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Jornal de Estudos Espíritas 5, 010204 (2017) - (13 pgs.) Volume 5 – 2017

As mulheres fortes do Espiritismo francês


Adriano Calsone1
1
São Caetano do Sul, SP
a
e-mail: calsone_1@hotmail.com
(Recebido em 18 de Abril de 2017 e publicado em 05 de Julho de 2017).

R ESUMO
Das muitas pessoas que participaram do nascimento do Espiritismo na França de Allan Kardec, ou mesmo os que
estiveram à frente de sociedades espíritas, pouquíssimas foram as personalidades femininas que se destacaram.
Dessas, vale ressaltar as atuações e contribuições espíritas de um importante trio, que desempenhou trabalhos
originais e pouco reconhecidos na atualidade. São mulheres intelectuais, perscrutadoras e independentes, que
deixaram seus legados às futuras gerações, especialmente na defesa da coerência doutrinária. Amélie-Gabrielle
Boudet ou Madame Kardec (1795-1883) contribuiu à preservação das obras fundamentais da Doutrina, como tam-
bém à memória de Allan Kardec, além de ter inaugurado sociedades espíritas e sido precursora na criação do que
hoje conhecemos por comunicação social espírita. Bertha-Victoire-Alexandrine Thierry de Maugras ou Madame
Berthe Fropo (1821-1898), por ter sido amiga íntima do casal Kardec, publicou importantes documentos e deze-
nas de artigos com denúncias de corrupção e desvio de bens no meio espírita parisiense, além de ter contribuído
à historiografia espírita deixando, documentados, dados biográficos inéditos sobre a vida e a obra da viúva Kar-
dec e do movimento espírita francês. Senhorita Anna Blackwell (1816-1900) fora proficiente tradutora inglesa das
obras fundamentais da Doutrina Espírita. Deixou um legado profissional impecável, colaborando também com a
pesquisa historiográfica espírita, por meio de novas notas biográficas de Allan Kardec, que ela pesquisou in loco e
publicou em seus trabalhos.
Palavras-Chave: Amélie-Gabrielle Boudet; viúva Kardec; Madame Berthe Fropo; Anna Blackwell; Espiritismo
francês; período pós-Kardec.
DOI: 10.22568/jee.v5.artn.010204

I I NTRODUÇÃO ras, jornais e revistas espíritas. Também como articula-


ram denúncias públicas de corrupção supostamente pra-
O presente artigo analisa como as espiritistas Amé- ticada por “amigos” espíritas de Kardec que o sucede-
lie Boudet, Madame Berthe Fropo e Anna Blackwell, ram, além de analisar como essas rebateram teses ou sis-
identificadas em nossas pesquisas como mulheres fortes temas formulados por espiritualistas, livres-pensadores,
que conviveram e trabalharam com Allan Kardec, se ar- filósofos, místicos e esotéricos europeus que insistiram,
ticularam entre si pela defesa do legado espírita1 con- por décadas, na ambição de “modernizar Kardec” em
tra as infiltrações sincréticas no Espiritismo via Revista nome da fraternidade universal, incutindo a ideia de um
Espírita, provindas de sistemas filosóficos que meio es- Espiritismo já ultrapassado em pleno século XIX.
pírita francês (como fora o caso da teosofia2 e do rous- Na seção II, a seguir, será mostrado como se deu a
tainguismo3 ) com a pretensão de “atualizar” os preceitos elaboração do luto da viúva Kardec e o que ela fez após
espíritas estabelecidos pelos Espíritos superiores desde a morte do marido para suportar a dor da perda do es-
1857, com o lançamento da primeira edição d’O Livro poso amado, diante de uma união inquebrantável de 37
dos Espíritos, por Allan Kardec. anos. Em seguida, ainda na seção II, item 1, recupe-
Observa ainda como essas intelectuais se organizaram ramos um fato histórico inédito sobre a destinação dos
para publicar suas refutações e depoimentos em brochu- documentos do Espiritismo francês, bem como do mon-
1 Entende-se por “legado espírita”, a preservação das disposições testamentárias da última vontade que Allan Kardec expressou, por

exemplo, nos planos da Constituição Transitória do Espiritismo (Revista Espírita, dezembro de 1868). Compreende-se ainda por preser-
vação do legado, o resguardo editorial contra possíveis deturpações da Literatura Espírita organizada por Kardec, incluindo as edições
da Revista Espírita, as brochuras espíritas, separatas, cartas, manuscritos etc, além dos bens patrimoniais, pessoais e espíritas da família
Kardec.
2 A teosofia é uma doutrina secreta de caráter sincrético, místico e iniciático, acrescida eventualmente de reflexões filosóficas, que buscam

o conhecimento das divindades para alcançar a elevação espiritual. Para saber mais sobre a enorme influência da Teosofia no Espiritismo
francês do século XIX, sugerimos a leitura de nossa obra, Em nome de Kardec (2015), publicada pela Vivaluz Editora Espírita.
3 O roustainguismo refere-se à escola de Jean-Baptiste Roustaing, um influente advogado da cidade de Bordeaux, na França, que co-

ordenou a recepção de uma extensa obra concebida em volumes que foram intitulados, Os quatro evangelhos - revelação da revelação,
ditados mecanicamente na década francesa de 1860, por supostos Espíritos evangelistas (Marcos, João, Mateus e Lucas) à médium belga
Émilie Collignon. Os quatro evangelhos são considerados, portanto, um conjunto de obras não espíritas porque contradizem os preceitos
espiritistas em diversos pontos vitais e fundamentais, como é o caso da reencarnação e da não retrogradação dos Espíritos. Os rustenistas
defendem a ideologia milenar do Docetismo, sistema místico criado por cristãos primitivos que defendem, dentre outras teses sobrenaturais,
a de que Jesus fora um ser agênere que esteve na Terra num corpo fluídico, e que a gravidez de Maria foi apenas de aparência.

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As mulheres fortes do Espiritismo francês

tante de dinheiro e dos bens móveis e imóveis que estavam popularmente conhecido por derrame.
na residência dos Kardec em 1883. No item 2, de mesma Essa possibilidade de queda do mestre (registro mera-
seção, discutiremos o relevante trabalho da viúva Amé- mente histórico, que não pode ser considerado definitivo
lie na organização, preservação e distribuição das obras nem conclusivo), publicada na mídia parisiense quatro
espíritas da Doutrina. No item 3, apresentaremos fon- dias após a fatalidade, pareceu de maior impacto psí-
tes primárias de autores diversos, confirmando acusações quico para viúva Kardec. Uma possível evidência disso
graves de que viúva Kardec sofreu preconceito e assédio pode ser lida na obra, Allan Kardec e sua época, em que o
moral por parte dos próprios amigos de Allan Kardec, autor sugere como poderia ter sido o início da elaboração
após a morte desse. do luto de Amélie-Gabrielle Boudet:
Já na seção III, apresentaremos a desconhecida Ma- – Amélie estava como uma estátua derrubada. Seus
dame Berthe Fropo, que teve singular atuação no mo- olhos, que miram para longe, não têm mais lágrimas.
vimento espírita francês, também como uma espécie de Está desesperada por ter estado ausente, por não ter
conselheira e amiga íntima da viúva Kardec, além de ter podido segurar sua mão no momento supremo. Tinha
se tornado vice-presidente de uma instituição espírita, a ido de manhã cedo à rue de Lille, nova sede da So-
União Espírita Francesa, que muito ajudou a denunciar ciedade, para reorganizá-la nas bases indicadas pelo
e combater desvios doutrinários no Espiritismo do pós- marido. Quando, ao meio dia, voltou à rue Sainte-
Kardec. Anne, que choque! Deixou-se cair no sofá e não saiu
Por fim, na seção IV, a profissional Anna Blackwell mais dali. [...] (PRIEUR, 2015, p. 292).
surge no meio espírita nascente como a primeira tradu- Relata, ainda, o centenário autor Jean Prieur que
tora mulher das obras da Doutrina, além de ter sido hábil “as testemunhas do funeral não mencionam a presença
escritora e pesquisadora, revelando e publicando novos de Amélie. Tudo indica que, física e moralmente afe-
dados biográficos de Allan Kardec. tada, ela tenha permanecido na residência alugada da rue
Sainte-Anne, voluntariamente, sozinha naquele dia e dias
II M ADAME K ARDEC - LUTOS E LUTAS seguintes” (PRIEUR, 2015, p. 297).
Numa das edições da Revista Espírita do início da dé-
Depois da morte de Allan Kardec, ocorrida em 31 de cada de 1880 é possível deduzirmos a “vida dependente”
março de 1869, as novas diretrizes da Sociedade Parisi- que Amélie levou no período pós-Kardec, com amarras
ense de Estudos Espíritas, que representavam a Doutrina diretas na elaboração de seu longo luto:
na França, foram conduzidas por Amélie-Gabrielle Bou-
det, à época com 74 anos de idade, herdeira direta de [...] – Madame Allan Kardec levava uma vida inde-
Allan Kardec, lúcida e ativa mulher que os espiritistas pendente desde 1874, por isso, os membros da So-
da época chamavam por Madame Kardec. Não seria em ciedade e o seu administrador não mais fizeram as
vão que Gabriel Delanne, num discurso4 pronunciado em visitas anuais à Villa Ségur; isso não foi um aban-
dono de nossa parte, ou negligência por conveniência,
janeiro de 1883 (no funeral dela), irá dizer que “Madame
mas porque havíamos constatado a sua sábia razão
Allan Kardec foi - verdadeiramente - a femme forte (mu- [...] (VAUTIER & JOLY, 1883, p. 132).
lher forte) seguindo o Evangelho.” (LEYMARIE, 1883,
p. 7). Ao nosso entendimento, o trecho supracitado sugere
O que poucos sabem dessa época é que a então viúva que pelo menos, de 1869 a 1874, viúva Kardec vinha ela-
Amélie levou alguns anos para elaborar o seu luto. O borando o seu luto de maneira dependente. Mesmo com
próprio dia da desencarnação do marido pareceu ser a estátua da alma despedaçada, enlutada por cinco anos,
dificílimo para ela, já que o acidente caseiro do mes- a femme forte recobrou ânimos à criação e manutenção
tre Kardec esteve longe de uma ocorrência natural. Por de uma Sociedade Anônima (abril de 1869); à criação e
meio de nossas pesquisas primárias e secundárias, os fatos manutenção do monumento fúnebre druida em homena-
apontaram para uma queda fatal nas escadas do aparta- gem a Allan Kardec, no famoso cemitério Père-Lachaise
mento alugado do casal na passagem Sainte-Anne. Cons- (inaugurado em 31 de março de 1870); e à criação e ma-
tatamos que se tratou de uma ocorrência marcante para nutenção da Sociedade para a continuação das obras es-
Amélie, como se o marido fosse retirado abruptamente da píritas de Allan Kardec (1873).
esposa e da grande família espírita mundial, sem tempo Mesmo em estado de luto, foi hábil empreendedora
para explicações ou mesmo despedidas. com visão para os negócios, talento conquistado com tra-
Um registro biográfico publicado no jornal Le Gau- balho e dedicação, já que administrou, por décadas, os
lois, edição de 4 de abril de 1869, afirma que Kardec “no vários imóveis deixados pelo seu finado pai, o sr. Boudet.
outro dia, ao sair de casa, caiu na escada simplesmente À época, comentava-se que viúva K. detinha uma herança
burguesa, golpeado pela apoplexia como os mortais mais de 32 imóveis alugados em três localidades diferentes na
comuns, e ele não se levantou [...]”. Atualmente, a apo- França, permitindo uma renda anual de 8 a 10 mil fran-
plexia é chamada de Acidente Vascular Cerebral (AVC), cos5 (FROPO, 1883). E para definir exatamente a sua
4 Publicado
também na Revista Espírita, edição de janeiro de 1883, pg. 1.
5 Para
termos uma ideia do valor da moeda francesa da época, consideraremos neste artigo a seguinte classificação, meramente ilustra-
tiva: 583 francos mensais - média salarial do prof. Rivail até 1857, o que dava 7 mil francos anuais; de 1.000 a 10 mil francos - faixa das
doações efetuadas ao Espiritismo; de 50 a 100 mil francos - “média fortuna”; acima de 500 mil francos -”grande fortuna”. A moeda Franco
manteve-se estável de 1814 a 1914, mesmo com a influência devastadora das guerras e das revoluções endêmicas.

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Calsone, A.

ocupação na sociedade, a prefeitura de Paris a conside- cia, como também a libertar-se gradativamente de seus
rou uma rentière (rentista), o que significava uma pessoa trajes de luto. De seus três retratos existentes nos anais
que tem rendas, que vive de suas rendas. Não há dúvidas do Espiritismo, dois deles foram fotografados quando
que Amélie sabia lidar com problemas, pessoas, rendas e atingiu os 79 anos de idade e sugerem o processo de sua
negócios. elaboração pelo típico vestuário de luto que ela utilizava
Como afirmamos por meio das pesquisas, fora so- diariamente (ver figuras 1 e 2 abaixo).
mente a partir de 1874 que ela passou a ter independên-

Figura 1: Amélie-Gabrielle Boudet aos 79 anos de idade. Fotos tiradas no estúdio de Buguet, tendo o espectro (falso)
de Kardec aos fundos. Imagens encartadas na Revista Espírita, edição de janeiro de 1875, p.16. Da esq. para a dir.:
Janeiro e maio de 1874. Esses retratos pertencem ao episódio do Processo dos Espíritas (1875), que colaborou para a
desmoralização do movimento espírita na França.

II. 1 O auto-de-fé de 1883


O único depoimento existente sobre as circunstân-
cias da desencarnação de Amélie-Gabrielle Boudet foi
publicado numa brochura-protesto chamada Muita Luz6 ,
que comentaremos mais adiante. O que poucos sabiam à
época, é que a autora, Madame Berthe Fropo, era amiga
íntima de viúva Kardec e vinha cuidando de sua saúde no
início da década de 1880. Num tom de desabafo, Fropo
revela por meio de seu opúsculo o que exatamente acon-
teceu na residência de villa Ségur. Vejamos um trecho:
– Na sexta-feira, dia 19 de janeiro de 1883, ela teve um
mal súbito ao deixar a sua cama; ela caiu e bateu com
a cabeça na quina do mármore de sua cômoda, o que
a fez perder a consciência. Auxiliada por uma criada,
eu a coloquei para deitar, mas pelo sorriso (trejeito)
de sua boca, eu notei que ela teve uma congestão ce-
rebral. Eu fui buscar o médico, que me declarou que
Figura 2: Aos 87 anos de idade. Foto sem referência de ela estava perdida. (FROPO, 1884, p. 27).
publicação, tirada meses antes de desencarnar. Observa-
Portanto, no dia 21 de janeiro de 1883, aos 88 anos
se que, nesta época, já não há os trajes de luto.
de idade, viúva Kardec partia para a espiritualidade, ao
encontro de seu marido. Assim que o caixão de Amélie
6 FROPO (1884). Beaucoup de lumière, Démosthènés. Paris. Obra originalmente publicada na língua francesa. Disponível em:

http://bit.ly/2kBJwQj.
7 Leymarie ou M.P-G.L. (1827-1901) foi um republicano francês que se tornou amigo da família Kardec e médium de confiança da

Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Em 1870, ele se torna o mandatário (representante legal) de viúva Kardec, que o elegeu como o
administrador de seus negócios, fazendo com que assumisse a posição tão almejada de redator-chefe e diretor da Revista Espírita, além de
outorgar-lhe poderes para gerir a Livraria Espírita. Ofereceu-lhe uma espécie de salário de 3 mil francos por ano - o que dava parcos 250
francos ao mês. Em contrapartida, Leymarie exigiu que pagasse um adicional de 10% sobre as publicações espíritas que conseguisse vender
e popularizar. Natural que todo mandatário deva exercer autonomia em suas funções, todavia, é diferente quando esse representante legal

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As mulheres fortes do Espiritismo francês

foi baixado na sepultura druida do Pére-Lachaise, Pierre- ses, vendido a preço de banana para antiquários ou mar-
Gaëtan Leymarie7 , ao lado de sua comitiva, foi à Avenue ché aux puces (mercado das pulgas). O resultado desse
Ségur, no 39, verificar a real dimensão da riqueza material “incêndio” na historiografia espírita está aí hoje: quase
que havia naquela residência. Não é difícil deduzir que a nada se sabe ou se tem sobre a nossa vovó Kardec. E
casa resguardava uma boa parte da memória da Doutrina será mesmo que, depois de todas essas provas contun-
Espírita fundada pelos Kardec. Era preciso redobrar a vi- dentes de Fropo, o sumiço (quase total) da memória do
gilância para que nada fosse literalmente saqueado. Mas Espiritismo francês deve continuar recebendo aquela per-
quem faria isso; quem tomaria esse cuidado? sistente justificativa de uma pilhagem nazista9 ?
De acordo com a maneira como Madame Fropo des- Em verdade, o problema da depredação dos arquivos
creve os acontecimentos pós-desencarne de Kardec, (ver espiritistas ganhou um novo capítulo histórico depois de
a seguir) interpretamos que Leymarie rapidamente rom- janeiro de 1883, em virtude da morte da viúva Kardec.
peu os lacres das portas, como se aquele lar fosse o seu e o Como acabamos de constatar pelos fatos de Fropo, sobre
espólio kardecista lhe pertencesse a partir de agora. Ma- “as coisas fora de serviço”, muitos documentos e objetos
dame Fropo denunciará o seguinte, com palavras claras particulares dos Kardec, especificamente os colecionáveis
e precisas: mediúnicos da viúva - reservados para um dia compor o
engavetado Museu do Espiritismo -, lá estavam no inte-
– Disseram que só o sr. Leymarie, ainda que sua famí-
rior de Villa Ségur, a morada da própria família. A casa
lia tivesse herdeiros, fez-se ajudado pelo sr. Vautier,
tesoureiro e administrador da Sociedade, ao mesmo
de Amélie, por si só, já podia ser considerada um respei-
tempo em que trouxe o controle da herança para tável museu do Espiritismo, também das artes espírita e
si. Não houve nem inventário, nem escritura pública, mediúnica.
salvo as coisas fora de serviço que eles venderam aos Madame Berthe Fropo dirá, ainda, que, “além de
sucateiros. Tudo isso que digo é apenas sobre o di- ouro, havia na residência notas do banco, títulos de
nheiro, e ainda fazem pouco valor de mim (FROPO, renda, de quem sr. Joly (gerente da Revista Espírita)
1884, p. 29). foi capaz de observar ao meu lado. Demos prova tam-
bém da presença de vários documentos no momento da
Se não houve nem inventário, nem escritura, o que
instalação dos lacres” (FROPO, 1884, p. 45, parênteses
deveriam ser essas “coisas fora de serviço”? Talvez sejam
nossos).
as relíquias da viúva, que foram desaparecendo grada-
Berthe Fropo continuou a queixar-se por escrito em
tivamente após o seu desencarne. Itens valiosíssimos lá
sua brochura Muita Luz, do descalabro e da devassa que
estavam, como toda a sua coleção histórica de arte espí-
realizariam por lá, após o precipitado rompimento dos
rita e mediúnica, incluindo os incríveis desenhos mediú-
lacres. Em suas constatações in loco, a casa térrea da
nicos das paisagens de Júpiter, mediados por Victorien
viúva estava completamente ameaçada pelos antigos com-
Sardou, desenhos e esculturas do médium Fabre, as oito
panheiros de Kardec. Misturando ironia com desespero,
pinturas espíritas de grandes dimensões do artista Mon-
restou a ela apelar aos próprios esbulhadores:
voisin (avaliadas em 5 mil francos), partituras mediúnicas
inéditas, alguns exemplares lacrados da primeira edição – É função dos acionistas espíritas agirem agora para
de O Livro dos Espíritos (já raríssimos à época), docu- salvar os documentos e imóveis da villa Ségur que,
mentos pessoais, fotos de criança, de jovem e de adultos na mente do mestre, estariam reservados a um abrigo
do casal, correspondências familiares e as trocadas com espírita de idosos que ele queria construir lá. Além
amigos, os trabalhos artísticos de Amélie, de décadas, disso, estava previsto uma grande construção para es-
como desenhos, gravuras, fotografias, esculturas, pintu- tabelecer espaço para um museu e uma biblioteca es-
ras minimalistas das mais variadas, diplomas acadêmicos píritas (FROPO, 1884, p. 29).
do casal, uma vasta biblioteca particular, além de todos
Ao vasculharem os arquivos que resguardavam as me-
os seus preciosos livros de arte e literatura em capa dura,
mórias do casal, alguém acabou se confundindo, já que
publicados com honra e reconhecimento na sua fase bal-
muitos achados do mestre, segundo relata Fropo, não es-
zaquiana de professora Boudet8 . Sem incluir outras cen-
caparam da devastação de um dos membros desse comitê
tenas de documentos e coleções espiritistas inestimáveis
da inquisição. Ela mesma nos revela quem era exata-
à memória do Espiritismo. Enfim, alguém tinha a obri-
mente esse livre-pensador:
gação de preservar tudo isso! Era mais que um dever!
Berthe Fropo tinha razão: a maior parte dessa ex- – Mas o que me fez tremer de indignação foi assistir a
tensa lista de pertences pessoais do casal Kardec foi ven- um verdadeiro auto-de-fé. Senhor Vautier caminhava
dida aos sucateiros. Quase tudo foi parar na sucata de no jardim entre pilhas de papéis e cartas. Quantas co-
algum ferro-velho parisiense, ou, na melhor das hipóte- municações interessantes, quantas anotações deixa-
toma iniciativas contrárias às ideias de sua representada sem, ao menos, ouvi-la e/ou comunicá-la das mudanças e decisões tomadas em seu
nome. Pelas declarações de Fropo, concluímos que isso vinha acontecendo, há décadas, por meio das posturas controversas do mandatário
Leymarie.
8 Como professora e artista autodidata, Amélie publicou na década de 1820, três obras pedagógicas: Contos Primaveris (1825); Noções

de Desenho (1826) e O essencial em Belas-Artes (1828). Esses trabalhos, que chegaram a ser reconhecidos e incorporados no ensino francês,
infelizmente estão desaparecidos.
9 Sobre este tema, sugerimos a leitura do artigo de João Donha, “O legado documental de Allan Kardec: queimado, escondido ou

leiloado?”, que pode ser acessado em: https://palavraluz.wordpress.com/2016/07/17/arquivokardec/.

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Calsone, A.

das pelo mestre. Tudo foi destruído (FROPO, 1884, de Amélie-Gabrielle Boudet foi ignorada ao longo dos
p. 29). tempos, seja na França, seja no Brasil?
Madame Fropo é bem precisa quando menciona Vau- Talvez, essas perguntas possam ser respondidas por
tier, o comerciante parisiense que ocupava um cargo- meio de uma análise histórica das atitudes e predileções
chave na Sociedade, o de administrador: “Senhor Vautier místicas de Leymarie, movimentadas no meio espírita
caminhava no jardim entre pilhas de papéis e cartas”. Ao francês, que desenharam uma liderança extremamente
que indica, tudo que esteve naquele jardim pode ter sido partidária, forjada pelos interesses particulares (e ideo-
destruído. E a troco de quê? Por que não houve in- lógicos) de um grupo de “acionistas espíritas” ligados à
ventário, nem escritura? Por que tanta urgência em se Sociedade Científica de Estudos Psicológicos, fundada e
desfazer dos documentos dos Kardec? Fica aqui, então, o mantida por Leymarie. Essa liderança centralizada, que
mesmo questionamento que Allan Kardec fez na Revista, perdurou ao longo de décadas, parece ter sido capaz de
em sua edição de agosto de 1862, quando falou sobre a selecionar, ou mesmo editar, apenas aquilo que o “partido
atrocidade que fora o Auto-de-fé de Barcelona: “Que po- leymarista” quis deixar à historiografia espírita mundial.
deriam, pois, conter tais livros (nesse caso documentos) Para exemplificar isso, vamos aos fatos: em 1873,
que merecessem a solenidade da fogueira?” (KARDEC, Leymarie se consorciou com Blavatsky, escancarando
1862, p. 319). as colunas editoriais da Revue à propagação das ideias
Ora, esses senhores inteligentes, instruídos, historia- teosóficas na França e fazendo do periódico de Kardec
dores e pesquisadores natos, principalmente o sr. Ley- “uma abominável rapsódia, sob o pretexto de ecletismo”,
marie (que se tornará um dos primeiros biógrafos de Al- como dirá Berthe Fropo. Em 1876, Leymarie fora conde-
lan Kardec e que era a própria história viva da repú- nado e preso pela justiça francesa como falsário, diante
blica francesa), deviam saber muito bem, diante do im- do episódio da fotografia dos Espíritos, que desaguou no
portante contexto histórico-espírita que os cercava, que histórico Le Procès des spirites (O Processo dos espíri-
não se atira em fogueiras, nem se pisoteia em jardins, tas), denegrindo consequentemente a Doutrina Espírita,
ou mesmo se vende ao ferro-velho documentos, corres- o que a faz ser considerada hoje na França como uma
pondências, objetos pessoais, relíquias literárias, obras pseudorreligião. Em 1878, novo escândalo envolveu Ley-
das arte mediúnicas e não mediúnicas, entre outras pre- marie na fundação de uma Sociedade Teosófica dos Es-
ciosidades espíritas que foram deixadas pelo casal mais píritas Franceses - grupo não espírita que foi apoiado e
importante do Espiritismo. defendido por ele à frente de sua Sociedade Científica
Logo Leymarie e o Comitê Fiscal da Sociedade dei- de Estudos Psicológicos, com seu Boletim do Órgão do
xam suas defesas publicadas contra as graves acusações Movimento dos Livres-pensadores Religiosos e do Espiri-
de Fropo, diante de suas constatações, segundo ela, de tualismo Moderno. Em meados de 1880, sr. Leymarie se
um auto-de-fé em pleno jardim da residência da viúva filiou à enigmática Sociedade do Livre Pensamento Re-
Kardec: ligioso e à sociedade da Pneumatologia Universal, o que
– Não houve nenhum auto-de-fé de papel. Em 1873, reforçou elementos secretos na Doutrina, além de serem
Madame Allan Kardec, depois de uma reunião geral, contraditórios aos preceitos espíritas. Por fim, há uma
decidiu doar à Sociedade todos os documentos e cor- série de evidências de que Leymarie e partidários expres-
respondências importantes do mestre, que deveriam savam intenções sincréticas no Espiritismo, sistemas dis-
ser conservadas. No jardim, só foram queimados os tintos dos que Kardec e esposa pretendiam à propagação,
livros antigos das contabilidades do pensionato diri-
divulgação e progresso do movimento espírita nascente.
gido por Allan Kardec, na sua chegada à Paris de
1830. Tratava-se de mais de duas mil composições de
seus alunos, além de todas as coisas reconhecidas e II. 2 A precursora da Comunicação Social Es-
completamente inúteis, após triagem. Você, Fropo, pírita
tem que ter a mente muito doente para se atrever
a dizer que queimamos papéis importantes deixados Amélie-Gabrielle Boudet, em meio aos lutos vividos
pelo mestre. Que aberração! (LEYMARIE, 1884, p. e lutas combatidas em prol da coerência doutrinária, foi
19) a responsável por profissionalizar os precários meios de
Como vimos, Madame Berthe documenta que cons- comercialização e de divulgação da Literatura Espírita, a
tatou a queima, sem critério algum, de pilhas de papéis e fim de melhor distribuir as obras de seu marido dentro e
cartas com comunicações interessantes. Por sua vez, Ley- fora da França. No último ano de sua vida, Allan Kardec
marie e o Comitê negam veementemente isso, afirmando solicitou um brevet de libraire (autorização de livreiro), o
tratar-se apenas de livros antigos das contabilidades do que tornou possível fiscalizar a publicação e distribuição
mestre. de seus escritos pessoalmente. A viúva recebeu, então,
Mas se nada de importante foi destruído, onde fo- no lugar do marido, essa mesma autorização para o con-
ram parar os documentos familiares, pertences literários, trole comercial das obras herdadas - que se revelaram
trabalhos artísticos, coleções da arte espírita e mediú- extraordinariamente populares a partir de 1869.
nica, além das correspondências pessoais (e espíritas) de Pode-se afirmar, sem receios, que Madame Kardec
Amélie-Gabrielle Boudet? Por que não houve interesse, foi pioneira na organização e valorização do que hoje co-
da parte desses continuadores que a rodearam, em pre- nhecemos por Comunicação Social Espírita. Exemplos
servar e divulgar sua historiografia? Por que a biografia editoriais não faltam... Para recuperar clichês perdidos

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As mulheres fortes do Espiritismo francês

nas tipografias parisienses, ou seja, para resgatar todo Que É o Espiritismo?, O Espiritismo em sua mais sim-
o material tipográfico das obras espíritas do marido, ela ples expressão, Resumo da lei dos fenômenos espíritas,
autorizou que batessem à porta da tipografia de Beau, Caracteres da revelação espírita e, por fim, Viagem Espí-
a mesma que imprimiu O Livro dos Espíritos, e tive- rita em 1862. Portanto, causando enorme estranhamento
ram que encarar o jovem idealista Alfred Didier, dono para nós espíritas da atualidade, as consideradas obras
da Didier et cie, libraires-éditeurs. Negociou também fundamentais do Espiritismo deveriam ser em número de
com a tipografia parisiense de Rouge frères (os irmãos dez e não apenas cinco. Para Kardec, toda a constituição
ruivos Dunon e Fresné), a fim de verificar com a dupla de suas dez principais obras literárias deveria ser consi-
se havia por ali sobras tipográficas referentes aos livros derada fundamental para o Espiritismo.
organizados pelo mestre Kardec. Viúva Amélie autori- E a possível explicação raciocinada para esta impor-
zou novas reedições das obras espíritas junto ao respei- tante mudança literária (sem qualquer aviso prévio ou
tável Edouard-Henri Justin-Dentu, livreiro de romances explicação posterior) deu-se justamente no dia 9 de abril
populares e brochuras políticas, que mantinha sua livra- de 1869, data em que foi realizada a primeira Comissão
ria em Le Palais-Royal, Galérie d’Orléans, 13, na Paris para eleger a composição da nova Sociedade Anônima.
literária. Ela rastreou com precisão, direta ou indireta- Foram nomeados, para os anos de 1869-70, os senhores
mente, o histórico de composição tipográfica das obras Levent, Malet, Canaguier, Ravan, Desliens, Alexandre
espíritas, tudo isso para que pudesse resguardar o im- Delanne e Tailleur, sob a presidência do senhor Malet.
portante patrimônio espiritista que poderia desvirtuar-se Acredita-se, então, que foi esta Comissão, com a autori-
ou perder-se para sempre, o que garantiria futuras reim- zação da viúva Kardec, que decidiu dividir a tabela de
pressões com segurança e respeito aos originais escritos e apresentação das obras espíritas, considerando as com-
revistos pelo esposo amado. plementares como cinco, e as abrégés (resumos) como as
Mas esse resgate resultou num preço alto a se pagar, e demais.
o ardiloso orçamento esteve nas mãos de Amélie-Boudet Acreditamos ainda que os critérios adotados para esta
no segundo semestre de 1869. Para que a viúva pudesse separação definitiva, foram: 1o : o grupo chegou à conclu-
recuperar, em nome de sua Sociedade da caixa geral e são que as cinco obras fundamentais constituíam o “corpo
central do Espiritismo, todo o emaranhado tipográfico, doutrinário” da Doutrina Espírita; 2o : o grupo chegou à
incluindo as planches10 possíveis de se localizar, ela teve conclusão que deveria promover novo foco editorial, no-
de desembolsar expressivos 10 mil francos11 . Em 1884, vas estratégias comerciais para novos tempos, também
Leymarie revelou na Revista Espírita um valor muito em virtude da grande popularidade de vendas das obras
acima desse, dizendo que ela teve de retirar da caixa da espíritas, consideradas como fundamentais. Mais tarde,
Sociedade a quantia de 25 mil francos para recuperar os espíritas brasileiros passaram a chamá-las de “penta-
os clichês das obras fundamentais, especialmente os de O teuco kardequiano”12 - etimologia grega que evoca a ideia
Livro dos Espíritos e os de O Livro dos Médiuns, que “es- do pentateuco bíblico, ou seja, os cinco primeiros livros
tavam muito desgastados por conta das sucessivas reim- que compõem o Velho Testamento. Isso acabou confe-
pressões que perduraram por décadas”, como afirmou. rindo às obras um caráter “sagrado”, “revelado”, coisa
Outro acontecimento que passou (quase) desperce- que jamais se propuseram a ser.
bido nesta fase transitória do Espiritismo surgiu na ma- Ainda no plano da Constituição Transitória do Espi-
neira como as obras espíritas passaram a ser apresenta- ritismo, elaborado por Kardec em 1868, além de o mestre
das ao grande público. Antes de partir à Pátria Maior, ter cunhado a expressão, “obras fundamentais da Dou-
Allan Kardec conseguiu deixar pronto o incrível Catá- trina”, ele deixou escrito que “quando a Doutrina estiver
logo racional que pode servir para fundar uma biblioteca organizada pela constituição da Comissão central, nossas
espírita (KARDEC, 1869). Neste documento, com 31 obras se tornarão a propriedade do Espiritismo na pes-
páginas, ele elencou diversas publicações sobre a Dou- soa dessa mesma comissão, que dela terá gerência e dará
trina Espírita; apresentou também as que não eram espí- os cuidados necessários à sua publicação por meios mais
ritas, mas espiritualistas, incluindo uma menção generosa próprios a popularizá-las” (KARDEC, 1868, p. 527). Ou
das Ouvrages contre le Spiritisme, ou seja, os livros cu- seja, se o mestre compreendeu que esta Comissão tinha
jos seus autores declaravam-se contra o Espiritismo na competência para gerenciar as obras espíritas, logo, o
época. Mas o destaque deste engenhoso Catálogo está grupo deveria organizá-las da maneira que bem enten-
na classificação oficial daquilo que o mestre determinou desse, a fim de popularizá-las o máximo possível por
como Obras fundamentais da Doutrina Espírita, por Al- todos os meios legais que as leis francesas permitissem.
lan Kardec. Em vez de ele considerar apenas O Livro dos Que ninguém lance labaredas em riste, acusando a nossa
Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o vovó Kardec de ter promovido um “desvio doutrinário”
Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese, como as cinco na organização das obras de seu marido, sendo que esta
obras espíritas fundamentais, ele somou outras cinco: O mudança editorial ficou a cargo de uma Comissão Cen-
10 O termo, “planches”:, ou “placas”, pode ser compreendido como as matrizes compostas pelos caracteres tipográficos que, grosso-modo,

formam as manchas ou as áreas impressas nas páginas de um livro.


11 “C’est Mme Kardec, qui a pajé 10.000 francs pour racheter les planches”, em tradução livre: “Está é a Sra. Kardec, que pagou 10 mil

francos para resgatar as placas”. Dado informado numa nota de rodapé em: FROPO (1884). Beaucoup de lumière, Paris: Démosthènés.
12 Uma das primeiras menções sobre esse termo (neologismo) no meio espírita brasileiro encontra-se publicado na revista Reformador, à

edição de dezembro de 1985, pg. 35, sob o título de “A Doutrina Espírita ou o Espiritismo na obra do Codificador - O Pentateuco”.

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Calsone, A.

tral elegida e composta pelos continuadores do legado da laborou financeiramente para tirar esse projeto editorial
Doutrina dos Espíritos. (audacioso) da superstição, foi a esposa. Um ano depois,
Uma qualidade valiosa da viúva Kardec foi a sua in- Amélie incentivará o marido à publicação da primeira edi-
cessante vigilância. Discreta, ela permaneceu firme à ção da Revue, novamente cobrindo custos. Observa-se, a
frente da Doutrina por 13 longos anos, sempre comba- seguir, o tamanho de seu apoio moral: “Amélie Boudet
tendo ideias e teorias esdrúxulas que eram publicadas superou as hesitações de Allan Kardec e decidiu enfrentar
(sem o seu consentimento) na Revista Espírita. Para ter- o ridículo, quando pressionou o marido para publicar a
mos uma ligeira noção dessas ousadias sincréticas, segui- Revista Espírita de 1858.” (MAXSTADT, 1883, p. 6).
dores espíritas da teosofia de Madame Blavatsky chega- Alguns estudiosos, por falta de estudo e pesquisa, sim-
ram a financiar obras teosóficas com dinheiro dos Kardec, plesmente ignoraram o básico documental, o de que Amé-
além de manterem uma contraditória Société Théosophi- lie fora a esposa de Allan Kardec, constatação óbvia, cen-
que des Spirites Français (Sociedade Teosófica dos Es- tenária, exaustivamente veiculada também por meio das
píritas Franceses) diante dos olhos de Amélie-Gabrielle certidões de casamento disponíveis na atualidade.
Boudet. “Todos esses procedimentos desesperaram Ma- Mas desde abril de 1869, quando a viúva Kardec or-
dame Kardec, mas que podia ela fazer sozinha, já que os ganizou a Sociedade Anônima por meio de um capital de
membros do Comitê da Sociedade não compareciam às 40 mil francos divididos em 40 unidades de mil francos,
assembleias? [...]” (FROPO, 1884, p. 24). Essa e ou- cada qual para o bom funcionamento da Livraria, da Re-
tras denúncias de desprezo foram publicadas à época e vue e das obras de Allan Kardec (PRIEUR, 2015, p. 298),
permaneciam desconhecidas até os dias de hoje. Amélie passou a sofrer assédio moral, inicialmente pela
Em nossa recém-lançada biografia espírita Madame predominância machista que existia entre os membros da
Kardec - a história que o tempo quase pagou (CALSONE, Sociedade Anônima, fundada pela viúva no pós-Kardec.
2016) - fruto de pesquisas minuciosas em documentos iné- Um dos muitos exemplos da falta de respeito, frente à
ditos -, o leitor poderá conferir novos dados biográficos presença feminina de Amélie no movimento espírita pari-
da femme forte; constatará revelações inquietantes so- siense, pode ser observado na total oposição às suas inici-
bre conluios inaceitáveis no Espiritismo francês; conhe- ativas inovadoras e ao perfil empreendedor da respeitável
cerá outras minúcias sobre a morte e o funeral de nossa senhora. Ainda no primeiro semestre do fatídico ano de
biografada e a relação desse desencarne com descaso e 1869, quando Amélie (enlutada) fazia cumprir a Cons-
assédio moral da parte do rustenista Pierre-Gaëtan Ley- tituição Transitória do Espiritismo, membros dissidentes
marie, o mandatário confiado para auxiliá-la. Descobrirá chegaram a levar uma queixa às autoridades judiciárias
em que mãos (oportunistas) foram parar a herança da fa- de Paris, acusando viúva Kardec de ter acentuado um
mília Kardec, além de conhecer minuciosamente os lutos caráter comercial que a levaria, mais cedo ou mais tarde,
e as lutas dessa mulher incrível e batalhadora que tudo a fazer uso da SPEE13 .
fez ao seu alcance para que a Doutrina não se perdesse Em verdade, o próprio Allan Kardec havia se afastado
num sincretismo avassalador, inacreditavelmente orques- de sua Sociedade meses antes de sua morte. Angustiado,
trado pelos próprios continuadores do legado espírita, os pela dedução de sua fala, o mestre desabafa o seguinte
mesmos que se auto-intitulavam “fiéis amigos” de Allan fogo-amigo, que vinha tentando apagar a alguns anos sem
Kardec e de sua esposa. sucesso, no coração pulsante da sede da Sociedade que ele
e a esposa fundaram:
II. 3 Preconceito e assédio moral – Traíram-me aqueles em quem eu mais confiança
depositava, pagaram-me com a ingratidão aqueles a
Diante de todas as iniciativas e conquistas editoriais
quem prestei serviços. A Sociedade de Paris se cons-
em prol da Literatura Espírita nascente, ainda nos dias
tituiu foco de contínuas intrigas urdidas contra mim
de hoje alguns espiritistas acreditam que viúva K. fora por aqueles mesmos que se declaravam a meu favor
a “senhora dos brioches”, a burguesa doméstica e dis- e que, de boa fisionomia na minha presença, pelas
pensável, ou mesmo a secretária apagada de um “chefe costas me golpeavam [...] (KARDEC, 1993, p. 199).
Kardec”. Por falta de interesse, talvez descaso, ou ausên-
cia de conhecimento da historiografia espírita francesa, Num discurso do senhor Leymarie, no cemitério Père-
muitos confrades (e isso inclui também pesquisadores es- Lachaise, ocorrido em 3 de abril de 1887, o mesmo relata
píritas sérios) sequer deduziram a importância e inten- que Allan Kardec vinha pressentindo há tempos o desem-
sidade da força feminina projetada por Madame Kardec barque de um sincretismo na Doutrina nascente, também
- a mesma mulher que financiou a publicação d’O Livro por meio das infinitas divergências ideológicas retempera-
dos Espíritos (1857) e Revista Espírita (1858). das entre os societários, naquele final da década de 1860:
Em verdade, muitos franceses ajudaram Kardec em – Allan Kardec, em seus derradeiros pensamentos,
sua árdua tarefa de compilação d’O Livro dos Espíritos. aqueles que ele não pôde retocar, registra que sofreu a
Falamos, entretanto, de ajuda moral, intelectual, espiri- paixão que animou os homens de sua equipe; cansado
tual, como também mediúnica. Porém, de fato, quem co- de lutar, fatigado pelas insinuações mentirosas, desi-
13 A sigla SPEE significa Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Ao contrário do que se pensa hoje entre os pesquisados espíritas,

a SPEE não se extinguiu em 3 de julho de 1869. Por meio das edições do jornal Le Spiritisme, ficou evidente pelos vários relatórios de
reuniões, que a SPEE foi repassada e continuada por um espírita chamado capitão Bourgès, sob a vice-presidência de Emile Birmann.
Pelas nossas estimativas, a histórica SPEE fundada pelos Kardec sobreviveu por décadas depois do desencarne do mestre.

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As mulheres fortes do Espiritismo francês

ludido, ele deixou a Sociedade de estudos que criara, tadas; assim que ela censurava os artigos, eles a tra-
depois de ter renunciado, ou melhor, se demitido do tavam com pouco caso, o que a deixou doente. O
cargo de presidente, não desejando dedicar-se a coisas desgosto e sua saúde já alterada fizeram com que ela
estáveis senão depois de um ano de repouso. (LEY- não fosse mais à Sociedade, e fosse tão esquecida que
MARIE, 1884, p. 263). o sr. Leymarie, seu mandatário, não lhe deu mais
nenhuma satisfação [...] (FROPO, 1884, p. 23).
Outras constatações de que Amélie fora rechaçada pe-
los próprios amigos de Kardec - provas do desdém e da Como visto, não apenas o senhor Babin, como tam-
indiferença que mantinham por ela - podem ser observa- bém a corajosa Madame Berthe Fropo fora capaz de pu-
das na declaração de um kardecista chamado Carrier, que blicar o que estava acontecendo, de fato, com viúva Amé-
publicou uma carta no Journal Le Spiritisme, revelando lie, ao constatar discrepâncias corrompíveis pousando na
esta fala inquietante atribuída à viúva Kardec: Revista Espírita, o periódico criado pelo marido, com os
incentivos de Amélie.
– Eu parei de ir às reuniões do Comitê de leitura
da Revista Espírita porque os senhores Leymarie e
Vautier não tinham respeito por mim. Sempre que III M ADAME B ERTHE F ROPO - A INTELEC -
eu queria colocar as minhas opiniões, eles me faziam TUAL EXCLUÍDA
dura oposição, por isso eu tive que me retirar (CAR-
RIER, 1884, pgs. 4-5). Pouquíssimas foram as mulheres espíritas que se des-
tacaram na luta pela coerência doutrinária depois da
Surgiu, em Paris, mais de um espírita disposto a de- desencarnação de Allan Kardec. Em verdade, no pós-
nunciar publicamente os tratamentos repulsivos que Ma- Kardec, ainda se podia contar nos dedos as intelectuais
dame Kardec vinha sofrendo, principalmente da parte que militavam ativamente no movimento espírita francês,
de sr. Pierre Gaëtan Leymarie. Provas de que o pai do sem medos ou receios de expor suas opiniões e verdades.
sincretismo, como administrador-gerente da Sociedade, a No meio espírita parisiense, por exemplo, o número de
tratou com desprezo - sob a égide do desrespeito -, estão mulheres espíritas não passava de uma dúzia entre cente-
claramente publicadas na brochura de Augustin Babin, nas de homens que não raro, se desentendiam, na maioria
outro parisiense afogueado diante dos tratamentos inter- das vezes por poder e destaque. Mas, apesar da predomi-
pessoais inadmissíveis que constatava nos bastidores do nância masculina, todo o patrimônio espírita kardeciano
Espiritismo francês. Sob o extenso título, Aviso biográfico acabou sendo legado a uma femme forte de 74 anos de
contendo a classificação geral das principais dificuldades idade, a distinta viúva do insigne mestre lionês.
surgidas entre nossos ex-editores e nós, etc., o referido Felizmente, Amélie não estava sozinha na luta em de-
opúsculo, com 130 páginas, foi publicado em 1884 no for- fesa dos princípios doutrinários deixados por Allan Kar-
mato de um largo desabafo14 . Eis um trecho: dec. Como vimos, ela teve uma amiga especial, a Ma-
dame Berthe Fropo, que morava com o marido em Paris,
[...] - São esses nossos ex-editores, os tristes conti-
nuadores da Sociedade de Allan Kardec, que muito
no Boulevard des Invalides, no 48, distante menos de um
perdeu a sua brancura imaculada depois da partida quilômetro da residência da Madame Allan Kardec.
do mestre, a que honramos ter feito parte no tempo É preciso ressaltar que a inteligente Berthe pouco fora
do ilustre e imortal iniciador da Doutrina Espírita, mencionada nos registros históricos ou biográficos do Es-
e que, infelizmente, nós continuamos a integrar após piritismo mundial, seja no passado, seja na atualidade.
a sua morte. Dizemos, infelizmente, porque a dita O motivo de tamanha indiferença por esta importante
Sociedade decaiu completamente, tanto na parte ad- personalidade espírita estaria, talvez, na sua ousadia em
ministrativa, como moralmente. Senhor Leymarie, o ter denunciado irresponsabilidades da parte de alguns di-
seu administrador-gerente, é absolutamente anti- rigentes que se diziam “espíritas”, levando a público os
pático com a honorável viúva do mestre, e tam-
abusos, mandos e desmandos que ocorriam nos bastidores
bém com o senhor Levent, que foi vice-presidente da
referida Sociedade no tempo de Allan Kardec (BA-
do Espiritismo francês. Nem todo mundo está disposto
BIN, 1884, p. 10). (Grifos meus). a preservar verdades inconvenientes...
Amiga do casal Kardec desde a década de 1850, Ma-
Sociedade de Kardec que “muito perdeu a sua bran- dame Fropo tinha 50 anos de idade quando passou a fre-
cura imaculada depois da partida do mestre”? Leymarie quentar assiduamente a casa de Amélie para cuidar de
“absolutamente antipático com a honorável viúva do mes- sua amiga enlutada, chegando inclusive a passar longa
tre”? Certamente, algo de muito grave vinha ocorrendo temporada a fim de acompanhá-la mais de perto. Toda-
no meio espírita francês do pós-Kardec: via, suas visitas e hospedagens regulares na Villa Ségur,
no início da década de 1880, não visavam somente fazer
[...] Madame Kardec teve, então, de sustentar lutas companhia à amiga e confortá-la. No fundo havia dois
com o Comitê, pois suas observações não eram escu- fortes motivos: 1o : as sessões mediúnicas com a evocação
14 Augustin Babin (literato respeitadíssimo no meio espírita francês) também publicou nessa brochura-protesto, acusações contra Ley-

marie de ter falsificado três contratos sobre os seus direitos autorais. No documento, o ofendido Babin ressalta em detalhes as ações
corruptíveis da “conduta infame desses senhores membros da indigna Sociedade”, como esbravejará em seu opúsculo.
15 Utilizamos precavidamente a expressão suposto no sentido de hipótese, justamente por não termos a certeza, nos dias atuais, que se

tratava mesmo do Espírito Kardec.

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Calsone, A.

de Espíritos; 2o : elaboração de estratégias para a reto- derado pelo trio, Fropo-Amélie-Delanne, tentou resguar-
mada e a reconfiguração da Doutrina Espírita nos moldes dar a originalidade da Doutrina.
originais de Allan Kardec.
No final do século XIX, repleto de lutas ideológicas,
A casa da viúva vinha servindo para as evocações do
mulheres espíritas francesas, como fora o caso das se-
suposto Espírito15 Allan Kardec que, segundo afirmavam
nhoras Berthe Fropo, Amélie-Gabrielle Boudet, Sophie-
as duas amigas, se comunicava a fim de orientá-las sobre
Rosen Dufaure, Angélique Arnaud, George Sand, Ale-
os melhores caminhos para proteger o Espiritismo da in-
xandrina Delanne e a senhorita Anna Blackwell18 , dentre
vasão de doutrinas místicas e das práticas exóticas, diante
outras poucas, levantavam alto e bom som a voz contra
de um sincretismo sem limites.
as ideias excêntricas que se infiltravam - indiscriminada-
Passados mais de dez anos da desencarnação de Kar-
mente - na Doutrina.
dec, mais precisamente em 1882, o movimento espí-
rita declinava sem freios na França, enfrentando mui- Neste momento crítico do início da década de 1880,
tas dificuldades estruturais por conta de administrações surge, então, Madame Berthe Fropo para publicar a sua
equivocadas e corruptíveis16 , que prenunciavam o fim da brochura Muita Luz, com o objetivo de revelar abu-
Doutrina dos Espíritos naquele País. Os antigos ami- sos pessoais cometidos em nome do Espiritismo. Seu
gos e companheiros de Kardec, pertencentes à saudosa opúsculo “boca no trombone” aparece na Paris de 1884,
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, deixaram de para também denunciar as posturas obtusas do senhor
coadunar com as proposições espíritas originais sugeridas Pierre-Gaëtan Leymarie que se dizia “espiritista”, mas
pelo Codificador, propostas de jamais trair, mas resguar- era adepto e divulgador (no meio espírita) de outras cor-
dar as bases doutrinárias em sua beleza e originalidade, rentes místicas ou secretas, tais como o roustainguismo,
na seriedade do estudo desinteressado. a teosofia de Madame Blavatsky, a pneumatologia uni-
Sob a monoideia coletiva de que a Doutrina devesse versal, a sociedade do livre pensamento religioso, orga-
ser cientificista, franqueou-se a abertura da Revista Es- nizações respeitáveis mas que surgiram com o interesse
pírita a diversos segmentos espiritualistas que trouxeram de introduzir suas ideologias na Doutrina dos Espíritos,
conceitos filosóficos divergentes dos preceitos espíritas. pegando carona no sucesso editorial da Revista Espírita.
A maior ironia é que esses sincretismos foram permiti-
Como vice-presidente da União Espírita Francesa
dos pelos antigos dirigentes fundadores da mesma SPEE,
(Gabriel Delanne era presidente), Berthe Fropo utili-
como vimos, sem critério ou respeito algum às recomen-
zando sua pena contundente não economizou críticas em
dações recorrentes da viúva de Allan Kardec.
Muita Luz. Ao escrevê-las, ela colocou os espíritas do
Assim, a Revue Spirite, administrada por Pierre-
mundo inteiro a par do que vinha acontecendo no Espiri-
Gaëtan Leymarie, passou a aceitar publicações estranhas,
tismo francês depois da desencarnação do mestre lionês.
muitas delas aviltando o próprio Espiritismo, o que levou
Desejou revelar às futuras gerações que as ações corrup-
inevitavelmente à contradição conceitual das bases dou-
tíveis praticadas entre os membros da supracitada Soci-
trinárias em seus pontos vitais, afetando à época, por
edade Científica de Estudos Psicológicos19 , sob comando
exemplo, o Controle Universal do Ensino dos Espíritos
de Leymarie, foi um dos motivos que teria adoentado a
e até colocando em dúvida, por meio de cismas e desu-
viúva octogenária, provocando a sua desencarnação no
niões retumbantes, o método científico adotado por Kar-
triste episódio caseiro de janeiro de 1883.
dec para edificar a Doutrina17 .
Por conta desses conchavos ou permissividades sincré- Berthe sabia, como ninguém, as amarguras pelas
ticas recorrentes, Madame Berthe Fropo e viúva Amélie quais viúva Kardec vinha passando diante daqueles cem
Boudet aliaram-se a Gabriel Delanne e seus genitores Ale- homens da Sociedade Científica. Boa parte desses socie-
xandre Delanne e Madame Delanne, para fundarem, no tários livres-pensadores acreditava e defendia (no papel)
final de 1882, a União Espírita Francesa e o jornal Le os ideais de uma mulher social e livre. Porém, no dia a
Spiritisme, órgãos pioneiros da divulgação e da imprensa dia, esses mesmos ideais não eram colocados em prática,
espírita que surgiam para defender a Doutrina em Kar- permanecendo sempre distantes da realidade. Enquanto
dec. Importantíssimo no combate aos desvirtuamentos isso, outros trechos de denúncias contundentes partiam
doutrinários, esta espécie de “movimento reacionário” li- de Berthe Fropo:
16 As denúncias de corrupção não partiram apenas de espíritas, mas também dos jornais parisienses, que acusaram a Sociedade Científica

de Estudos Psicológicos, mantida por Leymarie, de ser uma sociedade criada à capter des successions, ou seja, inventada para capturar
heranças. Outras denúncias recorrentes contra Leymarie e sua sociedade espiritualista versaram sobre a aceitação de artigos remunerados
na Revue, além de repasses indiscriminados de procurações espíritas para conchavistas e partidários, sob o pretexto da melhor divulgação
do Espiritismo e das obras de Kardec, cuja herdeira era a viúva.
17 Em nossa obra Em Nome de Kardec (CALSONE, 2015), elencamos os muitos artigos, ideologias e sistemas atentatórios aos preceitos

espíritas estabelecidos pelos Espíritos Superiores que nortearam as obras da Doutrina.


18 Com bastante recorrência, essas mulheres são mencionadas como espíritas em periódicos franceses do século XIX, como no jornal

Le Spiritisme e na própria Revista Espírita fundada por Allan Kardec e sua esposa. Em Le Spiritisme, por exemplo, podemos encontrar
vários artigos espíritas de defesa da Doutrina, escritos por Berthe Fropo, por Sophie-Rosen Dufaure e por Angélique Arnaud, além das
mensagens mediúnicas de Alexandrina Delanne. Já na Revista, há informações sobre os trabalhos de tradução espírita da senhorita Anna
Blackwell, assim com os da escritora espírita George Sand.
19 Paralelo à oficial Sociedade Anônima (sociedade espírita criada pela viúva Kardec), senhor Leymarie criou essa não espírita SCEP, que

trouxe muitos cismas à Doutrina justamente pelos partidarismos criados nos interesses de captações de “heranças espíritas”, assim como
pelas parcerias místicas que foram facilitadas, com reflexos diretos na reputação da Revista Espírita.

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As mulheres fortes do Espiritismo francês

– Assim, a luta era impossível para esta pobre amiga. – Quantas vezes minha pobre amiga me disse, mos-
Ela (viúva Kardec) não tinha do Comitê da Socie- trando a Revista: “Dizem que esta poderia ser, um
dade Anônima para a propagação das obras de seu dia, redigida por clérigos; todas essas doações de di-
marido, mais que uma voz, e o sr. Leymarie rece- nheiro em troca de artigos são abomináveis e aviltam
berá até 14 procurações de membros desse Comitê, a nossa Doutrina; jamais meu marido pediu algo para
os que moravam na província. Que me permitam di- alguém; tudo que ele fazia era com seus próprios re-
zer o seguinte: ninguém que conheça aqueloutro que cursos financeiros” (FROPO, 1884, p. 26).
tenha aceitado um mandato, não tente defender esta
Sociedade à propagação das obras do mestre, mas que Porém, como vimos no contexto dessas tristes barga-
tenha falhado ao dever mais sagrado, pois eles sabiam nhas, Leymarie e seu Comitê recebiam, assinavam e au-
bem que era uma questão social e humanitária, e por torizavam, sem cerimônias, doações de dinheiro em troca
suas indiferenças, por suas incúrias, tinham colocado de artigos - sem o consentimento da viúva Kardec, o que
a Doctrine en péril, a Doutrina em perigo (FROPO, a deixou adoentada.
1884, p. 23-24). Em fevereiro de 1895, a então viúva Bertha-Victoire-
Alexandrine Thierry de Maugras, a singular Berthe
No calor de suas anotações, ao revelar que 14 procura- Fropo que todos imaginavam ter caído no anonimato,
ções pudessem sugerir a existência de um conluio de cor- estava muito ativa e longe de qualquer ambição, partici-
ruptos dentro da Sociedade, tecerá críticas ainda mais di- pando da Federação Espírita Universal, pertencente à So-
recionadas, como esta: “Senhor Leymarie se sentiu mes- ciété Fraternelle du Spiritisme, com sede à rue St-Denis,
tre absoluto, e querendo, em sua pretensão orgulhosa, se no 183, em Paris. Em 9 de novembro de 1898 ela desen-
passar por um cientista, aceitou todas as sociedades mais carna aos 77 anos de idade. O jornal Le Progrès Spirite,
ou menos científicas” (FROPO, 1884, p. 24). do senhor Laurent de Faget, publicou a triste notícia da
Ainda sobre esse ponto de vista, o de Leymarie “se partida da “Joana d’Arc dos kardecistas”. Sob o título de
passar por um cientista”, observemos um trecho da crí- Obituário de Madame Fropo, o editor Faget a recordou
tica literária20 sobre o nosso livro Madame Kardec, redi- como “boa e respeitável espírita, que se tornara uma das
gida e publicada pelo confrade mineiro Jáder Sampaio: mais valentes, fortes e defensoras da nossa causa”:

– Amiga devotada, sempre fiel do mestre e de sua


– Na medida em que se vai lendo, vê-se que Leyma-
companheira, ela gostava de recordar a memória do
rie não tinha a formação necessária para en-
senhor e da senhora Allan Kardec - memória essa tão
tender o alcance do trabalho de Kardec. En-
cara a todos os espíritas sinceros. Madame Fropo era
tendendo o espiritismo mais como movimento a ser
a líder de um grupo kardecista e, todos os domin-
tornado público que como doutrina filosófica, sem o
gos, ela se reunia com seus vários amigos espíritas,
mínimo conhecimento das ciências, ele vai fazendo as-
juntando-se a um número seleto de iniciantes. Ela
sociações com Roustainguistas (Guérin), Teosofistas
lembrou ou ensinou os mais altos princípios do Espi-
(Blavastsky) e outros espiritualismos, não importa
ritismo, especialmente aproveitando o lado filosófico
seu método de desenvolvimento da teoria, nem
e moral de nossa Doutrina. Seu exemplo vale a pena
suas contradições com o exposto por Kardec
seguir; a sua fé é para se admirar. Sua coragem não
em seu trabalho. Não sei se exagero, mas Calsone
excluiu sua bondade: quantos infelizes foram conso-
parece perceber o efeito dos títulos que vão sendo con-
lados, apoiados, ajudados por ela, materialmente e
cedidos a Leymarie, e de sua indiferença ante a ado-
moralmente! (FAGET, 1898, p. 175).
ção de adornos, como bandeiras cheias de imagens
com significados simbólicos de Guérin. (Grifos meus) Inspirado, o senhor Faget prestou esta justa homena-
gem a uma das espiritistas mais interessantes que passou
Por várias citações pontuais, Fropo parecia saber pela Doutrina francesa. Acreditamos, sinceramente, que
muito bem o que vinha acontecendo com a Doutrina Es- viúva Berthe jamais pretendeu alimentar polêmica com
pírita na França, numa época tão crítica e confusa para a publicação de sua brochura Muita Luz, nem com seus
os espíritas que, atordoados, não tinham o direito de ser muitos artigos pontiagudos lançados (por décadas) no pe-
reconhecidos como - espíritas -, já que poderiam ser con- riódico Le Spiritisme. Pelo que observamos, ela também
fundidos com místicos e magos de outras filosofias espiri- não buscou fama nem reconhecimento pela bravura e ou-
tualistas, as mesmas que agora desfilavam à vontade pela sadia desinteressadas, em defender o Espiritismo.
sincrética Revista Espírita. E como não nos chegou (ou não deixaram chegar?)
Fropo provará, ainda, os porquês que levaram viúva nenhuma fotografia da intelectual excluída para reavivar-
Amélie a ficar acamada naquela segunda semana de um mos sua memória visual aos espíritas contemporâneos,
janeiro gelado de 1883. Ao adentrar o quarto da viúva, a recordamos subjetivamente por um símbolo histórico
Berthe notou que sua amiga, ansiosa, olhava com grande de que se valeu: a caneta bico-de-pena. A caneta de
tristeza para aquela colcha de retalhos em que havia se Fropo representa, no sentido puro dessa simbologia, o
transformado a Revue depois da morte de seu marido. So- seu trabalho intelectual preciso e inquieto, na figura de
bre essas inquietações da alquebrada Amélie, dirá Fropo, vice-presidente da União Espírita Francesa, em prol da
mais que indignada: união de todos os espíritas do mundo. Temos convicção
20 Publicado em 8.03.2017 no blog Espiritismo Comentado, sob o título: “Uma história de Amélie-Gabrielle Boudet”. Disponível em:

http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2017/03/uma-historia-de-amelie-gabrielle-boudet.html.

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Calsone, A.

de que essa destemida mulher, em sua militância espírita, de Madame Blavatsky, já havia alertado os espiritistas
ressaltou o que era mais importante para a Doutrina Es- franceses, à distância, que as obras fundamentais da Dou-
pírita naquele sombrio período pós-Kardec: a revelação trina Espírita ainda não eram conhecidas e reconhecidas
da verdade mais próxima da verdade, além da preserva- nos Estados Unidos por uma simples falta de tradução
ção da autenticidade espírita. Ela não exagerou quando condigna do idioma francês para o inglês. Logicamente,
reafirmava que a Doutrina estava em perigo... sem compreender o que Allan Kardec desejava reportar
sobre o Espiritismo, aos americanos (ou aos ingleses) por
meio de suas obras, não se podia ajuizar valor ou dar
IV S ENHORITA A NNA B LACKWELL - A importância aos ensinamentos universais dos Espíritos.
femme forte DA TRADUÇÃO ESPÍRITA Por essas e por outras, o espiritualismo moderno triun-
O final dos anos 1870 mostrou ser a época de ouro fava por décadas sem concorrentes diretos na América
das traduções das obras fundamentais e complementa- do Norte e Inglaterra, negando descaradamente os seus
res organizadas pelo mestre. Na Espanha de 1876, por espiritualistas, qualquer conceito de reencarnação com-
exemplo, um espírita chamado José de Fernandez decidiu preendido pelos espíritas europeus.
bancar as traduções e as reimpressões dos cinco primeiros Por conta dessas emergências à tradução americana e
livros do Espiritismo. E o senhor Refugio Gonzalès, fun- inglesa das obras organizadas por Kardec, uma jornalista,
dador da Sociedade Espírita do México, também vinha poetisa e tradutora inglesa chamada Anna Blackwell,
providenciando as traduções dessas mesmas obras, que tornou-se o foco das atenções e interesses no quartel-
passaram a estampar os seguintes títulos: El Libro de los general parisiense da Sociedade para a continuação das
Espíritus, El Libro de los Médiums, El Evangelio Según obras espíritas de Allan Kardec, a nova organização es-
el Espiritismo, El Cielo y el Infierno e La Génesis. Na pírita parisiense, fundada pela viúva K. em 1878. Esta
Viena desta época, sr. Delbez já havia traduzido O Livro senhorita espírita de 40 anos de idade - lamentavelmente
dos Espíritos para o alemão. O médium, sr. J. G. Plate, pouco conhecida no meio espírita atual -, compartilhou
de Arnhem, na Holanda, depois de uma viagem à Índia, a intimidade dos Kardec, conhecendo muito bem os bas-
em que foi capaz de constatar alguns fenômenos espiri- tidores do Espiritismo francês do pós-Kardec. Ainda em
tuais, assim que retornou ao seu país de origem estudou 1869, aos 30, ela chegou a participar de algumas reuniões
com afinco os volumes organizados por Allan Kardec. E mediúnicas promovidas pela Sociedade Parisiense de Es-
percebendo que a maioria dos espiritualistas holandeses tudos Espíritas, tornando-se, posteriormente, uma cor-
não conhecia as obras espiritistas, ele acabou por colocá- respondente ativa da Revista Espírita na Inglaterra. Já
las ao alcance dos que não falavam francês, patrocinando, em 1875, Miss Blackwell - como era chamada pela viúva
assim, as traduções e as impressões dos livros fundamen- Amélie e por Leymarie -, havia traduzido, com maestria,
tais, como disse Plate, “às suas expensas e sem a menor para o idioma inglês britânico (e também para o ameri-
vontade de tomar qualquer benefício” - expressão essa cano), duas importantes obras espíritas organizadas pelo
publicada num artigo da Revue chamado Tradução das mestre: O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns.
obras de Allan Kardec, de dezembro de 1876. Um britânico espiritista chamado Augustin Babin,
Curioso observar que a mesma matéria relata que o sr. autor de Trilogie spirite (Trilogia espírita) e de Caté-
Niceforo Filalete, editor do jornal Anne dello Spiritismo, chisme psychologique et moral (Catecismo psicológico e
de Turim, traduzia voluntariamente para o italiano, O moral), vendo o entusiasmo e a dedicação da profissional
Livro dos Espíritos. Enquanto isso, na distante Constan- Blackwell com as obras espíritas, doou 5 mil francos à
tinopla, sr. Angelos Nicolaïdes transpunha para o grego, conclusão de seus trabalhos. Da França, P. -G. Leymarie
O Que É o Espiritismo?, como também, O Livro dos Es- previa que para se traduzir para o inglês as cinco obras
píritos. Do outro lado do Atlântico, na América do Norte, fundamentais do mestre haveria a necessidade de uma
os editores do jornal espiritualista Banner of Light (Ban- arrecadação entre 25 a 30 mil francos, conforme os seus
deira de Luz), os srs. Coiby e Rich, estavam vendendo a apelos lançados na Revista de janeiro de 1876. Outros
sexta edição, em inglês, de O Livro dos Médiuns. Apesar pedidos de doações para este intento surgiram discreta-
do ânimo inicial, diante de um enorme mercado editorial mente assim:
americano ainda por explorar (com mais de 1 milhão de Após O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns,
potenciais leitores espiritualistas na década de 1870), eles entregues hoje aos editores ingleses, precisamos ra-
já haviam esgotado as duas edições de O Livro dos Espíri- pidamente imprimir o Evangelho Segundo o Espiri-
tos. Descendo o mapa-múndi, agora no Rio de Janeiro de tismo, O Céu e o Infernoa e A Gênese segundo o Es-
1875, Joaquim Carlos Travassos, ao lado de Casimir Lieu- piritismo (sic), ou seja, as cinco obras fundamentais
que só podem fazer o bem ao introduzirem, em nossos
taud, realizavam a primeira tradução para o português,
irmãos americanos e da Grã-Bretanha, a importância
de O Livro dos Espíritos, a partir da 20a edição francesa.
capital dos trabalhos de um homem de mérito, a qual
As demais obras empenhadas por Kardec foram traduzi- somos seus alunos agradecidos. Que este apelo seja
das pela dupla tupiniquim Travassos-Lieutaud, inacredi- ouvido e todos possam penetrar profundamente na
tavelmente naquele mesmo ano. grandeza do resultado que temos de alcançar; o tra-
De retorno à França, sabia a viúva Kardec, ao lado a Para esta relevante obra, publicada com 500 páginas,
de seu mandatário Leymarie, que o teosofista Coronel Ol- Allan Kardec deu um título (inicial) de O Céu e o Inferno
cott, um dos fundadores da Sociedade Teosófica ao lado ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo.

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As mulheres fortes do Espiritismo francês

balho é comum e os espíritas esclarecidos devem nos primeiros dias de 1875, como aponta Leymarie. Viúva
ajudar a realizá-lo [...]. (LEYMARIE, 1875, p. 3)
Kardec, por sua vez, reconhecia e aprovava as conquistas
O apelo editorial de Leymarie foi ouvido por Lady editoriais de Blackwell, seja por mérito de seus próprios
Caithness, uma espírita-católica inglesa que também se esforços, seja pelos desprendimentos à causa espiritista.
convertera ao teosofismo. Duquesa de Pomar, como tam- Em nossa opinião, os espíritas franceses não a reconhe-
bém era chamada esta rica mulher, ofereceu uma grande ceram como deveria, condignamente, no valor de uma
quantia em dinheiro para traduzir (ao inglês britânico) femme forte da tradução espírita em terras inglesas.
e imprimir os cinco volumes fundamentais organizados Por meio da Revue, edição de setembro de 1876, en-
por Allan Kardec. Entretanto, como acusou Leymarie, cerramos o nosso artigo com um pequenino reconheci-
a tradutora Blackwell, responsável imediata pela media- mento, um dado biográfico valioso sobre Anna Blackwell,
ção da doação na Inglaterra, estranhou-se com Caithness. provindo justamente de Pierre-Gaëtan Leymarie, aquele
Segundo ele, só depois que senhorita Blackwell fez as pa- que maldosamente a escarnecerá anos mais tarde:
zes com a sincretista de Pomar, que foi possível receber
parte de sua doação, colocando, enfim, a tradução in- – Embora traduzir fielmente, e de acordo com o gê-
nio de cada idioma, seja um mérito tão raro, uma boa
glesa de O Livro dos Espíritos nas mãos de um tipógrafo
tradução é considerada como tendo o valor do livro
de Edimburgo, a capital da Escócia, no Reino Unido. original. Por conta disso, faremos o suficiente para
Mas a valente senhorita Blackwell, que também era agradecer Miss Anna Blackwell, pela sua dedicação à
tradutora experiente de dezenas de outros trabalhos não causa da instrução que preocupa milhões de homens,
espíritas para o inglês, provindos de vários autores de amigos da investigação e da verdade. [...] (LEYMA-
diferentes áreas do conhecimento, não se limitou ao seu RIE, 1876, p. 293).
ofício de tradutora. Como espiritista convicta, muito ca-
prichou nas edições inglesas e americanas das obras espí-
ritas, imprimindo, definitivamente, a sua brilhante per- V C ONCLUSÃO
sonalidade por meio de uma marca indelével nas tradu- Concluímos que, se o Espiritismo nascido na França
ções, como foi o caso do belíssimo prefácio que escreveu ficou pouquíssimo conhecido nos Estados Unidos ou na
em 1875, para a primeira edição inglesa de The Spirits’ Inglaterra (ou nunca foi reconhecido por ambos os po-
Book21 (O Livro dos Espíritos). vos), isso pode ser explicado por uma sucessão de erros,
prejulgamentos à distância, menosprezos ao sexo femi-
nino, descasos e descuidos editoriais sobre as traduções
das obras de Kardec no estrangeiro, especialmente da
parte do mandatário, o maçon M.P.G.L., que a partir de
1883, com o desencarne da viúve Amélie, passou a de-
ter poderes de mando (e desmando) editorial de todas as
obras de Kardec, incluindo as complementares, a Revista
Espírita e demais publicações da Literatura Espírita.
Como se sabe, Leymarie esteve muito ocupado com
suas conferências espiritualistas (em nome de Roustaing
e de Blavatsky) para dar a devida importância às tradu-
ções espíritas destinadas aos mercados editoriais ameri-
cano e inglês, pois permanecia forjando o seu amálgama
de ideologias sincréticas no coração da Doutrina Espí-
rita. Essas misturas de elementos místicos e esotéricos,
logicamente estranhas e atentatórias ao Espiritismo, in-
felizmente ajudaram a descaracterizar os princípios bá-
sicos da codificação kardeciana, prejudicando, por sua
Figura 3: Blackwell aos 60 anos de idade. Fotografia re- vez, o reconhecimento e o acesso da Literatura Espírita a
tirada das cartas de visita no estúdio de Buguet, na Paris uma multidão de leitores estrangeiros, principalmente os
de 1876. Esse retrato também pertence ao episódio do americanos e os ingleses, como insistentemente apontou
Processo dos Espíritas. Ao fundo, o falso espectro de um a esforçada Miss Anna Blackwell.
Espírito. Fonte: http://bit.ly/2kjTVl3. Correspondências de Anna Blackwell discutindo com
Leymarie e com seus conchavistas da Sociedade foram
Como dito, a solteirona Blackwell não foi simples tra- publicadas na brochura Muita Luz que, por sua vez, in-
dutora ou freelancer de ocasião, muito menos mera co- crivelmente revela uma espécie de Demonstração dos va-
laboradora remunerada à distância, ela tornou-se uma lores gastos por Miss Blackwell para a continuação das
grande propagadora da Literatura Espírita, a partir dos obras de Allan Kardec22 , como ela mesma intitulou.
21 À título de curiosidade, de 1988 até os dias atuais, a Federação Espírita Brasileira já publicou 41 mil exemplares em 8 edições de The

Spirits’ Book (O Livro dos Espíritos) e The Mediums’ Book (O Livro dos Médiuns), traduzidos originalmente por Miss Anna Blackwell.
Esta robusta estatística foi enviada, para nós, pelo Departamento de Documentos Patrimoniais do Livro da FEB.
22 Essas cartas podem ser lidas a partir da página 66, de FROPO (1884) Beaucoup de lumière, Démosthènés. Paris.

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Calsone, A.

Como visto, as espíritas Amélie-Fropo-Blackwell - as ————. 1868. “Constituição Transitória do Espiritismo - Item VI
mulheres inquebrantáveis do Espiritismo -, que foram ig- - Obras Fundamentais da Doutrina”, Revista Espírita - Jornal
de Estudos Psicológicos, p. 504. 1a edição. Edições FEB. Brasí-
noradas da memória espírita ou mesmo esquecidas da lia, 2004. Tradução de Evandro Noleto Bezerra.
historiografia de nossa centenária Doutrina, insistente-
————. 1869. Catalogue Raisonné des ouvrages pouvant servir
mente declararam suas defesas públicas aos preceitos es- a fonder uni bibliothèque spirite. Livrairie spirite et des sciences
píritas em Kardec, contra os muitos interesses ideológicos psychologiques. Paris.
dos “reformadores” da Sociedade Científica de Estudos ————. 1993. Obras Póstumas. IDE, 28a edição, São Paulo, SP.
Psicológicos, naquele tumultuado fim do século XIX.
LEYMARIE, Pierre-Gäetan. 1875. “Revue de l’année 1875 – A nos
Por fim, é justo dizer que a presença e atuação des- Lecteurs”, Revue spirite - journal d’études psychologiques, p. 3.
sas iniciadoras são dignas de nossa maior consideração,
————. 1876. “Traduction des Oeuvres de Allan Kardec”, Revue
não havendo mais qualquer possibilidade de ignorá-las spirite - journal d’études psychologiques, p. 12. Paris: Éditions
ou mesmo subestimar os seus legados enquanto mulheres du Comité d’Administration, Société pour la continuation des
fortes do Espiritismo francês. oeuvres spirites d’Allan Kardec et Librarie des sciences psycho-
logiques.
————. 1883. Compte Rendu des obsèques de Madame Allan
R EFERÊNCIAS Kardec. Paris: Éditions du Comité d’Administration, Société
pour la continuation des oeuvres spirites d’Allan Kardec et Pa-
BABIN, Augustin. 1884. Notice biographique contenant la no- ris: Librarie des sciences psychologiques.
menclature générale des principales difficultés survenues entre ————. 1884. Fictions et Insinuations, réponse à la brochure:
MMrs nos ex-éditeurs et nous etc; de 1878 à 1884. Tradução de Beaucoup de Lumière. Société Scientifique du Spiritisme fondée
Adriano Calsone. J. Haize. Paris. par M. et Mme Allan Kardec en 1869. Liste des fictions et in-
sinuations contenues dans la brochure: Beaucoup de Lumière,
CALSONE, Adriano. 2015. Em nome de Kardec. 1a Edição. Viva-
dressée par le comité de surveillance de la Société Scientifique
luz Editora Espírita. Atibaia, SP.
du Spiritisme. Tradução de Adriano Calsone. Paris: Librairie
————. 2016. Madame Kardec - A história que o tempo quase des études psychologiques.
apagou. 1a Edição. Vivaluz Editora Espírita. Atibaia, SP.
————. 1887. “Anniversaire d’Allan Kardec - Discours de M.P.G.
CARRIER, Henri. 1884. “Lettre de Carrier”, Journal Le Spiritisme Leymarie”, Revue spirite - journal d’études psychologiques, p.
Julho, p. 4. Paris: Alcan-Lévy. 1. Paris: Éditions du Comité d’Administration, Société pour la
continuation des oeuvres spirites d’Allan Kardec et Librarie des
FAGET. A. de Laurent. 1898. “Nécrologie”, Le Progrès Spirite - sciences psychologiques.
Organe de la Fédération spirite universelle, p. 6. Paris: CH.
Blot. MAXSTADT, de Streiff. 1883. Sem título. Journal Le Propagateur
Spirite, p. 6. Édition Le Panthéon.
FROPO, Berthe. 1883. “Um peu de Lumière” Journal le Spiritisme
Outubro, p.1-2. Tradução de Alcione Reis de Albuquerque. PRIEUR, Jean. 2015. Allan Kardec e sua época. Lachâtre, São
Paulo, SP.
————. 1884. Beaucoup de lumière. Démosthènés. Paris. Tradu-
ção de Wilma de Assis. WANTUIL, de Zêus & THIESEN Francisco. 1985. “A Doutrina Es-
pírita ou o Espiritismo na obra do Codificador - O Pentateuco”,
KARDEC, Allan. 1862. “Necrologia - Morte do Bispo de Barce- Reformador 1881, p.35.
lona”, Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos, p. 309.
1a edição. Edições FEB. Brasília, 2004. Tradução de Evandro JOLY, Hubert & VAUTIER, Alfred. 1883. “Conferências”, Revista
Noleto Bezerra. Espírita Março, p. 8.

Title and Abstract in English

The strong women of french Spiritism

Abstract: Amongst the persons who participated on the birth of Spiritism, few women can be really considered to stand out.
Some contributions from three of these important women to the spiritist movement are presented and discussed here. It is
surprising that their achievements at post-Kardec time are barely known to us nowadays. These women left a legacy about
how to defend the Spiritism and the doctrinary coherence against the wiles of other interests. Amélie-Gabrielle Boudet or
simply Mrs. Kardec (1795-1883) has fought to the preservation of the fundamental books of the Spiritist Doctrine, as well
as to Kardec’s memory. Bertha-Victoire-Alexandrine Thierry de Maugras or Mrs. Berthe Fropo (1821-1898), was author of
many documents and papers denouncing corruption and misappropriation of spiritist properties. She also provided valuable
information about the biography of Mrs. Kardec. The third, but not less important, woman, Miss Anna Blackwell (1816-1900),
was proficient translator of the fundamental books of Spiritism to the English language. The history and examples of these
three women are presented, discussed and can be fairly considered very much crucial for the healthy of the newborn Spiritism.
Key–Words: Amélie-Gabrielle Boudet; Kardec’s widow; Mrs. Berthe Fropo; Anna Blackwell; french Spiritism; post-Kardec
period.

JEE 010204 – 13 J. Est. Esp. 5, 010204 (2017).

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