Por mais que me cause espanto, tenho de reconhecer que algumas pessoas
pelas quais tenho admiração acreditaram ver no ensaio do Martim Vasques
da Cunha sobre Olavo de carvalho, publicado na Gazeta do Povo, um trabalho
sério, merecedor da devida consideração intelectual. Martim tem seu mérito:
escreveu bastante (o que lhe é natural), colocou muitas citações (bem ao
estilo acadêmico), costurou assuntos desconexos (exalando erudição)... Tudo
isso, contudo, não teria qualquer efeito se separado do arremate perfeito, a
longa reiteração do chavão preferido dos anti-olavistas e isentões que até
admiram o professor, são gratos por ensinamentos, pelo surgimento da
“direita”, etc, mas não perdem a chance de ressaltar sua independência, de
deixar claro que possuem divergências, inclusive vindas direta e
exclusivamente da própria cabeça.
Foi sem dúvida a “conclusão” do ensaio que intrigou meia dúzia de pessoas
sensatas e levou ao delírio os idiotas de sempre: segundo seu texto, o Curso
Online de Filosofia funciona como uma “teia hierárquica” pela qual o
professor Olavo mantém o controle sobre os alunos, submetidos, pobre de
nós, ao seu guiamento na tarefa de tomada do poder...
Pois bem. Nunca vi qualquer relato de qualquer tipo de controle exercido pelo
professor sobre seus alunos. Nunca. Nenhum. Recentemente, inclusive, a
revista Época teve de buscar pessoas que confessadamente não se
reconheciam como alunos do COF para forjar testemunhos contra o método
ali praticado. O que ocorre, bem ao contrário do que supõem essas fantasias,
é que o professor costuma ter muito mais flexibilidade aos questionamentos
e oposições do que os próprios alunos. Muitas vezes torcemos para o
professor excluir esse ou aqueloutro aluno que nos parece muito chato, com
perguntas despropositadas e insistentes, frequentemente atrapalhando a
dinâmica das explicações. Infelizmente, Olavo de Carvalho possui uma
paciência sem limites com seus alunos, independentemente do QI. Acolhe,
ouve e atende todos que pode. Alguns ficarão surpreso com essa afirmação
ante as tempestades que o professor costuma criar na mídia, mas é a mais
pura verdade.
Martim Vasques sabe disso tudo. Não há fatos em que embasar seu desejo de
quebrar o prestígio do filósofo. Apenas dizer que Olavo de Carvalho dedica sua
vida a educar novas gerações de intelectuais completamente
compromissados com a verdade, conscientes de sua imensa responsabilidade
na sociedade, e dedicados à promoção da alta cultura não é lá das coisas mais
assustadoras - talvez assim, falando a realidade claramente, até o
promovesse... Como, então, conseguir uma manchete chocante, capaz de lhe
garantir espaço cativo na grande mídia? Desesperado, lembra do irrelevante
detalhe de que o COF não possui um prazo fixo de duração como dado que
corroboraria sua tese, bem como levanta suspeitas macabras sobre o exercício
do necrológio – absolutamente sem sentido. Daí o lastimável plano traçado
(ou a precipitação do autoengano?), a essência mesma do seu ensaio: a
tentativa de substituir as provas do fato alegado (o controle dos alunos por
meio da “teia hierárquica”) por uma longa e intrincada exegese de alguns
textos antigos do professor, combinada com amontoados de referências
bibliográficas completamente alheias à realidade da questão posta (as
citações do professor Henrique Elfes – cujo conteúdo, em si, é excelente -
ilustram com perfeição a brutal distorção realizada por Martim Vasques).
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Ao ler e reler o maldito ensaio, meu ímpeto inicial era de contestá-lo ponto
por ponto, mostrando, em sequência, como Martim Vasques vai
concatenando insinuações maledicentes e desconversas para ao final sacar de
forma completamente arbitrária sua denúncia contra o projeto do COF. É algo,
entretanto, que nunca farei – falta-me paciência e estômago para isso.
Registro aqui esse meu primeiro e frustrado intento na torcida de assim
estimular melhores estudiosos a realizar essa indigesta tarefa o quanto antes,
desincumbindo minha consciência do dever de debelar uma grave injustiça
contra um gênio e herói nacional. Contento-me, pois, em assinalar os
disparates mais grotescos do Martim para ao menos evitar que,
completamente incontestes, saiam por aí sendo repetidos como idôneos.
Porém, ah!, porém! Pelo menos dois outros pontos não posso deixar de tratar
agora. A bola está quicando, impossível me conter.
Certamente Martim Vaquez dirá que nunca negou existirem bons alunos no
COF, independentes como ele (grande honra!) e integralmente admiradores
do professor Olavo. Porém, irá tentar tapar o sol com a peneira contrapondo
a isso a ideia de que a maioria dos alunos são apenas baderneiros de redes
sociais, e não estudantes preocupados com a ordem de sua alma. Se um dia
ele recuperar o contato com a realidade, Martim perceberá que o que ele
chama de maioria é quantitativamente minoria absoluta comparada aos
milhares de alunos do professor Olavo, assim como a maioria dos
“baderneiros” não são alunos do COF, nem mesmo leitores dos livros do
filósofo, mas quando muito seguidores de Facebook ou meros ouvintes do
saudoso “True Outspeak”. E a existência de confusões virtuais causadas por
alunos e simpatizantes do professor, que ademais vivem permanentemente
em discussões entre si - algumas toscas, outras interessantes -, prova mais
uma vez justamente o contrário do que Martim afirma – prova que não há
qualquer mínima tentativa de controle do professor sobre o que os seus
alunos fazem, pensam ou deixam de pensar.
Preciso parar, tenho muito a fazer, porém, depois de ver meu caro Francisco
Escorsim, também na Gazeta do Povo, afagar as conclusões do Martim
Vasques, não consegui mais sossegar. Precisava comentar, ou melhor,
evidenciar – no intuito de facilitar a visão dos leitores no meio daquela
maçaroca de ensaio – o estranho processo verborrágico que imagina,
simulando uma análise intelectual, diagnosticar pleonexia (o desejo
incoercível de controle mental sobre a complexidade da realidade) na vida e
obra do filósofo Olavo de Carvalho.
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Então, direto e reto, com replay acelerado, aos pontos relevantes (tendo
como referência as “seções” do ensaio):
livro “O mundo como ideia” (2001), e que o próprio Bruno Tolentino teve
“deferência” pelas considerações do filósofo na revisão final do poema
“Espectro”, porém, faz questão de listar os equívocos de Olavo de Carvalho na
compreensão do significado integral de “O mundo como ideia”. Esse
certamente não é um procedimento muito habitual de crítica – condenar a
interpretação da parte existente pelo todo que ainda viria a existir:
"Contrapondo o resultado final de ‘O Mundo Como Ideia’ com a sua análise
provisória a respeito de um único poema do tomo, é percebe-se que Olavo não
preservou esse “equilíbrio” na sua interpretação de “O Espectro”".
que "é justamente esse último grupo [religiões da analogia] do qual faz parte,
direta ou indiretamente, queira ou não queira, a dialética simbólica de Olavo
de Carvalho", Martim reconhece que não há nada de propriamente errado
naquele texto do filósofo, mas apenas que "a dialética simbólica – o método
fundamental da filosofia de Olavo de Carvalho – pode cair no mesmo perigo
de se exceder tanto nos seus “prodígios” como nas suas “vertigens”, em
especial quando ela é aplicada na leitura objetiva do mundo."
Nossa!, será que agora Martim aproveitará para falar objetivamente sobre a
filosofia de Olavo de Carvalho?
Após isso, Martim Vasques se considera livre, leve e solto para a difamação
pura e simples do Curso Online de Filosofia e, no pacote, do restante da obra
filósofica de Olavo de Carvalho, dedicando-se com afinco a demonstrar que
não conhece nada de seu conteúdo e que por isso mesmo se julga habilitado
a, pela extração de três ou quatro parágrafos dum universo de 400 aulas com
horas de duração cada, inscrever tudo exatamente dentro do infantil rótulo
que criara anteriormente – ah, sim, Bruno Tolentino!, meu mais sincero
sentimento de pesar, pois é esse o infeliz que avocou para si, usando teu
nome!, a missão de levar adiante tua luta contra o “mundo como ideia”...
De fato, tudo que se segue são transcrições cujo conteúdo ninguém com
maturidade intelectual - talvez nem o próprio Martim Vasques - teria algo
significativo a opor se já não fosse lido à luz daquelas arbitrárias, falsas e
maquiavélicas atribuições de “racionalismo perenialista”. Mesmo a lista
indicando estudos específicos do professor, tidos erradamente como
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sequência do COF (infelizmente, apenas cerca de 10% das aulas são sobre
aqueles estudos, sendo a grande maioria composta, como dito anteriormente,
por exercícios de aplicação concreta do método filosófico), não mereceu a
mais mínima atenção crítica do Martim – irrelevantes quaisquer exigências de
idoneidade intelectual quando se trata de denegrir Olavo de Carvalho, basta
jogar a pedra (ou a merda) e ir para os braços da galera...
Como deve ser óbvio, não pretendi defender o conteúdo da genial obra
filosófica de Olavo de Carvalho, nem os admiráveis métodos pedagógicos
aplicados no COF, muito menos sua influência nas questões políticas mais
recentes (caso em que, aliás, seria uma ótima oportunidade para ostentar
toda minha vaidosa lista de divergências pessoais) – demonstrei apenas a
absoluta nulidade daquelas escandalosas conclusões de Martim Vasques.
Faço aqui, contudo, uma rápida consideração de mérito: faz algum sentido
atribuir um “racionalismo perenialista”, “esotérico”, a Olavo de Carvalho
quando nenhum intelectual nas últimas décadas se dedicou com tanta
coragem e acurácia analítica a recolocar o milagre, a vida dos santos e a
Eucaristia espiritualmente acima de todos os tipos de especulações
metafísicas e místicas? Do mesmo modo, não conheço nenhum filósofo que
tenha ressaltado tanto o papel determinante do desconhecido e da
imprevisibilidade no conhecimento e na ação humanos – isso está presente
em todos seus estudos: na metafísica claramente, na gnosiologia é
fundamental e na sua filosofia política (incluída sua original Ciência Política –
a análise empírica das condições e meios da luta pelo poder) constitui a lição
primeira.
25 de março de 2019.