ISSN: 0103-1104
revista@saudeemdebate.org.br
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Brasil
Paulo Frazáo 1
Paulo Capel Narvai 2
I Cirurgiao-demista sanirarista; RESUMO Desde a criaráo do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988, a
especialista, Mesrre e Domor em Saúde
inserráo da saúde bucal é marcada por conflitos e contradiróes, expressando
Pública; professor Domor da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de
os diftrentes projetos em disputa na sociedade brasileira. No período pré-SUS
Sao Palllo (FSP-USP). predominavam programas odontológicos centralizados e verticais, tendo escolares
pafrazao@llsp.br e trabalhadores inscritos na previdencia social como popularáo-alvo. Com a
criaráo do SUS, esse enftque tornou-se incompatível com um sistema unificado
2 Cirurgiao-demista sanirarista;
especialista, Mesrre, Domor e livre-
e descentralizado de caráter universalista. Abriu-se, entáo, a possibilidade de
doceme em Saúde Pública; professor conftrmaráo de uma agendapara gestáo da saúde bucalenquanto políticapública.
tirular da FSP-USP. Neste artigo sáo abordados alguns dos aspectos mais relevantes que marcaram os
pcnarvai@llsp.br
20 anos de construráo dessa política no plano nacional.
A saúde é um bem imaterial indispensável para a saúde bucal nao é urna questao usuaL Sua emergencia
vida humana e um recurso imprescindível para a repro- pode ser identificada pelo desenvolvimento dos sistemas
dw;:ao sociaL Embora seja indivisível, é possível, como de proteyao social com base num modelo institucional-
urna abstrayao, identificar diferentes dimensóes sem as redistributivo, o qual pressupóe urna ayao consistente do
quais nao há saúde, Urna delas é a saúde bucal enquan- estado que garanta bens e serviyos a todos os cidadaos
exercer várias funyóes, desenvolver a auto-estima e 1988 representou um marco na gestao de saúde, com
relacionar-se socialmente sem inibiyao ou constrangi- implicayóes para a saúde bucal que, entendida como
mento (NARVAL, FRAZÁO, 2005), A saúde bucal cons- urna dimensao inseparável da saúde, passou também
titui, ainda, território de expressao da subjetividade a ser considerada um direito de todos e um dever do
humana, espayO da manducayao da linguagem e da Estado.
fruiyao do prazer e da satisfayao, formas particulares ° período anterior a aprovayao da nova Carta foi
de subsistencia no plano natural (apreensao, tritura- marcado pela recuperayao das liberdades democráticas,
yao, salivayao e deglutiyao), de produyao simbólica no florescimento e multiplicayao dos movimentos sociais
plano da cultura e de erotizayao no plano emocional e por melhores condiyóes de vida. Novos atores entra-
do psiquismo humano (BOTAZZO, 2000), ram no cenário social (EscoREL, 1998). ° modelo de
As doenyas bucais implicam restriyóes de ativida- prática odontológica havia sido criticado por ocasiao
des na escola, no trabalho e na vida doméstica, o que da 7 a Conferencia Nacional de Saúde (CNS), em
causa urna perda de milhóes de horas dessas atividades 1980. Além do trayo iatrogenico e mutilador, foram
a cada ano em todo o mundo, Ademais, o impacto psi- denunciados o seu caráter de monopólio (atividades
cológico dessas enfermidades reduz significativamente a centradas exclusivamente no cirurgiao-dentista com
qualidade de vida dos indivíduos (WHO, 2003). Dessa baixa participayao de pessoal auxiliar) e sua orientayao
forma, saúde bucal torna-se um conceito relativamente fortemente ligada a tradiyao liberal-privatista da pro-
complexo que nao pode ser reduzido a 'saúde dos dentes' fissao. Com isso, as propostas de transformayao desse
ou a considerayóes sobre urna ou duas enfermidades, modelo foram alinhadas as propostas mais gerais do
definidas arbitrariamente. movimento da Reforma Sanitária formuladas naquele
Embora o trabalho realizado nas clínicas odonto- período (NARVAl, 1994).
lógicas seja relevante e resolva problemas individuais, Com a implementayao do processo de descentrali-
nao é suficientemente capaz de produzir a saúde bucal zayao que se seguiu a criayao do Sistema Único de Saúde
em termos populacionais, já que ela resulta de urna (SUS), multiplicaram-se os centros de decisao sobre
enorme gama de fato res que vao além de variáveis saúde nas esferas estaduais e municipais, com reflexos
biológicas. nos programas de saúde bucaL
Entretanto, nos últimos 20 anos desde a cria<;:ao do um Programa Nacional de Controle da Cárie Dental
SUS, a inser<;:ao da saúde bucal na agenda pública tem com o Uso de Selantes e Flúor (PNCCSF), planejado
sido permeada por inúmeros conflitos e contradi<;:óes, e executado de modo vertical e centralizado na dire<;:ao
em todas as esferas de governo. Neste artigo sao abor- geral do órgao, no Rio de Janeiro. Do mesmo modo e
dados alguns dos tra<;:os mais relevantes que marcaram, concomitante a iniciativa do INAMPS, o Ministério da
nesse período, a constru<;:ao dessa política pública no Saúde (MS) definiu, em 1989, urna Política Nacional de
plano nacional. Saúde Bucal (PNSB) lan<;:ando o Programa Nacional de
Preven<;:ao da Cárie Dental (PRECAD). Ambos os progra-
mas federais na área de saúde bucal foram definidos em
absoluta contraposi<;:ao a unifica<;:ao e adescentraliza<;:ao
SUS E SAÚDE BUCAL: AMBIGÜIDADES DOS
do sistema de saúde que, naquele contexto, passavam
PRIMEIROS ANOS
a se constituir em exigencia claramente fixada pela
Constitui<;:ao da República promulgada em 1988, e
Ao contrário de 1968, de que se costuma dizer que
fortemente reivindicada por lideran<;:as municipalistas
foi 'um ano que nao acabou', 1988 foi nao apenas inaca-
(NARVAl; FRAúo, 2008).
bado, mas um ano marcado por debates e esfor<;:os para
Com isso, o governo federal sinalizou, naquele
a aprova<;:ao das diretrizes do SUS, na Carta Magna. No
momento, grande falta de sintonia com as aspira<;:óes
ámbito odontológico, as delibera<;:óes aprovadas na 1a
de estados e municípios. Além de praticamente ignorar
Conferencia Nacional de Saúde Bucal (CNSB) (BRASIL,
as delibera<;:óes da 1a CNSB, O governo desconsiderou
1986) propuseram claramente a
também O conjunto de proposi<;:óes aprovado no En-
contro Nacional de Administradores e Técnicos do
inserráo da saúde bucal no sistema único de saúde [por
meio de um} Programa Nacional de Saúde Bucal com Servi<;:o Público Odontológico (ENATESPO) , expresso
base nas diretrizes da drea, respeitando-se as definiróes no documento intitulado 'Proposta de política odon-
que cabem aos níveis ftderal, estadual e municipal tológica nacional para um governo democrático', por
roo} universalizado, hierarquizado, regionalizado e
meio do qual, entre outras proposi<;:óes, reivindicava-
descentralizado, com a municipalizaráo dos serviros e
ftrtalecimento do poder decisário municipal (BRASIL, se o direito e a necessidade de estados e municípios
1986). planejarem a<;:óes de saúde bucal, de acordo com suas
respectivas realidades sociais e epidemiológicas (ENA-
Apesar dos debates no Congresso Nacional, trans- TESPO, 1984; MANFREOINI, 1997; PIRES-FILHO, 2004;
formado em Assembléia Nacional Constituinte, e as NARVAl, 2008).
proposi<;:óes das Conferencias de Saúde, os governos que Em 1989, o entao presidente de República, Fer-
se sucederam desde entao, nao colocariam em prática nando Collor, pos fim aos dois programas nacionais
as delibera<;:óes da la CNSB. A resposta do governo (PNCCSF e PRECAO), formulados na gestao que o
federal, aépoca, expressava os conflitos do período. Por precedeu, definindo sua política nacional de saúde no
parte do Ministério da Previdencia e Assistencia Social documento 'Plano Qüinqüenal de Saúde 1990-1995:
(MPAS), a a<;:ao foi criar um Departamento de Odon- a saúde do Brasil Novo' massem explicitar urna política
tologia no Instituto Nacional de Assistencia Médica e nacional específica para a área de saúde bucal (NARVAl,
Previdencia Social (INAMPS) e implementar, em 1988, FRAÚO,2008).
Durante o governo Collor, a Divisao Nacional de Apesar dos avan<;:os no período pós-SUS ainda se
Saúde Bucal foi transformada em urna coordena<;:ao reproduz esse modelo em muitos municípios. Moni-
técnica subordinada aSecretaria Nacional de Assistencia torando a implanta<;:ao do Programa Sáude da Família
a Saúde; o INAMPS foi extinto, mas a lógica de finan- (PSF), no período de 2001 a 2002, observou-se que
ciamento, por meio de um sistema de transferencia de 7,2% das equipes de saúde bucal habilitadas atendiam
recursos por produ<;:ao de servi<;:os, foi mantida, exclusivamente escolares (BRASIL, 2004A). Considera-
Com a manuten<;:ao dessa lógica de financiamento, se, contudo, que um importante efeito do desenvolvi-
os estados e municípios passaram a ser considerados mento da saúde bucal no SUS tenha sido a realoca<;:ao
meros prestadores de servi<;:o ao Governo FederaL dos recursos odontológicos de unidades escolares para
Nesse contexto, foi aprovada a portaria na 184, que unidades de saúde, reorientando a aten<;:ao básica e
inseriu os 'Procedimentos Coletivos' (PC) de saúde bucal criando condi<;:6es para maior integra<;:ao das a<;:6es de
na tabela de procedimentos do Sistema de Informa<;:6es saúde bucal com os programas de saúde, em diferentes
Ambulatoriais do SUS, criando condi<;:6es para que ati- níveis do sistema. No entanto, esse deslocamento de
vidades de caráter educativo e de prote<;:ao específica a recursos nao foi e nem é realizado sem conflitos. Muitos
saúde bucal (entre as quais aplica<;:ao de bochechos com dirigentes municipais, inclusive das áreas de educa<;:ao e
flúor e escova<;:ao supervisionada com creme dental flu- de saúde, e, sobretudo, pais de alunos tem dificuldades
orado) pudessem também ser financiadas com recursos para compreender a unidade escolar como um equipa-
do Fundo Nacional de Saúde (FRAZÁO, 1998), mento social e, nessa condi<;:ao, integrada ao conjunto
A introdu<;:ao dos PC nos programas escolares foi de equipamentos sociais das suas cidades. Muitos veem
marcada, essencialmente, pela contradi<;:ao de questionar as escolas como 'ilhas' e, dessa forma, consideram 'urna
a prática e as bases teóricas do sistema incremental, im- perda' quando 'o consultório odontológico' é 'tirado da
pulsionando fortemente a<;:6es educativo-preventivas e, escola'. Nao é suficiente que se assegure que as a<;:6es
por outro lado, faze-Io segundo urna lógica de financia- de saúde bucal que sejam compatíveis com o ambiente
mento indutora de distor<;:6es e desvios mercantilistas, escolar tenham continuidade e que, apenas, nao mais se
O sistema incremental foi urna tecnologia desenvol- realizem na escola opera<;:6es cirúrgicas, como extra<;:6es
vida no Brasil no ámbito do Servi<;:o Especial de Saúde e restaura<;:6es dentárias.
Pública (SESP), fortemente associada ao planejamento
normativo que caracterizava a institui<;:ao, de forma
centralizada e vertical, que, segundo Pinto (2000),
objetivava o atendimento dentário completo de urna SAÚDE BUCAL NO SUS: PARA ONDE IR?
dada popula<;:ao escolar, eliminando suas necessidades
acumuladas e, posteriormente, mantendo-a sob con- O presidente Collor sofreu impeachment em 1992,
trole, segundo critérios de prioridades quanto a idades e no governo que se seguiu (hamar Franco), foi mantida
e problemas, O sistema incremental praticamente se baixa prioridade para a PNSB, mesmo tendo sido reali-
tornou sinonimo de odontologia escolar e de 'modelo zada, em 1993, a 2 a CNSB, em torno do tema central
de saúde bucal' no setor público, influenciando decisi- 'Saúde bucal é direito de cidadania' (BRASIL, 1994).
vamente, por quase meio século, as a<;:6es do setor em Durante os oito anos de governo de Fernando
todo o país (NARVAl, 1994), Henrique Cardoso de Melo (1994-2002) foram poucas
as iniciativas na área de saúde bucal. Mas, o avan<;:o do um programa' vertical 'do Governo Federal', é essencial
processo de descentraliza<;:ao do sistema de saúde ampliou que, em cada município, sua implanta<;:ao e desenvol-
positivamente a organiza<;:ao e a capacidade de respostas vimento ocorra com acompanhamenta e controle do
aos problemas de saúde bucal na esfera municipal. respectivo Conselho de Saúde e com base em práticas
Em 1998, foi instituído o Piso de Aten<;:ao Básica democráticas de gestao. Quando isso nao ocorre, ob-
(PAB), um novo mecanismo para as transferencias fede- serva-se um simulacro de interven<;:ao pública na saúde,
rais aos municípios, dissociado do sistema de informa- sem potencia para de fato contribuir para 'reorganizar o
<;:óes em saúde. Os municípios come<;:aram a receber urna modelo de aten<;:ao' a partir da aten<;:ao básica.
parcela fixa mensal, conforme o número de habitantes, Em 2002, o Brasil elegeu Luiz Inácio Lula da Silva,
e um montante variável segundo a implementa<;:ao de um presidente oriundo das for<;:as políticas que se opu-
determinados programas ou atividades. seram ao regime militar e que, desde as elei<;:óes de Tan-
A institui<;:ao do PAB contribuiu com o aumento credo/Sarney (indireta) e de Fernando Collor (direta), se
da capacidade de gestao local e com o florescimento de colocou em oposi<;:ao a esses governos. Com sua elei<;:ao,
propostas de planejamento e emprego de recursos com pretendia-se colocar 'em outro patamar' o processo de
base nas necessidades de saúde coletiva. Os significativos constru<;:ao do SUS e, no seu interior, redefinir a PNSB.
esfor<;:os para universalizar a aten<;:ao básica e enfrentar os Dadas as características das sucessivas candidaturas de
obstáculos e limita<;:óes relativos aintegralidade da aten<;:ao Lula apresidencia da República, a constru<;:ao da política
vem permitindo, desde entao, que propostas de sistemas que se expressaria no 'Programa Brasil Sorridente' teve
públicos de aten<;:ao a saúde bucal sejam desenvolvidas, urna longa matura<;:ao por parte das correntes políticas
ainda que o modelo da odontologia de mercado esteja for- que, ao langa daqueles anos, foram se alinhando ao
temente presente em muitas sistemas locais de saúde. ex-metalúrgico. Esse processo, iniciado na luta contra
a ditadura, expressou-se nos Encontros Científicos de
Estudantes de Odontologia (ECEO), ENATEsro, CNS e
CNSB, e possibilitou a consolida<;:ao de um conjunto
SAÚDE BUCAL E SAÚDE DA FAMÍLIA de propostas sistematizadas no Programa Brasil Sorri-
dente, cuja origem é explicitamente reconhecida na sua
Urna nova perspectiva para a PNSB foi aberta pelo apresenta<;:ao (BRASIL, 20ü4B).
MS com a portaria 1.444, de 28/12/2000, estabelecendo
'incentivo financeiro para a reorganiza<;:ao da aten<;:ao a
saúde bucal prestada nos municípios por meio do PSF'
(BRASIL, 2000). O PSF, implantado em 1994, no final BRASIL SORRIDENTE
do governo Itamar Franco, sob inspira<;:ao da estratégia
de medicina familiar desenvolvida em Cuba, mas tam- O Programa Brasil Sorridente foi apresentado ofi-
bém levando em conta as propostas de focaliza<;:ao das cialmente como expressao de urna política subsetarial
políticas preconizadas pelo Banco Mundial e Fundo consubstanciada no documento 'Diretrizes da Política
Monetário Internacional, convive, em cada local onde Nacional de Saúde Bucal', definida no ambito do go-
é desenvolvido, com um dilema: para ser, efetivamente, yerno Lula (2003-2006) logo após sua posse e integrada
urna estratégia de constru<;:ao do SUS, e nao apenas 'mais ao 'Plano Nacional de Saúde: um pacto pela saúde no
Brasil', objeto da portaria 2,607, de 10/12/2004 do de unidade de saúde, o primeiro CEO foi inaugurado
MS, Nesse documento, é enfatizada a reorienta<;:ao do em Sobral, Ceará, em 17 de mar<;:o de 2004. A promessa
modelo de aten<;:ao em saúde bucal, sublinhada a busca está sendo cumprida. Segundo a Coordena<;:ao Nacional
de articula<;:ao com os setores da educa<;:ao e da ciencia e de Saúde Bucal do MS, em agosto de 2008, havia 675
tecnologia, e sao identificados os princípios norteadores CEO em funcionamento no país.
e as linhas de a<;:ao previstas, O avan<;:o representado pelos CEO no servi<;:o pú-
No período de 2002 a 2008, embora o número de blico odontológico decorre, essencialmente, da ruptura
equipes de saúde bucal (ESB) tenha saltado de 4.261 com a lógica de ofertar apenas cuidados odontológicos
para 17.349, representando um potencial de cobertura básicos no SUS, integrando tais unidades, necessaria-
de mais de 91 milhóes de habitantes, esse valor corres- mente, a sistemas de referencia e contra-referencia (em
pondia apenas a pouco mais de metade das Equipes de 2003, apenas 3,3% dos atendimentos odontológicos
Saúde da Família. Além disso, urna pequena propor<;:ao eram de média e alta complexidade). O desafio que
das ESB contava com o técnico em higiene dental. claramente emerge desse processo é nao sucumbir as
Ademais, dados sobre 'potencial de cobertura' sao impor- pressóes clientelísticas e resistir a tenta<;:ao de transformar
tantes, mas, por se referirem a demanda potencial e nao os CEO em portas de entrada do sistema de aten<;:ao.
a demanda efetiva, nao esclarecem sobre o número de No ambito das a<;:óes preventivas, foram implanta-
brasileiros que estao tendo acesso as a<;:óes de saúde bucal dos por meio da Funda<;:ao Nacional de Saúde (FUNASA),
e se beneficiando da PN5B. É de grande significado, 205 novos sistemas de fluoreta<;:ao da água de abaste-
contudo, que equipes de saúde bucal estejam presentes cimento público, medida reconhecidamente efetiva na
em 4.857 dos 5.564 municípios brasileiros, e que, nesse preven<;:ao da cárie dentária (NARVAl, FRAúo, 2006),
período, o potencial de cobertura tenha se elevado de abrangendo 106 municípios em seis estados.
cerca de 15% para aproximadamente 44%. Ainda que se reconhe<;:a a relevancia das a<;:óes preven-
A partir de 2004, come<;:aram a ser instalados em tivas e de reabilita<;:ao, tem sido apontada a importancia
todos os estados brasileiros, com base na portaria n° estratégica da promo<;:ao da saúde também para a saúde
1.570/GM, os Centros de Especialidades Odontológicas bucal. Agora, no início do século 21, tem-se enfatizado o
(CEO), com o objetivo de ampliar e qualificar a oferta fato de a maioria das doen<;:as crónicas possuirem fato res
de servi<;:os odontológicos especializados. Os CEO sao de risco comuns e modificáveis relacionados a caracterís-
unidades de referencia para as unidades de saúde encar- ticas socioambientais e comportamentais, que exercem
regadas da aten<;:ao odontológica básica, e estao integra- influencia significativa tanto na ocorrencia das doen<;:as
dos ao processo de planejamento loco-regional, sendo bucais como nas principais doen<;:as crónicas (SHElHAM,
os custos para seu funcionamento compartilhados por WATI, 2000). Abandono do uso do tabaco, redu<;:ao da
estados, municípios e governo federal. O atendimento ingestao de álcool e diminuiyao do consumo de a<;:úcar sao
de pacientes com necessidades especiais e as a<;:óes es- objetivos que, combinados a um esfor<;:o para melhorar os
pecializadas de periodontia, endodontia, diagnóstico níveis de higiene bucal e o acesso a produtos fluorados,
bucal e cirurgia oral menor integram o elenco ofertado podem redundar no controle da cárie dentária, da doen<;:a
minimamente em todos os CEO. periodontal e do cancer de boca. Uso de cinto de seguran-
Com a presen<;:a do presidente da República, que <;:a nos veículos e controle do comércio de armas reduzem
prometeu dar prosseguimento a constru<;:ao desse tipo traumatismos em geral, incluindo os bucomaxilofaciais,
assim como o uso de preservativos ajuda no controle da implementa<;:ao dos CEO e da inser<;:ao das equipes de
síndrome de imunodeficiencia adquirida (Aros), que tem saúde bucal na estratégia de saúde da família.
importante impacto na saúde bucal. Por essa razao, as O futuro da saúde bucal no SUS dependerá da for-
iniciativas intersetoriais, orientadas por urna abordagem ma como for equacionado, nos próximos anos, o desafio
integral que tem por base os fatores de risco comuns, sao fundamental de fortalecer a sociedade civil, respeitar os
imprescindíveis para que se alcance maior efetividade nas movimentos sociais populares e consolidar a democracia.
a<;:6es de promo<;:ao da saúde e preven<;:ao de doen<;:as. Manter a saúde bucal na agenda da gestao das políticas pú-
Para que a PNSB, que se expressa operacionalmente blicas exigirá esfor<;:os tao ou mais consistentes quanto os
no Programa Brasil Sorridente, possa aproximar o tex- realizados nos primeiros 20 anos do SUS. Nesse processo
to das suas diretrizes das necessidades dos brasileiros, será fundamental o papel do estado, tanto na garantia do
traduúndo-se em a<;:6es concretas, nao poderá ficar aprofundamento da democracia e dos princípios repu-
restrita nem a saúde da família, no plano da aten<;:ao blicanos na vida nacional, quanto na implementa<;:ao de
básica, nem aos CEO, na aten<;:ao secundária. Terá, ne- solu<;:6es adequadas para regular os conflitos gerados pelo
cessariamente, de ir além e operar, concomitantemente exercício de direitos coletivos e a preserva<;:áo das liberda-
no ámbito das micropolíticas e no das macropolíticas, des individuais. Avan<;:ar nessa dire<;:ao implica, conforme
produúndo transforma<;:6es tanto nos servi<;:os de saúde, tem sido apontado por diferentes atores sociais, superar o
nas rela<;:6es que concretamente se estabelecem entre ideário liberal-privatista e, levando em conta o interesse
profissionais de saúde e usuários do SUS, quanto nas
público, robustecer a capacidade de gestao das políticas
políticas públicas nas tres esferas de governo. Nao há
públicas, da política de saúde e da PNSB.
dúvida de que os CEO sao a face de maior visibilidade
do Programa Brasil Sorridente, mas a PNSB é muito
mais do que os CEO. Concretizar isto é o principal
desafio estratégico posto a essa política pública, cujos
maiores riscos sao, de um lado essa redu<;:ao e, de outro,
a descontinuidade do financiamento.
Ajuda a compreender o quanto é crucial o aspecto
REFERENCIAS
do financiamento para se consolidar a PNSB e aprofun-
dá-Ia, quando se considera que, além das transferencias
financeiras regulares, por meio do PAB e também as BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Aten<;:ao a
relacionadas com o custeio das a<;:6es de média e alta Saúde. Departamento de Aten<;:ao Básica. Avaliaráo
complexidade, os gastos federais com investimentos em
normativa do Programa Saúde da Família no Brasil· mo-
nitoramento da implantaráo efimcionamento das equipes
saúde bucal, que passaram de 56,5 para 427 milh6es
de saúde da família: 2001-2002. Brasília, DF, 2004A.
por ano, no período de 2003 a 2005 (COSTA, CHAGAS,
SILVESTRE, 2006), atingindo cerca de 600 milh6es, em ___o Ministério da Saúde. Secretaria de Aten<;:ao a
2008. No período de 2003 a 2008, foram investidos Saúde. Departamento de Aten<;:ao Básica. Coordena<;:ao
Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional
aproximadamente R$ 2,4 bilh6es. Sem esse aporte
de Saúde Bucal. Brasília, DF, 2004B. Disponível em:
de recursos nao teria sido possível lograr os avan<;:os <http://dtr2004.saude.gov. br/dab/saudebucal/publica-
referidos, pois eles foram indispensáveis ao impulso da coes.php> Acesso em 30 out. 2008.
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Portaria na 1.444, de 28/12/2000. Diário Oficial da de, n. 17, supl.l, p. 7-11, 2008.
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