Os autores
‘Introdução
O Contexto Social Brasileiro e a Urgência da Missão Integral
Conforme a narrativa de Mateus 2:1-12, ao procurarem pelo menino
recém-nascido surpreenderam-se os magos do oriente: afinal, não deveriam
encontrar o “rei dos judeus” na importante cidade de Jerusalém, no aconchego de
uma família socialmente destacada naquela sociedade, ou ainda, estando ainda
acercado de pessoas ilustres? Que surpresa constatar que o novo rei se revelara
na efrata Belém! Também, à semelhança do que fora dito aos pastores, dois mil
anos depois o sinal comunicativo de Deus à humanidade continua, pela sua
simplicidade, a surpreender: “encontrareis uma criança envolta em panos e
deitada em manjedoura.”(Lc. 1:12). Ou seja, o rosto de Jesus no contexto
brasileiro atual assume feições que continua a surpreender a muitos que
imaginam mais facilmente encontrá-lo em suntuosos templos ou, quem sabe, nos
ambientes religiosos que, em seu nome, atraem geram competitivas
aglomerações. Sem desconsiderar, evidentemente, tal possibilidade, é preciso que
se atente para os traços e perfis com Ele mesmo se identificou conforme relato do
evangelho de Mateus, anteriormente citado.
Neste sentido, não será difícil encontrá-lo nas diferentes e precárias regiões
que configuram o nosso país. Nossa realidade é fortemente marcada pela
opressão política, econômica e cultural, o que se traduz em fome, miséria,
injustiça, forte distinção entre pobres e ricos, alto índice de prostituição, violência a
menores e marginalização. Como resultado de uma miséria espiritual geradora do
egoísmo, da ambição, e da desumanidade, que se expressa ainda em sistemas
político-econômicos descomprometidos com a justiça e o bem comum,
convivemos hoje com uma triste realidade de morte, de contrastes sociais, onde a
miséria e a marginalização mantêm milhões de pessoas em condições sub-
humanas. Denominando este contexto de "sociedade de crucificados", o teólogo
brasileiro Leonardo Boff utiliza as seguintes palavras:
Há uma cruz dolorosa e persistente que pesa sobre as
culturas dominadas dos indígenas e dos negros latino-
americanos... milhões e milhões de classes subjugadas
continuam sendo crucificadas com salários de fome, em
condições de trabalho que lhes encurtam a vida... Outras
pessoas penam sob a cruz da discriminação pelo fato de
serem mulheres, pobres, negros e outras formas de exclusão
social.1
1
BOFF, Leonardo. Como pregar a Cruz hoje em uma sociedade de crucificados? Petrópolis: Vozes,
1986, p.19-20.
2
MUÑOZ, Ronaldo. Evangelho e libertação na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1981, p.14.
questiona e interpela: feições de crianças, golpeadas pela
pobreza ainda antes de nascer...; feições de jovens,
desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade e
frustrados... feições de indígenas... e também de afro-
americanos, que, vivendo segregados e em situações
desumanas, podem ser considerados como os mais pobres
dentre os pobres; feições de camponeses, que, como grupo
social, vivem relegados ..., em situação de dependência
interna e externa, submetidos a sistemas de comércio que os
enganam e os exploram; feições de operários, com
freqüência mal remunerados, que tem dificuldade de se
organizar e defender os próprios direitos; feições de
subempregados e desempregados, despedidos pelas duras
exigências das crises econômicas e, muitas vezes, de
modelos desenvolvimentistas que submetem os
trabalhadores e suas famílias a frios cálculos econômicos;
feições de marginalizados e amontoados de nossas cidades,
sofrendo o duplo impacto da carência dos bens materiais e
da ostentação da riqueza de outros setores sociais; feições
de anciãos cada dia mais numerosos, freqüentemente postos
à margem da sociedade do progresso, que prescinde das
pessoas que não produzem.3
4
MENDONÇA, Antônio de Gouvêa. “A Bíblia cativa, Cristo no céu e a igreja ausente”. In: Ciências
da Religião n.6. São Bernardo do Campo: UMESP, 1989, p.169.
5
MENDONÇA, ibid, p. 169,170
O individualismo subjetivo de nossos cânticos é patente e
preocupante. Considerando-a como um todo, a hinódia
protestante é alienante. Desvia os olhares dos cristãos da
história e os transfere a um mundo místico, inexistente (...) a
práxis cristã que a prática do culto oferece, além de
alienante, é individualizante. Destaca o cristão da igreja e o
transfere para o mundo do céu. Prejudica tanto a vida interna
da igreja como sua inserção no mundo.6
Introdução
O texto bíblico de Mateus 25;31-46 apresenta um dos parâmetros
estabelecidos por Jesus ao orientar aqueles que dariam continuidade à missão por
Ele desenvolvida: os sinais da chegada e da presença efetiva do reino de Deus
deveriam ser materializados por atitudes que expressassem solidariedade aos que
experimentam diferentes formas de necessidade. O caráter cristocêntrico de tais
ações, explicitado nas palavras “sempre que o fizestes a um destes meus
pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt. 25:40), ganha delineamento com
representações extremamente fortes, e até dramáticas, mas que revelam, ao
mesmo tempo, a plena identificação do Salvador com a humanidade em
sofrimento: “(...) tive fome, (...) tive sede, sendo forasteiro (...) estando nu (...)
achando-me enfermo e preso (...) (Mt.25:42,43).
Na verdade, quis Jesus assim mostrar que a sua identidade
continuaria a ser aquela que a cruz definiu, quando solidariamente, ali,
experimentou com e pela a humanidade as diferentes formas de violência que
uma história ainda sob a égide do pecado é capaz de gerar: prisão, torturas,
humilhação, fome, sede, desamparo, rejeição, exclusão. E, de igual modo, o grito
desesperador do Calvário - “Deus meu, Deus, por que me desamparaste?” (Mt.
27:46) – continua a ser um memorial que profética e escatologicamente ecoa a
espera de justiça, de solidariedade, de amor, de acolhimento em favor de todos
aqueles anseiam pelo direito e pela oportunidade de continuarem vivendo.
Por isso na narrativa do evangelho, anteriormente citada, o próprio
Cristo faz questão de ressaltar que quem quiser encontrá-lo e servi-lo, que o
procure entre os desabrigados que vagueiam pelas ruas, entre os famintos, os
excluídos, nas selas frias das prisões que lentamente destroem o sentido da
existência, entre os abandonados pelos sistemas incapazes de oferecer
oportunidade de vida a todos, ou ainda, na face de uma criança que, à espera do
leite e do pão, insistentemente luta pelo sagrado direito de viver.
7
Professor de História e Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, em Londrina; mestre
em Teologia (FTSA); doutorando em História (UNESP); pastor presbiteriano.
Este capítulo tem como objetivos identificar os traços sociais da face
brasileira de Jesus; analisar a atitude de diferentes segmentos da sociedade frente
a tais necessidades; e destacar como a Visão Mundial tem conseguido, mediante
a missão integral, fazer diferença qualitativa na vida de milhares de pessoas no
contexto brasileiro.
8
Boletim da Visão Mundial, ano I, n.7, set., 1981, p.2
a 27 de Junho de 1980, em Pattaya, Tailândia, do qual participaram mais de 800
cristãos, procedentes de diversas origens confessionais, nações e culturas.
Nestes congressos foram discutidos importantes aspectos teológicos e
metodológicos para a abordagem evangelizadora dos diferentes grupos humanos,
reafirmando-se a necessidade de cooperação para um trabalho mais efetivo com
implicações sociais.
Através do seu boletim oficial, com circulação mensal no Brasil, a
Visão Mundial procurou divulgar o Pacto de Lausanne: “ consideramos a
divulgação do Pacto de Lausanne um serviço relevante à igreja no Brasil”,
destacando o quinto item do Pacto que aponta para a responsabilidade social
cristã: “devemos participar da solicitude divina pela justiça e Reconciliação em
toda a sociedade humana, pela libertação do homem de toda forma de opressão.”
9
9
Idem.
10
http:// www. visaomundial.org.br (Acessado em 03 de agosto de 2003)
11
Idem.
Maranhão. Com escritório central instalado na cidade de Belo Horizonte, 12 a Visão
Mundial logo procurou identificar a face brasileira de Jesus para, então, passar a
servi-Lo, assumindo também uma postura profética:
12
A sede da Visão Mundial no Brasil está localizada na Rua Tupis, 38 - 20º andar, Centro - Belo
Horizonte -MG.
13
Boletim da Visão Mundial, ibid.
do reino de Deus. Entende o desenvolvimento transformador sustentável como o
desenvolvimento em que se pode conciliar o crescimento econômico, saúde,
educação e a espiritualidade plena, visando o crescimento integral das pessoas e
comunidades, à luz dos valores do reino de Deus.
2 . A Visão Mundial Enxerga a Face Brasileira de Jesus
Desde os seu momento de inserção no Brasil, a Visão Mundial dedicou
incansáveis esforços no sentido de mobiliza a igreja e a sociedade brasileira de
um modo gera para a promoção da vida em todas as suas dimensões. Para criar e
promover consciência da missão integral a ser desenvolvida, seguiu algumas
estratégias: (1) criou o Boletim da Visão Mundial, com tiragem mensal e
distribuição gratuita, trazendo através do mesmo artigos com fundamentação
bíblica e teológica sobre evangelismo e responsabilidade social, além de apontar
as grandes necessidades sociais do país, prestando relatórios de trabalhos em
desenvolvimento, além de apontar meios de contribuição; (2) participou da
publicação e divulgação de livros que estivessem com os propósitos de sua visão,
como por exemplo, a Série Lausanne, em pareceria com a ABU, com dez títulos,
tendo como o primeiro destes: “Tive Fome: um desafio a servir a Deus no Mundo”,
publicado em 1983; (3) a organização de congressos e simpósios, tematizando a
missão integral, buscando diretrizes para o evangelismo, o serviço e a ação social.
Neste sentido, vale ressaltar que deu grande destaque em seu boletim oficial, nas
edições de 1983, ao primeiro Congresso Brasileiro de Evangelização, como se
pode observar nos exemplos de manchete publicados na ocasião, transcritos, a
seguir:
14
Boletim da Visão Mundial, ano III, n.4, jun., 1983, p.1
O Boletim da Visão Mundial também apresentava os passos dados para a
realização daquele evento:
18
Ibid., n.9, p.1 (grifo nosso)
caminhar com as próprias pernas. Mas é também realizado um trabalho que se
volta para as necessidades imediatas. Um exemplo disto é uma doação de
colchões feita neste ano e que veio a beneficiar de 2050 crianças:
Outro exemplo está no Projeto Tapera Brasil, que hoje atende a 581
crianças e suas famílias. Neste, é desenvolvido um programa de reforma e
construção das moradias, com o objetivo de diminuir a quantidade de insetos nas
casas, uma vez que muitas das casas são feitas de taipa, propícia a proliferação
de barbeiros, insetos transmissores da Doença de Chagas.
Para agir nas situações em que a vida pede socorro, a Visão Mundial
criou os projetos emergenciais. Quando busca a reabilitação de pessoas em
situações de calamidade, a Visão Mundial também apresenta soluções
duradouras para os problemas. Foi o que aconteceu no Programa SOS Seca, que
ajudou centenas de famílias no interior do Estado de Alagoas. Além de distribuir
cestas básicas para resolver imediatamente o problema da fome, a Visão Mundial
construiu reservatórios que garantem o abastecimento de água para as famílias e
criou o banco de sementes. Atuando em todas as circunstâncias em que a vida
está ameaçada, a Visão Mundial alia-se a outras ONGs para fazer valer o Estatuto
da Criança e do Adolescente. Uma das maiores preocupações é o combate à
exploração e abuso sexual de crianças, e ao turismo sexual.
19
http:// www. visaomundial.org.br (Acessado em 03 de agosto de 2003)
Os Programas de Desenvolvimento de Área (PDAs) são instrumentos para
a promoção de um tipo de desenvolvimento comunitário integrado. Os projetos
sociais apoiados devem ter suas ações orientadas por um planejamento
estratégico, proporcionando mudanças sociais mais eficientes e efetivas. O
planejamento estratégico prevê a análise do contexto, a elaboração do
diagnóstico, o estudo da viabilidade e dos riscos, definição de objetivos e metas,
procedimentos de monitoramento e critérios de avaliação. Aliada aos aspectos
técnicos, a participação dos beneficiários no planejamento, na execução e na
gestão dos projetos sociais é um dos fatores mais relevantes para o seu sucesso.
Destacam-se os seguintes programas, de diferentes áreas, apoiados pela
Visão Mundial.
Saúde: Cuida para que as mães recebam atenção especial durante a
gestação, parto e amamentação. São desenvolvidos programas de atenção
primária à saúde infanto-juvenil, incluindo o aleitamento materno, a imunização, o
controle nutricional, o acesso a água limpa e o saneamento básico.
20
Boletim da Visão Mundial, ano IV, n.2, abril, 1984, p.3
infanto-juvenil, oficinas de reflexão bíblica e articulação com igrejas e pastorais
populares. Estes são alguns exemplos da atuação transformadora da Visão
Mundial para incentivar o desenvolvimento auto-sustentável.
Há ainda um trabalho que busca ativamente conscientizar e mobilizar os
internautas em relação às ações de desenvolvimento social. Mediante um
programa denominado Comunidade Fazendo a Diferença, composto por Sites que
disponibilizam Banners da Visão Mundial, muitas pessoas poderão fazer a
diferença na vida de crianças e famílias das regiões empobrecidas do nosso país.
Agindo como multiplicadores podemos garantir um futuro melhor para n Nação. A
Visão Mundial como uma organização que está, assim, sintonizada com o seu
tempo, vê o uso da internet como ferramenta necessária para atingir suas metas e
ajudar a construir um mundo mais digno e justo.
Enfim, a rede de solidariedade que integra a Visão Mundial é cada vez mais
extensa: em uma ponta, doadores, gente sensível e comprometida com um mundo
melhor para todos; em outra ponta as milhares de crianças, famílias e
comunidades. Dessa maneira se criam a esperança e a possibilidade de vida.
Conclusão
Introdução
21
STOTT, Jonh. “A compaixão de Jesus”. In: Tive Fome: um desafio a servir a Deus no mundo.
Belo Horizonte: Visão Mundial; São Paulo: ABU, 1989, p. 21.
22
Historiador, professor da Faculdade Teológica Sul Americana, e-mail alfredo@ftsa.edu.br.
Todo discurso (conceito teológico elaborado e pronunciado espontânea ou
formalmente) está atrelado a uma série de práticas (concretizadas através de
instituições ou ações espontâneas de pessoas). A missão integral não foge a este
princípio. Embora seja um conceito que ainda não recebeu o devido tratamento
sistemático, há bastante tempo circula em solo brasileiro através de pessoas,
movimentos e instituições. Um desses movimentos é a Aliança Bíblica
Universitária do Brasil (ABUB). Desta agremiação de estudantes e profissionais e
de sua relação com o conceito de missão integral no Brasil é que este capítulo se
ocupa.
A trajetória para levar adiante o propósito acima colocado começa por uma
busca da identidade teológica e institucional da ABUB. Procuro responder a
questões como: Que é a ABUB? Como está estruturada institucionalmente? Quais
os seus objetivos? Que concepções teológicas endossa e procura difundir? Que
sociabilidades procura construir?
No segundo ítem deste capítulo passo a me ocupar especificamente da
concepção de missão integral da ABUB. Começo conceituando missão integral, de
uma forma geral, para depois colocar o foco sobre como esta elabora,
compreende ou difunde o conceito em seu meio.
O terceiro passo será analisar as estratégias que a ABUB utilizou ou tem
utilizado para difundir sua concepção de missão integral. Alguns veículos de
comunicação e socialização de idéias serão analisados, como sua Editora, a
organização de congressos e treinamentos e seu site na rede mundial de
computadores.
23
ESTRUTURA organizacional da ABUB. http://www.abub.org.br.
24
Ibid.
pertencem e que, na terra, se manifesta nas congregações
locais; k) A segurança da segunda vinda de cristo em corpo
glorificado e a consumação de seu reino nesta manifestação;
l) A ressurreição dos mortos, a vida eterna dos salvos e a
condenação eterna dos injustos.25
O fato de Deus ter enviado seu Filho Amado ao mundo por amor e
solidariedade para com o gênero humano (missão de Deus), exige uma resposta
28
FILOSOFIA da ABUB. http://www.abub.org.br.
29
David BOSCH, Missão transformadora: mudanças no paradigma na teologia da missão, p. 28.
de sua igreja de também agir com o mesmo amor e solidariedade para com a
humanidade. Estas ações da igreja precisam ser adequadas ao tempo e ao
espaço que tem ocupado no mundo contemporâneo, o que significa que ela deve
se preocupar em contextualizar cultural e socialmente suas formas de ação
(missões).
Concebida da forma como foi exposta acima, missão é um modo de ação
que possui duas dimensões, uma de caráter positivo e outra de cunho negativo. A
realização da missão implica em um sim de Deus ao mundo, expresso através sua
de solidariedade para com o sofrimento e a desesperança humanos, bem como
um não de Deus, expresso de forma conflitiva com os valores e as ações do
mundo que são contrários ao seu reinado. 30 O que significa que a igreja deve agir
para difundir o reinado de Deus sobre o gênero humano anunciando e vivenciando
amor e solidariedade, como deve também exercer seu papel profético e denunciar
todas as formas de opressão e injustiça que ofuscam o brilho da vida, humana e
não-humana.
Uma vez que a missão da igreja desemboca sempre em um processo de
contextualização de sua forma de ação no mundo, acho que seria bastante útil
qualificar esta missão a partir do adjetivo usado, sobretudo, por missiólogos
evangélicos latino-americanos. Para lembrar as igrejas que a sua missão não
deve optar por um dos pólos opostos, salvação pessoal/espiritual ou libertação
social/econômica, os missiólogos latino-americanos têm usado o qualificativo
integral para a missão. Vou procurar detalhar um pouco mais a expressão missão
integral a seguir.
A expressão missão integral é utilizada sempre de modo a propor a
superação de dualismos. René Padilla, em artigo clássico sobre o assunto de
título homônimo, utiliza os termos para se referir à superação da dualidade
crescimento quantitativo versus crescimento qualitativo:
É possível usar as estatísticas de crescimento das igrejas
para pintar um quadro luminoso da igreja nos últimos anos.
Isto é, com efeito, o que se tem feito em círculos onde o
crescimento quantitativo da igreja é considerado como “a
tarefa principal” da missão. O quadro será mais sóbrio se
30
Ibid., p. 28-29.
juntamente com os avanços numéricos forem colocados os
problemas que afetam a igreja e que colocam em dúvida o
futuro do cristianismo em certas regiões do mundo. Nesta
perspectiva, o maior desafio que a igreja enfrenta é o desafio
de uma missão integral.31
31
Rene PADILLA, Missão integral: ensaios sobre o reino e a igreja, p. 139.
32
Ibid., p. 142.
Deus a criou em Jesus Cristo (...) As boas obras, portanto,
não são um mero apêndice da missão, mas uma parte
integral da manifestação presente do Reino: elas apontam
para o Reino que já veio e para o Reino que está porvir.33
33
Ibid., p. 202-203.
34
Tetsunao YAMAMORI, Servindo com os pobres na América Latina: modelos de ministério
integral, p. 14-15.
35
FILOSOFIA da ABUB. http://www.abub.org.br.
36
Ibid.
O objetivo de cumprir sua “missão e serviço” implica em uma atitude
profética, a de confronto da igreja com as estruturas sociais que estejam
ofuscando a vida humana:
37
Ibid.
38
Ibid.
39
QUEM Somos. http://www.abub.org.br.
3- A Aliança Bíblica Universitária do Brasil e a difusão da concepção de
missão integral
42
Dallas WILLARD, A conspiração divina: o verdadeiro sentido do discipulado cristão, p. 55-80.
holística, não no sentido vulgar/místico da palavra, mas no sentido de que vivemos
em uma realidade sistêmica. Todas as coisas estão ligadas às demais.
Nínguém é liberto se sua mente, seu corpo e seu espírito não forem
curados e tocados pelo poder de Deus, mas se o mesmo poder não agir sobre as
estruturas sociais até que sejam também transformadas, não haverá libertação na
sua plenitude. Nenhum indivíduo pode ser liberto se a sociedade não for também
liberta. O cristianismo não pode tolerar o egoísmo e a exploração econômica e
social, mas se o poder de Deus não agir na vida individual dos sujeitos, jamais
será construída uma sociedade justa.
Por enquanto podemos observar líderes preocupados em orar, jejuar e ter
experiências sobrenaturais, mas não são suficientemente piedosos para estender
suas mãos para os aflitos. Por outro lado, podemos ver outros líderes engajados
em um ativismo social vazio do poder sobrenatual de Deus. O momento é o de
construirmos a síntese, a ponte de ligação entre as duas realidades e passarmos
a viver e a pregar um Evangelho integral, onde o poder sobrenatural de Deus age
para mudar o âmago das pessoas tanto quando age para recriar a vida social e a
natureza!
Quarto desafio: Vivemos em uma sociedade e economia sem
solidariedade. A dimensão mais concreta da chamada pós-modernidade é a
economia capitalista pós-industrial, ou neo-liberal. A sociedade capitalista neo-
liberal é perversa e sem compaixão. Nela só há lugar para as pessoas capazes e
competentes, que conseguem cumprir todas as exigências do mercado de
trabalho e de consumo. Cada vez mais as empresas exigem maior qualificação
para seus trabalhadores, e cada vez mais as máquinas substituem as pessoas no
desempenho de funções e realização de serviços - e com isso aumenta o
desemprego, a economia informal e a marginalidade. Todavia, o capitalismo neo-
liberal afirma que esse é o único caminho para a prosperidade das nações! Decre-
tando o “fim da história” o capitalismo neo-liberal tomou o lugar do marxismo como
a religião messiânica sem Deus.
Precisamos de compaixão e solidariedade para fazer a missão em nossos
dias! Ao olhar para as pessoas e para as multidões de seus dias, Jesus as via
como “ovelhas sem pastor” e demonstrava-lhes compaixão. A compaixão
(solidariedade) era o motor de suas ações a favor das pessoas (v. Mt 9,36; 14,14;
15,32; 20,34; Mc 6,34; 8,2; Lc 7,13, etc.). Jesus demonstrava, através de seus
atos, a compaixão de Deus pelos seus filhos e filhas escravizados ao pecado;
demonstrava a solidariedade do Deus encarnado para com a humanidade
pecadora (cf. Hb 2,14-17; 4,15-16). Para pregar o Evangelho não posso ver o
“outro” como adversário - a “batalha espiritual” não pode gerar inimigos, mas, sim,
pessoas reconciliadas com Deus e, conseqüentemente conosco e com elas
mesmas - geramos, com a pregação do Evangelho, amigos e amigas de Jesus
Cristo (Jo 15,14-15).
Para realizarmos a missão é necessário resistir à tendência
desumanizadora e brutalizante de nossa sociedade pós-moderna; precisamos
resistir à tentação de vivermos apenas em função de nós mesmos e de nossos
interesses e desejos. Precisamos de solidariedade, compaixão: sentir o sofrimento
do outro, como o nosso próprio sofrimento. Participar na libertação do outro, como
se a nossa própria libertação disso dependesse. Se somos amigos e amigas de
Cristo, fazemos o que Ele manda. E o que Ele manda? “Eu vos escolhi para irdes
produzir frutos e para que o vosso fruto permaneça ... O que eu vos ordeno é que
vos ameis uns aos outros” (Jo 15,16-17). A Igreja existe para anunciar o
Evangelho - essa é a grande comissão de Jesus (Mt 28,18-20 e paralelos), e esse
é o poder do Espírito (At 1,8) - e se ela não o faz, deixa de ser povo de Deus, e se
identifica com o mundo; torna-se sal sem sabor, não prestando para nada.
Assim como Jesus fez acompanhar sua pregação de sinais visíveis do
amor de Deus pelos pecadores, também a Igreja solidária, na pós-modernidade,
fará sua pregação da salvação ser acompanhada dos sinais do Reino. Quem ama,
é compassivo e solidário com a pessoa toda, não faz divisão entre “alma” e
“corpo”, pregando para salvar “a alma” e deixar o “corpo” morrer. Jesus cuidava
das doenças do corpo, das doenças espirituais, dos problemas econômicos e
sociais. Paulo, o evangelista aos gentios, recebeu a recomendação de “nos
lembrar dos pobres, o que eu tive muito cuidado de fazer” (Gl 2,10). A diaconia
cristã é a expressão concreta da compaixão evangelizadora da Igreja. A diaconia é
o meio pelo qual a Igreja pratica as boas-obras para as quais cada cristão foi
chamado por Deus (Ef 2,10).
Na atualidade, precisamos discernir quais são as boas-obras mais
urgentes, ou quais as formas mais importantes de ação diaconal. Por exemplo:
projetos sociais de capacitação profissional, projetos sociais de desenvolvimento
comunitário; movimentos sociais de luta contra o desemprego, contra a fome;
movimentos políticos pela adoção de mecanismos de defesa econômica dos
cidadãos, garantidos pelo Estado - por exemplo: renda mínima, salário educação,
etc. No âmbito da saúde, é preciso também atuar através de projetos de
desenvolvimento (ambulatórios, clínicas voluntárias, etc.), e de movimentos
sociais e políticos (campanhas contra certos tipos de câncer, instituições
especializadas no atendimento a certos tipos de doenças e deficiências, etc.;
movimentos políticos que visem forçar o Estado a cumprir as metas de saúde
pública mínimas para garantir a dignidade dos cidadãos).
No âmbito da cultura, é preciso que as Igrejas atuem no despertamento de
formas criativas de ação cultural - seja na música, no teatro, nas artes plásticas,
na literatura, etc. É importante atuar em movimentos que visem o controle, pela
sociedade, dos bens culturais produzidos e difundidos pelos meios de
comunicação de massa (TV, rádio, cinema, etc.). Em uma palavra, é preciso que a
Igreja atue de forma a contribuir para que a cidadania seja uma verdade prática, e
não apenas um direito constitucional. Para que a mensagem do Reino pregada
pela Igreja seja entendida, é necessário que a Igreja demonstre os sinais do Reino
através de sua vida e da vida de seus membros. Na pós-modernidade, em que a
pessoa só é vista como consumidora, ou como produtora de bens, precisamos
ajudar a resgatar a condição cidadã das pessoas, com todas as implicações
sociais, econômicas e políticas da cidadania. Como cidadãos do Reino de Deus,
somos chamados a lutar para sermos cidadãos de um país justo e livre e para
demonstrar solidariedade plena para com os não-cidadãos! Para isso o Espírito
que ungiu Jesus, também pode nos ungir (cf. Lc 4,18-21; 7,18-23)
Quinto desafio: Finalmente, acreditamos que um dos maiores desafios que
a Igreja precisa enfrentar na atualidade é o da construção de uma liderança
renovada e renovadora. Predomina, atualmente, no meio evangélico o modelo
gerencial de liderança e pastorado. Esse modelo é a concretização do projeto
capitalista dentro da Igreja. É exemplo de conformidade com o mundo atual e
depõe contra a natureza da Igreja e contra a graça de Deus demonstrada no
Evangelho. É um modelo centrado em técnicas de gerenciamento, planejamento
estratégico, realização de metas, crescimento numérico permanente e
centralização do poder, mesmo com a descentralização de atividades. Nas
palavras de Ricardo Barbosa de Sousa:
O que falta não me parece ser alguma nova técnica que
ainda não foi incorporada ou algum curso que ainda se deva
fazer. O grito das ovelhas liderança que temos hoje, ou
melhor, o modelo de líderes que temos buscado não está
satisfazendo os anseios das almas das ovelhas de Jesus
Cristo. Temos boa tecnologia, bons administradores, bons
professores, excelentes gerentes que tocam a igreja... Mas
não temos pastores.43
Que o Deus Pai, Filho e Espírito Santo nos ilumine e capacite para
cumoprirmos a grande vocação missionária que temos, como Povo de Deus, no
Brasil e no mundo de hoje!
44
SANTOS, L. De A. “A busca por um estilo de liderança”, em STEUERNAGEL, V. & SOUSA, R. B.
(orgs.) Nova Liderança. Paradigmas de liderança em tempo de crise, Curitiba, Encontro, 2.002, p. 200.