cabo Frio os
familiares dos pescadores que haviam falecido e o pescador doente que foi entrevistado
relataram que os pescadores não bebiam quando estavam nas embarcações. Um dos relatos
que deixa isso claro é do Entrevistado 11: “no barco tem o mestre, e o mestre não consentia
bebida nenhuma no mar, se a capitania pegasse era uma multa danada, então ninguém levava,
quando chegava que ele bebia, chegava ancorava o barco e ia para o bar”.
Já em São Francisco de Itabapoana, algumas pessoas relataram que o uso de bebidas
nas embarcações é comum, como foi o relato do Entrevistado 2 “eles levam [bebida
alcoólica], eu tinha conversado com o capitão nessa reunião ele pegou [durante uma
fiscalização] muitos com bebida (cachaça) na embarcação”. Como o Entrevistado 2 havia
relatado anteriormente que São Francisco de Itabapoana “é um município recorde [forma que
89
o Entrevistado utilizou para expressar o grande número de acidentes que ocorre no município]
em acidente de trabalho com pescadores, inclusive naufrágios”, a ele foi perguntado se o uso
de bebida alcoólica poderia ser um dos fatores que influenciavam nesses acidentes, e a
resposta obtida foi: “Também. Tem muitos que levam até droga, para conseguir ficar
acordado por mais tempo” (Entrevistado 2).
Mesmo não sendo uma realidade dentro das embarcações, em Cabo Frio, os
pescadores também sofrem pela dependência do álcool. O Entrevistado 10 associa o uso de
bebida alcoólica à morte por infarto fulminante do irmão: “na embarcação eles não liberam
bebida alcoólica. Ele não tava doente, ele bebia muito quando ele tava em terra, numa dessa
ele bebeu tanto que deu um infarto, deu uma convulsão e ele morreu dentro de casa, no chão”.
Para muitas famílias o uso de bebida alcoólica chega a atrapalhar o convívio familiar:
a única coisa que me incomodava nele era a bebida. Quando ele bebia, ele
era muito agressivo, muito encrenqueiro, mas tirando isso não era mal irmão
não. Não tinha vício de droga, eu me injuriava muito com ele quando ele se
enfiava nesse bar [o bar é do lado da casa]. Você sabe como é vida de
pescador...ai quando ele cismava ele bebia, ai a idade vai chegando e vai
acumulando tudo (Entrevistado 4).
Porém, essa realidade pode ser modificada quando eles ficam doentes, e a doença é
diagnosticada precocemente com possibilidade de cura, e não apenas como cuidados
paliativos. Eles acabam optando por parar de fazer uso de bebida alcoólica, como foi o caso
do Entrevistado 13, um pescador que está doente com um câncer na boca. Foi perguntado a
ele: – “O senhor bebe?” “Não, não, agora então que não pode mesmo”. “O senhor parou de
beber por causa do câncer de boca?” “É”.“Bebeu por quantos anos?” “Uns 30 anos”. Ou seja,
ele fez uso da bebida alcoólica desde quando começou a pescar e parou apenas por causa da
doença e por perceber que a doença ainda tem cura.
Mas, além da bebida alcoólica, não poderíamos deixar de falar sobre o tabagismo que
é um dos fatores de risco das doenças crônico-degenerativas e está presente no dia a dia
desses pescadores. Das 15 entrevistas realizadas entre pescadores doentes e familiares de
pescadores que faleceram, 10 disseram que eles eram tabagistas. Muitos deles começaram a
fumar desde muito cedo, o entrevistado 13, que é um pescador doente, diz:“Eu fumo, desde
16 anos”. A quantidade que se fuma muitas vezes é algo incontrolável como diz o
Entrevistado 4: “Ele não fumava, ele comia cigarro. Porque quando ele estava pescando, que
ele ia lá para fora, ele me dizia que fumava 3,4 carteiras de cigarro por dia”, ou seja ele
fumava em torno de 60 a 80 cigarros por dia.
90
Durante as entrevistas foi possível perceber a associação que o próprio familiar faz do
cigarro como sendo a causa do adoecimento, assim como é relatado pelo Entrevistado 14: “ele
fumava muito, era fumante desde criança praticamente, mas fumava muito, muito, muito
mesmo, foi aonde causou esse enfisema e estes problema todo, só isso mesmo, por conta do
cigarro”. O entrevistado 16 também diz:“Bebia antes e fumava muito. Antes... o médico logo
quando ele foi pro hospital pra se cuidar, o médico perguntou: „o senhor fumava?‟„Fumava‟.
„Bebia?‟„Bebia‟. Então tudo é efeito também de bebida e cigarro”.
A dependência de drogas, sejam elas ilícitas, ou mesmo as lícitas, como a bebida
alcoólica e o tabaco, deve ser considerada uma doença, pois o seu uso terá como
consequências as doenças crônico-degenerativas, ou mesmo os acidentes. Mas os pescadores
artesanais, não veem essas dependências como sendo algo grave que afeta diretamente a
saúde deles. Na realidade consideram-se doentes quando algo os atrapalha de irem pescar,
assim como o Entrevistado 2, que relatou ao ser perguntado quando alguém se considera
doente.“Geralmente, se estiver sentindo alguma coisa. Tem que ter algum sintoma. Ninguém
vai ao médico sem estar sentindo nada. Começa algum sintoma e você precisa buscar o
médico para saber o porquê disto” (Entrevistado 2). Entretanto, sabemos que há uma
necessidade da busca pelos serviços de saúde de forma preventiva, como exames periódicos
pelo menos 1 vez ao ano, da mesma forma que acontece com os trabalhadores operários.
A busca pelo profissional médico, nem sempre será uma tarefa fácil. Na própria fala
dos pescadores artesanais, é possível identificar algumas das dificuldades de irem em busca
do profissional médico. Por exemplo, as dificuldades encontradas no próprio município
devido ao fato de as políticas públicas de saúde serem ineficazes no atendimento à população
como relata o Entrevistado 1: “a saúde no Município de Cabo Frio é complicado. Quando
chega a ir no médico é pro UPA (Unidade de Pronto Atendimento) ou pro cemitério. Só, se [a
doença] for muito grave mesmo, se não, não vai”. O fato de ter que esperar muito tempo, é
um dos fatores que afastam esses trabalhadores do serviço de saúde. Foi possível perceber que
quando eles chegam a ir, são os pescadores que possuem maior acesso, maior facilidade de
realizar as consultas e os exames, isso fica evidente na fala do Entrevistado 1 quando diz:
“minha esposa trabalha no laboratório, nós fizemos [exames], acabei fazendo um check-up
todo, triglicerídeo, colesterol, ácido úrico, essas coisas assim”. Ou seja, ele vai ao médico, faz
exame, mas ele não espera em uma fila, a esposa dele trabalha em um laboratório, ele não
precisa nem ao menos ir buscar o resultado do exame, este chegará junto com a sua esposa em
91
sua residência e ainda terá o conhecimento se deu alguma alteração e se precisa ir em busca
do médico.
Ir ao médico significa perder o dia de serviço, e os pescadores que trabalham dias
embarcados, acabam não podendo embarcar, como relata o Entrevistado 13, que está doente
relata:
não tenho ido [pescar] não, com esse problema meu [câncer na boca] eu tô
[estou] correndo atrás para operar. Ai não dá para ir, tem médico marcado. A
embarcação tem dia de sair, mas voltar só Deus sabe, portanto, para gente ir
com prazo para voltar, não adianta nem ir, para atrapalhar os outros.
Além dele, o Entrevistado 8 fez o relato da consulta médica: “ele falou „o senhor vai
ter que bater outra radiografia lá‟ aí eu esperei 3h lá, quando chegou a minha vez a menina
marcou pra 20 dias depois...”, ou seja, o pescador já havia perdido 01 dia de pescaria para ir
ao médico, 01 dia para fazer o exame, e quando chegou na vez que dele, era para retornar 20
dias depois, o que significa que ele iria ficar mais 01 dia sem pescar, além da incerteza se iria
conseguir fazer o exame. A consequência desse fato foi não ter realizado o exame para
conseguir chegar ao diagnóstico para os sintomas que ele estava apresentando. Mais tarde isso
poderá ter como consequência uma doença em estágio avançado.
Eles se sentem inferiorizados diante dos profissionais médicos, isso fica claro na fala
do Entrevistado 8 quando ele diz:
a primeira vez que ele foi me atender o cara começou agarrando, apertando,
perguntou: „tá doendo?‟ falei: „o que você acha?‟ „o caroço aqui está
grande‟, „pois é, o que o senhor acha? eu vim aqui porque está doendo, e o
senhor está apertando...‟ „ai tá bom‟, ele teve coragem de me chamar de
cachaceiro [sendo que o pescador parou de beber há 30 anos].
Esse foi um dos fatos que fez com que esse pescador continuasse com o “caroço” que
está crescendo, mas que não o impede de ir pescar, provavelmente mais tarde ele terá uma
complicação nesse local, o que poderá levar a uma morte mais rápida após o diagnóstico, por
uma doença que poderia ser tratada e curada.
A cultura que possuem de buscar pessoas de suas crenças, vizinhos, balconistas de
farmácia, fica clara na fala dos pescadores:“tem, rezadeira para cuidar do coração, esse que
saiu daqui é um, „minha coluna vai melhorar porque estou tomando um chá de erva do no sei
o que e pá pápá. Então, falei: „vai nessa, qual foi a rezadeira?‟ Vai tem que se apegar a Deus,
mas Deus deu inteligência ao homem para ser médico e se formar” ( Entrevistado1).
Mesmo quando se sabe da importância da consulta médica, o meio cultural e a forma
de vivenciar a doença ainda é bem distinto no meio dos pescadores. O Entrevistado 2, que
92
demonstra ser uma pessoa instruída, faz trabalho de prevenção de doenças entre os
pescadores. Mesmo assim, relata o seguinte: “quando fico doente eu procuro a farmácia, o
farmacêutico [na realidade é o balconista da farmácia] é vizinho. Quando tem aquela gripe
que está começando eu vou ali naquela farmácia que já é conhecida, aí me dá aquela
injeçãozinha e eu já estou boa”. Entretanto, a não busca pelo profissional médico pode fazer
com que esse trabalhador chegue a uma situação que seja mais complexa, assim como
aconteceu com o pai do Entrevistado 14:
Assim como esse pescador, são muitos que não buscam o médico para fazerem exames
periódicos, como por exemplo, acontece com os trabalhadores operários, formalizados pela
lei, que fazem exame admissional, periódico e demissional por ser uma conduta cobrada
dentro das próprias empresas, fazendo com que as doenças sejam previamente reconhecidas.
Mas existem as causas que fazem com que esses pescadores não retardem a busca pelo
profissional médico, que são as causas que lhes atrapalham ir para o mar pescar, como relatou
o Entrevistado 1, quando lhe perguntaram quando o pescador busca pelo profissional médico:
“é[se] machucar uma mão, furar o pé, ou tiver algo que impeça de ficar no convés e puxar
uma linha, ai ele fica. Agora, se for para procurar um para o controle da saúde dele, ele não
vai não”.
Durante a pesquisa sobre as doenças desses pescadores, o que se viu foi que quando
eles chegam a buscar pelo médico, as doenças já estão em estágios avançados, o que faz com
que o sofrimento, tanto desses trabalhadores quanto de suas famílias, seja grande.
O período de doença é um período de incertezas e medos, até porque eles não possuem
o hábito de frequentar ambientes hospitalares, de estarem diante de profissionais da área de
saúde, de enfrentarem situações de internações que os mantenha em uma cama, passando por
tratamentos, fazendo exames para diagnóstico de doenças, além de terem que se afastar da
pesca. Assim relatou o Entrevistado 3: “ [a doença – AVC] apareceu rápido, ele deu a
primeira crise, ficou internado no hospital, aqui na UPA, ele ficou 1 mês internado. A
93
primeira ele caiu, voltou e ficou conversando normal; a segunda também, já a outra ele saiu
praticamente morto”. Ou seja, esse mesmo pescador passou por 3 situações que foram se
agravando e em intervalos pequenos, pois, segundo o Entrevistado 3, tudo isso aconteceu
rápido, do primeiro AVC ao último foram 4 meses.
Além disso, por muitas vezes, quando os pescadores começam a sentir os sintomas das
doenças,eles tentam esconder da família para que não sejam pressionados a buscar pelo
serviço de saúde. Assim relata o Entrevistado 5:
Ele começou o seguinte, ele já vivia muito tempo a gente achando algumas
atitudes dele meio estranha, mas ele não reclamava de nada até que ele
começou a sentir umas dores de cabeça muito forte, mais forte mesmo que
deixava ele arriado, que ele deitava, deixava ele desanimado, às vezes
tomava um comprimido e passava, ai foi indo uns 2 ou 3 meses assim eu
falando para ele „tem que ver isso, tem que ver isso‟ e quando eu insisti
muito com ele, ele falou que estava dando tonteira, que ele deu uma tonteira
na rua, caiu, é...ele estava achando que era o remédio de pressão que estava
fazendo mal para ele, ai foi que um dia, 5h da manhã, ele desceu a escada
para ir no banheiro e levou um tombo aqui na cozinha levou um corte na
sobrancelha e depois desse dia ele ficou debilitado, não enxergava direito,
até para ir no banheiro eu tinha que levar, nos primeiros dias eu tinha até que
dar comida na boca, porque ele não estava enxergando para colocar a comida
na boca, aí foi que ele estava com um encaminhamento para ir a urologista
foi aí que agente começou a levar e descobriu que ele estava com a doença
[câncer] já avançada.
Com isso, o tratamento da doença, que seria curativo, foi apenas paliativo, com o intuito de
amenizar as dores e os sintomas, e esse pescador morreu 8 meses depois do diagnóstico da
doença. Ele tinha apenas 61 anos de idade.
Assim como esse pescador, a história se repete com outros pescadores. O Entrevistado
16 faz o relato de como apareceram os primeiros sintomas, quando foi a busca pelo médico,
como foi o avanço da doença,que chegou em um estágio em que já não havia cura, mas sim
sofrimento e angústia para o paciente e para sua família.
Olhe, ele pareceu assim, reclamando de um joelho, que tava com astrose
[artrose], no joelho, aí o médico chegava lá, tirou uma água, um líquido,
depois fez filtração [infiltração], botou lá... ele tomava muito medicamento.
E não procurava assim... se cuidar melhor, fazer um exame tal pra ver. Aí ele
ficou puxando até aquela perna mei [meio] ruim, cheio de dia melhor, dia
pior, mesmo assim pescando. Não sentia mais nada, isso foi... eu acho que
ele ficou um ano e pouco, sentindo assim... entendeu!? 2010... Ele faleceu
em... foi 2011.
94
Em 2010 ele sentiu os primeiros sintomas, que ainda não o impediam de ir pescar, o que fez
com ele não se cuidasse, não buscasse pelo profissional médico, como o próprio Entrevistado.
A viúva dele afirma:
Ou seja, ele continuava sem se cuidar, sem procurar um atendimento à saúde, pois ele
continuava conseguindo sair para pescar, e o Entrevistado continua relatando:
Ele foi pro mar... aí chegou lá lascou 2 dias que tava em alto mar, veio a
notícia: „oh, ele ta num beliche, mal‟. Aí foi e ta vindo pra terra, porque ta
mal e... o osso se rompeu da perna. Aí foi, nisso chama a ambulância quando
eles, estavam pra chegar em terra, ambulância, tudo chegou na beira do porto
e aí pra tirar aquele homem que era gordo de dentro do barco? Pra tirar do
beliche? Teve que cerrar a madeira e tudo pra abrir o barco pra tirar ele. Ele
era forte. Como que teve que meter a coisa ali pra tirar ele dali que ele não
andava e nem nada. Um grito de dor. Aí tiraram ele, botaram na ambulância,
foi pro Ponto [de Cacimba, que é um Pronto Socorro]. Aí chegou no Ponto
de Cacimba...o médico foi e passou lá uns medicamento, e... Fez raio X lá, aí
foi eu não sei se lá mesmo ele mandou pra Campos. [Depois] veio pra casa.
Aí depois eu voltei lá, era doutor João, João... o doutor João falou „olha esse
homem tem que mandar ele pra Campos porque aí tem que ver que ele ta
com um tumor‟. Aí voltou pro Ponto [de Cacimba] com 8 dias que tava em
casa já em cima de uma cama voltou pro ponto, aí ficou internado lá mais
uns dias. Aí nisso q vê... é... mandaram pra casa novamente, melhorava um
pouquinho eles mandava pra casa. Aí nisso que mandava pra casa eu tinha
uma cunhada que morava em Campos, ela foi, ajeitou um médico lá, foi na
Beneficência, ai levou, chegou lá o médico foi olhou raio-X e tal e aí falou:
olha, ele tá com um tumor nos ossos. Aí agora tem que ver o que é, né? Aí
de lá mandaram pro [Hospital] Ferreira Machado. Aí do Ferreira Machado aí
operou, aí do Ferreira Machado encaminharam ele pra Santa Casa. Aí na
Santa Casa operou pra quê? Pra botar só uma ferragem pra perna ficar dura
pra nós poder cuidar dele. Que a perna dele virou, o pé, a perna fez assim
oh...[ ela demonstrou que ficou como se fosse um S] virou... aí o pé caiu
também, aí o médico foi boto uma ferragem na perna, só pra nós cuida dele,
e leva ele pra Campos, pro hospital, só pro sofrimento não sê pior. Só
mobilizou, que jeito mais não tinha. Aí, chegou lá teve que tirar, mandou pra
fazer um exame. Aí fez, aí quando eu fui lá pegar o resultado, o médico
disse: „oh! Você vem aqui, eu preciso conversar com você‟. Aí eu deixei ele
em casa e fui. Aí chegou lá o médico foi e falou pra mim: „olha, infelizmente
ele tá com câncer maligno e é muito raro esse câncer nos ossos. Ele já tava
todo contaminado, costa, pulmão... todo contaminado‟! E foi muito
sofrimento pra nós Acho que isso me deu força, pra gente. O sofrimento dele
foi tão grande! É um consolo pra nós quando ele foi... eu já falava assim no
hospital: „Meu Deus, se esse homem durar mais uns dias, o que que eu vou
fazer da minha vida?‟ Entendeu? O que, que a gente ia fazer pra poder
95
aguentar a cuidar dele? Que ele era gordo, forte, qualquer coisinha que
mexia ele começava a gritar, gritar...
Um diagnóstico que poderia ser realizado quando esse pescador sentiu as primeiras dores, se
tivesse realizado os exames, mas a doença chegou a um estágio que não havia o que ser feito,
e sofreram todos: o pescador, a família, os amigos. A viúva relata que a morte do pai foi algo
tão triste os filhos passaram a fazer mais uso de bebida e se tornaram alcoólatras.
Ao analisar as falas dos entrevistados, percebe-se que a dificuldade em se conseguir a
primeira consulta é maior tanto pela resistência do pescador na busca do médico, quanto pelos
problemas de saúde pública que enfrentamos em nosso país.
Porém, quando chega o momento de fazer o diagnóstico, eles não relatam
dificuldades. Assim como relata o Entrevistado 6: “Logo assim que começou [fazer os
exames], logo foi diagnosticado o problema”. Assim, como não relataram dificuldade de fazer
o exame por condições financeiras, o Entrevistado 5 fala: “Usamos recurso do SUS, o único
exame que eu paguei foi um exame de vista que o médico que eu levei, o médico tinha
pedido, aíagente pagou, só”.
Uma das situações que deve fazer com que esses diagnósticos sejam concluídos sem
demora, é o avanço das doenças assim como relata o Entrevistado 5:
16
Parte superior esquerda do abdome
96
O tratamento, na maioria das vezes, é realizado pelo SUS, assim como relata o
Entrevistado 12: “Conseguiu, conseguiu, tudo pelo SUS”. Mas existiam os que conseguiam
apenas uma parte do tratamento por meio do serviço público de saúde, assim como fala o
entrevistado 14:
Houve relatos de ter que comprar todo medicamento, como diz o Entrevistado 5:
“Não, todos os medicamentos dele foram comprados, até quando ele estava internado no
hospital, tinha um remédio que ele tinha que tomar, e eu que comprava e levava para o
hospital”. Ou seja, nem sempre o financiamento de políticas públicas consegue atender a
necessidade de todos os tratamentos. Ainda existem os casos em que a família precisa
comprar o medicamento para o próprio hospital e, nos casos de tratamentos mais caros,
muitas vezes se faz necessário entrar com processos para conseguir os recursos, mesmo sendo
a saúde um direito de todos e dever do Estado reconhecido pela Constituição de 1988.
A família também é responsável por ajudar no tratamento das pessoas doentes. O
doente por vezes dificulta esse trabalho, o Entrevistado 9 era filho de um pescador com
diabetes e hipertensão arterial e sobre o tratamento ele relatou:
Fazia exame, ai sempre ia no médico que dizia: „você tem esse problema,
Manoel, você tem que se cuidar‟ ai no caso foi isso que aconteceu com ele, a
idade também, ele era teimoso, queria comer bolo, queria tomar sorvete,
queria não sei o quê, agente ia falar com ele, no caso ele chegava de manhã
eu ia lá em cima fazia o café dele com adoçante, levava para ele, dava o
remédio, na hora do almoço, às vezes eu não tava, meu irmão dava o
almoço, dava o remédio dele certinho, mas agente não pode tomar conta,
porque ás vezes ele saia sozinho, ele gostava de andar na rua, tomar sorvete,
ele ia na padaria compra bolo „eu vi o senhor tá comendo bolo, o senhor não
pode comer doce não, rapa!‟ „Ah! Não quero nem saber, se morre, morreu,
não quero nem saber ah!‟ idade...até o médico que estava tratando dele
falava „seu Manoel, você se cuida, você tem problema de coração‟ de 2 em 2
meses trazia ele para fazer exame.
Ou seja, a família cumpria com suas obrigações, levava ao médico, oferecia uma dieta
equilibrada de acordo com a doença que o acometia, os remédios eram oferecidos na hora
correta, faziam os exames necessários. Mas ele que não queria se adaptar ao tratamento. Para
ele deixar a cultura da alimentação desregrada, como sempre foi, era pior do que a própria
97
morte como o filho relatou que ele dizia: “Ah! Não quero nem saber, se morrer, morreu, não
quero nem saber, ah!”.
Para outros, as dores eram intensas, e tudo que eles queriam era um tratamento, que
nem sempre era possível ser próximo da família:
Quando descobriu ele já estava com a doença, mas até o internar, não
internar e vinha aqui fazia um medicamento, passava, mas muita dor, ai o
médico mandou levar lá para o Rio, para Cruz Vermelha, ai ele até morreu
lá, nós fomos buscar ele, [mas ele] fazia tudo lá, fazia lá, para não vir
embora. Cabo Frio, para ir para lá era uma mão-de-obra, aí ele ficou
internado lá, uma internação para fazer isso tudo [quimioterapia e
radioterapia] lá, não ter que vir aqui e ter que voltar (Entrevistado 11).
Na realidade, a própria família queria amenizar as dores, sabia que o retorno para casa era o
retorno para um local em que ele não teria recurso para amenizar a dor.
Além de ter que conviver com a dor,os doentes e as suas famílias têm que conviver
com uma dura realidade. Em todas as entrevistas realizadas, em que o pescador não era
aposentado antes de ficar doente, eles não conseguiram receber o seguro-saúde, que deveria
ser pago pelo INSS, mesmo tendo isso como direito. O Entrevistado 16 relata:
Ficamos com uma vida triste, ele na cama, fizeram a perícia para aposentar
ele dentro do hospital e não conseguiu. Entendeu!? Mas ele não ganhou nada
de INSS, em doença não. Enquanto tava ali na cama não [recebeu nenhum
benefício]. Depois que ele morreu que eu agendei logo pra mim ir lá.
Esse era um pescador de 59 anos, e não conseguiu receber o benefício do INSS, mesmo tendo
um câncer de ossos com metástase em outros órgãos.
O Entrevistado 5 relatou que só conseguiu o benefício no último mês de vida do
marido, e o quanto foi difícil não ter nenhum ganho, mesmo porque foi necessário parar de
trabalhar para cuidar do marido com câncer, internado no Hospital de Bonsucesso, no Rio de
Janeiro, uma cidade distante de sua residência. Então ela diz: “não, ele faleceu antes de se
aposentar. O benefício dele só saiu poucos dias antes de ele morrer. Parei de trabalhar para
cuidar dele, e meus filhos me ajudaram muito. E eu sempre tive o cuidado de guardar um
pouquinho, né, então deu para passar assim, foi apertado, mas...”. Além disso, existem
também os casos em que somente a pesca não supre a necessidade da família, por isso os
98
pescadores acabam realizando outras atividades, o que faz com que percam os direitos na
Previdência Social como Segurado Especial, assim como relata o Entrevistado 9:
Não, não, ele não se aposentou pela pesca não. Ele tinha a pescaria, mas ele
tinha barraca em praia, entendeu!? Ai depois ele vendeu e ficou só mesmo
na pescaria. Teve uma época também que ele trabalhou na praia também, na
pesca é o seguinte: tem época que dá, tem época que não dá, ai você tem que
ter um outro ganhozinho para você sobreviver, para família, senão fica
complicado viver só da pesca. Ai o que acontece, quando ele se aposentou,
foi fundo rural, ai minha mãe, se aposentou também, porque ele não pagava
muito INSS, pescador se sabe como que é, não esquenta a cabeça para pagar
esse negócio de INSS, ai como ele teve a oportunidade de, sem pagar INSS,
se aposentar ai minha mãe se aposentou primeiro e depois ele se aposentou,
mas ele num quase desfrutou, porque depois de 4 ou 5 meses ele faleceu, só
que minha mãe não tem direito, porque fundo rural não dá direito a pensão
para mulher, entendeu!?
Além desse houve o relato do Entrevistado 3: “não [recebeu benefício do INSS] e até hoje a
minha filha não tem direito a nada, não recebe um tostão”. Entretanto, há a informação, no
caso dessa vítima que havia falecido de que o mesmo havia prestado um serviço para
prefeitura, o que fazia com que o mesmo perdesse o direito de segurado especial, que é
concedido aos pescadores artesanais.
Também há relatos de que o pescador consegue receber o seguro saúde, mesmo que
não seja para todas as patologias, inclusive, a doença da qual o pescador mais se queixa que é
a dor na coluna, acaba sendo uma das doenças sobre as quais eles mais reclamam não
conseguir o seguro-saúde. Isso fica claro no relato do Entrevistado 2:
consegue [ficar com benefício do INSS nos casos de adoecimento]. A grande
maioria consegue sim, porque tem a questão do encaminhamento, agente dá
o encaminhamento, agente agenda para eles, monta todo o processo com
laudo médico, a grande maioria, sim, consegue o auxílio médico. O posto de
saúde, dependo de quem vai atender ele, se é no posto de saúde ou no
hospital, o médico dá o laudo com o que realmente aconteceu. O meu irmão
foi o médico que deu o laudo dizendo o que aconteceu, como forçou muito,
forçou a coluna, meu irmão ficou quase 1 ano pelo INSS, porque forçou
muito ele teve um probleminha na L6 (Entrevistado 2).
Ou seja, é preciso que sejam desenvolvidas políticas públicas entre as colônias de pescadores,
secretarias municipais de saúde e Previdência Social. Então a colônia irá solicitar aos seus
associados que busquem o serviço de saúde do trabalhador na secretaria de saúde e esta, por
sua vez enviará laudos de notificação de adoecimento de trabalho para o INSS. Isso permitirá
que todas as doenças, incluindo as ergonômicas, sejam reconhecidas como doenças
relacionadas ao trabalho executado. Com isso os pescadores terão seu direito ao seguro-saúde
reconhecido, lembrando que é necessário diminuir a burocracia, pois quando eles ficam
doentes, por muitas vezes a morte é rápida pelo avanço da doença.
7 CONCLUSÃO
não mais participarem de forma passiva das colônias e das associações, mas que tenham uma
maior capacidade de lutar por espaços na sociedade, de forma que consigam administrar o
comércio do pescado, não tendo que passar por atravessadores, melhorando a renda familiar,
buscando por serviços de saúde de forma preventiva, não apenas curativa. Isso permitirá que
as próximas gerações tenham melhores condições de vida e mais conhecimento sobre seus
direitos e deveres enquanto trabalhadores autônomos, inclusive direitos com relação à saúde.
Podem realizar mudanças de vida como uma alimentação adequada, atividades físicas
regulares e prevenção de doenças laborais – câncer, catarata, dores lombares, hipertensão,
diabetes, etilismo, tabagismo, pneumonia etc.− isso somado às técnicas de prevenção de
acidentes. Essa questão de prevenção na atividade pesqueira já possui uma preocupação de
outros órgãos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que recomenda atenção
maior para as questões referentes à segurança e saúde dos trabalhadores, tendo como base
para essas recomendações as precárias condições de trabalho encontradas na pesca (BRASIL,
S; 2007).
Para isso, é necessário que as associações e as colônias de pescadores comecem a
desenvolver atividades em conjunto com as secretarias municipais de saúde para que sejam
realizadas ações que levem o pescador a ter a preocupação com a prevenção dos acidentes e
das doenças laborais. O que se observou foi que, na maioria das vezes, esse trabalho realizado
na pesca é tão rotineiro que esses trabalhadores não conseguem fazer a associação dos
acidentes e das doenças com as atividades que realizam, achando que toda doença e acidente é
uma casualidade. Nos casos das doenças, elas avançam tanto até que seus portadores
procurem algum serviço de saúde e, quando fazem os exames, o diagnóstico não demora, pois
se tornam evidentes, a ponto de “apavorarem o médico”que estava atendendo e o mesmo sabe
da necessidade de se iniciar rapidamente o tratamento.
A demora pela busca do serviço de saúde, faz com que o diagnóstico demore a
acontecer, com isso, os tratamentos se tornam apenas paliativos, pois a doença avançou tanto
que já não há possibilidade de cura. Se for levado em consideração o momento em que o
pescador procura um profissional de saúde até o momento de sua morte, esse período dura no
máximo 1 ano, trazendo tanto aos pacientes quanto aos seus familiares dor e sofrimento.
O que se conclui é que as causas de morte da população de pescadores artesanais são
as mesmas causas de morte da população geral, ou seja, a maior causa de morte é por doenças
crônico-degenerativas, seguida de causas externas e posteriormente de doenças transmissíveis.
Entretanto, esse estudo teve sua importância quando identificou algumas diferenças na morte
101
Isto porque existem as questões da previdência social e, muitas vezes, esse trabalhador
não tem como provar quais são as doenças recorrentes do trabalho, mesmo com a Portaria
1.339/99, que institui a lista de doenças relacionadas ao trabalho, que deverá ser utilizada e
atualizada anualmente como referência para uso clínico e epidemiológico. A negligência da
lista tem feito com que muitas dessas doenças se tornem invisíveis quando afetam os
pescadores artesanais, fazendo com que os trabalhadores não consigam receber da previdência
o seguro- saúde para sustentar a família no período em que se encontra impossibilitado de
trabalhar por motivo de adoecimento ou pelas consequências de um acidente. Muitas vezes,
não conseguem também realizar o tratamento adequado para uma reabilitação das doenças
laborais (PENA;et al, 2013).
O pescador artesanal tem que ter, em sua atividade, os seus direitos trabalhistas
assegurados, tanto no que diz respeito à prevenção de doenças, quanto no que diz respeito aos
acidentes. E, quando houver o momento da impossibilidade de trabalhar, ele precisa conseguir
o atendimento necessário para o diagnóstico e o tratamento em tempo hábil, de modo que não
seja apenas um tratamento paliativo, mas sim, curativo, que permita a sua recuperação e a sua
reabilitação. Isso faz parte das responsabilidades do Estado para que esses trabalhadores
tenham acesso a uma assistência à saúde como direito real e inalienável.
103
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
AVEZUM, A.; PIEGAS, L.S; PEREIRA, J.C.R. Fatores de Risco Associados com Infarto
Agudo do Miocárdio na Região Metropolitana de São Paulo: Uma Região Desenvolvida em
um País em Desenvolvimento. In: Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 84, Nº 3,
Março 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abc/v84n3/a03v84n3.pdf (10/03/2016)
BARATA, R.B. Epidemiologia Social. Revista Brasileira de Epidemiologia. vol.8 n.1 São
Paulo Mar. 2005.Disponível em:
http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415790X2005000100002&lng
=pt (Acesso em:20/07/2016).
DIAS NETO, J. Gestão do usos dos recursos pesqueiros no Brasil. Brasília: Ibama, 2010.
DONKIN, R. Angue, Suor e Lágrima: A evolução do Trabalho. 2003. São Paulo: M. Books
do Brasil Editora Ltda.
DOURADO, V.Z; TANNI, S.E; VALE, S.A.; FAGANELLO, M.M.; SANCHEZ, F.F.;
GODOY,I. Manifestações sistêmicas na doença pulmonar obstrutiva crônica. Revista: Bras
Pneumol. 2006; p. 161-71. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v32n2/a12v32n2
(10/03/2016).
MARCUCCI, F.C.I. O papel da fisioterapia nos cuidados paliativos a pacientes com câncer.
Revista Brasileira de Cancerologia (67-77), 2005. Disponível em:
file:///C:/Users/Usuario/Downloads/OK+ITAMARA+O+papel+da+fisioterapia+nos+cuidado
s+paliativos+a+pacientes+com+c%C3%A2ncer.pdf (Acesso em: 20/04/2016)
PENA, P.G.L; MARTINS, V; REGO, R.F. Por uma Política para a Saúde do trabalhador não
assalariado: o caso dos pescadores artesanais e das marisqueiras. São Paulo: Revista
Brasileira de Saúde Ocupacional, (57-68). 2013.
POLIGNANO, Marcus Vinícius. História das políticas de saúde no Brasil: uma pequena
revisão. Cadernos do Internato Rural-Faculdade de Medicina/UFMG, v. 35, 2001.
Disponível em: http://www.ufrgs.br/napead/repositorio/objetos/edital19/gestao-
politicas/ARQUIVOS%20PDF/Hist%C3%B3ria%20das%20pol%C3%ADticas.pdf. Acesso
em 20/07/2016.
UGÁ, M.A.; PIOLA, S.F.; PORTO, S.M.; VIANNA, S.M. Descentralização e Alocação de
Recursos no âmbito do Sistema Único de Saúde. Revista: Ciência & Saúde Coletiva, 417-
437,2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/csc/v8n2/a08v08n2.pdf. (Acesso
em: 20/07/2016)
109