Acesso à Informação
Um direito fundamental
e instrumental
O
direito de acesso à informação como o direito que tem toda pessoa de
é um direito humano funda- receber infor mações em poder do Esta-
mental para a vida em socieda- do sobre qualquer assunto. O conceito
des democráticas. A base deste direito é é parte essencial das diretrizes de um
o princípio de que a autoridade pública é
governo aberto, que propõem processos
delegada pelo eleitor e sustentada pelo
e procedimentos governamentais mais
contribuinte, portanto o público deve
transparentes.
ter o direito de saber como o poder está
sendo usado e como o dinheiro está Diferentes ter mos são usados para des-
sendo gasto. Mais do que isso, o cidadão crever o mesmo direito: liberdade de
tem o direito de influenciar e participar informação, direito à informação, direito
nos processos decisórios sobre matérias de saber e acesso à infor mação. Todos
de interesse público. esses ter mos se referem a um direito-
Em um sentido amplo, podemos en- chave e estratégico para a realização de
tender o acesso à infor mação pública muitos outros direitos humanos.
O
mente, todas as áreas e níveis governa-
direito de acesso à informação
mentais, incluindo governos locais, órgãos
impõe duas obrigações sobre
eleitos, organismos que operam sob man-
os governos. Primeiro, existe
dato estatutário, indústrias nacionalizadas
a obrigação de publicar e disseminar
e empresas públicas, órgãos mistos e
informações essenciais sobre o que os
diferentes órgãos públicos estão fazendo. organismos judiciais.
A
mação e respondê-los, disponibilizando s eleições podem ser um re-
so em países como o Brasil, pois desenco- A Organização das Nações Unidas (ONU)
raja os investimentos estrangeiros, desfal- foi uma das primeiras organizações in-
ca verbas destinadas a programas sociais ternacionais a reconhecer a liberdade de
e de infraestrutura, além de corroborar informação como um direito fundamen-
para um clima de impunidade geral. Essas tal – desde sua primeira sessão geral, em
mazelas podem ser bastante minimizadas 1946. Dois anos mais tarde, quando a
por meio de uma administração pública Declaração dos Direitos Humanos foi ado-
transparente, que preste contas detalha- tada pelos países membros, a liberdade
das regularmente aos seus cidadãos. Além de expressão e informação se consolidou
disso, um Estado aberto tende a conseguir como direito a ser construído e efetivado,
maior apoio popular, apresenta ganhos em dando uma dimensão ainda mais ampla ao
eficiência e contribui para uma sociedade reconhecimento anterior.
menos alienada.
A Organização dos Estados Americanos
O acesso à informação também é essencial (OEA), desde a sua fundação, em 1948,
para o desenvolvimento social. A pobreza também adota como uma das suas garan-
é um problema que ultrapassa a esfera tias fundamentais a liberdade de pesquisa,
econômica. Os programas de promoção
opinião e expressão. No entanto, apenas
social devem ser conhecidos por todos,
recentemente órgãos da OEA passaram a
desde o modo como foram concebidos
trabalhar abertamente com o direito de
até a sua execução. Se as comunidades
acesso à informação como uma liberda-
carentes não entram no mapa político e
de fundamental autônoma, tema também
ficam imersas na ignorância, tornam-se
abordado pela Convenção Europeia sobre
presas fáceis daqueles que se apropriam
Direitos Humanos.
ou controlam a informação, desequilibran-
do ainda mais o cenário de desigualdade Todos esses tratados promulgam garantias
moradia adequada, à educação e à saúde aos cidadãos que impõem barreiras à atua-
O
Brasil ratificou vários tratados impõem ao Estado a obrigação positiva de
internacionais que têm como um assegurar aos cidadãos o acesso à informa-
dos pontos centrais o direito de ção. Nesse sentido, o Estado deveria não
acesso público à informação. Entre eles somente fornecer informações quando
estão o Pacto Internacional dos Direitos solicitado, mas também ter a iniciativa
Civis e Políticos e a Convenção Americana de produzir e divulgar as informações de
de Direitos Humanos (ou Pacto de San José interesse público que estão em seu poder.
da Costa Rica). Ou seja, o Estado deve ser responsivo às
A
adoção em 1992 da Declaração do Rio importância da adoção de uma
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, lei específica sobre acesso à
que colocou enorme pressão sobre insti- informação foi reconhecida e
tuições internacionais para implementar recomendada por organizações internacio-
políticas de participação pública e acesso nais como a ONU, OEA e Organização para
à informação. Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Nenhum órgão público deve ser totalmen- ser estipulado que todos os organismos
te excluído do âmbito da lei, ainda que a públicos utilizem sistemas internos de in-
maioria das suas funções se encontre na formação abertos e acessíveis para garantir
zona de exceções. Isto se aplica a todas o direito do cidadão aos seus dados.
as áreas de governo (ou seja, executiva, De forma geral, os órgãos públicos devem
legislativa e judicial) bem como funções de designar funcionários para processar soli-
governo (incluindo, por exemplo, funções citações de informação e garantir que os
de segurança e organismos de defesa). A termos da lei sejam cumpridos; estes fun-
legislação deve estabelecer que quaisquer cionários devem também ser incumbidos
recusas devam ser justificadas substanti- de ajudar os requerentes cujas solicitações
vamente e por escrito. se referem a informações já publicadas, in-
público ao qual a informação foi solicita- O custo de ter acesso à informação man-
da; em recurso a um órgão administrativo tida por órgãos públicos não deve ser ele-
independente; e em recurso aos tribunais. vado ao ponto de desestimular potenciais
Sempre que necessário, devem ser também requerentes, uma vez que a ideia base,
tomadas providências para garantir a certos que fundamenta a liberdade de informa-
grupos específicos a efetiva acessibilidade ção, é exatamente a de promover o acesso
às informações, como por exemplo, as pes- aberto à informação. Sistemas diferentes
soas que não sabem ler ou escrever, as que têm sido empregados em todo o mundo
não falam a língua usada nos documentos para garantir que os custos não sirvam de
ou as que portam alguma restrição física, empecilho aos pedidos de informação. Em
como aquelas com deficiência visual. Deve algumas jurisdições, taxas mais elevadas
graves contra a saúde e segurança públi- seu artigo 5 o , inciso XXXIII, confor me
cas ou ao meio ambiente, estejam ou não deter minado pelo próprio texto cons-
estas ameaças ligadas a ações individuais titucional.
ilegais.
Apesar desta limitação, é importante lem-
Os denunciantes devem se beneficiar de brar que existe hoje no país um elevado
proteção desde que tenham atuado em número de normas esparsas que trazem
boa fé e na crença de que a informação dispositivos legais relativos ao direito de
era substancialmente verdadeira e de que acesso. Algumas garantindo de for ma
divulgava provas de irregularidades. Tal clara e expressa seu exercício, outras, in-
proteção deve ser aplicada mesmo quan- felizmente, restringindo sua interpretação
do a divulgação constitua transgressão de e utilização. A lei que trata da improbida-
exigências legais ou laborais. de administrativa, por exemplo, em seu
artigo 11, enumera como irregularidade
Normativa brasileira
(dentre outras) a ação do funcionário
N
o Brasil, o direito à informação público que “negar publicidade aos atos
é garantido pelos artigos 5o e oficiais”. Já a lei n. 10.180, que regula os
37 da Constituição Federal de sistemas de planejamento e de orçamento
1988, assim como pelos tratados interna- federal, estipula que o governo deverá
cionais ratificados pelo Estado brasileiro. estabelecer a forma pela qual qualquer
Todas as pessoas têm o direito de receber cidadão poderá ser informado sobre os
de qualquer órgão público informações de dados oficiais do governo federal relati-
seu interesse, desde que esses dados não vos à execução dos orçamentos da União
comprometam a segurança da sociedade e (artigo 27). Exemplos negativos também
do Estado. Além disso, o princípio da pu- podem ser mencionados. A norma que
blicidade rege a atuação governamental e constitui o sistema de classificação dos
diz respeito à obrigação de levar ao conhe- documentos públicos, a lei n. 11.111,
cimento público todos os atos, contratos estabelece a possibilidade do chamado
ou instrumentos jurídicos realizados pela “sigilo eterno” para alguns documentos
administração pública. oficiais, e está hoje sendo questionada
quanto à sua constitucionalidade junto
Ainda hoje permanece pendente, porém,
ao Supremo Tribunal Federal.
o detalhamento do direito constitucional
e o estabelecimento de um regime de Uma nova legislação de acesso, espe-
acesso aplicável a todo e qualquer órgão cializada e elaborada especificamente
público em qualquer nível de governo. com a finalidade de proteger o acesso a
Mais de vinte anos depois de promul- informações públicas como um direito
gada a Constituição em vigor, ainda fundamental, seria um enorme avanço
aguardamos a necessária regulação de para o país e um marco para demons-
P ropostas em andamento
outros países, concluímos que o projeto
H
é positivo, comprometendo os três pode-
á cerca de uma década diversos
res – Executivo, Legislativo e Judiciário
setores da sociedade brasileira
– da União, dos estados e dos municípios
têm demandado ao Executivo
a adotar uma política de abertura em
e ao Legislativo iniciativas no sentido de
relação a seus documentos. A proposta
regular o direito constitucional de acessar
estabelece que pedidos de informação
informações no âmbito da administração
devam receber respostas em até vinte
pública. A partir de 2009, as discussões
dias. Autarquias, fundações, estatais
em torno de um projeto de lei que regesse
e qualquer organização que receba re-
a matéria em esfera nacional avançaram
cursos públicos (como ONGs, estatais,
bastante. A mobilização em torno do tema
empresas) estarão sujeitas ao regime de
ganhou força em maio daquele ano, quan-
publicidade da futura lei.
do a Casa Civil enviou uma proposta para a
Câmara dos Deputados, o projeto de lei n. No que tange à classificação de docu-
5.228. Ele foi apensado ao projeto de lei mentos, a proposta explicita que o sigilo
A principal dissonância do projeto em re- José Agripino (DEM-RN), que se afastou dos
lação às melhores práticas internacionais trabalhos no Senado para engajar-se em
se refere à ausência de um órgão especia- campanha eleitoral. Segundo a assessoria
lizado e independente que uniformize as da Presidência da CCT, a designação da
políticas de acesso e a análise de recursos/ relatoria do projeto foi aleatória e prova-
apelações relativas a pedidos denegados. velmente não haverá tempo hábil para a
A existência de tal órgão permitiria que o entrega e votação do parecer pelo senador
país harmonizasse as decisões a respeito Bezerra antes da volta de Agripino, obri-
da abertura de seus documentos. Na atual gando uma futura redistribuição e, prova-
redação do projeto, no entanto, decisões velmente, paralisação no andamento do
e políticas de acesso ficam pulverizadas, a projeto até o primeiro trimestre de 2011.
cargo de diferentes instâncias administra-
Inicialmente, a Presidência do Senado
tivas de natureza e composição diversas.
havia estabelecido que o projeto passaria
Ao chegar ao Senado Federal, a identi- pela CCJ, pela CCT e pela Comissão de Di-
ficação do projeto passou a ser PLC n. reitos Humanos e Legislação Participativa
41/2010. A redação integral adotada pela (CDH). Porém, em agosto, a Presidência do
Câmara recebeu um parecer positivo do Senado determinou que o projeto de lei
relator na Comissão de Constituição, Justi- de acesso à informação pública também
ça e Cidadania (CCJ), senador Demóstenes seria apreciado na Comissão de Relações
Torres (DEM-GO), e o projeto foi aprovado Exteriores e Defesa Nacional (CRE), em
em junho de 2010, seguindo para a Co- decisão sobre requerimentos separados
missão de Ciência, Tecnologia, Inovação,
apresentados pelos senadores Eduardo
Comunicação e Informática (CCT).
Suplicy (PT-SP) e Eduardo Azeredo (PSDB-
Em outubro de 2010, o senador José MG). Passar por mais uma comissão signi-
Bezerra (DEM-RN) foi definido relator do fica um trâmite mais lento e maior risco de
projeto de lei de acesso à informação alterações no projeto, o que obrigaria um
pública na CCT. O senador é suplente de retorno à Câmara dos Deputados.
N O T A S
1. Esta seção apresenta de forma resumida as propostas constantes do documento O direito do
público a estar informado: princípios sobre a legislação de liberdade de informação, que pode
ser encontrado em www.artigo19.org.
A bstract
In view of the submission, by the Presidential Staff Office in May 2009, of a bill on ac-
cess to public information to the Chamber of Deputies, the PL n. 5.228, it is discussed
the characteristics of an adequate law on access to public information, their usefulness
for achieving greater social participation in public policy and monitoring of government
actions to prevent corruption and inefficiency, and the future of that bill within Congress.
R esum é n
Teniendo en cuenta el envío por la Casa Civil de la Presidencia en mayo de 2009 de un
proyecto de ley sobre el acceso a la información pública a la Cámara de Diputados, el PL
n. 5.228, se examina las características de una adecuada legislación sobre el acceso a la
información pública, su utilidad para lograr una mayor participación social en las políticas
públicas y el seguimiento de las acciones del gobierno para prevenir la corrupción y la
ineficiencia, así como se debate acerca del futuro de ese proyecto de ley en el Congreso.
Recebido em 20/12/2010
Aprovado em 8/2/2011