Para antropólogo Emilio Moran, nascido em Cuba, é preciso
"aprender a desligar a televisão" e dizer "não" a mercados Estudioso da Amazônia, pesquisador cobra estímulo à indústria regional; "em 30 anos, PIB da população da região subiu menos de 1%"
Antropólogo Emilio Moran lança livro em evento em São Paulo
EDUARDO GERAQUE DA REPORTAGEM LOCAL
Para resolver o problema ambiental nº 1 do mundo, a receita do
antropólogo Emilio Moran, 61, nascido em Cuba, mas morador dos Estados Unidos desde os 14 anos, chega a ser prosaica. "Temos que aprender a desligar a televisão. Ela é a principal ferramenta do consumismo", afirma o especialista em América Latina, que há mais 30 anos investiga o desenvolvimento humano da Amazônia brasileira.
Apesar de a entrevista ter sido feita em um hotel a meio quarteirão
da rua Oscar Freire (o palco das grandes grifes mundiais em São Paulo fora dos shoppings) o entrevistado, com orgulho, comenta: "Esta calça que estou usando eu comprei há 25 anos." Moran é um acadêmico tradicional e assiste televisão. Na Universidade de Indiana, ele dirige um centro que une a antropologia às mudanças climáticas globais – o agricultor amazônico, por exemplo, segundo uma pesquisa feita pelo grupo, não sabe se proteger contra o El Niño, porque ele não registra essas oscilações naturais ao longo do tempo.
Pobreza amazônica
Se o modelo mundial de desenvolvimento, para o pesquisador, está
errado, o da Amazônia idem. "Nos últimos 30 anos, o aumento do PIB da população amazônica subiu menos de 1%. Na região, quem ganha é quem já era rico em São Paulo e no Rio de Janeiro."
O antropólogo, que chegou à floresta no início das obras da rodovia
Transamazônica, diz que pouco mudou na região. "Não existe infra- estrutura para o pequeno agricultor. A estrada, por exemplo, não mudou muito, continua ruim. Existe ausência de governo na Amazônia com toda a certeza."
Os grandes produtores, lembra o pesquisador, montam sua própria
infra-estrutura e acabam fugindo do problema encontrado pelos menores.
"Falta compromisso com a indústria regional, que poderia valorizar
os produtos amazônicos. Daria, por exemplo, para fazer uma fábrica de abacaxi enlatado, ou de suco". São várias opções disponíveis, diz Moran, que trabalha em áreas críticas, como Altamira (PA).
A experiência acumulada no campo, inclusive nos recantos
amazônicos, é que leva o antropólogo a afirmar: "O maior problema ambiental do mundo é o consumismo. O mercado ensina egoísmo e o indivíduo cada vez mais está centrado em si mesmo", afirma. Parte do caminho para sair dessa cilada ambiental, Moran apresenta no livro "Nós e a Natureza" (Editora Senac), lançado anteontem no Brasil. "É um livro mais apaixonado. Experimentei a sensação de ir além dos escritos acadêmicos", diz.
Para reforçar seu ponto de vista, de que o modelo mundial é
insustentável, Moran usa exemplos da classe média brasileira e da sociedade americana. Ambas ele conhece bem.
No caso nacional, cita a história em que um filho de uma família de
classe média do interior de São Paulo comentou com a mãe que eles eram pobres. O motivo era a ausência de uma televisão de plasma na sala, em comparação com a residência do vizinho. "Subprime" ambiental
"No caso americano, a crise imobiliária é também um problema
claro de consumismo", afirma Moran. "O americano, na média, está todo endividado. A maioria paga apenas os juros. Cada um tem uns US$ 20 mil em dívidas só no cartão de crédito". E isso, segundo ele, apenas para querer ter mais e mais. "No caso do mercado imobiliário, por exemplo, muitos fazem a segunda hipoteca [antes de quitar a primeira] para mudar para uma casa maior.
Segundo o antropólogo, enquanto nos anos 1950 a casa de uma
família média americana tinha uma vaga na garagem e 140 metros quadrados para seis pessoas, hoje ela tem espaço para três carros e 300 metros quadrados para quatro pessoas.
E os carros, lembra Moran, queimam petróleo cada vez mais em
maior quantidade, por causa do tamanho e da potência do motor. "Tenho feito o caminho inverso. Hoje, tenho um carro pequeno e de quatro cilindros", conta o cientista.
Apesar de o quadro ambiental mundial ser dramático, o antropólogo
afirma ser otimista e retrata isso em seu novo livro também. "Se não existir esperança, o melhor é pendurar as chuteiras e ir embora." Para Moran, é o consumidor individual o único que tem poder de ação de fato. "As pessoas podem chegar e dizer "não". Elas podem não consumir mais porque aquilo vai endividá-las e criar pressões [ambientais]".
Além de ensinar os filhos a lerem com um olhar crítico os
comerciais, todos deveriam olhar suas gavetas, seus armários, diz ele. "O importante é saber que não se está sozinho. Existem milhões de pessoas no mundo que já não aceitam esse modelo [de desenvolvimento] que nos levará ao colapso."
Moran estuda o Brasil desde os anos 1970
DA REPORTAGEM LOCAL
O antropólogo Emilio Moran estuda o Brasil desde os anos 1970.
Antes de chegar aos Estados Unidos aos 14 anos, para morar em um campo de refugiados, ele nasceu e passou sua infância em Cuba, para onde nunca mais voltou. "Eu minha mãe, que já era viúva, saímos como uma mala e US$ 5". É por isso, brinca, "que acabei conseguindo me virar com pouco". O motivo da saída foi o medo de ver o filho único ser mandado para a antiga União Soviética. "Era um boato que corria na época, de que os melhores alunos iriam para a Europa, que nunca se confirmou. Foi apenas quem optou por isso", relembra.
Discípulo do brasilianista Charles Wagley, da Universidade da
Flórida, Moran, formou-se em literatura e estudou Rui Barbosa e a escravidão antes de fazer pós-graduação em antropologia. Vem desse tempo o aprendizado do português. "Fiz isso, para poder trabalhar em qualquer país da região [a América Latina]". (EG)