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As crianças do “ready made”

Alfredo Jerusalinsky

Um estranho mal-estar percorre o mundo. É o fantasma do


“ready made”. Crianças bem vestidas e bem alimentadas se jogam
no chão na frente de carrinhos de pipoca, esperneiam diante de
vitrines de brinquedos, berram perante algodões-doces e bichinhos
da Parmalat.
Nas prateleiras de seus quartos, dezeeeenas de bichinhos
de pelúcia, jogos jamais abertos, brinquedos apenas manuseados
dormem o mesmo sonho dos monumentos nas praças. Estão ali para
testemunhar alguma coisa imprecisa, que ninguém atina a definir. Dia
após dia, as babás e as empregadas domésticas se esmeram em fazer
caber – num espaço cada vez relativamente menor – esse festival de
objetos coloridos, que se multiplicam sem cessar. É bem provável
que as faxineiras tenham, no dia anterior ao aniversário da mimada
criancinha da casa dos patrões, devaneios bem parecidos aos de uma
artista plástica nas vésperas de uma “instalação”. Estarão obrigadas
a encontrar alguma ordem para a Barbie número dezessete – vestida
de Grace Kelly – , o Rambo com rosto de Ralph Vallone, o papagaio
que responde e olha para a gente, um jogo de dominó, algumas feras
pré-históricas, seis bonecos de diferentes tamanhos, um tanque de
guerra, duas naves interespaciais, um apito de juiz de futebol (que não
deve se perder), um robô e um cavaleiro medieval, 44 soldadinhos
vermelhos de uma Segunda Guerra Mundial – que já não figura
entre os restos imaginários das crianças, mas entre os restos infantis
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NOVOS SINTOMAS

dos pais cinqüentões –, e uma série de objetos inidentificáveis com


cara de Piu-Piu, Pateta, Mickey, etc., que apitam, crepitam, gemem,
falam se forem apertados, sorriem e choram, balançam, acendem
luzes, mexem, e – todos eles – contêm alguma advertência: “Não
serve para voar”, “ Mantenha fora do alcance de crianças menores
de...”, “Requer troca periódica de baterias”, “De 2 a 5 anos”, “De
5 a 8 anos”, “Não aproxime ao fogo”, “Se a criança não souber os
números pode se guiar pelas cores”, “Molhe as pastilhas de aquarela
para pintar”, “Para conservar as cores puras não misture os blocos
de massa”, “O uso inadequado poderá danificar o brinquedo”.
Trata-se de uma variedade de objetos que procuram, com
toda evidência, antecipar-se a qualquer criação; nossa industriosa
sociedade coloca em ato seu princípio: eu o fabriquei antes de você
poder imaginá-lo. Ergo, não imagine, nós o fazemos por você.
Ao mesmo tempo, contêm uma série de advertências, que
concedem ao sujeito um sossegado lugar de beatífica idiotice. Os
pais não precisam averiguar qual o brinquedo adequado para seu
filho – ora! está claro, se ele tem 3 anos tem que levar esse que é de
2 a 5 anos. Uma simples capa azul não transformará seu filho em
verdadeiro Superman. Não o sabia? Se seu filho der banho, no vaso
sanitário, no toca-fitas colorido, seguramente ele vai estragar. Pintar
com pastilhas de aquarela secas sempre foi muito difícil, sobretudo
se você não as molha. E se a pilha acabar, pois é, troque-a. Se botar
para cozinhar seu Kent, certamente, ele vai torrar.
Além dessa “poupança de pensamento”, que tais valiosas
instruções nos oferecem, elas também se ocupam de que nossos
filhos não precisem passar por fatigantes experimentações: não
misture as cores, porque senão irão produzir-se outras; não perca
tempo, siga precisamente o manual de instruções e obterá um correto
funcionamento, senão, não.
A precipitação do objeto diante do nariz do sujeito procura,
nas inflexões atuais do discurso social, poupá-lo da responsabilidade
de sua escolha, supondo-o numa posição de tão absoluta ignorância,
que tende a reduzi-lo a um mero artefato de movimentos previamente
pautados e operações previamente programadas. Assim ocorre,
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AS CRIANÇAS DO “READY MADE”

também, na psiquiatria atual, que, ao mesmo tempo que prescreve


o fármaco para corrigir o desperfeito, suprime a interrogação acerca
do valor subjetivo do sintoma. Nesse ponto, alia-se a uma genética
mecanicista, que supõe o humano pré-estabelecido em todos os
termos já nos seus genes; um destino pré-fixado nas cadeias de DNA,
de modo totalmente autônomo às suas vicissitudes.
A impregnação dessa proposta de “poupança do pensamento”
alcança tal ponto, no discurso social, que os pais que chegam com
seu filho à consulta, mesmo que seja a um psicanalista, costumam
perguntar: “Qual é o livro que o senhor recomenda lermos para
poder ajudá-lo?”. E, certamente, tal demanda não aponta para
serem orientados na travessia de uma experiência literária – o que
pode ser de grande interesse numa “cura” psicanalítica –, mas ao
fornecimento do popular “manual de instruções”, desta vez para o
manejo adequado do artefato chamado “filho”1.
Por sua vez, as crianças adaptam-se facilmente à supressão da
escansão entre o momento da demanda e o momento da satisfação.
Respondendo a uma lógica completamente “real”, porque deveriam
esperar para aceder ao que já está – por definição – pronto?
Afinal de contas, as crianças recebem, pela via do discurso
social, a definição antecipada do mundo em que deverão viver.
A genialidade de Duchamp consistiu em demonstrar que
estávamos sendo lançados a viver num mundo onde a “sopinha
da mamãe” já não passaria de um envelope de sopa instantânea. E
o que restaria para nós defendermos nosso lugar de sujeitos seria,
simplesmente, assinarmos embaixo de algum fragmento dessa
repetição.
As crianças compreederam isso: elas tomam os bonecos
standard, as pequenas peças repetidas ad infinitum, e montam com
elas sua própria tragédia grega. Se a gente aguçar o ouvido, pode,
1
Nossa resposta diante dessa demanda costuma ser: “Os senhores precisam aprender
a ler o livro que está escrito na cabeça de seu filho. E se não estiver escrito, ou tiver
espaços em branco, a pergunta fundamental não é como fazer para escrever ali, mas
o que vocês desejam escrever” (N. da A.).

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NOVOS SINTOMAS

ainda, escutá-las murmurando baixinho – quase na clandestinidade


– o argumento de sua novela. Instruindo seus pequenos filhos de
plástico para escapar da sinistra profecia de uma genética inexorável.

Sobre o Autor
Psicanalista, psicólogo, Mestre em Psicologia Clínica. Membro
da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e membro da Associação
Lacaniana Internacional. Membro da Direção do Centro Lydia Coriat de
Porto Alegre e Buenos Aires. Professor do Centro de Estudos Paulo
César D’Ávila Brandão, do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, fazendo
parte da equipe de docentes do curso “Diagnóstico e tratamento dos
problemas de desenvolvimento na infância e adolescência” em Porto
Alegre e na Universidade Hugo Rocha, em Salvador, Bahia. Presidente
da Fundação para o Estudo dos Problemas da Infância e Adolescência.
Professor de Pós-Graduação da UNISINOS e USP. Autor de artigos
e livros sobre psicanálise, entre eles Psicanálise e Desenvolvimento Infantil.
Segunda edição. POA: Ed. Artes e Ofícios, 1999.

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