Como
esCrever
dilogos
A arte de desenvolver o diálogo
no romance e no conto
Guias do Escritor
Como
esCrever
dilogos
A arte de desenvolver o diálogo
no romance e no conto
Copyright desta tradução © 2011 Autêntica Editora/Gutenberg
TíTl GAl
Cómo escribir diálogos
TA
Gabriel Perissé
Ev TéCCA
Cristina Antunes
ETA ElETôCA
Patrícia De Michelis
Ev
Ana Carolina Lins
ETA EávEl
Rejane Dias
www.autenticaeditora.co.br
ados nternacionais de atalogação na Plicação (P)
(âmara brasileira do Livro, SP, brasil)
Kohan, iia Adea
Coo escreer diogos : a arte de desenoer o diogo no roance e no
conto / iia Adea Kohan. – Beo Horizonte : Gutenberg Editora, 2011. – (Guias
do Escritor ; 1)
11-01542 C-809
1.odiálogonarrativo................................................................. 9
Defnição.............................................................................. 10
Características...................................................................... 10
Constituição......................................................................... 11
Condiçõesnecessárias........................................................ 11
Funçõesdodiálogo............................................................. 15
Outrasoperaçõesqueodiálogopermite......................... 18
2.tiposdediálogos ...................................................................... 21
Discursodireto.................................................................... 22
Discursoindireto................................................................. 22
Discursolivre....................................................................... 24
Combinaçõesevariações................................................... 24
Omonólogo......................................................................... 26
Osolilóquio.......................................................................... 29
Odiálogonocinemaenoteatro....................................... 30
Mescladegêneros................................................................ 31
3.Formasderepresentaçãodosdiálogos.................33
Asormasclássicas.............................................................. 34
Apontuaçãocorreta............................................................ 35
Ousodasaspas.................................................................... 36
Osmatizesexpressivos........................................................ 36
Semoverbo“dizer”............................................................. 37
4.aartedoinciso.......................................................................... 38
Osobjetivos.......................................................................... 39
Ousoadequadodoinciso.................................................. 40
Olugardoinciso................................................................. 41
Ousodoverbo“dizer”........................................................ 41
Ampliaroeeito................................................................... 42
Outrasmodalidadesdediálogo......................................... 43
5.osrecursoslinguísticos.................................................... 47
Quemala............................................................................. 48
Comoala............................................................................. 49
Modismosverbais................................................................ 50
Gírias..................................................................................... 51
Aexpressãoadequada......................................................... 51
6.opersonagemserevela
....................................................... 57
Avozidentifcada................................................................ 58
Avozúnica........................................................................... 58
Váriasvozes.......................................................................... 59
Umaetapaacumprir.......................................................... 60
Dizereser............................................................................ 60
Oidioleto............................................................................. 61
Dequemundoelevem....................................................... 61
Osentidodesuaspalavras................................................. 63
Afchaeoesquemadosrelacionamentos........................ 64
Avozdospersonagenssecundários................................. 65
Ointerlocutor...................................................................... 65
7.diálogoounarrador?.................................... 69
Quemtemopoderdentrodotexto.................................. 70
Ograudeintervenção........................................................ 71
Modalidadesemcontraste................................................. 71
Onarradormaisadequado................................................ 72
Comoempregarodiálogo................................................. 73
8.tema,localediálogo..................................... 75
Cadasituaçãoimplicaumtema........................................ 76
Enoquesdotema............................................................... 76
Oestereótipo........................................................................ 77
Umteste................................................................................ 78
Olocal.................................................................................. 79
9.Ferramentaouarmadilha?............................. 81
Beneícios............................................................................. 82
Riscos:osproblemasmaiscomuns................................... 82
Diálogoeloquenteversusdiálogopobre........................... 84
14passos............................................................................... 85
Aadequaçãodeumdiálogo............................................... 86
notas................................................................... 81
intuçã
Somosseresquealam.Porissoéumatentaçã opoderocuparo
lugardeoutraspessoaseescreveroquedizemnovaziodapágina.
Nestesentido,escreverdiálogoséentraremcontatocomoqueháde
maisgenuínonoserhumano.
Noentanto,devemostomarcuidado.Sefzermosseresalarem,
suaspalavrasdeverãotersentidoeequilíbrioparaquesejamouvidas
adequadamente.Apresentarumpersonagemalandodedeterminada
ormaazoleitorimaginarummododeexistirconcreto.Seoautoror
bastantehabilidoso,nemprecisaráutilizardescriçõesísicasouexpli-
caromododepensardeseuspersonagens.Odiálogo,comoparteda
tramadocontooudoromance,serásufcientementerevelador.
Certamente,precisamossabercomclarezaoquepretendemos
comumdiálogo.Paraisso,éundamentalconhecerproundamente
suasvariações,suasunçõeseasdierentesestratégiasdisponíveis.
Nestelivro,vamosaprenderquandoconvémempregarodiálogo
numromanceouemoutrostiposderelatoecomopodemostraba-
lharaspalavraseosenunciadosparaobterumdiálogoefcaz.
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naat 9
Odiálogobemconstruídoéumadasormasnarrativasmaiscon-
vincentes,porqueaparentementenãoapresentaintermediários,euma
dasmaissugestivas,porprovocaracuriosidadedoleitor.Permiteque
“escutemos”asvozesdospersonagenseassistamosaumaconversa
semqueseusprotagonistaspercebamnossapresença.Écomoestar
entreelessemservisto.
Comoestratégialiterária,odiálogoéumadasmaisefcazese,aomes-
motempo,umadasmaisdiíceisdesepôremprática.Graçasao
diálogo,
ospersonagensexpressamoquesóestatécnicapossibilita.Noconto,o
diálogoéumaerramentaqueajudaadefniropersonagem.Noroman-
ce,contribuiparaodinamismogeraldaobra.Alémdisso,peloqueosa-
lantesdizem,revelacomosãoosinterlocutoreseoerecedadossobreos
outrospersonagensesobreoambienteemqueahistóriasedesenvolve.
Quandolemosumbomdiálogo,acreditamosqueaquelasvozes
pertencemapessoasreais,sempreequandoasvozesestiverembem
dierenciadasentresi,numaentonaçãoadequadaetransmitindoin-
ormaçõesprecisas.Nestecaso,aconclusãoéaseguinte:opersona-
gemalae,porisso,existe.
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deFinição
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Apalavra“diálogo”provémdogrego diálogos,queequivalea“con-
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versa”. É o intercâmbio discursivo entre dois ou mais personagens
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quealamalternadamente,oracomoemissores,oracomoreceptores,
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c emitindosuasmensagens.Emoutraspalavras,numdiscursodireto,o
diálogoexigearéplicadeuminterlocutorexplícito(ouimplícito,em
certosusosmodernosdodiálogo).Éaormanarrativaqueapresenta
amaiorcoincidênciaentreoquesedizesuaduraçãotemporal.No
entanto,comoimitaçãodalinguagemconversacionalquesaidaboca
dospersonagens,nãoéimitaçãoliteral,masrutodeumaelaboração.
Odiálogopodeharmonizar-secomanarraçãoeadescrição.
Historicamente,odiálogoéabasedogêneroteatral,maspode
serutilizadoemqualquertipodefcçãonarrativacomoummeca-
nismoqueeliminaoulimitaapresençadonarrador,potencializan-
doapresençadopersonagem.
características
Odiálogoapresentaosacontecimentosmedianteasvozesdosper-
sonagens.Trata-sedeumaormadenarraçãovinculadaaocinema
eaoteatro.Emsentidoestrito,odiálogoéaderontação(podendo
haverounãoconvergências)entreduasvisõesdemundo(oudoisin-
terlocutores)queparticipamdeumasituaçãooudeumacena.Ambos
osinterlocutoresdevemsernecessáriosesecomplementarempara
constituiraestruturadodiálogo,azendocomqueatramaprogrida.
Asprincipaiscaracterísticasevantagensdodiálogosãoasseguintes:
• Onarradordesapareceeospersonagensalamporcontaprópria.
• Sãoospersonagensqueinormamsobreasituação,oconfitoe
aaçãodorelato.
• Oleitorconheceospersonagensdiretamente,aolersuaspala-
vrasepercebersuasormasdeexpressão.
• Éaormanarrativaquemaisseaproximadoleitor.
constituição v
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Odiálogoéumaestruturaaberta,inconclusa,constituídapor: n
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demserdois(umalanteeuminterlocutor)oumais.
b. Incisos:sãoesclarecimentoseitospelonarrador.Vêmdepois
deumtravessãoeservemparasituarospersonagensnacena,
paraindicarreaçõesprovenientesdeseupensamento,deseus
sentimentosoudesuaconsciência,oupararegistrarumgesto
ouaçãodopersonagemenquantoestáalando.
Exemplo:
condiçõesnecessárias
Háumasériedecondiçõesparaproduzirdiálogosefcazes.São
asseguintes:
i
Intencionalidade é a motivação que impulsiona uma rase. Tu-
do o que nossos personagens dizem nasce de uma determinada
intencionalidade.Quandoalam,dizemalgomaisdoqueestãoalando.
Estãoacrescentandoumaspectoàsuahistória,umainormaçãoque
nosaráacompanharomomentodeconitopeloqualeventualmente
estejamatravessando.Suaspalavrasestãoconectadasàsuapersonali-
dade,aocontextoeàsituaçãovividaeprocuramprovocarumaaltera-
çãonocursodosacontecimentos.
Aspalavrasquecolocamosnabocadenossospersonagensde-
vemterumajustifcativa.Sealguém,porexemplo,diz“estoucom
dordecabeça”,suaintençãopoderiaser:apresentar-secomoumser
debilitado,chamaraatençãodeoutropersonagemparaquemodi-
fquesuarelação,nãoparticipardeumacena,anteciparumdeter-
minadodesenlace,denunciarumambientecontaminado,etc.Sediz
“estoucomdorde cabeça,eujuro”,estáacrescentandouma ênase
cujaintençãoédemonstrarqueointerlocutordesconfadequeessa
dorsejaverdadeira.
p
Aspalavrasquesaemdabocadenossospersonagensdevemser
cuidadosamenteescolhidas.Esse cuidadodecorredabuscadeexa-
tidão—apalavraempregadadeveterumsignifcadopreciso—,da
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quantidade—nãodevemosmultiplicaraspalavrasdesnecessaria-
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mente—edapreocupaçãocomariquezalexical—convémrecor-
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reraodicionáriodesinônimosenãonosrestringirmosaoterritório
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empobrecidodepalavrasrepetidasoudesgastadaspelouso.
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n
Devesoardemodonatural.Maisdoquelerumdiálogo,oleitor
escutamentalmenteaconversadospersonagens.Porquesãotão
bonsosdiálogosescritosporErnestHem ingwayouIsaacAsimov?
Équenãoparecemorçados,sãoabsolutamenteconvincentesenão
têm rodeios e rebuscamentos. A naturalidade é sua característica
primordial.
Fz
Odiálogodeveuircomritmopróprio,comonumpoema.A
pereita adequação do coloquial ao literário deve ser complemen-
tadacomumapereitaadequaçãoliteráriaaocoloquial.Esseritmo
nãotemamesmavelocidadeemtodososdiálogos.Auidezestá
proundamenteligadaaotipodesituaçãorepresentada.Raymond
Chandlertrabalhavaesseaspectocommaestria.Umadassituações
maisrápidasemaiságeiséadointerrogatóriodorelatopolicial,que
pressupõegrandeeconomiadelinguagem,poisointerrogadocostu-
marespondercomragmentosdoquesabe.
cê
Devemosestaratentosàcaracterizaçãodenossospersonagens
paraqueodiálogosejacoerente.Seelessãocamponeses,poderemos
recorreràlinguagemrural,comoazMiguelDelibes;seimaginamos
umpersonagemcomtendênciaàdispersão,seráprecisoincluirdi-
gressõesemsuaala.Sejaqualorolugarqueocupemnomundo
narrado,sejamprotagonistasoufgurantes,oimportanteéconse-
guirqueospersonagensseexpressemdeacordocomsuapersona-
lidade.UmapresentadordeTVnãopodealarcomoumlutadorde
boxe,porexemplo,sequeremosqueodiálogotragainormações
sobreascaracterísticasdopersonagem.
Tambéménecessáriolevaremcontaacargaemocionalqueestá o
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emjogo.Opersonagemdeveráusarasormasverbaisadequadas a
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paraaliviarsuastensõesoureorçarumaideia.Seestivermorren- n
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dodeódio,nãocaberáum“quepena!”ouum“vejabem!”.Reações i
d
incoerentescomseuestadodeânimoenviarãoumamensagemam- o
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bíguaparaoleitor.
p
Duranteatrocadediscursosentredoisoumaisinterlocutores,
odiálogodevecriarumaincógnita,que podemostraduzircomo
capacidadede revelação.Escritoresminimalis tas comoRaymond
Carver são mestres nisso. Henry James, por exemplo, emprega o
diálogoparadaraconhecero quiddoromance,semodeclarar
diretamente.
Alémdisso,odiálogodevesersignifcativo,revelandoapersona-
lidadedoalante.
v
Considera-se que o diálogo representa de modo claríssimo a
identidadeentreotempodanarraçãoeotempododiscurso,embo-
rahajacasosem queo diálogopareçaacontecermaisrapidamente
doquenarealidadeeemoutrosdêasensaçãodedurarmaistem-
podoqueseriapossível,prejudicandosuaveracidade.Noprimeiro
caso,oleitorterádededuzirporsimesmooquealtaàhistória,à
medidaqueelaorprogredindo.Nosegundocaso,terádepularalgu-
maslinhasdodiálogoparatomarciênciadoqueestáacontecendo.
Um diálogo veraz por excelência oi desenvolvido por Miguel de
Cervantes,emDomQuixotedelaMancha.
i
As palavras que um personagem diz dependem, crescem, alte-
ram-seemrelaçãodiretacomodiscursodeoutropersonagem.São
igualmente importantes os discursos do alante e do interlocutor.
Aaladeum dependedado outro.Concordamoscomo linguista
OswaldDucrotquandoeleescreve:
c
Acontinuidadeeoprogressonarrativocaminhamjuntos.Cada
raseéumamensagemenviadapeloalanteaoouvinte;aresposta
desteúltimosurgecomoconsequênciadamensagem,eestarespos-
ta,porsuavez,aetaráaquelequeantesaloueaquemalarádepois,
eassimpordiante.Oestímuloentreunseoutrosérecíprocoecons-
tituiacontinuidadenarrativa.
Devemosestabelecerumfocondutorentreosdiálogos,explo-
randodoisveiosprincipais:
1. Osestadosdeânimodospersonagensesuasvariaçõesdesenham
umadeterminadacurva.
2. Éprecisosabercomclarezaemquecenaeemquemomentodes-
sacenasedarãoospontosculminantes,oclímax,quedevemser
enatizadosdemodoconveniente.
Um diálogo pode ser ambíguo (aludindo a algo que
não se expressa diretamente), mas jamais confuso. Por
outro lado, se não houver intencionalidade, evitemos
reforços explicativos.
Funçõesdodiálogo
Odiálogoéumaormadeapresentaçãoeindicaarelaçãoen-
treospersonagens;portanto,sãováriasasunçõesquedesempenha
numanarrativa.Nãoé obrigatórioquedesempenhetodas,mas,ao
lançarmãododiálogo,podemosrecorreraumaouaváriasdessas
unções.Basicamente,sãoasseguintes:
cf
Apresentacomvivacidadee imediatezuma cenadoconitoou o
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dasituação,emvezdorelatodonarrador,nopapeldemediador.O a
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diálogo,porexemplo,poderácontribuirparaaumentarosuspense, o
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aopôroleitoremcontatodiretocomosatoresdodrama,nummo- i
d
mentodeperigo,deinquietação,derupturacomanormalidade.Os o
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próprios personagens contarão o que estiver acontecendo e o que
estiveremsentindo.
tz
Se,emvezdeumragmentonarrativo,transcrevemosumdiá-
logoentreperso nagens,éporq uedesejamosconta ralgodemodo
maisrápidoedireto.Àmedidaqueasalassesucedem,percebe-
sequeospersonagens(eoleitor)sabemalgumacoisadeinteresse
paraahistória.
Um recurso muito comum entre alguns escritores do passado
era,emvezdemostraraação,colocaroleitordiantededoisperso-
nagens,umdelesassistindoàação,eooutronão.Oprimeirorelata
aosegundooqueestáacont ecendo.Esserecursoerausadono tea-
tro,poisnãosepodiacolocarnopalcodoisexércitos,porexemplo,e
entãoumcriado,doaltodeumatorre,contavaaoseusenhoroque
estavaacontecendonocampodebatalha.
Recursosemelhanteéutilizarumdiálogoparaqueoleitortome
conhecimento de acontecimentos que se deram antes que o relato
começasse.Nãohánenhumperigonessaestratégiaquandoumdos
interlocutoresdesconheceoqueooutroestácontando.Massetodos
jáestãocientesdosatos,convémiremrenteedesenvolverodiálogo