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Roseli Salete Caldart

Isabel Brasil Pereira


Paulo Alentejano
Gaudêncio Frigotto
Organizadores

2012
Rio de Janeiro • São Paulo
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Expressão Popular
Copyright © 2012 dos organizadores

Catalogação na fonte
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Biblioteca Emília Bustamante

C145d Caldart, Roseli Salete (org.)

Dicionário da Educação do Campo. / Organizado por Roseli Salete


Caldart, Isabel Brasil Pereira, Paulo Alentejano e Gaudêncio Frigotto. –
Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Expressão Popular, 2012.

788 p.
ISBN: 978-85-98768-64-9 (EPSJV)
ISBN: 978-85-7743-193-9 (Expressão Popular)

1. Educação. 2. Dicionário. 3. Educação do Campo. 4. Movimentos sociais do


campo. I. Pereira, Isabel Brasil. II. Alentejano, Paulo. III. Frigotto, Gaudêncio.
IV. Título.

CDD 370.91734

Edição de Texto João Sette Camara


Lisa Stuart
Revisão Lisa Stuart
Capa, Projeto Gráfico e Diagramação Zé Luiz Fonseca

Direitos desta edição reservados a:

Escola Politécnica de Saúde Expressão Popular


Joaquim Venâncio/Fiocruz Rua Abolição, 201
Av. Brasil, 4.365 01319-010 - Bela Vista
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www.epsjv.fiocruz.br www.expressaopopular.com.br
Dicionário da Educação do Campo

Kerstenetzky, C. L. Políticas sociais: focalização ou universalização. Textos para


Discussão, Universidade Federal Fluminense, Niterói, out. 2005.
Molina, M. C. A constitucionalidade e a justiciabilidade do direito à educação
dos povos do campo. In: Santos, C. (org.). Campo–política pública–educação. Brasília:
Nead, 2008. p. 19-31.
______. Reflexões sobre o protagonismo dos movimentos sociais na construção
de políticas públicas de educação do campo. In: ______ (org.). Educação do Campo
e Pesquisa II: questões para reflexão. Brasília: Nead, 2010. p. 137-149.
Montaño, C.; Duriguetto, M. L. Estado, classe e movimento social. São Paulo:
Cortez, 2010.
Telles, V. S. Direitos sociais: afinal, do que se trata? Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1999.
Tonet, I. Educar para a cidadania ou para a liberdade? Revista Perspectiva, v. 23,
n. 2, p. 469-484, jul.-dez. 2005.

Povos e comunidades tradicionais


Valter do Carmo Cruz

A partir do final da década de 1980, lidade empírica (histórica e política).


são identificadas sensíveis mudanças, Porém, apesar de serem amplamente
na América Latina e no Brasil, na dinâ- utilizadas em diversos contextos, não
mica política dos conflitos sociais do há um significado único e preciso para
mundo rural, sobretudo pela emergên- essas expressões, que carregam grande
cia de uma espécie de “polifonia po- polissemia e ambiguidade não apenas
lítica”, com o surgimento de uma di- como “categoria de análise”, mas tam-
versidade de novas vozes, de “novos” bém como “categoria da ação política”.
sujeitos políticos protagonistas que Entender o significado desses ter-
emergem na cena pública e nas arenas mos implica discutir sua origem, sua
políticas. Nesse período, começam a historicidade e suas diversas formas de
ganhar força e objetivação, na forma apropriação como “categoria de análi-
de movimentos sociais, as reivindi- se” – ou seja, como conceito socioan-
cações de uma diversidade de grupos tropológico que busca nomear, carac-
sociais denominados ou autodenomi- terizar e classificar certas comunidades
nados “populações tradicionais”, ou, rurais – e como “categoria da ação” –
mais recentemente, “povos e comuni- ou seja, como identidade sociopolítica
dades tradicionais”. Nesse novo cená- mobilizadora das lutas por direitos. Es-
rio, esses termos têm assumido dupla sas duas dimensões, embora apresen-
centralidade/visibilidade: uma centrali- tem especificidades, entrecruzam-se
dade analítica (teórica) e uma centra- nas lutas e disputas em torno dessas

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Povos e Comunidades Tradicionais

categorias, que são, ao mesmo tempo, fortaleceu-se também, paralelamente,


epistêmicas e políticas. o campo das lutas pelos direitos dos
Se buscarmos a genealogia da emer- povos indígenas no plano interna-
gência dos termos “povos e comuni- cional. Um marco fundamental desse
dades tradicionais” no léxico político processo foi a aprovação, em 1989, da
e teórico brasileiro, podemos localizar Convenção 169 da Organização Inter-
como momento decisivo o final da déca- nacional do Trabalho (OIT), na qual
da de 1970 e o início da década de se definiu um conjunto de direitos e
1980. Porém, é sobretudo no início garantias dos “povos indígenas e tri-
dos anos 1990, com a consolidação da bais em países independentes”. Essa
questão ambiental, que esses termos declaração tornou-se um mecanismo-
popularizam-se e, aos poucos, vão sen- chave nas lutas pelo reconhecimento
do apropriados por um conjunto mais dos direitos dos povos indígenas. No
amplo de grupos sociais, movimentos Brasil, com o processo de redemocrati-
sociais, organizações não governamen- zação e a ampliação do espaço político
tais (ONGs), pela mídia, pela academia da sociedade civil na década de 1980,
e pelo próprio Estado, que institucio- ganhou força a mobilização dos povos
nalizou essas categorias na forma de indígenas e de quilombolas em torno
legislação, direitos e políticas públicas. de reivindicações étnicas ante o Estado.
Segundo Paul Litlle (2006), es- Como resultado dessas lutas, impor-
ses termos surgiram em dois campos tantes reivindicações territoriais e cul-
distintos, ainda que entrelaçados: o turais foram incorporadas na Consti-
campo ambiental e o campo de lutas tuição Federal de 1988, fortalecendo
por direitos culturais e territoriais de juridicamente a situação fundiária e a
grupos étnicos. No campo ambiental, identidade coletiva desses grupos.
essas expressões apareceram no deba- Esses termos surgidos nos campos
te internacional sobre as políticas de discursivos das lutas e das políticas am-
preservação e conservação ambiental
relacionadas a temas como biodiver-
bientais e das lutas por direitos étnicos,
aos poucos se disseminaram e se en-
P
sidade e desenvolvimento sustentável. raizaram nos mais diversos domínios
É nesse contexto que emergiu o uso discursivos. No campo acadêmico, são
dos termos “povos e comunidades trabalhados como uma “categoria de
tradicionais” para nomear, identificar análise”. Nessa dimensão mais teórico-
e classificar uma diversidade de cultu- conceitual, os termos “povos e comu-
ras e modos de vida de um conjunto nidades tradicionais” buscam uma
de grupos sociais que, historicamente, caracterização socioantropológica de
têm ocupado áreas agora destinadas à diversos grupos. Estão incluídos nes-
preservação e à conservação ambiental. sa categoria povos indígenas, quilombolas,
O segundo campo no qual esses ter- populações agroextrativistas (seringueiros,
mos ganharam visibilidade é o das lu- castanheiros, quebradeiras de coco de
tas pelo reconhecimento dos direitos babaçu), grupos vinculados aos rios ou ao
culturais e territoriais dos múltiplos mar (ribeirinhos, pescadores artesanais,
grupos indígenas ou autóctones. caiçaras, varjeiros, jangadeiros, maris-
No mesmo período em que o mo- queiros), grupos associados a ecossistemas
vimento ambientalista se consolidou, específicos (pantaneiros, caatingueiros,

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Dicionário da Educação do Campo

vazanteiros, geraizeiros, chapadeiros) e pação se expressa numa relação


grupos associados à agricultura ou à pecuária de ancestralidade, memória e sen-
(faxinais, sertanejos, caipiras, sitiantes- tido de pertencimento em relação
campeiros, fundo de pasto, vaqueiros). a certas áreas e lugares específicos.
Apesar da enorme diversidade dos O território tem, para esses gru-
grupos, alguns pesquisadores buscaram pos, importância material (base de
identificar traços e características co- reprodução e fonte de recursos)
muns a eles. Nesse sentido, pesquisado- e forte valor simbólico e afetivo (re-
res como Diegues (2000), Little (2006) ferência para a construção dos mo-
e Barreto Filho (2006), mesmo reco- dos de vida e das identidades dessas
nhecendo a imprecisão e a dificuldade comunidades). A constituição dos
de uma definição mais rigorosa, elen- territórios é caracterizada por gran-
cam um conjunto de características que de diversidade de modalidades de
seriam atributos dos grupos denomi- apropriação da terra e dos recursos
nados “povos e comunidades tradicio- naturais (apropriações familiares,
nais”. Dentre essas várias característi- comunitárias, coletivas). Essas “ter-
cas, podemos destacar: ras tradicionalmente ocupadas” vão
para além do modelo da proprie-
• A relação com a natureza (racionalidade dade individual, como nas “terras
ambiental): essas comunidades têm de preto”, “terras de santo”, “terras de
uma relação profunda com a na- índio”, nos “faxinais”, nos “fundos
tureza; os seus modos de vida es- de pasto” etc.
tão diretamente ligados à dinâmica • A racionalidade econômico-produtiva: a
dos ciclos naturais; e suas práticas produção econômica dessas comu-
produtivas, e o uso dos recursos nidades está assentada na unidade
naturais, são de base familiar, co- familiar, doméstica ou comunal; as
munitária ou coletiva. Esses gru- relações de parentesco ou compa-
pos possuem extraordinária gama drio também têm grande impor-
de saberes sobre os ecossistemas, tância no exercício das atividades
a biodiversidade e os recursos na- econômicas, sociais e culturais. As
turais como um todo. Esse acervo principais atividades econômicas
de conhecimento está materializado são a caça, a pesca, o extrativismo,
no conjunto de técnicas e sistemas de a pequena agricultura e, em alguns
uso e manejo dos recursos naturais, casos, as práticas de artesanato e
adaptado às condições do ambiente artes. A tecnologia utilizada por es-
em que vivem. sas comunidades na intervenção no
• A relação com o território e a territoria- meio ambiente é relativamente sim-
lidade: outra característica marcante ples, de baixo impacto nos ecossis-
desses grupos é uma forte relação temas. Há reduzida divisão técnica
com o território e com o sentido de e social do trabalho, sobressaindo
territorialidade. Essas comunida- o modelo artesanal de produção, no
des normalmente têm longa histó- qual o produtor e sua família do-
ria de ocupação territorial sobre os minam todo o processo de produ-
espaços em que vivem, sendo co- ção até o produto final. O destino
mum várias gerações ocuparem a da produção dessas comunidades é
mesma área. Essa história de ocu- prioritariamente o consumo pró-

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Povos e Comunidades Tradicionais

prio (subsistência), além de desti- decreto de 27 de dezembro de 2004,


narem parte da produção às práticas criou a Comissão Nacional de Desen-
sociais, como festas, ritos, procis- volvimento Sustentável das Comuni-
sões, folias de Reis etc. A relação dades Tradicionais (Brasil, 2004). Por
com o mercado capitalista é parcial: meio desse decreto, os termos “povos e
o excedente da produção é vendido comunidades tradicionais” foram insti-
e compram-se produtos manufatu- tucionalizados, suturando-se, com isso,
rados e industrializados. certo sentido jurídico e político ligado à
• As inter-relações com os outros grupos da construção de políticas públicas.
região e autoidentificação: essas comu- O uso dessa identidade sociopolíti-
nidades mantêm inter-relações com ca faz parte de um conjunto mais amplo
outros grupos similares na região de reconfigurações identitárias reali-
onde vivem, relações que podem zadas por parte das comunidades rurais
ser de natureza cooperativa ou con- brasileiras, que, na luta pela afirmação
flitiva, e é mediante essas formas de seus direitos, vêm ressignificando e
de interação que as comunidades até rasurando as categorias classificató-
constroem, de maneira relacional rias tradicionalmente utilizadas em sua
e contrastiva, suas próprias identi- definição. Essas comunidades, objetiva-
dades. No processo de construção das em forma de movimentos sociais,
do sentido de pertencimento, tais adotaram como estratégias discursi-
grupos são considerados como di- vas e políticas certo distanciamento das
ferentes da maioria da população da clássicas identidades de trabalhador ru-
região onde vivem. Isso se expressa ral, camponês, lavrador, ou, ainda, daque-
no uso de categorias classificatórias las que recentemente ganharam força,
e identitárias pelos outros grupos como é o caso de agricultor familiar.
para nomearem e classificarem es-
Esses novos protagonistas apre-
sas comunidades, bem como na uti-
sentam-se mediante múltiplas denomi-
lização dessas mesmas categorias
pelas próprias comunidades, para
se autoidentificarem e se diferen-
nações e apontam para a construção
de novas e múltiplas identidades e de P
diferentes formas de associação que
ciarem dos demais.
ultrapassam o sentido estreito das or-
Apesar da tentativa de uma defini- ganizações camponesas clássicas. Isso
ção de caráter mais técnico ou teórico- não significa uma destituição do atribu-
conceitual por parte da antropologia e to político da categoria de mobilização
da sociologia, o uso dos termos “povos camponês – a evidência mais incontestá-
e comunidades tradicionais” não se re- vel disso é a vitalidade do Movimento
sume a uma “categoria de análise”, pois dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
trata-se de um termo com fortes conota- (MST) e da Via Campesina! –, contudo,
ções políticas, tornando-se uma catego- é inegável que a emergência das “no-
ria da prática política incorporada como vas” denominações/identidades dos
uma espécie de identidade sociopolítica movimentos sociais espelha um con-
mobilizada por esses diversos grupos junto de novas práticas organizativas
na luta por direitos. Progressivamente, que traduz transformações políticas
esses termos vêm sendo incorporados mais profundas na capacidade de orga-
pelo próprio Estado brasileiro, que, em nização/mobilização desses grupos em

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Dicionário da Educação do Campo

face do poder do capital e do poder do naturais. A constituição desses novos


Estado e em defesa de seus territórios sujeitos políticos e de direito vem re-
(Almeida, 2004). definindo as táticas e estratégias da
Nesse processo, é importante des- luta pela terra no Brasil, sobretudo por
tacar uma espécie de ressemantização causa do impacto da emergência das
da ideia de tradição e de tradicional. questões ambiental e étnica, que vêm
Normalmente essas palavras carregam redefinindo o padrão de conflitividade e o
forte conotação negativa, pois são defi- campo relacional dos antagonismos.
nidas e significadas numa relação de Isso implica uma espécie de “ambienta-
contraste com a ideia de modernida- lização” e “etnização” das lutas sociais,
de ou modernização, que traz em si complexificando a questão fundiária e
uma positividade expressa na ideia do agrária, foco irradiador dos principais
novo. Nessa leitura, a noção de povos conflitos no campo brasileiro.
tradicionais/comunidades tradicionais Essas novas formas de agenciamen-
traz consigo um sentido pejorativo, tos políticos implicaram a amplia-
pois o tradicional significa atraso, ig- ção das pautas de reivindicações e a
norância, improdutividade, em contra- criação de novas agendas políticas. Esses
ponto com a ideia de um modo de vida novos movimentos lutam não apenas
e de um modo de produção moder- contra a desigualdade – pela redistribuição
nos, marcados pela urbanização, pela de recursos materiais (a terra) –, mas
industrialização, pela produtividade e também pelo reconhecimento das diferen-
pela velocidade, características típicas ças culturais, dos diferentes modos de
do modo de produção e de vida ca- vidas que se expressam em suas dife-
pitalistas. Contudo, a forma como os rentes territorialidades. Não se trata
movimentos sociais e as comunidades simplesmente de lutas fundiárias por
rurais vêm mobilizando esse termo redistribuição de terra; elas envolvem
busca ressignificar essa carga pejorati- também o reconhecimento de elementos
va e estereotipada, acrescentando certa étnicos, culturais e de afirmação iden-
positividade à ideia de tradicional, em titária das comunidades tradicionais,
muitos sentidos até idealizada; nessa apontando para a necessidade do re-
perspectiva, o tradicional não signifi- conhecimento jurídico e de seus ter-
ca o atraso, não se restringe à ideia de ritórios e territorialidades. É nesse pro-
tradição e ao passado; tem um senti- cesso que ocorre um deslocamento
do político-organizativo e apresenta-se semântico, político e jurídico da luta
como alternativa ao modo de produção pela terra para a luta pelo território.
e ao modo de vida capitalistas. Nesse processo de afirmação de
No entanto, essas reconfigurações novas identidades políticas e da cons-
identitárias não são gratuitas: repre- trução de novas agendas nas lutas dos
sentam novas estratégias na luta por povos e comunidades tradicionais, há
direitos, formas de garantias de direi- um deslocamento do eixo das lutas so-
tos sociais e culturais, notadamente o ciais por justiça e emancipação, funda-
chamado “direito étnico à terra” e o di- das nas ideias de igualdade e redistribui-
reito à “posse agroecológica da terra”, ção, para um novo eixo, estruturado em
que buscam assegurar a posse coletiva torno da valorização do direito à diferença
ou familiar das terras e dos recursos e de uma noção de justiça alicerçada

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Povos e Comunidades Tradicionais

no reconhecimento do outro (Fraser, 2002). ça, não é absolutamente evidente que


Isso implica o deslocamento das lutas as atuais lutas pelo reconhecimento es-
contra a exploração, a privação, a mar- tejam contribuindo para complementar
ginalização e a exclusão social – fruto e aprofundar as lutas mais amplas por
das desigualdades socioeconômicas es- Reforma Agrária e pela redistribuição
truturais de nossas sociedades capita- igualitária da terra; na realidade, para
listas periféricas – para as lutas contra muitos críticos dessas novas ideias e
o não reconhecimento e o desrespeito práticas, as lutas por reconhecimento
das minorias, que resultam das for- podem estar contribuindo para frag-
mas de dominação cultural e étnico/ mentar, enfraquecer e deslocar a luta
racial herdadas em sociedades com um por Reforma Agrária e justiça social.
passado colonial/racista nas quais ain- O desafio teórico e político que es-
da permanece, como padrão de poder ses grupos têm de enfrentar é a cons-
atual e atuante, a colonialidade do po- trução de uma concepção de justiça e
der (Quijano, 2005). emancipação social bifocal. Assim, vis-
A percepção do significado político ta por uma das lentes, a justiça é uma
desses deslocamentos que as lutas dos questão de redistribuição igualitária da ter-
“povos e comunidades tradicionais” ra ; nesse sentido, a luta por Reforma
vêm realizando no imaginário e na Agrária é claramente uma luta anticapi-
cultura política brasileira é controver- talista. Vista pela outra, a justiça é uma
sa. Para muitos, esse deslocamento do questão de reconhecimento de territórios;
paradigma da redistribuição de terra para nessa perspectiva, a luta por Reforma
o reconhecimento de territórios representa Agrária é claramente uma luta desco-
um alargamento da contestação políti- lonial, luta pela descolonização do Es-
ca e um novo entendimento de justiça tado e da sociedade (Quijano, 2005).
social, ultrapassando uma visão restrita Cada uma das lentes foca um aspecto
de justiça e de emancipação fixada em importante da justiça social, mas ne-
torno do eixo da classe, e incluindo ou- nhuma, por si só, basta. A compreen-
tros elementos, como a “raça”, a etnici- são plena só se torna possível quando P
dade, a sexualidade etc., elementos que as duas lentes são sobrepostas. Isso,
não foram contemplados na agenda porém, não é tarefa fácil, pois envol-
clássica de lutas no campo. Contudo, ve todas as tensões e contradições da
se essa nova cultura política amplia e construção de um projeto de eman-
enriquece noções de justiça social e cipação social em que igualdade e di-
emancipação por meio da incorpora- ferença sejam pilares equivalentes no
ção da ideia de reconhecimento da diferen- horizonte de justiça social.

Para saber mais


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Dicionário da Educação do Campo

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P

Povos indígenas
Marilda Teles Maracci

Povos indígenas é uma expressão gené- minar esses povos: autóctones, aborígines,
rica comumente utilizada para referir- nativos e originários. Nativos e originá-
se aos grupos humanos originários de rios, de modo mais específico, são ex-
determinado país, região ou localidade, pressões que nos remetem ao fato de
os quais, embora bastante diferentes essas populações serem preexistentes
entre si, guardam semelhanças funda- às invasões de seus territórios pelos
mentais que os une significativamente, colonizadores europeus. Por conta das
principalmente no que diz respeito ao diversas semelhanças que unem os po-
fato de cada qual se identificar como vos indígenas originários das Américas,
uma coletividade específica, distinta de há quem também se refira a eles
outras com as quais convive e, princi- como ameríndios.
palmente, do conjunto da sociedade na- Cabem aqui algumas considerações
cional na qual está inserida (Conselho a respeito do uso da palavra índio e suas
Indigenista Missionário, 2011a). derivações, enquanto noção, conceito
Além de indígenas, outras expres- ou categoria. O índio sempre foi defi-
sões também são utilizadas para deno- nido como uma construção da cultura

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