, M a r t in A lb e r t o I b á n e z -N o v ió n -
O lga C. L o p e z de I bá n e z -N ovión
O r d e p J osé T r in d a d e S erra
I ntrodução
87
J á em 1962 e 1963, P o lg ar ch a m a v a a ate n çã o sobre a necessi
dade e a im p o rtâ n c ia de se realizarem estudos sobre o que denom i
n a v a de body im age, assim como d eclarav a que “A central no tio n
in popular Health cultu re is th e w a y in w h ic h th e h u m a n body is
regarded" (1963, p. 404). J á n a F ra n ç a , a lg u n s in te g ra n te s do grupo
de P ierre B ourdieu realizam im p o rta n te s estudos d e n tro d a tem ática
d a Sociologie du Corps (B oltanski, 1975).
P o r o u tro lado, desde os começos da d écad a de 70, efetu am -se
em alg u n s países pesquisas re la tiv a s ao que se convencionou ch a m a r
de body notions, p o r u m grupo de c ie n tista s sociais congregados em
to rn o do A ccep ta b ility T a sk Force d a U nid ad e de R eprodução H u
m a n a d a O rganização M undial d a S a ú d e 2.
O h ia to e n tre os passos fu n d a m e n ta is que m a rc am o avanço
n o desenvolvim ento de um cam po científico tã o im p o rta n te , e em
p a rtic u la r a la c u n a v erificad a desde o fo rm u lar-se d a p ro p o sta de
P o lg ar a té a re to m a d a dos estudos assin alad o s pela m esm a preo
cupação pode explicar-se, em g ran d e m edida, como efeito de p ro
blem as a tin e n te s à técnica de coleta de dados e ao procedim ento
analítico s.
A pesquisa sobre Sistem as T radicio n ais de Ação p a ra a Saúde no
N oroeste do E stado de M inas G erais incorporou, como u m a de suas
preocupações m ais im p o rta n te s, a do estudo d a A nátom o-Fisiologia
P o p u la r do corpo hu m an o . N este sentido, o tra b a lh o de cam po não
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ap en as se efetu o u com u m a a m o stra d a população t o t a l 4 m a s foi
tam bém , p a rtic u la rm e n te , realizado de fo rm a in ten siv a com os p ro
fissionais p opulares d a saúde.
O estudo de um S istem a T rad icio n al de Ação p a ra a Saúde su
põe a abordagem ta n to de p rá tic a s e em penhos, de saberes e e s tra
tégias dos “leigos” n e ste dom ínio, o enfoque dos m odelos de se lf-
care u tilizados p o r u m a população, q u an to o estudo de técnicas e
p rax es iá tric a s “p o p u lares”. A d v irta-se que n e ste contexto em prega
m os o term o “iátriCo” p a ra q u alificar o con h ecim ento m édico espe
cializado e as ativ id ad es que n e ste se fu n d am .
C ham am os de “conhecim ento especializado” o irred u tív el ao a c e r
vo de noções, princípios, esquem as etc. em la rg a m ed id a c o m p arti
dos p o r to d a a sociedade, ou seja, aquele c u ja obtenção se faz
atra v é s de u m a aprendizagem “se c u n d á ria ” (acessível ap enas a in
divíduos que o p tam pelo exercício de certos papéis, correlacionados
a id en tid ad es a d q u irid a s 5 d e sta m a n e ir a ) .
D esignam os, em con so n ân cia com isto, como P rofissional da S aú
de, o su jeito d e te n to r de um conhecim ento m édico especializado.
A d istin ção que fazem os e n tre a s d u as “á re a s ” (to davia conexas)
de um S istem a T rad icio n al de Ação p a ra a Saúde corresponde à
realizad a p o r F ab reg a (1977), que no m esm o contexto opõe as “ta -
xonom ias fo rm ais” dos especialistas p o p u lares n o cam po d a m edicina
ao qus designa como “conhecim ento p o p u lar (inform al) da doença”.
F ab reg a designa com o term o “tax o n o m ia m éd ica” não ap en as um
co n ju n to de “classificações de e nom es p a ra as doenças” m as to d a
u m a “te o ria d a doença e a série de o rien taçõ es p a ra o tra ta m e n to
n ela im p líc ita . . . ”, te o ria que “fornece aos m em bros do grupo expli
cações de porque e como a doença ocorre, e d a m a n e ira pela qual
pode ser e lim in a d a ”.
Em nosso estudo do universo iá tric o do S istem a T radicional de
Ação p a ra a S aúde em vigor n o N oroeste m ineiro, encontram os que
os vários esp ecialistas a tu a n te s n e ste co n tex to com partem , em d i
v ersas m edidas, m uitos traço s característico s, h abilitações e conhe-
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cim entos; a distribuição e n tre eles de com petências e saberes figura
assim um v erdadeiro grad ien te. (Ver Ibáiiez-N ovión e T rin d ad e S erra,
1978a). P o r o u tro lado, verificam os (cf. ibidem ) que as dezesseis c a
tegorias de profissionais d a “m edicina p o p u lar” por nós a í id e n ti
ficadas podem o rd en ar-se em trê s “grupos” segundo o seu “p adrão
de ativ id ad e iá tric a ”, isto é, segundo os modelos de ação te ra p êu tic a
que seguem. D istinguim os assim um Subsistem a d a M sdicina Im i-
ta tiv a , um S ubsistem a In te rm e d iá rio e u m S ubsistem a d a M edicina
de Base. O A n ato m ista P o p u lar faz p a rte do Subsistem a In te rm e
diário p o rq u an to se vale ta n to de técn icas e praxes consagradas
ap en a s p ela tra d iç ã o como de procederes e m étodos de cu ra assim i
lados (ao S istem a Médico O cid en tal). U tiliza tam bém m eios “m e
cânicos” e “sim bólicos” de tra ta m e n to (falam os de te ra p ia “m ecâ
n ic a ” quando o corpo do p a c ie n te é visado de form a d ire ta ). Só
chega a in v estir-se no pap el depois de te r passado por u m a “odis
séia d a doença” que o m a rc a de m odo m uito notável. D om ina seu
ofício a tra v é s de um a aprendizagem in fo rm al em bases trad icio n ais;
com c e rta freqüência reco rre a o bras d id ático -cien tíficas e de di
vulgação sobre m edicina e saúde e disseca a n im ais que im ola p a ra
este fim.
O utros inform es a respeito d e sta categ o ria de profissional da
m edicina p o p u lar podem ser en co n trad o s em nosso estudo m encio
n a d o m ais acim a. C itarem os deste algum as lin h a s:
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descura as demonstrações e explanações que podem servir de
reforço à eficácia desse tratamento. (§) Sucede ainda que o
Anatomista Popular forneça e manipule remédios. Às vezes, sua
praxe terapêutica limita-se a fornecer subsídios teóricos e ori
entação prática a outros profissionais da saúde. (§) Guarda
sigilo, em certos casos, acerca da natureza dos recursos tera
pêuticos de que se vale. Não se “especializa” no tratam ento de
nenhum tipo de mal, crise ou distúrbio em particular, nem
quanto aos destinatários de sua ação para a saúde. (§) A “ cena
terapêutica” que protagoniza como agente de saúde, em deter
minadas oportunidades é fortemente “ritualizada” no sentido
estrito do termo. ( .. . ) Possui um local fixo de atendimento e
dedica-se inteiramente ao ofício médico; acolhe retribuição sob
a forma de “agrados”, na maioria das vezes. O de Anatomista
Popular parece ser um papel masculino, apenas.
A presentação
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dado ao conhecim ento de p h á rm a k a s vegetais que com partem , o
ace rto d as rezas e “benzeções” que operam , e pela reconhecida p e
rícia de M aria como P a rte ira B e n z e d e ira 9.
Soubemos da existência deste casal e de suas qualidades p ro
fissionais a tra v é s de conversas e co n tato s efetuados n a cidade de . . .
Todcs os que aí, de início, conhecem os, sem exceção, nos indicavam
Seo P edro e D ona M aria como g ran d es en tendidos no tópico de
nosso interesse.
Q uando, pela p rim eira vez, fizem os co n tato com eles, deixaram
am bos tra n s p a re c e r as suas g ran d es qualidades h u m a n as, que a in d a
m ais evid en ciariam com o p a ssa r dos d ias e com a repetição de
nossas visitas. R eceberam -nos com am abilidade e descontração. Ao
ser-lh es explicado o m otivo de nossa visita, ex p rim iram com a u tê n
tic a sinceridade o reconhecim ento pelo fa to de que alguém se in
teressasse pelo sab er e pela experiência p o r eles adquiridos atrav és
dos anos. No entusiasm o, ofereceram -se p a ra conversar conosco, p a ra
levar-n o s ao m ato a “c a ç a r raízes”, e p a ra rev elar-n o s p ac ie n te
m en te o m undo dos p h á rm a k a vegetais, p a te n te a r-n o s seu saber da
enferm id ad e, su a lu ta em prol d a saúde, e a anátom o-fisiologia do
corpo hum ano.
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D ona M aria é u m a m u lh er de 40 anos, sim ples e sim pática, que
se auto d efin e como “a n a lfa b é tic a ”. D u ra n te todo o d ia e n tra m e
saem crian ças em su a casa; ela conversa com os petizes, b rinca
com eles, oferece-lhes alim entos; m u ito s dos m eninos p assam to d a
a jo rn a d a a fa z e r-lh e com p an h ia. D ona M aria gosta de anim ais,
en co n tran d o -se em su a casa vários periquitos, um mico, um cachorro
e um gato, de que ela cuida e com quem conversa.
Segundo dissem os, ela é m uito p ro c u ra d a pelas pessoas do lu gar
p a ra que a s “reze”, bem como p a r a “b enzer” a n im a is e fazendas.
Não o b stan te, id e n tific a -se m ais com seu p ap el de P a rte ira B enze
deira. A m aio ria dos m en in o s da redo n d sza se dizem seus “n eto s”
por h a v e r nascido à s suas m ãos. D ona M aria com enta com orgulho
que aos m eninos que nascem sob seus cuidados em trê s dias lhes
caem os umbigos.
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T a n to q u an to D ona M aria, Seo Pedro conhece os p h á rm a k a ve
getais e os processos associados à en ferm id ad e 10. D istingue-o, to
davia, o sa b e r que possui acerca d a an átom o-fisiologia do corpo
hum an o . A lcançou este sab er p o r diversos cam inhos, inclusive a lei
tu ra su p erficial de obras especializadas que, d u ra n te certo espaço
de tem po, pôde co n su ltar, a tra v é s da m ediação de um sobrinho —
o qual, n a época, cursav a um a F acu ld ad e de M edicina. De qualquer
modo, a co ntribuição d estas le itu ra s p a ra su a form ação é pouco sig
n ifica tiv a co m p arad a à do conhecim ento adquirido por ele a trav és
do estudo d a a n a to m ia de a n im a is — p a rtic u la rm e n te dom ésticos
— con sid erad a em analo g ia com a h u m an a.
E m bora se ja certo que a via de in stru ção por últim o c itad a é
acessível, p ra tic a m e n te, a todos os m em bros d a sociedade —• isto é,
de m odo com um se percebe o in te rio r orgânico do corpo h u m an o a
p a r tir d a m an ip u lação ocasional de an im ais dom ésticos incluídos n a
categ o ria com estível — a in d a assim o caso de Seo P edro verifica-se
b a sta n te singular. Ele chegou a estabelecer as correlações alu d id as
n ão a p a r tir d a m an ip u lação an im al em situ ação de prev alên cia
alim en tícia, m as n a in ten cio n alid ad e ú n ic a de “dissecar” um a n im a l
com o fim p rio ritá rio de e stu d a r-lh e a an ato m ia. Este fa to o con
verte, fu n d a m e n ta lm e n te, n u m profissional d a a n ato m ia com parada.
P or fim, o c a rá te r especializado do seu conhecim ento, no que ta n g e
à a n a to m ia e fisiologia do corpo hu m an o , to rn a -se m ais notável
quando verificam os que ele teve acesso, em o p o rtunidades e situações
difíceis de c o n sta ta r, ao in te rio r orgânico do corpo hum ano.
E x po siç ã o
A natom ia Topográfica
10 Mais uma vez recorremos a nosso trabalho antes citado: “O termo do
ença designa uma coisa (a percepção subjetiva de disfunções ou de seus
reflexos); a palavra enferm idade aponta a outra (a categorização de
um m a l); e nenhum proveito se tira de confundir estas noções. Um
distúrbio deve ser percebido para que se chame doença, mas a doença
reconhecida e advertida, ou confirmada pela sanção de outras pessoas
além do sujeito, só por isso não se qualifica como uma enfermidade.
É necessário, para tanto, que ela seja identificada. Com este fim, sempre
se elaboram e discutem hipóteses; e muitos fatores de diversas ordens
intervêm numa tal discussão.” (Ibánez-Novión e Trindade Serra, 1978).
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h u m a n o n ão se situ a m ao acaso no in te rio r da e s tru tu ra som ática:
localizam -se em regiões que lhes são adequadas, passíveis de a n a li
sa r-se como u n id ad es com preendidas em si m esm as, e, a té certo
ponto, au to fu n cio n ais, em bora in terrelacio n ad as.
R econhece ele a existência de q u a tro regiões fro n tais, de duas
dorsais, e das c o n stitu íd as p ela cabeça, pelos m em bros superiores e
pelos inferiores. As regiões fro n ta is e dorsais, assim como a região
d a cabeça, são ím pares, e n q u an to as dos m em bros, como é lógico,
são pares. D escreverem os su m a ria m e n te e sta s regiões, e n ten d id as
como á re a s top o g ráficas (cf. gráfico 3).
A região do crâneo da cabeça está c o n stitu íd a de crâneoljuízo,
nariz, ouvidos e goto (a respeito deste últim o falarem os m ais a d i
a n te ).
A região do pescoço a c h a -se co n stitu íd a pelas am igas e pela
güela. Abaixo d esta, e n c o n tra -se a id e n tific a d a pelo in fo rm a n te como
a região do estôm ago (estom águ n a p ro n ú n c ia do in fo rm a n te ), e
que com preende bofe, bucho, roda do bucho, coração, taletas do co
ração, figo, fel, p a ssa rin h a e rins. L iga-se a m esm a, n a p a rte in fe
rior, à região da barriga, in te g ra d a p o r im bigo, ta leta do im bigo,
tripa, p endis e hem orróia. D elim ita-as a arca da espinhela. No caso
d a m u lh er, a região da barriga com preende tam b ém os órgãos da
reprodução. T a n to no hom em como n a m u lh e r ap arece a região
genital, que, em am bos os casos, ab ra n g e as p a rte s term in a is dos
órgãos reprodutores.
D orsalm ente, o corpo h u m an o possui, conform e ss esclareceu,
duas regiões: a região do espinhaço co n tém o raio do espinhaço —
e, no caso do sexo m asculino, alguns órgãos de reprodução. Liga-se
p o r baixo à região da escadeira, e p o r cim a à do crâneo da cabeça,
atrav é s do goto. A região da escadeira, n o que se refere à sua ex
pressão dorsal, contém os órgãos rep ro d u to res m asculinos. (Deve-se
esclarecer que a escadeira órgão e stá localizada n a região da bar
riga, prevalecendo exclusivam ente n a a n a to m ia fe m in in a d a re p ro
du ção ). A ssinalam -se, p o r fim , as regiões dos braços e das pernas
que, além de carne, e n c e rram as p a rte s te rm in a is do in trin c a d o sis
tem a circulatório.
A nato m ia D escritiva
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d a d a no nú m ero de órgãos — sup erio r p a ra o corpo hu m an o fem i
nino quando com parado ao m asculino. E sta d iferença te m b ase n a
m aio r com plexidade p erceb id a do a p a ra to rep ro d u to r d a m ulher.
F e ita e sta ressalva, podem os dizer que ta n to o corpo h u m an o fem i
nino como o m asculino se a p re se n ta m como en tid ad es sim ilares, no
que ta n g e a órgãos constitutivos. P o r esta razão, e pelo fa to de que
foi o corpo h u m an o m asculino o prim eiro a ser considerado pelo
A natom ista, n a m aio ria d as vezes farem os referên cias ao m asculino
como corpo h u m an o tipo.
A p arte os órgãos que con fo rm am o a p a ra to re p ro d u to r — seja
fem inino ou m asculino —, o corpo h u m an o , p a ra este profissional,
co n stitu i-se de 22 órgãos p rin cip ais de que ap en as qu atro são pares.
A cabeça contém dois órgãos ím pares, o crâu eo /ju íz o e o goto,
e dois órgãos pares, ouvido e nariz.
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de u m a coloração branca. S ua fu n ção é pro p iciar a ve n
tilação d a cabeça como região to p o g ráfica, e, em p a r t i
cular, de alg u n s dos seus órgãos, ta is como crâneo, olhos,
coração.
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tnorrôia: a coluna, n a s p a la v ra s do A natom ista, “dá vida
e vive ch eia p ra d a r com posição e ta le n to no corpo”.
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Fel (vesícula b il i a r ) : F a la r do fig o im plica em fa la r deste pequeno
órgão circu lar, ubicado um pouco acim a do figo. O fe l
tam b ém n ã o possui sangue e é com posição áo figo. P a ra
o A nato m ista, fig o e fe l são tã o in separáveis como m a
rido e m u lh e r o devem ser n o m atrim ônio.
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sangue e de coloração azul, ao passo que as travetas on
m a m pilãozinhos no seu in te rio r são verm elhas. A s taletas
do im bigo co n fig u ram u m co n ta to d a corda do coração
ta n to como um cen tro de com ando da região postesta.
S istem a Circulatório
100
Devemos explicar, a n te s de m ais n a d a , cue a s veias são perce
b idas como condutos que tra n s p o rta m sangue. Q uanto à su a cor,
ap re se n ta m c e rta s variações que podem os sin te tiz a r d a seguinte m a
n e ira : as veias da cabeça são as ú n icas a a p re s e n ta r a cor branca,
en q u a n to que as veias ão corpo quase sem pre exibem variações de
azul, no exterior, e variações de roxos e verm elhos n a p a rte interio r.
H á alg u m as exceções, a que j á nos referirem os. As veias dos braços
e das pernas são azul corado p o r d e n tro e rosa por fora, enq u an to
as vein h a s são as ú n icas a a p re s e n ta r a cor laranja am arelo no seu
interio r.
Explicarem os o com p o rtam en to deste sistem a a p a r tir d a form a
em que é percebida a circulação pelo nosso A natom ista. Diremos,
prim eiro, que, p a ra ele, existem b asicam en te dois circulares: o cir
cular ão corpo e o circular do coração. D esta fo rm a se refere à c ir
culação do lado d ireito e esquerdo, respectivam ente.
Tendo o coração a im p o rtâ n c ia já a ssin a la d a p a ra o sistem a
circulatório, com eçarem os a explicação deste a p a rtir d a ú n ic a veia
que procede do dito órgão. A veia do pescoço, (cf. gráfico 4 ), loca
lizada sobre o lado esquerdo deste, é de c a rá te r ascendente. Q uando
e n tra n a cabeça, tra n sfo rm a -se n a ve in h a da nuce, ascen d en te,
atin g in d o a a ltu ra do crâ n eo /ju ízo , sofre u m a to rção que a converte
n ão a p en as em u m a ve in h a da nuce d escen d ente — s itu a d a à di
re ita —, m as tam b ém em p onto de p a rtid a d as veinhas do crâneo.
A vein h a da nuce d escendente, ao e n tr a r n a região ão pescoço, tr a n s
fo rm a-se n a veia incolobrinal. Essa veia, situ a d a à d ire ita do corpo,
d a rá origem , p o r su a vez, às veias d escendentes dos braços.
O re to rn o d estas, ou seja, as que se co m p o rtariam como “veias
a scen d en tes” dos braços, en c a m in h a -se em d ire itu ra p a ra a veia do
coração — e n te n d id a como a ú n ic a que se e n c o n tra n o in te rio r deste
órgão.
A veia incolobrinal, sem pre em seu c a rá te r descendente, origina
a “veia d escen d en te” d a p e rn a d ireita. A “veia a scen d en te” da p e rn a
d ire ita se dirige d ire ta m e n te ao coração.
Coisa um ta n to diversa ocorre com as veias “ascen d en tes” e “des
cen d en tes” d a p e rn a esquerda, já que e sta s se dirigem em d ireitu ra
ao coração, com to ta l in d ep en d ên cia d a veia incolobrinal.
C um pre-nos esclarecer a in d a que a porção proxim al das veias
tíos braços e d as p ern as, assim como a que a fe ta exclusivam ente o
tronco, d en o m in a-se veia vertical-regional. Na p a rte descendente
desta, e a nível d a c in tu ra , te m origem , no caso do hom em , a veia
101
vertical da grana, que desem boca a ig u al a ltu ra , só que a fetan d o a
veia vertical-regional “a sc e n d e n te ” e esquerda.
F a lta -n o s considerar, p a ra am bos os sexos, a pelo A natom ista
c h a m a d a veia da postesta (cf. g e n ita l m asculino e g e n ita l fem in i
n o ). E sta veia te m seu m odo próprio de circulação, j á que no seu
caso d á-se um a inversão e n tre “a scen d en te” e “d escen d en te” : ela
descende pela esquerda e ascende pela d ireita.
Ig u a l com p o rtam en to tem a corda do coração que n ão ap enas
relacio n a a veia da postesta com o coração, a tra v és do im bigo, como
tam b ém é d ep o sitária dos delicados processos sangüíneos correspon
d en tes ao a p a re lh o rep ro d u to r, em p a rtic u la r o fem inino.
P o r últim o, as vein h a s devem ser co n sideradas como a in tr in
cad a rede de pequenos condutos que “a lim e n ta m ” ta n to carne como
ossos e órgãos.
G enita l F em inino
102
F e ita e sta in tro d u ção , estam os em condições de ap ro fu n d ar-n o s
no estudo dos re a is com ponentes anátom o-fisiológicos da g en itália
fem inin a. P a ra isso, devemos d eter-n o s n a an álise de um órgão que
o in fo rm a n te d en o m in a m ãe do corpo (o v ário ), órgão caracterizado,
n a su a p a rte in te rio r, p o r u m a cor roxa, e, n o seu exterior, pela
coloração azul. A m ãe do corpo n ã o possui san gue em su a e s tru tu
r a p ro p riam en te d ita . O san g u e que lhe corresponde provém , b asi
cam en te, de u m a veia co n ectad a com o espinhaço (não observável
no desenho por te r sido este efetu ad o no plano) e, secu n d ariam en
te, por u m as vein h a s de ação co m plem entar. D eve-se esclarecer, em
bora a isto se re to rn e m ais a d ia n te , que as veias e veinhas não
co n stitu em e s tru tu ra s in d ep en d en tes d a m ãe do corpo, em si, m as,
pelo co n trário , são p a rte s específicas do órgão, qualificadas p o r isso
com o nom e que lh e corresponde.
Em o u tra s p alav ras, tra ta - s e de can ais próprios do órgão, a tr a
vés dos quais se v erte o sangue p roveniente de pontos m ais d ista n
tes. A m ãe do corpo c o n c e n tra a a lta resp o n sabilidade de d irig ir o
corpo fem inino em su a to talid ad e. T am bém é nela que en co n tra
su sten tácu lo aquilo que nosso A n ato m ista d efine como o sustantivo,
ou seja, a essência a p a r tir d a qual p o d erá ocorrer, desde quando
se desloque a p o stesta (órgão de que tra ta m o s logo a seguir) p a ra
p e rm itir a origem de u m a nova vida — além de outros processos
definitivos da in tim id a d e fisiológica fem inina. Isto p erm ite dizer que
a m ãe do corpo e su a tão p a rtic u la r essência co n stitu em um po
te n cial que o in fo rm a n te d en o m in a de gerador.
Um pouco abaixo d a m ãe do corpo, e lig ad a a esta p o r u m a
so rte de cordão, e n c o n tra -se a postesta (útero ) órgão desprovido de
sangue, e de cor verm elho-m arelada. O A n ato m ista define as fu n
ções que ao dito órgão lh e são p eculiares como as de um veiculo
p a ra o corrim ento, en te n d e n d o p o r ta l o processo de evacuação da
essência que, descendendo d a m ãe do corpo, se dirige p a ra a bacia.
Intro d u z-se, n este m om ento, um com plexo circuito de veias, sem
as quais seria im possível p a ra nosso A n ato m ista explicar e com
p reen d e r as p eculiaridades do a p arelh o g e n ita l fem inino.
A p rim e ira a co n sid erar é a veia da bacia; esta, roxa p o r den tro
e azula d in h a p o r fora, a p re se n ta algum as d iferen ças à m edida que
av a n ça em seu circuito. T ra ta -s e de u m a veia grossa, com canais
finos em seu p ercurso norm al, que se am p liam quase a té ao t a
m a n h o d a p ró p ria veia n a s suas conexões ou desem bocaduras. A
fu n ção deles é a de am p a ra r a bacia n a m ed id a em que co nstituem
u m a circulação san g ü ín ea re s trita exclusivam ente a esta, n u m p ro
103
cesso c irc u la r de id a e volta. À fu n ção de am parar a bacia, e t a l
vez em conseqüência de seu exercício, som a-se o u tra função: q u a n
do, d e n tro da bacia, existe algo p a ra “c ria r”, o sangue circulante
n a d ita veia se v erte n a bacia; e, p o r últim o, quando n ã o existe
um processo de gestação, se v erte n a su perfície d a p o stesta e p ro
voca a m isturação (san g ram en to m e n stru a l; cf. gráfico 6).
U m a o u tra veia a í p resen te é a d a p o stesta — que, à d ife re n
ça d a a n te rio r, tem u m colorido m ais verm elh inho. A veia da pos
te sta circunscreve a escadeira; é su a fun ção d a r origem a todo e
qualqu er processo rep o rtáv el a todos os órgãos já m encionados; a
ta l processo, nosso in te rlo c u to r d en o m in a n a scim en to da ação. P o r
sua vez, e como p a rte , tam bém , de um processo re strito de c ir
culação, a re fe rid a veia d etém a fun ção de a lim e n ta r os ditos órgãos,
o que faz quando, depois de c irc u la r no sentido esqu erd a-d ireita,
re to rn a ao cano da cabeça via coração.
Pelo m enos no que concerne a e sta veia, percebe-se com cla
reza a p resen ça de dois sistem as circulatórios, dos quais um con
té m o outro. P o r o u tra s p a la v ra s, e n q u an to se processa u m a c ir
culação específica d a escadeira, ocorre sim u lta n e am en te u m a o u tra
que a fe ta a todo o corpo.
A veia da postesta a c h a -se u n id a , p a ra desem penho de suas
funções, à p ró p ria postesta, a tra v é s de u m a espécie de trip in h a , e n
q u an to se vin cu la à veia da bacia p o r u m a conexão sem elh a n te a
um galho.
P a r a fin alizar com o re fe re n te a e sta veia, devem os dizer que o
cen tro a p a r tir do qual ocorre a conexão das d u as circulações a n te s
explicadas é o im bigo — e s tru tu ra de que m ais a d ia n te falarem os.
Ê tam b ém a p a r tir d aí que descende a veia que, p assan d o por b a i
xo d a bacia, d irige-se à p o stesta com a ú n ic a função de alim entá-la.
Um terceiro e últim o órgão, constitutivo, no sentido estrito, do
a p a re lh o g en ital fem inino, é o denom inado de m adre (v a g in a ). Tem
colorido azuladinho, a c h a -se desprovido de sangue, e c o n cen tra a
fu nção de a tu a r como despacho de to d as as coisas que se o rig in a
ra m n a postesta, ou se g e ra ra m n a barriga. Ele a tu a como o g ra n
de p o rtã o de sa íd a p a ra o e x terio r que possui o a p arelh o g en ital
fem inino; em o u tra s p alav ras, d á passagem à m isturação, ao que
ev en tu alm en te se p oderia te r criado, e aos p ro dutos de despejo re
su lta n te s da com plexa ação in te g ra d a das veias a n te s descritas. Se,
p o r extensão, usássem os a term inologia d a a n a to m ia e fisiologia ci
en tífic a , d iríam os que a tra v é s d a m adre se e fetu a o p arto , ta n to
104
como se produz a evacuação do sa n g ra m e n to m e n stru a l e outros t i
pos de sa n g ra m e n to s vaginais.
E m bora já n o s te n h a m o s referid o ao irribígo, acred itam o s n e
cessário, m esm o pecando p o r rep etir, fazer alg u m as considerações
a seu respeito. É a p a r tir deste órgão, e a tra v é s dele, que se p ro
duz a ligação do a p arelh o g e n ita l fem in in o com todos os outros
órgãos d a a n a to m ia fem in in a. C o n cen tra tam b ém ele a s “veias ge
n ita is ”, que, p a ssan d o a u m a veia única, a corda do coração, se d i
rigem prim eiro a este órgão e p o sterio rm en te ao crâneo.
Em bora seja certo que consideram os o nosso in terlo cu to r um
verdadeiro A n ato m ista P opular, devem os esclarecer que a lógica ex
p licativ a do fu n cio n am en to do a p a re lh o g e n ita l fem inino se m a n
té m acorde com os m esm os princípios d a an áto m o-fisiologia popu
la r laica, co n sid erad a ta n to como corpus de “c ren ç as” q u an to como
“re p resen tação social”.
M erece ex p la n a r-se aqui o que é possível o co rrer quando o a p a
relho g e n ita l fem inino n ão se com porta d e n tro da norm alidade. Se
os processos n o rm ais n ã o se efetu am , e, em p a rtic u la r, se n ã o ocor
re a sa íd a do sa n g ra m e n to m e n stru a l a tra v é s d a m adre, sucederá
o ascenso do dito flu id o p a ra a á re a d a cabeça, a tra v é s do im bigo
— pon to de co n cen tração d as veias g en itais —, passando pela corda
do coração e pelo coração.
E sta invasão sa n g ü ín e a de u m a á re a b asicam ente sem sangue,
a cabeça, evento cap az de p ro d u zir-se devido à ru p tu ra de p reca u
ções e proscrições m en stru ais, tr a r á como seqüela, p a ra a m ulher,
desde nervosism o e enxaquecas a té o q uadro extrem o e m ais g ra
ve d a loucura.
G enita l M asculino
105
funções cla ra m e n te definidas, e como infenso às alterações m in ú s
culas m as de c a ta stró fic as conseqüências às quais é suscetível a
m ulher. (Ibánez-N ovión, 1976).
Na percepção de nosso especialista, o g en ital m asculino te m (cf.
gráfico 7) dois planos de sig n ificativ a im p o rtân cia, conform e se o
observe de fre n te ou de trá s. N a p a rte fro n ta l, ele está constituído
pela p resen ça de d u as veias, a veia da postesta e a veia gen ita l da
grana (tam bém d en o m in ad a de veia o g ita l). A p rim e ira possui as
m esm as ca ra c terístic a s que lh e fo ram atrib u íd a s n a descrição do ge
n ita l fem in in o e circu n d a, ig u alm en te a á re a d a escadeira. A veia
genital, p o r su a vez, é roxa p o r d e n tro e azul por fora, chegando
a te r u m a a p a rê n c ia cristalina.
A e s tru tu ra to ta l d esta veia é pelo A natom ista c o m p arad a com
a e s tru tu ra de u m a fo lh a: as veias que a in te g ra m corresponde
ria m às nerv u ras, e à cap a in te rm e d iá ria equivaleria o re sto do
co n ju n to em cau sa; a cor d e sta película define-se, por sua vez,
como azul-caboclo. Segundo é lógico, e sta veia tra n s p o rta sangue
— m as, esclareçam os, um sangue m uito p a rticu la r. O in fo rm a n te
o d en o m in a rio de corrim ento e lhe a trib u i as funções de a lim en ta r
as o u tra s veias d a região, e su ste n ta r o que às vezes ch a m a horm ô
nios e o u tra s aborto.
D ito sangue é m eto d icam en te depositado n u m órgão gerador do
genital, quando o a p arelh o g e n ita l se en fo ca desde sua face p o s
terior. D eclarou-nos o A nato m ista que o processo de passagem é
caracterizad o por um depósito m etódico, g o ta a gota, ta l como su
cede com o carb u rad o r de um veículo de com bustão; disse-nos ain d a
que isto se d á g raças à e s tru tu ra p a rtic u la r d a veia genital, p o r
q u an to esta, em bora p o r fo ra p a re ç a grossa, no seu in te rio r se ca
rac te riza por com preender finíssim os condutos.
F in alm en te, isto induz a que um sangue que já com eça a tr a n s
fo rm a r-se em sêm en o faça de m a n e ira m etódica e h arm oniosa, de
m odo a e v ita r graves problem as no a p arelh o genital, possíveis de
ocorrer em vista d a a lta sensibilidade deste.
Q uando considerado em su a versão corpórea posterior, o enfo
que do a p arelh o g en ital se com pleta. O prim eiro órgão a ap arecer
é aquele a que c h a m a o nosso in fo rm a n te de gerador de força ge
n ita l (?). S itu a-se o m esm o a trá s do espinhaço, n a a ltu ra do bofe.
Ligado àquele, n a a ltu ra do balancete da cadeira, e n c o n tra -se o ge
rador do g en ita l (?). Suas funções são m ais u m a vez eq u iparadas
com as das peças percebidas como básicas p a ra o fu n cionam ento de
um m otor. O m odelo m ecânico que p erm ite explicá-los é de c a ra c
106
te rístic a s m ulto p a rtic u la res, dado que ex iste u m g erador — gerador
da força g en ita l — n o sen tid o m ais pleno d a p a lav ra, ao lado de
ou tro — gerador ão g en ita l — que em si c o n c e n tra a ação com bi
n a d a de gerador e c a rb u ra d o r em u m a ú n ic a peça.
C om pletam o sistem a o enco n tre (p ró s ta ta ), órgão que tem a
função de d irig ir o grão, m as o grão (testículo) que a tu a como d e
p o sitário do su sta n tism o — e o -pênis, en carreg ad o de levar ao lu
g a r certo o su sta n tism o originado n este delicado processo de tr a n s
form ação sangüínea.
107
Equilibração e Fortaleza: d ita função se exprim e no a to de equili
b ra r e c o n fe rir resistên cia a com ponentes
básicos do corpo h u m an o .
O gráfico n.° 8 descreve o sistem a an atô m ico e fisiológico ta l
como é percebido pelo pro fissio n al p o p u lar d a saúde de que aqui
se tra ta . Os órgãos aí assinalados distrib u em -se esquem aticam en
te de acordo com a disposição a trib u íd a pelo A natom ista, e se a g ru
p am nos c o n ju n to s 1, 2, 3 e 4 que correspondem às regiões do crâneo
da cabeça, do pescoço, do estôm ago e da barriga, respectivam ente. A
seguir, verem os como se estabelecem os circuitos de interrelações,
em princípio, a tra v é s d as q u a tro funções m encionadas acim a.
Os ouvidos servem p a ra a ventilação de crâ neo/juízo, olhos e
coração.
O nariz, ta l como o órgão a n te rio r, situ ad o n a região do crâneo
da cabeça, p ropicia a ventilação do crâ n eo /ju ízo , das am igas, d a r e
gião do estôm ago com o u m todo, e do coração em p a rtic u la r.
O goto tam b ém exerce a função de ven tila r, servindo assim ao
c râ n eo /ju ízo e ao corpo como um todo.
A güela, localizada n a região do pescoço, te m por função prio
ritá ria , igu alm en te, a de ven tila r a á re a do crâneo da cabeça e to -
todos os órgãos ínsitos n a região do estôm ago, excetuados o coração
e sua taleta.
T am bém o im bigo, situ ad o n a região da barriga, ven tila , b e n e
ficiando em p a rtic u la r o coração e a to ta lid a d e das regiões do estô
m ago e da barriga.
F in alm en te, a hem orróia, como p a rte te rm in a l do cano a lim e n tí
cio, p re s ta idêntico serviço à tripa.
A ssinalarem os m ais algum as p a rtic u la rid ad e s rela tiv as à fu n
ção em causa. P rim eiram en te, deve-se n o ta r que todos os orifícios
do corpo dela se a c h a m incum bidos, isto é, todos eles fac u ltam o
ingresso e a reposição n o organism o de um elem ento im p o rta n tís
simo, o a r; seja de fo rm a d ire ta , como sucede no caso de ouvidos,
nariz, hem orróia, im bigo, seja in d ire ta m e n te , conform e ocorre com
o goto e a güela — que dependem , p a ra ta n to , d a boca —, todos
cum prem com este papel.
Os referidos orifícios constituem , outrossim , os “pórticos” que
com unicam um in te rio r orgânico ao ex terio r que o tra n sce n d e; sem
su a existência, o corpo h u m an o como u n id ad e an atô m ica e fisioló
gica n ão p o d eria su b sistir — n ão só p o r fa lta de ventilação, m as
ain d a, e sobretudo, pelo isolam ento a que e s ta ria condenado. Os
ditos “pórticos” m erecem tam b ém considerações especiais no que
108
ta n g e ao tra ta m e n to a ser-lh es dispensado, pois precisam en te seu
c a rá te r de vias de com unicação e n tre dois “m u ndos” os assin ala
como p ontos de g ra n d e periculosidade. L em brem os que eles podem
vo ltar-se c o n tra as e s tru tu ra s que a ju d a m a s u ste n ta r, quando se
convertem no espaço que p erm ite invasões do exterior.
T ra ta n d o -se a in d a d a fun ção de v en tila r, m as alguns dados d e
vem ser m encionados. O crâneo/juízo, p o r exem plo, ven tila -se a t r a
vés de m ais de um “p órtico ”, como sucede, a té certo ponto, com
outro órgão cap ital, o coração. É aquele ven tila do atrav é s de ouvi
dos, nariz e im bigo. A ven tila çã o d estes órgãos m a n ife sta com c la
reza a tra n s c e n d e n ta l im p o rtâ n c ia a eles a trib u íd a , quando com pa
rados com os o u tro s in te g ra n te s do sistem a.
Além disso, e com a p e n a s um a exceção, é de se n o ta r que as
regiões em si se ve n tila m através de órgãos situ ados em o u tras r e
giões. Assim, a do crâneo da cabeça é ven tila d a p ela güela, órgão
localizado n a região do pescoço. A do estôm ago se ve n tila a trav és
de nariz e goto, situ ad o s n a região do crâneo da cabeça, e atrav és
do im bigo, que, como sabem os, se a c h a posto na da barriga. O goto,
situ ad o n a região do crâneo da cabeça, v e n tila a região do pescoço.
O im bigo co n stitu i a ú n ica exceção, pois, a p e sa r de situado n a região
da barriga tam b ém a ela ventila. Isto pode ju stific ar-se a p a r tir d a
consideração das com plexas e m ú ltip las funções oue cabem a este
órgão.
Dos q u atro que exercem a fun ção de filtr a r — bofe, rim , passari
n ha, p êndis — a p e n a s o últim o n ã o se a c h a colocado n a região do
estôm ago. O bofe te m o p ap el de filtra r os fluidos provenientes d a
região do crâneo da cabeça, d a região do estôm ago e d a região da
barriga. Os rins filtr a m a p en as os flu id o s da região do estôm ago. O
pêndis n ã o a tu a como u m filtro de u m a região, m as sim de u m órgão,
a tripa. F in a lm e n te a p assarinha filtra rá , a tra v é s de conexões com
a veia vertical-regional, o san g u e — que é visto como o m ais im
p o rta n te dos fluidos corporais. É evidente que os fluidos corporais de
todo tip o carecem d e sta função, pois, caso a m esm a não se exerces
se, eles iriam , p a u la tin a m e n te , converten d o -se em receptáculos de
m últip las im purezas, com as conseqüências nrevisíveis p a ra um n o r
m al fu n cio n am en to do corpo.
A função de com por ap ó ia-se n a p a rtic ip a ç ão de trê s órgãos,
todos eles sitos n a região do estôm ago. A p assarinha a tu a como com
positora de dois órgãos d a região do crâneo da cabeça — crâneo!
ju ízo e goto — e a in d a do figo. O bucho, p o r su a vez, é o com po
sitor de to d a a região do estôm ago. P o r últim o, o fe l compõe o figo.
109
O im bigo é, sem dúvida, o m ais im p o rta n te órgão de equilibração è
fortaleza. Tem a responsabilidade de d esem p en h ar e s ta função em
benefício d a ta leta do coração e dos rins. A hem orróia, como s e
gundo e últim o órgão incum bido deste papel, equilibra e fortalece
o im bigo.
Existem o u tra s funções que n ã o m encionam os a n terio rm e n te, as
quais, n em p o r isso — a n te s m uito pslo co n trário —, carecem de
im p o rtân cia. A arca da espinhela que, segundo dissem os, estabelece
a divisão e n tre a região do estôm ago e a da barriga, te m por função
o estam pism o. M erece g ran d e destaque, pois é a responsável pelo
processo vital. Sem ela, n ão existe o dom d a vida; e, por isso, ela
é m otivo de p ro fu n d as preocupações p a ra a m aioria dos profissionais
da M edicina T radicional.
O coração a tu a como gerador dos processos fisiológicos, n a m e
dida em que opera como c en tro de com ando da circulação san g ü í
nea. L ogicam ente, necessita, p a ra isso, d a a ju d a de outros órgãos, se-
segundo já tivem os o p o rtu n id ad e de observar; e n tre estes, m erece
ser re c o rd a d a a ta leta do coração-
Ao fa la r do crâ n eo /ju ízo , dam os p o r te rm in a d a a enum eração
de funções atrib u íd as, n este caso, a com ponentes do organism o h u
m ano. O d ito órgão tem a fun ção de tem p era r o corpo p a ra c o n
vertê-lo em h u m a n o ; em o u tra s p alav ras, é o responsável pelo to
que de precisão com que se pode estabelecer a d istâ n cia e n tre os
hom ens e os anim ais.
Não desejaríam o s a b a n d o n a r e sta p a rte do tra b a lh o sem m os
tra r, a tra v é s de um exemplo, como se in te rre la cio n a m as sobreditas
funções p a ra co n ferir existência ao corpo hum ano.
C onsiderem os, p o r exem plo, o crâneo, órgão que, p a ra desincum -
b ir-se de seu p ap el de tem p era r o corpo, deve a p o iar-se no d e se m
penh o de u m a seqüência de o u tra s funções por órgãos diversos.
A ntes de tudo, é preciso que a tu e a p assarinha como sua com
positora (do c râ n e o /ju ízo ) ; p a ra consegui-lo, deverá ela, p o r sua
vez, receber, pelo m enos, ventilação da güela. A ventilação do crâneo
se e fe tu a a tra v é s de ouvidos, nariz e goto. P o r ou tro lado, a região
em que o c râ n eo /ju ízo se e n c o n tra é filtra d a atra v é s do bofe —
órgão ven tila d o tam b ém a p a r tir de güela. F in alm en te, n a d a disso
poderia o co rrer ao órgão tem perador se n ã o viesse o sangue alim en
tá -lo a p a r tir das vein h a s do crâneo; ou se o sangue n ã o fosse fil
trado p ela passarinha, ao nível d a veia vertical-regional.
E sta explicação su c in ta p oderia c o n tin u a r in d efin id am e n te; e ao
cabo chegaríam os à conclusão de que, n a m edida em que cada órgão
110
se com preende, n este contexto, em relação com os outros e com suas
m ú ltip las funções, n a verdade aqui se descreve um sistem a a lta
m ente especializado de an átom o-fisiologia popular.
C onquanto a nível da percepção, a fisiologia e, em p artic u la r, a
a n a to m ia expostas p o r este1 profissional p o p u lar da saúde se a p re
sentem de fo rm a bem c la ra como resu ltad o de um em penho p ro
fissional, pensam os que a rep resen tação do corpo enfocada se m a
n ife sta no m ais p ro fu n d o acordo com um modelo com partilhado
popularm ente.
O corpo h u m a n o como um todo c o n tin u a aqui sendo percebido
como form ado p o r d uas á re a s to p o g ráficas indivisíveis, id ealm ente
equilibradas, fisiologicam ente in te r-a tu a n te s e fu n cio n alm en te in d e
p en d en tes: a cabeça e o corpo p ro p ria m e n te dito l-,
A cabeça é p ercebida como c o n tin e n te d a idéia, u m a á re a b a
sicam en te sem sangue, e de n a tu re z a fria ; o corpo, p o r oposição, p e r
cebe-se como co n tin e n te dos sen tim en to s e emoções, á rea b asica
m en te d o ta d a de sangue, de cor p re d o m in a n te verm elha, e quente.
O prim eiro é com andado pelo cérebro, o segundo pelo coração.
Todos os processos p e rtin e n te s deverão co n fo rm ar-se a um a a ju s
ta d a in terrelação , p o r ser e sta a ú n ica m a n e ira possível de p ro p i
ciar-se a co n tin u id ad e h arm ô n ica e n o rm a l da to talid ad e corpórea.
O corpo h u m an o c o n tin u a sendo, e no caso deste profissional
ain d a m elhor isto se evidencia, o modelo básico que exprim e e p e r
m ite com preender o m odelo do social. P or o u tra s palavras, é assim
que o Seo Pedro, seus colegas de especialidade, e aqueles que o
sucederão no tem po, se in d ag am e c o n tin u a rã o a in te rro g a r-se so
bre o universo d a anátom o-fisiologia, n ão a p en as p a ra com preendê-
-la, explicá-la e a b o rd a r-lh e os m últiplos problem as relativos à sa ú -
de-doença, m as tam b ém p a ra se explicarem a si m esm os e ao u n i
verso que os en cerra.
P a ra nós, Seo P edro co n stitu i um exem plo de profissional popu
la r que denom inam os de A natom ista. Não o cham am os d esta form a
p a ra fo rç a r um p aralelo com o p erito no cam po da ch a m a d a A na
tom ia C ientífica, m as n a convicção de que ele e seus colegas de es
pecialidade vêm a ser, no lídim o sen tid o d a p alav ra, anatom istas de
fa to — n o universo sócio -cu ltu ral onde se incluem , e n ã o m eras c a
ric a tu ra s daqueles que, em nosso cognocentrism o, consideram os os
únicos depositários de to d a a verdade sobre o corpo hum ano.
12 Ibánez-Novión, 1976.
111
Gráfico 1
114
Gráfico 4
115
Gráfico 5
Fig. 1 Fig-
Fig. 2
117
Gráfico 8
118
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