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ISSN 1413-389X Trends in Psychology / Temas em Psicologia – Março 2017, Vol.

25, nº 1, 97-115
DOI: 10.9788/TP2017.1-06

Manutenção de Desigualdades na Avaliação do Gênero


na Psicologia Brasileira

Angelo Brandelli Costa1


Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Henrique Caetano Nardi
Silvia Helena Koller
Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Optentia Research Focus Area North-West University, Vanderbijlpark, South Africa

Resumo
A partir da análise crítica da escala de Masculinidade e Feminilidade (M) da versão brasileira da Escala
de Personalidade de Comrey (CPS), o objetivo deste estudo é recuperar o tratamento histórico que a
psicologia feminista deu às ideias de sexo e gênero e seus desdobramentos. Além disso, pretende apon-
tar para uma concepção de gênero autodesignada, não essencialista, pluralista e não patológica. Por
fim, visa a analisar como o CPS é mantido como medida psicológica válida no contexto brasileiro em
paralelo, contraditoriamente, com a defesa da igualdade de gênero. O uso do CPS no Brasil parece se
relacionar ao fato de que os estudos feministas na psicologia social e a avaliação psicológica se conso-
lidaram com poucas interfaces e com bases epistemológicas distintas. Conclui-se apontando que as prá-
ticas psicológicas, com ênfase as medidas de avaliação de gênero, sejam revistas à luz do conhecimento
contemporâneo dos estudos de gênero e da psicologia feminista.
Palavras-chave: Avaliação psicológica, gênero, sexo, Escala de Personalidade de Comrey.

Inequalities Maintenance in the Brazilian Psychology


Gender Assessment

Abstract
From the critical analysis of the Masculinity and Femininity scale (M) of the Brazilian version of Comrey
Personality Scale (CPS), the aim of this study is to recover the historical treatment that feminist psycho-
logy gave to the ideas of sex and gender and its implications. It also aims to point to a self-designated,
non essentialist, pluralistic and non pathological conception of gender. Finally, aims to analyze how the
CPS is maintained as valid psychological measure in the Brazilian context in parallel, paradoxically,
with the defense of gender equality. The use of CPS in Brazil seems to be related to the fact that, in
this context, women’s studies in social psychology and psychological assessment were consolidated
with few interfaces and with distinct epistemological foundations. We conclude by pointing out that the
psychological practices, with emphasis on gender assessment, must be reviewed in the light of contem-
porary gender studies and feminist psychology.
Keywords: Psychological assessment, gender, sex, Comrey Personality Scale.

1
Endereço para correspondência: Rua Ramiro Barcelos, 2600, Porto Alegre, RS, Brasil 90035-003. Fone: 3308-
5066. E-mail: brandelli.costa@ufrgs.br
Apoio financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
98 Costa, A. B., Nardi, H. C., Koller, S. H.

Mantenimiento de Desigualdades en la Evaluación de Género


en la Psicología Brasileña

Resumen
Desde la análisis crítica de la escala de Masculinidad y Feminidad (M) de la versión brasileña de la Es-
cala de Personalidad de Comrey (CPS), el objetivo de este estudio es recuperar el tratamiento histórico
que la psicología feminista dio a las ideas de sexo y género y su implicaciones. También tiene como
objetivo apuntar a una concepción autodesignada, no esencialista, pluralista y no patológica de géne-
ro. Finalmente, tiene como objetivo analizar cómo el CPS se mantiene como una medida psicológica
válidas en el contexto brasileño en paralelo, paradójicamente, con la defensa de la igualdad de género.
El uso de CPS en Brasil parece estar relacionado con el hecho de que, en este contexto, los estudios de
género en la psicología social y la evaluación psicológica se consolidaron con pocos puntos en común
y con fundamentos epistemológicos distintos. Concluimos señalando que las prácticas psicológicas,
principalmente la evaluación de género, deben ser revisados a la luz de los estudios de género contem-
poráneos y la psicología feminista
Palabras clave: Evaluación psicológica, gênero, sexo, Escala de Personalidad de Comrey.

Em 1970 um grupo de psicólogas norte- do feminismo nos Estados Unidos muito influen-
-americanas lideradas por Phyllis Chesler e ciada, por exemplo, por Betty Friedan, ativista
Nancy Henley organizaram uma manifestação cofundadora da Organização Nacional das Mu-
na reunião anual da Associação Norte-americana lheres, psicóloga e autora de “A Mística Femi-
de Psicologia (American Psychological Associa- nina”, obra que redefiniu o papel da mulher na
tion [APA]). Elas exigiam reparação financeira época (Chrisler et al., 2013). Embora a reparação
no valor de um milhão de dólares pelos danos financeira não tenha sido conquistada, a partir
que as teorias psicológicas androcêntricas e mi- desse evento simbólico, a APA organizou uma
sóginas causaram às mulheres. Reproduzimos força tarefa que levou a criação em 1973 da di-
aqui uma parte da declaração: visão 35 (Sociedade pela Psicologia da Mulher),
A psicologia tem sido criminosa em sua reconhecendo e institucionalizando o que agora
maneira de se relacionar com as mulheres. é referido como psicologia feminista. Desde en-
Ela tem perpetuado as ideias de supremacia tão, a psicologia norte-americana tem se dedi-
masculina presentes na psicologia freudia- cado a reverter os danos causados pelo estigma
na, aceitando sem bases científicas pressu- que até então ajudou a perpetuar revisando suas
postos cruéis sobre determinação biológica teorias e práticas (por exemplo, APA, 1975);
dos papeis sexuais; ela participou da prisão uma tarefa longe de estar concluída (Hegarty &
psicológica e física de inúmeras mulheres Buechel, 2006).
quando as rotulou de mentalmente incapa- No Brasil, os instrumentos empregados
zes por causa de sua recusa em cumprir as para avaliação psicológica são dispostos pela
exigências injustas e ilegítimas impostas a resolução do Conselho Federal de Psicologia
elas. Chegou o momento para os/as profis- (CFP, 2003b) número 002 de 2003. A resolução
sionais da psicologia e da saúde começa- estabelece um sistema de avaliação por pares
rem a reparar os danos que causaram e de dos diferentes instrumentos disponíveis no país
inverter a direção das forças já em curso que (SATEPSI), condicionando o seu uso profissio-
visam a aprisionar e assassinar as mentes e nal a aprovação prévia. Essa avaliação privilegia
os corpos das mulheres. (Pickren & Ruther- critérios técnicos, ou seja, evidência de valida-
ford, 2010, p. 266) de e fidedignidade em estudos que confirmem
É evidente que esse não foi um evento as propriedades psicométricas dos instrumentos
isolado. Ele ocorre no contexto da segunda onda (Costa & Nardi, 2013). Um dos testes aprovados
Manutenção de Desigualdades na Avaliação do Gênero na Psicologia Brasileira. 99

na presente data é a Escala de Personalidade de Nas mulheres, sugere assertividade insuficiente


Comrey (Comrey Preference Schedule, CPS). para um ajuste eficaz” (p. 132). Alguns exem-
Originalmente publicada em 1970 pelo psicólo- plos de itens da escala são: é difícil me fazer
go norte-americano Andrew Comrey (Comrey, chorar; é tolice perder tempo pensando em amor
1970), sua primeira versão brasileira foi pu- e romance; insetos grandes e répteis me pertur-
blicada em 1973 (Rodrigues, 1979). Revisada bam; pegaria uma cobra não venenosa com as
em 2003, encontra-se agora na terceira edição mãos desprotegidas; situações grosseiras e vul-
(Costa, 2009). Trata-se de um teste que enfoca gares me desagradam. Esse é um instrumento,
a avaliação “e descrição da personalidade ‘nor- no entanto, largamente utilizado no contexto de
mal’ . . . mas pode mostrar-se útil na identifica- seleção de pessoal, especialmente em concursos
ção de problemas de ordem psiquiátrica ou que públicos (Pereira & Bandeira, 2009).
requeiram intervenções psicoterápicas” (Costa, A pesquisa psicológica compreende hoje
2009, p. 15). O instrumento é composto por 100 que esse tipo de instrumento está avaliando ca-
afirmativas distribuídas em 10 subescalas, vol- racterísticas socialmente consideradas mascu-
tadas à avaliação de diferentes fatores de per- linas e femininas expressas, sobretudo pelas
sonalidade. Cada afirmativa é avaliada em uma preferências de homens e mulheres na época de
escala de 7 pontos, variando de “nunca (certa- sua criação (Lippa & Connelly, 1990). O pró-
mente não)” até “sempre (certamente sim)”. A prio autor do CPS, reconhecendo essa tendência,
média das respostas nos itens que formam cada afirmou recentemente que com a publicação da
subescala é interpretada por um eixo de valores versão revisada do instrumento em 1994, o nome
que direciona os extremos de cada fator. Den- da escala M foi alterada de “Masculinidade vs.
tre as subescalas, encontra-se a de Masculinida- Feminilidade” para “Resistência Mental vs. Sen-
de e Feminilidade (M). A seu respeito, o autor sibilidade” (Comrey, 2008, p. 132). Considerar
afirma que “indivíduos com escores altos nesse que o CPS avalia um atributo intrínseco à mas-
fator disseram ser ‘fortes’, teimosos, e durões, culinidade e à feminilidade, como no caso bra-
que não se impressionam com cenas violentas, sileiro, não é apenas um equívoco teórico. Do
suportam vulgaridades e que não choram facil- ponto de vista da igualdade de gênero, o instru-
mente, nem demonstram interesse em histórias mento apresenta graves implicações éticas. Es-
românticas e de amor” (p. 64). Afirma ainda que sas implicações contradizem a visão do CFP que
“aqueles com escores baixos choram com faci- vem promovendo o debate acerca dos direitos
lidade, perturbam-se com a visão de insetos e das mulheres, além da valorização do protago-
répteis e demonstraram interesses em histórias nismo feminino na sociedade e a defesa da sua
românicas” (p. 64). cidadania plena (CFP, 2013a). Contradizem ain-
Embora o autor da revisão expresse que o da o recente foco do Conselho na luta pela cons-
CPS não visa à identificação da hetero ou ho- trução da igualdade de gênero não apenas entre
mossexualidade, também afirma que “a incidên- homens e mulheres, mas também entre pessoas
cia de alguns valores nas faixas extremas, supe- cis e trans (CFP, s.d.). Portanto, o endosso desse
riores ou inferiores, aponta a possibilidade de instrumento pela psicologia brasileira no contex-
comprometimentos patológicos de conduta so- to atual é paradoxal.
cial” (p. 75). No entanto, o autor do instrumento A partir da análise crítica da versão brasilei-
original afirma que “altos escores na escala M ra da Escala de Personalidade de Comrey (CPS;
mostraram-se associados estatisticamente com Costa, 2009), o objetivo deste estudo é recuperar
mulheres com [sic] homossexualidade e em ho- o tratamento histórico que a psicologia feminista
mens com diagnóstico de personalidade esqui- deu às ideias de sexo e gênero e seus desdobra-
zoide e problemas com a lei” (Comrey, 2008 p. mentos. Além disso, a partir das discussões con-
131), ele afirma ainda que escores muito baixos temporâneas nessa área, pretende apontar para
nos homens “é sugestivo de uma falha no de- uma concepção de gênero autodesignada, não
senvolvimento da identidade masculina normal. essencialista, pluralista e não patológica. Por
100 Costa, A. B., Nardi, H. C., Koller, S. H.

fim, visa a analisar como a psicologia enquanto alizado nas ciências humanas e da saúde é pres-
instituição sustenta, no contexto contemporâneo critivo e não pode ser feito de maneira neutra, já
brasileiro, o CPS como medida psicológica váli- que opera com categorias como normal/anormal,
da em paralelo, contraditoriamente, com a defe- bom/mal, saudável/patológico, esperado/não
sa da igualdade de gênero. esperado, belo/feio, etc. (Hacking, 2004). Isso
Este estudo se configura como uma revisão aponta para a implicação ética dos produtores
crítica da literatura psicológica sobre a avaliação de conhecimento em relação à subjetividade das
do sexo e do gênero (Von Hohendorff, 2014). pessoas classificadas. Ian Hacking, autor dessa
A análise privilegiará a produção científica da perspectiva, recorre à noção de ética na obra de
psicologia feminista anglo-saxã. Essa escolha se Michel Foucault como horizonte para sua pro-
justifica uma vez que foi a psicologia feminista posta de análise. Para Foucault (2004), a ética é
que ofereceu uma crítica consistente à avaliação entendida simplesmente como a prática reflexiva
do gênero a partir do contexto de onde ela emer- da liberdade. Liberdade entendida como a pos-
giu. Com essa escolha não se está ignorando a sibilidade de os indivíduos atuarem ativamente
existência de contribuições de outras áreas do na construção de sua subjetividade. Portanto, o
conhecimento como a sociologia, a história, a horizonte ético da perspectiva da ontologia his-
filosofia e do ativismo político, uma vez que se tórica é a do processo de classificação reconhe-
entende que existe uma inter-relação entre esses cer e possibilitar espaço para a autoinvenção e
campos nos estudos de gênero. reinvenção por parte dos sujeitos classificados
A perspectiva de análise adotada é a da on- (Hacking, 2004). Esse componente ético é par-
tologia histórica de Ian Hacking (2004). Essa ticularmente relevante para a discussão presente
perspectiva reconhece que os objetos de estudo no final desse estudo onde são apresentadas al-
das ciências humanas são dinâmicos e interati- ternativas à avaliação de gênero, repensando o
vos. Ao contrário das rochas, por exemplo, que papel da psicologia tendo em vista a maximiza-
não se importam em ser classificadas como tal, ção da liberdade dos sujeitos.
quando as pessoas se tornam cientes da forma O exame da diferença supostamente natural
como são classificadas, modificam a sua condu- entre homens e mulheres é uma ideia relativa-
ta, o que requer novas classificações, as quais mente recente. O historiador Thomas Laqueur
gerarão novas condutas, num efeito retroalimen- (2001) demostrou que ela emergiu no pensa-
tador ao longo da história do conhecimento. Essa mento ocidental no século XVIII diante de in-
interação entre o classificado e classificação no teresses políticos que encontraram no estudo
contexto das ciências humanas é chamada de dessas diferenças uma justificativa para manu-
looping effect of human kinds (Hacking, 1995). tenção da hierarquia masculina na organização
A perspectiva da ontologia histórica reconhece da sociedade.
ainda a influência das relações de poder nesse O modelo científico predominante até o sé-
processo, por exemplo, através das instituições culo XVIII era o modelo do sexo único. Esse
criadas em torno das pessoas classificadas des- modelo, oriundo da medicina greco/romana, en-
tinadas ao estudo, tratamento, encarceramento, tendia as diferenças anatômicas percebidas nos
e estratégias de resistência por elas suscitadas órgãos genitais como diferentes graus de uma
(Hacking, 2007). Um exemplo desse processo mesma espécie. O canal vaginal era visto como
ocorreu no caso da ideia de homossexualidade um pênis voltado para dentro que com a força
que foi medicalizada e criminalizada por espe- e a intensidade do “calor vital”, evoluiria até a
cialistas no final do século XIX. A partir dos completude anatômica. O modelo do sexo úni-
anos 1960, o movimento gay retorna aos sujeitos co seria de um mundo “onde as fronteiras entre
o controle da classificação aplicada sobre eles, masculino e feminino são de grau e não de es-
significando-a de forma positiva. pécie, e onde os órgãos reprodutivos são apenas
A perspectiva da ontologia histórica com- um sinal entre muitos do lugar do corpo . . .”
preende também que o tipo de classificação re- (Laqueur, 2001, p. 41).
Manutenção de Desigualdades na Avaliação do Gênero na Psicologia Brasileira. 101

No modelo que emergiu em seguida, ho- mais homens do que mulheres com problemas
mens e mulheres teriam propriedades que se su- físicos e mentais, isso era compensado por haver
ponham específicas e necessárias. Uma das ciên- na sociedade mais homens com valores conside-
cias que se dedicava ao estudo nesse modelo era rados positivos, como genialidade e fama (Shiel-
a frenologia, a qual afirmava que o formato do ds, 1982). Uma das evidências para tal hipótese
crânio das mulheres evidenciava subdesenvolvi- era fornecida por estudos que compilavam pes-
mento de regiões cerebrais necessárias para o su- soas ilustres e traçavam sua genealogia, consta-
cesso intelectual, ao passo que mostrava desen- tando pouca prevalência de mulheres. Francis
volvidas as regiões relacionadas à maternidade Galton (1869), sobrinho de Darwin e precursor
(Staum, 2003). Os sujeitos, que até então eram da avaliação psicológica, conduziu pesquisas a
avaliados por suas atitudes religiosas ou pelos esse respeito. A ideia era de que atributos indi-
valores aristocráticos, passam a ser avaliados viduais, como a maior inteligência e força física
pela conformidade à sua “natureza” biológica atribuída aos homens, explicariam a adaptação
e, posteriormente, psicológica (Fausto-Sterling, ao ambiente que culminariam na eminência pes-
2008; Foucault, 1998; Katz, 1996). Isto é, o con- soal, sendo esses atributos hereditários. Raras
junto de ideias oriundas da psicologia do senso eram as referências de que o contexto, não a he-
comum usadas na época para justificar qualida- reditariedade, explicaria a baixa prevalência de
des que seriam desejáveis a mulheres e homens mulheres nesses estudos (Shields, 1975).
foi ganhando respaldo na medida em que essas Com o desenvolvimento dos testes de in-
concepções foram incorporadas às ciências que teligência (chamados testes mentais na época),
se consolidavam na época. tal perspectiva ganhou impulso. Diferenças
A psicologia científica nasce no final do sé- eram constatadas em tarefas como associação
culo XIX, preocupada entre outras coisas, com de ideias, preferência por cores, caligrafia, me-
essas diferenças. Exemplos são as pesquisas morização de imagens, velocidade de leitura,
sobre a maior variabilidade intelectual mascu- capacidade para o cuidado de crianças peque-
lina, sobre o instinto materno e sua relação com nas (Morawski, 1985). Nos Estados Unidos, por
a chamada natureza feminina (Shields, 1982). exemplo, onde a pesquisa psicológica se desen-
Essas questões eram examinadas sob influência volvia amplamente, esse viés que privilegiava os
da perspectiva darwinista. Em “A Descendên- homens se instalou com força (Minton, 2000).
cia do Homem e Seleção Sexual” (1871/1933), Diferenças entre homens e mulheres, constata-
Darwin oferece uma hipótese para explicar sua das na pesquisa psicológica, automaticamente
observação de que em muitas espécies somente se convertiam em expectativas em relação ao
os machos desenvolveriam maior variedade de desempenho de papeis sociais. Dessa forma, a
características sexuais secundárias (a cauda dos psicologia de então fez com que a hipótese da
pavões, por exemplo), ao contrário das fêmeas. menor variabilidade não servisse apenas de ex-
A variabilidade era aceita como um mecanismo plicação para o estatuto social desfavorecido
de processo evolutivo (sobrevivência do mais das mulheres, mas de sua justificativa (Shields,
apto e transmissão das variações mais adapta- 1975). Stanley Hall (1904), entre outros, acre-
tivas), e logo se convencionou que se tratava ditava, por exemplo, que era imperativo educar
de um atributo positivo legitimado pela teoria as meninas separadamente dos meninos, de for-
evolucionista. Dessa forma, a maior variabilida- ma que fossem preparadas para a maternidade e
de dos machos se tornou uma explicação con- o trabalho doméstico, algo considerado inato à
veniente para um grande número de diferenças condição de mulher.
entres mulheres e homens da época, não ape- Esse pensamento começa a ser disputado
nas em atributos físicos, mas também mentais quando as primeiras mulheres ingressantes na
(Shields, 1975). carreira da pesquisa psicológica publicam seus
Segundo a hipótese da variabilidade, mes- estudos (Minton, 2000). Helen Thompson Wo-
mo que nos asilos do período se encontrassem olley revisou diversas pesquisas que investiga-
102 Costa, A. B., Nardi, H. C., Koller, S. H.

vam as diferenças entre mulheres e homens em gico da época eram reféns de um androcentris-
habilidades motoras e sensoriais (Thompson, mo institucionalizado, isto é, um viés que ana-
1903). Ela conclui que essas diferenças eram de- lisava o resultado das pesquisas a partir de uma
masiadamente pequenas para serem considera- visão que privilegiava os homens atribuindo a
das significativas, embora uma parte dos estudos eles valores socialmente positivos e tidos como
favorecessem as mulheres. A sua conclusão era inatos. Embora suas obras sejam reconhecidas
de que hoje como precursoras da psicologia feminista,
as diferenças sexuais em termos psicológi- foram largamente ignoradas (Silverman, 1989).
cos parecem ser, em grande parte, devidas Amparado pela psicologia da época, era nega-
não a diferença de capacidade média, nem do às mulheres acesso a diversas instituições
no tipo de atividade mental, mas nas influ- como trabalho, educação superior e ao sufrágio.
ências sociais exercidas sobre o indivíduo Além disso, eram classificadas como desajusta-
em desenvolvimento desde a primeira in- das (histéricas) quando fugiam do papel social
fância à idade adulta. (p. 182) delas esperado, como a maternidade, o trabalho
No entanto, foi Leta Stetter Hollingworth doméstico e o recato sexual (Gilman, 1985).
quem realizou pesquisas que desafiaram a visão Cabe ressaltar que a diferença entre homens
prevalente a respeito da menor variabilidade – e, e mulheres não era apenas avaliada em relação
portanto, inferioridade – feminina (Silverman, à adaptação social, mas também, à sexual. Em
1989). Questionando uma das ideias centrais da 1869, o jornalista húngaro Karol Maria Kert-
época, a autora também demonstrou que a popu- beny criou os termos homossexual e homossexu-
lação com deficiência intelectual era semelhan- alidade, em um texto contrário ao código penal
te entre mulheres e homens. Ao analisar a ida- Prussiano que condenava esse tipo de conduta.
de dos moradores nas instituições da cidade de Mais tarde, o termo foi apropriado pelo psi-
Nova York, Hollingworth (1914) constatou que, quiatra Krafft-Ebing na sua teoria dos desvios
embora houvesse maior número de meninos do sexuais, associando homossexualidade à pato-
que de meninas, o número de mulheres internas logia (1886/2011). Em Psychopathia Sexualis,
aumentava a ponto de se equivaler ao de homens o autor examinava práticas sexuais a partir da
conforme a sua idade avançava. Para Hollin- perspectiva darwinista emergente de que todo
gworth, não havia explicações determinísticas comportamento sexual que não visava à procria-
para esse fenômeno. Sua hipótese era de que de- ção era desadaptativo. Krafft-Ebing também foi
ficiências intelectuais entre as mulheres eram in- um dos pioneiros a documentar casos de pesso-
visibilizadas em função do seu papel social. Por as que gostariam de viver ou já viviam como o
não ser esperada das mulheres habilidade mental sexo diferente do designado ao nascimento. Na
na época, elas não eram precocemente avaliadas. época, no entanto, o comportamento sexual e
Portanto, só ingressavam nas instituições quan- aquilo que é hoje é denominado identidade de
do, graças à idade, não serviam mais para as ta- gênero não eram tidos como categorias distin-
refas ditas femininas: tas (Drescher, 2010). Isso era visível tanto nas
As mulheres têm sido e são uma classe de- teorias que afirmavam que homossexuais teriam
pendente e não competitiva, e quando pos- uma “alma feminina” em um corpo masculino,
suem alguma diminuição de capacidade quanto na hipótese freudiana do desenvolvimen-
podem mais facilmente sobreviver fora das to sexual “invertido” (Freud, 1920/2011), ou na
instituições, uma vez que para manter-se no noção genérica de invertidos sexuais propagada
meio social elas não têm que competir men- por Krafft-Ebbing e pelo sexólogo Havelock
talmente entre si, como fazem os homens. Ellis (1927/2013). Magnus Hirschfeld é cre-
(p. 515) ditado como o precursor, entre os anos 1910 e
Woolley e Hollingworth ajudaram a de- 1920, da distinção entre o desejo por pessoas do
monstrar que as diferenças entre mulheres e mesmo sexo e o desejo de viver como alguém de
homens cristalizadas pelo pensamento psicoló- um sexo diferente do designado ao nascimento,
Manutenção de Desigualdades na Avaliação do Gênero na Psicologia Brasileira. 103

que ele dava o nome de transvestismo (Drescher, brincar com cobras, ver uma flor ou uma estrela
Cohen-Kettenis, & Winter, 2012). No entanto, em uma mancha de tinta, e o de masculinidade,
como veremos a seguir, tais distinções só foram por sua vez, em respostas como: afirmar ver um
amplamente aceitas posteriormente, graças ao morcego na mesma mancha ou desgostar de es-
trabalho de Henry Benjamin e John Money. As- trangeiros, mulheres inteligentes e de dançar. É
sim, baseados nas teorias da época, até a segunda notável que a definição de feminilidade do teste
metade do século XX, profissionais da psicolo- é refém da visão androcêntrica que provinha dos
gia e da psiquiatria ofereciam toda sorte de tera- primeiros estudos nessa área: “Submissão, doci-
pias corretivas das variações sexuais e de gênero lidade, constância de propósito inferior, e uma
(Drescher, 2010). falta geral de agressividade reflete suas tendên-
Com a popularização da avaliação psicoló- cias conativas mais fracas” (Terman & Miles,
gica no início do século XX, foram desenvol- 1936, p. 2).
vidos inúmeros instrumentos para medir uma Na esteira da proposta original de Terman e
imensa gama de aptidões: verbais, matemáticas, Miles, muitos testes foram criados para avaliar
entre outras. As pesquisas sobre as diferenças exclusivamente a masculinidade e a feminilida-
entre homens e mulheres também aumentava, de, ou avaliar esse fator dentro de um conjunto
mas envolta em grande confusão já que, no ge- maior de características. Uma dessas escalas é
ral, os estudos não chegavam a uma conclusão o Guilford-Zimmerman Temperament Survey
que favorecesse claramente a um ou outro (Mo- (Guilford & Zimmerman, 1949), um teste de
rawski, 1985). Foram Lewis Terman e Catheri- personalidade que inclui uma escala de masculi-
ne Miles que, em 1936, oferecem uma solução nidade e a feminilidade que serviu de inspiração
para esse impasse. Analisando os diversos testes para a escala M do CPS (Comrey, 2008, p. 117).
disponíveis na época, os autores selecionaram Outro exemplo é o Minnesota Multiphasic Per-
apenas os itens em que homens e mulheres di- sonality Inventory (MMPI; Hathaway & McKin-
feriam para formar um novo instrumento capaz ley, 1940). Esse instrumento foi desenvolvido
de analisar não mais a diferença entre homens e para o contexto da psicologia clínica com o ob-
mulheres em um dito teste, mas as diferenças en- jetivo de mensurar traços associados à psicopa-
tre a “masculinidade” e a “feminilidade” no pa- tologia e desordens psicológicas. O MMPI pos-
drão de resposta. Ou seja, uma medida “do sexo sui uma escala de masculinidade e feminilidade
psicológico” onde as diferenças entre homens e inspirada na medida de Terman e Miles, porém
mulheres encontradas na pesquisa psicológica com a maioria de itens desenvolvida especifi-
anterior, estabeleceriam o que foi tomado como camente para esse instrumento. No entanto, ao
o padrão de feminilidade e masculinidade. invés de eleger itens que distinguiriam homens
Para reduzir a possibilidade de influência de mulheres como a escala de Terman e Miler,
na resposta, o instrumento foi genericamente o teste utiliza especialmente itens que distingui-
denominado de Attitude Interest Analysis Sur- riam homossexuais de heterossexuais (Shields &
vey (AIAS; Terman & Miles, 1936). Nesse ins- Dicicco, 2011).
trumento, masculinidade e a feminilidade eram No contexto norte americano as teorias psi-
compreendidas como um construto bipolar e uni- canalíticas ganhavam fôlego e com elas a com-
fatorial. Isso significa dizer que masculinidade e preensão de que a diferença sexual era um atri-
a feminilidade eram polos opostos de um único buto psíquico central para a personalidade, não
continuo e, no caso do teste de Terman e Miles acessível à consciência (o que justificava uma
(1936), isso equivale a diferentes respostas nos avaliação externa), e que seguiria um desenvol-
456 itens de associação de palavra, atitudes em vimento tido como normal (Morawski, 1985).
relação aos sentimentos, interesses e opiniões Ou seja, uma pessoa emocionalmente saudável
divididos em sete subescalas. O escore de femi- seria aquela que teve o sexo feminino atribuído
nilidade era pontuado a partir da resposta nega- ao nascer, identificada como mulher, conforma-
tiva a perguntas como: gostar andar de bicicleta, da e se comportando de acordo com as expec-
104 Costa, A. B., Nardi, H. C., Koller, S. H.

tativas sociais apropriadas para a personalidade afirmando que “sua validade duvidosa torna o
feminina da época e, heterossexual. Na assunção seu valor questionável” (1958, p. 51).
da época, homens “femininos” e mulheres “mas- Na mesma época, John Money publica seus
culinas” eram automaticamente considerados in- estudos a respeito de crianças nascidas com
vertidos sexuais. Portanto, esse tipo de avaliação condições intersexuais (Money, Hampson, &
de gênero tinha como intuito avaliar essas supos- Hampson, 1955, 1957). Analisando casos de
tas incongruências (Shields & Dicicco, 2011). procedimentos médicos de designação sexual
A 6ª edição da Classificação Internacional de em crianças nascidas com genitália ambígua,
Doenças (CID), publicada em 1948, foi a primei- Money acreditava que a atitudes dos pais teriam
ra publicação da Organização Mundial de Saúde um forte efeito sobre a aceitação da criança na
a incluir uma classificação de doenças mentais. categoria clinicamente atribuída.. Money foi pio-
Seguindo as tendências da época, as variações neiro em fazer a distinção entre sexo e gênero,
de gênero e de sexualidade (homossexualidade teorizando que o senso de ser homem ou mulher
e transvestismo) eram consideradas fenômenos era adquirido principalmente por fatores am-
similares e apareciam tanto na CID-6, quanto na bientais. Para Money, havia uma diferença entre
edição seguinte de 1952 (CID-7), como termos (a) os fatores anatômicos e fisiológicos, ou seja,
de inclusão para o diagnóstico de desvios sexu- o “sexo” cromossômico, hormonal, gônadas, e
ais, os quais eram classificados como integran- a genitália externa e interna; (b) a socialização
tes de uma personalidade patológica (Drescher de gênero na primeira infância; e (c) as caracte-
et al., 2012). A Associação Norte-Americana rísticas psicológicas - o papel social de gênero -
de Psiquiatria, seguindo as mesmas tendências, adquiridas através dessa socialização. Posterior-
publica em 1952 a primeira edição do seu ma- mente, Money diferenciou identidade de gênero
nual (DSM-I) listando tudo o que a psiquiatria – o senso privado - do papel social de gênero – a
considerava como doença mental na época. Nes- expressão pública da identidade de gênero (Mo-
se manual, os desvios sexuais, dentre eles a ho- ney & Ehrhardt, 1972).
mossexualidade e o transvestismo, também eram Em meados dos anos 1960, na esteira da
classificados como distúrbio de personalidade. obra de Money surgem as primeiras clínicas ofe-
No entanto, outra tendência de estudo das recendo procedimentos de modificação genital
variações sexuais e de gênero começa a questio- para adultos que procuravam esse tratamento.
nar a visão prevalente. Ganham influência nessa Embora as experimentações com essas cirurgias
época estudos, como o da antropóloga Marga- tenham começado nos anos 1920 e 1930, a partir
reat Mead (1935/2011), que mostravam que ho- da ideia de que o gênero se fixava precocemente
mens e mulheres têm papeis sociais e sexuais e de que os esforços para mudá-lo eram infrutí-
completamente distintos em outras culturas. É feros, as técnicas médicas de transformação cor-
também dessa época o trabalho de Alfred Kin- poral se mostraram uma alternativa terapêutica
sey, Pomeroy e Martin, que, em 1948, publicam aceitável. Harry Benjamin (1966) é creditado
seu livro sobre o comportamento sexual dos ho- como o popularizador do termo transexual e res-
mens americanos constatando que experiências ponsável pela sensibilização sobre a necessidade
homossexuais eram relativamente comuns nos da atenção à saúde das pessoas trans, enquanto
Estados Unidos. São da mesma época os traba- a psiquiatria e a medicina da época as conside-
lhos de Evelyn Hooker (1957, 1958) que con- ravam como homossexuais confusos, invertidos,
duziu o primeiro estudo comparando amostras e esquizofrênicos (Drescher, 2010). Para Benja-
não clínicas de homossexuais e heterossexuais. min, por exemplo, uma mulher transexual seria
Hooker concluiu que a homossexualidade não uma pessoa do gênero feminino “presa” em um
constituía uma entidade clínica e não deveria es- corpo do sexo masculino, sendo que a única al-
tar associada à psicopatologia. Além disso, o tra- ternativa terapêutica seria o tratamento hormo-
balho dessa autora questionou o uso da avaliação nal e cirúrgico com objetivo de realizar a “tran-
psicológica para identificar a orientação sexual, sição” para o “outro sexo” (homem para mulher
Manutenção de Desigualdades na Avaliação do Gênero na Psicologia Brasileira. 105

- ou mulher para homem). Benjamin inaugurou a sexual”, diagnosticando a homossexualidade


distinção entre transvestismo e transexualidade, como uma doença apenas nos casos em que o in-
misturadas até então, mostrando que no primeiro divíduo sinta mal-estar em relação a ela e queira
caso não estava em jogo o desejo de mudança mudar (Drescher, 2010).
corporal e de afirmação da identidade. Embora Essas novas visões também servem de es-
algumas dessas noções tenham se modificado topim para uma série de movimentos na socie-
recentemente, como veremos a seguir, graças a dade civil e nas sociedades de psicologia que
Benjamin, se afirmou cientificamente a ideia de se afastam de um modelo que anteriormente
que as pessoas trans não deveriam ser sujeitas a buscava justificar diferenças a partir de um viés
terapias conversivas, consolidando a terapêutica excludente para as pesquisas que buscam, por
que é utilizada até hoje (Coleman et al., 2012). exemplo, a gênese da violência de gênero, o se-
O conceito de gênero teve grande impacto xismo (Eagly, Eaton, Rose, Riger, & McHugh,
na forma de se conceber o determinismo bio- 2012). De forma similar com o que ocorreu em
lógico e psicológico impulsionando uma nova relação ao sexismo, no momento em que a ho-
onda do feminismo, inclusive na psicologia (por mossexualidade por si só deixa de ser um pro-
exemplo, Unger, 1979). A ideia de que o sexo blema psicológico, a atenção nesse campo recai
seria algo biológico e gênero algo social ajudou sobre aqueles que a consideram um desvio. Ge-
a enfrentar as crenças de que haveria nesse âmbi- orge Weinberg publica, em 1972, Society and
to uma equivalência entre natureza e cultura. Ou the Healthy Homosexual, popularizando o termo
seja, se consolida a compressão de que boa parte homofobia. Sexismo e homofobia se consolidam
das diferenças atribuídas a homens e mulheres como pautas da análise e intervenção acadêmi-
se devia à socialização. Em outras palavras, as cas e bandeiras dos movimentos feminista e ho-
pessoas eram ensinadas a terem característi- mossexual.
cas masculinas e femininas e a se identificarem Embora inconsistências fossem ocasional-
como homens e mulheres. A pesquisa psicológi- mente encontradas, o modelo de avaliação da
ca anterior começa a ser compreendida enquanto masculinidade e feminilidade proposto por Ter-
estudos sobre o gênero, uma categoria criada em man e Miles (1936) permaneceu como referên-
referência aos corpos biológicos, mas não deter- cia por mais de três décadas. Essa técnica sofreu
minada por eles. suas maiores críticas apenas em 1973 com tra-
Essas transformações teóricas e políticas balho de Anne Constantinople. Essa pesquisa-
podem ser percebidas nos manuais médicos da dora foi a primeira a reunir evidências de que
época. A ideia de que as variações de sexuali- esse tipo de avaliação não possuía suporte teó-
dade de gênero não constituíam um desvio de rico, atacando a ideia de que os traços avaliados
personalidade aparecem pela primeira vez na seriam duradouros, relacionados com diferenças
CID-8 (1965), em diagnósticos separados -ho- anatômicas, experiências primárias e que ser-
mossexualidade e transvestismo -, sem apresen- viriam para distinguir homens de mulheres em
tar definições. O DSM II é publicado em 1968 e termos de atitudes e comportamentos. Segundo
mantém a mesma separação e nomenclatura. Na Constantinople (1973), o fato dos estudos exis-
CID-9, de 1975, foi adicionada a categoria tran- tentes evidenciarem que homens e mulheres não
sexualismo para dar conta das novas estratégias respondiam da forma esperada, essas escalas não
de tratamento apresentadas nas décadas anterio- deveria servir para rotulá-los como desviantes,
res. A homossexualidade ainda aparecia como invertidos ou em conflito, mas para ressaltar os
um distúrbio na CID-9, no entanto, influenciada problemas do construto em questão.
principalmente pelo ativismo político, a sétima Constantinople (1973) sugeriu que não exis-
impressão do DSM-II, em 1974, já não listava tiria única dimensão bipolar que envolveria em
a homossexualidade como uma categoria de de- um extremo a masculinidade e no outro a femini-
sordem. Nesse manual, o diagnóstico anterior lidade, que não era afetada pelo desenvolvimen-
foi substituído pelo de “distúrbio de orientação to, e nem teria relação com marcadores socio-
106 Costa, A. B., Nardi, H. C., Koller, S. H.

demográficos. Pelo contrário, muitos homens e nas a assertividade, a personalidade forte, e a ca-
mulheres apresentavam igualmente característi- pacidade de liderança, e, dentre as consideradas
cas associadas à masculinidade e feminilidade, neutras, ser adaptável e convencional. A novida-
características que normalmente variavam ao de introduzida por Bem diz respeito à forma de
longo do ciclo vital e de acordo com classe so- avaliação do teste. Uma pessoa com taxas eleva-
cial e cultura. Além disso, a literatura não apoia- das em ambas as dimensões (masculinidade e fe-
va a ideia de que homens homossexuais teriam minilidade) era classificada como “andróginas”;
funcionamento psíquico equivalente a mulheres baixa em ambas, “indiferenciada”; e alta em uma
femininas e mulheres lésbicas aos homens mas- dimensão, mas baixa em outra, sexualmente tipi-
culinos. Dessa forma, a ideia de inversão sexual ficada como “masculina” ou “feminina” (Bem,
também deveria ser revista. Para Constantinople, 1977). A medida de Bem não mais prescrevia
essas escalas mediam a correspondência entre o “sexo biológico” e
a expectativa da pessoa testada de como ela características atribuídas a homens e mulheres,
deveria responder a questões do tipo “eu acabando totalmente com a ideia de desvio e in-
gostaria de dirigir um carro de corrida”. versão sexual. No modelo de Bem, na verdade,
Esse deveria responder é baseado no estere- as pessoas melhores ajustadas seriam aquelas
ótipo do papel da mulher derivado do senso com valores equivalentes de masculinidade e fe-
comum e dos dados que são provavelmente minilidade (hipótese da androginia). Esses indi-
20 anos mais velhos do que a pessoa que víduos “balanceados”, não seriam sexualmente
está respondendo ao teste. (Constantinople, tipificados e, portanto, seriam mais flexíveis nos
1973, p. 403) seus conceitos e comportamentos, e psicologica-
Diante dos problemas desse tipo de medida, mente mais saudáveis (Bem, 1974, p. 162).
Constantinople perguntava: “se as escalas M-F Embora as implicações da escala de Bem te-
refletem um número de subtraços como agres- nham sido libertadoras para época, especialmen-
sividade, sensitividade, autoconfiança, etc., há te em relação à ideia de androgenia, diversas crí-
algum ganho em combinar essas medidas a par- ticas sugiram a essa abordagem. Uma delas veio
tir do que seria mais característico a homens e das pesquisas que se dedicaram a estudar a so-
mulheres?” (1973, p. 405). Não foi exatamente cialização, que teve como expoente Alice Eagly
o que ocorreu. (1987). Essa perspectiva teórica busca compre-
Em 1974, Sandra Bem introduziu o Bem Sex ender de que forma a sociedade concebeu, por
Role Inventory (BSRI) como uma nova forma de exemplo, que as mulheres deveriam ter compai-
medir e a masculinidade e feminilidade. O BSRI xão e os homens capacidade de liderança e de
foi construído na época da emergência da psico- que forma as pessoas seriam ensinadas a atuar
logia cognitiva e das teorias do processamento de acordo com essas características. Para Eagly,
da informação, a partir da ideia de tipificação tanto homens quanto mulheres podem ter “com-
sexual, ou seja, a partir da ideia de que as pes- paixão” ou “capacidade de liderança” desde que
soas internalizam normas e comportamentos so- tenham o suporte social que permita que eles
cialmente desejáveis para homens e mulheres e exerçam essas capacidades. O que essa teoria
passam a operar a partir deles (Bem, 1974). No aponta é que existe uma pressão da sociedade,
BSRI, o respondente é solicitado a descrever-se de acordo com cada cultura e contexto histórico,
em 60 características de personalidade em uma dividindo de maneira desigual o que é esperado
escala de Likert de 7 pontos (1 = discordo, 7 = para homens e mulheres, e fazendo com que eles
concordo). Essas características foram classifi- e elas se adaptem a essa divisão ao longo do seu
cadas como masculinas, femininas e neutras a desenvolvimento.
partir do que era mais desejável na sociedade A partir desse modelo, muitos experimentos
norte-americana da época. Dentre as caracterís- mostraram como crianças pequenas são “ensi-
ticas femininas estão, por exemplo, compaixão, nadas” a serem homens e mulheres, de maneira
o amor a crianças, e a ternura, dentre as masculi- muitas vezes pouco perceptível. Em um estudo
Manutenção de Desigualdades na Avaliação do Gênero na Psicologia Brasileira. 107

clássico, foi solicitado que mães interagissem ce sugeriu que no lugar de características e com-
com bebês menores de um ano. Se o bebê fosse portamentos tipicamente associados a homens e
chamado de menina, mais frequentemente era mulheres, a masculinidade e a feminilidade de-
oferecida uma boneca. Se o mesmo bebê fosse veriam ser conceitualizadas como identidade de
chamado de menino, com mais frequência era gênero. Para Spence, a maioria das pessoas tem
oferecido um trem (Will, Self, & Datan, 1976). segurança quanto a sua identidade de gênero e
Em outro experimento, Condry e Condry (1976) essa identidade se mantém segura mesmo quan-
mostraram a estudantes universitários um ví- do não está de acordo com os padrões conside-
deo com as reações de um bebê ao receber um rados aceitos. Por exemplo, embora possa fazer
brinquedo. Se fosse informado que o bebê era parte do que é socialmente esperado, uma pessoa
um menino, os estudantes classificavam o seu pode ter uma clara identidade de gênero femini-
comportamento com mais frequência como sen- na apesar do fato de não ser mãe, se essa caracte-
do raiva. Por outro lado, se fosse informado que rística não fizer parte da sua definição particular
o mesmo bebê era uma menina, os estudantes do que é ser mulher.
classificavam o mesmo comportamento como Spence realizou uma série de experimentos
medo. Outros estudos mostravam ainda como os para apoiar sua hipótese (Spence, 1993; Spen-
pais reagiam negativamente quando seus filhos ce & Buckner, 2000). Nesses experimentos ela
meninos brincavam com bonecas ou se vestiam pedia para que as pessoas avaliassem em duas
com roupas de menina, e vice versa (Langlois & escalas de cinco pontos o quanto masculinas e
Downs, 1980). o quanto femininas elas achavam que eram. Ela
Em princípio, a teoria do papel social não então calculou a correlação entre essa autoava-
invalida a posição de Bem de que as pessoas se liação com medidas externas de gênero, como
identificariam com os papeis de gênero dispo- BSRI. A auto avaliação da feminilidade foi alta
níveis numa dada cultura e passariam a atuar a e de masculinidade foi baixa nas pessoas que se
partir deles. No entanto, essa teoria aponta que identificavam como mulher e o contrário aconte-
as características não são atribuídas a homens e ceu com as pessoas identificadas como homens.
mulheres aleatoriamente, já que existe uma dinâ- Além disso, quase todas as correlações entre a
mica social que fomenta a diferença nessa atri- autoavaliação e as outras medidas não foram sig-
buição. A conclusão a respeito das pesquisas so- nificativas.
bre a socialização é de que quando a distribuição Mesmo que não seja articulada, a constân-
dos papeis se tornar mais igualitária, boa parte cia que as pessoas sentem em relação à sua
da diferença detectada entre homens e mulheres identidade de gênero pode dar origem à ilu-
vai desaparecer (Eagly, 1987). Desse modo, a te- são de que todas as diferenças observáveis
oria do papel social reconhece a psicologia como nas características e comportamentos de
uma das instituições que promove a manutenção homens e mulheres contribuem para uma
dos papeis gênero, e advoga que ela trabalhe na propriedade psicológica subjacente, mas-
direção da correção das desigualdades e não o culinidade-feminilidade, que poderia ser
oposto. O uso do BSRI, nesse sentido, mesmo avaliada a partir de suas supostas manifes-
que reflita características de homens e mulheres tações. (Spence, 1993, p. 634)
em uma dada época, reforça e naturaliza, por O resultado desses estudos, portanto, supor-
exemplo, que é masculino e não feminino ter ta a hipótese de que o mais importante na avalia-
uma personalidade forte e, portanto, a desigual- ção do gênero é autodesignação da identidade.
dade de gênero. Ou seja, as pessoas não estão enganadas quando
Outra perspectiva crítica em relação à pro- dizem que são homens ou mulheres embora a
posta de Bem é a de Janet Spence (para uma revi- psicologia e suas avaliações digam o contrário!
são: Spence, 2011). A proposta de Spence afirma Por fim, a crítica mais contundente a pro-
que o gênero é mais do que a adesão aos papeis posta de avaliação no modelo do BSRI parece
sociais. Desde meados da década de 1980, Spen- ter vindo do debate em relação às pessoas trans.
108 Costa, A. B., Nardi, H. C., Koller, S. H.

A atenção à saúde dessas pessoas por meio de (masculino/homem e/ou feminina/mulher) quan-
procedimentos de modificação corporal inau- do as evidências sugeriam outras possibilidades.
gurada por Henry Benjamin e cristalizada na Muehlenhard e Peterson (2011) relataram
CID-9 se institucionaliza ainda mais com a pu- em seu artigo um caso anedótico exemplar. Em
blicação do DSM-III, em 1980, no qual o tran- uma banca de dissertação, uma aluna que havia
sexualismo aparecia novamente como categoria comparado homens e mulheres foi questionada
diagnóstica. O DSM-III também marcou a vi- por dois professores. Um deles perguntou: “você
tória do movimento feminista com a remoção avaliou os cromossomos, perguntou sobre os ge-
da categoria “histeria” que se mostrou não re- nitais?” Com a resposta negativa da estudante o
levante clinicamente e discriminatória (Ussher, professor afirmou: “então você estava pesqui-
2013). Com a publicação da CID-10 em 1990 e sando diferenças de gênero e não sexuais”. Já o
do DSM-IV em 1994, transexualismo é modi- outro membro da banca indagou: “Você mediu
ficado para transtorno de identidade de gênero. a masculinidade e a feminilidade? Você usou
Essa mudança reforça a ideia de Benjamin e de o BSRI?” A estudante outra vez disse que não.
Money de que as pessoas trans sofreriam por te- “Então você investigou diferenças sexuais e não
rem algo como uma “alma” de um gênero presa de gênero!” O caso de Muehlenhard e Peterson
em um corpo de outro. Nesse momento, apesar revela o quanto a psicologia ainda estava atre-
do debate corrente, a institucionalização do cri- lada ao modelo da diferença entre sexo (bioló-
tério diagnóstico de transexualismo e, posterior- gico) e gênero (social) em termos do binarismo
mente, de transtorno de identidade de gênero foi homem/mulher. Modelo também presente no
liberadora tanto para as pessoas trans - uma vez manejo clínico das pessoas trans, já que profis-
que elas poderiam acessar mais facilmente os sionais de saúde não as encorajavam a viverem
procedimentos de mudança corporal -, quanto abertamente como “trans”, mas a fazerem uma
para a clínica medica que não precisaria realizá- passagem completa para o “sexo oposto” (Dres-
-los de forma experimental ou clandestinamente cher, 2010).
(Drescher, 2010). Esse modelo começa a ser questionado com
O estudo do BSRI com pessoas trans revelou emergência de estudos mostrando que diferentes
dados interessantes evidenciando a existência construções de gênero estão presentes em outros
de outras formas de construção do gênero. Por contextos culturais e históricos, inclusive na fi-
exemplo, estudos revelaram que mulheres trans gura de um “terceiro sexo” (Herdt, 1996). Além
não se identificavam completamente com as ca- disso, ganha força a ideia de que o gênero e a
racterísticas associadas a mulheres cis (o mes- sexualidade são arenas diferentes da experiência
mo em relação a homens trans e cis), diferindo humana e também de ativismo político. Nos anos
inclusive entre si (Fleming, Jenkins & Bugarin, de 1990, emerge no contexto norte-americano a
1980; Herman-Jeglińska, Grabowska & Dulko, categoria transgênero abarcando o conjunto de
2002). Além disso, as mesmas pesquisas come- variação de gênero que inclui as pessoas trans,
çaram a mostrar que algumas pessoas trans não cross-dressers, drag queens e drag kings, e qual-
buscavam procedimentos de mudança corporal quer pessoa que transgrida o modelo do gênero
por rejeição à masculinidade ou à feminilidade, e binário, mesmo que não esteja disposta a se sub-
outras simplesmente não os buscavam. Ou seja, meter aos procedimentos de mudança corporal
reforçavam o ponto de vista de Spence: para al- (Davidson, 2007). Dessa forma, muitas pessoas
gumas pessoas trans, a identidade de gênero era trans começam a “sair do armário” para a cena
independente tanto do sexo designado ao nasci- pública, reinterpretando a sua experiência a par-
mento quanto do que era socialmente esperado tir da categoria transgênero (Valentine, 2007).
para homens e mulheres. E nesse caso, o BSRI Foram de grande influência para esse mo-
falhava duplamente: primeiro por privilegiar a vimento os apontamentos feitos por Suzanne
avaliação externa à identidade de gênero, e, se- Kessler (Kessler, 1990, 1998; Kessler & McKe-
gundo, por operar através de um modelo binário ena, 1978). Acompanhando o manejo clínico de
Manutenção de Desigualdades na Avaliação do Gênero na Psicologia Brasileira. 109

crianças intersexuais, Kessler questiona a posi- rias limitadas da sociedade (Kessler, 1998). Ou
ção de John Money de que a designação sexu- seja, as pessoas trans (e também intersex) não
al influenciaria definitivamente a identidade de seriam doentes cuja única opção seria a repa-
gênero futura. A sua justificava vinha do caso ração médica, mas sim indivíduos emocional-
de alguns indivíduos intersexuais adultos onde mente saudáveis cuja expressão de gênero foi
a identidade de gênero não concorda com o limitada por expectativas sociais causadoras de
sexo atribuído ao nascimento por profissionais sofrimento. Dessa forma, o modelo de transexu-
da medicina e reforçado pela família através da alidade propagado por Benjamin também perde
educação das crianças. Esse gerenciamento mé- força. Existem pessoas que sempre se conside-
dico dos casos de intersexualidade, perpetuaria raram mulheres, mesmo tendo nascido com um
a ideia de que autenticidade de gênero reside na pênis, assim como pessoas que sempre se con-
“natureza do sexo”, e não na sua atribuição, seja sideraram homem, mesmo tendo nascido com
por parte dos médicos, da família, ou do próprio vulva. Na nova concepção, essas pessoas não
indivíduo. Para Kessler, nós fazemos uma atri- realizam uma “transição” para o “outro sexo”,
buição de gênero cada vez que encontramos uma elas adequam o seu corpo e seus registros civis
pessoa e isso independe de características bioló- à sua identidade de gênero, a despeito do sexo
gicas. Por exemplo, designado ao nascimento. A categoria transgê-
se é atribuída a designação “homem” a uma nero surge como alternativa ao antigo modelo
mulher trans, se está afirmando que ela ain- médico, na tentativa de afirmar às variações de
da não fez a transição ou não fez direito. Por gênero como variações da normalidade. Essa
outro lado, se é atribuída a designação “mu- nova visão sobre o gênero, une as bandeiras do
lher” para essa pessoa, significa que, para movimento social, ampliando o foco da luta pela
todos os efeitos, ela é uma mulher crível. construção de igualdade de gênero entre mulhe-
(Kessler & McKeena, 1978, p. 14) res e homens, na direção da igualdade entre pes-
Kessler propõe que a ambiguidade genital soas cis e trans. O movimento de gays, lésbicas
no caso das crianças intersex não era aceita como e bissexuais (LGB) passa a incluir as demandas
uma opção não porque ela estava ameaçando pelos direitos civis das pessoas trans e intersex
a vida da criança (esses casos dificilmente são (LGBTI), e uma parte do movimento feminista
urgências médicas), mas porque ela estava que estava se preocupando cada vez mais com
ameaçando a sua cultura. Os procedimentos interseccionalidades como classe social, raça/
médicos garantiriam a atribuição de apenas um cor/etnia, também passa a englobar a pauta trans,
dos dois sexos culturalmente aceitos (homem – em direção ao transfeminismo (por exemplo, Se-
pênis, mulher – vagina). O sexo e o gênero não rano, 2007).
seriam então categorias distintas já que a noção Muitas áreas do conhecimento começam a
social binária de gênero está implícita na tenta- reformar suas teorias e práticas a partir daí. Não
tiva de encontrar nos cromossomos, gônadas e seria diferente com a psicologia, que ajudou a
genitália externa e interna o “verdadeiro sexo”. criar um modelo baseado na patologização das
“O não-normativo é convertido em normativo, variações do gênero, com foco naquilo que “deu
e o estado normativo é considerado natural. A errado” e que, portanto, deve ser corrigido, para
ambiguidade genital é sanada para obedecer a um modelo positivo de afirmação, com foco no
uma ‘natural’, isto é, culturalmente indiscutível, estigma associado às variações de gênero e às
dicotomia de gênero” (Kessler, 1990, p. 25). disparidades de saúde decorrentes delas (Bo-
Quando a distinção entre sexo e gênero se ckting, 2009). Reflexos dessas mudanças estão
torna menos importante, as pessoas que não se na publicação do DSM-5 que despatologiza a
encaixavam nas categorias atribuídas ao nasci- identidade e passa a classificar apenas a disfo-
mento, deixam de ser tratadas como indivíduos ria (mal-estar) de gênero (Cohen-Kettenis &
que supostamente nasceram com um defeito; ou Pfäfflin, 2010) e a proposta da CID-11, que visa
seja, o problema também é remetido às catego- à remoção dessa condição da lista de doenças
110 Costa, A. B., Nardi, H. C., Koller, S. H.

mentais (Drescher et al., 2012). O esforço da manter relações sexuais com outros homens. É
pesquisa contemporânea tem sido o de ampliar o caso que fez emergir a categoria “homens que
o conceito de gênero de forma que dê conta da fazem sexo com outros homens” (HSH). Além
experiência tanto das pessoas cis quanto das pes- disso, algumas pessoas, podem rejeitar os rótu-
soas trans, sem exotismo ou exclusão. Por exem- los identitários tradicionais em favor de outros
plo, reconhecendo que não são apenas as pessoas como queer, pansexual, assexual, etc. Por fim,
trans que modificam seu corpo para afirmar o seu se junta a essas, a atitude positiva ou negativa
gênero: mulheres e homens cis utilizam próteses em relação à diversidade sexual (homo, bi e les-
de silicone, fazem exercícios e usam hormônios bofobia). Essas categorias não correspondem a
para afirmar seu gênero. conceitos nosográficos estáveis e são determina-
Tate, Youssef, e Bettergarcia, (2014) elen- das ou pelo informadas pelas dinâmicas sociais.
caram cinco categorias que abrangem as ideias Por exemplo, algumas pessoas podem nascer
trabalhadas nesse artigo: com um pênis, ter uma identidade de gênero fe-
1. O sexo designado ao nascer (também cha- minina, e, em alguns casos, sentirem atração por
mado de designação sexual); homens, e, em outros, por mulheres; atração que
2. A identidade de gênero, ou a autodesigna- pode variar em diferentes momentos da vida.
ção enquanto homem, mulher, travesti, neu- O objetivo desse artigo foi apresentar as
tro, queer, ou mesmo sem gênero; diversas maneiras como a psicologia tratou a
3. A adesão aos estereótipos culturalmente as- avaliação de gênero de forma a situar histori-
sociados aos gêneros; camente o instrumento CPS. Reconhecendo a
4. As expressões ou performance pública de influência das distorções causadas pelas expec-
gênero, através do uso de nome próprio, tativas preconceituosas da sociedade, a psicolo-
linguagem corporal e indumentária; e gia parte de um modelo que considerava natural
5. Atitude em relação ao gênero, podendo ser as diferenças entre homens e mulheres para ou-
favorável, ou não (sexismo e transfobia; tro que reconhece o gênero dentro de um siste-
ver também: Hill & Willoughby, 2005). ma complexo de relações de poder. Ou seja, a
Essa divisão se mostra bastante útil do pon- psicologia feminista ajudou a acrescentar uma
to de vista teórico. Do ponto de vista prá- dimensão social ao modelo determinístico das
tico, no entanto, resolvendo o impasse da diferenças sexuais e de gênero, frequentemente
dissertação apresentada por Muehlenhard utilizado como argumento contra a igualdade
e Peterson (2011), bastam duas perguntas, de direitos, mostrando que sexo e gênero não
a partir da autodesignação: como você foi são fenômenos naturais e cósmicos, mas ins-
designado/a ao nascer? E, como você se titucionais e históricos. A isonomia, ou seja, a
identifica atualmente? igualdade entre homens e mulheres, é também
Além disso, devem ser acrescentadas a es- fenômeno institucional e histórico. No entanto,
sas, as ideias contemporâneas em relação à se- no modelo da isonomia, o que está em jogo não
xualidade (para uma revisão atual ver: Diamond, é a imposição da homogeneidade (sexual e de
2009). A orientação sexual tem sido usada para gênero), mas o reconhecimento de grupos estig-
designar o desejo sexual independentemen- matizados (inclusive por teorias que a psicologia
te dele se manifestar no comportamento. Por ajudou a propagar), e que são, portanto, merece-
exemplo, uma mulher pode ter uma orientação dores de proteção.
homossexual e nunca ter se relacionado de fato Na década de 1970 aconteceu uma ruptura
com outra mulher. A identidade sexual refere- que põe de um lado a psicologia dita positivista,
-se à autodesignação enquanto lésbica / gay / ocupada especialmente da pesquisa empírica e
bissexual / heterossexual. Tal como ocorre com de outro a psicologia dita crítica mais próxima,
a orientação sexual, as identidades nem sempre em termos de objeto e metodologia de pesqui-
correspondem a padrões de comportamento. sa, das ciências sociais (Jacques et al., 2014). Na
Um homem pode se considerar heterossexual e mesma época, se desenvolveu no Brasil o cam-
Manutenção de Desigualdades na Avaliação do Gênero na Psicologia Brasileira. 111

po interdisciplinar dos estudos de gênero, que o exemplo já apresentado do CPS, pois se trata
inclui, embora com menor força, a psicologia de medida reconhecida institucionalmente pelo
social crítica após a sua ruptura com a corren- Conselho Federal de Psicologia.
te anglo-saxã (Borges, 2014; Nuremberg, To- Costa e Nardi (2013) avaliaram uma medida
neli, Medrado, & Lyra, 2011). Embora existam de heterossexualidade aprovada pelo Conselho
hoje muitos grupos de pesquisa que dedicados Federal mostrando que um dos pressupostos para
ao estudo das relações de gênero, sobretudo na a avaliação dos instrumentos psicológicos no
psicologia social, a constatação atual é de que Brasil é a equivalência entre critérios técnicos e
não existe, no Brasil, um campo de estudos reco- éticos. Ou seja, a ideia de que ao apresentar boas
nhecido e institucionalizado como a psicologia propriedades psicométricas (critérios técnicos) o
feminista norte-americana (Nuremberg et al., instrumento estaria automaticamente de acordo
2011). Além disso, as contribuições feministas com os direitos humanos, por exemplo (critérios
são pequenas na psicologia brasileira empírica, éticos). No entanto, os autores demonstraram
na qual gênero raramente é considerado uma ca- que um instrumento poderia estar em harmonia
tegoria analítica (Narvaz & Koller, 2007). Isso com os critérios técnicos e, portanto, com o sis-
significa dizer que ainda não ocorreu no Brasil tema regulatório e, mesmo assim, estar em desa-
um processo compreensivo de revisão das teo- cordo com critérios éticos flagrantes. O mesmo
rias e práticas psicológicas, dentre elas, a avalia- se aplica ao CPS. O instrumento fere a dignidade
ção psicológica com sua tradição na criação e no das mulheres ao associar a feminilidade a estere-
uso de instrumentos para avaliação do gênero. ótipos negativos ao assumir que as mulheres que
Portanto, o persistente uso de testes como não tem medo de insetos e répteis e não gostam
o CPS no Brasil parece se relacionar ao fato de, de histórias românticas podem ser desajustadas,
ao contrário do contexto norte-americano de anormais ou até doentes. Além disso, o emprego
onde esses instrumentos são oriundos, os estu- desse instrumento em processos seletivos fere
dos feministas na psicologia social e a avaliação o direito de igualdade se utilizado como moti-
psicológica se consolidaram com poucas interfa- vador para reprovação com base na omissão da
ces e com bases epistemológicas distintas. Des- diversidade de gênero. Fere também a liberdade
sa forma, áreas da psicologia brasileira como a individual, uma vez que não é o sujeito, mas é
avaliação psicológica, resistem à modificação do o/a psicólogo/a especialista que detêm a verdade
padrão binário classificatório. Além do CPS, a – nesse caso bastante parcial - sobre o gênero.
primeira versão do MMPI foi recentemente re- Por fim, expõe uma parcela da população trans
adaptada para o contexto brasileiro sem críticas a constrangimentos desnecessários já que não há
em relação à escala M e seu histórico de ava- outra opção além de se identificar com o modelo
liação da orientação sexual enquanto uma pato- teórico (binário) do instrumento.
logia (Figueiredo, 2012). Tal trabalho foi, para- Na disponibilidade de conhecimentos atua-
doxalmente, vencedor da 7ª edição do prêmio lizados, não parece ser aceitável, por exemplo,
Silvia Lane, prêmio que leva o nome de uma das submeter a população a procedimentos médicos,
fundadoras da psicologia social crítica brasilei- como uma cirurgia, utilizando técnicas ultrapas-
ra. Além disso, o BSRI também foi readaptado sadas. Na psicologia, não se trata apenas do uso
recentemente (Hernandez, 2009). Tal adapta- de uma medida antiquada (o CPS é baseado em
ção serviu como ponto de partida para criação uma teoria de 1948!), é mais grave, pois as cate-
de um novo instrumento (Barros, Natividade, gorias utilizadas para descrever os sujeitos têm
& Hutz, 2013), que ao contrário das inovações implicação na forma como eles se constroem en-
presente na proposta original do BSRI, não leva quanto tal. O tipo de avaliação do CPS não leva
em consideração as categorias “indiferencia- em conta a autodesignação e não contribui para
da” e “andrógina”, se aproximando do modelo a construção da igualdade entre homens e mu-
unidimensional, e quase centenário, das escalas lheres, trans e cis, pelo contrário, trata-se de uma
de Terman e Milles. No entanto, mais grave é estratégia perigosa que restringe a autonomia
112 Costa, A. B., Nardi, H. C., Koller, S. H.

dos sujeitos e reforça estereótipos arcaicos. Por- Borges, L. S. (2014). Feminismos, teoria queer e
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contemporâneo apresentado até aqui. É como Bockting, W. (2009). Transforming the paradigm
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ela participou da prisão psicológica e física de Cohen-Kettenis, P. T., & Pfäfflin, F. (2010). The
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de sua recusa em cumprir as exigências injustas 009-9562-y
e ilegítimas impostas sobre elas. Chegou o mo-
Coleman, E., Bockting, W., Botzer, M., Cohen-
mento para os psicólogos e psicólogas começa-
Kettenis, P., DeCuypere, G., Feldman, J.,
rem a reparar os danos que eles e elas causaram
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