NÚMERO 52
ISSN 0103-4383
RIO DE JANEIRO, OUTUBRO 2014
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 4-7, out 2014
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A iniciativa da SAS e do Cebes, ao lançar esse número da revista ‘Divulgação em Saúde para
Debate’, não apenas pretende apresentar o que vem sendo desenvolvido nas recentes políticas
do SUS com relação às RAS, mas, através das análises e dos relatos de experiências, propiciar
um debate consequente acerca da consolidação dessa estratégia que avança na implementação
do SUS. Dessa forma, o esperado é que este número seja uma referência importante para o
campo da saúde coletiva e para o setor saúde e que, particularmente, possa servir aos gestores,
profissionais de saúde e equipes que operam os serviços de saúde em todo o País.
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The concept of Health Care Networks (RAS) is not new and was already inserted
on the Federal Constitution, on its article 198, which states that “public health actions
and services integrate a regionalized and hierarchized network and compose an unified
system (…)”.
The Health Care Networks have to be understood as the dynamic and horizontal or-
ganization of services, having the access as a fundamental principle and Primary Health
Care as a communication centre, allowing the offering of continuous and integral care to
a certain population in a territory. Many authors use the image that the network should
be committed to providing health care at the right time, in the right place, with the right
cost and the right quality.
The relation horizontality between attention points, aimed on a continuous and inte-
gral care offer; the consequent strengthening of Primary Care as a communication centre
and the follow up of the user during their way in health services; multiprofessional care
and the search for results in health, that make sense on people’s lives. Under this pers-
pective, Health Care Networks are responsible for the sanitary and economic results
related to local population health and should be structured according to some funda-
mental health services organization principles and to a dialectic relation between them.
The deployment process of Health Care Networks, conceived and announced in the
last years of Lula government and started in 2011, in Dilma government, is a product of
a tripartite agreement among the three management spheres and represents an advance
on the organization of the Unified Health System (SUS). Through the Health Care
Networks, the constitutional principle of integrality gets concrete, being materialized
via connections and integration of health actions and services in many territories, arti-
culated in a supra municipal way.
The fragmentation of health care process has been pointed out as an important res-
ponsible for low quality and access difficulty. Among Health Care Networks objectives,
the fragmentation situation rupture potential must receive its value.
The so-called Health Care Networks governance is a complex process because it rup-
tures the formal administrative responsibilities and incorporates territorial dimensions
that are not always limited to one municipality. The proposed model, as described on
the ordinance 4.279, from December 30th, 2010, is understood as “(…) the intervention
capacity that involves different players, mechanisms and procedures to shared network
regional management.”. It is an innovative construction in SUS area, but profoundly co-
herent with the unity condition of our health system.
The initiative of SAS and Cebes, when publishing this edition of ‘Divulgação em Saúde
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para Debate’ magazine, intends not only to present what is being developed on recent
SUS policies related to Health Care Networks, but through the analyses and the expe-
rience reports, foster a consequent debate about the consolidation of this strategy that
advances in SUS deployment. Thus, the expected is that this number becomes an im-
portant reference to collective health field and to health sector and that it may serve
specially to managers, health professionals and teams that operate health services in the
whole country.
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Apresentação
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APRESENTAÇÃO | PRESENTATION 9
mundial nas últimas décadas, admitindo que os índices brasileiros ainda são altos consideran-
do o nível de desenvolvimento do País.
A política governamental da Rede Cegonha tem sido a estratégia para enfrentamento do
problema da redução das mortalidades materna e infantil e está baseada na qualificação das
ações e dos serviços de saúde. Analisam os desafios interpostos com relação a mudanças no
modelo tecnoassistencial da atenção obstétrica e neonatal vigente e no paradigma cultural
relacionado ao parto/nascimento construído no seio da sociedade brasileira.
Em seguida, o artigo ‘Violência contra a mulher: análise das notificações realizadas no setor
saúde – Brasil, 2011’, de Eneida Anjos Paiva, Marta Alves da Silva, Alice Cristina Medeiros das
Neves, Marcio Denis Medeiros Mascarenhas, Thereza de Lamare Franco Netto e Deborah
Carvalho Malta, partem da constatação de que a violência contra a mulher é considerada uma
questão complexa e multifacetada, que viola os direitos humanos, provocando perdas signi-
ficativas nas saúdes física e mental das vítimas. Realizam um estudo descritivo dos dados de
notificação de violência doméstica, sexual e/ou outras violências contra mulheres durante o
ano de 2011, em unidades de saúde. Apresentam análises sobre a Razão de Prevalência das va-
riáveis selecionadas por faixa etária (20 a 39 anos e 40 a 59 anos), bem como análise segundo
o tipo de violência praticada. Mediante os resultados encontrados, concluem que a notificação
da violência doméstica ainda é um processo recente, estando, ainda, em implantação nas uni-
dades da Federação. Indicam que o uso de álcool pelo agressor é frequente e que a violência é
um fenômeno que se repete. O artigo conclui que a violência contra as mulheres é, na maioria
das vezes, praticada pelos parceiros íntimos e que a notificação é um importante instrumento
que visa ao enfrentamento desses casos, objetivando eliminar a desigualdade de gênero.
Em seguida, o artigo ‘Política de saúde mental no novo contexto do Sistema Único de
Saúde: regiões e redes’, com autoria de Jaqueline Tavares de Assis, Cláudio Antônio Barreiros,
Andréa Borghi Moreira Jacinto, Roberto Tykanori Kinoshita, Pedro de Lemos Macdowell,
Taia Duarte Mota, Fernanda Nicácio, Mariana da Costa Schorn, Isadora Simões de Souza e
Alexandre Teixeira Trino, apresenta uma perspectiva do momento atual da política de saúde
mental, desde o ponto de vista da Coordenação de Saúde Mental, considerando o quadriênio
2011-2014, e apontando algumas direções futuras.
O artigo seguinte, das autoras Patrícia Sampaio Chueiri, Erno Harzheim, Heide Gauche e
Lêda Lúcia Couto de Vasconcelos, com o título ‘Pessoas com doenças crônicas, as Redes de
Atenção e a Atenção Primária à Saúde’, analisa os desafios impostos ao SUS pelas mudanças do
perfil socioeconômico, demográfico e epidemiológico da população. Os autores dão ênfase às
estratégias para o cuidado das pessoas com doenças crônicas e aos tensionamentos que essas
provocam no sistema de saúde, tanto com relação à sua macro-organização (gestão compar-
tilhada, regulação, regionalização) quanto à micro-organização, ou seja, àquelas relacionadas
ao processo de trabalho das equipes de atenção direta. Sob essa perspectiva, analisam as ações
e políticas que o Ministério da Saúde vem adotando, articuladas ao processo de formação de
redes regionalizadas de atenção à saúde, o papel dos estados, o fortalecimento e o papel da
APS no cuidado das pessoas com doenças crônicas.
Para a abordagem da rede de urgências e emergências, o artigo ‘Entendendo os de-
safios para a implementação da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Brasil: uma
análise crítica’, sob a autoria de Alzira de Oliveira Jorge, Ana Augusta Pires Coutinho, Ana
Paula Silva Cavalcante, Andersom Messias Silva Fagundes, Cláudia Carvalho Pequeno, Maria
do Carmo e Paulo de Tarso Monteiro Abrahão, descreve e analisa o processo de implemen-
tação da Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE) nas regiões de saúde brasilei-
ras, buscando identificar os fatores facilitadores e dificultadores da sua efetivação, de modo a
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Presentation
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tecnoassistential obstetrical and neonatal care model and on the cultural paradigm related to
labor/birth built within Brazilian society.
Next, the article ‘Violence against women: analysis of the reports made in the health sector -
Brazil, 2011’, by Eneida Anjos Paiva, Marta Alves da Silva, Alice Cristina Medeiros, Marcio Denis
Medeiros Mascarenhas, Thereza de Lamare Franco Netto and Deborah Carvalho Malta, starts from
the finding that violence against women is considered a complex and multifaceted question that
violates human rights, causing considerable losses on both the victims’ physical and mental health.
The authors perform a discretional study of data from reports of domestic, sexual or other
violence types against women during 2011, in health care units. They present analyses about
the Prevalence Ratio of the selected variables by age group (20 to 39 and 40 to 59 years old), as
an analysis by type of violence. From the found results, they conclude that domestic violence
report is still a recent process, being implemented on federative units. They indicate that the
use of alcohol by the aggressor is frequent and that violence is a repeating phenomenon. The
article concludes that violence against women is, on the majority of cases, practiced by life
partners and that reporting is an important instrument that aims on confronting these cases,
with the objective of eliminating gender inequality.
The next article, ‘Mental health policy on the new context of the Unified Health System:
regions and networks’, written by Jaqueline Tavares de Assis, Cláudio Antônio Barreiros,
Andréa Borghi Moreira Jacinto, Roberto Tykanori Kinoshita, Pedro de Lemos Macdowell,
Taia Duarte Mota, Fernanda Nicácio, Mariana da Costa Schorn, Isadora Simões de Souza and
Alexandre Teixeira Trino, presents a perspective of the current moment for mental health,
from the point of view of Mental Health Coordination, considering the 2011-2014 quadrennium
and point some future directions.
Written by Patrícia Sampaio Chueiri, Erno Harzheim, Heide Gauche and Lêda Lúcia Couto
de Vasconcelos, the article ‘Chronic diseases, Health Care Networks and Primary Health
Care’ analyses the challenges imposed to SUS by changes on the population’s socioeconomic,
demographic and epidemiologic profile. The authors emphasize strategies for providing
care to people with chronic diseases and for the pressures they cause on the health system,
related to both its macro-organization (shared management, regulation, regionalization) and
its micro-organization, as in pressures related to the work process of direct attention teams.
Under this perspective, they analyse the actions and policies being adopted by the Ministry of
Health, linked to the formation process of regionalized Health Care Networks, the role of the
states and the strengthening and role of the APS on the care of people with chronic diseases.
The article ‘Understanding the challenges for implementation of the Urgency and
Emergency Services Network in Brazil: a critical analysis’, written by Alzira de Oliveira Jorge,
Ana Augusta Pires Coutinho, Ana Paula Silva Cavalcante, Andersom Messias Silva Fagundes,
Cláudia Carvalho Pequeno, Maria do Carmo and Paulo de Tarso Monteiro Abrahão describes
and analyses the deployment process of Urgencies and Emergencies Attention Network
(RUE) on Brazilian health regions, having as goal identifying the facilitator and complicator
factors of its effectuation, in order to contribute to the evaluation of this policy.
The next article, by Vera Lucia Ferreira Mendes, analyses the theme of people with
disabilities and the proposed governmental program for this group of the population.
‘Healthcare Without Limits: deployment of Health Care Network for People with Disabilities’
presents the structuring public policy of SUS, Health Care Network for people with disabilities,
based on the recognition of a fundamental social right for people with disabilities. The author
presents and analyses the challenges and responsibilities related to the mode of producing
care and qualified access to health for people with disabilities and reduced mobility, through
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the construction of care line that move throughout the various health care components.
The article ‘Live Networks: multiplicities turning beings, signals from the streets.
Implications for care production and the production of knowledge in health’ has a group of
authors, those being: Emerson Elias Merhy, Maria Paula Cerqueira Gomes, Erminia Silva,
Maria de Fátima Lima Santos, Kathleen Tereza da Cruz and Tulio Batista Franco. The article
analyses experiences gathered by a group of researchers linked to Work Micropolicy and
Health Care, from post-graduation on Medical Clinics of UFRJ, from their investigations on
the production of health care, on different practice contexts.
The article ‘Contribution for the analysis of the implementation of Health Care Networks in
SUS’, from Silvio Fernandes da Silva, analyses the importance of RAS, with emphasis on health
regions, calling attention to the importance of local players with an adequate competence
profile, committed to the deployment. For the author, the proeminence of RAS on the agenda
of SUS favours the draft of an image-objective to the process of regional planning.
‘Healthcare financing and governance: an essay considering daily routine’, from Luna
Bouzada Flores Viana, Rodrigo Lino de Brito and Fausto Pereira dos Santos, broadly revises
the existent literature about health funding, adding reflexions about the subject under the
concept of governance. The reflexions are built from the experiences lived on the everyday
management of Health Attention Secretariat, from Ministy of Health.
Next, the authors Joaquín Molina, Julio Suaréz, Lucimar R. Coser Cannon, Glauco
Oliveira and Maria Alice Fortunato discuss the aspects of the cooperation between the Pan-
American Health Organization (Opas) and Mais Médicos Program (PMM), considering the
terms of office of the member-states of the organization for the technical cooperation on the
development health systems and services, and the South-South Cooperation, at the same time
it links it to the conceptual elements from Brazilian national policy for SUS development on
the article ‘Mais Médicos Program and Health Care Networks in Brazil’.
The authors talk about PMM’s relevance – as it increased the number of acting doctors
in SUS, specifically on primary care, in the most vulnerable municipalities – and its impact
on guaranteeing the population’s right to health, by improving primary care and integrated
health services networks.
This edition is closed with the article ‘SOS Emergency Program: a management alternative
to Unified Health System’s great emergencies’, from the authors Luíz Carlos de Oliveira
Cecílio, Ana Augusta Pires Coutinho, Fernanda Luiza Hamze, Alexsandra Freire da Silva,
Lorayne Andrade Batista and Anna Paula Hormes de Carvalho.
It is related to the report of the deployment experience of SOS Emergencies program,
from the Ministry of Health, which critically analyses and discusses its formulation and
deployment, presenting the results reached until the present moment. SOS Emergencies
Program has reached positive results on the organization and production of in-hospital care,
besides inducing the discussion of network care. The authors point out the presence of many
challenges for the qualifying of hospital emergency services.
This rich gathering of articles, composed mostly by references on practices and policies
currently being deployed on SUS, presents consistent analyses of strategies being adopted,
resulting on a group of challenges for the correction of paths and the consolidation of the right to
health in the country through a quality SUS, public and universal. Invited to dive into this reading,
the reader will certainly realize by themselves, the rich contributions made by the present authors.
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artigo original | original article 15
RESUMO Neste artigo, temos o objetivo de contribuir para o debate a respeito de um tema
contemporâneo para o Sistema Único de Saúde, e que é, também, um de seus grandes desafios
no campo da atenção: as Redes de Atenção à Saúde (RAS). A abordagem será estruturada a
partir de: 1) trajetória do SUS nos seus 25 anos, constatação da sua fragmentação como marca
e dificuldades de planejamento inteligente e real; 2) referências à construção teórica das RAS
no mundo e no Brasil; 3) estado da arte da prática e da implementação das RAS no País, com
ênfase no esforço dos últimos três anos de gestão do SUS; e 4) desafios para a real implantação
das RAS nesse tempo histórico do SUS.
ABSTRACT In this article, we aim to contribute to the debate about a contemporary issue for
the Brazilian national healthcare system, Sistema Único de Saúde (SUS), which is also one of
its greatest challenges in the field of health care: Health Care Networks (RAS). This approach
is structured based on: 1) the trajectory of the SUS throughout its 25 years, the realization of its
fragmentation as a mark and the difficulties in intelligent and realistic planning; 2) references
to the theoretical construction of the RAS around the world and in Brazil; 3) the state of the art
of the RAS practice and implementation in the country, with emphasis on the effort of the last
three years of SUS management; and 4) the challenges for the implementation of the RAS in this
historic moment for the SUS.
KEYWORDS Health public policy; Unified Health System; Health services; Integrality in health.
1Doutor em Saúde
Coletiva pela Universidade
Estadual de Campinas
(Unicamp) – Campinas
(SP), Brasil. Secretário
de Atenção à Saúde do
Ministério da Saúde –
Brasília (DF), Brasil.
helveciomiranda@gmail.com
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Para isso funcionar razoavelmente, além alguns artigos da Lei Federal 8080/1990,
do acerto prévio e pactuado, há de se ter no conhecida como Lei Orgânica da Saúde
conceito e na prática da operação um sistema (BRASIL, 1990). Essas regiões, que não invadem
de informação que suporte o funcionamento a competência e a prerrogativa municipal,
em ato contínuo da rede. Por isso, o tema do pelo contrário, as fortalecem na garantia
prontuário eletrônico de uso compartilhado dos direitos de seus cidadãos, precisam sair
pelas várias equipes do sistema, com número do seu histórico aspecto meramente admi-
identificador permanente, é tão vital como nistrativo e burocrático para se tornarem
insumo para a rede quanto ter equipes de realmente vivas, onde um território e sua
cuidado suficientes em todas as ofertas tec- população, fixa e variável, tenham equidade
nológicas. O mesmo se pode dizer de um de acesso aos serviços e que estes se cons-
sistema regulado de transporte sanitário tituam em redes articuladas. Que os vazios
que não pode ser esporádico e periférico, ou assistenciais possam ser identificados e
dos mecanismos de Educação Permanente objeto de planejamento conjunto das três
e monitoramento de resultados esperados e esferas federadas, e que haja um comparti-
previamente pactuados. O emaranhado de lhamento desafiador do planejamento inte-
caminhos e possibilidades para os usuários, grado do setor público com o setor privado,
no atendimento às suas necessidades, tão va- especialmente em regiões onde é marcante
riadas, precisa ser simplificado e verificado esta participação privada.
permanentemente. Sempre tendo a região como base territorial
Por fim, sem esgotar todos os elementos e a Atenção Básica como o seu centro de
constitutivos, a importância, num País com comunicação e articulação mais vigoroso, as
as características geográficas, de dispersão RAS podem ser organizadas a partir de vários
ou adensamento populacional, de relação temas da atenção, que têm singularidades no
interfederativa complexa e imperfeita, do seu modo de organizar o cuidado nos diferentes
estabelecimento de regiões vivas de saúde, patamares tecnológicos. Por razões diversas,
às vezes, dentro do mesmo grande municí- pode ser mais fácil e indutora a implantação
pio, mas, principalmente, a partir de rela- de determinados temas em diferentes regiões,
ções intermunicipais. Para a imensa maioria o que facilita, ao longo do tempo, a expansão
dos cidadãos brasileiros, ter o seu direito à para o conjunto integral da assistência. Esse
saúde garantido, no aspecto da integralida- formato organizativo pode ser chamado de
de, significa ter acesso a serviços em outros redes temáticas ou linhas de cuidado temáticas.
municípios que não o seu de origem. Tudo o A ideia força das redes temáticas é a capacidade
que significar transbordar a atuação de uma indutora de determinados temas para a
Atenção Básica, mesmo fortalecida e reso- organização do conjunto das RAS. Podem ser
lutiva, vai exigir esse aspecto supramunici- exemplos desses temas a questão da urgência
pal de rede de atenção. E o que não temos e emergência, as doenças crônicas no seu
são regiões vivas de saúde no Brasil, apesar conjunto ou em determinados grupamentos de
dos diversos exercícios em curso, de dife- patologias, a assistência obstétrica e neonatal e
rentes modalidades, e incentivadas mais a rede de atenção da saúde mental. Importante
recentemente pelo efeito indutor da polí- lembrar que um determinado serviço, ou
tica nacional tripartite e coordenada pelo ponto de atenção, vai se conformando como
Ministério da Saúde de implantação das ponto de atenção de vários temas, como os
RAS. Reforçada, ainda, pela coordenação hospitais e os grandes serviços ambulatoriais
interfederativa das regiões de saúde, sob de referência especializada, com a imagem
o arcabouço legal do Decreto Presidencial de transversalidade, quando olhado de fora
7805/2011 (BRASIL, 2011a), que regulamentou da rede, e como plataforma de busca de
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integralidade do cuidado, quando olhado ser chamada de rede temática das doenças
por dentro (FRANCO; MAGALHÃES JuNIOR, 2004; SILVA; crônicas, e as doenças cardiovasculares uma
MAGALHÃES JuNIOR, 2013). linha de cuidado específica, assim como as
Também, uma rede ou um componente doenças renais ou as respiratórias. A força está
temático das RAS pode ser dividido em sub- em organizar tecnologicamente o conjunto
redes ou mesmo em linhas de cuidado, sem de serviços com o que pode potencializar o
a preocupação da definição semântica. Um cuidado contínuo e qualificado, admitindo
exemplo para isso: as doenças crônicas, ainda particularidades e aspectos específicos que
que com componentes ou fatores de risco em podem exigir diferentes ofertas assistenciais.
comum, têm determinantes e necessidades Uma figura síntese está disposta abaixo, e
propedêuticas e de tratamento próprias. demonstra essa proposta de articulação de
Portanto, o que é plataforma comum pode processos e ações.
Rede de Atenção às
com Deficiência
Rede Cegonha
Regulação
ATENÇÃO BÁSICA
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GE Rede Cegonha
Mobilização
GE
Eixo Câncer da Rede
de Crônicas
Comitê Gestor
GE Rede Urgência
Grupo executivo
GE Rede Psicossocial
Comitê de
especialistas Rede de Atenção
GE à Pessoa com
Deficiência
GT GT GT
Regulação Educação Pactuação
DRAC SGTES SGEP
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DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 15-37, OUT 2014
38 artigo original | original article
Helvécio Miranda Magalhães Junior é um profissional híbrido que junta, numa só pessoa,
uma sólida capacidade de formulação e de execução de políticas de saúde. Tem sido, ao longo
de sua vida, ao mesmo tempo, um intelectual refinado e um gestor competente e tenaz nas
várias instituições do SUS em que atuou.
O caso das Redes de Atenção à Saúde (RAS), tema do artigo que comento, é um atestado
dessa característica de um autor-ator que contribuiu significativamente para a sua construção
teórico-conceitual e liderou, no Ministério da Saúde, sua implantação em escala nacional, nos
últimos anos.
O artigo é bem estruturado. Discute a trajetória do SUS e seus (des)caminhos para a frag-
mentação, visita as referências teóricas internacionais e nacionais sobre organização de RAS,
trata da implantação desses processos complexos nos últimos três anos e aborda os desafios
para a sua construção social no sistema público de saúde brasileiro.
O texto é bem escrito. Construído de forma direta e com conhecimento de causa induz o
leitor a uma aprendizagem significativa ao final de sua leitura. Estimula quem o lê a dialogar
com o autor, a trocar ideias e vivências sobre o tema. Foi o que ocorreu comigo.
Ao final da leitura, anotei alguns pontos que gostaria de debater com o autor e com os leito-
res, tendo como base minha produção teórica sobre as RAS e minha prática de campo, sobre o
tema, em vários lugares do País.
Antes, quero ressaltar algo que se coloca com detalhes no texto. O tema das RAS não é novo
no Brasil. Ele já está inscrito na Constituição Federal de 1988, no seu Art. 198 que menciona
que as ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada
e constituem um único sistema. Mas há de se reconhecer que a discussão doutrinária sobre o
que são RAS é mais recente, ainda que intensa. Faltava, contudo, levar a discussão teórica para
o âmbito da normatividade do SUS, o que ocorreu recentemente.
1Doutor em Cirurgia Bucal
pela Universidade Federal Uma releitura do texto constitucional se impõe porque a proposta de RAS assenta-se no
de Minas Gerais (UFMG) princípio da poliarquia, incompatível com a construção de estruturas hierárquicas.
– Belo Horizonte (MG),
Brasil. Especialista em O debate teórico sobre RAS confluiu para uma longa discussão feita no âmbito da CIT e
Planejamento de Saúde- que terminou com a publicação da Portaria n º 4.279, de 30 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010),
(Ensp), Fundação Oswaldo
Cruz, Rio de Janeiro, que é um documento robusto e de qualidade e que define conceitos e estabelece parâmetros
Brasil. Professor Honoris de operacionalização. Pouco tempo depois, o Decreto Presidencial nº 7.508, de 28 de junho
Causa da Universidade
Estadual de Montes Claros de 2011 (BRASIL, 2011), colocou as RAS como formas de organização do SUS nas regiões de saúde.
(Unimontes)- Montes Estavam construídas bases sólidas, no plano normativo, para iniciar a operacionalização das
Claros (MG), Brasil.
eugenio.bhz@terra.com.br RAS no sistema público brasileiro.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 38-49, OUT 2014
Comentários sobre as Redes de Atenção à Saúde no SUS 39
O Ministério da Saúde optou pela constru- Por esta razão, a população de uma RAS não
ção social de redes temáticas e definiu como é a população IBGE, mas a população efeti-
prioritárias algumas RAS: Rede Cegonha, vamente cadastrada na APS. Essa população
Rede de Atenção Psicossocial, Rede de vive em territórios sanitários singulares, orga-
Atenção às Urgências e Emergências, Redes niza-se socialmente em famílias e é cadastra-
de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas da e registrada em subpopulações por riscos
e Rede de Atenção à Pessoa com Deficiência. sócio-sanitários. Assim, a população total de
O caminho percorrido, especialmente nos responsabilidade de uma RAS deve ser total-
últimos três anos, está bem detalhado no mente conhecida e registrada em sistemas de
texto do autor, como se fosse uma prestação informação potentes. Mas não basta o conhe-
de contas de seu mandato na Secretaria de cimento da população total: ela deve ser seg-
Assistência à Saúde do Ministério da Saúde. mentada, subdividida em subpopulações por
Nesse relato consideram-se as estratégias fatores de risco e estratificada por riscos em
de implantação, celebram-se resultados po- relação às condições de saúde estabelecidas.
sitivos em termos de estrutura, processos e O conhecimento da população de uma
impacto nos níveis de saúde e analisam-se os RAS envolve um processo complexo, estru-
desafios a serem enfrentados. turado em vários momentos: o processo de
Instigado pela leitura quero dialogar com territorialização; o cadastramento das famí-
o autor colocando ênfase, mais que discor- lias; a classificação das famílias por riscos
dando, em alguns pontos que me parecem sócio-sanitários; a vinculação das famílias
essenciais na discussão das RAS no SUS, à Unidade de APS/Equipe da Estratégia de
especialmente tratados nos desafios para a Saúde da Família; a identificação de subpo-
implantação: os elementos constitutivos, as pulações com fatores de risco; a identificação
redes temáticas, a coordenação assistencial, a das subpopulações com condições de saúde
regulação assistencial, as regiões de saúde, a estratificadas por graus de riscos; e a identi-
governança e o financiamento. ficação de subpopulações com condições de
saúde muito complexas.
Na concepção de RAS cabe à APS a res-
Os elementos constitutivos ponsabilidade de articular-se, intimamente,
das RAS com a população, o que implica não ser pos-
sível falar-se de uma função coordenadora
O primeiro ponto que abordo é sobre a cons- dessas redes se não se der, nesse nível micro
tituição das RAS. Tal como se estabelece na do sistema, todo o processo de conhecimento
Portaria nº 4.279/2010, as RAS se constituem e relacionamento íntimo da equipe de saúde
da população e regiões de saúde, da estrutu- com a população adscrita, estratificada em
ra operacional e dos modelos de atenção à subpopulações e organizada, socialmente,
saúde. em famílias.
O primeiro elemento das RAS, e sua razão O segundo elemento constitutivo das RAS é
de ser, é uma população, colocada sob sua a estrutura operacional. Não há no texto uma
responsabilidade sanitária e econômica. É menção específica à estrutura operacional
isso que marca a atenção à saúde baseada na das RAS, porém pode-se inferir que ela se
população, uma característica essencial das manifesta na figura 1. Observando-se essa
RAS e uma forma de gerenciamento alterna- figura - ainda que não sendo seguramente a
tivo à gestão da oferta, largamente praticada opinião do autor-, pode-se imaginar que a
no SUS. Atenção Básica está fora das redes temáticas,
O vínculo da população com uma RAS o que não é correto. Além disso, seria
dá-se na Atenção Primária à Saúde (APS). interessante retirar do componente vertical
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40 MENDES, E. V.
das RAS temáticas uma série de pontos de com a situação de saúde brasileira atual de
atenção que são transversais numa RAS. tripla carga de doenças, com forte predomí-
Assim, parece-me que a estrutura operacional nio relativo das condições crônicas.
proposta na Portaria nº 4.279/2010, é mais Os modelos de atenção à saúde são diferen-
adequada para estabelecer a estrutura tes para as condições crônicas e as condições
operacional das RAS quando define como agudas. Isso introduz um novo conceito fun-
componentes estruturais transversais, a damental para a operação das RAS que é o de
APS, os pontos de atenção secundários e condição de saúde, entendida como as circuns-
terciários, os sistemas logísticos (sistemas tâncias na saúde das pessoas que se apresen-
de identificação e acompanhamento dos tam de formas mais ou menos persistentes e
usuários, centrais de regulação, registro que exigem respostas sociais reativas ou pro-
eletrônico em saúde e sistema de transporte ativas, eventuais ou contínuas e fragmentadas
sanitário), os sistemas de apoio (sistema ou integradas. A proposta de condições de
de apoio diagnóstico e terapêutico, sistema saúde, recentemente feita pela Organização
de assistência farmacêutica e sistemas Mundial da Saúde (2003), diferentemente da
de informação em saúde) e o sistema tipologia clássica de doenças transmissíveis e
de governança. É fundamental que na doenças não transmissíveis, tem seu recorte na
implementação das RAS todos esses forma como se estruturam as respostas sociais
elementos estejam considerados. do sistema de atenção à saúde.
A incompreensão da totalidade da estrutura Os modelos de atenção às condições agudas
operacional das RAS tem sido responsável por implicam o uso de algum tipo de classificação
problemas de implantação que observo em de riscos com base em algoritmos construídos
alguns lugares brasileiros e se manifestam numa com base em sinais de alerta. Já os modelos
excessiva concentração de recursos e energia na de atenção às condições crônicas são mais
organização da APS e dos pontos de atenção complexos e têm sido utilizados crescente-
secundários e terciários ambulatoriais e hospi- mente. Dentre eles podem ser destacados o
talares, com pouca atenção à organização dos Modelo de Atenção Crônica, o Modelo da
sistemas de apoio, logísticos e de governança. Pirâmide de Riscos e o Modelo de Atenção
O terceiro elemento constitutivo das às Condições Crônicas (MENDES, 2011). É funda-
RAS são os modelos de atenção à saúde que mental, na construção social das RAS consi-
podem ser conceituados como os sistemas derar a utilização desses modelos de atenção
lógicos que organizam o funcionamento das à saúde, especialmente os modelos de atenção
RAS, articulando, de forma singular, as rela- às condições crônicas. É uma falta que senti
ções entre a população e suas subpopulações no texto do autor.
estratificadas por riscos, os focos das inter-
venções do sistema de atenção à saúde e os
diferentes tipos de intervenções sanitárias, As redes temáticas
definidos em função da visão prevalecente
da saúde, das situações demográficas e epi- O autor afirma que
demiológicas e dos determinantes sociais da
saúde, vigentes em determinado tempo e em Por razões diversas pode ser mais fácil e indu-
determinada sociedade. tor a implantação de determinados temas em
As RAS, para constituírem-se em elemen- diferentes regiões, o que facilita ao longo do
tos verdadeiros de mudança das práticas tempo a expansão para o conjunto integral da
sanitárias, terão que estruturar modelos de assistência. Este formato organizativo pode
atenção à saúde inovadores, superando os ser chamado de redes temáticas ou linhas de
modelos tradicionais que não são coerentes cuidado temáticas (p. 19).
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Comentários sobre as Redes de Atenção à Saúde no SUS 41
Uma das críticas mais comuns à proposta e informações ao longo de todos os pontos de
de RAS do Ministério da Saúde é sobre a opção atenção secundários e terciários, dos sistemas
estratégica de operar com redes temáticas. logísticos e dos sistemas de apoio. É, por essa
A crítica muitas vezes se faz por uma iden- razão, que se propõem RAS coordenadas pela
tificação equivocada entre redes temáticas e APS (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE SALUD, 2010).
programas verticais. Entretanto, redes temá- O problema é que essa coordenação não
ticas nada têm a ver com programas verticais é fácil de ser feita por várias razões, como a
que são aqueles sistemas de atenção à saúde falta de legitimidade da APS frente aos outros
dirigidos, supervisionados e executados, pontos de atenção e aos sistemas de apoio e
exclusivamente, por meio de recursos es- logísticos, a insuficiente densidade tecno-
pecializados. Nas redes temáticas os únicos lógica incorporada nos cuidados no âmbito
componentes que se organizam vertical- primário e a carências de sistemas de infor-
mente são os pontos de atenção secundários mações verticais.
e terciários, o que obedece ao imperativo da Mas há uma razão adicional e fundamental.
divisão técnica do trabalho que exige, nesses Essa coordenação paira no enunciado dis-
pontos de atenção, a especialização. Os cursivo, quando não se criam métodos para
demais componentes da estrutura operacio- que ela ocorra eficazmente na prática social.
nal das RAS são transversais (APS, os sistemas Assim, há que se utilizarem métodos efetivos
de apoio, os sistemas logísticos e o sistema de de coordenação de redes nas organizações. Na
governança), portanto são comuns a todas as literatura há várias propostas de coordenação
redes temáticas. Por isso, alguns autores, para organizacional, mas uma se destaca, o modelo
fugir ao velho dilema de sistemas verticais e de coordenação proposto por Mintzberg (2003).
horizontais, consideram, utilizando a metá- O modelo de coordenação organizacional
fora geométrica, propõem os sistemas diago- de Mintzberg sugere que haja dois mecanis-
nais (OOMS, 2008). As RAS são a melhor forma mos básicos: os mecanismos de normalização,
de organizar sistemas diagonais. Pelas razões compostos pela normalização de habilidades
expostas considero que a opção estratégica do e de processos de trabalho; e os mecanismos
Ministério da Saúde pelas redes temáticas foi de adaptação mútua, compostos pela supervi-
a mais correta. são direta, pela comunicação informal, pelos
dispositivos de enlaçamento e pelos sistemas
de informação vertical.
A coordenação assistencial Esse modelo aplicado à coordenação de
RAS pode envolver a normalização de habi-
É inerente ao trabalho em redes uma coorde- lidades por meio de sistemas de Educação
nação entre os seus diferentes nós. Nas RAS, Permanente e a normalização de processos de
a coordenação assistencial tem sido definida trabalho por meio da utilização de diretrizes
como a harmonização das atividades que se clínicas baseadas em evidência. Além disso,
requerem para atender as pessoas usuárias deve englobar mecanismos de adaptação
ao longo de todos os pontos das redes. Para mútua como: supervisão direta; comunica-
que isso ocorra, a coordenação assistencial ção informal por meio de telefone, internet
estrutura-se em três dimensões: a coordena- e correio eletrônico; dispositivos de enlaça-
ção da gestão da atenção, a coordenação da mento como grupos de trabalho interdisci-
informação e a coordenação administrativa plinares, gestão de caso, comitês de gestão e
da atenção (VARGAS et al., 2011). grupos de matriciamento. Por fim, a coorde-
Nas RAS esta função de coordenação deve nação é muito facilitada se existem sistemas
ser realizada pela APS a quem cabe ordenar de informação eletrônicos que articulem a
os fluxos e contrafluxos de pessoas, produtos APS com os pontos de atenção secundários e
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42 MENDES, E. V.
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Comentários sobre as Redes de Atenção à Saúde no SUS 43
evidência; tem uma inteligência regulatória, organização racional das RAS com todos os
o que pressupõe que nem todas as demandas seus componentes.
devam ser atendidas; implica, nas condições As regiões político-administrativas foram
crônicas não agudizadas um relacionamento estabelecidas por critérios de descentraliza-
pessoal entre profissionais de saúde e envolve ção das Secretarias Estaduais de Saúde no
trabalho clínico mútuo entre os profissionais âmbito de seus estados. Foram instituídas
das unidades demandantes e ofertantes; au- antes das propostas de RAS e visavam a des-
sência de efeito velcro; e ausência de filas ou concentrar as ações político-administrativas
existência de filas gerenciáveis pela tecnolo- dessas Secretarias. Esse foi um processo feito
gia de listas de espera e ausência de cotas. há muito tempo. Assim, a lógica dessas regiões
não combina com as exigências de uma regio-
nalização de saúde para efetivar as RAS.
As regiões de saúde As regiões de saúde, diferentemente, das
regiões político-administrativas, devem ser
Como as RAS se organizam regionalmente, desenhadas segundo critérios e fundamentos
as regiões de saúde são fundamentais no pro- singulares (MENDES, 2011).
cesso de implantação das redes temáticas. Os critérios para o desenho de regiões
Aqui se está diante de um problema crítico de saúde são: contiguidade intermunicipal,
na implantação das RAS no SUS. subsidiaridade econômica e social, herança
O autor escreve sobre as regiões de saúde: e identidade culturais, endogenia regional,
disposição política de cooperação regional,
Elas são hoje via de regra, meras divisões fluxos assistenciais, fluxos viários e estabele-
burocráticas dos Estados ou uma incipiente cimento de redes com seus nós, suas ligações
estrutura com uma pequena equipe que faz e com seus fluxos.
mediação entre os municípios das questões Ademais, no desenho das regiões de saúde,
relacionadas à pactuação financeira da mé- economia de escala, disponibilidade de recur-
dia e alta complexidade... A definição tomada sos e acesso aos diferentes pontos de atenção
na implantação das RAS e observar rigorosa- à saúde determinam, dialeticamente, a lógica
mente as regiões de saúde estabelecidas em fundamental da organização das RAS. Isso
cada estado careceram de efetividade e se re- porque as RAS devem ser organizadas em ar-
forçaram a região por um lado, por outro não ranjos híbridos que combinam a concentração
houve o retorno na potência devida para a di- de certos serviços com a dispersão de outros.
nâmica das redes, ficando estas ou geridas à Os serviços que devem ser ofertados de forma
distância pelas equipes centrais dos estados dispersa são aqueles que não se beneficiam de
ou por um dos municípios envolvidos, geral- economias de escala, para os quais há recursos
mente a sede da região (p. 29). suficientes e em relação aos quais a distância
é fator fundamental para a acessibilidade; já
Minha crítica nesse aspecto é mais con- os serviços que devem ser concentrados são
tundente. As regiões de saúde que se têm aqueles que se beneficiam de economias de
em nosso País devem ser totalmente revis- escala e de escopo, para os quais os serviços
tas para que possam ancorar a formação das são mais escassos e em relação aos quais a dis-
RAS e dar suporte a uma efetiva governança tância tem menor impacto no acesso. Há que
regional do SUS. se ressaltar que a escala em serviços de saúde
Em geral, as regiões de saúde atual- guarda uma associação muito forte com a
mente definidas padecem de dois proble- qualidade desses serviços (INSTITUTE OF MEDICINE,
mas: são regiões político-administrativas 2000; NORONHA et al., 2003).
e não apresentam escala para suportar a A regionalização vigente, em geral, não
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 38-49, OUT 2014
44 MENDES, E. V.
obedeceu a esses critérios e a esses funda- governança regional eficaz dessas redes.
mentos. Como resultado, as regiões de saúde O conceito de governança, abrigado na
apresentam problemas sérios de concepção Portaria nº 4.279/2010, é recente, tendo sido
e de ausência de critérios de escala, seja na proposto na segunda metade dos anos 90.
dimensão populacional, seja na dimensão O termo governança passou por uma evo-
dos serviços. Em geral, foram desenhadas lução semântica, partindo, num primeiro
na lógica político-administrativa, não têm momento, de uma identidade com o termo
uma população suficiente para organizar a governação, o elemento procedimental de go-
oferta dos serviços de atenção terciária (‘alta vernar. Num segundo momento, deu-se uma
complexidade’) e operam com enorme inefi- ampliação semântica para indicar um novo
ciência de escala e com serviços de baixa qua- estilo de governo caracterizado por um maior
lidade. Além disso, por sua configuração, não grau de cooperação e pela interação entre o
são adequadas para a instituição da governan- Estado e os atores não estatais no contexto
ça regional das RAS. de redes decisionais mistas entre o público
Comumente, as regiões hoje existentes, e o privado. Num terceiro momento, deu-se
correspondem a microrregiões, com auto- nova ampliação semântica para abarcar todas
suficiência na atenção secundária (‘média as formas de coordenação das ações de indiví-
complexidade’). Uma região de saúde, para duos e organizações entendidas como formas
organizar RAS eficientes, efetivas e de quali- primárias da construção da ordem social
dade, deve corresponder a uma macrorregião, (MAINTZ, 2000).
com escala mínima de 500 mil pessoas, e que Do ponto de vista teórico, a governança
apresenta autosuficiência na atenção pri- envolve diferentes aspectos: significa o pro-
mária, secundária (‘media complexidade’) e cesso de governo da sociedade; é produto
terciária (‘alta complexidade’). A razão é que de uma atividade coletiva em que partici-
a uma RAS só se completa quando incorpora, pam múltiplos atores; requer uma instância
em si, esses três níveis de atenção à saúde. coordenadora; é um processo de direção
Reconfigurar as regiões de saúde, segundo estruturado institucional e tecnicamente; a
os critérios e os fundamentos de uma regio- dimensão técnico-gerencial lhe é inerente e
nalização sanitária e não político-adminis- essencial; inclui os planos de decisão sobre
trativa, é uma tarefa necessária e urgente no os valores societários e, em função deles,
processo social de construção das RAS no decide as regras de relação entre os atores;
SUS. O Ministério da Saúde, em coordenação é um processo social aberto, racional, simé-
com os estados e municípios deve assumir trico e includente, mas deve ser, por suas
esta tarefa. E cabe aos estados transformar falhas, um processo suscetível de autocrítica
suas regiões político-administrativas em e aprendizagem; é um processo diretivo cuja
regiões de saúde. estrutura intencional e técnica é produto da
participação da sociedade e do governo no
qual são mutáveis o peso e a influência que o
A governança das RAS governo e sociedade civil dispõem; é o modo
diretivo que corresponde a uma sociedade
O autor destaca: “Temos ainda uma de organizações e atores independentes e
enorme deficiência de governança no interdependentes, possuidores de capacida-
sistema” (p. 30). É fato, mas agrego des cognitivas, informativas, financeiras, tec-
algumas considerações na tentativa de nológicas, gerenciais, empresariais e éticas,
mostrar que governança de RAS é diferente capazes de auto-organização, autorregulação
de gestão de sistemas de saúde e para des- e de realização de suas preferências; signi-
tacar a importância da instituição de uma fica que os atores governamentais e sociais
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 38-49, out 2014
Comentários sobre as Redes de Atenção à Saúde no SUS 45
conhecem que são possuidores de recursos rotinas e protocolos desenhados por aqueles
e capacidades, que são competentes em seus que ocupam o topo da escala de hierarquias
campos e que produzem insumos e produtos da organização; na organização das hierar-
que são úteis; significa que os atores governa- quias o meio para garantir a coordenação é o
mentais e sociais reconhecem que os recursos uso do poder hierárquico efetivado pelos ges-
de que dispõem são limitados e insuficientes tores. Na governança de redes, a coordenação
para concretizar as suas preferências e que é realizada por meio de interação entre ges-
dependem de recursos que estão com outros tores interdependentes em processos de ne-
atores que são independentes, o que exige gociação e tomada de decisão coletiva sobre a
uma ação de intercâmbio entre eles; e é uma distribuição e conteúdo das tarefas; os meios
decisão em condições de racionalidade limi- para realização da coordenação nas redes são
tada pelo que é tendente aos erros e aos seus mais complexos do que em mercados e hie-
custos sociais e econômicos (AGUILLAR, 2009). rarquias, pois as redes dependem fortemente
O conceito de governança deve ser com- de adesão voluntária às normas sociais com
plementado pelo conceito de governança de base em confiança e reciprocidade.
redes que está, por sua vez, imbricado com o Nas sociedades modernas um enfoque
conceito de políticas de redes. consequente de gestão pública tem que levar
A política de redes pode ser definida como em consideração normas e valores que vão
os padrões de relações sociais, mais ou menos além dos critérios de efetividade e eficiên-
estáveis, entre atores interdependentes que cia que dominaram o debate sobre a ‘nova
tomam forma em torno de problemas ou pro- gestão pública’, na segunda metade do século
gramas políticos. Assim a política de redes passado, e que incorpore a complexidade do
forma o contexto em que o processo político ambiente governamental. Nesse sentido, a
opera. Na construção teórica de políticas de gestão pública em redes constitui a governan-
rede as teorias interorganizacionais e os siste- ça de redes complexas, constituídas por dife-
mas e de políticas comunitárias são relevantes rentes atores situados nos âmbitos nacional,
(KLINJ, 1999). Há dois aspectos centrais na teoria estadual ou local, grupos políticos e sociais,
interorganizacional que são dependência e grupos de interesses e pressão, movimentos
troca. Por isso, a análise interorganizacional sociais e organizações públicas e privadas. A
envolve a verificação das relações entre as governança pública é a influência dos proces-
organizações e as condições que influenciam sos societários numa rede de muitos outros
esses processos. coatores de governança. Esses atores têm
A governança de redes tem singularidades. interesses diversos e, muitas vezes, conflitan-
Examinando-se a tipologia clássica de dos tes. O governo não é um ator dominante que
mecanismos de governança de Williamson pode impor unilateralmente seus desejos.
(1985), verifica-se que a governança de redes é Estruturas hierárquicas de centralismo im-
diferente da governança de mercado e da go- positivo e de ações de cima para baixo não
vernança de organizações hierárquicas. funcionam numa rede. Os estilos de gestão e
Na governança de mercado, o mecanismo coordenação monocêntricos e monorracio-
central de coordenação são os preços, com nais não se adequam às redes (KICKERT; KOPPEJAN,
o pressuposto de que exista uma difusão es- 1999).
pontânea de informações sobre os custos, Com esses referenciais teóricos, pode-se
produtos e inovações; a motivação nos mer- definir governança de RAS como o arranjo
cados é alcançada principalmente por meio organizativo pluri-institucional que permite
de incentivos financeiros. Na governança de a gestão de todos os componentes dessas
organizações hierárquicas, a coordenação redes, de forma a gerar um excedente coo-
é feita principalmente pelo uso de planos, perativo entre os atores sociais em situação,
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46 MENDES, E. V.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 38-49, out 2014
Comentários sobre as Redes de Atenção à Saúde no SUS 47
incorporados na normativa do SUS e que Concordo com o autor e reitero suas preo-
devem ser implantados. cupações sobre o superado modelo de paga-
Quero ressaltar a importância fundamen- mento aos prestadores praticado pelo SUS.
tal de organizar efetivamente a governança Contudo não posso deixar de colocar uma
regional do SUS. Esse é um desafio urgente premissa. Não há como financiar as RAS com
e que passa, anteriormente, pela reconfigu- a quantidade de recursos públicos destina-
ração das regiões de saúde, conforme discuti dos, hoje, ao nosso sistema público de atenção
anteriormente. A partir de regiões de saúde à saúde. O financiamento do SUS constitui
que incluam, em seu interior, os recursos da um nó crítico que não tem sido desatado por
APS, da atenção secundária (‘média comple- nenhum governo, ao longo dos anos.
xidade’) e da atenção terciária (‘alta com- Os dados da Organização Mundial da Saúde
plexidade’), devem ser reforçadas, em sua de 2014 mostram que o Brasil não gasta pouco
institucionalidade e em seus mecanismos em saúde porque despende 8,9% do PIB, um
de governança, as Comissões Intergestores valor muito próximo à média dos países ricos.
Regionais, garantindo a presença de atores O que é muito baixo é o gasto público que
institucionais estratégicos como os prestado- representa 4,0% do PIB, o que significa 45,7%
res de serviços e os Conselhos de Saúde. do gasto total em saúde e um gasto per capita
Uma experiência feita na Região Norte anula de US$ 474,00. As evidências indicam
de Minas Gerais, na governança regional da que nenhum país que desenvolveu sistemas
Rede de Urgência e Emergência, com a pre- públicos universais tem menos de 70% de
sença de prestadores de serviços num Comitê gastos públicos como porcentual dos gastos
Gestor apresentou resultados muito positivos totais em saúde, o que aplicado ao Brasil
(SOUSA, 2012). corresponderia a 6,2% do PIB. A razão disso
está no baixíssimo porcentual de gastos em
saúde no gasto total dos governos brasileiros,
O financiamento apenas 8,7%, enquanto a Argentina apresenta
um valor de 21,7%, o Canadá 17,4%, a Costa
Sobre o desafio do financiamento o autor Rica 28,0%, o Panamá 12,8% e o Uruguai
explica: 21,8% (WHO, 2014).
Esses dados mostram, de forma eloquente,
Não é possível financiar de forma mais mo- que há um subfinanciamento do SUS e que
derna, eficiente e equânime os serviços, ba- com este nível de dispêndio público não se
seado apenas em uma tabela virtual de pro- pode chegar a um sistema público universal
cedimentos e atrelando-se o seu pagamento de qualidade, colocando limites muito estrei-
a esta tabela unicamente, do mesmo formato tos, do ponto de vista econômico, à implanta-
feito nas últimas três décadas, precedendo ao ção das RAS.
próprio SUS. Este formato não contribui para Entretanto, somente mais dinheiro não re-
a efetivação de redes como caminho para a solverá os problemas do SUS e não incentiva-
busca da integralidade do cuidado do conjun- rá a organização das RAS.
to das necessidades, mas incentiva procedi- Um bom sistema de financiamento da
mentos mais custosos e nem sempre os ne- atenção à saúde é aquele se faz de forma equi-
cessários, sugando os mesmos recursos que tativa, que incentiva os prestadores a prover
poderiam ser mais bem alocados e faltam em serviços de forma eficiente e com qualidade,
outros campos. É necessário caminhar para que induz a que os serviços produzidos me-
um financiamento baseado em resultados e lhorem os níveis de saúde gerando valor para
performance, com base população e de utili- as pessoas e que permite aumentar o valor do
zação, e também mais simples (p. 31). dinheiro empregado.
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48 MENDES, E. V.
Referências
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Comentários sobre as Redes de Atenção à Saúde no SUS 49
INSTITUTE OF MEDICINE. Interpreting the volume- OOMS, G. The diagonal approach to Global Fund finan-
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lity: workshop summary. Washington: The National Disponível em: <http://www.globalizationandhealth.
Academies Press, 2000. com>. Acesso em: 8 jul 2010.
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50 artigo original | original article
Magalhães Jr. apresenta uma abrangente revisão da base conceitual e das ações implementadas
entre 2011 e 2014 no Brasil. Deixa claro o quanto se avançou na compreensão das necessárias
mudanças no modelo assistencial do sistema de saúde brasileiro e na sua implementação, bem
como nos desafios colocados pelo processo.
Evidentemente, a estruturação de redes assistenciais dependerá, essencialmente, da
disponibilidade e da acessibilidade aos serviços de saúde, a par do estabelecimento dos
mecanismos de integração e articulação. Não é pretensão deste texto examinar, sequer
superficialmente, a distribuição, o acesso e o uso dos serviços de saúde no País e sua
correspondência com o perfil de morbimortalidade de sua população. Trata mais de um breve
exame da seleção de três conjuntos de questões conceituais e metodológicas provocadas pelo
artigo em debate.
O primeiro, de significativas implicações práticas, diz respeito à conceituação dos problemas
de saúde decorrentes do envelhecimento populacional e aos consequentes arranjos tecnológicos,
incluindo força de trabalho, para lidar com eles. Cochrane (1973) já chamava atenção para a
mudança do paradigma dos cuidados em saúde da cura para o cuidado. A Organização Mundial
de Saúde (OMS, 2002) estabeleceu um conceito de ‘condições crônicas’ como aquelas que ‘requerem
cuidados continuados’ por um período de anos ou décadas, ultrapassando o conceito tradicional
de doenças crônicas (como diabetes, asma ou insuficiência cardíaca) para incluir doenças
transmissíveis, para as quais o avanço tecnológico transformou seu curso, como HIV-Aids,
distúrbios mentais (como esquizofrenia) e incapacidades não classificáveis como doenças, como
cegueira e problemas musculoesqueléticos. Embora existam várias nomenclaturas e persistam
controvérsias sobre o melhor processo classificatório dessas condições,
o denominador comum é que estas condições requerem uma resposta complexa ao longo de um
período de tempo prolongado que envolve intervenções coordenadas de uma ampla gama de
profissionais de saúde e acesso a medicamentos essenciais e sistemas de monitoramento que
1 Doutor em Saúde precisam estar otimamente incorporado dentro de um sistema que promova o empoderamento do
Coletiva pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro paciente (NOLTE; MCKEE, 2008. p. 1).
(Uerj) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil. Organizador
da iniciativa Brasil Saúde Diante do exposto anteriormente, pode resultar complexo, no esforço de superar a
Amanhã – Prospecção fragmentação do cuidado, o desenvolvimento de redes temáticas paralelas, das quais, a de
Estratégica do Sistema
de Saúde Brasileiro da doenças crônicas constitui-se em uma rede à parte. Não se negam as particularidades que
Fundação Oswaldo Cruz – existem no atendimento à maternidade ou às urgências e emergências, como existem na
Rio de Janeiro, Brasil.
jose.noronha@icict.fiocruz.br abordagem do paciente com câncer, cardiopatia, idoso ou em outras condições, mas o que
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 50-53, OUT 2014
Redes integradas de cuidados e a pesquisa necessária 51
é preciso articular são justamente redes inte- cuidados em bases mais sólidas. No contexto
gradas de cuidados. Isso ganha ainda maior da iniciativa de prospecção estratégica Brasil
relevância quando observamos que a imensa Saúde Amanhã, desenvolvida pela Fundação
maioria dos pacientes apresenta múltiplas Oswaldo Cruz (www.saudeamanha.fiocruz.
morbidades. br), Ouverney e Noronha (2013) concluem o ca-
Outro aspecto a ser considerado é a pítulo de modelos de organização e gestão da
mudança significativa do papel da Atenção atenção à saúde propondo uma agenda de dez
Básica, que, além de não se constituir mais em linhas prioritárias:
exclusiva porta de entrada (como reconhece o 1. Perfil da demanda e da oferta de ações e
próprio Decreto 7508), perde, por inexistir, o serviços de saúde: estudos sobre o compor-
que seria seu caráter ‘resolutivo’ e assume um tamento da demanda por ações e serviços
significativo papel de coordenação e integra- de saúde, tendo em vista tanto as tendências
ção dos cuidados nos níveis horizontal e ver- nos padrões socioeconômico, demográfico e
tical (nos termos examinados por Silva, 2011). epidemiológico do País nas próximas décadas
O segundo grupo de questões deriva dos quanto as relações entre suas unidades
processos de gestão das redes, sobretudo em político-administrativas.
um sistema de saúde tripartite de base mu- 2. Arranjos territoriais de referenciamento
nicipal, em um país com elevado grau de ur- da política: estudos relativos às alternativas
banização e aglomeração urbana, que atingiu de composição de unidades geográficas de
84,3% da população em 2010. Desse percentu- base para o referenciamento das ações e ser-
al, pouco mais da metade vive em 34 Regiões viços de saúde, considerando a necessidade
Metropolitanas e 3 Regiões Integradas de de compor arranjos funcionais de serviços
Desenvolvimento (Rides) (IBGE, 2011). Ou seja, baseados em critérios de escopo, escala e
em apenas 38 áreas conurbadas onde as fron- necessidades de saúde da população em um
teiras municipais são borradas – e, nos casos território com a extensão e as diversidades
das Rides, também as fronteiras estaduais. socioeconômica, política e cultural como o
Nessas áreas contíguas, os polos são dominan- brasileiro.
temente definidos pelos meios de transporte e 3. Atenção primária como coordenadora do
pela proximidade temporal. Não existem bar- cuidado: estudos referentes às características
reiras geográficas significativas para o acesso, de organização e dinâmica de funcionamento
e a população espontaneamente desloca-se da Estratégia Saúde da Família (ESF), especi-
em direção às maiores facilidades de acesso ficamente no que concerne à atuação como
aos serviços, que julgam que melhor respon- porta de entrada do sistema, sua competência
derão às suas necessidades. Nessas regiões, há para responder de forma resolutiva aos pro-
uma imensa disparidade de tamanhos e capa- blemas de saúde mais comuns da população
cidades entre os municípios que as integram. e à capacidade de coordenação do cuidado
Isso requer, para a adequada regulação assis- médico especializado e de articulação com
tencial, o estabelecimento de acordos de co- outros cuidados sociais.
ordenação e comando supramunicipais, seja 4. Novos formatos de organização de servi-
pela presença mais forte do ente estadual, seja ços: estudos sobre tendências de formação pro-
pela constituição de autoridade específica. É fissional em saúde, formatos de organização de
discutível se a presença da União não seria equipes de trabalho, tipos de unidades de saúde,
também desejável. utilização de tecnologias remotas de trabalho,
Finalmente, é preciso avançar em uma humanização da relação profissional/cidadão/
agenda de pesquisas que permita a remode- família, modelos de atenção alternativos ao
lagem do sistema de saúde brasileiro através paradigma biomédico etc., cuidados domicilia-
da organização de redes integradas de res, com o objetivo de criar oportunidades de
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 50-53, OUT 2014
52 NORONHA, J. C.
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Redes integradas de cuidados e a pesquisa necessária 53
Referências
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54 artigo original | original article
Discutir questões relativas às Redes de Atenção à Saúde (RAS) é pauta permanente na agenda
do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), considerando o papel aglutinador,
coordenador, capacitador e cofinanciador da gestão estadual, a importância de atuar em rede
para qualificação do cuidado e, principalmente, a relevância da busca da integralidade da
atenção.
Evidentemente, não se trata aqui de debater o artigo em si, muito bem apresentado pelo Dr.
Helvécio Magalhães, no qual promove o debate acerca das considerações contidas no artigo
‘Redes de Atenção à Saúde: rumo à integralidade’, discutindo a atual situação do processo
de implantação das RAS nas diversas regiões brasileiras e apontando sugestões para o en-
frentamento dos desafios existentes, as quais incluem: a adoção de uma política de Educação
Permanente; o resgate da solidariedade entre os gestores, conforme previsto nos preceitos da
Constituição Federal Brasileira; a melhoria do financiamento de forma tripartite; o resgate do
processo de planejamento em nível regional, bem como o fortalecimento da Atenção Primária
à Saúde como ordenadora do cuidado. Trata-se de comentar a situação atual da implantação
das RAS nas diversas regiões brasileiras, com o intuito de buscar soluções para questões ne-
1Mestre em Medicina vrálgicas que estão a impedir o efetivo funcionamento dessa forma importante de organização
Tropical pela Universidade
de Brasília (UnB) – Brasília dos serviços de saúde.
(DF), Brasil. Secretário No processo percorrido pela organização das RAS, no Brasil, nos últimos cinco anos,
de Saúde do Estado do
Amazonas. Presidente pode-se dizer que a configuração da política de caráter estruturante, os marcos conceituais e
do Conselho Nacional a definição dos temas prioritários são irretocáveis e atendem aos ditames do Sistema Único de
de Secretários de Saúde
(Conass) – Brasília (DF), Saúde (SUS), em especial, aos dispositivos do Decreto 7.508/2011 (BRASIL, 2011).
Brasil. Entretanto, na prática, muitos desafios estiveram e ainda estão presentes, tais como:
gabinete@conass.org.br
2 Especialista em Medicina 1. As dificuldades para efetivar a função regulatória, que ainda não conseguiu cumprir seu
do Trabalho pela Fundação
de Segurança e Medicina papel de garantia de acesso, mantendo as iniquidades da fila de espera;
do Trabalho do Ministério
do Trabalho e Emprego
(Fundacentro), em parceria 2. A insuficiência do financiamento por parte das três esferas de governo, impedindo a am-
com a Universidade pliação de serviços, com uma demanda cada vez maior;
Estadual de Mato Grosso
(UEMS) – Campo Grande
(MS), Brasil. Assessora 3. Ainda com relação à ampliação da oferta, a demora no credenciamento/habilitação de
Técnica do Conselho
Nacional de Secretários de novos serviços, pois foi mantido o fluxo centralizado na esfera federal para esse procedi-
Saúde (Conass) – Brasília mento, em que pesem as normativas advindas do Pacto pela Saúde, em 2006, no sentido de
(DF), Brasil.
dobashi@terra.com.br fortalecer a governança regional;
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 54-57, OUT 2014
Comentários: Redes de Atenção à Saúde: rumo à integralidade 55
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 54-57, OUT 2014
56 ALECRIM, W.; DOBASHI, B. F.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 54-57, out 2014
Comentários: Redes de Atenção à Saúde: rumo à integralidade 57
Referências
BRASIL. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. LAMATA, C.F. Atención sanitária y redes de servicios.
Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, Madrid: Escuela Nacional de Sanidad; 2011.
para dispor sobre a organização do Sistema Único de
Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à MENDES E.V. As redes de atenção à saúde. Belo
saúde e a articulação interfederativa, e dá outras pro- Horizonte: Escola de Saúde Pública de Minas Gerais,
vidências. Diário Oficial [da] República Federativa do 2009.
Brasil. Brasília, DF, 28 jun. 2011. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/ MONKEN M. BAECELLOS C. Vigilância em Saúde e
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SAÚDE (CONASS). Relatório do seminário para cons-
trução de consensos sobre modelo de atenção à saúde TEIXEIRA C.F. PAIM J.S. VILASBOAS A.L. SUS,
no SUS. Brasília: DF: CONASS, 2009. Nota Técnica nº modelos assistenciais e vigilância em saúde. Inform.
01/2009. Epidemiol. SUS, Brasília, DF, v. 7, p. 7-28, 1998.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 54-57, OUT 2014
58 artigo original | original article
2 Médica Ginecologista
e Obstetra titulada pela RESUMO A redução das mortalidades materna e infantil tem sido uma preocupação
Federação Brasileira de
Ginecologia e Obstetrícia importante da saúde pública mundial nas últimas décadas. Apesar dos avanços alcançados,
(Febrasgo) e Especialista os índices brasileiros ainda são altos, considerando o nível de desenvolvimento do País. A
em Fitoterapia pela
Universidade Federal de Rede Cegonha se apresenta como estratégia para redução das mortalidades materna e infantil,
Goiás (UFG) – Goiânia através da qualificação das ações e dos serviços de saúde. Investe-se de desafios importantes
(GO), Brasil. Coordenadora
Geral de Saúde da em relação a mudanças no modelo tecnoassistencial da atenção obstétrica e neonatal vigente
Mulheres do Ministério da e no paradigma cultural relacionado ao parto e ao nascimento construído no seio da sociedade
Saúde – Brasília (DF), Brasil.
mariaesther.vilela@gmail.com brasileira. Neste artigo são abordados alguns dos aspectos mais relevantes destes desafios.
3 Especialista em Gestão
Pública pela Escola PALAVRAS-CHAVE Mortalidade materna; Mortalidade infantil; Humanização da assistência;
Nacional de Administração Reforma dos serviços de saúde.
Pública (Enap) – Brasília
(DF), Brasil. Assessora do
Gabinete do Departamento ABSTRACT The reduction of maternal and infant mortality rates has been a major global public
de Ações Programáticas
Estratégicas, Secretaria health concern in recent decades. Despite advances, Brazilian rates are still high considering the
de Atenção à Saúde do country’s development level. Rede Cegonha is presented as a strategy for reducing maternal and
Ministério da Saúde –
Brasília (DF), Brasil. child mortality through the improvement of the available health services. Changes in obstetric
mdg1505@gmail.com and neonatal technical care models are important for cultural model changes. This article
4 Mestre em Saúde da examines some of the most relevant aspects of these challenges.
Criança e do Adolescente
pela Universidade
Estadual de Campinas KEYWORDS Maternal mortality; Infant mortality; Humanization of assistance; Health care
(Unicamp) – Campinas reform.
(SP), Brasil. Coordenador
Geral de Saúde da Criança
e Aleitamento Materno
do Ministério da Saúde –
Brasília (DF), Brasil.
paulobonilha@hotmail.com
5 Mestre em Políticas
Públicas pela Universidade
de Brasília (UnB) -
Brasília (DF), Brasil.
Diretora substituta do
Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas
(Dapes) do Ministério da
Saúde – Brasília (DF), Brasil.
therezadelamare@yahoo.com.br
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 58-71, OUT 2014
Rede Cegonha: desafios de mudanças culturais nas práticas obstétricas e neonatais 59
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 58-71, OUT 2014
60 PASCHE, D. F.; VILELA, M. E. A; GIOVANNI, M.; ALMEIDA, P. V. B.; FRANCO NETTO, T. L
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 58-71, out 2014
Rede Cegonha: desafios de mudanças culturais nas práticas obstétricas e neonatais 61
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 58-71, OUT 2014
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Neste novo cenário, o parto e o nascimento a experiência do parto. Pesquisas recentes de-
passam a compor o rol das práticas médicas monstram que a cesariana de hora marcada,
a partir da concepção biomédica, cujos sem trabalho de parto, tem produzido o fenô-
focos são os nexos causais e a busca de re- meno da prematuridade tardia iatrogênica,
gularidades a partir da construção científica levando expressiva porcentagem de recém-
de conhecimentos, além da incorporação -nascidos à internação em UTI neonatal.
de tecnologias, tanto na forma de insumos Para a mulher, a cesárea desnecessária con-
como na organização do ambiente e dos tribui para a morbimortalidade materna, com
processos de trabalho, que ganham todas as efeitos deletérios imediatos e de longo prazo,
feições do trabalho taylorizado, adjetivado muitas vezes invisíveis, com custos econômi-
de científico. cos e sociais significativos.
Marcado pela concepção higienista, este Este cenário torna urgente e necessária a
modelo é centrado no profissional médico instituição de políticas públicas que atuem
como condutor do processo e na tecnologia na mudança das práticas de atenção ao parto
como superior ao corpo feminino, submeten- e ao nascimento nos serviços de saúde, nos
do a mulher a normas e rotinas rígidas, que currículos e campos de prática dos cursos de
não respeitam o seu ritmo natural. graduação e especialização em obstetrícia e
O saber/poder técnico-científico se so- neonatologia, na comunicação e na mobiliza-
brepõe à competência própria das mulhe- ção social, transformando o olhar da socieda-
res para lidar com seu processo de parir de e os significados que temos desses eventos
que, paradoxalmente, é delegado a agentes nos dias de hoje.
técnicos. Nesse sentido, o parteiro deixa de
ser um facilitador, aquele que assiste, para
se apropriar, no ato do parto, de ação pro- As questões de gênero e as
tagonista da mulher. Retirada do seu papel boas práticas no parto e
de protagonista, a mulher se torna frágil, se
submetendo cada vez mais a uma tecnolo-
nascimento
gia que a infantiliza, descaracteriza e vio-
lenta. O momento do parto e do nascimento Segundo Diniz, as práticas de atenção
passa a ser encarado pelas mulheres como ao parto são determinadas pelo viés de
momento de medo e ameaça à integridade gênero, partindo da concepção de que o
da vida. corpo feminino é essencialmente defeitu-
A cesariana passa a ser uma possibilidade oso, imprevisível e perigoso, necessitan-
de fuga desse ‘sofrimento’, de proteção da do de correção e tutela. Esta relação de
dignidade, já que o modo de atenção ao parto gênero é marcada pela culpabilização da
‘normal’ é considerado como degradante. Por sexualidade da mulher, inscrita na forma
outro lado, a cesariana é vista pelos profissio- como são concebidos os espaços e as prá-
nais de saúde, que se distanciam cada vez mais ticas de cuidado.
da arte de partejar, como conveniente, pois Em sua maioria, os espaços onde as mulhe-
troca a imprevisibilidade do parto normal por res vivenciam o trabalho de parto são coletivos
um planejamento taylorista das cesáreas, se e impessoais. Neles, a identidade de mulher é
apoiando no mito da tecnologia como sempre sucumbida, bem como suas referencias cultu-
segura e eficaz. rais e sociais. Pré-parto anuncia, de imediato,
Algumas das consequências desse modelo que o parto taylorizado estipulou etapas para
são a maior taxa de cesarianas do mundo, altas este evento, as quais passam a ocorrer em am-
morbidade e mortalidade materna e neonatal, bientes distintos, sobretudo em espaços de
e uma grande insatisfação das mulheres com preparação, de espera e espaços para o ato de
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parir (ou para a extração do feto). Esta lógica Obrigar a mulher a permanecer deitada
segmenta a assistência e não é incomum che- no trabalho de parto, expor suas partes
garem à mulher comandos para que ‘controle’ mais íntimas a qualquer um e dar ordens
o período expulsivo, pois há o desejo de que verbais que desqualificam o trabalho
ele aconteça nos únicos locais certos: a sala de íntimo que ela realiza demonstram o
parto ou o centro obstétrico. quanto as práticas de atenção ao parto são
Nos ambientes de pré-parto, em geral, as forjadas na concepção de que este é um
noções de confortabilidade, como iluminação, momento de exercício de poder sobre a
redução de ruídos e privacidade não são mulher, desconsiderando suas competên-
minimamente cuidadas. Ao contrário, o pré- cias próprias. Rotinas como jejum, venó-
parto traz inscrito em suas paredes a marca clise, uso de fármacos para aceleração do
do sofrimento e é comumente percebido parto, imposição de posições, episiotomia
como ‘sala de sacrifícios’, o que transforma de rotina e separação mãe/ bebê após o
o trabalho de parto em expiação do prazer. nascimento são alguns dos procedimentos
E isto porque a assistência se dirige quase que há quase 30 anos são considerados
que unicamente para o parto em si, local de prejudiciais na assistência ao parto e ao
ação dos agentes biomédicos, que, na fase nascimento, mas que ainda estão presen-
do trabalho de parto, têm pouco interesse e tes no cotidiano dos serviços de saúde.
condições de interferir, a não ser com seus Outro viés da violência de gênero pratica-
insumos biomédicos, como a prescrição de da na assistência ao parto e ao nascimento
medicamentos para ampliar contrações, é a negação do direito do homem (pai, par-
diminuir a dor etc. ceiro) de participar desse evento, contra-
A desqualificação da sexualidade das usuá- riando o desejo de muitas mulheres.
rias do SUS, outro elemento da assistência nos Apesar de um conjunto de boas práti-
padrões biomédicos e tecnocráticos, se traduz cas de atenção ao parto e ao nascimento
como uma forma de discriminação e precon- baseadas em evidências científicas serem
ceito, acrescentando às questões de gênero as difundidas no meio acadêmico desde 1985,
de classe social. Uma forte expressão deste produto da Conferência Internacional
viés é a negação ao direito ao acompanhan- de Tecnologia Apropriada para o Parto e
te no parto, que, apesar de ser garantido por Nascimento referendado pela OMS, poucas
lei, é interditado às usuárias do SUS. O apoio instituições, inclusive hospitais de ensino,
contínuo durante o parto, oportunizado pela têm respeitado a sua implementação nos
presença do acompanhante, traz inegáveis serviços. As escolas continuam a ensinar
benefícios tanto para a mulher quanto para práticas obsoletas e prejudiciais à boa
o bebê, sendo uma incongruência e uma ne- evolução do parto e do nascimento, carac-
gligência a privação deste recurso nos dias terizando uma resistência ao que hoje é
de hoje. Porém, ao consultar profissionais e atestado como seguro, benéfico e protetor
gestores sobre este direito, justificativas de para as mulheres e bebês.
ordem organizativa do serviço ou estrutural Enfrentar esta realidade e qualificar a
são pontuadas, como falta de espaço, álibis atenção ao parto e ao nascimento exige pensar
para manter o estado de coisas. A atitude de sob outro paradigma, que coloque a mulher no
desatenção e distanciamento dos profissio- centro do cuidado e inclua os aspectos sociais,
nais de saúde para com as necessidades de afetivos e sexuais vivenciados na experiência
apoio das mulheres durante o trabalho de do parir; que substitua a intervenção pela in-
parto sela a relação autoritária entre eles, teração, a separação pela inclusão; e que altere
ilustrada por tratamentos discriminatórios e as relações de poder. Exige um ‘não fazer mais
culpabilizadores. do mesmo, mas fazer diferente’.
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risco conte com uma Casa de Gestante, Bebê saúde e da sociedade em geral a essas inicia-
e Puérpera. tivas é determinante para que a mudança da
Diante dos números alarmantes de cesa- atenção ao parto no Brasil se consolide, recu-
rianas no País, não será possível reduzirmos perando os sentidos do cuidar e os significa-
as mortes maternas e neonatais se não im- dos do parto e do nascimento, respeitando as
plementarmos as boas práticas de atenção ao mulheres e como elas têm seus filhos.
parto e nascimento baseadas em evidências
científicas de forma radical nas maternida-
des, incluirmos as enfermeiras obstétricas na Desafio do cuidado
condução dos partos de baixo risco, resigni- diferenciado às
ficarmos o protagonismo da mulher na cena
do parto e alterarmos o modelo de gestão,
adolescentes e jovens
valorizando o trabalho em equipe e a gestão
colegiada, participativa e democrática. Segundo a OMS, do total da população ado-
Esse modelo de atenção ao parto e nasci- lescente no mundo, 16 milhões dão à luz
mento proposto pela Rede Cegonha necessita todos os anos. Destas, muitas não tem acesso
de sustentação técnica e política organizada ou desconhecem os meios contraceptivos
regionalmente e em rede, de forma a fomen- e grande parte possui baixa escolaridade,
tar uma discussão, pactuação e implemen- sendo muitas vítimas de violência sexual
tação solidária e cooperativa. Os aspectos (AADS, 2014).
relacionados ao acesso e à qualidade do No Brasil, na última década, o número de
cuidado em rede são permeados pela análise partos entre adolescentes na faixa etária de 15
da suficiência de leitos e sua gestão regulada, a 19 anos teve redução de 30%. No entanto, na
e do modelo técnico-assistencial. No caso da faixa etária de 10 a 14 anos permanece inalte-
atenção obstétrica e neonatal, ampliar acesso rado, apresentando 27 mil partos a cada ano, o
e aumentar a qualidade é passar necessaria- que representa 1% do total de partos.
mente pela implantação dos dispositivos e ar- Embora a gravidez possa ser tomada como
ranjos de gestão propostos na Rede Cegonha, uma espécie de ‘evento-problema’, parece
entre eles: implantação de Centros de Parto mais adequado entendê-la como um ponto
Normal e Casa de Gestante, Bebê e Puérpera; de inflexão, que pode resultar de uma mul-
gestão interna de leitos; e implantação de tiplicidade de experiências de vida. Sendo
equipes horizontais gestoras do cuidado e co- assim, pode assumir diferentes significados
legiados materno-infantil. e ser também tratada de diferentes formas e,
Todo o conjunto de ofertas da Rede por isso mesmo, pode apresentar diferentes
Cegonha traz, na sua concepção, os princípios desfechos.
que sustentam as mudanças necessárias para As causas são múltiplas e estão relacio-
a atenção ao parto e nascimento: os direitos nadas aos aspectos sociais, econômicos,
das mulheres e crianças, a bioética, o cuidado pessoais; às condições materiais de vida; ao
centrado na mulher e na família, o investi- exercício da sexualidade; ao desejo da mater-
mento na fisiologia do parto e nas competên- nidade; e às múltiplas relações de desigualda-
cias próprias da mulher e do bebê, o potencial de que constituem a vida social em nosso país.
de prevenção e promoção da saúde inerentes Além disso, a falta ou inadequação das infor-
a esses eventos, o cuidado compartilhado mações quanto à sexualidade e aos métodos
entre hospital e comunidade, a valorização contraceptivos, o baixo acesso aos serviços de
dos trabalhadores da saúde e a mobilização e saúde, a falta de comunicação com os pais e
participação social. a violência sexual e doméstica são outros as-
A adesão dos gestores e trabalhadores da pectos no contexto da gravidez.
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tradição científica – que, ao contrário de sua alcançar maior efetividade, se deveria lançar
própria condição, muitas vezes opera como mão do diálogo com aqueles que delas se be-
dogma –, mas de consensos que possam ser neficiam, logo, com aqueles que a experimen-
tomados por aqueles que estão em situação tam como fato social concreto.
de trabalho e/ou na cena do cuidado como A sustentabilidade de políticas públicas de
consensos que operam como verdade; logo, saúde, assim como se pode apreender da di-
que se produzem por valores éticos e técni- nâmica de governança da RC, resulta, então,
cos tomados como válidos. da combinação de ofertas baseadas naquilo
Por fim, um terceiro ponto de sustentação, que a humanidade tem produzido como
que conforma o tripé de organização da RC, é melhor tecnologia de cuidado, as boas práti-
a ousadia de se fazer política pública no inte- cas, que, para serem introduzidas nas organi-
rior da máquina do Estado, acionando redes zações precisam resultar de consensos entre
e movimentos sociais. Essa condição, que a os diversos sujeitos, que passam a tomá-las
priori pode suscitar uma percepção de que como enunciados verdadeiros. Essa produção
a política fica refém de um sem número de coletiva não se resume apenas à construção
interesses difusos, pode ser tomada como o de uma nova dinâmica nas organizações de
exercício de um modo de ação política desde saúde, mas também na feitura de movimentos
o Estado, que considera que a formulação e inclusivos da diversidade de percepções para
a implementação de políticas que lidam com a produção de novas mentalidades, que se ex-
objetos complexos, no embate de sua imple- pressam como nova cultura do cuidar de mu-
mentação, sofrem a interferência dos contex- lheres, gestantes e crianças, e novos modos de
tos os quais deveriam ser considerados em gerir a própria política pública, que se susten-
seu processo de amadurecimento. Em outras ta como efetivamente pública quando produ-
palavras: as políticas são perfectíveis e, para zida na esfera pública. s
Referências
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recém-nascido grave ou potencialmente grave e os
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72 artigo original | original article
Eneida Anjos Paiva1; Marta Maria Alves da Silva2; Alice Cristina Medeiros das Neves3; Marcio
Denis Medeiros Mascarenhas4; Thereza de Lamare Franco Netto5; Deborah Carvalho Malta6.
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artigo original | original article 73
by bodily force, then psychological, moral/sexual violence, and sexual torture. The predominant
color is black/brown race for most of the violence suffered, except the psychological violence,
where there was no difference regarding race/color. In most cases resulted in discharge, whereas
16.0% required hospitalization. Violence against women is most often practiced by intimate
partners and reporting is an important tool aimed at addressing these cases, to eliminate gender
inequality.
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74 PAIVA, E. A.; SILVA, M. M. A.; NEVES, A. C. M.; MASCARENHAS, M. D. M.; FRANCO NETTO, T. L.; MALTA, D. C.
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Violência contra a mulher: análise das notificações realizadas no setor saúde – Brasil, 2011 75
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76 PAIVA, E. A.; SILVA, M. M. A.; NEVES, A. C. M.; MASCARENHAS, M. D. M.; FRANCO NETTO, T. L.; MALTA, D. C.
Tabela 1. Notificações de violência contra mulheres adultas segundo características demográficas por faixa etária. Brasil, 2011
20 a 39 40 a 59
N % N % N %
Raça / cor da pele 0,000
Branco 13.806 52,8 5.499 59,5 19.305 54,6
Preto/pardo 11.961 45,7 3.622 39,2 15.583 44,0
Amarelo/indígena 384 1,5 117 1,3 501 1,4
Subtotal 26.151 100,0 9.238 100,0 35.3895 100,0
Deficiência / transtornoc 0,000
Não 22.680 91,9 7.373 86,2 30.053 90,5
Sim 1.992 8,1 1.182 13,8 3.174 9,6
Subtotal 24.672 100,0 8.555 100,0 33.227 100,0
Região de residência 0,000
Norte 1.592 4,9 313 2,8 1.905 4,4
Nordeste 5.754 17,7 1.573 14,1 7.327 16,8
Sudeste 17.142 52,8 6.041 54,1 23.183 53,1
Sul 5.369 16,5 2.393 21,4 7.762 17,8
Centro-Oeste 2.627 8,1 841 7,5 3.468 8,0
Subtotal 32.484 100,0 11.161 100,0 43.645 100,0
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)
a Totais divergem devido a registros sem informação ou em branco;
c Inclui deficiência física, mental, visual, auditiva, transtorno mental, transtorno de comportamento, outras deficiências/síndromes.
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Violência contra a mulher: análise das notificações realizadas no setor saúde – Brasil, 2011 77
Tabela 2. Notificações de violência contra mulheres adultas segundo características de ocorrência e região por faixa etária. Brasil, 2011
20 a 39 40 a 59
N % N % N %
Ocorrência no domicílio 0,000
Não 8.039 28,8 2.141 21,8 10.180 27,0
Sim 19.892 71,2 7.672 78,2 27.564 73,0
Subtotal 27.931 100,0 9.813 100,0 37.744 100,0
Violência de repetição 0,000
Não 11.296 46,8 3.508 41,7 14.804 45,5
Sim 12.856 53,2 4.915 58,4 17.771 54,6
Subtotal 24.152 100,0 8.423 100,0 32.575 100,0
Lesão autoprovocada 0,000
Não 23.526 82,7 7.878 80,4 31.404 82,1
Sim 4.938 17,4 1.923 19,6 6.861 17,9
Subtotal 28.464 100,0 9.801 100,0 38.265 100,0
Natureza da lesão 0,000
Contusão/entorse/luxação 9.738 34,8 3.332 34,4 13.070 34,7
Corte/amputação 5.805 20,7 1.784 18,4 7.589 20,1
Fratura/traumas 1.830 6,5 631 6,5 2.461 6,5
Outros 7.164 25,6 2.469 25,5 9.633 25,6
Sem lesão 3.466 12,4 1.468 15,2 4.934 13,1
Subtotal 28.003 100,0 9.684 100,0 37.687 100,0
Segmento corporal atingido 0,000
Cabeça/pescoço 10.696 45,2 3.269 42,5 13.965 44,5
Tórax/abdome/pelve 2.985 12,6 999 13,0 3.984 12,7
Membros superiores 3.960 16,7 1.459 19,0 5.419 17,3
Membros inferiores 1.190 5,0 419 5,4 1.609 5,1
Múltiplos órgãos/regiões 4.845 20,5 1.551 20,2 6.369 20,4
Subtotal 23.676 100,0 7.697 100,0 31.373 100,0
Evolução 0,000
Alta 27.281 97,3 9.190 96,5 36.471 97,1
Evasão/fuga 426 1,5 144 1,5 570 1,5
Óbito por violência 300 1,1 175 1,8 475 1,3
Óbito por outras causas 27 0,1 16 0,2 43 0,1
Subtotal 28.034 100,0 9.525 100,0 37.559 100,0
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78 PAIVA, E. A.; SILVA, M. M. A.; NEVES, A. C. M.; MASCARENHAS, M. D. M.; FRANCO NETTO, T. L.; MALTA, D. C.
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)
a Totais divergem devido a registros sem informação ou em branco;
Tabela 3. Notificações de violência contra mulheres adultas segundo tipo de violência e características do agressor por faixa etária. Brasil, 2011
20 a 39 40 a 59
N % N % N %
Tipo de violênciac
Física 26.572 84,4 8.673 80,9 35.245 83,5 0,000
Psicológica/moral 11.321 39,8 4.060 40,8 15.381 40,1 0,077
Tortura 1.291 4,7 370 3,9 1.661 4,5 0,001
Sexual 2.811 10,2 740 7,8 3.551 9,6 0,000
Tráfico de seres humanos 29 0,1 10 0,1 39 0,1 0,982
Financeira/econômica 665 2,4 347 3,6 1.012 2,7 0,000
Negligência 371 1,4 177 1,9 548 1,5 0,000
Intervenção legal 50 0,2 33 0,4 83 0,2 0,004
Outros 2.565 9,6 1.110 11,9 3.675 10,2 0,000
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Violência contra a mulher: análise das notificações realizadas no setor saúde – Brasil, 2011 79
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)
a Totais divergem devido a registros sem informação ou em branco;
c Não totaliza 100%, pois um caso pode ter mais de um tipo de violência.
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80 PAIVA, E. A.; SILVA, M. M. A.; NEVES, A. C. M.; MASCARENHAS, M. D. M.; FRANCO NETTO, T. L.; MALTA, D. C.
(RP=1,87), o cônjuge como principal autor não é o próprio cônjuge, podendo ser desco-
da agressão (RP=1,61) e ingestão de bebida nhecido. Na região Norte, ocorreu a maior
alcoólica pelo agressor com RP=1,32. Para razão de prevalência (RP=2,20), seguida das
regiões do Brasil, a violência psicológica apre- regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste. A
sentou menores frequências nas regiões Sul menor frequência ocorreu na região Sul.
(RP=0,85), Nordeste (RP=0,86) e Centro-Oeste Para a violência sob forma de tortura, houve
(RP=0,71). prevalência em mulheres da raça/cor preta/
Os casos de violência sexual, quando ob- parda (RP=1,23), em relação às mulheres
servados contra mulheres de raça/cor da pele brancas. Observa-se que a tortura ocorre mais
preta/parda foram RP=1,26. A faixa etária em mulheres mais jovens e, na maioria das
de mulheres entre 40 e 59 anos foi protetora vezes, fora dos domicílios. A ocorrência de repe-
(RP=0,76), na comparação com as mulheres tições de tortura na mesma mulher é frequen-
entre 20 e 39 anos (referência). Para esse tipo de te (RP=1,56) e o agressor principal é o cônjuge
violência (sexual), a ocorrência é mais comum (RP=1,67). O agressor desse tipo de violência
fora do domicílio, a violência geralmente não é faz ingestão de bebida alcoólica frequente
de repetição e o agressor na maioria das vezes (RP=1,61). A região Norte desponta com maior
Tabela 4. Prevalência (%) e razão de prevalência (RP) dos principais tipos de violência contra mulheres adultas segundo características selecionadas. Brasil, 2011
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Violência contra a mulher: análise das notificações realizadas no setor saúde – Brasil, 2011 81
Região de residência
Sul 78,3 1,00 44,7 1,00 7,6 1,00 6,2 1,00
Norte 91,7 1,17 (1,11-1,24) 38,2 0,85 (0,79-0,93) 16,8 2,20 (1,91-2,54) 8,3 1,33 (1,10-1,60)
Nordeste 83,4 1,07 (1,03-1,11) 44,6 1,00 (0,95-1,05) 11,8 1,55 (1,39-1,73) 4,1 0,65 (0,56-0,77)
Sudeste 84,7 1,49 (1,08-1,11) 38,5 0,86 (0,83-0,90) 8,6 1,13 (1,03-1,24) 3,4 0,55 (0,49-0,62)
Centro-Oeste 83 1,14 (1,06-1,11) 31,7 0,71 (0,66-0,76) 12 1,57 (1,38-1,79) 5,8 0,94 (0,79-1,11)
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)
IC95%: intervalo de confiança de 95%. Diferenças estatisticamente significantes encontram-se destacadas em negrito (p<0,05)
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82 PAIVA, E. A.; SILVA, M. M. A.; NEVES, A. C. M.; MASCARENHAS, M. D. M.; FRANCO NETTO, T. L.; MALTA, D. C.
a invisibilidade da violência psicológica contra et al. (2010) encontraram que as mulheres per-
a mulher nos serviços de saúde (KIND et al., 2013) ceberam o uso de álcool por seus parceiros
e o fato de uma parcela dos profissionais de- em 44,6% dos episódios de violência e que os
monstrar inabilidade em identificar e condu- relatos de homens alcoolizados durante os
zir casos de violência doméstica, deixando de eventos de violência por parceiro íntimo, quer
registrar a ocorrência de violência psicológica seja na condição de perpetrador, quer seja de
por não reconhecê-la como uma demanda aos vítima ou na violência mútua, foi quatro vezes
serviços de saúde e dos demais equipamentos superior ao relatado entre mulheres (ZALESKI et
de atenção e proteção. al., 2010).
Diversos estudos apontam que a violên- Os percentuais de lesões autoprovocadas
cia sexual afeta mais as mulheres que os e da própria pessoa como autora da agressão,
homens, como demonstraram os dados do cerca de um quinto, demonstram a necessida-
Viva. (FELIZARDO; ZÜRCHER; MELO, 2006; MINAYO, 2005). de de atenção aos sinais, sintomas e fatores de
Autores sinalizam que cerca de 25% das mu- risco do sofrimento psíquico nessa população.
lheres podem ter sido vítimas de violência Reichenheim et al. (2011) destacam a
sexual do seu parceiro e que um terço das associação com a etnia e a condição econômica:
meninas adolescentes foram forçadas a ter sua mulheres e crianças negras e pobres são as
primeira experiência sexual (GOMES; MINAYO; SILVA, principais vítimas da violência doméstica. O
2005). estudo atual mostrou maior frequência de
A violência contra as mulheres, em geral, mulheres pardas e negras vítimas de violência
é cometida por pessoas do convívio familiar, física, sexual e tortura, enquanto, na violência
conforme estabelecido no atual estudo (WHO, psicológica, não houve diferença segundo
2013). A OMS ressalta, ainda, que o agressor, na raça/cor.
maioria das vezes, é o parceiro íntimo (WHO, A maioria dos casos evolui para alta, entre-
2013). Segundo os dados deste estudo, os côn- tanto, cerca de 16% precisaram ser internadas,
juges, ex-cônjuges, namorado e ex-namorado além do registro de mais de 300 óbitos, reve-
somam mais da metade das ocorrências. lando a gravidade das ocorrências.
A relação entre gênero e violência é com- A notificação da violência contra a mulher
plexa. Os diferentes papéis e comportamentos é realizada nas unidades de saúde, no entanto,
de mulheres e homens, crianças e adultos, são cabe à mulher, em respeito à sua autonomia,
moldados e reforçados pelas normas de gênero decidir pela denúncia nos órgãos de respon-
dentro da sociedade. Essas são as expectativas sabilização e por sua submissão aos exames
sociais que definem comportamento apropria- médico-periciais. Inclusive, para fins de reali-
do para mulheres e homens (por exemplo, em zação de aborto de conceptos decorrentes de
algumas sociedades, o sexo masculino está as- violência sexual.
sociado ao estereótipo de ser duro e agressivo A maior frequência de notificações na
e de ter múltiplos parceiros sexuais). As dife- região Sudeste se deve à implantação da vi-
renças de gênero, papéis e comportamentos gilância e de maior adesão dos gestores e das
muitas vezes criam desigualdades nas relações, equipes técnicas ao tema. Portanto, não se
definindo papéis de subordinação das mulhe- deve fazer comparações regionais, ou mesmo
res aos homens. Assim, em muitas sociedades, entre Unidades Federadas e municípios, pois
mulheres de fato são vistas como subordinadas existem momentos distintos na implementa-
aos homens (WHO, 2010). ção da Vigilância de Violências. Desse modo,
A suspeita do uso de álcool pelo provável uma maior frequência de episódios de vio-
autor de agressão foi superior a 50% dos casos lência não deve ser tomada como um maior
registrados. Em estudo sobre a violência por coeficiente populacional de violências. Essa
parceiros íntimos e consumo e álcool, Zaleski interpretação é temerária nos anos iniciais de
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Violência contra a mulher: análise das notificações realizadas no setor saúde – Brasil, 2011 83
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84 PAIVA, E. A.; SILVA, M. M. A.; NEVES, A. C. M.; MASCARENHAS, M. D. M.; FRANCO NETTO, T. L.; MALTA, D. C.
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Violência contra a mulher: análise das notificações realizadas no setor saúde – Brasil, 2011 85
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DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 72-87, OUT 2014
88 artigo original | original article
Jaqueline Tavares de Assis1, Cláudio Antônio Barreiros2, Andréa Borghi Moreira Jacinto3, Roberto
1 Mestre em Processos
de Desenvolvimento e
Tykanori Kinoshita4, Pedro de Lemos Macdowell5, Taia Duarte Mota6, Fernanda Nicácio7,
Saúde pela Universidade Mariana da Costa Schorn8, Isadora Simões de Souza9, Alexandre Teixeira Trino10
de Brasília (UnB) – Brasília
(DF), Brasil. Assessora
técnica do Ministério da
Saúde – Brasília (DF), Brasil.
jaqueline.assis@saude.gov.br
2 Mestre em Trabalho
e Desenvolvimento
Sustentável pela
Universidade Federal de RESUMO O Ministério da Saúde, por meio da sua Coordenação Nacional de Saúde Mental, desde
Alagoas (Ufal) – Maceió
(AL), Brasil. Assessor o início da década de 1990 até os dias atuais, vem em uma trajetória contínua, trabalhando na
Técnico do Ministério da construção dos instrumentos para a implantação do novo modelo e na promoção dos valores e
Saúde – Brasília (DF), Brasil.
claudio.barreiros@saude.gov.br conceitos que emergiram da relação com o movimento social historicamente conhecido como
3 Mestre em Antropologia
Movimento da Luta Antimanicomial. Relação complexa por definição, entre Movimento
Social pela Universidade Social e Instituição, caracterizada por antagonismos, complementariedade, concorrência,
Estadual de Campinas circularidade, mas que caminha em uma direção comum, em um moto contínuo de crítica das
(Unicamp). Analista
de Políticas Sociais do instituições e sua superação prática por novos modos de organizar e trabalhar, gerando novas
Ministério da Saúde – instituições e novas sociabilidades. Neste artigo, apresentamos uma perspectiva do momento
Brasília (DF), Brasil.
andrea.jacinto@saude.gov.br atual da Política de Saúde Mental, desde o ponto de vista da Coordenação de Saúde Mental,
considerando o quadriênio 2011-2014, e apontando algumas direções futuras.
4 Doutor em Saúde
Coletiva pela Universidade
Estadual de Campinas PALAVRAS-CHAVE Saúde Mental; Sistema Único de Saúde; Políticas de saúde; Serviços de
(Unicamp) – Campinas
(SP), Brasil. Coordenador saúde mental; Reabilitação.
Geral de Saúde Mental
Álcool e outras Drogas
no Ministério da Saúde – ABSTRACT Since the 90´s the Ministry of Health of Brazil, through National Mental Health
Brasília (DF), Brasil. Coordination, has been working in a continuous path on the construction of instruments to
roberto.tykanori@saude.gov.br
develop a new model and promotion of values and concepts that emerge from the contact of
5Mestre em Antropologia the historically known social movement called Movimento da Luta Antimanicomial. With
Social pela Universidade
de Brasília (UnB) – Brasília a complex relation, Social Movement and Coordination are characterized by antagonisms,
(DF), Brasil. Analista complementarity, competition and circularity, within a common direction of continuous criticism
de Políticas Sociais do
Ministério da Saúde – towards institutions and the overcoming of new forms of organization and work, creating
Brasília (DF), Brasil.. new institutions and sociability. This article presents a current perspective on Mental Health
pedro.macdowell@saude.gov.br
Brazilian Policy from National Mental Health Coordination, regarding the quadrennium 2011-
6 Mestre em Enfermagem
2014 and indicating some new directions.
Psiquiátrica pela Escola
de Enfermagem da
Universidade de São Paulo KEYWORDS Mental Health; Unified Health System; Health policy; Mental Health Services;
(EEUSP) – São Paulo (SP),
Brasil. Analista de Políticas Rehabilitation.
Sociais do Ministério da
Saúde – Brasília (DF), Brasil.
taia.mota@saude.gov.br
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 88-113, OUT 2014
Política de saúde mental no novo contexto do Sistema Único de Saúde: regiões e redes 89
social. O processo encontra-se em curso e à assistência hospitalar (BRASIL, 2003; 2005a; 2007; Social e Institucional pela
apresenta ampla participação social, com 2011). O impacto objetivo destas medidas pode Universidade Federal
do Ria Grande do Sul
os movimentos de luta antimanicomial, ser estimado pela quantidade de atendimen- (UFRGS) – Porto Alegre
com destacado protagonismo de usuários tos realizados: em 2002, foram registrados (RS), Brasil. Analista
Técnica de Políticas Sociais
e familiares, com a singular insígnia em torno de 400 mil atendimentos de saúde do Ministério da Sáude –
‘Por uma sociedade sem manicômios’. A mental pelo SUS; em 2010, esses registros ul- Brasília (DF), Brasil.
mariana.schorn@saude.gov.br
ativa participação desses atores tem se trapassaram a marca de 20 milhões de aten-
9 Especialista em
evidenciado nas instâncias de controle social dimentos, isto é, uma expansão de 50 vezes
análise institucional/
do SUS e pela participação na realização de em menos de 10 anos. Esquizoanálise pela Escola
Superior de Administração,
Direito e Economia (Esade)
– Porto Alegre (RS), Brasil.
Assessora técnica do
Ministério da Saúde –
Brasília (DF), Brasil.
isadora.souza@saude.gov.br
10 Mestre em Saúde
Coletiva pela Universidade
Federal Fluminense
(UFF) - Niterói (RJ),
Brasil. Coordenador
Adjunto de Saúde Mental
Álcool e outras Drogas
do Ministério da Saúde –
Brasília (DF), Brasil
alexandre.trino@saude.gov.br
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 88-113, OUT 2014
90 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
Gráfico 1. Relação entre a porcentagem do total de gastos da saúde mental/SUS com os hospitais psiquiátricos e com a
atenção comunitária/territorial, de 2002 a 2013
90
79,39
77,32
80 75,24
70,57 71,09
66,71 65,54 67,71
70 61,83 63,35
55,92
60
% do total de gastos
52,77
50
40 47,23 44,08
30 38,17 36,65 34,46
33,29 32,29 29,44
20 28,91
24,76 22,16 20,61
10
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Gastos Hospitalares
Fontes: Subsecretaria de Planejamento e Orçamento (SPO)/MS, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS),
Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPES)/SAS/MS, 2014
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Política de saúde mental no novo contexto do Sistema Único de Saúde: regiões e redes 91
Neste artigo, apresentamos uma pers- As ações de saúde mental passam a fazer
pectiva do momento atual da Política de parte do conjunto de exigências fundamentais
Saúde Mental, desde o ponto de vista da para a instituição das regiões de saúde.
Coordenação de Saúde Mental, conside- Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde
rando o quadriênio 2011-2014, e apontando adotou a estratégia da organização do SUS
algumas direções futuras. a partir da criação das RAS, com sub-redes
temáticas. Assim, a Portaria GM, 3.088, de
dezembro de 2011, republicada em maio de
Reforma Psiquiátrica 2013 (BRASIL, 2013a), institui a Rede de Atenção
e as Redes de Atenção Psicossocial (RAPS). O conceito de trabalho
em rede, integrante histórico das proposições
Psicossocial da reforma psiquiátrica, inseriu-se no novo
cenário político-institucional da saúde.
Em junho de 2011, a promulgação do Decreto A RAPS é pautada pelos princípios do
nº 7.508/11 regulamentou a Lei nº 8.080/90 e respeito aos direitos humanos; pela garantia
dispôs sobre “a organização do SUS, o planeja- de autonomia e liberdade; pela promoção
mento da saúde, a assistência à saúde e a articu- da equidade, do exercício da cidadania e
lação interfederativa” (BRASIL, 2011a, p. 4) definindo, da inclusão social; e pelo enfrentamento de
entre outros aspectos: região de saúde como estigmas e preconceitos. Dentre as diretrizes e
os objetivos propostos destacam-se, também: a
[...] espaço geográfico contínuo constituído garantia do acesso e da qualidade dos serviços
por agrupamentos de municípios limítrofes, e, no que se refere à problemática relacionada
delimitado a partir de identidades culturais, à dependência de álcool e drogas, a perspectiva
econômicas e sociais [...] com a finalidade de redução de danos, com cuidado territorial,
de integrar a organização, o planejamento e a humanizado, integral e multiprofissional, sob
execução de ações e serviços de saúde (BRASIL, a lógica interdisciplinar e intersetorial, com
2011a, p. 4); participação e controle social de usuários e de
familiares. É importante destacar o caráter
e Redes de Atenção à Saúde (RAS) como o “con- territorial da rede, centrada nas necessidades
junto de ações e serviços de saúde articulados concretas das pessoas, sendo responsável
em níveis de complexidade crescente, com a pelo cuidado continuado e pela promoção de
finalidade de garantir a integralidade da as- reinserção social pelo trabalho, pela renda e
sistência à saúde” (BRASIL, 2011a, p. 5). Definem-se, pela moradia solidária (BRASIL, 2013a).
aqui, duas novas referências para o desenvolvi- Com esta perspectiva, compõem a RAPS
mento, a implantação e o financiamento do SUS: sete componentes, com diversos pontos de
a região e as RAS. atenção regulamentados por normativas es-
O Decreto nº 7.508/11 estabeleceu, também, pecíficas, a saber: Atenção Básica; atenção
um novo contexto institucional para a efe- psicossocial; atenção de urgência e emergên-
tivação da atenção psicossocial ao exigir, no cia; atenção residencial de caráter transitório;
Artigo 5o, que as ‘regiões de saúde’, para serem atenção hospitalar em hospitais gerais; estra-
instituídas, tégias de desinstitucionalização; e reabilitação
psicossocial (BRASIL, 2013a).
devem conter, no mínimo, ações e serviços A efetivação das diretrizes e dos objetivos
de: atenção primária, urgência e emergência, da rede de atenção psicossocial e de um
atenção psicossocial, atenção ambulatorial trabalho em rede não se dá pela somatória
especializada e hospitalar, e vigilância em de pontos de atenção implantados nem pelo
saúde (BRASIL, 2011a, p. 6). elenco organizativo dos componentes ou,
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92 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
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Política de saúde mental no novo contexto do Sistema Único de Saúde: regiões e redes 93
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94 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
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Política de saúde mental no novo contexto do Sistema Único de Saúde: regiões e redes 95
das redes sociais, constituem eixos centrais em risco de morte ou de danos a outrem.
na proposição de ‘reabilitação como cidada- Mas o que se deflagrou nos últimos anos, foi
nia’ (BRASIL, 2013b; SARACENO, 1999). Ainda de acordo o poder judiciário tomando medidas que são
com o referido Manual, a afirmação da pro- de responsabilidade do executivo e estabe-
posição de casa busca enfatizar a complexi- lecendo condutas sobre esferas que trans-
dade de experiências concretas de aquisição cendem o papel institucional. Assim, juízes
e/ou aprendizagem de habitar os espaços, de determinam a aplicação de terapêuticas,
vivenciar as oportunidades da vida cotidiana, ou a internação para tratamento, à revelia
de compartilhar um local. É importante ter das indicações médicas e sobredeterminan-
presente que, nos processos de reabilitação, a do as normativas do SUS. Este tipo de ação
noção de casa remete à “possibilidade de re- melhor se enquadra no que se denomina
visitar a própria casa passada, as raízes e os como judicialização da saúde. Esta situação,
lugares, as memórias e as impossibilidades” equivocadamente chamada de internação
(BRASIL, 2013b; SARACENO; STERNAI 1987 apud SARACENO, ‘compulsória’, nada tem a ver com o que
1999, p. 116). A UA constitui um ‘recurso dos PTS’, prevê a Lei nº 10.216/01 (BRASIL, 2001). Ali se
de acordo com as necessidades dos usuários trata de internação referente a processos cri-
em seus contextos sociorrelacionais, conside- minais em que a pessoa foi considerada inim-
rando, em particular, o ‘habitar’ como um dos putável, seguida de interdição e aplicação da
eixos centrais nos processos de reabilitação medida de segurança, que é um tratamento
psicossocial que visam à promoção de auto- compulsório. Ainda assim, o tratamento
nomia, de participação nas trocas sociais, de compulsório deveria preferencialmente ser
ampliação do poder de contratualidade social realizado em regime aberto, embora ainda se
e de acesso e exercício de direitos das pessoas realize em hospital de custódia.
com a experiência do sofrimento psíquico,
incluindo aquelas com necessidades decor-
rentes do uso de álcool e outras drogas (BRASIL, Desafios da prevenção de
2013b; ROTELLI, 1999; SARACENO, 1999; KINOSHITA, 1996). drogas
Neste percurso, agregamos como uma ação
Debate: internação estratégica a introdução de metodologias de
compulsória e involuntária prevenção de drogas com base em evidên-
cias experimentais. Embora a temática de
Ainda no âmbito do debate centrado no ‘para prevenção de drogas seja muito corrente e
onde levar’ as pessoas, ocorre um segundo quase unânime, existem poucas evidências
debate, agora voltado para a possibilidade quanto à efetividade destas ações. Em cola-
ou responsabilidade de se recolher a pessoa boração com o Escritório das Nações Unidas
contra a sua vontade. Essa polêmica pôs para Drogas e Crime (UNODC), identifica-
em campo duas modalidades de internação mos métodos que foram testados em diver-
citadas na Lei nº 10.216/01 (BRASIL, 2001): a in- sos países e em diferentes contextos e que
ternação involuntária e a internação com- demonstraram impactos significativos na
pulsória. Ambas coincidem no aspecto de se prevenção de drogas. Assim como também
impor uma ação contra a vontade da pessoa. se identificou que muitas práticas correntes
Mas diferem nos atores que as determinam. e ubíquas podem ter efeitos iatrogênicos.
Na prática corrente, os médicos têm uma de- Por exemplo, em vários países há a prática
legação social para a aplicação de medidas de apresentar ex-usuários de drogas em
contra a vontade da pessoa, caso ela esteja escolas, para que contem suas experiências
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96 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
como ‘conselhos de quem já passou por isso’. para a ação de todos os Centros de Referência
As pesquisas indicam que quase invariavel- da Assistência Social e o Ministério do
mente este tipo de prática ‘induz’ o consumo. Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Traduzimos e adaptamos para o contexto (MDS) vem acompanhando a experiência,
nacional duas metodologias de prevenção visando a uma possível incorporação nacional.
baseadas em escolas: Unplugged – para ado-
lescentes de 10 a 14 anos – e Good Behavior
Game (GBG) – para crianças de 6 a 10 anos; e A expansão da cobertura da
a Strenghtening Families Program (SFP), uma RAPS e o foco no cuidado
metodologia voltada para a atuação junto
aos pais, parentes e adolescentes. As ações
de base comunitária/
nas escolas são realizadas pela instrumenta- territorial
ção dos professores com estas ferramentas,
que se centram no desenvolvimento de ha- A ampliação do acesso ao cuidado psi-
bilidades para a vida, no fortalecimento da cossocial de base comunitária/territorial
capacidade crítica e da assertividade e no sob a perspectiva de garantia de direitos
desenvolvimento de sociabilidades. segue como um dos principais desafios da
Estes métodos estão sendo implantados atualidade, não obstante a crescente ex-
em oito capitais e em outros três municípios pansão das RAPS e de serviços territoriais
do País e estamos empenhados no desenvol- no contexto da reforma psiquiátrica em
vimento de estratégias para sua difusão em curso no SUS.
escala nacional. As ações voltadas para famí- Na atualidade, o quadro 1 mostra um pa-
lias estão sendo incorporados no Governo do norama da expansão de diferentes pontos de
Distrito Federal (GDF) com uma ferramenta atenção das RAPS:
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Figura 1. Mapa de distribuição dos CAPS, em suas diferentes modalidades, no País, em 2002 e em 2014
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98 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
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100 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
pautada nas relações e nos vínculos que cada da comunidade, possibilitando a adoção de
pessoa estabelece com seus pares, familia- múltiplas práticas em diversos domínios
res, comunidade e instituições com as quais, na comunidade, para lidar de maneira mais
de um modo ou de outro, todos convivem. efetiva nos fatores geradores de sofrimento
Entre as mais expressivas, podemos citar e naqueles que ampliam as possibilidades de
o ‘Caderno da Atenção Básica 34 – Saúde vida aos sujeitos e à comunidade.
Mental’, (BRASIL, 2013c), publicação referencial O curso de capacitação Caminhos do
para difusão das diretrizes e estratégias de Cuidado (2013), que foi desenvolvido pelo
cuidado em saúde mental na Atenção Básica. Ministério da Saúde, em uma iniciativa con-
Este material, construído a muitas mãos, faz junta entre a Coordenação Geral de Saúde
uma discussão acerca da possibilidade de Mental, Álcool e Outras Drogas (CGMAD)/
alcance, pelos profissionais não especialistas Departamento de Atenção Especializada e
em saúde mental, ao usuário de saúde mental, Temática (Daet)/Secretaria de Atenção à
via compreensão do processo de sofrimento Saúde (SAS), o DAB/SAS e o Departamento
das pessoas, que está atrelado aos diversos de Gestão da Educação na Saúde/Secretaria
relacionamentos interpessoais e papéis/re- de Gestão do Trabalho e da Educação na
lações que exercem ao longo de suas vidas. Saúde (SGTES), com a parceria do Icict/
Parte-se da ideia de que uma pessoa é com- Fiocruz e Grupo Hospitalar Conceição –
posta por múltiplas dimensões ou domínios GHC, visa melhorar a atenção à população
fenomênicos, que se conjugam e se organi- por meio da qualificação dos profissionais da
zam continuamente de modo a fazer surgir Atenção Básica no cuidado em saúde mental
um sujeito que se sente como unidade coe- com enfoque na questão das drogas. A finali-
rente. E daí segue que o sofrer surge nas situ- zação está prevista para 2015, quando terão
ações em que o sujeito sente que estes vários sido ofertadas 290.760 vagas, para a totalida-
domínios fenomênicos podem vir a se desin- de dos agentes comunitários de saúde, além
tegrar como unidade coerente (CASSEL, 1991). de auxiliares e técnicos de enfermagem do
O cuidado singular baseado em um projeto Programa Saúde da Família. O ‘Caminhos’
terapêutico visa a implementação de ações representa um importante meio de difusão e
estratégicas que viabilizem a recomposição implementação da proposta de cuidado sob a
daqueles domínios de modo que minimizem lógica da redução de danos, preconizada pelo
o desconforto e que possibilitem arranjos de Ministério da Saúde na atenção territorial às
melhor qualidade de vida. pessoas que têm problemas relacionados ao
Atualmente, a orientação da Coordenação uso de drogas.
Nacional de Saúde Mental quanto à atuação A mudança de gestão do serviço
no território envolve a discussão dos nove Consultório de Rua da Saúde Mental para o
domínios da vida das pessoas, propostos Departamento de Atenção Básica, momento
pela lógica da Felicidade Interna Bruta em que passa a se chamar Consultório na
(FIB). A FIB configura-se como um índice Rua, significa mais do que uma simples
que mediria a qualidade de vida das pessoas passagem de responsabilidade. O vínculo
a partir dos seguintes domínios: bem estar possibilitado entre profissionais e usuários,
psicológico; padrão de vida; boa governan- a partir da abordagem da equipe do consul-
ça; saúde; educação; vitalidade comunitária; tório, cria condições de oferta de cuidado
vitalidade comunitária e resiliência; uso do integral ao usuário, favorecendo, sobretudo,
tempo; diversidade ecológica e resiliência. o acesso deste aos demais serviços do SUS, a
O cuidado, nesse sentido, compreende cada depender de sua demanda em saúde. A com-
um dos domínios, na visada da promoção e preensão de que a população em situação de
do cuidado em saúde mental das pessoas e rua possui necessidades de saúde que vão
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102 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
garantir direitos e
Outro ator de suma importância hoje, no
coproduzir projetos para cenário da desinstitucionalização, é a pre-
prescindir dos manicômios sença dos Ministérios Públicos Estaduais
e do Ministério Público Federal, partindo
A desinstitucionalização, um dos desa- da Procuradoria Federal dos Direitos do
fios centrais da política nacional de saúde Cidadão (PFDC) e do Conselho Nacional
mental, assumiu uma nova institucionali- do Ministério Público (CNMP), que con-
dade ao ser inserida como componente da grega tanto representantes da esfera federal
RAPS, e neste último quadriênio, a questão quanto das estaduais. Atualmente, existe um
da superação do modelo manicomial entrou amplo coletivo de promotores e procurado-
na agenda de outras instituições. Um parcei- res do Ministério Público que agem direta-
ro importantíssimo é a Secretaria de Direitos mente no processo de mudança do modelo
Humanos da Presidência da República e da efetivação da Lei nº 10.216/01. Esta
(SDH). Através de seus mecanismos de mo- atuação tem sido um dos motores dos pro-
nitoramento, a SDH tem sido a receptora de cessos de desinstitucionalização e também
inúmeras denúncias de maus tratos e viola- da implantação das RAPS. Tal articulação
ções de direitos de pacientes com transtorno entre Ministério da Saúde, SDH e MP tem
mental ou usuários de drogas internados em atuado de modo coordenado e pró-ativo na
hospitais psiquiátricos ou em clínicas pri- intensificação da desospitalização dos mora-
vadas e comunidades terapêuticas. A partir dores dos hospitais psiquiátricos.
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104 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
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106 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
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108 ASSIS, J. T.; BARREIROS, C. A.; JACINTO, A. B. M.; KINOSHITA, R. T.; MACDOWELL, P. L.; MOTA, T. D.; NICÁCIO, F.; SCHORN, M. C.; SOUZA, I. S.; TRINO, A. T.
Sustentabilidade da RAPS:
Cooperação internacional Coordenação Geral de
Na atualidade, o Brasil vem sendo reconheci-
Saúde Mental, Álcool e
do pela década de estabilidade e crescimento Outras Drogas
econômico, com distribuição de renda, em
todos os fóruns internacionais. Além disso, Com o objetivo de gerar maior sustenta-
muitas solicitações de cooperação técnica bilidade das RAPS, o Ministério da Saúde
na área de saúde mental têm sido recebidas. promoveu uma modificação no organogra-
No âmbito latino-americano, diversos países ma e incluiu a RAPS como parte da estru-
têm buscado projetos de cooperação técnica tura permanente, sob a denominação de
com a política nacional de saúde mental, Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool
álcool e outras drogas em curso no Brasil, e Outras Drogas (CGMAD), deixando de
objetivando o aprimoramento de suas polí- ser apenas um programa/projeto. No que se
ticas públicas de saúde mental. Mais especi- refere ao financiamento, houve uma dispo-
ficamente, encontram-se em curso Termos nibilidade para o aumento do financiamento
de Cooperação com Equador, Paraguai, para CAPS e, em especial, para CAPSAD III
Honduras e Costa Rica. Além disso, há nego- e CAPS III (BRASIL 2012c, 2013g), e um direciona-
ciações em curso para colaboração no Haiti mento para que se priorize a implantação de
e em Angola. Este cenário de interesses de serviços 24 horas. CAPS III e CAPSAD III.
Gráfico 2. Evolução do investimento financeiro federal nos CAPS, no País, de 2002 a 2013
R$ 900.000.000,00 2200
R$ 800.000.000,00 2000
1800
R$ 700.000.000,00
1600
R$ 600.000.000,00
Investimentos
1400
R$ 500.000.000,00 1200
CAPS
R$ 400.000.000,00 1000
800
R$ 300.000.000,00
600
R$ 200.000.000,00
400
R$100.000.000,00 200
R$ 0,00 0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Número de CAPS
Fontes: Subsecretaria de Planejamento e Orçamento (SPO)/MS, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS),
Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPES)/SAS/MS, 2014
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leitos em hospitais psiquiátricos no País que histórico-cultural marcado por anos de es-
precisam passar pela desinstitucionalização. cravidão incide tanto nas questões direta-
Por outro lado, ao adentrarmos o território mente ligadas à discriminação racial quanto
das comunidades, defrontamo-nos com pro- nas relações de gênero e nos preconceitos de
blemas crônicos da nossa sociedade. Não classe social. A exclusão e a marginalização
obstante as imensas conquistas da última de grandes parcelas da população fomentam
década, a questão da desigualdade social violência e opressão. Coloca-se o desafio de
ainda permanece grave, particularmente se produzir novas instituições, novas formas
sob a perspectiva da produção de subjetivi- de agir, que pavimentem o caminho para
dade sob intensa mutação social. O legado uma sociedade sem manicômios. s
Colaboradores
Patrícia Santana Santos do Amaral, Enrique Araujo Reis, Leisenir de Oliveira, Pollyanna Fausta Pimentel
Bessoni, Adélia Benetti de Paula Capistrano, Milena de Medeiros, Keyla Antunes Kikushi Câmara, Marcel
Leal Pacheco, Nádia Maria Silva Pacheco, Thiago Henrique de Carvalho, Daniel Adolpho Daltin Assis,
Monteiro Pithon, Denis Wilson Recco, Hinara Helena Karine Dutra, Gabriela Hayashida, Rúbia Cerqueira
Silva Souza Ruas, June Corrêa Borges Scafuto, Thaís Persequini Lenza.
Soboslai, Barbara Coelho Vaz, César Henrique dos
Referências
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Heloisa Jahn. Rio de Janeiro: Graal, 1985. 326. p. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,
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DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 88-113, out 2014
Política de saúde mental no novo contexto do Sistema Único de Saúde: regiões e redes 111
(Sinase), regulamenta a execução das medidas do Sistema Único de Saúde para a formação e o
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114 artigo original | original article
Patrícia Sampaio Chueiri1, Erno Harzheim2, Heide Gauche3, Lêda Lúcia Couto de Vasconcelos4
1Mestre em Epidemologia
pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul
(UFRGS) – Porto Alegre
(RS), Brasil. Coordenadora
Geral de Atenção às
Pessoas com Doenças RESUMO O Sistema Único de Saúde (SUS) já alcançou muitos resultados, entretanto, o
Crônicas do Departamento rápido envelhecimento da população, a transição do perfil epidemiológico e o conjunto de
de Atenção Especializada
e Temática, Secretaria mudanças socioeconômicas ocorridas nos últimos anos propõem novos desafios para o SUS.
de Atenção à Saúde, Entre eles, destacam-se o cuidado das pessoas com doenças crônicas e os tensionamentos
Ministério da Saúde –
Brasília (DF), Brasil. que estas provocam no sistema de saúde, tanto com relação à sua macro-organização (gestão
patricia.sampaio@saude.gov.br compartilhada, regulação, regionalização) quanto à micro-organização, ou seja, aqueles
2 Doutor em Medicina relacionados ao processo de trabalho das equipes de atenção direta. Neste sentido, este artigo
Preventiva e Saúde tem como objetivo refletir sobre: o processo de formação de redes regionalizadas de atenção
Pública pela Universidade
de Alicante – Alicante à saúde; o papel dos estados; o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS); e o papel
(Valência), Espanha. da APS no cuidado das pessoas com doenças crônicas. Para isso, descreve e problematiza as
Professor adjunto do
Departamento de ações do Ministério da Saúde, nos últimos anos, que vão ao encontro do tema: o cuidado das
Medicina Social e Professor pessoas com doenças crônicas.
permanente do Programa
de Pós-Graduação
em Epidemiologia da PALAVRAS-CHAVE Redes de Atenção à Saúde; Atenção Primária à Saúde; Doenças crônicas;
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) Regionalização.
– Porto Alegre (RS), Brasil.
ernoharz@terra.com.br
ABSTRACT The Unified Health System (SUS), Brazil’s National Health Care System, has achieved
3 Mestre em Saúde many results, however, the rapidly aging population, the transition of the epidemiological profile
Pública pela Universidade
Federal de Santa Catarina and the set of socioeconomic changes in recent years proposed new challenges for the SUS. Among
– Florianópolis (SC), them, it’s possible to highlight the care of people with chronic diseases and the tensioning that
Brasil. Especialista em
Políticas Públicas e this kind of patient creates in the health system. These tensions are related to macro-organization
Gestão Governamental aspects (shared management, regulation, regionalization) and also to the micro-organization
da Coordenação Geral
de Atenção às Pessoas aspects, those related to the work of the teams responsible for the care. Thus, this article aims to
com Doenças Crônicas, reflect on: the process of formation of regionalized Health Care Networks; the role of the states;
Departamento de Atenção
Especializada e Temática, the strengthening of Primary Health Care (APS); and the role of APS in the care of people with
Secretaria de Atenção à chronic diseases. To do so, it describes and discusses the actions of the Ministry of Health, in
Saúde, Ministério da Saúde
– Brasília (DF), Brasil. recent years, to meet the theme: the care of people with chronic diseases.
heide.gauche@saude.gov.br
4 Doutora em Saúde KEYWORDS Health Care Networks; Primary Health Care; Chronic diseases; Regional health
Coletiva pela Universidade planning.
Estadual de Campinas
– Campinas (SP), Brasil.
Diretora de Atenção
Especializada e Temática
da Secretaria de Atenção à
Saúde, Ministério da Saúde
– Brasília (DF), Brasil.
leda.vasconcelos@saude.gov.br
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Pessoas com doenças crônicas, as redes de atenção e a Atenção Primária à Saúde 115
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116 CHUEIRI, P. S.; HARZHEIM, E.; GAUCHE, H.; VASCONCELOS, L. L. C.
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Pessoas com doenças crônicas, as redes de atenção e a Atenção Primária à Saúde 117
nocivo de álcool, inatividade física, alimenta- ter longa duração e forte inter-relação com os
ção inadequada e obesidade), e trabalha com hábitos de vida das pessoas, exige do sistema
três eixos: (a) vigilância, informação, avalia- de saúde uma nova organização. Exige a
ção e monitoramento, (b) promoção da saúde adoção de um modelo de atenção que dê conta
e (c) cuidado integral (BRASIL, 2011a). de um cuidado coordenado, continuado, orga-
Além da RASPCD, o MS também desen- nizado, proativo, integrado e que ainda tenha
volveu outras estratégias para o cuidado in- capacidade de apoiar a pessoa nas mudanças
tegral e a promoção da saúde, relacionadas de vida que a doença ‘pede’ e que o indivíduo
às doenças crônicas. São elas: o Programa deseja (MENDES, 2012). Este cuidado deve ser
Academia da Saúde, que trabalha com o principalmente realizado pela e na atenção
enfoque da promoção, da prevenção e da re- primária (AP).
abilitação; o Programa Saúde na Escola, que Além das necessárias mudanças na lógica
nos últimos anos teve como temas centrais do cuidado cotidiano das pessoas com doenças
a obesidade e a prática de atividade física; e crônicas descritas acima, estas doenças de-
efetuou uma revisão da portaria que regula- mandam também organização regional da
menta a atenção no Programa Nacional de atenção à saúde. Pois para que a APS tenha
Controle do Tabagismo (Portaria nº 571, de a resolutividade imprescindível ao seu papel
05 de abril de 2013), possibilitando ampliação nesta rede de atenção à saúde - RASPDC, ela
importante do acesso do usuário ao tratamen- obrigatoriamente necessitará de apoio diag-
to do tabagismo na Atenção Primária à Saúde nóstico e terapêutico dos pontos de atenção
– passando de 2000 equipes de Atenção Básica especializados (ambulatoriais e hospitalares).
cadastradas para mais de 20 mil equipes, que Assim, o cuidado integral de pessoas com
se comprometeram através do PMAQ a rea- doenças crônicas coloca no centro do debate
lizar ações para a abordagem do tabagista. a questão da regionalização do SUS.
Essas equipes, além de ofertar o tratamento, A necessidade de organizar a atenção à
passam a ter acesso às medicações que contri- saúde na região, a fim de garantir a integra-
buem para a cessação do hábito. lidade e a equidade do cuidado da pessoa
Frente aos desafios impostos por esse novo com doença crônica, impulsiona o avanço da
perfil epidemiológico do Brasil, ao atual con- regionalização, ao mesmo tempo que a rede
texto organizacional do SUS e às estratégias organizada seria o produto concreto desse
lançadas pelo MS nos últimos anos, este artigo processo político de regionalização amadu-
tem como objetivo refletir sobre dois grandes recido. Desse modo, o desenvolvimento da
temas que são transversais a essas questões. rede regionalizada de atenção à saúde para as
São eles: a implementação da RASPCD e o pessoas com doenças crônicas e a regionaliza-
papel da atenção primária no cuidado das ção do SUS são processos interdependentes.
pessoas com condições/doenças crônicas. Cabe ressaltar que, além da evolução das
normas e diretrizes que o Brasil vem apresen-
tando para a organização das RAS e para a re-
Desafios para a gionalização, é preciso uma mudança cultural
implantação da RASPDC da gestão no País. Por ser, neste momento, a
gestão locorrregional caracterizada pela com-
– regionalização, petitividade entre os municípios, é preciso
fortalecimento da Atenção caminhar para a gestão cooperativa entre mu-
Primária à Saúde e nicípios e entre estados e municípios, a fim
financiamento de possibilitar a concretização das Redes de
Atenção à Saúde (SANTOS, 2013).
Esta característica da doença crônica, de Neste sentido, para de fato o SUS avançar
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118 CHUEIRI, P. S.; HARZHEIM, E.; GAUCHE, H.; VASCONCELOS, L. L. C.
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Pessoas com doenças crônicas, as redes de atenção e a Atenção Primária à Saúde 119
permanece baseado na produção de ações e Para ter resolutividade, ela tem que atender
serviços, contudo, avança como proposta con- com efetividade aos problemas mais comuns
creta de mudança do modelo de atenção para da sua população. Para ser a ordenadora da
a atenção ambulatorial especializada. RAS, precisa conhecer sua população, saber
O avanço na forma de financiamento não de suas necessidades e organizar o acesso
foi possível, entre outros motivos, em decor- aos outros pontos de atenção. Por fim, para
rência das dificuldades para o monitoramen- exercer a coordenação do cuidado individual,
to, o controle e a avaliação através dos atuais precisa trabalhar como centro de comunica-
sistemas de informação do País. Apesar disso, ção da RAS, compartilhando o cuidado com
o futuro indica que será possível a proposi- os outros serviços da rede (STARFIELD, 2002; BRASIL,
ção de outra forma de financiamento com 2012; HARZHEIM, 2011; MENDES, 2011).
o avanço dos sistemas de informação, a im- Para que o fortalecimento da APS aconte-
plantação do cartão SUS e a organização dos ça, é preciso que, antes, alguns desafios sejam
contratos organizativos de ações públicas da superados, tais como: ampliar a formação de
saúde. profissionais especialistas em APS; melhorar
Além destes dois pontos: mudança na a distribuição e a fixação de profissionais;
lógica do cuidado cotidiano e revisão do papel ‘estender a efetividade clínica das equipes’,
do estado na regionalização e na regulação, com Educação Permanente e adensamento
as doenças crônicas tensionam o sistema tecnológico das Unidades Básicas de Saúde;
para um fortalecimento da atenção primária possuir sistemas de informação que facilitem
como principal locus de cuidado da popula- a coordenação do cuidado e aumentar subs-
ção. Exigindo um verdadeiro adensamento tancialmente o financiamento para a APS
tecnológico da APS, a fim de que esta tenha (BRASIL, 2003).
a resolutividade esperada e necessária, e Além dessas questões estruturantes, o País
colocando-a em outro patamar, ampliando precisa definir qual é a carteira de serviços
sua responsabilidade para além do cuidado mínima esperada da APS brasileira (saúde
materno infantil, do cuidado de doenças in- da família). A construção da Renases foi um
fectocontagiosas e da prevenção e promoção primeiro passo, porém, ainda muito tímido.
da saúde. A Atenção Primária à Saúde passa Há necessidade de ampliar a discussão e de-
a ocupar uma posição central na organização marcar o que se espera dessa equipe multi-
das redes, tornando seu fortalecimento um profissional em termos de responsabilidades
elemento essencial para a concretização do e resolutividade. Em um primeiro momento,
cuidado resolutivo de pessoas com doenças talvez haja necessidade de criar três ou mais
crônicas. tipos de carteiras de serviços, que poderiam
A APS, dentro de um sistema organizado ser escolhidas pelos gestores municipais de
na lógica das redes, é responsável pela saúde acordo com a realidade de cada município,
integral de sua população, devendo cumprir para, no futuro, termos um padrão mínimo
os seus atributos essenciais (acesso de pri- exigido da APS brasileira.
meiro contato, integralidade, longitudinalida- Essa definição de carteira de serviços deve
de e coordenação) e exercer plenamente suas ter correspondência com uma infraestrutu-
funções na RAS (ser a base do sistema, ser ra física e de densidade tecnológica à qual
resolutiva, ser coordenadora do cuidado in- cada equipe deve ter acesso na sua própria
dividual e ordenadora da RAS) (STARFIELD, 2002; Unidade Básica de Saúde. O financiamento
BRASIL, 2012; HARZHEIM, 2011; MENDES, 2011). da APS seria baseado, entre outros pilares,
Para ser a base do sistema, é necessário que nessa carteira de serviços ou na capacidade
a APS seja um ponto de atenção forte, estru- resolutiva.
turado e capilarizado por todo o território. Sem a resolução de todas essas questões,
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120 CHUEIRI, P. S.; HARZHEIM, E.; GAUCHE, H.; VASCONCELOS, L. L. C.
dificilmente a APS vai alcançar grande legi- são as muitas desigualdades regionais exis-
timidade perante a sociedade brasileira, e o tentes, relativas não só às questões da saúde
passo anterior para isso é conquistar credibi- (ao acesso e à integralidade das ações), mas
lidade suficiente com os gestores do SUS, para também ao desenvolvimento global das
que estes propiciem as condições necessárias regiões. (SILVA, 2013; GIOVANELLA et al., 2012). Isso
para a consolidação. agrega mais um fator complicador para as
A questão do financiamento, colocada políticas públicas federais, que devem ser fle-
neste texto como o terceiro grande desafio xíveis o suficiente para que possam tratar di-
para a implantação da RASPDC, diz respei- versificadamente de cada realidade/região do
to à garantia de financiamento adequado à País, mas não tão flexíveis a ponto de impedir
opção da sociedade brasileira por um sistema a definição de diretrizes comuns para termos
de saúde público e universal, atualmente um sistema de saúde verdadeiramente único
baseado na Atenção Primária à Saúde. Esse em todo o Brasil.
ponto inclui as discussões relacionadas ao
orçamento público destinado ao SUS, à regu-
lação dos serviços privados, ao gasto privado Cuidado coordenado,
com saúde (e sua relação com a carga tribu- continuado, organizado,
tária brasileira) e à contradição da oferta de
planos privados de saúde para servidores pú-
integrado e proativo – papel
blicos (GIOVANELLA et al., 2012; LEVCOVITZ, 2001). da APS na rede de cuidado
A respeito do financiamento, se ainda se das pessoas com doenças
considerar que, além do recurso finito, houve crônicas
aumento dos custos, com a incorporação de
novas tecnologias, relacionado, principal- Coordenação do cuidado é um conceito
mente, ao predomínio das doenças crônicas complexo, que tem inter-relação com outros
no perfil epidemiológico, e que ainda há ex- conceitos em saúde, mas podemos tradu-
cessiva oferta de ações e serviços de saúde de zir como uma organização deliberada de
forma indiscriminada (baseada na oferta e cuidado individual, centrada na pessoa, que
não nas necessidades de saúde), fica evidente possibilita, principalmente, integração e
a obrigação das gestões de ampliar a relação continuidade das várias ações de saúde pres-
custo-efetividade dos serviços de saúde utili- tadas nos diferentes serviços do sistema de
zando, de forma mais corriqueira, os conceitos saúde (MCDONALDS, 2010).
de escala, escopo e acesso na organização das A coordenação tem dois componentes
linhas de cuidado. Mais uma vez, a regionali- básicos: a transferência ou o acesso à infor-
zação pode se colocar como parte da solução mação (sistemas informatizados, prontuários
do problema, aliada à mudança da cultura or- compartilhados, eletrônicos ou não, sistemas
ganizacional, como citado anteriormente. de comunicação entre os pontos de atenção:
Contudo, as portarias que versam sobre as discussão de casos, gestão da clínica, cuidado
redes temáticas, pactuadas de forma tripar- compartilhado) e o reconhecimento das in-
tite, ainda não trazem grandes avanços nas formações necessárias para o presente aten-
questões referentes ao planejamento (neces- dimento (continuidade dos profissionais, lista
sidade de saúde local, regulação etc.) e ao de problemas, classificação de riscos, lista de
financiamento regionais, avanços esses que medicamentos em uso, exames solicitados
possam de fato incentivar tanto a mudança de etc.) (STARFIELD, 2002).
papel dos estados como a cooperação entre os Além de reconhecer quais informações
entes federados. são importantes para o cuidado, é preciso
Outro ponto que dificulta a regionalização também conhecer e guiar o caminho que o
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 114-124, out 2014
Pessoas com doenças crônicas, as redes de atenção e a Atenção Primária à Saúde 121
usuário deve percorrer na rede de atenção, sentido para a pessoa portadora de doença
para garantir um cuidado integral de quali- crônica, já que ela, naquele momento, geral-
dade. Portanto, coordenar o cuidado implica, mente, está assintomática.
também, garantir que o paciente receba em O cuidado de pessoas com doenças crôni-
outros pontos de atenção o cuidado de que cas, sim, precisa ser planejado, porém, há de
necessita, englobando na sua concretização a se chegar a um equilíbrio difícil entre organi-
continuidade do cuidado e exercendo outros zar o cuidado de acordo com as ‘necessidades’
atributos, como o acesso, a integralidade e a das doenças crônicas (verificação do contro-
responsabilidade pelo cuidado de uma comu- le metabólico, realização de exames físicos,
nidade (MENDES, 2011; STARFIELD, 2002). laboratoriais e propedêuticos periódicos,
Neste sentido, a organização, pela gestão acompanhamento da adesão ao tratamento
estadual, em parceria com os municípios, de e da manutenção das mudanças de hábitos) e
linhas de cuidado temáticas e de regras de as necessidades da pessoa, ofertando acesso
acesso aos outros pontos de atenção (regula- amplo e irrestrito sempre que solicitado.
ção) são de grande importância para apoiar as Além de buscar o equilíbrio entre o acesso
equipes de APS nessa tarefa. e a organização da atenção, as equipes de APS
A coordenação do cuidado individual precisam estar familiarizadas com as tecnolo-
como estratégia de cuidado é vista na gias e os conhecimentos (advindos, em geral,
literatura como uma habilidade essencial dos campos da psicologia e da antropologia)
para que os profissionais de saúde da APS necessários para sua atuação junto aos usu-
cuidem de pacientes com doenças crônicas ários na orientação da mudança de hábitos
(HOFMARCHER et al., 2007). Ela auxilia a equipe e na adesão ao tratamento, itens fundamen-
na prevenção quaternária, já que pode evitar tais para o cuidado de pessoas portadoras de
novas solicitações de exames e interações doenças crônicas. Precisam, ainda, estar aptas
medicamentosas, assim como diminuir erros a apoiar mudanças, não apenas individuais,
e complicações. A coordenação é também mas, também, familiares. Por exemplo, diante
importante economicamente, pois pode evitar do surgimento de um novo contexto, quando
gastos desnecessários, tanto para o sistema de um membro da família deixa de exercer
saúde como para a própria pessoa. alguma função devido a uma doença crônica.
Com relação à organização e à proatividade Nesse sentido, as equipes multiprofissionais
da equipe de APS no cuidado de pessoas com (no Brasil, representadas na APS pelos Núcleos
doenças crônicas, pode-se dizer que o modelo de Apoio à Saúde da Família) precisam exercer
vigente, que utiliza propostas de cuidado forma- suas habilidades entrando de fato no círculo
tadas a priori, não tem obtido sucesso em suas do cuidado das pessoas com doenças crônicas
condutas por não conseguir chegar até a neces- com atenção direta ao usuário, já que aquelas
sidade de cada indivíduo (MALTA; MERHY, 2010) detêm as habilidades e os conhecimentos ne-
Isso fica evidente com o elevado absente- cessários para atuar em questões como, por
ísmo nas chamadas consultas de rotina/con- exemplo: adesão ao tratamento, reabilitação,
trole, evidenciando que quando uma equipe adaptação individual e familiar a um novo con-
prioriza a sua ‘própria’ lógica (lógica da texto, entre outras situações.
doença), em vez da necessidade do paciente Essas são algumas das mudanças de pa-
(a prevenção/continuidade do cuidado frente radigma que a doença crônica demanda do
ao sofrimento atual), e quando amplia o processo de trabalho das equipes de APS, pois
número de consultas de rotina em detrimen- exigem alta resolutividade, com amplo es-
to da oferta de atenção, quando solicitada de pectro de atuação, e isso exige trabalho mul-
maneira espontânea pelo usuário, a tendência tiprofissional e uso de diferentes densidades
é de que aquela consulta de rotina não faça tecnológicas.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 114-124, OUT 2014
122 CHUEIRI, P. S.; HARZHEIM, E.; GAUCHE, H.; VASCONCELOS, L. L. C.
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artigo original | original article 125
Alzira de Oliveira Jorge1, Ana Augusta Pires Coutinho2, Ana Paula Silva Cavalcante3, Andersom
Messias Silva Fagundes4, Cláudia Carvalho Pequeno5, Maria do Carmo6, Paulo de Tarso Monteiro
Abrahão7
1Doutora em Saúde
Coletiva pela Universidade
Estadual de Campinas
(Unicamp) – Campinas
(SP), Brasil. Professora da
Faculdade de Medicina da RESUMO Este artigo descreve e analisa o processo de implementação da Rede de Atenção
Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG)- às Urgências e Emergências (RUE) nas regiões de saúde brasileiras, buscando identificar os
Belo Horizonte (MG), fatores facilitadores e dificultadores da sua efetivação, de modo a contribuir com a avaliação
Brasil.
alzira.o.jorge@gmail.com desta política. A implantação das redes de atenção é uma iniciativa federal apoiada pelos
gestores estaduais e municipais com vistas à maior integração entre os serviços de saúde no
2 Doutora em Ciências da
Saúde pela Universidade nível regional, objetivando a integralidade da atenção. Conclui-se que, em relação à RUE,
Federal de Minas avanços têm sido alcançados em vários dos seus componentes, mas há ainda importantes
Gerais (UFMG) – Belo
Horizonte (MG), Brasil. desafios a serem enfrentados para a garantia de uma atenção às urgências integral, ágil e
Coordenadora do Programa oportuna.
SOS Emergências do
Departamento de Atenção
Hospitalar e Urgências PALAVRAS-CHAVE Emergências; Sistemas de saúde; Gestão em saúde; Gestão hospitalar;
da Secretaria de Atenção
à Saúde do Ministério Gerenciamento clínico; Redes de saúde comunitária.
da Saúde – Brasília (DF),
Brasil.
ana.coutinho@saude.gov.br ABSTRACT This article describes and analyzes the implementation of Urgencies and Emergencies
3 Mestre em Saúde
Attention Network (RUE) in Brazilian health regions, focusing on identifying the facilitating
Coletiva pela Universidade and complicating factors to its effectuation, in a contributing way to this policy evaluation. The
do Estado do Rio de Janeiro implementation of attention networks is a federal initiative supported by state and municipal
(Uerj) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil. Mestre em managers, aiming on a better integration between health services in a regional level, having
Gestão de Tecnologias em attention integrality as goal. About the RUE, it is concluded that advances are being achieved
Saúde pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro in several of its components, but there are still important challenges to be tackled in order to
(Uerj) – Rio de Janeiro guaranteeing integral agile and convenient attention to urgencies.
(RJ), Brasil. Coordenadora
da Coordenação Geral de
Atenção Hospitalar do KEYWORDS Emergencies; Health systems; Health management; Hospital administration;
Departamento de Atenção
Hospitalar e Urgências Disease management; Community networks.
da Secretaria de Atenção
à Saúde do Ministério
da Saúde – Brasília (DF),
Brasil.
anapaula.cavalcante@saude.
gov.br
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 125-145, OUT 2014
126 JORGE, A. O.; COUTINHO, A. A. P.; CAVALCANTE, A. P. S.; FAGUNDES, A. M. S.; PEQUENO, C. C.; CARMO, M.; ABRAHÃO, P. T. M.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 125-145, out 2014
Entendendo os desafios para a implementação da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Brasil: uma análise crítica 127
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 125-145, OUT 2014
128 JORGE, A. O.; COUTINHO, A. A. P.; CAVALCANTE, A. P. S.; FAGUNDES, A. M. S.; PEQUENO, C. C.; CARMO, M.; ABRAHÃO, P. T. M.
se constitui como única alternativa para uma com as diretrizes da Organização Mundial
atenção ágil e oportuna às diversificadas de Saúde e aborda os quatro principais
situações de urgência e emergências, com fatores de risco modificáveis – tabagismo,
melhora da efetividade. alimentação inadequada, inatividade física e
A integração entre as três esferas de consumo abusivo de bebidas alcoólicas, que
gestão do SUS é imprescindível para que são responsáveis por grande parte da carga
a RUE possa ser, de fato, implementada. E de DCNT, em especial, quatro delas: cardio-
deve ser construída de forma cooperativa e vasculares, cânceres, diabetes e respiratórias
solidária. Desse modo, a Portaria nº 1.600, crônicas (WHO, 2011). O Plano de DCNT funda-
de 2011 (BRASIL, 2011a), prevê um Plano de Ação menta-se no delineamento de três principais
Regional coordenado por um grupo condutor diretrizes ou eixos: 1) vigilância, informação,
estadual e composto pelos diversos atores avaliação e monitoramento; 2) promoção da
da região de saúde, pautado por critérios saúde; e 3) cuidado integral. Para isso, diver-
técnicos, epidemiológicos e demográficos, e sas ações foram implantadas nos três eixos
voltado para as necessidades populacionais (MALTA; SILVA JÚNIOR, 2013).
de cada território. O PAR deve ser aprovado Em relação aos eixos de Vigilância e de
na Comissão Intergestores Bipartite, desse Promoção, diversas pesquisas foram condu-
modo, legitimando a proposta e o plane- zidas, destacando-se a realização da Pesquisa
jamento para a organização da rede. É Nacional de Saúde (PNS), que é uma pesquisa
importante, ainda, a participação de atores de de base domiciliar, de âmbito nacional, reali-
outros segmentos sociais para a proposição zada em parceria com o Instituto Brasileiro
de políticas públicas efetivas e eficientes, de Geografia e Estatística, no ano de 2013.
como conselhos de saúde, gestores, traba- Essa pesquisa inseriu diversos temas sobre
lhadores, prestadores, usuários, conselhos fatores de risco cardiovasculares, que serão
profissionais, instituições de ensino e fundamentais na vigilância e na prevenção
assistência social, entre outros. de DCNT e doenças cardiovasculares.
A seguir, serão detalhados os avanços e as Reconhecendo os acidentes e a violência
perspectivas dos diversos componentes da (causas externas) como importantes proble-
RUE, quais sejam: I. Promoção, Prevenção mas de saúde pública, e que exercem grande
e Vigilância à Saúde; II. Atenção Básica em impacto social e econômico, sobretudo no setor
Saúde; III. Serviço de Atendimento Móvel saúde e na atenção às urgências e emergências,
de Urgência (Samu 192) e suas Centrais de o Ministério da Saúde apresentou proposta de
Regulação; IV. Sala de Estabilização; VI. intervenções desde a implantação da Política
Unidades de Pronto Atendimento (UPA Nacional de Redução da Morbimortalidade
24h) e o Conjunto de Serviços de Urgência por Acidentes e Violências, em 2001, rea-
24 horas; VII. Atenção Hospitalar; VIII. firmada depois com a Política Nacional de
Atenção Domiciliar; e V. Força Nacional de Promoção da Saúde, em 2006, tais como: a
Saúde do SUS. criação da Rede Nacional de Prevenção das
Considerando o panorama epidemiológi- Violências e Promoção da Saúde, a implanta-
co e econômico das Doenças Crônicas Não ção da Vigilância de Violências e Acidentes, e o
Transmissíveis (DCNT) no País, e a partir da Projeto Vida no Trânsito.
necessidade de intervir sob a perspectiva da Cada um desses componentes da RUE se
promoção, prevenção e vigilância sobre esta constitui em um universo particular, com
situação de saúde, o Ministério da Saúde co- seus variados desafios e peculiaridades.
ordenou o processo de elaboração do Plano Entretanto, a despeito da diversidade, todos
de Estratégias de Enfrentamento das DCNT esses componentes devem estar assentados
no Brasil, 2011-2022. Este plano está alinhado em uma Atenção Básica de Saúde (ABS)
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 125-145, out 2014
Entendendo os desafios para a implementação da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Brasil: uma análise crítica 129
resolutiva, que tem papel fundamental para contribuir para a promoção da saúde e de
a organização e o funcionamento das Redes modos de vida saudáveis da população, a
de Atenção à Saúde em geral e da RUE, em partir da implantação de polos com infra-
particular. Para o funcionamento harmônico estrutura e profissionais qualificados, nas
e integrado das redes, a ABS deve ser resolu- quais podem ser desenvolvidas as seguintes
tiva, identificando os riscos, necessidades e atividades: práticas corporais e atividades
demandas de saúde, por meio de uma clínica físicas, promoção da alimentação saudável,
ampliada com o objetivo de aumentar o educação em saúde e produção de modos
grau de autonomia dos indivíduos e grupos de vida saudável, entre outras (JAIME et al., 2013;
sociais. Deve, ainda, coordenar o cuidado, LEE et al., 2012). As Academias da Saúde podem
elaborando, acompanhando e gerindo proje- contribuir para a prevenção, o tratamento
tos terapêuticos, bem como acompanhando e a reabilitação de doenças cárdio e cere-
e organizando o fluxo dos usuários entre os brovasculares. Todos os estados brasileiros
pontos de atenção das RAS. possuem o Programa Academia da Saúde.
Além disso, a Atenção Básica (AB) deve Atualmente, são 3.725 polos em mais de
atender às urgências por demanda espontâ- 2.700 municípios do Brasil. Destes, mais de
nea em ambiente adequado, até a transferên- 500 já estão concluídos e mais de mil já ini-
cia ou o encaminhamento a outros pontos de ciaram suas obras (BRASIL, 2011b).
atenção, quando necessário. Os pilares am- A questão do planejamento loco-regional
biente adequado, Educação Permanente das por meio de um plano de ação tem induzi-
equipes e implantação de acolhimento com do, mesmo que ainda de forma tímida, a
avaliação de riscos e vulnerabilidades são uma avaliação mais criteriosa das condições
pressupostos para que a AB possa cumprir seu de saúde de uma dada população específi-
papel na atenção a essas situações de urgên- ca, bem como da capacidade instalada dos
cia. A Sala de Observação enquanto ambiente serviços de urgência, sua resolutividade e
da Unidade Básica de Saúde (UBS) destinado integração. Os PAR detalham, além do diag-
ao atendimento de pacientes em regime am- nóstico de saúde da região, o planejamento
bulatorial, com necessidade de observação para qualificação e ampliação de cada um
em casos de urgência/emergência, deve se es- dos componentes da RUE, com um crono-
truturar como um ponto de atenção da RUE e grama a ser cumprido. De outubro de 2011
se constituir como uma forma efetiva de cui- a abril de 2014, foram publicados 45 Planos
dados qualificados das situações de urgência de Ação Regional da Rede de Atenção às
e emergências nestas unidades. Urgências e Emergências, com uma cober-
Vários movimentos têm sido empreendi- tura populacional de 107.293.349 habitantes
dos, buscando qualificar a Atenção Básica, (56,25% da população brasileira), contem-
como o Programa Academia da Saúde, plando aproximadamente 1.860 municípios
novo espaço da AB que tem como objetivo nas 26 Unidades Federativas (UF) (tabela 1).
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 125-145, OUT 2014
130 JORGE, A. O.; COUTINHO, A. A. P.; CAVALCANTE, A. P. S.; FAGUNDES, A. M. S.; PEQUENO, C. C.; CARMO, M.; ABRAHÃO, P. T. M.
AC 1 1
AL 1 1
AP 1 1
AM 2 2
BA 1 1 2
CE 1 1 2
ES 1 1
GO 1 1
MA 1 2 1 4
MG 1 1 2
MS 1 2 3
MT 1 1
PA 1 1
PB 1 1
PE 1 1 2
PI 1 1
PR 1 1 2
RJ 1 1
RN 1 1
RO 1 1
RR 1 1
RS 1 1
SC 3 1 4
SP 3 2 1 6
SE 1 1
TO 1 1
Total 2 27 13 3 45
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 125-145, out 2014
Entendendo os desafios para a implementação da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Brasil: uma análise crítica 131
Tabela 2. Recursos imediatos incorporados aos tetos dos estados e municípios referentes aos PAR RUE de 2011 a 2014 (em R$)
Estado PAR 2011 - Imediato PAR 2012 - Imediato PAR 2013 - Imediato PAR 2014 - Imediato
Acre 4.616.350,08
Região de Macéio e Arapiraca - AL 21.761.809,60
Amapá 17.136.875,00
Região Alto Solimões - AM 1.727.702,40
RM Manaus - AM 23.900.314,56
RM Salvador Ampliada - BA 74.915.385,24
Região Sul da Bahia 8.321.890,56
RM Fortaleza Ampliada - CE 68.143.902,88
Sobral - CE 13.927.159,68
RM Vitória - ES 46.712.538,40
RM Goiânia - GO 30.697.018,36
RM São Luis - MA 9.404.726,40
Região de Codó - MA 15.926.900,00
Região de Imperatriz - MA 18.062.637,08
Região de Açailandia - MA 1.200.000,00
RM Belo Horizonte Ampliada - MG 33.047.925,56
Macro Norte MG 26.180.376,40
Região de Campo Grande e Corumbá - MS 25.096.159,68
Macro Dourados - MS 17.235.482,28
Macro Três lagoas - MS 5.219.948,84
Baixada Cuiabana - MT 79.256.911,23
Pará 79.883.570,84
RM João Pessoa- PB 14.638.512,00
RM Recife - PE 112.673.598,57
Região de Petrolina - PE 8.071.754,88
Região Entre Rios - PI 9.496.414,40
RM Curitiba - PR 73.208.155,00
Região Norte - PR 35.221.591,50
RM I e II - RJ 75.674.375,00
RM Natal - RN 86.271.234,40
Região de Porto Velho e Vilhena - RO 23.922.203,72
Roraíma 9.959.011,92
RM Porto Alegre Ampliada - RS 93.273.538,32
RM Florianopólis - SC 19.771.766,88
Região Norte e Nordeste - SC 25.284.241,88
Serra Catarinense; Grande oeste; Meio Oeste; 73.704.301,17
Vale do Itajaí; Sul; Foz do Rio Itajai - SC
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 125-145, OUT 2014
132 JORGE, A. O.; COUTINHO, A. A. P.; CAVALCANTE, A. P. S.; FAGUNDES, A. M. S.; PEQUENO, C. C.; CARMO, M.; ABRAHÃO, P. T. M.
Além dos recursos já citados, outros foram aumentou em 38%, passando de 1.992 (2010)
incorporados aos tetos na medida em que para 2.741 (2013). No mesmo período, houve
foram sendo realizadas as habilitações de um aumento nas unidades móveis, passando
novos leitos e/ou qualificações nas diversas de 1.912 unidades, em 2010 (1.518 de suporte
tipologias, habilitações e/ou qualificações de básico e 394 de suporte avançado), para
UPA e Samu previstas nos PAR. 2.867 unidades, em 2013 (2.302 de suporte
As situações clínicas que demandam básico e 565 de suporte avançado).
atenção de urgência e emergência são tão va- A constatação da necessidade de regio-
riadas, que necessitam, por sua vez, de abor- nalizar e qualificar o Samu 192 redundou
dagens diferentes, nos diversos níveis do na decisão de incrementar o seu custeio em
sistema e em diferentes pontos de atenção 19%, totalizando R$ 140,2 milhões para toda
com adensamentos tecnológicos variados. a rede, passando dos R$ 744 milhões pla-
Desse modo, o atendimento rápido e a trans- nejados para 2013, para R$ 884,2 milhões.
ferência segura são fundamentais para o Além disso, também as Unidades de Suporte
‘caminhar’ seguro do usuário pela Rede de Avançado e Aéreo habilitadas tiveram acrés-
Atenção à Saúde (RAS), notadamente nas cimos em seu custeio, passando de R$ 27,5
situações que impliquem em sofrimento, se- mil para R$ 38,5 mil por mês, acrescidos de
quelas ou mesmo morte, caso o atendimento 30% na Amazônia Legal. Os valores de in-
não ocorra em tempo oportuno. Para isso, o vestimento para construção, equipamentos,
Samu 192 é o componente assistencial móvel mobiliário, destinados à ampliação de cen-
da Rede de Atenção às Urgências, que tem trais de regulação ou à construção de novas
como objetivo chegar precocemente à vítima unidades também foram incrementados.
após ter ocorrido um agravo à sua saúde. O Embora o transporte rápido, eficiente e
serviço é acionado pelo número 192 e conta seguro dos usuários seja um dos pilares de
com Central de Regulação das Urgências e qualquer sistema de atendimento às urgên-
veículos tripulados por equipes capacitadas. cias, no Brasil, ainda convive-se com regiões
Após a criação da RUE em 2011, avanços com grandes vazios assistenciais e com
na cobertura do Samu são visíveis. Entre populações dispersas e rarefeitas. Nessas
2010 e 2013, a população coberta pelo situações, a transferência oportuna é funda-
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência mental, mas não resolve a situação, visto que
(Samu 192) passou de 122,9 milhões (2010) o primeiro atendimento para estabilização
para 140,4 milhões (2013). Já a quantida- do quadro clínico pode ser o determinante
de de municípios com acesso ao serviço para salvar vidas. Dentre as estratégias da
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Entendendo os desafios para a implementação da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Brasil: uma análise crítica 133
RUE, para tais regiões, foram criadas as Salas quais, 192 estão em ação preparatória; 139,
de Estabilização (SE), pela Portaria nº 2.338 em licitação da obra; 144, em obra; e 20, con-
GM/MS, de 2011 (BRASIL, 2011c). As SE devem cluídas e se preparando para a inauguração.
sempre estar articuladas a uma unidade de De forma geral, do planejado entre 2007
saúde já existente e realizar a estabilização e 2014, no momento, 332 UPA 24h se en-
de pacientes críticos, com posterior remoção contram em funcionamento no Brasil,
e encaminhamento para um hospital de refe- sendo todas elas custeadas, majoritamente,
rência regional, para a continuidade do tra- pelo Ministério da Saúde, e outras 73 UPA
tamento. Trata-se de um ponto de atenção foram concluídas e se encontram em fase
muito específico, instalado em um serviço final de preparação para o início do seu
de saúde já existente, em municípios com funcionamento.
menos de 50 mil habitantes, funcionando nas Um dos maiores desafios dessa rede tem
24 horas do dia e com garantia de transporte sido a reorganização da atenção hospitalar
adequado. Tomando por base o mês de abril para as urgências e emergências. O hospi-
de 2014, foram repassados, pelo Ministério tal, historicamente trabalhando de forma
da Saúde, recursos de investimento para isolada e desarticulada dos demais pontos
implantação de 103 Salas de Estabilização. de atenção, conta com uma complexidade e
Destas, apenas cinco entraram em funciona- muitas facetas de difícil mudança, baseado,
mento até o momento. ainda hoje, no trabalho médico e do enfer-
Também o componente UPA 24h foi meiro, e na atenção curativa e dissociada de
revisto a partir das novas diretrizes da RUE. qualquer articulação com as RAS acrescida
Desse modo, em março de 2013, houve rede- de uma busca incessante dos pacientes por
finições para sua implantação por meio da seus cuidados, sendo, muitas vezes, visto
Portaria nº 342/2013 (BRASIL, 2013b). A possibi- como tábua de salvação para todos os pro-
lidade de inclusão no componente UPA, não blemas de saúde.
apenas de unidades novas e recém-construí- Nessa perspectiva, o grande gargalo que se
das, como também a possibilidade de custeio tornou a atenção hospitalar no SUS, em parti-
federal para as chamadas UPA 24h amplia- cular, em relação às urgências e emergências,
das, que são serviços já existentes adaptados com prontos socorros superlotados e com o
às diretrizes para as UPA, se constitui em sofrimento das pessoas em filas e corredores,
uma forma de ampliar o acesso aos serviços tem sido uma das prioridades na RUE, com
e de custear unidades já existentes de forma a configuração de estratégias importantes
mais adequada. para ampliar o acesso e aprimorar a quali-
A meta inicial, entre 2007 e 2010, era de dade, para dar conta do grande número de
construção de 500 UPA 24h. Considerando pacientes que acorrem aos hospitais na es-
o mês de abril de 2014, têm-se 462 propos- perança de verem seus problemas de saúde
tas vigentes de UPA 24h, das quais, 214 estão resolvidos. Trata-se, então, do componente
em funcionamento; 166, em processo de com a maior procura por parte da popula-
construção; e 82, em processo de aquisição ção, que, muitas vezes, superestima o papel
de equipamento e contratação de recursos do hospital na resolução de seus problemas
humanos para o início breve de suas ativida- de saúde. O pronto socorro hospitalar, visto
des. A meta para o período entre 2011 e 2014 como meio mais rápido de atendimento, nem
é de construção de mais 500 UPA. Nesse sempre tem sido resolutivo, tendo em vista
sentido, já foram aprovadas mais UPA pela as deficiências de estrutura física, de equipa-
segunda fase do Programa de Aceleração mentos e na qualificação de pessoas. Pela sua
de Crescimento, 2011/2012 e 2013, e destas, relevância e pela grande deficiência de leitos
495 UPA estão com propostas vigentes, das resolutivos e qualificados no SUS, que deem
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Entendendo os desafios para a implementação da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Brasil: uma análise crítica 135
Componente PAR 2011 PAR 2012 PAR 2013 PAR 2014 Total Descrição
Leitos clínicos novos 343 3.369 1.002 321 5.035 Leitos Pactuados
Leitos clínicos qualificados 83 2.285 725 270 3.363 Leitos Pactuados
Leitos de UTI adulto novos 16 10 30 46 102 Leitos Pactuados e Habilitados,
recebendo incentivo
Leitos de UTI adulto qualificados 253 1.715 1.046 201 3.215 Leitos que já recebem incentivo
Leitos de UTI pediátricos novos 0 0 0 0 0 Leitos Pactuados e Habilitados,
recebendo incentivo
Leitos de UTI pediátricos qualificados 49 297 293 30 669 Leitos que já recebem incentivo
Leitos de cuidado continuado 0 0 88 0 88 Leitos que já recebem incentivo
Leitos de UCO 0 0 120 8 128 Leitos que já recebem incentivo
Leitos de AVC 0 165 0 0 165 Leitos que já recebem incentivo
Entretanto, a partir de criterioso monito- Embora exista uma baixa execução financei-
ramento, iniciado, particularmente, em 2013, ra para as propostas inseridas no sistema, os
onde os hospitais integrantes dos Planos de recursos foram orçamentados e estão dispo-
Ação Regional da RUE com portarias pu- níveis para utilização por parte dos municí-
blicadas foram avaliados, verifica-se que, pios e estados.
apesar de ter sido planejada uma expansão Como forma de qualificação da atenção
significativa, na prática, este aumento real hospitalar na Urgência e Emergência, identifi-
dos leitos tem sido modesto, o que tem difi- cou-se a necessidade de induzir de forma mais
cultado que a assistência progrida para além efetiva a melhoria do atendimento nas portas
de corredores lotados de UPA e prontos so- hospitalares. Desse modo, em novembro de
corros. Tal análise possibilitou estabelecer 2011, foi lançado o Programa SOS Emergências
algumas metas e perspectivas para 2014, e, em seguida, regulamentado pela Portaria
dentre elas, a de qualificar as ações em saúde nº 1.663/12 (BRASIL, 2012a), com o objetivo prin-
nas regiões e, sobretudo, nos estabelecimen- cipal de reduzir tempos de espera e a super-
tos que estão inseridos nos planos de ação, na lotação dos grandes pronto socorros do País.
perspectiva de garantir os critérios de qua- O SOS Emergências é uma ação estratégica
lificação constantes na Portaria do compo- do Ministério da Saúde em conjunto com os
nente hospitalar da RUE – GM/MS 2.395/11 estados, municípios e o Distrito Federal, com a
(BRASIL, 2011d) –, colocando em funcionamento finalidade de atuar de forma mais organizada,
os leitos de retaguarda pactuados. ágil e efetiva sobre a oferta de assistência nas
No ano de 2013, dentre as principais maiores e mais complexas portas de entrada
ações do MS, é importante ressaltar a sen- hospitalares de urgência do País, e assessorar
sibilização dos gestores de estados e mu- tecnicamente a equipe destes hospitais para a
nicípios para que elaborassem projetos de melhoria da gestão e da qualidade do atendi-
qualificação das unidades hospitalares, a mento aos usuários do SUS. O programa está
fim de garantir adequações físicas e melho- implantado em 27 unidades e, em 2014, to-
ria do parque tecnológico dentro da Rede talizará 31 unidades, contemplando todos os
de Atenção às Urgências e Emergências. estados e o Distrito Federal.
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Vale ressaltar os avanços mais relevantes lar do paciente, que recebe o cuidado mais
alcançados pelo programa, que vem se tor- próximo, proporcionando um serviço hu-
nando modelo para o conjunto dos hospitais manizado e acolhedor às pessoas com ne-
integrantes da RUE: a redução da superlo- cessidade de reabilitação motora, cuidados
tação, com diminuição da taxa de ocupação paliativos, pacientes crônicos sem agrava-
das emergências a partir de mecanismos de mento ou em situação pós-cirúrgica, entre
monitoramento do tempo de permanência; a outros. Essa modalidade de atenção, além de
disponibilização de 2.039 leitos de retaguar- melhorar o desempenho dos leitos hospitala-
da para 22 hospitais; a implantação do Núcleo res e possibilitar a desospitalização precoce
Interno de Regulação em todos os hospitais, de pacientes, proporciona mais conforto ao
com melhoria da ocupação dos leitos hospi- usuário e às suas famílias, e um cuidado mais
talares; a especialização de 440 profissionais humanizado e acolhedor.
em Gestão de Emergências no SUS e 7 mil Por fim, o único componente da RUE
em processos assistenciais; a melhoria dos sob gestão do Ministério da Saúde é a Força
fluxos de atendimento, a partir da discussão Nacional do SUS (FN-SUS), componente es-
e da implementação das linhas de cuidado; truturante e humanitário do Sistema Único
e 12 hospitais com contrato de repasse assi- de Saúde, que visa prestar assistência rápida
nados para reforma, sendo quatro com obras e efetiva às populações em território nacio-
iniciadas e 11 hospitais com equipamentos nal e internacional atingidas por catástrofes,
entregues e em funcionamento, além 24 pro- epidemias ou crises assistenciais que justi-
postas de convênio com o Fundo Nacional de fiquem seu acionamento, em apoio à gestão
Saúde em 2013 empenhadas para recomposi- local, com ações de orientação, monitora-
ção tecnológica no valor de 52 milhões. mento e assistência, atuando em estruturas
Outro componente importante da RUE, do sistema de saúde em articulação com os
que é transversal a todas as redes temáti- entes federados.
cas, mas de fundamental importância para A FN-SUS foi criada através de Decreto
o aumento da rotatividade dos leitos hospi- Presidencial nº 7.616, de 2011 (BRASIL, 2011e), e
talares, é a Atenção Domiciliar, o Programa atualmente conta com 12.869 profissionais
Melhor em Casa, lançado em outubro de voluntários cadastrados. Já atuou em 23
2011. Com diversas alterações e expansão ao missões, com atendimento a vítimas de en-
longo do tempo, teve sua última atualização chentes e desastres naturais, enviando pro-
feita pela Portaria GM/MS 963, de maio de fissionais, equipamentos e disponibilizando
2013 (BRASIL, 2013c), na qual o programa foi uni- tecnologia de processos de trabalho nesse
versalizado, possibilitando a adesão de todos tipo de catástrofe. Também apoiou a gestão
os municípios brasileiros. de grandes eventos corridos no País, além de
O Melhor em Casa constitui uma nova ter antecipado a liberação de R$ 13 milhões
modalidade de atenção à saúde prestada em para as áreas atingidas por enchentes no Rio
domicílio, substitutiva ou complementar às de Janeiro. Uma das missões mais expressi-
já existentes, fundamental em um contexto vas da Força se deu em apoio às vítimas do
de progressivo envelhecimento populacio- incêndio ocorrido em Santa Maria (RS), no
nal e do aumento de DCNT (BRASIL, 2012b). Até dia 27 de janeiro de 2013, com o envio de
abril de 2014, o Melhor em Casa possuía equipamentos e materiais para cuidado in-
1.309 equipes já aprovadas em 26 estados tensivo, ambulâncias, antídotos específicos
brasileiros e, dessas, 554 em funcionamento, para intoxicação, além de 120 profissionais,
em 24 UF, com uma cobertura populacio- dentre eles, psiquiatras e psicólogos para
nal de cerca de 36,5 milhões de pessoas. A atendimento às vítimas e seus familiares.
assistência multiprofissional é realizada no Os profissionais voluntários da FN-SUS
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têm sido capacitados periodicamente e, dos nos sistemas locais e estaduais de saúde,
12.869 profissionais, 1.470 já foram capacita- especialmente, para a RUE.
dos para cuidados de vítimas em desastres.
Em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, 3. Apesar de o Samu 192 já contar com uma
foi iniciada uma segunda fase de capacita- significativa cobertura populacional no
ção de 980 profissionais voluntários, entre País, após a RUE, observou-se, não apenas
agosto de 2013 e junho de 2014, com 80 vagas sua ampliação de acesso, com o cresci-
para cada uma das 12 cidades-sede da Copa mento do número de unidades móveis e
do Mundo. de centrais de regulação, como também
a qualificação do serviço, com Educação
Permanente dos profissionais e indução
Reflexão crítica sobre os à regionalização. Resta, ainda, o desafio
avanços e desafios para a da ampliação da cobertura para as regiões
mais remotas e de difícil acesso do País.
implantação da RUE no país
4. A Sala de Estabilização é um compo-
Ao olhar para os resultados relativos à im- nente ainda em discussão e não plenamen-
plementação da RUE encontrados até o te incorporado como estratégico para a
momento, vale destacar: RUE, visto que o desafio da cobertura dos
vazios assistenciais, embora com pequenos
1. No componente promoção, prevenção e avanços, ainda precisa ser superado em
vigilância à saúde, apesar de várias inicia- grande parte do território brasileiro. A falta
tivas terem sido começadas antes de 2011, do profissional médico nos municípios de
a implantação da RUE e a necessidade de pequeno porte e de difícil acesso, o custo
intervir sobre as DCNT, os acidentes e as da contrapartida dos demais entes para
violências têm demonstrado ser importan- implantação e custeio das SE, a dificuldade
tes reforços, o que induziu à ampliação e à de articulação e acesso aos serviços de re-
extensão dessas ações. taguarda hospitalar, bem como a pactuação
ainda em curso dos componentes da RUE
2. Tem sido empreendido grande esforço nas diferentes regiões são problemas que
governamental para que a Atenção Básica, ainda necessitam ser superados, a fim de
alicerce de toda a RAS, alcance o papel de garantir o acesso aos serviços de urgência a
relevância no sistema e, em particular, na toda a população brasileira.
atenção às urgências. Recursos financeiros
para investimentos em infraestrutura têm 5. As UPA 24h se constituem em expressivo
sido alocados para a qualificação da ABS, aí avanço para a atenção às urgências pré-
incluídas as condições para o atendimento hospitalares. Sua ampliação de cobertura,
das primeiras urgências e seu encaminha- com a construção e qualificação de novas
mento responsável, quando necessário. unidades, é um passo fundamental, mas
Além disso, outras iniciativas, como o Nasf, ainda há que transpor alguns desafios,
o apoio às equipes da Atenção Básica e as tais como: o alto valor do custeio para
Academias da Saúde têm proporciona- manutenção destas unidades em relação ao
do maior resolutividade a esse nível de valor repassado pelo Ministério da Saúde;
atenção. Ainda assim, considerando todo o a deficiência de recursos humanos para
avanço apontado, há muito a ser feito para cobrir todos os municípios com serviços
que a AB se torne, efetivamente, a coorde- habilitados, em especial, o profissional
nadora e grande articuladora do cuidado médico; e o número insuficiente de leitos
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Sob o ponto de vista de resultado, na ava- que façam a discussão sistêmica dos PAR
liação da RUE, a principal indagação deve ser da RUE, para além da discussão de parâme-
feita junto ao usuário, se foi reduzido ou não tros numéricos de metas físicas e financei-
seu périplo e tempos de espera para ter suas ras, que ensejarão o repasse de recursos por
necessidades atendidas no momento de ma- parte do MS. O papel do grupo condutor é
nifestação do sofrimento, que é o momento reunir informações para um diagnóstico de
agudo da dor, seja ela a dor física do trauma necessidades, ofertas já existentes, insufi-
ou de um IAM; seja a psicológica, em uma ciências ou vazios existenciais, chegando
emergência em atenção psicossocial; seja a à conformação de uma rede regional em
dor da insegurança, de ter ou não acesso a todos os seus componentes e linhas de
um parto seguro e em momento oportuno. cuidado.
Enfatiza-se que a coordenação da gestão
da RUE, no âmbito do MS, reveste-se do 2. Regulação: desenhado o PAR, sob o ponto
desafio de vencer a fragmentação entre a de vista de sua estrutura e financiamento,
promoção da saúde e prevenção de doenças torna-se imperativa a discussão da regula-
e agravos, e a assistência; entre os diversos ção da atenção à saúde, compreendida como
níveis de atenção à saúde; e entre os diversos promotora da equidade e da otimização da
componentes da RUE. Além disso, a própria utilização da oferta existente. Observa-se,
fragmentação do MS, entre suas diversas em boa parte dos gestores, a falta de decisão
secretarias e departamentos, deve ser su- política de regular, bem como a insuficiên-
perada na busca de ações mais sinérgicas e cia de ferramentas e tecnologias de manejo
resolutivas. do ato regulatório, desde a infraestrutura e
Assim, a indução e a implementação da sistemas informatizados para os complexos
RUE nos territórios, seja nos estados, muni- reguladores até a construção de fluxos, pro-
cípios, regiões de saúde e até em pontos de tocolos e habilidades específicas de equipes
atenção, como, por exemplo, na estratégia do para operar a regulação. Têm sido regra,
SOS Emergências, não pode prescindir dessa redes ‘sem regulação’ e um conjunto de es-
integração e da articulação nas estratégias de truturas regulatórias com profissionais sem
gestão, quando se trata de planejar e progra- o devido conhecimento acerca do conceito
mar, regular e financiar as ações e serviços sobre redes, ocasionando ineficiências com
de saúde que compõem a RUE nem das ações consequentes dificuldades de disponibili-
assistenciais de qualquer nível de atenção. zação da atenção em tempo oportuno.
Além disso, gestores estaduais ou municipais
e Comissões Intergestores Regionais (CIR) 3. Financiamento: o afastamento crescen-
também não podem prescindir de integra- te da lógica de pagamento com base nas
ção e articulação coerentes entre si e com o tabelas de procedimentos para o financia-
nível de gestão federal, desse modo, possibi- mento por meio de incentivos, a partir do
litando a efetivação das redes nos territórios valor global de componentes da RUE cons-
concretos. titui-se em avanço significativo na medida
No aspecto da gestão e governança da em que valoriza o desempenho e a atenção
implementação da RUE, pode-se identificar integral e resolutiva. No entanto, em muitos
diversos nós críticos, a serem enfrentados: casos, o repasse dos recursos não tem sido
acompanhado da efetiva ativação e qualifi-
1. Ação coordenadora das Secretarias de cação de serviços, e, muitas vezes, não tem
Estado da Saúde (SES): esta função coorde- ocorrido a chegada dos recursos financei-
nadora tem se mostrado insuficiente para ros ao seu destino final – o estabelecimento
induzir à formação de grupos condutores de saúde. Há determinantes diversos para
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5. Educação Permanente: a alta rotativida- 6.5. Ainda que seja necessária a adequa-
de, a multiplicidade de vínculos dos traba- ção e a melhoria dos sistemas de informa-
lhadores e a falta de uma política efetiva de ção para avaliar o desempenho da RUE,
Educação Permanente nas instituições de os recursos hoje existentes do Sistema de
saúde no Brasil, na área de urgências, tem Informações Ambulatoriais/Sistema de
sido um dos maiores desafios para uma Informações Hospitalares e do Sistema de
adequada capacitação com vistas à RUE. É Cadastro Nacional dos Estabelecimentos
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DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 125-145, OUT 2014
146 artigo original | original article
ABSTRACT In 2012, Health Care Network for People with Disabilities was deployed as a
structuring public policy of SUS, and today it represents the recognition of a fundamental social
right of people with disabilities. The Network brings challenges and responsibilities in relation
to the ways of producing health care and access for people with disabilities and reduced mobility,
through the careful construction of guiding lines that cross the various components of health care.
1Doutora em Psicologia The bottom-up mode used to build Health Care Network for People with Disabilities, with its
Clínica pela Pontifícia
Universidade Católica normative, scientific-technical and funding setting is expressed by the effective participation of
de São Paulo (PUC-SP) social movements of people with disabilities; the scientific community; and health professionals
– São Paulo (SP), Brasil.
Professora assistente da and managers, local and regional, favoring appropriation and involvement by those stakeholders.
Faculdade de Ciências
Humanas e da Saúde da
Pontifícia Universidade KEYWORDS Person with disability; Rehabilitation; Health care; Public health policies.
Católica de São Paulo
(PUC-SP) – São Paulo
(SP), Brasil. Coordenadora
Geral de Saúde da Pessoa
com Deficiência do
Departamento de Ações
Estratégicas em Saúde,
da Secretaria de Atenção
à Saúde, do Ministério
da Saúde – Brasília (DF),
Brasil.
vera.mendes@saude.gov.br
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 146-152, OUT 2014
Saúde Sem Limite: implantação da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência 147
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148 MENDES, V. L. F.
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Saúde Sem Limite: implantação da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência 149
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150 MENDES, V. L. F.
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Saúde Sem Limite: implantação da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência 151
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 146-152, OUT 2014
152 MENDES, V. L. F.
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DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 146-152, out 2014
artigo original | original article 153
3 Doutora em História
5Doutoranda em Clínica ABSTRACT We synthesized the experiences gathered by a group of researchers affiliated with
Médica pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro Labor Micropolitics and Health Care, from Medical Clinic postgraduate school - Universidade
(UFRJ) – Rio de Janeiro Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), from their investigations on the production of health care in
(RJ), Brasil. Professora.
Assistente de Saúde different contexts of practice. We highlighted the actions of what we call ‘Signals coming from the
Coletiva na Universidade street’ and the ones built in the study of the Thematic Care Networks, which have as a principle
Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Macaé (RJ), Brasil. the idea of evaluating who asks, who makes and who uses them. The major element and central
keke.kathleen@gmail.com analyzer of our learning in the field of care provision and health knowledge is the idea of Live
6 Doutor em Saúde Networks as a way of producing existential connections of individuals and groups in different
Coletiva pela Universidade contexts of groupality and ways of living, socially.
Estadual de Campinas
(Unicamp) – Campinas
(SP), Brasil. Professor KEYWORDS Qualitative research; Patient-centered care; Work; Public health.
Associado de Saúde
Coletiva na Universidade
Federal Fluminense (UFF),
Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
tuliofranco@gmail.com.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 153-164, OUT 2014
154 MEHRY, E. E.; GOMES, M. P. C.; SILVA, E.; SANTOS, M. F. L.; CRUZ, K. T.; FRANCO, T. B.
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Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde 155
classificatório unidimensional (vias expres- sabe sobre qual é o modo ‘mais saudável, a
sas, coletoras, locais, binárias etc.), dado pela melhor forma de viver’. Esse encontro, assi-
função de circular. A rua que interessa e é métrico, e sua assimetria não provêm do fato
identificada pelo olhar antropológico é recor- de não incluir a diferença, mas de transfor-
tada desde outros e variados pontos de vista, mar as diferenças em desigualdades de saber
oferecidos pela multiplicidade de seus usuá- e de formas de vidas, onde há uma proprie-
rios, suas tarefas, suas referências culturais, dade exclusiva de certo saber de alguns em
seus horários de uso e formas de ocupação relação aos outros (MERHY, 2009).
[...] (MAGNANI, 2003, [s. p.]). Nisso, as lógicas reproduzidas na maioria
dos serviços de saúde operam ainda em cima
É essa a rua que nos interessa. A rua que do campo das profissões, procedimentos e
comporta alegrias, dores, dissabores, desa- protocolos; uma lógica burocrática organiza-
fios. Preenchida por signos e diferentes sen- cional a partir do apagamento da multiplici-
tidos, a rua é lugar de múltiplos sinais, que dade das dimensões e das éticas existenciais
acabam sendo naturalizados nos encontros que perfazem os sujeitos sociais.
com as alteridades. De muitas maneiras, os O olhar para o outro é sempre previsível, é
sinais que vêm da rua nos invadem porque possível prever o que vai ser encontrado. Essa
também somos a rua. Cravados de tensões previsibilidade produz certa invisibilidade
constitutivas entre produção de vida e da produção da multiplicidade de vidas que
morte, presentificam-se, no cotidiano do vazam dos sinais que vêm da rua, sobretudo
andar a vida de todos nós. Sentimentos como no campo da saúde. Ao passar pela porta de
medo, compaixão, horror, desprezo, piedade, um serviço de saúde, parece que esse outro é
generosidade, interesse, curiosidade, todas convidado a deixar toda vida que traz da rua
essas afecções circulam entre nós sem pedir do lado de fora.
licença. Muitas vezes, é precisamente a Entretanto, faz-se necessário ressaltar que
partir desses sentimentos que somos levados os usuários, enquanto redes de existências,
a pensar formas de aproximação e/ou afas- produzem-se ‘em-mundos’, ‘in-mundizam-
tamento desses sinais e, consequentemente, se’ (GOMES; MERHY, 2014), constituindo certas
da forma como entramos em conexão ou não formas éticas existenciais e certos modos
com essas vidas. de conduzir, por si, também a produção de
E o que nós, trabalhadores da saúde, cuidado, disputando o tempo inteiro com as
temos a ver com isso? Os trabalhadores da outras diferentes lógicas de existir, em si, e
saúde não estão livres dessas afecções. Ao que lhes são impostas pelas instituições. Os
contrário, muitas vezes, é com base nelas que usuários produzem modos de existências que
a produção do cuidado é construída. são, muitas vezes, julgados e cerceados pelas
De forma muito frequente, o mundo da equipes de saúde, e estas ficam aprisionadas
rede de cuidados é pautado pela ideia de uma a um modo de saber tão preponderante, que
forte centralidade nas suas próprias lógicas não possibilita perceber que certas atitudes,
de saberes, tomando o outro que chega a comportamentos, expressões são modos de
este mundo – o usuário – como seu objeto de existência, ainda que se apresentem cheios
ação, como alguém desprovido de conheci- de tensões e problemas.
mentos, experiências. Nesse encontro só há Nesse sentido, temos uma dobra que opera
espaço para reafirmar o já sabido, o saber a todo instante a partir de tensões constitu-
que eu porto em relação ao outro, a maneira tivas, que põe usuários e serviços em nego-
que o profissional da saúde considera ser a ciação. As ruas são, entre tantos territórios
‘correta’, discursando para aquele que nada existenciais, um lugar onde as existências
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 153-164, OUT 2014
156 MEHRY, E. E.; GOMES, M. P. C.; SILVA, E.; SANTOS, M. F. L.; CRUZ, K. T.; FRANCO, T. B.
atuam e se produzem como Redes Vivas. situação é uma característica muito marcan-
Quando usuários adentram os serviços de te. O (seu) usuário é um nômade pelas redes
saúde, junto de si carregam um mundo de de cuidado e um forte protagonista de sua
possibilidades, muitas vezes esvanecidas, produção (LANCETTI, 2006). O território tomado
que, como apontamos, pedimos para ficar do como produção de agenciamentos, majori-
lado de fora. tariamente desconhecido pelas equipes de
O interessante é perceber que os trabalha- saúde, instaura uma rede rizomática não
dores de saúde que operam nas ruas – fora linear, que não se apresenta capturada em
do campo da saúde stricto sensu, no interior um território único, em um espaço geográ-
dos estabelecimentos consagrados – e os que fico definido. Como um nômade, o usuário
atuam no campo da cultura, das artes e da produz e protagoniza, de forma singular, os
educação nos seus encontros, ofertam uma acontecimentos, no seu processo de cuidado.
experiência de ‘transver’ o real, como nos Nômade na produção de sua vida e, por isso
diz o poeta Manoel de Barros. Quem está mesmo, capaz de circular em territórios
fora do ‘muro institucional’ da saúde, como muitas vezes imperceptíveis para as equipes
nestes casos, percebe o quanto essa popula- de saúde, construindo múltiplas conexões na
ção atendida tem uma rede existencial rica, vida. Esta forma de circulação dos usuários,
e até mesmo que várias delas têm passagens tecendo suas próprias redes de sociabilida-
por outros campos como o da arte-educação, des e cuidado, comporta movimentos de des-
o da música, o do circo social, o do teatro. territorialização, que afetam e convidam as
Passam por outras conexões, além das pró- equipes a esta mesma experimentação des-
prias redes de existências que cada um territorializante. Mas, aceitar este convite
fabrica no encontro com um outro qualquer. e sair de territórios pré-concebidos que es-
Isto é invisível para a área da saúde, que tabelecem ‘repertórios de cuidado’ marca-
se encastela nos muros do próprio campo e, damente definidos, cujos rastros remetem
muitas vezes, restringe o olhar sobre quem ao já-conhecido (por exemplo: rastros do
vem para o serviço, fixando-se no mesmo e especialismo de cada profissão e de suas res-
não ousando sair do muro/mundo. A princi- pectivas competências) não é tarefa simples
pal estratégia é trazer o mundo para dentro (GOMES; MERHY 2014, p. 28).
dos serviços, criar outros mundos lá dentro,
e não sair do campo da saúde, subsumindo o
mundo das experiências às lógicas epistemo- Redes Vivas e conexões
lógicas e metodológicas do campo. Algumas existenciais. Analisador
de nossas pesquisas, com base na cartografia
dos movimentos nômades de certos usuários As ruas, como tomadas em nossas refle-
guias, têm revelado quanto o desconheci- xões, traduzem-se como diferentes. Isso nos
mento sobre o outro é produzido nas redes permite pensar que a discussão de redes de
formais de saúde (GOMES; MERHY, 2014). De modo cuidado em saúde, olhada a partir da macro-
muito frequente, os profissionais de saúde política, tem baixa potência, por não abarcar
não conhecem as várias existências que cada a dimensão micropolítica das experiências
uma dessas pessoas tem quando atravessa cotidianas, onde
o muro, passa pela calçada dos serviços e
ganha os mundos. De forma bem frequente, é [...] toda sociedade, mas também todo indi-
possível observar que os usuários constroem víduo, são pois atravessados pelas duas seg-
suas próprias redes com diferentes conexões. mentaridades ao mesmo tempo: uma molar
No campo do cuidado em saúde mental, esta e outra molecular. Se elas se distinguem, é
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 153-164, out 2014
Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde 157
porque não tem os mesmos termos, nem as Ministério da Saúde expressa uma formu-
mesmas correlações, nem a mesma natureza, lação sobre essa discussão, indica uma rede
nem o mesmo tipo de multiplicidade. Mas, se inteira, sólida, como se fosse um controle de
são inseparáveis, é porque coexistem, pas- governabilidade extenso. Sugere uma mo-
sam uma para a outra [...]. Em suma, tudo é delagem de algo analógico, que pudesse ter
político, mas toda política é ao mesmo tempo toda sua previsibilidade definida e, portanto,
macropolítica e micropolítica (DELEUZE; GUATTA- manejável dentro dessa racionalidade.
RI, 1996, p. 90). Entretanto, as Redes Vivas são fragmen-
tárias e em acontecimento, hipertextuais, ou
Trazer o micropolítico é trazer os lugares seja, às vezes são circunstanciais, montam e
onde as existências furam os muros institu- desmontam, e às vezes elas se tornam mais
cionais, conectando relações com o fora, que estáveis, mas comportam-se mais como
é constitutivo dos processos; processos estes lógicas de redes digitais, que podem emergir
intensamente produtores de novos sentidos em qualquer ponto sem ter que obedecer
no viver e no conhecimento. É trazer o lugar um ordenamento lógico das redes analógi-
dos processos de encontros e suas atualiza- cas, como um hipertexto. Assim, uma rede
ções das relações de poder. É trazer a micro- institucionalizada como analógica – como
política do encontro e a produção viva das a noção de rede primária e secundária de
redes de conexões existenciais, multiplicida- cuidado –, pode ser disparadora, mas ela vai
des em agenciamento. se encontrar e ser atravessada por inúmeras
Vale apontar que a ideia de redes não outras redes, de outros tipos não analógicos
é algo novo no Sistema Único de Saúde, (MERHY, 2013a).
apesar de, na atualidade, o conceito de rede Além disso, essa rede pode ser a dispa-
pautar os discursos e práticas dos campos radora, mas o usuário pode estar sendo
institucionais nas três esferas federativas. acompanhado por outros serviços ou ofertas
Na Constituição Federal, de 1988, o artigo de ações não do campo da saúde, devido às
198 já dispunha que as ações e serviços de características do problema, que vai pedindo
saúde integravam uma rede regionalizada e outras conexões. Neste sentido, é um proces-
hierarquizada. Nos últimos anos, o debate so vivo, inclusive porque a própria conexão
tem crescido tanto no panorama brasileiro entre as redes – hipertextuais (digitais),
quanto na América Latina, onde existenciais e institucionais, que ocorrem
sem que tenhamos controle absoluto sobre
a proliferação de redes de gestão é explicada elas – não deixa de ser uma questão para as
por uma multiplicidade de fatores que atuam apostas em um território de cuidado especí-
simultaneamente, conformando uma nova rea- fico. Esse é um ponto que precisa ser levado
lidade administrativa (FLEURY; OUVERNEY, 2007, p. 9). em consideração.
Outra discussão que se soma a esta é a ideia
Além do campo da gestão no sentido mais de que os usuários são Redes Vivas de si pró-
amplo, a discussão de redes tem pautado os prios; estão o tempo inteiro produzindo mo-
campos da comunicação, da psicologia e da vimentos, elaborando saberes, construindo e
sociologia, entre outros que se interessam, partilhando cuidados. Quem pede as redes,
das mais diferentes formas, por conceituar o na maioria das vezes, são os/as usuários/as e
que vem a ser as redes e/ou as sociedades em a rede não está já dada feito um arcabouço a
redes (DELEUZE, 2002). ser preenchido de forma protocolar, pois vão
No campo das políticas de saúde pública em acontecimentos sendo tecidas.
não tem sido muito diferente. Quando o Os de fora das redes instituídas – como as
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 153-164, OUT 2014
158 MEHRY, E. E.; GOMES, M. P. C.; SILVA, E.; SANTOS, M. F. L.; CRUZ, K. T.; FRANCO, T. B.
ruas – são, nesse sentido, lugares agenciado- equilibra, chora, ri, namora, reza, trabalha –
res, produtores de redes e conexões. Nestes enfim, produz existências desconhecidas e/
cenários, marcados por códigos específicos ou não incluídas nos projetos terapêuticos
e plurais, a solidariedade, as trocas, os com- institucionais.
partilhamentos, assim como as disputas e No entanto, cabe destacar algo muito im-
desavenças, vão indicando a produção de portante: a proposta de ampliar a visibilida-
vida. São o furo no muro das designadas ‘cra- de sobre as inúmeras produções de vida do
colândias’ onde, ao contrário do pensamento usuário/cidadão com os vários encontros
preponderante, o que se descortinou foi um sociais, culturais que ele produz para fora
‘cantinho limpo e arrumado onde as pessoas do muro, que não devem e nem podem ser
namoram’, ali no buraco, conforme o relato vistos como ‘projetos terapêuticos do campo
que abre este texto. da saúde’, com a ideia que sejam uma ‘ação
Este é, para nós, um dos pontos nevrálgi- de promoção à saúde’, com objeto definido
cos dos processos de produção do cuidado e um conjunto de ações para ‘promover a
em saúde: a anulação das possibilidades de saúde’.
vidas que habitam os sujeitos e sua substitui- Como um exemplo (e apenas um, da
ção por estigmas ou produções identitárias enorme relação de produções de outras
universais, que passam a representar as exis- vidas), temos o encontro de vários usuá-
tências e as apostas terapêuticas. O melhor rios em um Centro de Atenção Psicossocial
exemplo disso é que as pessoas que vivem Álcool e Drogas (CAPSAD) infantil, com
nas ruas ou que têm nas ruas espaços de so- a produção da linguagem circense, na sua
brevivência, de trabalho, de vida, ao mesmo expressão de circo social. Apesar de alguns
tempo em que carregam essas experiências serviços de saúde terem conhecimento sobre
de vida são paradoxalmente estigmatizadas: essas ações, eles desconhecem, muitas vezes,
prostitutas, travestis, crianças em situação os trabalhos em espaços culturais artísti-
de rua, usuários de álcool e outras drogas nas cos – nesse caso, as práticas circenses – na
designadas ‘cracolândias’, enfim. E, como tal, relação de produção de vida nesses usuá-
merecem ser governadas por outros. rios. Muitas dessas experiências valorizam o
fazer da criança adolescente, independente
do ‘diagnóstico’, mesmo quando este usuário
O que têm a ver as Redes é comumente conhecido como ‘dependente
Vivas com o que estamos químico’. Vários projetos circenses acabam
por trabalhar a proposta de redução de
falando? danos, sem que por isso se transformem em
‘agentes de saúde’. Neste caso, não é a defini-
No cuidado ção de um campo e sua operacionalidade que
define as ações, mas o encontro e a forma
O convite que se faz é o de trabalhar com a como as diferenças são tomadas: prenhe de
diversidade de ofertas para dentro do ‘muro significados.
do serviço’, ofertas essas vivenciadas pelos Dentre as perguntas que fazemos nesses
usuários nas diferentes vivências de cidada- casos é: como se pode não considerar pro-
nia. Nesse sentido, a proposta é que os tra- cessos para fora do muro ao desenhar
balhadores da saúde conheçam esse usuário um ‘projeto terapêutico’ para alguém que
cidadão nas inúmeras existências que ele produz vida brincando, saltando, cantando,
produz, cruza, dialoga, tenciona, olha, se dançando? Como pode um único modo de
afeta, cheira, brinca, canta, dança, salta, pensar ‘projeto terapêutico’ ser tão definidor
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 153-164, out 2014
Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde 159
[...] nós apostamos nessas experiências, na Criar situações individuais e coletivas de auto
conformação de trabalhadores que deveriam, interrogar o próprio sentido do fazer no mun-
primeiro, se submeter à presença do outro, do do trabalho – colocando como sua base a
ou seja, trabalhadores que deveriam se po- pergunta sobre o que faz com o trabalho vivo
sicionar no mundo do cuidado para serem em ato, para onde ele é apontado em termos
afetados. Afetados pela presença do outro ético-políticos (produz mais vida ou não)
e, através desse efeito da presença do outro, – traz também novas perguntas, como, por
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 153-164, OUT 2014
160 MEHRY, E. E.; GOMES, M. P. C.; SILVA, E.; SANTOS, M. F. L.; CRUZ, K. T.; FRANCO, T. B.
exemplo, o que se faz com o que já se sabe nos convocado a pensar sobre as referências
fazer e com o que se acha que se deve fazer que temos inventado para sustentar a defesa
sobre ou junto com os outros, com quem se de vida de qualquer um. E vocês, que sinais
encontra no mundo do trabalho.[...] Isso im- vocês trazem e recebem da rua?
plica colocar entre parênteses, parafraseando
Basaglia, o sabido a priori que há nesses cam- Nas pesquisas sobre a produção do
pos de práticas, para deixar vazar em cada cuidado
um e nos outros a nova constitutividade que
se tem ao se construir com o outro novas pos- Esse re-conhecimento tem alterado de modo
sibilidades para os modos de andar a vida, to- significativo nosso modo de construir conhe-
mando como base os processos de viver que, cimento sobre os processos de produção do
de modos perspicazes, são construídos de cuidado, refletido na construção dos estudos
maneira efetiva por cada um e por qualquer que temos realizado de modo compartilha-
um. Isso permite ser afetado por essas pers- do, com os protagonistas dos processos de
picácias e se auto interrogar, inclusive como cuidado no campo da saúde, diferentes indi-
coletivo que se é. A chance de que se venha víduos e grupos que o constitui.
a conectar novos processos de produção au- Em alguns materiais já publicados (GOMES e
topoiéticos de vida é alta, mas nunca uma ga- MERHY, org., 2014) expusemos como esse proces-
rantia e uma obrigação. O operar em alterida- so de visibilidade das Redes Vivas, no campo
de com o outro na produção do viver implica de estudo, implicou em alterações no próprio
sempre um disputar, sempre uma tensão. [...] processo de investigação e na compreensão
Agir com o outro na interseção dos encontros dos vários regimes de verdade que operam,
que ali operam, produzindo modos de viver, transversalizando-se nesse campo. Ter que
talvez seja o sentido mais interessante desses dar conta dessa situação nos levou a ter que
trabalhos. Colocar os saberes tecnológicos a ver no outro que está imerso no cotidiano do
serviço disso no interior dos atos produtivos trabalho em saúde, seja o trabalhador, seja
talvez seja a grande apreensão possível para o usuário, um elemento central na constru-
quem procurar desaprender os modos predo- ção dos vários conhecimentos constituídos,
minantes desses campos de práticas, se reali- de modo a dar conta das multiplicidades
zarem, hoje, quando a vida virou um objeto de que operam na constituição dessas Redes
manejo e não uma conexão autopoiética no Vivas, território das conexões existenciais.
mundo, como produção coletiva (MERHY, 2009, Vimos falando disso todo esse material, mas
p.36). agora vale tirarmos certas necessidades que
isso impõe para o desenho dos processos
Essa é a nossa aposta e o nosso convite: investigativos.
re-conhecer a rua em todos e as suas tensões Nessa direção, tivemos que fazer uma
constitutivas, os espaços do entre. Entre as inversão no campo de estudo. Deixamos
capturas e as linhas de fuga, entre a produção nos guiar pelas trajetórias, pelos caminha-
de morte e vida, experiências de resistência, res dos indivíduos nas produções de si, na
experiências que abrem passagem para a micropolítica dos encontros que compõe a
produção de outras formas de andar a vida, sua existência, e ir identificando os lugares
capazes de trazer para a cena um conjunto de territorialização e expressividade nos
de forças vitais antes impensadas e, jamais distintos campos de práticas que vão se ins-
localizadas em um único domínio do tituindo nesse caminhar. Importância que
conhecimento. Estes são alguns dos sinais coloca a produção da narratividade desses
que a rua tem nos sinalizado e, a partir deles, processos de encontros, por parte dos que
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 153-164, out 2014
Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde 161
aí estão, como eixo nuclear de organização das Redes Vivas. Existem Redes Vivas que
do campo de estudo, partindo da capacida- em outros lugares são operadas a partir dos
de que o usuário como guia pode nos levar desesperos das pessoas, ou seja, não há um
pelo seu nomadismo, fazendo-nos perceber entrelaçamento de fazer viver a Rede Viva
junto com ele os vários planos de conexões entre o que é ofertado e o que é pedido. No
que opera e se produz, na sua experiência da Município, essa tensão mais positiva produz
produção de si (FOUCAULT, 2010). encontros entre o que é pedido desespera-
Nisso, também nos ‘in-mundizamos’, damente e aquilo que é ofertado a partir de
nos tornamos pesquisadores ‘in-mundo’ grandes conexões. [...]
(ABRAHÃO, 2014), abrimo-nos as nossas próprias
narratividades disparadas pelas afecções que
o campo de estudo agencia em nós. Os vários [foi] observado pelo grupo que essa Rede
regimes de verdade agem, nesses vários Viva que emerge dos territórios não é algo
planos de produção do existir, ali no mundo agressivo, violento. É um movimento aberto
do cuidado, guiado pelo indivíduo-usuário, à conversação e escuta, ainda que com certa
com sua Rede Viva instituinte, que vai em tensão e dificuldade. [...]
certos movimentos se organizando como um
certo território específico, identitário, para
logo ser vazado, como um furo no muro, a [no que se refere à pesquisa] foi pensar como
cada encontro que o afeta. organizar os pesquisadores e trabalhadores do
Esse percurso investigativo tem se município nas frentes de trabalho (as várias re-
traduzido em várias estratégias de estudo que des de cuidado que vão sendo disparadas por
temos participado e a melhor forma de trazê- esse encontro com as Redes Vivas). [...]
lo para esse artigo é ver o que construímos,
em 2013, na pesquisa ‘A produção do cuidado
em diferentes modalidades de Redes de A questão que apareceu foi como fazer a
Saúde, do Sistema Único de Saúde. Avalia combinação entre territórios e redes. Essas
quem pede, quem faz e quem usa’, realizada redes apareceram nos territórios e de manei-
junto ao Ministério da Saúde. ra entrelaçada, ou seja, um caso começa em
No relatório final, tivemos que construir uma rede, mas caminha pelas demais. [...]
alguns elementos metodológicos que pudes-
sem fabricar a investigação em foco. Após
uma oficina do coletivo de pesquisa que tinha Nas descrições dos territórios, ficou claro
ido aos vários territórios de saúde, em um mu- que já foi possível localizar Redes Vivas nas
nicípio, conversar sobre o mundo do trabalho (várias) redes contempladas pela pesquisa,
dos trabalhadores daquelas áreas, dizíamos: inclusive forte conexão entre elas. A partir
dessa prospecção inicial, a proposta é que a
Esta reunião entre os pesquisadores foi pau- pesquisa parta dessas Redes Vivas, e não dos
tada pela apresentação das percepções de territórios. Por exemplo, a partir da análise
cada equipe a partir da participação nas dos casos, conclui-se que as Redes Vivas da
reuniões de território [...] e pela discussão saúde mental que aparecem nos territórios 1
conjunta desta experiência com o objetivo e 5 são bons casos para disparar a pesquisa
de problematizar e sistematizar os próximos nesta rede (penetrando pelas outras).
passos [...]
[...]
[um] ponto fortemente debatido foi o tema
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A conexão entre redes a partir de um mesmo Inicialmente ela foi colocado em um lugar
caso, como mencionado anteriormente, apa- concreto, mas na verdade vai aparecer em to-
receu em diversos territórios. Uma rede é a das as redes (considerando que todos gover-
disparadora, mas o usuário é acompanhado nam no mundo do trabalho)
por outros serviços devido às características
do problema. Neste sentido, é um processo
vivo, inclusive porque a conexão entre as re- Outro tema que chamou a atenção nas reuni-
des é um ponto que o município (em foco) ões de território foi a tensão entre a produção
aposta que aconteça. Isso deve ser conside- da Rede Viva e a resistência da regra geral. Isso
rado na pesquisa, que esta divisão por redes aparece no ruído da Rede Viva e, sendo assim,
não é algo natural no município, ou seja, sis- não deve ser o problema analisador, e sim apa-
tematicamente uma rede se cruzará com a recer na própria construção da Rede Viva.
outra. Apesar disso, existe um caso índice, ou
seja, o eixo da pesquisa não é a conexão entre
as redes. O eixo é o caso que produz as cone- Essas Redes Vivas são construídas nos ter-
xões. A Rede Viva em produção. ritórios pela singularidade dos casos. Isso
significa que algumas redes vão servir para
determinada singularidade de cuidado, e não
Outra questão levantada foi qual seria a ex- para outras. Entre o circunstancial do singular
pectativa de produto nesse momento, [...]. e a acumulação do instituído tem movimento.
Seria a própria definição dos casos-guia? Esse movimento é o interessante de acompa-
nhar (RELATÓRIO, 2013).
[...] foi definido que nos próximos encontros Toda essa produção de conhecimento que
no município a equipe deve começar a cons- nos atinge e que fomos ‘obrigados’ a cons-
truir o mapa das fontes e a trabalhar algumas truir pelas afecções que o campo agenciava
questões. É importante que todos tenham em nós, trouxe implicações para o desenho
clareza deste itinerário para o momento de se do estudo ali no território, junto com os tra-
encontrar com as [...] frentes. balhadores desse município, que são em si,
também, Redes Vivas.
Para tanto, também é relevante entender (a Os casos, neste caminho, vão definir os
noção) de Rede Viva. As Redes Vivas têm territórios e as pessoas que vão participar,
certas características interessantes de pontu- levando em consideração que alguns estão
ar. Quando o MS fala de rede, ele tem a ideia mais envolvidos que outros. Os usuários-
de uma rede inteira, sólida, como se fosse um guia vão transitar por distintas redes, ainda
controle de governabilidade extenso. Quando que partam de uma rede disparadora, e isso
na verdade, as Redes Vivas são fragmentárias vai gerar também entre os trabalhadores os
e em acontecimento, [...] pesquisadores-guia.
Isso são questões chaves para resolver, para É importante mostrar a fluidez e os papéis to-
ao menos criar parâmetros da objetivida- talmente diferentes que existe no município e
de necessária neste momento da pesquisa. que, em outro município, o arranjo dos atores
Tratando de transversalidade, por exem- e o protagonismo serão totalmente diferen-
plo, é interessante observar e situar o tema tes. Em cada lugar, o ordenador será um ator
da regulação atuando nas diferentes redes. distinto.
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Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde 163
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164 MEHRY, E. E.; GOMES, M. P. C.; SILVA, E.; SANTOS, M. F. L.; CRUZ, K. T.; FRANCO, T. B.
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76-106.
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artigo original | original article 165
RESUMO Este artigo analisou a implantação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) com ênfase
nas regiões de saúde, ressaltando a importância de atores locais com adequado perfil de
competência e implicados com a implementação. Como subsídio empírico, observamos o
desenvolvimento de projetos de intervenção de gestores e técnicos participantes de cursos de
especialização, desenvolvidos em parceria com o SUS, pelo IEP/HSL. Os achados mostraram
que a proeminência do tema RAS na agenda do SUS favorece o delineamento de uma
imagem objetivo (aonde se quer chegar) no processo de planejamento regional; e a qualidade
da intervenção depende de compreensão mais aprofundada do contexto: a identificação
detalhada das causas dos problemas, da dinâmica e da estrutura de poder das organizações e
dos determinantes do comportamento dos usuários são aspectos relevantes.
ABSTRACT This article analyzed the implementation of RAS (Health Care Networks), with
emphasis on health regions, stressing the importance of having local players with an adequate
competence profile and involved in the implementation. As an empirical subsidy, we observed the
development of intervention projects by managers and technicians participants of Specialization
Courses developed in partnership with SUS (Unified Health System) through the IEP/HSL.
Results showed that the importance of the RAS theme for the SUS agenda favors the design of
an objective image (a goal) for the regional planning process; and the quality of the intervention
depends on the deeper understanding of the context: identification of the causes of the problems,
the dynamics and structure of the organizations’ power and the determining of users’ behavior.
KEYWORDS Health Care Networks; Health evaluation; Unified Health System; Health planning.
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170 SILVA, S. F.
aos valores, princípios e conteúdos compar- não se concretizaram, pois foi desconsidera-
tilhados pela Organização e pelo Brasil. da a complexidade da micropolítica dessas
organizações.
Tal exemplo nos lembra da importância
As unidades assistenciais e da coerência entre as macropolíticas
suas estruturas de poder estruturantes e as organizações às quais se
destinam, conforme o postulado de Testa.
Santos e Andrade (2013) consideram que o Quando os nós críticos organizacionais
que caracteriza uma rede é a relação que se não são impactados pela política/método,
estabelece entre os seus componentes, que conclui-se que, por si só, por mais bem
passam a partilhar interesses e objetivos elaborados que estejam, as grandes diretrizes
comuns, mesmo tendo, isoladamente, um são insuficientes para a transformação
razoável grau de autonomia. Reconhecem desejada; esta é uma das constatações deste
suas interdependências e, preterindo estra- estudo: estratégias voltadas para as regiões
tégias que levam a comportamentos organi- que deem complementaridade às políticas
zacionais e institucionais individualizados, estruturantes, com impacto nas organizações
optam por adequar o seu papel aos objetivos de saúde e nas redes de relações em que
da rede. Entendendo que, dessa forma, todos estão envolvidas, devem ser reconhecidas
ganham. Caso contrário, não são uma rede, e, como indispensáveis para a política de
sim, um ajuntamento de serviços. implantação das RAS.
Quem seriam os componentes das RAS?
Mesmo que, a princípio, possam parecer,
esses componentes não são exatamente as or- Os problemas assistenciais
ganizações de saúde – unidades básicas, am-
bulatórios, hospitais, serviços de diagnose, Nos projetos educacionais, evidenciou-se a
transporte em saúde. Organizações de saúde importância de ampliar a compreensão dos
dificilmente formam redes. Nesses serviços, problemas assistenciais. Quando os atores
muitas vezes denominados de pontos de implicados os analisam superficialmente ou
atenção ou nós das redes, coexistem interes- equivocadamente, as intervenções, habitual-
ses distintos e, às vezes, contraditórios, que mente, são frágeis e pouco efetivas.
dificultam a construção de uma governança Para exemplificar, comento sobre um pro-
única. É entre atores e nos espaços nos quais blema prevalente no contexto das regiões:
concentram poder que podem se estabelecer a superlotação de serviços hospitalares de
relações em redes mais consistentes. emergência. A face mais visível desse pro-
Outro aspecto a ser considerado é a blema é o excesso de pacientes nos leitos
reação das organizações às políticas gover- do pronto-socorro, a ocupação de macas e,
namentais que visam a integrá-las para um muitas vezes, inclusive, a acomodação im-
trabalho em rede. Quando desconsideram provisada no piso dos corredores. Identificar
suas estruturas de poder e os interesses dis- as causas dessa situação, o que as determina e
tintos que albergam, dificilmente os objeti- os aspectos críticos passíveis de intervenção
vos são atingidos. Exemplo ilustrativo é o da é fundamental para a solução do problema.
política de contratualização com os hospitais Em minha observação dos trabalhos dos
de ensino, que propõe mudanças na gestão grupos, percebi que a tendência predomi-
hospitalar, na produção do cuidado e na in- nante, inicialmente, é a de considerar os
tegração com a rede SUS (BRASIL, 2004). Chioro aspectos mais estruturados, tais como a ca-
dos Reis (2011), analisando o impacto da polí- pacidade instalada existente, a falta de leitos
tica, conclui que as expectativas de mudança de apoio à emergência, a não disponibilidade
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Contribuição para a análise da implantação de Redes de Atenção à Saúde no SUS 171
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Atenção Básica nas redes temáticas de saúde, procedimentos e distanciado das necessida-
a partir de narrativas de usuários, identifi- des dos usuários. A baixa disponibilidade de
caram três categorias: uma parte considera profissionais capacitados para atuar na AB,
que as Unidades Básicas de Saúde (UBS) em especial, de médicos especializados em
têm produzido valores de uso e se legitimam saúde da família e comunidade, é uma das
como posto avançado do SUS; outra acha que principais causas da baixa resolutividade.
a rede básica é um lugar de coisas simples; Esse aspecto, em particular, é revelador da
e a terceira categoria, mesmo reconhecendo contradição histórica entre a intenção go-
que a AB deveria coordenar o cuidado da vernamental de consolidar a AB como coor-
rede, compartilha um sentimento de impo- denadora do cuidado integral e ordenadora
tência com as equipes de saúde pelo fato de da rede e o processo de formação médica no
que as UBS não reúnem condições materiais País.
e simbólicas para exercer esse papel. Uma adequada leitura do contexto
A ampliação da fronteira de conheci- também é necessária para analisar as ‘opor-
mento sobre o comportamento dos usu- tunidades’ que o mesmo oferece e as me-
ários representa, para os grupos, saltos lhores formas de aproveitá-lo. Por exemplo,
paradigmáticos. Certamente, cria condição a lei que institui o Programa Mais Médicos
mais favorável para intervenções qualifica- (BRASIL, 2013) visa a reduzir os efeitos da contra-
das nesses cenários. dição referida; e outras políticas, tal como o
Programa Nacional de Melhoria do Acesso e
da Qualidade (PMAQ) (BRASIL, 2011a), têm como
A Atenção Básica como um de seus principais objetivos induzir a
coordenadora do cuidado e ampliação do acesso e melhoria da qualidade
da AB no SUS.
ordenadora da rede Quando aprofundam seus conhecimen-
tos, os grupos fortalecem-se como atores
Além do aspecto abordado no tópico ante- políticos e qualificam-se como planejadores
rior, devem-se considerar outros, que expli- estratégicos; identificam mais facilmente as
cam a dificuldade da AB em exercer o seu dificuldades do contexto e as oportunidades
papel. Pré-conceitos sobre a AB no SUS são a serem exploradas.
comuns, principalmente da parte de técni-
cos e gestores que atuam em outros níveis
de atenção da rede. Comentários como ‘a AB Conclusões e considerações
não funciona, não é resolutiva e encaminha finais
desnecessariamente para os especialistas
ou para as unidades de urgência’ ou ‘eu não Como já foi abordado na introdução e na
envio meus alunos para a AB, pois eles vão metodologia, este artigo teve o objetivo de
desaprender’ são comuns. Mesmo que, em contribuir para a análise de implantação
parte, tenham fundamento, ao resultarem de das Redes de Atenção à Saúde no SUS, com
preconceitos arraigados, reduzem a dimen- ênfase nas regiões de saúde. Um dos prin-
são analítica do problema e não contribuem cipais desafios nessa dimensão é consolidar
para sua superação. um sistema de governança, e essa importân-
Na Atenção Básica, os problemas são nu- cia é destacada pela portaria 4.279 da seguin-
merosos, com destaque para os habituais: te forma:
financiamento insuficiente, infraestrutura
física e de recursos inadequada e prevalên- sistema de governança único para toda a rede
cia de um modelo assistencial centrado em com o propósito de criar uma missão, visão
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174 SILVA, S. F.
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Contribuição para a análise da implantação de Redes de Atenção à Saúde no SUS 175
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DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 165-176, out 2014
artigo original | original article 177
Luna Bouzada Flores Viana1, Rodrigo Lino de Brito2, Fausto Pereira dos Santos3
RESUMO Neste artigo, objetivamos revisar, sem esgotar, a literatura existente sobre
financiamento em saúde, agregando reflexões sobre o tema à luz do conceito de governança.
As reflexões são elaboradas a partir da experiência dos autores com o cotidiano da gestão da
Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde. O objetivo é, de forma conceitualmente
embasada, contribuir para a discussão sobre o financiamento à saúde. A linha argumentativa,
as constatações e conclusões são de inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo,
necessariamente, o ponto de vista do Ministério da Saúde e do governo federal.
ABSTRACT With this article we aim reviewing, without pretensions of exhausting, the literature
concerning health financing, reflecting on the subject under the light of the governance concept.
The reflections hereby are made considering the authors experience with management daily
routine at Health Attention Secretariat, under Ministry of Health. The goal is, conceptually
1 Mestre em Ciência
Política pela Universidade grounded, contribute to the debate over health financing. The stream of arguments, findings
de Brasília (UnB) – Brasília and conclusions are authors’ entire responsibility, not necessarily expressing the institutional
(DF), Brasil. Assessora de
gabinete da Secretaria de definitions of the Ministry of Health and the Federal Government.
Atenção à Saúde desde,
Ministério da Saúde –
Brasília (DF), Brasil. KEYWORDS Delivery of health care; Healthcare financing; Organization and administration.
lunaviana@gmail.com
3 Doutor em Saúde
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 177-189, OUT 2014
178 VIANA, L. B. F.; BRITO, R. L.; SANTOS, F. P.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 177-189, out 2014
Financiamento e governança em saúde: um ensaio a partir do cotidiano 179
real nos recursos para a saúde (CONASS, 2011). as comparações internacionais perigosas,
A Conferência Nacional sobre Saúde, de apesar de sempre serem didáticas. Mesmo
1986, já defendia a ideia de uma fonte estável no escopo das atividades previstas na lei
de recursos para a saúde. Em 2000, foi apro- complementar 141, de 13 de janeiro de 2012,
vada a Proposta de Emenda Constitucional os gastos sociais em saúde tendem a estar
29 (PEC 29). Nos anos posteriores à aprova- mal dimensionados.
ção da PEC, foi observado aumento do gasto O acesso à saúde no Brasil é, então, um
público em saúde, porém, com redução da misto de prestação via SUS, via planos de
participação relativa do governo federal e saúde, via pagamento direto. Essa é a encru-
aumento mais considerável da participação zilhada em que distintas crenças políticas e
de municípios. A participação do governo de interesses sinalizam diferentes caminhos.
federal foi reduzida, em termos relativos, Um elemento dado é que o volume de
de 75-60% para 45%, em 2010; entretanto, recursos públicos alocados para saúde é in-
houve incremento real de 114% dos recursos suficiente para um sistema com cobertura
públicos para saúde (SERVO et al., 2011). universal (PIOLA, 2010). O mesmo autor informa
Oriunda da PEC 29, a vinculação do gasto que sistemas que têm cobertura universal
em saúde com indicador de crescimento têm participação pública em 6,5 % do PIB e
econômico tem sido uma grande armadilha em 70% do total dos gastos.
para o planejamento do Ministério da Saúde. Não obstante os números, nesse debate,
A vinculação à variação do PIB nominal não identificamos alguns legados que moldam
é uma fonte estável, que permite a expansão percepções, interesses e limites na reconfi-
de compromissos do Ministério da Saúde. Ela guração das organizações atuantes na saúde.
também é prejudicial para projeções e avanços
mais significativos em maiores volumes de re- • Permanência de extensa rede de servi-
cursos para o gasto federal em saúde. ços particulares credenciados – legado de
Comparativos internacionais sempre são como se configurou a oferta da assistência
utilizados para comprovar duas posições sobre pré-Constituição de 1988;
o gasto público em saúde no Brasil: ele é muito
inferior, quando comparado a outros países • Manutenção da essência na forma de re-
cujos sistemas também teriam caráter univer- muneração de serviços – pagamento por
sal, e a participação privada é muito alta. procedimentos;
Estimativas da Organização Mundial da
Saúde indicam que o Brasil gasta 9% do PIB • Atomização e competição por recursos
em saúde, sendo 46% deles gastos públicos decorrentes da expansão de cidades de
e 54% gastos privados. O gasto via paga- pequeno porte com capacidade arrecadató-
mento direto tem sido avaliado em 31% do ria quase nula;
gasto total, correspondendo a 58% do gasto
privado (WHO, 2012). • Conflito entre agenda estruturante e as
O governo federal também atua por outros prioridades conjunturais de sucessivos
meios, que não apenas o Ministério da Saúde, governos;
para prover o acesso à saúde. Esses seriam a
renúncia fiscal, subsídio aos planos de saúde • Tensão na descentralização advinda
de servidores e políticas desenvolvidas por do financiamento concentrado na esfera
outros ministérios que também impactam as federal, mas operação regional do sistema;
condições e o acesso à saúde.
Avaliamos, então, que a dificuldade em • Esgotamento do modelo administrativo e
delimitar e mapear os gastos em saúde torna de gestão;
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180 VIANA, L. B. F.; BRITO, R. L.; SANTOS, F. P.
• Esgotamento do modelo de relação estado meio das Normas Operacionais Básicas (NOB
e sociedade. 01/91, 01/93, 1996), Normas Operacionais de
Assistência à Saúde (Noas 01/2001, 01/2002),
Em uma construção de mundo institu- Pacto pela Saúde (Portaria 399/2006),
cionalista, esses legados moldam a maneira Decreto 7.508/2011. Alguns criticam o
como é conduzido o debate sobre o finan- processo de descentralização, visto que é
ciamento, tanto em seus meios (subsistemas, baseado apenas no financiamento, tônica
arenas, atores) quanto nos argumentos e apenas econômico-financeira (PIOLA, et al.,
conflitos de posicionamentos. 2012). Um processo de descentralização dese-
jado seria o de desconcentração de recursos
e de decisão sobre a alocação dos mesmos
Execução dos recursos na para os gestores estaduais e municipais.
assistência à saúde À época da implantação das normas
operacionais, autores criticavam a maneira
Parte dos que se contrapõem ao aumento dos cartorial como os recursos estavam sendo
recursos para a saúde argumentam que antes descentralizados. A descentralização de
de se discutir insuficiência é necessário me- recursos não estava sendo acompanhada
lhorar a qualidade do gasto. Para os que en- pelo efetivo desenho dos sistemas de saúde,
frentam o cotidiano do Ministério da Saúde, e as duas modalidades de gestão, plena e
contraditoriamente, ambas as realidades se semiplena, não refletiam os diversos níveis
apresentam ao mesmo tempo. em que os municípios poderiam inserir-se
Volumes consideráveis de recursos na rede (ELIAS; MARQUES; MENDES, 2001).
são disponibilizados e transferidos, mas, De qualquer forma, o Ministério da Saúde
ao mesmo tempo, a escassez de recursos passou de 87% de execução direta, em 1995,
apresenta-se para novas políticas e aper- para 31%, em 2010 (PIOLA, et al., 2012). Em 2012, o
feiçoamento do financiamento de políticas percentual de aplicação direta estava em 10,2%,
existentes. chegando a 9,9 % em 2013 (consulta Siafi, 2014,
O aperfeiçoamento da execução dos re- gastos relacionados à modalidade 90).
cursos em saúde também está fortemente Em uma primeira análise, ao longo desses
associado ao conceito de custos de transa- anos, realizamos a seguinte avaliação sobre
ção. Antes da Constituição de 1988, a ope- os custos transacionais na implementação da
racionalização da transferência de recursos política de saúde: em termos gerais, custos de
era realizada mediante diversos convênios. transação são o esforço necessário associado
A execução direta na prestação de serviços à discussão, definição e ao monitoramento
concentrou-se até 2000/2001 (Conass, 2011, de ações e atividades. Ele está intimamente
p. 92)1. O Ministério da Saúde processava e relacionado à estrutura de governança, visto
pagava diretamente aos prestadores. que a configuração de atores (suas responsa-
Houve, na década de 1990, um intenso bilidades e participação) estabelece pontos
movimento de descentralização. Entretanto, de atritos e convergências que aumentam ou
até antes da portaria GM MS 204, de 29 de reduzem esses custos.
janeiro de 2007, o MS transferia para estados A taxonomia que utilizaremos abaixo foi
e municípios recursos vinculados a mais de desenvolvida por Williamson e Vatn, citados
70 diferentes contas. A portaria 204/2007 por Calmon e Pedroso (2011).
criou cinco blocos de financiamento, e foi O desafio de se ter uma estratégia de
1 Analisando o gráfico, o
alterada em 2009 para incorporação do novo governança mais clara para a saúde limita
percentual de execução
direta é maior do que 50% bloco de investimentos. avanços no debate sobre o financiamento em
até os anos 2000/2001. A descentralização foi normatizada por dois aspectos principais: 1 – nível desejado
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Financiamento e governança em saúde: um ensaio a partir do cotidiano 181
Ex-ante Os custos de reunir informações neces- Todas as políticas do MS têm de ser previamente
sárias para propor programa ou política pactuadas na instância da Comissão Intergestores Tri-
a ser implementada, as dificuldades de partite (CIT). A avaliação por gestores federais e repre-
concepção do programa, de definição dos sentantes de estados e municípios reduz esse custo.
seus indicadores, de caracterização das Mas, alguns autores criticam a atuação “tecnocrática
suas formas de operação, de definição dos iluminista” do MS (ELIAS, et al., 2001).
recursos e do fluxo de recursos envolvido Além disso, a execução da política em saúde depende,
para o pleno desempenho das funções em grande parte, dos que estão em contato direto com
preconizadas no programa. o cidadão. A política é basicamente definida no coti-
diano das unidades de saúde e no contato dos profis-
sionais com as pessoas.
Durante Os custos relacionados à gestão do pro- Nesse aspecto é que houve maior avanço na redução
grama, incluindo a liberação dos recursos; do custo de transação. A adoção da transferência
a negociação e a coordenação com os fundo a fundo foi um avanço na definição de critérios
parceiros; as mudanças conjunturais que padronizados e a priori para transferência de recursos.
podem ter afetado a gestão e o processo
de tomada de decisão; a contratação e os
demais aspectos relacionados à implemen-
tação dessa política.
Ex-post Os custos relacionados ao monitoramento Não se pode dizer que redução do custo de transação
e à avaliação da política, de forma tal a se no ‘durante’ gerou o aumento do custo ex-post. Na
assegurar que é possível identificar e aferir década de 1990, quando o MS executava de forma
as atividades, os produtos e os resultados direta quase 90% de seus recursos, seguramente, os
do programa, a definição e a participação desafios eram muitos, e o nível de controle da execu-
nas arenas para discussão e a revisão dos ção era baixo.
problemas de concepção que possam ter Mas, a redução do custo de transação ‘durante’ gera
ocorrido, além dos custos de supervisão um enorme desafio na verificação da execução. A
que garantam a implementação dos acor- indefinição na estrutura de governança na saúde tam-
dos firmados e da programação previa- bém reflete no caminho a ser adotado para redução
mente definida. desse custo. Por exemplo, órgãos de controle cobram
do MS ações que, inicialmente, estariam sob respon-
sabilidade dos estados e municípios.
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182 VIANA, L. B. F.; BRITO, R. L.; SANTOS, F. P.
Fonte: Consulta Siafi – abril/2014. Transferência: Modalidades de Aplicação (MA) vinculadas a: Consórcios Públicos (Contrato de Rateio);
Instituições Multigovernamentais; Modalidade a definir; Transferências a Estados e DF; Transferências a Estados e DF (FAF); Transf. a Inst.
Privadas sem Fins Lucrativos; Transferências a Municípios (FAF);Transferências ao Exterior
Quadro 3. Orçamento SAS – Blocos de Financiamento – Atenção Básica x Atenção Especializada – 2012 x 2014
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Financiamento e governança em saúde: um ensaio a partir do cotidiano 183
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184 VIANA, L. B. F.; BRITO, R. L.; SANTOS, F. P.
passaram a ser executados via transferência. de rotas, apoio estratégico para estados e
Ou seja, os recursos foram efetivamente des- municípios, estabelecimento de incentivos
centralizados. Observou-se aumento absolu- e mecanismos para melhoria da assistência;
to dos recursos do MAC, os quais passaram
de R$ 28,3 bilhões, em 2010, para R$ 36,3 Apoio de órgão de controle e fiscalização da
bilhões em 2014 (SIAFI; BRASIL, 2014). consubstanciação na definição dos papéis.
Todavia, a descentralização de recursos
e o aumento ao longo dos anos devem ser A definição sobre governança do sistema
analisados relativamente a algumas dimen- permitirá o avanço na simplificação de di-
sões que a literatura sobre o assunto já tem versas camadas organizacionais que tiram
apontado, as quais se tornam mais concretas o foco da verdadeira razão da existência do
e complexas no dia a dia no MS. SUS: as pessoas.
A primeira dimensão seria a definição Essas considerações remetem ao 2º
da distribuição dos recursos, já comentada aspecto que elencamos sobre o desafio de se
acima, em sua inviabilidade de aplicação ter uma estratégia mais clara de governança,
dos diversos indicadores informados na le- o qual seria a responsabilização na execução
gislação do SUS. Também relacionada a essa da política (como fazer mais com o mesmo).
questão dos indicadores, a busca da equida- Com relação ao 1º aspecto, nível desejado de
de da distribuição desses recursos adviria participação do orçamento público e recur-
de um equilíbrio dos componentes: acesso x sos necessários (quanto mais é necessário),
necessidade x oferta x demanda (KAJIURA, 2011). já temos um grande impasse no MAC.
A discussão sobre governança, definida a Em termos de compromissos firmados,
partir de uma análise de custos de transação, tetos incorporados, o MAC finalizou o ano
pode ser uma luz para o estabelecimento de de 2013 com o valor de R$ 39,2 bilhões (BRASIL,
responsabilidades no que se refere a parâme- 2014). Entretanto, orçamentariamente, esse
tros de macrodefinição e meso/microdefini- bloco de financiamento, refletido na ação or-
ção na alocação dos recursos. Obviamente, çamentária 8585, possui dotação autorizada
avaliamos que há pressupostos para tanto: de R$ 36,3 milhões. Ou seja, em 2014, o MS
não tem margem de expansão na assistência
Fortalecimento das bases de informação relacionada a esse bloco. De forma cabal, está
que norteiam as decisões – informações demonstrada a insuficiência dos recursos
reais e individualizadas sobre procedimen- que estão sendo alocados na saúde na esfera
tos, internações, infraestrutura instalada; federal. Esse fato decorre, em especial, da
criação do teto na EC 29, o que já constata-
Capacidade de diagnósticos assistenciais, mos tratar-se de uma grande armadilha para
estabelecimento, execução e monitoramen- o orçamento federal para a saúde.
to de planos de ação por parte dos gestores Está em discussão no Congresso a vin-
municipais e estaduais; individualmente e culação do orçamento à receita corrente,
coordenadamente – depende do fortaleci- líquida ou bruta. O grande desafio seria
mento administrativo/organizacional das definir uma fonte estável em sua exis-
Secretarias de Estado e Municipais; tência, com crescimento vinculado a mu-
danças no perfil social brasileiro e sem
Reforço na estrutura de monitoramento e a definição de teto, com a possibilidade
avaliação no Ministério da Saúde; gastar de negociação de recursos adicionais em
menos tempo com atividades meio adminis- caráter temporário, reduzindo a possibili-
trativas e assistenciais; e mais tempo na de- dade de veto por parte de Ministérios do
finição e reavaliação de diretrizes, correção Planejamento e Fazenda.
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190 artigo original | original article
5 Mestre em Ciências da
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O Programa Mais Médicos e as Redes de Atenção à Saúde no Brasil 191
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192 MOLINA, J.; SUÁREZ, J.; CANNON, L. R. C.; OLIVEIRA, G.; FORTUNATO, M. A.
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O Programa Mais Médicos e as Redes de Atenção à Saúde no Brasil 193
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194 MOLINA, J.; SUÁREZ, J.; CANNON, L. R. C.; OLIVEIRA, G.; FORTUNATO, M. A.
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14.090 médicos
1.597 brasileiros, 1.163 intercambistas individuais e 11.330 cooperados
• 48,6 milhões de pessoas cobertas
• Mais de 100% da demanda apontada pelos municípios
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196 MOLINA, J.; SUÁREZ, J.; CANNON, L. R. C.; OLIVEIRA, G.; FORTUNATO, M. A.
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O Programa Mais Médicos e as Redes de Atenção à Saúde no Brasil 197
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198 MOLINA, J.; SUÁREZ, J.; CANNON, L. R. C.; OLIVEIRA, G.; FORTUNATO, M. A.
mudança de paradigma auxiliará, efetiva- médicos do PMM não são ilhas no SUS, e sim
mente, na implantação de uma melhor ESF e membros orgânicos do sistema. Fazem parte
na potencialização da APS no SUS, devendo, das equipes de Saúde da Família, trabalham e
também, impactar positivamente a eficácia se integram à comunidade: aí reside um dos
das RAS. valores para a defesa do programa.
Os médicos cubanos, mobilizados pela Para o sucesso do PMM, é necessário
Opas/OMS, têm formação especializada contar com o acompanhamento contínuo
em saúde familiar e comunitária, com ex- de gestores municipais, estaduais e federais
periência de trabalho vis-à-vis ao modelo para propiciar o funcionamento em rede.
de atenção em saúde que a ESF deseja im- A aceitação de um maior protagonismo da
plantar. O Brasil pode se beneficiar do perfil APS nas redes de atenção requer uma nova
desses médicos; eles, por sua vez, adquirem liderança da APS e que os profissionais de
novos conhecimentos e experiências traba- primeiro nível interajam e conheçam seus
lhando no SUS. Algumas únicas, como, por colegas do segundo nível. Da mesma forma,
exemplo, o atendimento em zonas indígenas os gestores de segundo e terceiro níveis
e quilombolas e na região Amazônica, cuja devem estabelecer com o primeiro nível uma
cultura está repleta de conceitos e tradições relação horizontal e virtuosa. Esse é o grande
próprias sobre saúde. desafio para que o PMM contribua efetiva-
O desempenho adequado do médico e mente para o desenvolvimento das RAS.
de sua equipe de saúde é condição necessá- Segundo dados do Ministério da Saúde,
ria, mas não suficiente, para que a APS seja obtidos de 688 municípios onde 1.592
efetivamente a porta de entrada do sistema médicos do PMM trabalhavam, em novem-
de saúde e se torne seu eixo estruturante. bro de 2013, foi observado um crescimento
Também é necessário que a atitude e o com- de 27,3% nos atendimentos de hipertensos e
portamento de todos os membros da RAS de 14,4% de pessoas com diabetes, em com-
evoluam de acordo com as novas possibili- paração com junho do mesmo ano (BRASIL,
dades. As mudanças exigem tempo, vontade [S.d.]). Durante o mesmo período, houve
política e construção coletiva entre equipes um crescimento de 10,3% de consultas nas
de APS, gestores e equipe dos serviços de cidades com médicos do programa. Trata-
outros níveis de atenção. São mudanças di- se de uma parcela do universo que o PMM
fíceis porque a governança de algumas redes abrange, já que, atualmente, mais de 14.000
é fraca – existem estruturas de poder tradi- desses médicos trabalham em equipes de
cionais encrustadas nos serviços de saúde Saúde da Família, cobrindo 48,6 milhões de
que apresentaram resistência ao trabalho pessoas (BRASIL, [S.d.]).
em rede e à valorização do primeiro nível de Esses dados preliminares mostram que a
atenção. Infelizmente, o modelo centrado presença de médicos nas equipes do primei-
no médico e no hospital ainda prevalece na ro nível de atenção deve, consequentemente,
mente e na prática de muitos profissionais aumentar o número de consultas, prescri-
e gestores, e, com certeza, também em boa ções de medicamentos, pedidos de exames
parte da população. de diagnóstico e consultas especializadas
Colocar a APS no comando do sistema nos serviços de média e alta complexidade.
requer mudanças estrutural e cultural pro- Igualmente, deve melhorar a capacidade de
fundas, que não são alcançadas apenas por diagnosticar as doenças e, possivelmente,
um decreto. aumentará a demanda por serviços médicos
Estamos convencidos de que o PMM pode de média complexidade. O aumento deve ser
contribuir para a reorientação do modelo de entendido como um fato positivo, mesmo
atenção, pelas razões já mencionadas. Os que gere em algumas RAS listas de espera,
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200 MOLINA, J.; SUÁREZ, J.; CANNON, L. R. C.; OLIVEIRA, G.; FORTUNATO, M. A.
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DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 190-201, OUT 2014
202 artigo original | original article
Luíz Carlos de Oliveira Cecílio1, Ana Augusta Pires Coutinho2, Fernanda Luiza Hamze3,
Alexsandra Freire da Silva4, Lorayne Andrade Batista5, Anna Paula Hormes de Carvalho6
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 202-216, OUT 2014
Programa SOS Emergências: uma alternativa de gestão e gerência para as grandes emergências do Sistema Único de Saúde 203
• Insuficiência de leitos hospitalares qua- Dentre as redes de atenção, destacamos a Gestão Avançada em
Sistemas de Saúde pelo
lificados, especialmente de Unidades de Rede de Atenção às Urgências e Emergências Centro Universitário
Terapia Intensiva (UTI) e retaguarda para (RUE), instituída pela Portaria MS/GM n° São Camilo - Vitória
(ES), Brasil. Técnica
as urgências; 1.600, de 07 de julho de 2011 (BRASIL, 2011a), que Especializada
reformulou a Política Nacional de Atenção da Coordenação
Nacional do Programa
• Deficiências estruturais da rede assisten- às Urgências, definindo os diversos compo- SOS Emergências,
cial – áreas físicas, equipamentos e pessoal; nentes desta rede e os incentivos a serem Departamento de Atenção
Hospitalar e Urgência,
disponibilizados aos estados e municípios Secretaria de Atenção à
• Inadequação na estrutura curricular dos que a implantarem em seus territórios. Tem Saúde, Ministério da Saúde
– Brasília (DF), Brasil.
aparelhos formadores; a finalidade de articular e integrar, no âmbito paulinhahormes@gmail.com
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 202-216, OUT 2014
204 CECÍLIO, L. C. O.; COUTINHO, A. A. P.; HAMZE; F. L.; SILVA, A. F.; BATISTA, L. A.; CARVALHO, A. P. H.
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Programa SOS Emergências: uma alternativa de gestão e gerência para as grandes emergências do Sistema Único de Saúde 205
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206 CECÍLIO, L. C. O.; COUTINHO, A. A. P.; HAMZE; F. L.; SILVA, A. F.; BATISTA, L. A.; CARVALHO, A. P. H.
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Programa SOS Emergências: uma alternativa de gestão e gerência para as grandes emergências do Sistema Único de Saúde 207
participante, todas do primeiro ciclo tiveram Japão, com o objetivo de controlar a produ-
seu protocolo e fluxos revistos. Do segundo ção e os estoques, com fins de gerenciamen-
ciclo, seis. As demais estão em processo de to e de diminuição de custos. No Brasil, no
capacitação e reformulação da classificação final dos anos 1990, o Kanban foi difundido
de risco. para a área hospitalar como ferramenta de
Uma das importantes estratégias para monitoramento da ocupação e da perma-
diminuir a superlotação da emergência é a nência dos pacientes nos leitos hospitalares.
disponibilização de leitos de retaguarda, que É utilizada uma sinalização através das cores
podem estar localizados no próprio hospital, e são registrados o tempo e os motivos de
ou em outro hospital público contratado, ou permanência. A partir da gestão das infor-
privado parceiro. No entanto, em algumas mações coletadas, a equipe multidisciplinar
regiões, é grande a dificuldade de se obter pode agilizar exames, solicitar avaliação de
leitos de retaguarda, seja porque essas unida- outras especialidades, providenciar equi-
des estão com a ocupação total da área física, pamentos para a alta, orientar os familiares
seja por falta de oferta no sistema de saúde ou etc. O Kanban está implantado em todas as
por falta de profissional médico para sua dis- unidades do primeiro, oito do segundo ciclo
ponibilização. Foram disponibilizados 2.036 e em oito unidades do terceiro ciclo.
leitos novos ou qualificados para 22 hospi- Embora seja de fácil manuseio, esta tec-
tais, para transferência de pacientes acima nologia nem sempre é bem aceita, pois sua
de 24 horas, que têm indicação de interna- gestão se torna um desafio para a equipe,
ção. Para tanto, houve incremento de recurso pelo seu alto grau de impacto sobre a micro-
financeiro no valor de R$ 189.351.852,96/ política do hospital. Para Cecílio (2009), a mi-
ano. Entretanto, disponibilizar o leito sem a cropolítica nas organizações de saúde é:
adequada gestão não possibilita o resultado
esperado em relação à redução da taxa de O conjunto de relações que estabelecem en-
ocupação. Foi necessário incentivar a implan- tre si os vários atores organizacionais, for-
tação do Núcleo Interno de Regulação (NIR) mando uma rede complexa, móvel, mutante,
para promover o uso racional e qualificado mas com estabilidade suficiente para consti-
desses leitos de retaguarda. tuir uma determinada ‘realidade organizacio-
O NIR tem o objetivo de gerenciar e oti- nal’ – dessa forma, relativamente estável no
mizar os leitos hospitalares, monitorando o tempo, podendo, assim, ser objeto de estudo
fluxo do paciente desde sua chegada, e o pro- e intervenção (p. 547).
cesso de internação, movimentação e alta.
Dessa forma, o NIR agiliza as altas; assume É na micropolítica que se produz o
a regulação dos leitos da unidade de acordo cuidado com toda a complexidade tecno-
com as necessidades do paciente, respeitan- lógica que ele exige, seja ela material e/ou
do o perfil assistencial e a capacidade insta- não material. É o espaço também da disputa
lada da unidade; e faz a interface do hospital entre atores com seus projetos distintos, nem
com as centrais de regulação e os núcleos sempre coincidentes com o da direção, e é,
internos de outras unidades, solicitando as centralmente, ocupado pelo usuário e suas
transferências para os leitos de retaguarda, demandas. É onde a vida organizacional se
além de monitorar os indicadores de média constitui e se concretiza através da produção
de permanência e taxa de ocupação. e reprodução permanente dos processos de
Para monitorar o tempo médio de perma- cuidado. O Kanban afeta essa micropolítica
nência dos pacientes na emergência, o pro- ao desvelar aspectos ou falhas na produção
grama induz à implantação da ferramenta do cuidado não facilmente visíveis para os
Kanban. Tal tecnologia foi criada em 1953, no gestores do hospital, levando, quase sempre,
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208 CECÍLIO, L. C. O.; COUTINHO, A. A. P.; HAMZE; F. L.; SILVA, A. F.; BATISTA, L. A.; CARVALHO, A. P. H.
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210 CECÍLIO, L. C. O.; COUTINHO, A. A. P.; HAMZE; F. L.; SILVA, A. F.; BATISTA, L. A.; CARVALHO, A. P. H.
Gráfico 1. Indicador taxa de ocupação – Hospitais que integraram o Programa SOS Emergências em 2011 – primeiro ciclo
350
300
250
200
mar/12
150
jul/14
100
50
.
...
...
...
X..
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SC
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HS
HG
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HB
Gráfico 2. Indicador taxa de ocupação – Hospitais que integraram o Programa SOS Emergências em 2013 – segundo
ciclo
400
350
300
250
200 jun/13
jul/14
150
100
50
0
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Programa SOS Emergências: uma alternativa de gestão e gerência para as grandes emergências do Sistema Único de Saúde 211
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212 CECÍLIO, L. C. O.; COUTINHO, A. A. P.; HAMZE; F. L.; SILVA, A. F.; BATISTA, L. A.; CARVALHO, A. P. H.
ASSISTENCIAL
ESTRUTURAL
FINANCEIRO
POLÍTICO
Comunicação
EIXOS DE SUSTENTAÇÃO
PROGRAMA SOS EMERGÊNCIAS
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Programa SOS Emergências: uma alternativa de gestão e gerência para as grandes emergências do Sistema Único de Saúde 213
‘grande política’ com os processos micropo- do que político, uma aposta no campo do
líticos das organizações. É essa discussão jogo social, e, portanto, de final aberto
que se deseja fazer aqui para a finalização (MATUS, 1987);
do artigo, qual seja, tentar apontar ou an-
tecipar algumas dificuldades que deverão • A complexidade do processo regulatório
ser enfrentadas, ou já o estão sendo, para o no Brasil, hoje, com suas múltiplas lógicas
sucesso do Programa SOS Emergências, que de regulação em jogo (CECíLIO et al., 2013),
tem sua ênfase no processo de apoio à gestão aliada à baixa capacidade regulatória dos
do hospital: gestores, pode ser vista como um dos en-
traves para a efetivação da RUE e, portanto,
• É muito difícil conseguir transforma- do próprio programa. Não basta abrir leitos
ções mais duradouras na emergência sem de retaguarda, a sua gestão é dependente de
algumas transformações mais gerais no uma efetiva regulação interna e externa;
hospital, já que o programa tem como sua
grande aposta a implantação de linhas de • A nem sempre fácil articulação entre um
cuidado, em particular, a conexão bem su- ‘hospital-emergência’ (aquele cuja lógica é
cedida, funcional e facilitada da emergência comandada pelos atendimentos de urgên-
com outras ‘estações de cuidado’ internas cia-emergência, pela pressão da demanda)
do hospital. Muito difícil avançar para uma com o ‘hospital-eletivo’ (comandado por
efetiva qualificação das urgências sem a uma lógica mais programada, mais ‘racio-
garantia mínima de tais conexões. Nesse nal’, mais ‘controlada’) segue sendo um pro-
sentido, cabe a responsabilidade imensa, blema em todos os hospitais trabalhados. É
para o NIR, de ser capaz de produzir novas como se fossem dois hospitais trabalhando
conexões internas no hospital, viabilizando com lógicas nem sempre complementares,
intensos processos de conversão e pactua- e muitas vezes francamente conflitivas e
ção entre os múltiplos atores institucionais, em disputa;
o que, por si só, é uma tarefa altamente
desafiadora; • O SOS Emergências é parte da RUE,
insere-se nela, e advém dela. Entretanto,
• Os NAQH, com sua estrutura interdisci- as falhas no processo do cuidado em rede
plinar, interdepartamental, interprofissio- ficam mais evidenciadas a partir do pro-
nal e mesmo interinstitucional, do mesmo grama porque não se consegue uma efetiva
modo que o NIR, são dispositivos políticos integração solidária entre os diversos ser-
por natureza, com tudo o que isso implica. viços da rede, reforçando a centralidade
Que eles funcionem como espaços políti- da RUE para o sucesso do Programa SOS
cos, e não burocráticos ou burocratizados, Emergências, o que não está garantido a
é um dos pressupostos para o seu sucesso princípio;
como condutores das mudanças pretendi-
das, constituindo-se em espaços efetivos de • O fato do SOS trabalhar com forte lógica
negociação e pactuação entre atores com de monitoramento externo é um fato que
interesses e controle de recursos múltiplos tem que ser conduzido com atenção para
(CECÍLIO, 1999); não gerar resistências e deve ser devida-
mente transformado em processos mais
• Pelos dois motivos acima, é possível negociados internamente a partir do forta-
afirmar, de saída, que o SOS é um processo lecimento de espaços coletivos de gestão.
menos técnico-burocrático-administrativo E mais, é necessário ter clareza sobre os
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214 CECÍLIO, L. C. O.; COUTINHO, A. A. P.; HAMZE; F. L.; SILVA, A. F.; BATISTA, L. A.; CARVALHO, A. P. H.
limites de tais controles externos, do tipo de saúde. Está em jogo um outro conceito
pan-óptico (FOUCAULT, 2000), tendo em vista a de possibilidade de a sociedade (e suas
complexidade da vida do hospital; instituições) implementar estratégias
concretas de defesa e valorização da vida em
• Os diferentes graus de adesão dos vários todas as suas dimensões, incluindo a atenção
hospitais (de suas direções e gestores) ao com as pessoas que se sentem em situações
programa dá ritmos diferenciados entre de fragilidade e necessitadas de cuidados em
eles no alcance de resultados, na medida saúde.
em que têm relação com o modo como in- A garantia de sucesso do Programa SOS
vestirão – mais ou menos – na proposta do Emergências não está dada, em função das
programa; fortes externalidade e heteronomia que ele
traz como marca, por ser uma ‘política do
• A insuficiência dos recursos financeiros Ministério’, passando pela dura institucio-
frente os gastos dos hospitais, a morosida- nalidade dos hospitais até o que poderia ser
de dos processos de reforma e aquisição de chamado de ‘certa cultura’ que prevalece
materiais e a dificuldade de chegada dos nos hospitais hoje. Quando os trabalhadores
recursos destinados ao hospital para obter produzem o imaginário de que ‘é normal ter
as melhorias na estrutura física e tecnoló- macas’ no corredor, quando as equipes e ges-
gica dificultam a percepção dos trabalha- tores não mobilizam tudo de que dispõem
dores e usuários quanto aos impactos da para atender melhor as pessoas, quando
implantação do programa. A difícil gestão se naturalizam as péssimas condições de
de recursos humanos, com grandes dificul- atendimento, há um longo caminho a ser
dades de fixação de pessoal, em particular percorrido.
os médicos; O Programa SOS Emergências traz a marca
de não ser um programa extensivo, que tem
• A relação interfederativa do estado brasi- a pretensão de alcançar grande número de
leiro, que coloca os limites para a execução unidades hospitalares. Ao contrário, ele é
da política, uma vez que nem sempre os uma proposta intensiva, que pretende provo-
recursos disponibilizados são devidamente car uma indução na organização da Rede de
transferidos aos hospitais. Atenção às Urgências e Emergências (RUE).
Almeja produzir exemplos, experimentos/
intervenções que possam ser utilizados em
Considerações finais qualquer unidade da RUE, como um efeito de
demonstração, instaurando ciclos virtuosos
O SOS tem como ponto de partida ético- onde prevalecem ciclos viciosos de descaso
político a busca de alternativas para a e descuidado. Tem pretensões políticas e pe-
degradação do atendimento de urgência e dagógicas muito ambiciosas, e é de alto risco
emergência nos grandes hospitais do País. É devido aos contextos em que está sendo
um projeto de governo ainda em construção, operacionalizado. Portanto, sua implantação
que tem como principal desafio a sua real está sendo processual, produzida no e pelo
capacidade de promover mudanças positivas coletivo de profissionais que o implementa,
no atendimento prestado aos cidadãos. Seus em ato, nas intervenções que vai produzindo
desafios são inúmeros, mas, talvez o maior e nos processos de reflexões permanentes
de todos esteja no enfrentamento do modo que vem provocando, para alcançar os obje-
como a sociedade se pensa e se produz, tivos propostos que, como apresentados, são
incluindo o funcionamento das organizações tão caros à sociedade brasileira.
DIVULGAÇÃO EM Saúde PARA Debate | rio de Janeiro, n. 52, p. 202-216, out 2014
Programa SOS Emergências: uma alternativa de gestão e gerência para as grandes emergências do Sistema Único de Saúde 215
Por tudo isso, é possível dizer que o ainda deve ser visto como uma aposta, como
Programa SOS Emergências proposto pelo um jogo de final aberto, por ter que enfren-
Ministério da Saúde para qualificar as tar a dura institucionalidade dos hospitais
grandes emergências do País, com todas e os complexos condicionantes sistêmicos
as características de uma política de para seu sucesso e sustentabilidade, cuja
Estado generosa, consentânea com um superação ainda não está garantida. s
grande anseio da população brasileira,
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