ECONOMIA BRASILEIRA
HELENA ANTÔNIA GUIMARÃES MOURA
FEAD
Belo Horizonte
2010
Publicado por FEAD
Copyright©2010 FEAD
Diretoria Geral
José Roberto Franco Tavares Paes
Capa
Jean Baptist Debret - Escravos carregando café
ISBN: 978-85-99419-56-4
I Título 1-Economia-Brasil
CDU: 336.2
A Faculdade FEAD apresenta novo projeto, fundamentado
em aspectos metodológicos da auto-aprendizagem, e inaugu-
ra os cursos de graduação na modalidade a distância.
Estudar na modalidade a distância é adquirir, além de co-
nhecimento do conteúdo apresentado, competências hoje exi-
gidas no campo profissional e pessoal: autonomia, interação,
determinação, gerenciamento da própria formação e atualiza-
ção continuada.
A Instituição que se propõe formar empreendedores apre-
senta atitude inovadora e ensina pelo próprio exemplo. O pro-
jeto FEAD de Educação a Distância vem sendo desenvolvido
desde 2004 e, agora, torna-se realidade.
Buscar atingir a meta da qualidade em todos os projetos
educacionais é o que move a comunidade FEAD. Projeto de
muitas mãos e mentes, trabalho conjunto de professores, co-
ordenadores, funcionários, empresas parceiras e direção, na
busca de produzir o que há de consubstancial em aprendiza-
gem na modalidade a distância.
Sinta-se, em definitivo, participante e construtor deste novo
tempo. Faça parte do seu mundo. Bem-vindo ao século XXI!
AULA 1
Objetivos
• Analisar as características fundamentais
da evolução da economia brasileira.
• Mostrar as transformações pelas quais
passaram a economia mundial após a
segunda grande guerra e como o Brasil
se inseriu nesse novo contexto.
• Relacionar o processo de industrialização
no Brasil com a grande depressão dos
anos de 1930.
ECONOMIA BRASILEIRA
10
AULA 1 • EVOLUÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA DO PERÍODO COLONIAL AO SÉCULO XX
11
ECONOMIA BRASILEIRA
12
AULA 1 • EVOLUÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA DO PERÍODO COLONIAL AO SÉCULO XX
Alguns autores, como Celso Furtado, por exemplo, porte a tal projeto. Além disso, é fundamental que haja
afirmaram que as crises no setor exportador foram bas- planejamento estratégico e conseqüentemente pesso-
tante oportunas para o crescimento da indústria nacio- as capazes de direcioná-lo e operacionalizá-lo.
nal. Vejamos por quê. A quebra da bolsa de Nova York Vejamos qual era a situação política do Brasil nessa
em outubro de 1929 dá início a um longo período de época. Estava em curso a República Velha comandada
crise da economia norte-americana e mundial, levan- por um estado descentralizado e oligárquico, e, para
do, por um lado, a uma redução na demanda e, como fazer a transferência de uma estrutura agrícola para
conseqüência, uma queda nos preços; por outro lado, uma industrial, era preciso, pelo que foi dito acima, uma
a retração dos mercados financeiros internacionais, di- grande alteração política, de forma que centralizasse
ficultando a obtenção de empréstimos para a compra o poder e os instrumentos de política econômica no
do excedente da produção, principal sustentáculo da governo federal. Esse papel foi desempenhado pela já
política de valorização do café. A crise de 1929, por- conhecida “Revolução de 30” que, através do fortaleci-
tanto, precipitou o fim do programa de defesa do café, mento do Estado Nacional e a ascensão de novas clas-
fortalecendo o processo de industrialização no país. ses econômicas ao poder, viabilizou a industrialização,
Assim, somente após a crise econômica mundial colocando-a como meta prioritária – um projeto nacio-
é que a indústria passa a ser o fator determinante da nal de desenvolvimento. O modelo de industrialização
dinâmica da economia brasileira. Como Furtado, Maria segue a estratégia do chamado “Processo de Industria-
da Conceição Tavares conclui que a crise dos anos de lização por Substituição de Importações” que, segundo
1930 foi o ponto de ruptura do funcionamento do mo- Tavares, pode ser assim entendido: “um processo de
delo primário exportador, ou seja, a economia deixa de desenvolvimento parcial e fechado que, respondendo
ser baseada em um produto primário (café) e voltada às restrições do comércio exterior, procurou repetir
para a exportação para se diversificar (industrialização) aceleradamente, em condições históricas distintas, a
e produzir para o mercado interno. A esse processo experiência de industrialização dos países desenvolvi-
deu-se o nome de “Industrialização por substituição de dos” (Tavares, 1972).
importações” (Tavares, 1972). Vamos entender direito essa história? Como já
vimos, a crise de 1930 iniciada nos Estados Unidos,
A FORMA ASSUMIDA PELA atinge o Brasil através da queda na demanda do café,
o que derrubou seu preço de forma drástica. Além dis-
INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL: so, a entrada de capitais sofre uma enorme reversão,
O PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO levando a uma grave crise no balanço de pagamentos
DE IMPORTAÇÕES brasileiro, pois as exportações caíram e a balança de
capital passou a ser negativa. O saldo desse processo
A crise dos anos de 1930 e a decadência do setor
para o Brasil foi a rápida ascensão da indústria, que
cafeeiro expõem a fragilidade da economia brasileira,
adota um modelo de desenvolvimento voltado para
dependente das exportações e de um único produto
dentro, isto é, que visa atender ao mercado interno.
agrícola. A mudança de modelo de desenvolvimento,
Bem, na próxima aula daremos prosseguimento a
ou seja, a implementação do processo de industrializa-
este assunto. Espero você, com força total, porque é
ção se coloca como a única forma de superar a depen-
um tema muito interessante. Tchau.
dência externa e, em conseqüência, o subdesenvolvi-
mento. É importante ressaltar que a industrialização
RESUMO
brasileira não se iniciou nesse momento (ela já se ha-
via iniciado desde o século XIX), mas só agora passa a Nesta aula estudamos a transição da economia
ser o principal objetivo da política econômica. brasileira de um modelo primário-exportador para um
Você deve imaginar que o esforço demandado para modelo industrial. Tivemos a oportunidade de compre-
implementar um processo dessa envergadura é imen- ender a influência da crise externa (a grande depres-
so. Imagine o tamanho do investimento, a necessidade são) sobre o processo de industrialização e as caracte-
de novas fontes de energia e matérias-primas; enfim, rísticas assumidas pelo processo de desenvolvimento
é preciso formar uma infra-estrutura capaz de dar su- brasileiro em função do modelo adotado.
13
ECONOMIA BRASILEIRA
ATIVIDADES
- Faça uma breve pesquisa sobre a revolução de
1930 e o populismo no Brasil e elabore um resumo
dos resultados de sua pesquisa.
- Quais as características da economia brasileira na
República Velha que justificam chamá-la de econo-
mia primário-exportadora?
- Explique o significado da expressão “deslocamento
do centro dinâmico” ocorrido na economia brasilei-
ra na década de 30.
REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, F.; MESQUITA, Maurício Nogueira
(Org.). A Economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia Brasileira: funda-
mentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
REGO; José Márcio; MARQUES, Rosa Maria (Org.).
Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2001.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Nova Cultural, 1996.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
2007.
TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de
importações ao capitalismo financeiro. Rio de Ja-
neiro: Zahar, 1972.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo,
Atlas, 2003.
14
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 2
Objetivos
• Mostrar a evolução do processo de
industrialização durante o governo
Vargas.
• Ressaltar as falhas na implantação desse
processo.
• Analisar o projeto nacionalista de
Vargas.
ECONOMIA BRASILEIRA
16
AULA 2 • O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL DURANTE O GOVERNO VARGAS
17
ECONOMIA BRASILEIRA
- Falta de sustentação política por parte da burgue- GIAMBIAGI, F.; MESQUITA, Maurício Nogueira
sia industrial. (Org.). A Economia brasileira nos anos 90. Rio de
- Escassez de fontes de financiamento devido à ine- Janeiro: BNDES, 1999.
xistência de um sistema financeiro necessário para GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
viabilizar os investimentos, em especial os estatais. porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
O sistema limitava-se aos bancos comerciais, a al- GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
gumas financeiras e aos agentes financeiros ofi- Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2007.
ciais como o Banco do Brasil e o BNDE. JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
- Carência de uma reforma tributária ampla, pois a
LANZANA, A. E. T. Economia Brasileira: funda-
arrecadação continuava centrada nos impostos mentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
de comércio exterior e era difícil ampliar a base
LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São
tributária, pois a indústria precisava de estímulos,
Paulo: Brasiliense, 1981.
a agricultura já fora bastante penalizada, e os tra-
balhadores, além de sua baixa remuneração, eram MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
parte da base de apoio do governo.
OLIVEIRA, Francisco de. A Economia Brasileira:
Diante desse quadro não restava alternativa senão
crítica à razão dualista. Disponível em:
a do endividamento externo, dando início a um grande
www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/a_economia_
problema que sempre caracterizou a economia brasi-
brasileira.pdf. Acesso em: 28 jun. 2006.
leira. que é a dependência dos países desenvolvidos.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
RESUMO damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
REGO; José Márcio; MARQUES, Rosa Maria (Org.).
- No encerramento desta aula pudemos perceber as Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2001.
dificuldades enfrentadas pelo Brasil no processo
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
de implantação de um novo modelo de desenvol-
Paulo: Nova Cultural, 1996.
vimento. Nesse sentido, concluímos que:
- o tipo de modelo usado pelo processo de industria- SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
lização tinha problemas estruturais, como a falta de
2007.
integração entre os vários setores da economia;
- a tentativa de implantação da indústria pesada pelo TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de
importações ao capitalismo financeiro. Rio de Ja-
governo Vargas enfrentou dificuldades políticas tí-
neiro: Zahar, 1972.
picas de um projeto nacionalista.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
ATIVIDADES nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo,
Atlas, 2003.
- Explique quais são os setores ou departamentos
da economia e o que caracteriza cada um deles.
- Qual a importância da Instrução 70 da SUMOC
para o processo de industrialização?
- Quais foram e em que consistiram as dificuldades
enfrentadas por Vargas na tentativa de implantar
no Brasil um projeto nacionalista de desenvolvi-
mento?
REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
18
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 3
Objetivos
• Explicar o significado do plano de metas
para o processo de industrialização
brasileira.
• Relacionar o Plano de Metas com a
implementação da indústria de bens de
consumo duráveis.
• Enumerar os principais atores desta fase
da industrialização.
• Mostrar a importância do capital
estrangeiro e estatal para a evolução da
indústria no Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA
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AULA 3 • A SEGUNDA FASE DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO: O PLANO DE METAS DE JUSCELINO KUBITSCHEK
da SUMOC (Superintendência da Moeda e Crédito), xas aceleradas, com razoável estabilidade de preços,
que permitia o investimento direto, sem cobertura cam- e em um ambiente político aberto e democrático. Foi
bial, isenções fiscais e reserva de mercado para os no- um dos poucos períodos em que estas características
vos setores industriais. Vamos entender melhor o que estiveram presentes na economia brasileira.
significou a Instrução 113 da Sumoc. Para isso, leia o
texto seguinte. PROBLEMAS DO PLANO
A questão do financiamento foi o maior problema
INSTRUÇÃO 113 DA SUMOC do Plano de Metas. Na ausência de uma reforma fiscal
A instrução 113 da Sumoc permitia a importação condizente com as metas e os gastos estipulados, o
de equipamentos sem cobertura cambial e governo lançou mão da emissão monetária, causando
favorecia a remessa de rendimentos para o alta da inflação. Na área de comércio externo ocorreu
exterior. Estas medidas coincidiram com uma déficit em transações correntes e aumento da dívida
situação particularmente favorável do ponto de externa. Devido ao desestímulo à agricultura por causa
vista internacional: a recuperação das economias do direcionamento dos investimentos para a indústria,
européias, num quadro de crescente competição
amplia-se a concentração de renda.
de suas empresas com as norte-americanas, fez
De acordo com os problemas acima citados, ape-
com que o Brasil se tornasse um mercado atrativo
sar da grande evolução da economia brasileira, o Plano
para a expansão desses capitais. É particularmente
expressiva a presença de empresas européias na de Metas expõe as contradições do Processo de Subs-
expansão industrial vinculada ao Plano de Metas, tituição de Exportações, deixando clara a necessidade
refletindo essa conjuntura internacional. de mudanças na estrutura institucional vigente.
21
ECONOMIA BRASILEIRA
Tomando-se, por exemplo, os países ou avançou. Porém, com o passar do tempo, tal processo
as empresas internacionais que concor-
se esgota, como afirmou Tavares:
reram à execução do Plano de Metas,
verifica-se que a participação inicial de O problema estratégico que se põe atu-
empresas do país capitalista hegemôni- almente para a economia brasileira e
co – os Estados Unidos – era irrisória: sobre o qual se sobrepõem os demais
elas não estiveram presentes na indús- problemas de curto prazo é o de que o
tria de construção naval, que se montou processo de substituição de importa-
com capitais japoneses, holandeses e ções, enquanto modelo de desenvolvi-
brasileiros; na indústria siderúrgica, que mento, já atingiu seu estágio final e se
se montou basicamente com capitais apresenta a necessidade de transitar
nacionais estatais (BNDE) e japoneses para um novo modelo de desenvolvi-
(Usiminas); sequer tinham participação mento. (TAVARES, 1972)
relevante na própria indústria automo-
bilística, que se montou com capitais Vamos entender melhor. Veja bem, a produção
alemães (Volkswagen, Mercedes-Benz),
franceses (Simca) e nacionais (DKW)”. de bens de capital (máquinas e equipamentos) e de
(OLIVEIRA, 1980) bens intermediários, apesar de ter crescido significati-
A partir de então, a produção industrial brasileira vamente, não chegou a gerar a autonomia necessária
referente aos setores de bens duráveis será dominada ao processo de industrialização, ou seja, o país não foi
pelas multinacionais. Quanto ao capital privado nacio- capaz de produzir o capital nem a tecnologia avança-
nal, este ficou com a produção de insumos e compo- da suficiente para sustentar o desenvolvimento. Dessa
nentes, ocupando uma posição de subordinado no pro- forma, dedicou-se à produção de bens leves, deixando
cesso de industrialização. Embora alguns setores de os mais pesados e especializados por conta das im-
importância (financeiro, mineração, serviços em geral, portações. Assim, desenvolveu-se uma enorme depen-
construção civil e agricultura) tenham permanecido em dência financeira e tecnológica com relação aos países
mãos de capitais nacionais, a enorme presença do ca- desenvolvidos.
pital estrangeiro no país, respondendo pela produção Essas contradições vão gerar uma queda no ritmo
de mais da metade dos bens de consumo duráveis e do crescimento econômico e faz surgir a primeira crise
uma grande parcela dos bens de capital e até mesmo econômica brasileira interna. E de novo na análise de
dos bens não duráveis, faz da economia brasileira uma Tavares (1972): “É indiscutível que a crise econômica
das mais abertas e internacionalizadas do mundo. Em pela qual a economia brasileira passou, em meados
nenhum outro país do mundo, com um parque indus- da década de 60, esteve estreitamente relacionada,
trial tão desenvolvido, verifica-se um controle externo no nível estrutural, com o esgotamento do dinamismo
tão grande da estrutura produtiva. da industrialização baseada na substituição de impor-
Neste momento podemos indagar quais os rumos tações.”
do capitalismo brasileiro? Quais expectativas podemos
ter em relação ao nosso processo de desenvolvimento,
RESUMO
com um grau de dependência tão grande em relação Nesta aula tivemos a oportunidade de compreen-
ao capital externo? Será que as crises vividas pela eco- der melhor a evolução do processo de industrialização
nomia brasileira e a dificuldade de romper com o sub- brasileira, em especial a segunda fase, que se deu no
desenvolvimento têm alguma relação com esse nível governo JK, no período 1956-1960. Período este mar-
de dependência? São questões importantes a serem cado pela introdução no país da indústria de bens de
pensadas, você não concorda? consumo duráveis, bens intermediários e de capital.
Esta fase é marcada pelo início da internacionalização
A CONSOLIDAÇÃO E EVOLUÇÃO da economia brasileira, em função da necessidade de
DA ESTRUTURA INDUSTRIAL capital e tecnologia avançada para dar continuidade ao
BRASILEIRA projeto de industrialização, já que o país não dispunha
desses dois fatores. O fato aprofundou o processo de
Considerando a América Latina e o conjunto dos dependência do país em relação aos países desenvol-
países não-industrializados, o Brasil foi a nação em vidos e expôs o esgotamento do modelo de industria-
que o Processo de Substituição de Importações mais lização.
22
AULA 3 • A SEGUNDA FASE DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO: O PLANO DE METAS DE JUSCELINO KUBITSCHEK
REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia:
teoria e aplicações à economia brasileira. São
Paulo: Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, F.; MESQUITA, Maurício Nogueira
(Org.). A Economia brasileira nos anos 90. Rio
de Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Con-
temporânea (1945-2004). São Paulo: Campus,
2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasilei-
ra Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/in-
dex.
LANZANA, A. E. T. Economia Brasileira: funda-
mentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica.
São Paulo: Brasiliense, 1981.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Con-
temporânea. São Paulo: Atlas, 1998.
OLIVEIRA, Francisco de. A Economia Brasileira:
crítica à razão dualista. Disponível em:
www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/a_econo-
mia_brasileira.pdf. Acesso em: 28 jun. 2006.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
REGO; José Márcio; MARQUES, Rosa Maria
(Org.). Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva,
2001.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia.
São Paulo: Nova Cultural, 1996.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira
Contemporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo,
Atlas, 2007.
23
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 4
Objetivos
• Relacionar a crise econômica dos anos
de 1960 com a crise política gerada pela
renúncia de Jânio Quadros.
• Compreender os pontos de
estrangulamento gerados pelo processo
de substituição de importações como
diretamente ligados à crise econômica.
• Entender a relação entre crise econômica
e concentração de renda.
ECONOMIA BRASILEIRA
26
AULA 4 • AS CRISES ECONÔMICA E POLÍTÍCA DOS ANOS SESSENTA
27
ECONOMIA BRASILEIRA
28
AULA 4 • AS CRISES ECONÔMICA E POLÍTÍCA DOS ANOS SESSENTA
Bem, além das questões já expostas, outros fato- MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
res vão contribuir para a crise econômica da década de porânea. São Paulo, Atlas, 1998.
60, como a ascensão inflacionária e o desestímulo ao PEREIRA, José Matias. Economia brasileira: fun-
investimento devido à instabilidade gerada pela renún- damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
cia de Jânio Quadros. REGO, José Márcio; MARQUES, Rosa Maria (Org).
Mas esse é assunto para nossa próxima aula. Até Economia brasileira. São Paulo: Saraiva, 2001.
lá... Aguardo você!
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
RESUMO
SENA, Eustáquio de; MOREIRA, João Carlos. Geo-
Nesta aula analisamos a crise dos anos de 1960 grafia Geral e do Brasil: espaço geográfico e glo-
no Brasil, tanto no âmbito econômico (o esgotamento balização. São Paulo: Scipione, 1998.
do modelo de substituição de importações), quanto SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
no âmbito político (as incertezas geradas pela re- temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
núncia de Jânio Quadros). Pudemos perceber que 2007.
o esgotamento do modelo econômico adotado pelo VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
Brasil não proporcionou ao país o desenvolvimento nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
desejado, ou seja, a melhora dos indicadores sócio- Atlas, 2003.
econômicos.
ATIVIDADES
1. Relacione a crise econômica da década de 60 com
a crise política.
2. Explique como os chamados “pontos de estrangu-
lamento” da economia brasileira na década de 60
contribuíram para gerar a crise.
3. Faça uma comparação entre os modelos de desen-
volvimento brasileiro e o modelo asiático (Tigres)
e explique por que o Brasil não conseguiu romper
com o subdesenvolvimento. Para responder a esta
questão, pesquise mais sobre os países e elabore
um texto seu sobre o assunto.
REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
29
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 5
Objetivos
• Conhecer as reformas instituídas pelo
governo através do PAEG.
• Compreender a importância do PAEG
para a consolidação do desenvolvimento
econômico brasileiro.
• Entender como as reformas do PAEG
formaram as bases do ”milagre
econômico” brasileiro.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
as massas populares urbanas que, depois de
E então, meu caro aluno, pronto para mais uma 1930, passaram a ser consideradas um elemento
estirada no conhecimento do nosso processo econômi- relevante no processo político.
co? Eu espero que você esteja com “gás total”, porque Qual o sentido da presença das classes
eu acho nosso assunto muito instigante. Vamos lá? populares na política? Para alguns cientistas
O golpe militar de 1964, com a conseqüente to- sociais, as crescentes massas populares
mada de poder pelos militares, representou o fim do urbanas, constituídas por operários da indústria
regime político populista no país e a imposição, de for- e por outros trabalhadores urbanos, não eram
ma autoritária, de uma solução para a crise política. Ao capazes de reconhecer seus interesses comuns
mesmo tempo, foram implementadas reformas institu- para propor uma forma própria e autônoma de
cionais como medida de superação da crise econômi- representação política. Por isso, eram facilmente
ca, através do chamado Plano de Ação Econômica do atraídas por um líder político que, ao identificar
Governo (PAEG). Veremos que esse plano, com suas suas angústias e aspirações, conseguiria captar
seu apoio, sua lealdade e, em conseqüência,
reforma, fornecerá as bases para o milagre econômico
seu voto. Ser getulista, janista, ademarista,
da década de 70.
brizolista, lacerdista, etc. envolvia, então, uma
Antes de começarmos a falar sobre a economia
devoção quase religiosa ao seu líder ou mesmo a
brasileira no período militar, é importante entender por
lealdade e o ardor de um torcedor de futebol por
que o período compreendido entre 1930-1964 ficou seu time. Dada, portanto, a natureza do Estado
conhecido como “populista”. Para isso vamos ler o se- populista, porque ele implementa uma política
guinte texto: de desenvolvimento industrializante? Uma
hipótese plausível pode ser formulada quando
O ESTADO POPULISTA observa que a política industrializante do Estado
populista vem acompanhada (ou é mesmo
O rápido crescimento da indústria após 1930
precedida) por outra política: a de centralização
modificou a dinâmica da economia brasileira e
do poder ou, mais propriamente, de reforço das
promoveu intensa urbanização, definindo uma
estruturas do Estado Nacional. Já no momento
nova realidade social. É principalmente em torno
imediatamente após a Revolução de 1930, este
destas novas camadas urbanas que se construiu
caráter da política ficou evidente. Principalmente
o Estado no período de 1930-1964.
sob o impulso do tenentismo, procurou-se não
É praticamente consensual, na historiografia só a centralização política e administrativa
brasileira, caracterizar esse período como (com o objetivo de contrapor-se ao poder das
populista, o que sugere, evidentemente, a oligarquias regionais), mas também buscou-se
presença significativa de algum elemento popular fortalecer o Estado Nacional: são importantes
na história da época, em clara oposição ao que tanto a construção do aparato burocrático
ocorreu na Primeira República. Entre 1930 e (ministérios, autarquias, empresas estatais,
1964, a política brasileira foi articulada em torno conselhos, comissões, normas burocráticas,
de políticos aos quais o rótulo “populista” adere etc.) quanto a consolidação do poder estatal em
perfeitamente: alguns bem sucedidos em suas áreas estratégicas, muitas vezes em oposição
intenções presidenciais – como Getúlio Vargas, ao interesse estrangeiro. Com esses dados, é
Juscelino Kubstcheck, Jânio Quadros e até mesmo possível definir o significado da política populista:
João Goulart -, outros cujas inserções nacional ou uma política de reforço das estruturas do Estado
regional foram igualmente importantes, mesmo sem
Nacional.
terem alcançado a proeminência dos anteriores,
como Ademar de Barros, Carlos Lacerda, Concluindo, o Estado populista caracteriza-se
Leonel Brizola, além de tantos outros de menor como um Estado mediador, intervém nas relações
expressão. É óbvio, o “sucesso” desses líderes, de classe, integra politicamente a classe operária
apesar de suas profundas diferenças, dependia e, ao mesmo tempo, priva-se de uma expressão
da existência daqueles a quem pudessem liderar: política autônoma.
32
AULA 5 • AS REFORMAS INSTITUCIONAIS DO PLANO DE AÇÃO ECONÔMICA DO
GOVERNO (PAEG) E AS BASES DO MILAGRE ECONÔMICO
Pois bem, o Estado representado pelo governo - Introdução da correção monetária no sistema tri-
militar vai assumir novas características, imprimindo à butário a fim de evitar o atraso no pagamento dos
economia características diferentes. Vamos entender débitos fiscais.
essa nova fase vivida pela economia brasileira. - Alteração do formato do sistema tributário e cria-
ção de novos impostos como o IPI (Impostos sobre
O PLANO DE AÇÃO ECONÕMICA Produtos Industrializados), o ICM (Imposto sobre
DO GOVERNO (PAEG) E AS Circulação de Mercadorias) e o ISS (Imposto so-
bre Serviços). Realocação dos impostos entre as
REFORMAS INSTITUCIONAIS diversas esferas do setor público. Assim, a União
O PAEG foi elaborado pela equipe econômica do ficou com o IPI, o Imposto de Renda, os impostos
governo do Marechal Castelo Branco, liderada pelos únicos, os impostos do comércio exterior, o Impos-
ministros Roberto Campos (Planejamento) e Octávio to Territorial Rural (ITR); os Estados ficaram com o
Gouveia de Bulhões (Fazenda). Os objetivos do PAEG ICM e os municípios, com o ISS e o IPTU (Imposto
consistiam em promover a retomada do crescimento sobre Propriedade Territorial Urbana). Além disso,
econômico, sendo para isso necessário: criaram-se também os fundos de transferência in-
tergovernamentais como o Fundo de Participação
- conter o processo inflacionário;
dos Estados e dos Municípios.
- atenuar os desequilíbrios setoriais e regionais;
- Criação de vários fundos parafiscais, como o FGTS
- aumentar o emprego através de mais investimen-
(Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e o PIS
tos;
(Programa de Integração Social) que se transfor-
- corrigir a tendência ao desequilíbrio externo.
maram em fontes de poupança compulsória para o
Porém, para alcançar esses objetivos, primeiro era governo.
necessário controlar a inflação, e isso só poderia ser
Esta reforma constituiu-se em importante ins-
conseguido através das reformas institucionais. A ne-
trumento político para o governo, na medida em que
cessidade de tais reformas estava relacionada com as subordinava os Estados ao governo central. Por outro
mudanças efetuadas na economia brasileira, ou seja, lado, permitiu uma descentralização dos gastos atra-
a transição de uma economia agrária para uma eco- vés da vinculação da receita e da criação de órgãos ao
nomia industrial. Você pode imaginar que muita coisa lado da administração direta.
teve que mudar para se adaptar a esse novo modelo.
Vamos analisar agora estas reformas. A REFORMA MONETÁRIA-
AS REFORMAS INSTITUCIONAIS FINANCEIRA
IMPLEMENTADAS PELO PAEG Esta reforma tinha como objetivo a criação de um
ambiente favorável à condução independente da polí-
As principais reformas instituídas pelo PAEG fo- tica monetária, ou seja, a criação no país de um mer-
ram: a reforma tributária, a reforma monetária e finan- cado de capitais que canalizasse as poupanças da so-
ceira e a reforma do setor externo. Vamos analisá-las ciedade para o comércio, a indústria, demais atividades
em detalhes. econômicas e para o próprio governo. Nesse sentido
foram tomadas quatro medidas:
A REFORMA TRIBUTÁRIA
- a instituição da correção monetária e criação da
Um dos principais objetivos dessa reforma era o ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacio-
aumento e a centralização da arrecadação de impos- nal). A primeira eliminaria as ineficiências do siste-
tos pela união para serem usados como instrumento ma financeiro causadas pela inflação, pois a pou-
de política de desenvolvimento, além de facilitar a con- pança feita pelo cidadão é usada para a ampliação
cessão de isenções e incentivos fiscais a determinadas da capacidade de financiamento da economia. A
atividades econômicas. Vejamos as medidas tomadas segunda, cuja variação determinava o índice de
nesse sentido. correção monetária, tinha por finalidade dar credi-
33
ECONOMIA BRASILEIRA
34
AULA 5 • AS REFORMAS INSTITUCIONAIS DO PLANO DE AÇÃO ECONÔMICA DO
GOVERNO (PAEG) E AS BASES DO MILAGRE ECONÔMICO
ATIVIDADES
1. Quais foram os principais objetivos do PAEG?
2. Liste as reformas institucionais implantadas pelo
PAEG e seus principais objetivos.
3. Podemos dizer que o PAEG atingiu seus objetivos?
Por quê?
REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas:
estratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Paulo
01/04/1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
ón Economia de la Universidad Nacional Autónoma
de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas,2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo, Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.
35
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 6
Objetivos
• Entender o milagre econômico e relacioná-
lo com as reformas empreendidas pelo
PAEG.
• Conhecer as características do primeiro
período do milagre econômico (1968-
73).
• Identificar as principais fontes de
crescimento do período do milagre.
• Perceber como se deu o início do processo
de endividamento externo brasileiro.
• Reconhecer o aumento da participação
e intervenção do setor público na
economia.
• Relacionar concentração de renda e
milagre econômico.
ECONOMIA BRASILEIRA
38
AULA 6 • O BRASIL NA DÉCADA DE 1970: O MILAGRE ECONÔMICO
39
ECONOMIA BRASILEIRA
O AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO DO
o lançamento de títulos de empresas públicas e
ESTADO NA ECONOMIA
privadas no exterior.
Durante o período do milagre econômico, pode-
Se a balança de capitais registrar um saldo
mos observar um recrudescimento, um agravamento
(positivo) maior que o saldo (negativo) da balança
de transações correntes, diz-se que o país tem da participação do Estado na economia, tanto no que
um superávit na balança de pagamentos; em diz respeito ao controle dos preços quanto ao nível de
caso contrário, terá um déficit. investimento. Podemos perceber esse fenômeno atra-
vés dos seguintes aspectos:
(Lanzana, 2002.)
- O Estado assume o controle sobre os principais
preços da economia como: câmbio, salário, juros, tari-
Espero que com a leitura do texto acima você pos- fas, etc.
sa entender melhor o desempenho da economia bra- - O Estado passa a ser um dos maiores aplicadores
sileira no período do milagre econômico. Vamos cami- de recursos na economia, seja através dos investimen-
nhar mais um pouco? tos da administração pública e das empresas estatais,
como também através da captação de recursos finan-
O INÍCIO DO PROCESSO DE ceiros (fundos de poupança compulsória, títulos pú-
ENDIVIDAMENTO EXTERNO blicos, cadernetas de poupança, agências financeiras
estatais), dos incentivos fiscais e dos subsídios.
BRASILEIRO
Ao longo do milagre econômico, podemos observar
CONCENTRAÇÃO DE RENDA E
um grande aumento do endividamento externo brasi- MILAGRE ECONÔMICO
leiro, apesar do equilíbrio da balança comercial. Uma Apesar do crescimento acelerado, o milagre econô-
das explicações para o fato seria o excesso de liqui- mico brasileiro foi muito questionado em seus aspectos
dez internacional e, conseqüentemente, a baixa taxa sociais. Porém, antes de tratarmos das críticas que se
de juros, o que tornava os empréstimos bastante atra- fizeram a esse “milagre”, gostaria de explicar a diferen-
entes. Em meados da década de 60, surge na Europa ça entre crescimento e desenvolvimento. Você sabe
o Euromercado, isto é, o mercado europeu do dólar, qual é? Vamos lá!
criado devido ao processo de expansão internacional Desenvolvimento se traduz na mudança qualitati-
dos bancos americanos, numa tentativa de fugir às va das condições de vida da maioria da população de
restrições impostas pelo Banco Central americano. O um país. Porém, a partir de um determinado ponto do
resultado foi uma acentuada queda das taxas de juros tempo, os estudiosos da teoria do desenvolvimento
e dos spreads, bem como a dilatação dos prazos. econômico começaram a perceber que taxas altas de
crescimento com a melhoria dos índices de produção
SPREADS BANCÁRIOS não levavam necessariamente ao aumento do bem-es-
Por outro lado, as taxas de juros internas encontra- tar da população.
vam-se bastante elevadas devido à reforma financeira Durante o milagre econômico brasileiro ocorre
implementada pelo PAEG. Além disso, o sistema finan- exatamente esse fato, ou seja, o grande crescimento
ceiro brasileiro, em particular o setor privado, nunca econômico registrado no período beneficiou somente
esteve direcionado para o financiamento produtivo de as classes de maior renda, gerando um fenômeno per-
longo prazo. Sendo assim, acontece o endividamento sistente na economia brasileira que é a concentração
através da captação de recursos externos e seu repas- de renda.
se para as empresas nacionais. De acordo com a chamada “Teoria do Bolo,” criada
Em outras palavras, Cruz (1984) afirma que: “A por Delfim Netto, a concentração de renda seria ne-
economia brasileira foi capturada, juntamente com vá- cessária para aumentar a capacidade de poupança da
rias outras economia, num movimento geral do capital economia, financiar os investimentos e, em conseqüên-
financeiro internacional em busca de oportunidades de cia, o crescimento econômico, para que posteriormen-
valorização.” te todos pudessem usufruir desse crescimento. Mas o
40
AULA 6 • O BRASIL NA DÉCADA DE 1970: O MILAGRE ECONÔMICO
fato é que houve um agravamento de todo o quadro MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
social no país, sem precedentes na história econômica porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
do Brasil, o que era absolutamente incompatível com o PEREIRA, José Matias. Economia brasileira: fun-
crescimento econômico. Daí que crescer não significa damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
exatamente desenvolver-se. Você entendeu? Cresce SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
a economia (com concentração da renda nas mãos de Paulo: Best Seller, 2002.
pouquíssimos), mas não se desenvolve a qualidade de
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
vida da população. temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
RESUMO VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Estudamos nesta aula um período importante da Atlas, 2003.
economia brasileira, denominado de “Milagre Econômi-
co”. Vimos que tal período foi caracterizado pelas mais
altas taxas de crescimento já vistas na economia do
país. O milagre econômico foi o resultado da conjuga-
ção de dois fatores, um ambiente interno propício favo-
recido pelas reformas do PAEG e condições externas
bastante favoráveis.
ATIVIDADES
1. Quais os principais setores da economia respon-
sáveis pelo crescimento econômico do período do
milagre?
2. Qual a origem dos investimentos que financiaram o
milagre brasileiro?
3. Explique o significado da “Teoria do Bolo”
4. Quais foram as principais críticas feitas ao mila-
gre?
REFERÊNCIAS
LANZANA, Antonio Evaristo Teixeira. Economia
brasileira: fundamentos e atualidade. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2002.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
41
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 7
Objetivos
• Compreender os principais objetivos do
II Plano Nacional de Desenvolvimento -
PND.
• Perceber a importância dos financiamentos
externos para a execução do plano.
• Discutir os limites e contradições do II
PND.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÂO
mais drástico da economia doméstica. Portanto,
Após os anos de prosperidade do milagre (1968- a manutenção do milagre econômico, em fins de
1973), o Brasil passa por uma crise conjuntural na eco- 1973, dependeria cada vez mais de uma situação
nomia. Para contorná-la, o governo militar lança o II externa favorável, a qual foi interrompida pela
PND que, além desse objetivo, tinha como meta supe- crise internacional desencadeada pelo primeiro
rar o subdesenvolvimento do país, através da elimina- choque do petróleo em 1973, quando os países
ção dos já mencionados pontos de estrangulamentos. membros da OPEP quadruplicaram o preço do
barril do petróleo. Em nível interno, a situação
O II PND (PLANO NACIONAL DE política aparecia como uma complicação adicional;
a crise mostrava os limites políticos do modelo
DESENVOLVIMENTO) do milagre. Em ano de mudança de presidente,
Em 1974, assume o governo o general Geisel, que começava a surgir várias pressões por melhor
distribuição de renda e maior abertura política, o
tinha como principal objetivo a manutenção do cresci-
que gerava certo imobilismo no Estado.
mento econômico gerado pelo milagre. Como você já
deve ter percebido, por todos os estudos e leituras que Assim, em 1974, o debate sobre o que fazer
já fez sobre história e economia brasileiras, no final de em relação à economia situou-se na dicotomia
cada ciclo econômico pode ser observado o ressur- “ajustamento X financiamento”. O choque do
gimento de problemas estruturais. Em fins de 1973, petróleo significava transferência de recursos
temos de volta alguns desequilíbrios que vão causar reais ao exterior e, com a existência de um “hiato
pressões inflacionárias e problemas na balança comer- potencial de divisas”, a manutenção do mesmo
cial. Foi dito anteriormente que uma das causas do mi- nível de investimento trazia a necessidade
lagre econômico foi a situação externa favorável, você de maior sacrifício sobre o consumo, e, para
alcançar as mesmas taxas de crescimento do
se lembra? Pois bem, acontece que a crise internacio-
período anterior, seria necessária maior taxa de
nal, desencadeada pelo choque do petróleo, afetará a
investimento.
continuidade do crescimento econômico brasileiro. No
texto seguinte veremos quais foram as conseqüências Neste contexto, percebe-se que as opções de
da crise do petróleo para a economia brasileira. Leia-o crescimento se haviam estreitado, e a tendência
com atenção. natural da economia seria a desaceleração da
expansão.
OS IMPACTOS DA CRISE DO PETRÓLEO NA
Texto adaptado de: LANZANA (2002); GREMAUD
ECONOMIA BRASILEIRA
(1997).
A situação extremamente favorável à economia
brasileira foi interrompida em 1974, com a
crise do petróleo, culminando com substancial A partir de1974 verifica-se um aumento das taxas
aumento dos preços do produto e conseqüente de inflação, que chegam a atingir 40% ao ano. Além
deterioração das relações de troca do Brasil. disso, a ampliação das importações de petróleo, bens
Ao contrário dos países do mundo ocidental, que de capital e insumos básicos vão gerar um déficit no
procuraram adotar políticas de ajustamento com saldo de transações correntes e, como conseqüência, o
o objetivo de reduzir a dependência do petróleo, governo terá que queimar reservas para cobri-lo. Esse
os condutores da política econômica brasileira quadro traz à tona o grau de vulnerabilidade externa da
optaram pela manutenção do crescimento economia brasileira.
da produção de bens e serviços, embora em Portanto a retomada do crescimento só seria pos-
ritmo inferior ao observado no período anterior.
sível com a superação dos estrangulamentos estrutu-
Entende-se claramente essa preocupação à
rais tais como o desenvolvimento do setor de bens de
medida que a inexistência de uma estrutura de
seguro-desemprego tornaria extremamente capital e intermediários. Uma outra questão importante
custoso do ponto de vista social um ajustamento a ser resolvida era a grande concentração de renda,
pois em um sistema capitalista o consumo é um ele-
44
AULA 7 • A SEGUNDA FASE DO MILAGRE ECONÔMICO: O II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (II PND)
mento primordial. Mas como ter consumo com a renda logicamente, subsidiadas pelo Estado, o qual também
concentrada? garantia o mercado consumidor.
No âmbito político, a situação também era difícil,
pois era período de eleições, o povo reivindicava me- O PAPEL DO FINANCIAMENTO
lhores condições de vida e maior abertura política. Sen- EXTERNO NO II PND
do assim, para o governo, era primordial dar continui-
Apesar da prioridade dada ao financiamento exter-
dade ao ciclo de crescimento econômico anterior. no, houve uma grande participação de empréstimos ex-
É nesse contexto que foi lançado o II PND, elabora- ternos no financiamento do II PND, através dos petro-
do pela equipe do então ministro do Planejamento João dólares. Vamos entender o que são os petrodólares.
Paulo dos Reis Velloso. Os autores do plano partiam do
pressuposto de que a crise da economia mundial era PETRODÓLAR
passageira e por isso valeria a pena correr o risco de
Nome dado às divisas (geralmente em dólar)
aumentar provisoriamente o déficit comercial e a dívida
provenientes da exportação de petróleo. O
externa, desde que fosse construída uma estrutura in-
termo difundiu-se em 1973, quando a OPEP
dustrial avançada, a qual pudesse permitir a superação (Organização dos Países Exportadores de
da crise econômica e do subdesenvolvimento. Assim, Petróleo), entidade sob controle árabe, elevou
diante da crise política – derrota da ARENA (partido do de três para doze dólares o preço do barril de
governo) para o MDB (partido de oposição), o gover- óleo cru, ocasionando um enorme afluxo de
no abandonou a tentativa de ajustamento e optou pela divisas para os países exportadores. Mas vários
continuidade do processo de crescimento econômico, milhões desses petrodólares não encontraram
materializado através do II PND. aplicação dentro das limitadas estruturas
econômicas de alguns países membros da OPEP
OBJETIVOS DO II PND e retornaram ao Ocidente, injetados nos bancos
e grandes financeiras com sede nos países mais
O principal propósito do II PND era promover uma industrializados. Foi a origem da grande liquidez
transformação estrutural na economia brasileira, isto é, do mercado financeiro internacional, que durou
construir uma estrutura industrial avançada que possi- até o fim dos anos 70, liquidez essa que foi
bilitasse a superação não só da crise econômica, mas responsável pelo extraordinário crescimento da
também do subdesenvolvimento. Para tanto, algumas dívida externa ao longo do milagre econômico
atitudes eram necessárias: priorizar o setor energético brasileiro.
através do aumento da prospecção de petróleo, au- (SANDRONI, 1996)
mentar a produção de energia elétrica e nuclear, incre-
mentar os setores siderúrgico e petroquímico e dinami-
zar a indústria de bens de capital. É consenso entre a maioria dos economistas bra-
Essas medidas visavam a manutenção do cresci- sileiros que o grande crescimento da dívida externa
mento econômico em torno de 10% ao ano, com cres- brasileira durante o período do milagre se deu mais em
cimento industrial de 12% a.a. Para conseguir atingir os função do excesso de liquidez externa, já que a balan-
objetivos, o governo contava com o apoio das empre- ça comercial permaneceu equilibrada, e o déficit exter-
sas estatais, para desempenhar o papel de produtoras no a ser financiado não era significativo. Nesse sen-
e consumidoras dos produtos industriais do setor priva- tido, é importante evidenciar algumas particularidades
do. Os investimentos via BNDE seriam destinados às na questão do financiamento do II PND. Às empresas
grandes empresas de bens de capital do setor privado estatais foi restringido o crédito interno e imposta uma
nacional, cabendo às Empresas Multinacionais (EMNs) política de contenção tarifária, visando a contenção da
o papel de coadjuvantes no processo, pois elas não es- inflação, mas forçando-as ao endividamento externo.
tariam interessadas em realizar grandes investimentos Assim, o Estado iniciou um processo que ficou conhe-
em um período de crise internacional. Portanto, as em- cido como a “estatização da dívida”, socializando todos
presas nacionais de bens de capital tiveram a grande os custos do II PND. Isto quer dizer que a sociedade,
oportunidade de produzir bens mais sofisticados tecno- a população é quem pagou essa dívida. A situação se
45
ECONOMIA BRASILEIRA
46
AULA 7 • A SEGUNDA FASE DO MILAGRE ECONÔMICO: O II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (II PND)
47
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 8
Objetivos
• Conhecer a situação econômica brasileira
no final da década de 1970 e início de
1980.
• Analisar os efeitos da mudança do
ministro do Planejamento, caracterizando
a política econômica de Delfim Netto
à frente da SEPLAN (Secretaria do
Planejamento).
• Identificar a recessão brasileira no período
1981-1983 e a crise da dívida externa.
• Mostrar como se deu o processo de
retomada do crescimento em 1984.
ECONOMIA BRASILEIRA
50
AULA 8 • A CRISE DA DÉCADA DE 80: (1981 – 1983) – RECESSÃO BRASILEIRA E CRISE EXTERNA
51
ECONOMIA BRASILEIRA
bancos de que a economia brasileira realizaria seu pro- ranhado da dívida externa, elevadas taxas de inflação
cesso de ajustamento e teria condições de arcar com e crise do Estado. Além da estagnação econômica e
os compromissos assumidos. da aceleração inflacionária, a dívida externa agravou o
Dentro dessa ótica, pode-se perceber que a polí- conflito distributivo.
tica do FMI, exclusivamente em termos de setor exter-
no, buscava eliminar o déficit da balança de transações A RETOMADA DO CRESCIMENTO
correntes. Isso significa dizer que o país teria condi- (1984)
ções de pagar integralmente os juros da dívida, sem Apesar da profunda recessão causada pelo pro-
precisar de “dinheiro novo”. cesso de ajustamento, no tocante ao comércio exterior
Como já foi citado, grande parte do déficit em conta observou-se uma grande reversão no saldo da balan-
corrente da economia brasileira é determinado pelos ça comercial, que passou de um déficit em 1980 para
juros da dívida externa. Uma vez que a taxa interna- superávits de US$ 6,5 bilhões, atingindo um recorde
cional de juros independe da política doméstica, todo o de U$ 13 bilhões em 1984. Esse crescimento das ex-
processo de ajustamento é dirigido no sentido de obter
portações, em meio a um processo de ajustamento,
superávits comerciais (estímulo às exportações e/ou
pode ser explicado, em alguma parte, pelo sucesso do
redução das importações).
II PND que favoreceu o processo de substituição de
A partir de 1982, também o Brasil vai se tornar alvo
importações, criando setores com competitividade ex-
da fiscalização do FMI e, portanto, a partir de então, co-
terna e gerando elevação das exportações.
locará em prática uma política de ajustamento externo
Por outro lado, a recuperação da economia ameri-
que se baseava em:
cana, a partir de 1984, também influenciou a retomada
- contenção da demanda agregada por meio da re-
do crescimento da economia brasileira que, além do
dução dos gastos públicos, aumento da taxa de
aumento das exportações, beneficiou-se da expansão
juros interna, restrição do crédito e redução do sa-
da renda agrícola, em função de uma forte alta nos pre-
lário real;
ços dos produtos primários, possibilitando as compras
- necessidade de tornar a economia do país atraente
de insumos e maquinários.
ao setor externo e, para tanto, há uma desvaloriza-
No período de 1981/1983, o setor de bens de ca-
ção do cruzeiro para elevar o câmbio e um aumen-
pital encolhe 55%, praticamente anulando o seu cres-
to dos preços dos derivados de petróleo.
cimento ocorrido durante o II PND. Para os críticos do
Como você pode observar, a política de ajustamen-
to feita pelo Brasil consistia em organizar a economia PSI, isso era resultado da pouca competitividade da
a fim de gerar superávits para fazer frente à dívida ex- indústria brasileira causada pelas próprias caracterís-
terna, ou seja, a prioridade seria o pagamento da dívi- ticas do processo. Porém a retomada do crescimento
da mesmo que para isso fosse preciso sacrificar todo em 1984, estimulado pelo aumento das exportações e
o país. Assim, o resultado foi uma profunda recessão, pelo pouco crescimento das importações, colocou em
com baixo crescimento econômico e queda na renda dúvida a credibilidade desses argumentos e de seus
per capita no período de 1981 a 1983. No que diz res- defensores. Mas essa discussão voltará ao centro dos
peito ao comércio exterior, a política de ajustamento foi debates no final da década de 1980.
bem sucedida. O saldo da balança comercial passa de É importante salientar que todo o processo de ajus-
um déficit em 1980 para superávits recordes em 1984, tamento aconteceu num ambiente de abertura política,
confirmando o objetivo do plano. em que a sociedade se envolveu no debate sobre a
Podemos afirmar que a crise vivida pelo Brasil na condução da política econômica pelo governo. O resul-
década de 1980 está intimamente relacionada com tado da insatisfação popular foi confirmado nas urnas,
o processo de endividamento externo. Esse proces- quando o partido do governo (ARENA) foi derrotado
so levou a economia a uma espiral inflacionária que nos principais estados, nas eleições para governado-
provocou uma queda nos níveis de poupança do setor res em 1982. O povo não estava mais disposto a acei-
público, criando um ambiente de incertezas que dificul- tar o ônus do ajustamento e nem a abdicar do cresci-
tou a retomada dos investimentos. É como se o Brasil mento econômico em função do pagamento da dívida
tivesse perdido o controle sobre o seu destino no ema- externa.
52
AULA 8 • A CRISE DA DÉCADA DE 80: (1981 – 1983) – RECESSÃO BRASILEIRA E CRISE EXTERNA
Bom, ficamos por aqui. Até a próxima aula! GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
RESUMO JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
Esta aula nos mostrou a estreita relação entre a LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
chamada “década perdida” e o processo de endivida- tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
mento externo brasileiro. Esse processo foi acelerado MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
a partir do milagre econômico e a entrada dos recursos porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
externos. Com o primeiro choque do petróleo, a dívida PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
aumenta em função do financiamento dos déficits em damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
transações correntes do país. O segundo choque do SANDRONI, PAULO. Dicionário de economia. São
petróleo, juntamente com o aumento dos juros exter- Paulo: Best Seller, 2002.
nos, eleva a dívida a patamares inaceitáveis, desestru-
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
turando profundamente a economia brasileira, condu- temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
zindo o país à hiperinflação. 2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
ATIVIDADES nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.
1. Qual era a situação da economia brasileira e mun-
dial no início da década de 1980?
2. Fale sobre as razões que levaram à saída do minis-
tro Simonsen do Ministério da Economia e à entra-
da de Delfim Netto naquele ministério.
3. Quais as principais medidas tomadas pelo ministro
Delfim Netto em 1979?
4. Faça um breve comentário sobre o agravamento
da dívida externa brasileira na década de 1980.
5. Explique quais os principais fatores que alavanca-
ram o crescimento econômico em 1984.
REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Paulo,
São Paulo, 01 abr.1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M. A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
ón Economia De La Universidad Nacional Autónoma
de México, 2007. v LXVI, p. 61-96.
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Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
53
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 9
Objetivos
• Compreender o esgotamento do modelo
de desenvolvimento baseado na
intervenção do estado na economia.
• Entender como se deu o processo de
estatização da dívida externa brasileira.
• Identificar as principais características do
processo de especulação financeira na
economia brasileira a partir do final da
década de 1970, analisando o impacto
desse processo na economia do país.
ECONOMIA BRASILEIRA
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AULA 9 • A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA DA DÉCADA DE 1980 NO BRASIL
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ECONOMIA BRASILEIRA
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AULA 9 • A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA DA DÉCADA DE 1980 NO BRASIL
O ano de 1968 foi quando o processo de endivida- aumentar e em 1975 já supera a metade dos recursos
mento externo brasileiro começou a se agravar. As jus- captados. Para isso, o governo restringiu o acesso de-
tificativas do período, do ponto de vista externo, giram las ao crédito interno, levando-as ao endividamento ex-
em torno das transformações do sistema financeiro in- terno, em busca de recursos que serviriam para fazer
ternacional e da ampla oferta de capitais. Em relação às frente à escassez de financiamento. Para o setor pri-
condições internas, temos a ausência de financiamento vado, é oferecida a oportunidade de repassar ao setor
de longo prazo na economia brasileira. Este período foi público suas dívidas em dólar Com isso, dá-se o início
marcado pelo início do processo de internacionaliza- do processo de estatização da dívida externa.
ção financeira do Brasil, materializado pela reforma da
política externa através da lei nº 4.131, que dava às A ESPECULAÇÃO FINANCEIRA
empresas acesso direto ao sistema financeiro interna- Coexistiam no Sistema Financeiro Nacional pós-
cional, e da resolução nº 63, que facilitava a captação 64, três moedas: o setor real (operação com correção
do dinheiro externo através dos bancos comerciais. monetária a posteriori – operações fiscais e financeiras
O primeiro choque do petróleo é o marco do pro- do governo); o setor nominal (operações pré-fixadas,
cesso de endividamento externo da década de 1970, contratos – instituições financeiras privadas e bancos
na medida em que gera uma grande instabilidade no governamentais) e as operações com moeda estran-
cenário internacional, afastando os credores privados. geira (taxa de câmbio não flutuante), em que só se po-
Entra em cena, então, o Estado como principal toma- dia operar com a autorização do Banco Central, que
dor, com o objetivo de financiar o II PND. Vejamos o assumia o risco de existirem ou não reservas no mo-
que diz Cruz sobre esse fato: mento do vencimento. Nesse segmento, só operavam
“Os resultados (...) sugerem que a perda
as grandes instituições que, no caso de encontrarem
de posição relativa das captações pri- tomadores domésticos, poderiam aplicar em LTNs ou
vadas decorreu, fundamentalmente, da devolver ao Banco Central, que se responsabilizariam
desaceleração das taxas de crescimento
do produto e da redução das inversões pelos encargos.
privadas, à medida que ambas afetaram A expansão do sistema financeiro privado brasileiro
negativamente a demanda de créditos em
não se deu da forma convencional, ou seja, na relação
cruzeiros, inclusive em sua componente
externa. Por outras palavras, enquanto o com os financiamentos realizados, mas numa simbiose
ritmo de crescimento do produto se man- entre endividamento externo e endividamento público.
tém acelerado, a demanda por crédito
exercida pelo setor privado é capaz de Está meio confuso? Vamos tentar entender: para se
garantir um ingresso significativo de re- proteger da inflação gerada pelos choques externos,
cursos externos. Num segundo momento, o setor privado captava recursos do exterior e aplicava
quando a taxa de crescimento do produto
experimenta uma trajetória de desacele- em títulos públicos que tinham garantia de liquidez, tor-
ração numa conjuntura onde, contradito- nando assim fonte de especulação. Outra fonte eram
riamente, se ampliam as necessidades de
recursos externos, as captações privadas as grandes empresas, inclusive as públicas, que usa-
não crescem, o que determina uma parti- vam o seu poder de mercado para acumular lucros ex-
cipação cada vez maior do setor público cessivos. Esses lucros eram destinados à especulação
como única forma de assegurar ingressos
massivos de recursos externos.” (CRUZ, financeira, conjugando os interesses do capital produti-
1984, p. 113) vo com o especulativo. Nesse sentido, Tavares (1983)
Portanto, a partir de 1974/79, a dívida externa che- afirma que:
ga a US$ 40 bilhões, gerando um fenômeno que ficou Numa estrutura industrial oligopolística,
conhecido como a “estatização da dívida externa bra- a falta de oportunidades de investimen-
tos libera recursos financeiros. Ainda que
sileira”. Vamos tentar entender. Acompanhe-me: para reduzidos, os lucros da atividade produti-
garantir o suporte financeiro do II PND, o governo ten- va são maiores que as necessidades de
investimentos, dadas as expectativas de
tará garantir o financiamento das empresas estatais e demanda. Tais excedentes financeiros
do setor privado, principais atores envolvidos no proje- ingressam no mercado de capitais e são
parcialmente absorvidos pelos projetos
to. Entre 1972/74, a participação média das empresas estatais de investimentos. Naturalmente,
estatais na captação de recursos externos começa a isso se torna possível mediante genero-
59
ECONOMIA BRASILEIRA
sas correções monetárias e juros ade- de todo o processo. Os condicionantes da crise, como
quados. Este mercado, como se vê, é um
o choque do petróleo, o aumento da dívida externa e a
convite irresistível à especulação. Daí
decorrem três conseqüências: primeiro, escalada da inflação levam o Estado a uma crise fiscal
a especulação e o investimento entram sem precedentes na história econômica do país. A prin-
em competição, sendo que mecanismos
financeiros, concebidos para estimular a cipal herança desse período foi a hiperinflação, conse-
produção, gradualmente transformam-se qüência e causa de inúmeras distorções da economia
em obstáculos à recuperação econômi-
brasileira desde então.
ca. Em segundo lugar, os retornos das
grandes companhias contêm agora um
componente monetário importante, e a ATIVIDADES
interdependência entre o Estado e os
interesses privados torna-se mais com- 1. Faça uma breve pesquisa sobre os modelos de
plexa e profunda. Em terceiro lugar, os
recursos públicos tornam-se escassos. industrialização alemão, japonês e brasileiro, des-
A dívida interna, aumentada por corre- tacando as diferentes atuações do Estado em cada
ções monetárias, subsídios e juros a
pagar, absorve uma proporção cada vez um deles.
maior dos recursos estatais. Para tocar
as coisas, há que recorrer a financia- 2. Que motivos levaram ao crescimento da dívida ex-
mentos externos. Enormes empréstimos
em moeda são contraídos por empresas terna brasileira a partir dos
públicas e privadas. Esse é um dos prin- anos de 1970?
cipais fatores explicativos da magnitude
extraordinária da dívida externa. O custo
total do dinheiro sobe, e uma proporção 3. Como se deu o processo de estatização da dívida
crescente do PNB é apropriada pelo se- externa brasileira?
tor financeiro.
Esse processo leva a um círculo vicioso, no qual 4. Relacione desequilíbrio externo, crise fiscal do Es-
o aumento da dívida externa gera a necessidade cres- tado e escalada inflacionária no Brasil a partir da
cente de novos recursos para sua conservação, forçan- década de 1970.
do a manutenção de altas taxas internas de juros para
estimular a captação. Assim, os juros em patamares 5. Explique o processo de especulação financeira no
elevados tornam os títulos mais atraentes, aumentando Brasil no período estudado.
o montante de capital destinado ao sistema financei-
ro. O círculo especulativo é fechado com a expansão REFERÊNCIAS
do endividamento público para garantir a valorização
financeira dos recursos destinados ao mercado de ca-
ABREU, MARCELO PAIVA. Duas décadas perdidas:
pitais.
estratégias confusas fazem desempenho econômico
A respeito da especulação financeira, Tavares medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
e Belluzzo (1983) afirmam que o sistema financeiro lo, São Paulo, 01 abr.1999.
brasileiro foi incapaz de financiar o sistema produtivo.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
Porém, paradoxalmente, a sua participação no PIB do oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
país ficava acima da participação de países desenvol- Alínea e Átomo, 2006.
vidos. Concluindo, o sistema financeiro brasileiro se
sofisticou em função da aceleração inflacionária e da BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Uma interpreta-
especulação financeira, tornando-se concentrador de ção da America Latina: a crise do estado. NO-
renda e de poder político, o que levou a inúmeros pro- VOS ESTUDOS CEBRAP, nº 37, nov. 1993. p.
blemas sociais. 37- 57.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
RESUMO econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
ón Economia de la Universidad Nacional Autónoma
A crise da década de 1980 assinalou a exaustão do de México, v. LXVI, 2007, p. 61-96.
modelo brasileiro de substituição de importações, ba- FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
seado na participação ativa do Estado como condutor Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
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AULA 9 • A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA DA DÉCADA DE 1980 NO BRASIL
61
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 10
Objetivos
• Entender as causas, consequências e os
diversos conceitos de déficit público.
• Ëntender como o governo financia o seu
déficit.
• Relacionar déficit público e inflação.
• Relacionar desequilíbrio externo e crise
fiscal no Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO Estados Unidos e Itália, têm altos déficts e isso não tem
sido empecilho para o seu crescimento econômico.
O déficit público ocorre quando os gastos do go- No entanto, os motivos atuais do déficit público no
verno superam o montante da tributação, gerando um Brasil são outros, e aí é que está o problema!
desequilíbrio nas receitas e despesas governamentais,
ou seja, o déficit público equivale à parcela das des- CAUSAS ATUAIS DO DÉFICIT
pesas realizadas que não são cobertas pela receita. PÚBLICO NO BRASIL
Vamos, nesta aula, analisar o déficit público brasileiro,
O Déficit público pode ter diversas origens, por isso
o seu financiamento e o papel que o governo exerce
as suas formas de combate podem ser variadas. O dé-
como agente financeiro. Veremos que ele foi causado
ficit público brasileiro, no quadro atual tem as seguintes
principalmente pelo pagamento da dívida externa que
causas:
adquiriu enorme proporção durante o período de 1964-
- gastos excessivos com pagamentos de juros e
85, como foi visto na aula passada. amortização da dívida interna e externa;
- o governo tem adotado uma política de juros altos
CONCEITOS DE DÉFICIT para atrair capitais externos, visando manter reser-
PÚBLICO vas cambiais para manter a inflação controlada.
Desse modo, os juros sobre a dívida pública inter-
O déficit público acontece quando os gastos do go-
na se tornam crescentes e o governo se endivida
verno superam o montante de tributação, levando a um
para pagar essa dívida;
desequilíbrio de despesas e receitas governamentais.
- além da alta taxa de juros, o governo opera, inter-
Ele é apontado pela maioria dos economistas como o
namente, com títulos da dívida pública que são de
principal responsável pelas crises estruturais da econo-
curto prazo;
mia, já que, segundo eles, gera a emissão de moeda e,
- o lento crescimento econômico do país, gerado,
portanto, a inflação. Porém há despesas que apresen-
entre outros motivos, por altas taxas juros internos,
tam resultados econômicos positivos, como na época
que privilegiam o capital especulativo, em detri-
da grande depressão, em que o governo americano
mento do capital produtivo, acabam prejudicando
atenuou o desemprego via gastos políticos deficitários.
a arrecadação do Governo. Os recursos privados
No caso brasileiro, o déficit contribuiu para a criação de
acabam alimentando a ciranda financeira, dimi-
infra-estrutura econômica financiando a construção de
nuindo a produção interna, gerando desemprego e
estradas de ferro e de rodagem, usinas de energia elé-
o empobrecimento do país.
trica, de aço, petróleo, etc. Vamos entender isso melhor
com a leitura do texto a seguir. CONSEQUÊNCIAS DO DÉFICIT
UMA VISÃO SOBRE O DÉFICIT - precarização dos serviços públicos prestados pelo
Governo;
Ao contrário das contas privadas, em que o déficit é
- diminuição de investimentos públicos nas áreas
algo incômodo e que tende a ser nocivo, o déficit públi-
responsáveis pelo desenvolvimento econômico;
co nem sempre é considerado assim. O gasto aparen-
- dificuldade do Governo em administrar suas con-
temente excessivo do Governo pode, em certos casos,
tas, provocando o corte de gastos e a prestação de
ser bastante positivo, pois, quando o Governo faz isso,
serviços.
pode estar ampliando a assistência às camadas mais
carentes, investindo em infra-estrutura, construindo Algumas características do processo orçamentário
estradas, rede de esgotamento, construindo moradias são fundamentais para determinar as causas do déficit
populares e outras atividades que são da responsabili- público. Entre elas, temos:
dade restrita do Governo. - a contribuição do déficit passado para o déficit atu-
Quando o déficit é originado por esses motivos, ele al;
está contribuindo para o desenvolvimento do país. As- - o efeito da inflação sobre a receita e a despesa do
sim, esses recursos tendem a retornar ao Governo sob governo;
a forma de tributos. Alguns países desenvolvidos, como - o efeito da variação na taxa de juros.
64
AULA 10 • A CRISE FISCAL DO ESTADO
Essas características nos levam aos diferentes A discussão sobre como financiar o déficit público
conceitos de déficit público: traz à tona todos os problemas que ele pode causar à
- Primário ou Fiscal: corresponde ao resultado da economia. No caso brasileiro, a inflação foi uma das
conta receita menos despesa pública, não incluin- conseqüências mais funestas ligadas ao déficit, na
do a inflação e o gasto com juros reais da dívida medida em que muitas vezes ele foi financiado com a
contraída anteriormente. Para efeitos de política emissão de moeda. A seguir faremos uma relação en-
econômica, este não é um conceito muito útil, pois tre déficit público e inflação no Brasil.
pode apresentar superávits em virtude do adia-
mento de dívidas para o período seguinte. A RELAÇÃO ENTRE DÉFICIT PÚBLICO
- Nominal ou Total: é o resultado primário incluindo E INFLAÇÃO NO BRASIL
a correção monetária, isto é, a inflação e os juros
Para entender a relação entre déficit público e in-
incidentes sobre a dívida contraída anteriormente.
flação, temos que avaliar não o montante ou o valor do
- Operacional: representa as necessidades de fi-
déficit, mas sim o seu horizonte de financiamento, isto
nanciamento do setor público. É medido pelo défi-
é, o prazo de rolagem da dívida. Vejamos. Para que o
cit primário mais os juros reais da dívida passada,
governo possa emitir títulos para financiar seu déficit,
resultado operacional mais a correção monetária
tem que haver pessoas interessadas em comprá-los, o
sobre a dívida paga.
que depende da credibilidade do país. Os investidores,
O FINANCIAMENTO DO DÉFICIT qualquer que seja sua nacionalidade, só investirão em
países que oferecerem menor risco para suas aplica-
Além das medidas tradicionais de aumento de ções. No caso brasileiro, nem os investidores nacionais
impostos ou cortes de gastos, em situações de dé- costumam comprar títulos de longo prazo da dívida,
ficit, o governo pode resolver seu problema de caixa preferindo os de curto prazo.
de três formas: emitindo moeda, tomando dinheiro Em países como Itália, Estados Unidos e Espa-
emprestado, diretamente de um banco ou agência nha, os déficits são financiados em prazos de 10 a 30
de financiamento ou através da emissão de títulos anos. Mesmo assim os investidores internacionais ad-
da dívida pública. Não existe uma regra definida para quirem títulos, apesar de eles possuírem déficits mais
determinar qual a maneira mais apropriada de finan- elevados que o Brasil. Como o risco de investir em
ciar o déficit, pois depende das condições da econo- países em desenvolvimento como o Brasil é alto, a dí-
mia. Todas as alternativas apresentam vantagens e vida interna é negociada a prazos inferiores a 60 dias
desvantagens como veremos a seguir. e com taxas de juros bastante elevadas para atrair
Um dos efeitos da emissão da moeda pode ser os investidores. Sabemos que à medida que os juros
a inflação. Os empréstimos geram dívidas, interna aumentam, aumentam também os custos de financia-
ou externa. Vamos examinar com mais detalhes as mento dessa dívida e, consequentemente, pressões
diversas formas de financiamento do déficit: inflacionárias. Vejamos o que Morais e Triches dizem
- Emissão de moeda: neste caso, o Tesouro Na- a este respeito:
cional ou a União pede emprestado ao Banco
Quando o governo gasta mais do que
Central (BACEN). Esta medida é bastante infla- arrecada, acaba incorrendo em um dé-
cionária, pois o BACEN cria moeda para finan- ficit que precisa ser financiado. Se os
agentes não estão dispostos a compra-
ciar a União. O lado positivo é que não aumenta rem esta parcela da dívida, através da
o endividamento público junto ao setor privado. aquisição de títulos públicos, o governo
- Venda de títulos da dívida pública para o setor é obrigado a emitir moeda. Deste modo,
quanto maior o déficit, maior é o ritmo de
privado interno e externo: o governo troca títulos expansão monetária e, portanto, maior a
(ativo financeiro não monetário) por dinheiro que inflação. Em outras palavras, o processo
de alta generalizada dos preços pode ser
já está em circulação. Essa medida eleva a dívi- atribuído, em parte, pela grande moneti-
da pública e, como o governo terá que oferecer zação do déficit público, provocado pela
necessidade de financiamento do saldo
taxas de juros atraentes, a dívida tende a aumen- negativo das contas do Tesouro (MORAIS
tar. e TRICHES, 2003).
65
ECONOMIA BRASILEIRA
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AULA 10 • A CRISE FISCAL DO ESTADO
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ECONOMIA BRASILEIRA
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AULA 10 • A CRISE FISCAL DO ESTADO
a legislação; justiça; previdência e assistência social; luxuosos, bem como em mordomias pessoais, injusti-
educação; saúde; transporte básico; segurança nacio- ficáveis num país de tanta pobreza, verdadeiros sumi-
nal; preservação do meio ambiente; fomento ao desen- douros de recursos públicos.
volvimento social, econômico, científico-tecnológico,
artístico, cultural e esportivo. Segundo esta redefinição Serviços da dívida interna
do papel do Estado, o lema que passaria a nortear suas Problema que só será devidamente equacionado
ações seria: “tudo o que a iniciativa privada for capaz através do alongamento do perfil dessa dívida, con-
de realizar de forma eficaz, sem a presença do Estado, forme já afirmado no item empréstimos internos. De
deverá ser por ela realizado”. Desta forma, tudo o que o certa forma, o governo conseguiu minimizar o proble-
Estado faz hoje e que não se enquadre nos itens acima ma quando, compulsoriamente, alongou essa dívida
deveria ser repassado para a iniciativa privada; assim, e seu serviço. Julgamos o período de 18 a 30 meses
empresas como Companhia Siderúrgica Nacional, Pe- insuficiente, tendo em vista que o Governo ainda não
trobrás, Banco do Brasil, Embratel, Eletrobrás, Cosipa, conseguiu arrumar a casa para poder honrar o compro-
Telebrás, Companhias de Telecomunicações de cada misso sem gerar fortes pressões sobre o déficit público
Estado, Sistema Portuário, Sistema Aeroviário, entre
e, consequentemente, pressões inflacionárias. Para a
outras, deveriam ser privatizadas o mais rápido pos-
resolução definitiva desse problema, o governo deveria
sível e a arrecadação advinda utilizada na redução do
alongar ainda mais o perfil dessa dívida, para um hori-
déficit publico e/ou social.
zonte de no mínimo 5 e no máximo 10 anos. Para tal,
Fora das áreas consideradas de sua competência,
deveria, discricionariamente, escolher os cidadãos e
investimentos governamentais somente se justificariam
as empresas que mais se beneficiaram com a situação
quando utilizados para promoção e fomento do desen-
econômica do país nos últimos 20 anos, para arcarem
volvimento. Uma vez atingidos os objetivos aos quais
com o ônus desse alongamento. Reconhecemos ser
foram destinados, esses recursos deverão ser liberados
esta proposta antipática, mas, infelizmente, não vemos
para reciclagem, na promoção e no fomento de novos
outra alternativa.
desenvolvimentos e em outras atividades, jamais fican-
do presos indefinidamente, como ocorre atualmente. Serviço da dívida externa
Além disso, outras atividades que tradicionalmente
cabem ao Estado deveriam ser repassadas à iniciativa Num primeiro momento, este problema afeta o
privada, como a construção e a manutenção de estra- Brasil a nível externo, prejudicando a imagem do país
das, pontes, viadutos, túneis etc., mediante a conces- em termos de confiabilidade para novos investimentos.
são de exploração através da cobrança de pedágios Num segundo, a nível interno, investimentos estrangei-
por determinado período. Precisamos urgentemente ros deixam de ser efetuados, chegando mesmo a ha-
entender que a capacidade de investimentos do Es- ver desinvestimentos. Para minimizar este problema, o
tado era limitada e há muito se esgotou; porém, as Brasil deveria propor o pagamento imediato de parcela
necessidades da sociedade brasileira, num país com do serviço da dívida vencido (o quanto suas reservas
dimensões continentais e população pobre e carente, permitissem), com a incorporação do restante ao prin-
crescem em progressão geométrica, e formas criativas cipal, condicionado à garantia de ingresso de novos re-
de atendê-las precisam ser encontradas. Finalmente, cursos conforme a evolução da nossa economia e ao
ainda em relação ao tema, gostaríamos de registrar já pagamento em dia dos próximos vencimentos.
estar na hora de os homens públicos brasileiros enten- Para esta proposta ser aceita, é imprescindível a
derem que os recursos do Governo e da sociedade são organização interna de nossa economia, única forma
extremamente limitados e, por isso, não mais é admis- de inspirar confiança aos credores. Como este não é
sível o dispêndio desses escassos recursos em obras problema exclusivamente do Brasil, mas de todos os
desnecessárias ou inúteis, como inúmeros palácios de países em desenvolvimento do terceiro mundo, exigin-
concreto e vidro construídos por este Brasil afora, ae- do completa reformulação a nível mundial, deveremos
roportos onde aviões raramente pousam, estradas que procurar uma negociação conjunta. Enquanto cada
ligam nada a lugar nenhum, sambódromos para serem país tentar equacionar isoladamente a sua dívida junto
usados uma vez por ano, frotas enormes de veículos aos credores, difícil será a obtenção de resultados fa-
69
ECONOMIA BRASILEIRA
voráveis; a negociação conjunta para uma nova ordem O processo de estatização da dívida externa levou
mundial deverá trazer melhores frutos. a uma deterioração das contas internas, causando um
profundo desequilíbrio no setor público brasileiro. Em
Subsídios governamentais conseqüência, a poupança externa que alcançou uma
A situação de total descontrole da área pública média de 6,6% do PIB durante o milagre econômico,
vivenciada pelo país torna essencial que todos os caiu para -2% do PIB em 1988. Existem duas correntes
subsídios - a qualquer título - sejam imediatamente de pensamento que explicam, através de análises di-
cortados. Futuros subsídios deverão ser estabeleci- ferentes, a relação entre desequilíbrio externo e déficit
dos a partir de novas diretrizes definidas pelo Con- público. Para os economistas ortodoxos, o problema
gresso Nacional, evitando-se ao máximo a possibili- estava na excessiva estatização da economia brasilei-
dade de favorecimentos injustificados. ra, associando à questão fiscal o processo inflacionário
Somos frontalmente contra alguns tipos de sub- brasileiro. Já para os autores estruturalistas, o aumen-
sídios dirigidos diretamente à população como ticket to do endividamento interno estava diretamente ligado
ao endividamento externo, já que a poupança pública
de leite, vale refeição, vale transporte, cesta básica
e os investimentos declinavam na mesma medida em
e outros que configuram atitude tipicamente paterna-
que aumentavam os pagamentos de juros das dívidas
lista do Estado, interferindo nas decisões dos indiví-
externa e interna.
duos. Ao invés de se pagar salários decentes, que
permitam ao cidadão viver com dignidade, opta-se
RESUMO
por baixo salário, complementado por subsídios go-
vernamentais, acabando com a cidadania e fazendo Nesta aula sobre a crise fiscal do Estado na dé-
da maioria da população massa de manobras políti- cada de 80, tivemos a oportunidade de fazer relações
cas. muito importantes para se entender a economia bra-
sileira. Estamos falando das relações entre déficit
Prejuízos/Déficits com empresas estatais público, inflação e desequilíbrio externo. Vimos que
o Estado brasileiro foi o principal financiador do mo-
Tema já explorado no item “outras receitas”. Estes
delo de desenvolvimento o que o levou, mais tarde,
prejuízos devem ser totalmente eliminados através de
a uma profunda crise fiscal, a qual desestruturou pro-
racionalização, privatização ou mesmo fechamento das
fundamente a economia brasileira conduzindo o país
empresas cujos objetivos não justifiquem a permanên-
à hiperinflação.
cia delas ligadas ao Governo.
ATIVIDADES
DESEQUILÍBRIO EXTERNO E A
CRISE FISCAL DO ESTADO 1. Aponte e explique as causas do déficit público no
Brasil.
Pode-se explicar a crise da economia brasileira na 2. Quais são as formas de financiamento do déficit
década de 1980 sob vários ângulos, porém é bem clara público? Quais as vantagens e desvantagens de
a sua relação com a dívida externa e a crise fiscal do cada uma?
estado, a qual se desenvolveu a partir desta dívida e 3. Relacione: déficit público, inflação e desequilíbrio
que levou a economia a um prolongado processo de externo.
estagnação.
Como vimos acima, a aceleração da inflação du- REFERÊNCIAS
rante este período está fortemente associada à crise
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
fiscal e à dívida externa. A dívida externa, à medida
tratégias confusas fazem desempenho econômico
que agiu agravando direta ou indiretamente o conflito medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
distributivo, teve um papel importante como fator ali- lo. São Paulo, 01abr.1999.
mentador da inflação. Por sua vez, a inflação agrava BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
o déficit público, afasta os investimentos e diminui a oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
produtividade do capital. Alínea e Átomo, 2006.
70
AULA 10 • A CRISE FISCAL DO ESTADO
71
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 11
Objetivos
• Compreender o significado do termo
“distribuição de renda”.
• Entender mais detalhadamente a
distribuição de renda no Brasil.
• Analisar o efeito da inflação sobre a
distribuição de renda no Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
do Censo, mostra que o adjetivo frágil no caso é
A concentração de renda no Brasil é um dos as- impróprio.
pectos mais perversos do modelo de desenvolvimen- Revela, ainda, que a política econômica praticada
to adotado ao longo do processo de industrialização. pelos governos da Revolução, além de construir
Talvez você se pergunte se as altas taxas de inflação sólidas bases para impressionante expansão,
registradas no país ao longo das últimas décadas são conduz inevitavelmente a resultados desse tipo
causa ou conseqüência do processo de concentração na distribuição de renda.
de renda. Dentro do estudo que estamos fazendo so- No entanto, os percentuais da distribuição de
bre a inflação brasileira, não poderíamos deixar de de- renda são, de certa forma, o melhor termômetro
dicar uma aula à discussão dos impactos da inflação para se avaliar como o país está se apossando
sobre a distribuição de renda no país. Vamos começar das riquezas materiais que ele próprio gera. No
tentando entender melhor esse conceito. caso brasileiro, a questão é ainda mais grave,
porque as notícias de concentração de renda
CARACTERIZAÇÃO DO TERMO contrastam com as taxas que indicam um vigoroso
“DISTRIBUIÇÃO DE RENDA” crescimento da economia. No início do ano, ao
mesmo tempo em que se tomava conhecimento
Para uma explicação mais ampla e ao mesmo tem- de que o PIB, em 1971, tinha crescido 11,3%,
po simples sobre o termo distribuição de renda vamos sabia-se, pelos dados do Censo, que apenas
lançar mão de um artigo publicado pela revista Veja, 1,1% da população tinha direito a salários
em 07 de junho de 1972. Pode parecer um pouco an- mensais superiores a 2.334 cruzeiros. Para os
tigo, mas serve bem aos nossos propósitos, além de que não percebem que seria impossível montar
que estudamos a economia brasileira referente a esse qualquer outro teorema com os dados fornecidos
pelo robusto crescimento econômico, o raciocínio
período e o artigo nos ajuda bastante a compreender
poderia ser este: a colheita, portanto, tinha sido
as conseqüências das políticas econômicas anteriores
farta; mas só algumas mesas recebiam seus
nas da atualidade. Você sabe, o progresso, o desenvol-
frutos com abundância.
vimento de um país é processual. Então, vamos ler?
PROPÓSITOS ÉTICOS - É preciso dispor de
um inabalável sentimento cristão para tratar,
A RENDA DOS BRASILEIROS com a mesma consideração, uma pessoa que
A expressão “distribuição de renda” adquiriu ganhe 100 libras por ano e outra que receba
mágicos poderes de persuasão. Bastava enunciá- 100.000 libras por ano - admitia Bernard Shaw, o
la para subitamente surgir um poderoso arsenal dramaturgo irlandês que transformou a igualdade
de dúvidas e suspeitas sobre os sucessos da de distribuição de renda num convincente
economia brasileira. Principalmente depois da estandarte levantado nos meetings e comícios
divulgação dos dados preliminares do Censo de políticos da Londres vitoriana. Shaw e todos os
1970, no início deste ano, quando, sem sofismas que hoje acenam com a justa distribuição para
ou malabarismos estatísticos, ficou possível ofuscar as taxas de crescimento da economia
localizar uma desagradável concentração. Dali em sentiram que estavam tratando de um tema muito
diante, tornou-se muito mais arriscado descrever mais complexo do que simples porcentagens de
a terapia empregada para provocar a heróica valor estritamente econômico. A concentração de
recuperação da saúde econômica do país, pois renda não é apenas incômoda porque, a certa
havia sempre a possibilidade de uma acusação altura, freia a expansão da economia, já que só
de charlatanismo. Uma economia que atribui a uns poucos estão em condições de consumir. Ela,
28% de sua população uma renda mensal inferior na verdade, coloca sob suspeita os propósitos
a 99 cruzeiros, como mostra a tabela acima, éticos de um governo. Em outras palavras, uma
seria, certamente, uma economia frágil. Porém, política econômica que seleciona com implacável
um recente estudo encomendado pelo Ministério rigor os poucos beneficiados com as prósperas
da Fazenda e que se utiliza, inclusive, de dados colheitas coloca o governo, por ela responsável,
74
AULA 11 • O IMPACTO DA INFLAÇÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL
numa posição tão injusta quanto a do pai que são computados os serviços gratuitos prestados
reserva as fatias mais generosas do pão para um pelo governo, as diferenças regionais de renda e,
filho apenas. ainda, a renda não monetária derivada do auto
consumo - as roças do fundo do quintal, onde
A aspiração de uma distribuição equânime da
algumas famílias plantam o mínimo necessário à
renda revela ainda um outro aspecto: ela permite
subsistência.
um casamento perfeito com as aspirações de
um regime político democrático, em que todos Finalmente, Mário Henrique Simonsen fornece
recebem, igualmente, os frutos - doces ou amargos um outro argumento para se desconfiar de que o
- que a economia do país colheu. “Entre pessoas Censo está ocultando demais: os dados classificam
de mesma renda, não há distinções sociais, com as rendas por indivíduos. Se classificassem as
exceção das diferenças de talento”, disse Shaw. rendas por famílias, os resultados nas camadas
E ao tentar provar o caráter antidemocrático da mais pobres seriam provavelmente melhores,
distribuição injusta da renda, lembrou ele que a pois exatamente entre os mais pobres há um
rainha Vitória só concedia títulos nobiliárquicos a número maior de pessoas trabalhando numa
quem tivesse dinheiro suficiente para honrá-los e mesma família.
sustentá-los.
O NOVO ESTUDO - Já que o senso era muito
A POLÍTICA - Também no Brasil, a questão da sovina com suas informações, o governo decidiu
distribuição da renda deixou, inevitavelmente, de patrocinar estudos mais completos. O Ministério
ser um tema apenas econômico para engrossar da Fazenda financiou o Instituto de Pesquisas
os cáusticos argumentos dos que alimentam Econômicas (IPE), da Faculdade de Economia
insatisfações políticas. No caso, o argumento era e Administração da Universidade de São Paulo,
ainda mais contundente porque se sustentava que incumbiu Carlos Geraldo Langoni, 27 anos,
nos números insuspeitos das tabelas do Censo um de seus mais jovens e talentosos professores,
- um trabalho do Instituto Brasileiro de Estatística, de realizar a tarefa.
vinculado ao Ministério do Planejamento.
Também professor da Escola de Pós-Graduação
Há pouco tempo, Roberto de Oliveira Campos, para Economistas, da Fundação Getúlio Vargas,
ex-ministro do Planejamento, escreveu um no Rio de Janeiro, e doutor em economia pela
artigo sobre a distribuição de renda e utilizou Universidade de Chicago, nos Estados Unidos,
como epígrafe uma frase a que ele mesmo já Langoni já se credenciara para realizar trabalhos
recorrera em vários artigos: “As estatísticas são desse porte. Sua tese em Chicago, ainda
como biquíni: o que revelam é importante; o que inédita no Brasil - “As Causas do Crescimento
ocultam, essencial”. O economista Mário Henrique Econômico do Brasil” -, discute a importância dos
Simonsen, em discurso recente, inventariou, investimentos em educação nesse crescimento.
então, os motivos por que as estatísticas do
O trabalho de Langoni sobre a distribuição da
Censo sobre a distribuição de renda poderiam
renda brasileira tinha um objetivo inicial: tentar
estar ocultando o essencial. Os censos distribuem
descobrir os fatores que provocam os altos índices
a população remunerada - explica Simonsen - em
de concentração. Para isso, valeu-se de dados do
apenas oito classes de renda.
Ministério do Trabalho, das declarações do imposto
As duas extremas, as dos que ganham menos e de renda e, principalmente, examinou as fitas
mais, são abertas, isto é, indicam o número de do Censo com as respostas individuais - iguaria
indivíduos com renda menor do que x e maior estatística cobiçada por todos os estudiosos do
do que y. Para estimar a renda média dessas assunto e utilizada pela primeira vez, no Brasil. Por
classes, costuma-se apelar para o ajustamento de isso, seu trabalho chega a conclusões diferentes
certas curvas estatísticas, o que provoca, certas - e provavelmente mais exatas - de todas as
vezes, erros graves. Simonsen mostra ainda que que recorreram apenas aos dados preliminares
os dados dos censos se referem apenas à renda do Censo. Robert S. McNamara, presidente do
monetária recebida pelos indivíduos, e isso, de Banco Mundial, fez recentemente uma conferência
alguma forma, distorce as comparações, pois não condenando a distribuição brasileira, apoiando-se
75
ECONOMIA BRASILEIRA
- foi bastante expressiva a redução da população Esclarecedor também é o fato de que a concentração
economicamente ativa (os que trabalham e de renda aumente quando a economia passa do
têm algum tipo de renda) que vive no campo e, setor agrícola para o urbano e quando se sobe
paralelamente, houve um aumento dos que foram no grau de instrução. A explicação é simples. Não
para as cidades; existe uma substancial diferença de qualificação
profissional - e, portanto, não é indispensável uma
- em nenhuma das categorias chegou a haver
sensível diferença de nível de instrução - entre um
diminuição nos rendimentos - ou seja, todos,
pequeno proprietário e o peão de uma fazenda.
com exceção dos analfabetos, que ficaram
Por isso, um peão pode ganhar meio salário
praticamente onde estavam em 1960, melhoraram
mínimo e o proprietário, eventualmente, 2.000
de renda;
cruzeiros mensais, e o diferencial de salário entre
- aumentou drasticamente a proporção dos que eles é de dez vezes, aproximadamente. Qual a
na população economicamente ativa têm um diferença, porém, entre o caixa de um banco, que
nível de instrução superior ao primário (além da ganha 600 cruzeiros mensais, e um diretor desse
diminuição do número de analfabetos); banco para as operações do mercado de capitais
- quanto mais alto o nível de instrução, maiores os - função que paga um salário nunca inferior a
ganhos em renda; 15.000 cruzeiros e que exige, obviamente, uma
qualificação profissional muitas vezes superior à
- e, finalmente, uma descoberta de valor inestimável necessária a um caixa?
- a renda é mais mal distribuída nas cidades do
que no campo e vai ficando mais concentrada A CULPA DA EDUCAÇÃO - Conclui-se daí que
à medida que se passa dos analfabetos para a concentração de renda é maior nas cidades e
melhores níveis de instrução. entre universitários porque a agricultura não faz
grandes distinções entre os qualificados e os
ATÉ A CEPAL - O estudo de Langoni mostra ainda
não qualificados; e porque a rápida evolução da
números incômodos: os que vivem da agricultura
economia exigiu uma mão-de-obra qualificada.
têm uma renda mensal de apenas 138 cruzeiros
Como não havia suficiente oferta para essa
e os analfabetos, 112 cruzeiros. Mas, ao mesmo
demanda, ocorreu no primeiro momento uma
tempo, levanta o véu de alguns fatos que exigem
valorização brusca dos que tinham um diploma
reflexão mais profunda. Que tenha diminuído
universitário, colegial ou ginasial.
a população rural e que os rendimentos sejam
maiores à medida que aumenta o nível de instrução A educação parece ser, portanto, a maior causa
- essas são informações que não chegam a ser da diferenciação da renda e do aumento da
inesperadas. Porém, parece sintomático que desigualdade na década de 60. Um gráfico sobre
nenhum dos setores da população tenha perdido a influência da educação na concentração da
dinheiro na década. renda mostra como variam as expectativas de
76
AULA 11 • O IMPACTO DA INFLAÇÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL
77
ECONOMIA BRASILEIRA
ÍDICE DE GINI
governamental (políticas econômico-
sociais, incluindo a repressão a mo- Medida de concentração mais freqüentemente
vimentos sociais), enquanto outros
aplicada à renda, à propriedade fundiária e à oli-
consideravam que a maior disper-
são das rendas relativas refletia, es- gopolização da indústria, o Índice de Gini permite
sencialmente, um mercado no qual avaliar a distribuição de renda de um país, região
ocorria um crescimento da demanda
por mão-de-obra mais qualificada ou estado. Este índice varia de 0 a 1 e indica uma
sem o correspondente crescimento distribuição de renda tanto melhor quanto mais
da oferta a curto prazo.
próximo de 0 estiver o valor encontrado.
De acordo com estas duas “teorias”,
seria de se esperar uma redução da De acordo com Hoffmann (2001), o que ocorreu
desigualdade quando os “fatores” ex- foi a inflação acelerada contribuir para aumentar ainda
plicativos mudassem. Depois de qua-
se 30 anos, e após longo período de mais a desigualdade da distribuição da renda no país,
crescimento lento, a oferta de mão-de- que atingiu um pico em 1989, no último ano do governo
obra qualificada não se tornou relati-
Sarney. De acordo com os dados da PNAD (Pesquisa
vamente menos escassa? E por que a
abertura política não trouxe uma dimi- Nacional por Amostra de Domicílios) de 1989, naquele
nuição da desigualdade econômica? ano o índice de Gini do rendimento das pessoas ocupa-
Tudo se passava como se a desigual-
dade, depois de estabelecida, tivesse das com rendimento positivo atingiu 0,630 (IBGE, 1997:
forte inércia para variações no sentido 144). Isso colocava o Brasil como o mais desigual entre
decrescente.
os países do mundo.
(HOFFMANN, Rodolfo. Considerações sobre
a evolução recente da distribuição da renda no OS EFEITOS DA INFLAÇÃO
Brasil. Revista de Administração de Empresas, SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE
São Paulo, v. 13, n. 4, p. 7-17, dez. 1973.)
RENDA NO BRASIL
A concentração de renda no Brasil não deve ser
Muito bem, meu caro aluno. Você deve ter perce-
atribuída a nenhum governo em particular, pois ela é
bido que o estudo de Langoni foi um marco na discus-
resultado da forma como se consolidou o processo de
são sobre a questão distributiva no Brasil. A partir daí,
industrialização brasileira, o qual contou com um instru-
o debate foi ampliado e desde então várias correntes
mento muito poderoso: a inflação. Vamos tentar enten-
de pensamento contribuíram com seus diferentes enfo-
der este fenômeno.
ques e a controvérsia se mantém até hoje.
A escassez de capital foi um dos grandes proble-
Comparando os dados dos primeiros estudos so-
mas para se implementar a industrialização em paí-
bre distribuição de renda no Brasil com os resultados
ses em desenvolvimento como o Brasil, pois eles não
do Censo Demográfico de 1960, podemos observar
possuíam mecanismos desenvolvidos de captação de
um amplo consenso sobre um grande aumento da con-
recursos privados para investimentos e nem poupança
centração de renda. Durante os anos 60, verifica-se
interna suficiente para alavancar o crescimento econô-
um aumento de 0,50 para 0,57 no índice de Gini, um
mico. Coube então ao Estado o papel de financiador,
acréscimo de 14% (Langoni, 1973). Esse indicador faz
através do mecanismo de moeda fiduciária. O que é
do Brasil o campeão do mundo no item desigualdades
moeda fiduciária? Vamos ver!
sociais. Para o ex-ministro Delfin Neto, um dos fato-
res que contribuíram para isso foi o desequilíbrio no
mercado de trabalho que, marcado pela expansão dos MOEDA FIDUCIÁRIA: papel moeda
parcialmente lastreado por ouro. Sua origem
setores mais modernos, teria beneficiado as categorias
remonta aos depósitos em ouro efetuados
mais qualificadas com ganhos salariais acima da mé-
junto aos ourives, os precursores dos
dia. Porém, acreditava-se que com o tempo esse des-
bancos. De início, os recibos dos depósitos
vio seria corrigido, na medida em que os investimentos correspondiam exatamente à quantidade de
em educação favorecessem o aumento da mão-de- ouro mantida nos cofres. Mas, ao observarem
obra qualificada. Você sabe o que é “índice de Gini”? que esses recibos circulavam, passando por
Vamos ver.
78
AULA 11 • O IMPACTO DA INFLAÇÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL
79
ECONOMIA BRASILEIRA
REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
lo, São Paulo, 01 abr.1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
ción Economia de la Universidad Nacional Autó-
noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007
80
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 12
A INFLAÇÃO BRASILEIRA
Objetivos
• Conceituar e caracterizar os diversos
tipos de inflação.
• Apontar as distorções provocadas pelas
altas taxas de inflação no Brasil.
• Analisar o processo inflacionário
brasileiro.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
desenvolvimento econômico de um país. Em
É consenso entre os economistas que um dos prin- particular, os países subdesenvolvidos têm
cipais problemas macroeconômicos de um país, além características econômicas peculiares, baseadas
do desemprego, é a inflação. Dentro das análises so- em componentes estruturais bastante distintos
bre a economia brasileira, a inflação tem sido um dos dos de países desenvolvidos. Essa discussão
deu origem a um debate sobre a possibilidade de
temas mais discutidos, e isso se justifica pelo fato de o
esses países apresentarem condições estruturais
país ter vivido, nas últimas décadas, diversos tipos de
inerentes ao subdesenvolvimento.
experiência inflacionária. Portanto vamos agora dedi-
car uma aula a esse tema. A tentativa de os países subdesenvolvidos
alcançarem estágios mais avançados de
CONCEITO E TIPOS DE desenvolvimento econômico dificilmente se faz
sem que também ocorram, concomitantemente,
INFLAÇÃO elevações no nível geral de preços. Ou seja,
existem alguns componentes inflacionários
Com certeza você já estudou em Introdução à
que são intrínsecos ao próprio processo de
Economia o conceito de inflação, mas vamos recordar.
desenvolvimento econômico.
Pode-se dizer que a inflação representa um aumento
generalizado e contínuo dos preços, ou seja, ela é um A experiência internacional tem mostrado que o
processo e não um fato isolado; inclui uma elevação desenvolvimento econômico está, na maioria dos
contínua e não casual de preços. países, associado a uma intensificação do nível de
industrialização da economia. O deslocamento do
Pelo que foi dito acima, podemos deduzir que a
pólo de crescimento da agricultura para a indústria
inflação é um fenômeno monetário, apesar de não po-
provoca um aumento do grau de urbanização.
der ser contida apenas por um controle do estoque da
Para fazer face ao aumento da população
moeda, como acredita a teoria monetarista. De acordo nas cidades, são necessários investimentos
com Luque e Vasconcelos (1998), a inflação represen- maciços em infra-estrutura: transportes, água,
ta um conflito distributivo pela repartição do produto luz, telefone, serviços médicos etc., quase
não adequadamente administrado, ou seja, a disputa que totalmente incorridos pelo setor público. A
dos diversos agentes econômicos pela distribuição da curto prazo, a elevação dos gastos públicos (e,
renda se constitui no problema essencial do processo portanto, da demanda agregada) não tem uma
inflacionário. Desses agentes econômicos, podemos contrapartida rápida da produção agregada de
destacar o setor público que, quando incorre em dese- bens e serviços, pois esta reage em prazos mais
quilíbrios financeiros, induz a uma elevação do estoque longos, dependendo do tempo de maturação dos
de moeda acima do crescimento do produto. investimentos efetivados. O excesso de demanda
sobre a oferta agregada, nessa fase, provoca
No que diz respeito à economia brasileira, o tipo de
elevações de preço. Assim, a inflação surge como
conflito distributivo mais relevante é o referente às re-
uma decorrência quase que natural do processo
lações entre salários e preços, provocado pela disputa
de desenvolvimento econômico.
entre trabalhadores e empresários, que gera instabili-
dade na sua convivência. Outro fator inflacionário, também inerente ao
próprio crescimento econômico, reside no fato de
Falando em conflito distributivo e pensando na
que, neste processo, criam-se expectativas de
grande concentração de renda que existe no Brasil,
altas taxas de retorno, o que estimula uma elevação
vamos fazer uma relação entre inflação e subdesen-
das taxas de investimento. O primeiro efeito a
volvimento e ver como essa relação ocorre em nosso curto prazo, recai sobre os preços, dado que o
território. Leia o texto seguinte. aumento da produção só se dá após decorrido um
período de maturação do investimento.
INFLAÇÃO E SUBDESENVOLVIMENTO Associado a esses fatores, está o fato de que os
Até agora não procuramos associar a ocorrência países subdesenvolvidos, que têm baixa renda
do fenômeno da inflação ao estágio de per capita, necessitam dar um “salto” bastante
82
AULA 12 • A INFLAÇÃO BRASILEIRA
AS DISTORÇÕES PROVOCADAS
elevado para sair do estágio de pobreza, o que
requer elevado montante de gastos públicos e de PELA INFLAÇÃO NO BRASIL
investimentos, o que pressiona os preços, como
As altas taxas de inflação provocam profundas dis-
apontado anteriormente.
torções na economia. A seguir conheceremos as mais
Finalmente, a própria estratégia adotada, na importantes.
maioria dos países inclusive no Brasil, para - Efeito sobre a distribuição de renda: uma das
um desenvolvimento mais acelerado também
classes mais penalizadas pela inflação é a dos assa-
colabora para a existência de um certo grau de
lariados (trabalhadores de baixa renda), que não têm
inflação. Essa estratégia consiste na substituição
como se proteger através de aplicações financeiras,
de importações daqueles bens que o país tem
potencialmente condições de produzir. Isso é uma vez que consomem a totalidade de sua renda. As
feito por meio da criação de barreiras tarifárias, altas taxas de inflação reduzem o poder aquisitivo dos
que visam dificultar e até impedir as importações trabalhadores, pois eles dependem de rendimentos fi-
daqueles produtos. Nessa fase, entretanto, o xos com prazos legais de reajustes. Devido às suas ca-
país não está suficientemente aparelhado para a racterísticas, essa situação de inflação é considerada
instalação de novas indústrias e tem que criar a uma das mais sérias.
necessária infra-estrutura para tanto, o que não - Efeito sobre o balanço de pagamentos: A infla-
se faz sem custos elevados, o que representa um ção tende a estimular as importações e desestimular as
fator potencial de inflação. exportações, pois o aumento dos preços internos torna
(In: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Equipe de os produtos importados mais competitivos. Isso afeta a
professores da USP. Manual de Economia. São balança comercial, levando a um saldo negativo. Além
Paulo: Saraiva, 1998.) disso, o país vai ter que gastar mais para importar pro-
dutos essenciais, dos quais depende, o que pode pres-
sionar os custos de produção, o que leva a uma nova
A inflação pode assumir várias formas: inflação de elevação dos preços.
demanda, de custos e inercial. Vamos analisar cada - Efeito sobre o mercado de capitais: Com a de-
uma delas. terioração da moeda, causada pela inflação, os inves-
- Inflação de Demanda: é causada pelo excesso tidores dão preferência ao investimento em imóveis,
de demanda em relação à produção existente, que por que costumam valorizar com a inflação, desviando os
sua vez ocorre devido a um aumento da renda dispo- capitais do mercado financeiro, que por sua vez sofrerá
nível, à expansão dos gastos públicos, ao aumento do uma retração.
crédito e redução das taxas de juros e à expectativa - Outros efeitos: Um outro impacto da inflação é
dos agentes econômicos. sobre a formação das expectativas, tanto em relação
- Inflação de Custos: é decorrente do repasse ao consumo quanto à produção. No que diz respeito
dos custos para os preços praticados pelas empresas. à produção, pode ocorrer por parte dos empresários o
É causada por alguns fatores, tais como: aumento da desincentivo para investir, o que provoca uma retração
taxa de juros, desvalorização cambial que eleva os pre- na capacidade produtiva e afeta o nível de emprego.
ços dos produtos importados, elevação dos preços ex-
ternos (como se deu em 1974 e 1979 com os preços do O PROCESSO INFLACIONÁRIO
petróleo), custo da mão-de-obra composto por encar-
BRASILEIRO
gos e salários e finalmente pelo aumento de impostos
que pressionam os preços. Pode-se afirmar que, a partir da década de 1950,
- Inflação Inercial: Não está associada às pres- a inflação passa a ser um problema característico da
sões de demanda ou de custos, mas se relaciona dire- economia brasileira. Nesse período e até a década de
tamente aos mecanismos de indexação da economia, 1960, a principal origem da inflação foi o elevado dé-
ou seja, aos mecanismos de política econômica atra- ficit público, causado por três fatores: gastos com in-
vés dos quais os preços são corrigidos baseados em fra-estrutura (transporte, energia e saneamento); baixa
índices oficiais do governo. produtividade dos serviços do governo e ineficiência
83
ECONOMIA BRASILEIRA
na aplicação de seus recursos; e a impossibilidade de econômico brasileiro. Essa questão sempre se cons-
aumentar a carga tributária devido ao baixo nível da tituiu num grande complicador para a condução das
renda per capita. Diante disso, o governo lança mão políticas de estabilização econômica. Isso pôde ser
das emissões de dinheiro, o que gerou uma inflação visualizado durante o processo de congelamento de
de demanda. preços quando ocorreu uma elevação na demanda
Entre 1964 e 1973, a inflação permanece relativa- por bens não duráveis (de salário), fazendo com que
mente controlada através de uma rígida política mone- seus preços subissem e ocasionasse a retomada do
tária, fiscal e salarial. No período compreendido entre processo inflacionário. Além disso, tradicionalmente,
1967 e 1973, foi colocada em prática uma “política gra- as negociações salariais são marcadas por um clima
dualista” de combate à inflação, devido ao fato de que, de tensão, em que as empresas (principalmente as oli-
em países em desenvolvimento como o Brasil, uma gopolizadas) têm a capacidade de repassar os custos
redução de crescimento e aumento de desemprego (como acréscimos de salários) para os preços, e isso
resultantes de uma política de tratamento de choque obviamente veda a recuperação do salário real.
geram um custo social muito grande. - O Déficit do Setor Público - Aqui o grande pro-
Com os choques do petróleo ocorridos em blema é a forma como o déficit público é financiado,
1973/1974 e 1979, o processo inflacionário se agravou, ou seja, por meio de emissão de moeda ou via colo-
levando a inflação a patamares cada vez mais altos. cação de títulos públicos junto ao setor privado. A pri-
Outros fatores que contribuíram para as altas taxas de
meira significa que gera pressões inflacionárias se o
inflação foram os sucessivos choques agrícolas em
governo emitir mais moeda do que a sociedade está
conseqüência de geadas, o que provocou aceleração
desejando, a um determinado nível de preços. (Helena,
dos preços na agricultura; os elevados gastos públicos
explique isso melhor. Os alunos não vão entender essa
com a implementação de programas para a melhoria
história de nível de preços em relação ao desejo da
da infra-estrutura do processo de substituição de im-
sociedade.)Por outro lado, a colocação de títulos junto
portações e a elevação da dívida externa.
ao setor privado aumenta a dívida interna (pressionan-
A elevação dos preços, causada pelos fatores
do o próprio déficit) e eleva as taxas de juros, que via-
mencionados, generalizou-se por toda a economia bra-
bilizará a emissão de papéis.
sileira e desencadeou aumentos sucessivos, devido
- O Mecanismo de Indexação - Os mecanismos
ao alto grau de indexação da economia. Esse tipo de
de indexação representam a reação dos agentes eco-
inflação ficou conhecida como inercial, ou seja, ocorre
nômicos em busca da preservação das suas rendas.
independentemente de pressões da demanda ou de
Tais mecanismos reduzem a eficiência dos planos de
custos, e os preços são reajustados devido à existên-
cia da inflação, que passa a ser o “piso para a inflação estabilização na medida em que permitem reajustes
futura”. Esse assunto se constituirá no tema da próxima freqüentes de preços.
aula, pois sua compreensão é muito importante para Podemos concluir dizendo que o Processo infla-
qualquer economista e outras pessoas da área. cionário brasileiro é um constante desafio para a eco-
nomia, pois envolve-se de grande complexidade, na
PRINCIPAIS CAUSAS DA medida em que fenômenos políticos e culturais tam-
bém estão envolvidos. A rica experiência brasileira no
INFLAÇÃO BRASILEIRA combate à inflação deixou lições importantes para os
As causas básicas da inflação brasileira estão re- condutores da política econômica, tais como:
lacionadas a três fatores fundamentais: o conflito dis- - não existem artificialismos no combate à inflação.
tributivo; o déficit do setor público associado à forma Políticas como congelamento de preços e salários de-
como ele é financiado e finalmente o mecanismo de vem ser excluídas da literatura econômica brasileira;
indexação. Vamos analisar cada um deles. - a indexação pode “camuflar” certas distorções
- O Conflito Distributivo - O fator primordial desse como os desequilíbrios fiscais e monetários, adiando
fenômeno é a relação entre o capital e o trabalho. No decisões importantes no enfrentamento do problema;
caso brasileiro, ele é causado pela grande concentra- - uma maior abertura econômica pode ajudar no
ção de renda que marcou o processo de crescimento combate à inflação, aumentando a oferta de produtos
84
AULA 12 • A INFLAÇÃO BRASILEIRA
ATIVIDADES
1. Identifique e conceitue os principais tipos de infla-
ção.
2. Enumere e analise as principais causas da inflação
no Brasil.
3. Quais os fatores inflacionários que podem ser con-
siderados inerentes ao processo de desenvolvi-
mento econômico?
4. Quais as principais lições que podemos tirar do
processo de combate à inflação no Brasil?
REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo, Atlas,2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
85
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 13
Objetivos
• Conhecer as diferentes formas de se
medir a inflação no Brasil.
• Compreender o que são números-índices
de preços.
• Relacionar os principais indicadores de
inflação no Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA
Como falamos na aula anterior, a inflação se carac- são construídos a partir de amostras que não refletem
teriza por uma considerável e persistente alta dos pre- totalmente à realidade. A grande maioria dos índices de
ços, a qual, para ser considerada inflacionária, precisa preços contém vários tipos de erros, tais como erros de
ser generalizada, ou seja, precisa atingir todos os gru- fórmula, erros de amostragem e erro de homogeneida-
pos, categorias e classes de fatores de produção, bem de. Além disso, cada indicador é obtido com base em
como bens e serviços finais negociados na economia. diferentes critérios de cálculo, com fins específicos e
Dessa forma, a elaboração de índices indicadores da determinados.
inflação apresenta inúmeras dificuldades conceituais e
operacionais. Vamos juntos entender como se mede a NÚMEROS ÍNDICES DE PREÇOS
inflação no Brasil.
Pode-se definir um número-índice de preços como
COMO SE MEDE A INFLAÇÃO NO uma “estatística” que tem como objetivo medir a varia-
ção relativa de preços de um agregado de bens e servi-
BRASIL
ços em uma seqüência de períodos de tempo (PINHO,
A longa convivência com a inflação no Brasil ge- 1988). De acordo com Sandroni (1989), na construção
rou uma grande variedade de indexação de contratos, de um número índice, devem ser observados alguns
conhecida como correção monetária, para a qual são parâmetros básicos, tais como:
utilizados alguns indexadores que representam fatores - A Amplitude que indica o tamanho da amostra uti-
de conversão de valores monetários entre diferentes lizada e o campo da informação (produção industrial,
instantes de tempo, isto é, saber a quanto equivaleria preços no atacado, nível de emprego, etc.).
hoje, por exemplo, R$1,00 desde o lançamento do pla- - O Período-base, que é o espaço de tempo da va-
no de estabilização econômica. riação.
Se existisse apenas um bem na economia, não ha- - O Sistema de ponderação, que é o peso do pro-
veria a necessidade de construção de índices de pre- duto relativo à quantidade consumida (Por exemplo, o
ços. Esse se torna necessário sempre que se precisa chuchu não pode ter o mesmo peso do arroz, cujo con-
saber a variação conjunta de bens fisicamente diferen- sumo é muito maior. Portanto o peso do arroz é muito
tes, variando a taxas diferentes. Assim, o sistema de maior do que o do chuchu na renda de uma família).
indexação de uma economia é composto por um con- Vamos acompanhar, em seguida, a história dos
junto de indexadores usados durante um período de índices de inflação no Brasil, para melhor esclarecer
tempo, o qual é fundamentado pelos números índices possíveis dúvidas:
de preços, como Índice de Preços ao Consumidor, da
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística HISTÓRIA DOS ÍNDICES DE
(IPC-FIBGE), por exemplo. Deve-se ressaltar que os
fatores de correção são gerados a partir dos resultados
INFLAÇÃO
do próprio número-índice mensal ou depois do empre- Embora os índices de preços mais antigos que se
go de alguns processos estatísticos. conhecem tenham surgido na Europa, na época dos
A escolha do indexador está diretamente ligada ao Grandes Descobrimentos Marítimos, somente por volta
número índice em que se baseia o sistema de indexa- de 1920 se iniciou o cálculo sistemático de índices de
ção ou correção monetária. De acordo com estudos do inflação no Brasil.
Banco Central, a multiplicação dos índices no Brasil se Existem, no entanto, maneiras indiretas, baseadas
dá a partir do final da década de 1970 e início dos anos em registros históricos, de se estimar os índices para
de 1980, com o agravamento do processo inflacionário. os anos anteriores a 1920. Buescu, por exemplo, fez
A partir daí, são adotadas várias regras para cada tipo um levantamento dos índices brasileiros de 1560 até
de bem como: dinheiro, créditos, mercadorias, imóveis, 1889.
investimentos, câmbio, salários, aluguéis, etc. Os índices que começaram a ser calculados em
A obtenção de indicadores perfeitos só é conce- 1920, com retroação até 1912, eram divulgados pela
bida teoricamente. Portanto, do ponto de vista opera- Fazenda Nacional e vigoraram até 1939. Tratava-se,
cional, é praticamente impossível, já que os mesmos
88
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL
na realidade, da indexação dos gastos com a manuten- quando o Ministério do Trabalho instituiu o primeiro sis-
ção da família de Leo Affonseca Jr., pertencente à alta tema de índices de custo de vida para todo o País, com
classe média, que era o responsável pelo seu cálculo e ponderações baseadas em uma pesquisa de orçamen-
envio ao governo, para publicação. tos familiares realizada em 1948 e incluindo itens de
despesas de alimentação, habitação, vestuário, higie-
O IPC DA FGV ne, transporte, luz e combustível. Esse índice teve suas
Com a criação da Lei do Salário Mínimo, em 14 de ponderações e metodologias revistas em 1967 e em
janeiro de 1936, o índice do Sr. Leo sofreu várias refor- 1977, e acabou sendo absorvido pelo IBGE, servindo
mulações, passando a ser calculado pela FGV, sob a de embrião para o estabelecimento do índice nacional
denominação de Índice de Custo de Vida (ICV). de preços ao consumidor (INPC).
Em junho de 1966 foi realizada uma pesquisa de O INPC deu origem ao IPCA e, posteriormente, ao
orçamentos domésticos, com vistas a modernizar o IPC-IBGE.
ICV. Para tanto, foram preenchidas, pelos funcionários
da própria FGV e por operários do Arsenal de Marinha,
O IPC DA FIPE-USP
cadernetas domiciliares, onde se registrava, dia a dia, a A Lei que instituiu o salário mínimo determinava a
natureza e o valor do consumo dos diferentes itens de regionalização dos reajustes salariais e indicava como
despesa. Dessas cadernetas, foram selecionadas, por referência os menores salários pagos por empresas e
amostragem, 36 pertencentes a famílias de operários outras entidades, inclusive serviço público, em cada
do Arsenal de Marinha e 27 da própria FGV, todas refe- região. Dentro desse espírito, foi instituído o primeiro
rentes a famílias com salários inferiores a Cr$15.000. O índice regional de custo de vida no Brasil em 1936, pela
índice derivado dessa pesquisa foi publicado a partir de Subdivisão de Documentação Social e Estatística da
março de 1958 e já abrangia 85 itens de despesas. Prefeitura de São Paulo. Esse índice refletia o padrão
Vários aperfeiçoamentos daí se seguiram, sendo de consumo dos garis de limpeza urbana do município
que a última alteração de certa monta foi a inclusão de São Paulo. Em 1970, o Instituto de Pesquisas Eco-
na fórmula de cálculo do “Efeito Substituição” (V. Glos- nômicas da USP passou a calcular esse índice, que foi
sário) em 1977. Assim, a fórmula hoje utilizada para o então estendido, para abranger a “classe modal” (i.é,
IPC (ex-ICV) é mista: média geométrica para produtos mais freqüente) da população da Grande São Paulo.
alimentares e fórmula de Laspeyres para outras des-
pesas. O IPA DA FGV
O índice de preços por atacado, publicado no pri-
O INPC DO IBGE
meiro número da Conjuntura Econômica (novembro
A exposição de motivos que justifica o Decreto-Lei de 1947), era uma média ponderada de preços dos 25
n 399, de 30/4/38, que regulamenta a Lei do Salário
o
produtos mais importantes comercializados no País.
Mínimo, esclarece: A série dos índices foi revista no início de 1955, am-
O salário mínimo estabelecido pela Lei deve cor- pliando-se o número de produtos para 90. As pondera-
responder às necessidades normais de alimentação, ções foram estabelecidas a partir dos dados do Censo,
habitação, vestuário e transporte do trabalhador adul- acrescidas de informações sobre importações. Na série
to, excluída, portanto, a idéia do salário profissional e revista, os índices calculados para o período1944-47
afastada a do salário familiar. foram ponderados pelos dados do Censo de 1940 e, a
Esse mesmo Decreto-Lei determina as rações- partir de 1958, aplicaram-se dados relativos ao Cen-
tipo essenciais mínimas para as diferentes regiões do so de 1950. A ponderação era calculada (como ainda
país. hoje) com base no “valor adicionado” (produto final me-
Baseado nessas rações mínimas de subsistência, nos matéria-prima), ou, quando não possível, no valor
tornadas legais em 1938, já em 1935, o Serviço de de transformação industrial, para se evitar efeitos, no
Estatística da Previdência do Trabalho começou a cal- movimento dos índices, decorrentes de duplas conta-
cular índices de custo de alimentação nos municípios gens.
das capitais. Esses índices foram calculados até 1949,
89
ECONOMIA BRASILEIRA
90
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL
91
ECONOMIA BRASILEIRA
Delfim Netto, no mesmo artigo, chegou a declarar: bora o IPC oficial tivesse sido de 13,7% em 1973, seu
As diferenças nesses índices entre as grandes valor correto era 26,6%; o item “alimentação”, que era
capitais significam realmente muito pouco; a inflação de 16,4%, devia ser elevado para 41,4%. Terminava
global está decrescendo, lenta e seguramente, como seu “paper” sugerindo quatro possibilidades para con-
já afirmei. sertar a situação:
Desde 1970 já era patente que a inflação global • manter os critérios atuais de cálculo;
estava crescendo lenta e seguramente. Isto nos faz • transladar para nova origem (ou seja, passar
lembrar Orwell e seu “duplipensar”, quando afirma que, a calcular com base nos preços de mercado,
segundo o Grande Irmão: deixando o resto como está);
• publicar a série dos índices não manipulados,
Guerra é Paz
ao lado dos oficiais;
Liberdade é Escravidão
• corrigir todos os índices passados e eliminar os
Ignorância é Força.
adulterados.
Em outubro de 1974, uma outra notícia: Dessas quatro alternativas, Simonsen condenou
IBGE calculará os índices de preços a partir de as duas primeiras, sugeriu usar a terceira e considerou
1976. a quarta aceitável. Verificou-se, posteriormente, que
Este fato, anunciado pelo Presidente do IBGE e passou a vigorar a segunda opção.
desmentido por assessores do Ministro da Fazenda, já Desse modo, a FGV restabeleceu a verdade e a
se encontrava de fato definido desde maio deste ano, sua credibilidade perante a Nação, pois não tinha agido
quando o Presidente da República aprovou o plano. de má-fé. Teve, isto sim, que se submeter às enormes
Segue-se, depois, no mesmo artigo, uma série de pressões do governo, já que parte de seu orçamento
argumentos, para mostrar que é melhor calcular os vem de dotações federais.
índices pelo IBGE e não pela FGV, inclusive por que Infelizmente, não houve aí um “happy end”, mas
assim se acompanha “uma tendência aceita pelos pa- tão somente um “intermezzo”, como veremos.
íses desenvolvidos do Ocidente”. Nascia, deste modo, A partir de 1974, embora os índices da FGV te-
o índice mais manipulado do Brasil: o INPC. nham voltado a ser calculados corretamente, foi a vez
Mas a inflação “não deu bola” pra tudo isso e conti- da ORTN, que começou a ser corrigida para baixo (até
nuou subindo sem parar, a ponto de não mais ser pos- 1973 sua correção vinha acompanhando a inflação).
sível “tapar o sol com a peneira”. Comparemos os valores, notando a grande desin-
O caso só veio realmente a público em 1977, já em dexação (“perdas”) havida em 1979, 1980 e 1983:
pleno governo Geisel, através do “Relatório Secreto do
BIRD sobre a Economia Brasileira” (77), que afirmava, Ano 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83
textualmente:
ORTN
A figure of 22.5% for the rate of inflation in 1973 12,8 33,3 24,2 37,2 30,1 36,2 47,2 50,8 95,6 97,8 156,6
%
has been used instead of the official figure of 12,6%
(Um valor de 22,5% para a taxa de inflação em 1973 foi IGP % 15,7 34,5 29,4 46,3 38,8 40,8 77,2 110,2 95,2 99,7 211,0
utilizado em lugar do valor oficial de 12,6%).
Essa descoberta provocou um grande impacto, Perdas
2,6 0,9 4,2 6,6 6,7 3,4 20,4 39,4 (0,2) 1,0 21,2
%
causando enorme prejuízo moral e uma crise de credi-
bilidade tanto para o governo quanto para a FGV. Em 1979, com o segundo choque do petróleo (o
Na época era Ministro Mário Henrique Simonsen, primeiro foi em 1973, você se lembra de que já fala-
da FGV que, em vista do escândalo, procurou acon- mos dele?), este produto e seus derivados foram pra-
selhar o governo sobre como proceder. Em seu relató- ticamente excluídos do índice de Preços por Atacado,
rio “O problema inflacionário em 1974” (78), ele abriu não mais influindo direta e imediatamente no cálculo
o jogo, mostrando que o critério de manipulação tinha da inflação.
sido: usar os preços tabelados pelo governo, ao invés Com a inflação disparada desde 1970, um novo
dos preços de mercado (isto é, os preços realmente ataque de desespero acontece em 1983, quando se
pagos pelas donas-de-casa). Disse também que, em- repetem os episódios de 1973.
92
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL
Desta vez, todavia, não foi possível repetir as fa- considerou o momento muito grave e denunciou pres-
çanhas de 1973, pois a liberdade de imprensa já havia sões feitas pela SEPLAN: houve ameaças de todos os
sido reconquistada. Aliás, quanto a este aspecto da di- gêneros e espécies. A SEPLAN ameaçou até mesmo
tadura, em que o jornal O Estado de S. Paulo teve um retirar verbas da FGV. Creio que o objetivo disso tudo é
notável desempenho, à altura de suas tradições, vem transformar a FGV em IBGE, ou seja, numa instituição
bem a calhar um pensamento do Ministro do Supremo sem credibilidade. Absurdo.
Tribunal Federal, Aliomar Baleeiro: Resta saber, concluiu um diretor do DIEESE, se a
“A Liberdade não se recebe por mercê ou tolerân- sociedade se deixará enganar como agora, quando só
cia dos opressores. Há que merecê-la ou disputá-la. o índice falso passará a ser publicado mensalmente.
Sempre que houver almas de escravos, existirão voca- Isso é descrer de nossa inteligência.
ções de senhores.” O que deve ser contido é a inflação, não os índi-
Assim, para saber o que ocorreu na época, veja- ces.
mos as notícias da imprensa: O IBRE não aceita pedido de demissão de Cha-
Fev-1983: cel.
Diretor deixa o IBGE para não manipular INPC. A FGV conseguiu assim manter a sua seriedade
Governo tenta desde 1981 manipular INPC. nesse episódio, como se viu, se bem que a duras pe-
E o ministro pede confiança. nas. De resto, só serviu para reforçar a famosa frase
Jun-1983: atribuída a De Gaulle sobre o Brasil: “Ce n’est pas un
Governo já considera expurgo total. pays sérieux”.(Este não é um país sério.) (Diga-se de
Perícia prova expurgo já em 72. passagem que há quem afirme que De Gaulle jamais
Falta consenso para desindexar. disse isso, mas a frase “pegou”.)
Jul-1983: A redução dos índices de inflação para quase a
Economista denuncia presidente do IBGE. metade de seu valor real, em 1973, fez com que os tra-
A pressão, entrementes, não se fez sentir no IBGE balhadores acabassem por ter seus acréscimos sala-
apenas. Também a FGV “entrou na festa”. riais divididos por 2, já que a correção se dá com base
Set-1983: nesses índices.
FGV divulga última taxa real de inflação. Mas não somente os assalariados têm saído per-
Admitida a crise na FGV com omissão da taxa de dendo. Quem tem dinheiro depositado na caderneta de
inflação real. poupança, ou depende das ORTNs para algum reajus-
O IBRE tenta convencer Chacel a não se demitir. te, como aluguéis, por exemplo, também ficou prejudi-
(O IBRE é o responsável pela revista Conjuntura Eco- cado, não só em 1973, mas também em 79, 80 e 83,
nômica, que publica os índices mensais da inflação. O como se depreende do quadro das ORTNs versus IGP,
prof. Chacel é o seu diretor.) há pouco apresentado.
O que o povo tem a ver com os índices da FGV? Por essas e outras, os metalúrgicos resolveram en-
Reagiu Ikeda, da SEPLAN, ao ser indagado se não era trar na Justiça, para reaver as perdas derivadas do sutil
um engodo contra a sociedade a decisão do governo arrocho salarial sofrido em 1973.
de não mais divulgar o índice real de inflação, mas ape- A imprensa informa como vai o Processo:
nas o índice já expurgado. O reconhecimento, pela Justiça Federal em São
Após ressaltar que a taxa de inflação real é rele- Paulo, de que os índices relativos à inflação de 1973
vante, Simonsen disse que a FGV deve estabelecer foram rigorosamente fraudados -- o governo os reduziu
normas explícitas para a elaboração de seus índices, pela metade, baixando de 26,6% para 13,3% -- suscita
para não acentuar ainda mais o elemento risco no mer- algumas indagações que a SEPLAN ainda não se dig-
cado financeiro, provocador de distorções, que está nou responder.
levando os aplicadores a querer, cada vez mais, juros De certa maneira, o que menos interessa, no mo-
maiores, por saberem que a inflação é superior à taxa mento, é saber se a União vai ser obrigada a pagar a
expurgada. diferença salarial para os metalúrgicos que impetraram
Como usuário das informações prestadas pela a ação. Até porque os prejudicados são pobres, o caso
FGV, Beluzzo, professor de Economia da UNICAMP, pode ficar rolando durante muitos anos nos tribunais,
93
ECONOMIA BRASILEIRA
como observou muito bem o consultor jurídico do Pla- As palavras seguintes são do autor de uma carta à
nejamento. revista VEJA (22-2-84), o cartunista Paulo Caruso, do
Manipulações à parte, vez por outra também ocor- “Bar Brasil”, da revista SENHOR:
rem alguns enganos na divulgação dos índices: Fui surpreendido pelo comentário de amigos que
O índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) me avisaram ter sua revista publicado uma lista dos
acumulado nos últimos 12 meses, correspondente ao cartunistas preferidos do ministro Delfim Netto, entre
período de março de 1983 a fevereiro de 1984, é de os quais me incluía. Minha primeira pergunta, claro, foi
176,07% e não de 175,50%, segundo informou ontem saber onde é que eu havia errado. Ao ver a revista, me
o IBGE, retificando comunicação anterior, do último dia senti novamente aliviado, pois aquilo que o ministro tem
2. Com o novo índice acumulado, o reajuste anual dos exposto em seu gabinete não era um trabalho meu. Meu
aluguéis residenciais, em abril, será de 140,86% e não cartum foi devidamente ‘expurgado’ de seu significado,
de 140,40%. ganhando uma conotação sutilmente favorável ao mi-
Houve um erro de datilografia na hora de fazer o re- nistro. Para melhor informar a seus leitores, envio aqui
lease, na assessoria de imprensa”, assim o IBGE justi- a reprodução original do Bar Brasil como foi publicado
ficou a sua falha, atribuindo às datilógrafas um erro que na revista SENHOR. O desenho se referia ao afasta-
de fato é de exclusiva responsabilidade das pessoas mento recente e pronunciamentos revoltados do então
encarregadas de supervisionar o trabalho delas. E no presidente demissionário do Banco Central, Carlos Ge-
‘press-release’ de ontem, o IBGE voltou a errar: saiu raldo Langoni. Ministro, cuidado com as falsificações.
‘aunciado’ em vez de ‘anunciado’, no primeiro perído Paulo Caruso, São Paulo, SP.
(sic) da nota oficial em que o órgão se refere ao INPC Resposta de VEJA a essa carta:
anual correto. VEJA limitou-se a reproduzir o trabalho tal qual
Abrandada a tempestade, veio a bonança. Mas o existe na coleção do ministro, que por sua vez não é
mar continuava agitado. Pelo menos foi o que se viu responsável pelo ‘expurgo’ havido no desenho: ele o
com os índices de abril de 1984. recebeu assim de um amigo, que isolou uma parte do
Notícia de 27 de março de 1984: cartum e nele introduziu legendas inexistentes no ori-
Da sucursal de Brasília. O chefe da assessoria eco- ginal.
nômica do Ministério da Fazenda, Edésio Fernandes,
A história dos índices de inflação da FGV se di-
recebeu ontem a informação da FGV de que a taxa de
vide em sete fases:
inflação deste mês deve ficar mesmo abaixo de 10%, o
que, no seu entender, é um bom resultado em compa- • Primeiros passos: desde sua criação em
ração com a taxa de 12,3 % registrada em fevereiro. 1946 até 1964;
Notícia de 29 de março de 1984: • Consagração: de 65 a 72, quando oficializa-
Da sucursal do Rio. A taxa de inflação apurada dos;
pela FGV para o mês de março deverá ficar em 11,1%, • Atropelamento: de 73 a 76, sofrendo mani-
superando a expectativa das autoridades governamen- pulações e pressões do governo;
tais, que estavam calculando uma taxa máxima de • Reabilitação: de 77 a 82, voltando a ter
10%, como ponto de partida para o declínio da inflação sua imagem restaurada, embora com arra-
nos próximos meses. nhões;
Notícia de 30 de março de 1984: • Emboscada: em 83, quando o governo viu
A taxa de inflação do mês de março ficou mesmo que a fidedignidade dos índices da FGV es-
dentro das expectativas dos especialistas e das autori- tavam perturbando o INPC; ao tentar amor-
dades governamentais: 10,0% , sem expurgo, e 9,2% daçá-la, reagiu, pois ainda não se havia es-
com expurgo, de acordo com informação divulgada on- quecido de 73;
tem pela direção de pesquisas da FGV. • Liberdade vigiada: de 83 a 84 (controlada
Para terminar esta história dos índices, vem bem a pela SEST);
calhar o caso de mais um expurgo... em um cartum (91) • Destronamento: em 85, quando o índice ofi-
(92). Vale como epílogo. cial passou a ser o IPCA (atual IPC-IBGE).
94
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL
95
ECONOMIA BRASILEIRA
Índice Geral de Preços (IGP) principais instituições que calculam o índice de preços
para a economia são: Fundação Getúlio Vargas (FGV),
a) Instituição responsável: Fundação Getúlio
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Vargas (FGV).
Fundação Instituto de Pesquisas Econômica (FIPE) e
b) Universo da pesquisa: Rio de Janeiro, São
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Paulo e 10 regiões.
Sócio-Econômicos (DIEESE).
c) Período de coleta: primeiro ao último dia do
mês de referência.
ATIVIDADES
d) Área de cobertura: de 1 a 33 salários mínimos
(inclui preços no atacado e construção civil). Redija um texto em que você responda à seguin-
e) Utilização: contratos. te questão: “Por que existem diferentes taxas de infla-
f) Observações: O IGP é uma composição de ção?”
três outros índices: Índice de Preços por Ata-
cado (60%), Índice de Preços ao Consumidor REFERÊNCIAS
(30%) e Índice Nacional da Construção Civil
(10%); o IGP é calculado em dois conceitos: no ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
conceito oferta global (OG) são consideradas a tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
produção interna e as importações; no concei- lo, São Paulo, 01 abr.1999.
to disponibilidade interna (DI), são excluídas as
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
exportações do conceito oferta global.
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
Índice Geral de Preços no Mercado (IGPM)
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
- É a mesma metodologia do IGP, mudando ape- econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
nas o período de coleta de dados, que é do dia 21 do ción Economia de la Universidad Nacional Autó-
mês anterior ao de referência até o dia 20 do mês de noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007
referência. FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
- São divulgadas prévias de 10 em 10 dias, que na Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
realidade, representam uma antecipação do IGP.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
Índice de Preços por Atacado (IPA) porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
a) Instituição responsável: Fundação Getúlio (Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Vargas (FGV) Janeiro: BNDES, 1999.
b) Universo da pesquisa: preços no atacado.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
c) Período de coleta: primeiro ao último dia do
Contemporânea. São Paulo, Atlas,2007.
mês de referência.
d) Área de cobertura: Brasil. JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
e) Utilização: contratos. LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
f) Observações: O IPA é composto de 18 subín- tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
dices regionais em que o peso de cada mer- MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
cadoria é determinado por sua participação no porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
valor adicionado.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
RESUMO
SANDRONI, Paulo. Dicionáriode Economia. São
Foram apresentados nesta aula os principais índi- Paulo: Best Seller, 2002.
ces de preço do país. Descreveram-se suas principais SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
características como, por exemplo, metodologia, cálcu- temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
lo, abrangência geográfica e utilização. No Brasil, as 2007.
96
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL
97
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 14
Objetivos
• Conhecer as características da inflação
como um problema crônico no Brasil.
• Compreender a teoria da inflação
inercial.
• Saber relacionar o mecanismo da
indexação com a teoria da inflação
inercial.
ECONOMIA BRASILEIRA
100
AULA 14 • A TEORIA DA INFLAÇAO INERCIAL
ções dessa corrente de pensamento eram a extinção mantenedores, ou seja, a inércia da inflação era conse-
da correção monetária e o congelamento dos preços. qüência da luta dos agentes econômicos para manter
Entre os autores dessa teoria, destaca-se Luiz a sua participação na renda e para isso repassavam
Carlos Bresser Pereira, que se inspirou nas idéias de aumentos de custos para os preços, indexando de ma-
Ignácio Rangel, autor do livro A Inflação Brasileira, pu- neira informal seus preços.
blicado em 1963, o qual trazia idéias revolucionárias Veja a seguir uma entrevista de Luiz Carlos Bresser
sobre a inflação no Brasil. Abaixo, uma interpretação – um dos autores da teoria da Inflação Inercial – dada
do pensamento de Rangel, elaborada por Rego e Mar- ao repórter Ivan Martins, da revista “IstoÉ – Dinheiro”.
ques, sobre a inflação brasileira:
Rangel via a inflação como um meca- Luiz Carlos Bresser-Pereira tem história na vida
nismo de defesa da economia, como
uma forma por meio da qual os ciclos econômica brasileira. Três vezes foi ministro de
econômicos eram moderados e a taxa Estado, por 20 anos foi diretor administrativo do
de investimento se mantinha elevada. grupo Pão de Açúcar e desde sempre leciona e
Enquanto a teoria convencional da infla-
ção, monetarista ou keynesiana, supõe publica proficuamente, na condição de economis-
que a inflação seja, em princípio, de de- ta. Nos últimos dias, o peso desse currículo foi
manda, acelerando-se nos momentos lançado em defesa de uma tese – a redução dos
de expansão da economia, Rangel dava
ênfase ao lado da oferta e considerava
juros – e de um conceito – o da inflação inercial.
a inflação brasileira não como uma con- Bresser acredita que esse tipo de inflação, tipica-
seqüência da demanda em ascensão, mente brasileira, não é causado pela demanda,
mas como resultado dos desequilíbrios mas sim, pela indexação. E não pode ser derrota-
da economia, que se manifestavam por
meio da recessão e da própria inflação. da pelos juros que o Banco Central está impondo
Além disso, acreditava que o poder de ao País. “A idéia de destruir a inércia inflacionária
monopólio das grandes empresas, e par- pela recessão é inútil e dolorosa”, diz o intelectu-
ticularmente dos grandes intermediários
de bens agrícolas, representava um pa- al tucano. Crítico feroz do pensamento único na
pel fundamental na explicação do proble- economia, Bresser lança sobre o governo Lula a
ma. A inflação se acelerava na recessão pior ofensa do seu vocabulário teórico. “Voltamos
para acomodar as demandas dos agen-
tes econômicos, principalmente daqueles
à política do Malan”, diz ele. “E os resultados se-
com poder monopolista, que relutavam rão os mesmos, desastrosos.” Ele acredita que o
em aceitar uma diminuição de sua renda. governo está atemorizado e que, em sua busca
Dessa forma, e ao contrário do que pro- de credibilidade junto ao mercado, poderá afun-
põe a teoria econômica convencional, a
inflação, para Rangel, acelerava-se nos dar o País na estagnação. A saída? Desindexar,
momentos de crise e reduzia seu ritmo atuar sobre o câmbio, romper com a ortodoxia do
quando a economia voltava a crescer. pensamento único: “Pouca gente tem coragem de
(REGO e MARQUES, 2001.)
falar essas coisas porque a chance de ser estig-
Além do fenômeno da estagflação, previsto por matizado como irresponsável ou populista é muito
Rangel, pôde-se observar uma outra característica pe- grande”. Na segunda-feira passada, em seu vas-
culiar à inflação brasileira, que era a estabilidade da to e elegante escritório, o professor da Fundação
inflação em determinados níveis. Esse fato não encon- Getúlio Vargas falou à DINHEIRO o que segue:
trava explicação satisfatória em nenhuma teoria vigen- DINHEIRO – O sr. está desapontado com a po-
te. Assim, ganhava força a tese de que a inflação não lítica econômica?
estava relacionada com o nível da atividade econômi- BRESSER – Embora eu tenha votado em José
ca. Em outras palavras, a inércia da inflação era conse- Serra, tive esperança de que o Lula fosse mu-
qüência da luta dos agentes econômicos para manter a dar de forma decisiva a política econômica. Mas
sua participação na renda. agora, entrando no sexto mês de governo, não
A evolução da teoria da inflação inercial está dire- vejo mudança nenhuma. A política econômica é
tamente ligada à publicação de um artigo de Bresser a mesma de Pedro Malan: aquela recomendada
e Nakano (1983) no qual distinguem os fatores ace- por Washington e Nova York, aquela que agrada
leradores, mantenedores e sancionadores da inflação. ao sistema financeiro internacional, aquela que
A grande inovação estava na descoberta dos fatores
101
ECONOMIA BRASILEIRA
tem mantido o Brasil semi-estagnado desde o go- combate à inflação, profundamente irracional no
verno Fernando Collor. caso da economia brasileira. O próprio Banco
Central tem dito que estamos lidando com uma
DINHEIRO – Lula tem pedido paciência...
inflação inercial, causada pela desvalorização de
BRESSER – Pois é. Em fevereiro eu escrevi um 2002. Os efeitos dessa desvalorização se esgota-
artigo dizendo que Lula não estava traindo nin- ram, mas ficou um resíduo e tudo indica que te-
guém, que dar continuidade às políticas de Fer- mos hoje uma inflação inercial de 10% ou 11%.
nando Henrique era inevitável pelas circunstân-
DINHEIRO – Mas por que essa inflação inercial
cias. Eu dizia que antes de o dólar cair a R$ 3,20 resiste em um ambiente de desemprego eleva-
e de o risco Brasil ficar abaixo de 1.000 pontos, do e recessão?
não se podia mudar a política macroeconômica. E
havia também a crise do Iraque. Era natural que BRESSER – Porque é assim que ela funciona.
se tentasse recuperar a confiança. Mas essas Ela persiste apesar da estagnação e da reces-
coisas todas ficaram para trás e mesmo assim são, apesar da falta de demanda. Já se sabe
não se mudou nada. Pelo contrário. O que a crise desde meados dos anos 80 que nesse tipo de
ambiente inflacionário as políticas de conten-
havia produzido de bom – a elevação do câmbio
ção de demanda e de juros elevados são to-
para R$ 3,50 por dólar – foi destruído. Voltamos à
talmente ineficazes. A única forma de acabar
política macroeconômica do governo Malan.
com a inflação inercial é desindexar. Acabamos
DINHEIRO – Como o sr. descreve essa políti- com a inflação em 1994 sem recessão, através da
ca? URV. Ela foi o mecanismo desindexador.
BRESSER – É simples: juro alto, câmbio baixo e DINHEIRO – Mas alguém poderia sugerir que
dependência da poupança externa. Mas o fato é desde então a inflação brasileira mudou, que
que só é possível um país se desenvolver se tiver ela hoje é de um tipo mais ortodoxo...
câmbio alto e juro baixo.
BRESSER – Poderia, mas a diretoria do Banco
DINHEIRO – O sr. acha mesmo que está se Central está dizendo que a inflação é inercial, e
repetindo o Malan? Afinal, há resultados posi- que por isso as taxas de juros têm de ser eleva-
tivos... das. Quando fazem esse tipo de afirmação, eles
demonstram enorme incompetência. Chega a ser
BRESSER – A política é igual no método, e os
patético. Se dissessem que a inflação é de de-
resultados serão igualmente desastrosos. Ma- manda estaria errado, mas haveria lógica. Mas
lan nos manteve semi-estagnados por oito anos dizer que a inflação é inercial e propor o juro ele-
e nos levou a duas crises de balanço de paga- vado como solução é totalmente absurdo.
mentos, uma em 1998 e outra em 2002. Malan
dizia que fazia tudo isso em nome da estabilidade DINHEIRO – Qual é a maneira de combater a
macroeconômica, mas o fato é que estabilidade é inflação inercial?
mais do que simples estabilidade de preços – en- BRESSER – A maneira de lidar com a inflação
volve também déficit público sob controle, déficit inercial é desindexando. O presidente Lula, que
em conta corrente controlado e razoável pleno está com 80% de aprovação popular, deveria es-
emprego. Sem isso não há desenvolvimento. tar com toda a sua equipe convencendo os tra-
Reduzir a estabilidade macroeconômica apenas balhadores e os empresários a não indexarem
à estabilidade de preços é uma forma vesga de os seus salários. E se isso não for viável, teriam
olhar a realidade. E provoca desastre. de encontrar mecanismos que impedissem a in-
dexação, porque ela é desastrosa para a eco-
DINHEIRO – Mas mesmo os economistas que
nomia brasileira. Este ano já tivemos o segundo
discordam do atual patamar de juro dizem que
estágio da inercialização da economia, que foi a
ele vai reduzir a inflação.
indexação dos salários. Segundo o Dieese, dos
BRESSER – Pois eu afirmo que não. Eu digo que 27 acordos que houve nos últimos quatro meses
essa é uma política profundamente ineficiente de quase todos foram com INPC pleno. Os trabalha-
102
AULA 14 • A TEORIA DA INFLAÇAO INERCIAL
dores indexaram seus salários com apoio dos em- BRESSER – Não muito. Um problema que
presários. Esse é um fator fundamental de inflação têm os partidos de esquerda quando che-
inercial e tem de ser combatido. A idéia de destruir gam ao governo é que eles se sentem
a inércia pela recessão é inútil e dolorosa. inseguros e ameaçados. Eles mesmos precisam
de credibilidade. E isso acaba sendo sinônimo
DINHEIRO – Mas a queda da inflação registra-
de fazer tudo que a direita, o poder ou o esta-
da nos últimos indicadores não mostra que o
blishment desejam. É isso que está acontecendo.
remédio está funcionando?
Mas eu não perdi a esperança. O Lula é sério,
BRESSER – De forma nenhuma. A política Hi- responsável, preocupado com o interesse públi-
roshima e Nagasaki que o Banco Central está co. Esse tipo de política que está sendo adota-
usando não funciona. A inflação está caindo por- do é totalmente incompatível com o que Lula é.
que a bolha causada pela desvalorização de 2002 Se o debate público continuar, mais cedo ou mais
está acabando. Se não houvesse inércia nenhu- tarde o presidente muda essa política. Com ela o
ma, a inflação cairia para 2% ou 3%. Mas como Brasil não liquida a inflação e nem retoma o de-
há inércia, e os reajustes salariais estão sendo senvolvimento.
dados, a inflação vai se estabilizar em torno de DINHEIRO – Mas o governo diz que o País está
10% ou 11%. Não cai abaixo disso porque é iner- no limiar de um círculo virtuoso...
cial. A política de destruição em massa do BC não
está dando resultado nenhum. BRESSER – Estamos quase lá, não é? De re-
pente a taxa de juro vai começar a cair, o câmbio
DINHEIRO – Como se explica que o BC ignore vai subir um pouco, os investimentos vão retornar
algo tão óbvio? e o País vai crescer enormemente. Mas isso é
BRESSER – Porque a teoria da inflação inercial uma tolice imensa. Nós estamos em uma armadi-
é brasileira e nunca foi aceita em Washington e lha perversa de juros altos e câmbio baixo. O País
Nova York. E mesmo no Brasil muita gente não não sai dela se não tiver muita determinação e
entendeu direito. E agora o governo está tentando muita coragem. O mercado não tem mecanismos
obter credibilidade junto aos mercados financei- automáticos que permitam sair dessa situação.
ros internacionais e eles têm uma teoria errada Sem dúvida terá de haver uma ruptura.
sobre a inflação brasileira. O governo acaba fa- DINHEIRO – Mas é possível romper?
zendo errado porque está pensando com a ca-
BRESSER – Eu lembro que durante a campa-
beça do FMI, do Tesouro americano e do sistema
nha um importante líder do PSDB me dizia: “Não
financeiro internacional.
tem alternativa. A saída ortodoxa é a única que os
DINHEIRO – Mas credibilidade é importante. nossos credores aceitam”. Mas a subserviência
BRESSER – Credibilidade é importante, mas implícita nessa frase não compreende a lógica
não a qualquer custo. Nos últimos 10 ou 15 anos do mercado financeiro. Ele não é dogmático. Se
criou-se em Washington a teoria de que países você faz o que é certo, se a coisa começa a dar
como o Brasil só poderiam se desenvolver com certo, o mercado muda de posição com rapidez.
O Plano Real foi feito a despeito das opiniões do
poupança externa. Isso é uma tolice, mas virou
mercado. Deu certo e ele aplaudiu. A desvalori-
um axioma. Aí vêm os nossos financiadores e
zação cambial de janeiro de 1999 foi feita contra
nos dizem: para ter acesso à poupança externa é
a opinião dele, mas quando deu certo o mercado
preciso ter credibilidade, e para ter credibilidade é
bateu palma.
preciso fazer tudo aquilo que nós sugerimos: ju-
ros altos, âncoras cambiais... Isso é uma loucura. DINHEIRO – Nesse contexto de estagnação e
Isso é falta de juízo. Administramos a nossa eco- ortodoxia, como ficam as promessas de cresci-
nomia com a cabeça mal informada dos outros. mento do presidente Lula?
DINHEIRO – Não o surpreende que o PT faça BRESSER – Acho que uma parte do PT acre-
esse papel? dita que a política industrial ou de financiamento
103
ECONOMIA BRASILEIRA
104
AULA 14 • A TEORIA DA INFLAÇAO INERCIAL
REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
lo, São Paulo, 01 abr.1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
ción Economia de la Universidad Nacional Autó-
noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007
FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
REGO, J. M. R.; MARQUES, R. M. Economia bra-
sileira. São Paulo: Saraiva, 2001.
SANDRONI, Paulo. Dicionáriode Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.
105
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 15
Objetivos
• Entender as características dos planos
Cruzado, Bresser e Verão.
• Conhecer os principais motivos do
fracasso do Plano Cruzado.
• Conhecer as causas do fracasso dos
planos Bresser e Verão.
ECONOMIA BRASILEIRA
108
AULA 15 • POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO: PLANO CRUZADO, PLANO BRESSER E PLANO VERÃO
o governo as adiou. Assim, logo depois das eleições, governo. Para tanto, adotaram-se o congelamento de
são lançados “pacotes” fiscais na tentativa de contor- empréstimos para o setor público e a contenção sala-
nar os problemas, através da contenção da demanda e rial. O descontrole fiscal e monetário, juntamente com
do controle do déficit público. Porém, as medidas foram a falta de rumos e o imobilismo do Governo Sarney,
inócuas na tentativa de corrigir as distorções conjuntu- fizeram com que a inflação voltasse a se acelerar, res-
rais. O resultado foi o recrudescimento e exacerbação suscitando o “fantasma” da hiperinflação.
da inflação e a desaceleração do crescimento. Agora, vejamos. Ao analisar a implementação da-
Em conseqüência da crise instalada, somada às queles planos econômicos, podemos observar que a
dificuldades na balança de pagamentos, o país declara duração do sucesso de cada um foi se reduzindo na
moratória aos credores internacionais em fevereiro de medida em que iam sendo reeditados. Esse fato está
1987. relacionado à falta de credibilidade dos agentes econô-
micos em relação à eficácia das suas medidas, pois,
O PLANO BRESER com o passar do tempo, retornam os velhos problemas,
como a indexação da economia, a deterioração das
Em abril de 1987, o então ministro Dílson Funaro
condições de financiamento e o déficit público.
foi substituído por Bresser Pereira no Ministério da Fa-
zenda. Bresser lança, no mês de junho, um plano de
CAUSAS DO FRACASSO DOS
estabilização econômica chamado de Plano Bresser.
Esse plano misturava elementos ortodoxos com hete-
PLANOS BRESSER E VERÃO
rodoxos e tinha como principal objetivo não mais erra- Um dos motivos apontados para o fracasso dos
dicar a inflação, mas apenas controlar os índices para planos Bresser e Verão foi a baixa credibilidade da po-
evitar a hiperinflação. Suas principais medidas foram: pulação em relação a eles. Assim, apesar da adoção
- congelamento de preços e salários por três de um novo congelamento, os empresários aumenta-
meses; ram os preços de produtos já defasados antes do con-
- desvalorização cambial; gelamento, o que causou pressões inflacionárias.
- mudança da base do Índice de Preços ao Con- Os planos Bresser e Verão não conseguiram estabi-
sumidor (IPC); lizar os preços. Em 1989 a inflação ficou completamen-
- introdução de uma tablita para ser aplicada aos te fora de controle e o déficit do governo aumentou. O
contratos pós-fixados; novo patamar inflacionário tornava evidente o fracasso
- criação da Unidade de Referência de Preços da política “feijão com arroz” e reacendia discussões
(URP) para correção dos salários. acerca da desindexação, e ainda da adoção de uma
Foi feita uma tentativa de adotar uma política mo- reforma monetária que instituísse a OTN como moeda
netária e fiscal ativa com o objetivo de reduzir o déficit legal. A nova Constituição promulgada em outubro de
público e futuramente empreender a independência do 1988 aumentou a vulnerabilidade do governo central.
Banco Central, porém a fragilidade das medidas impe- Fez-se um pacto social entre governo, empresários e
diu que se cumprissem os objetivos. trabalhadores que contribuiu para conter apenas tem-
Em dezembro de 1987, Bresser pede demissão, e porariamente a ameaça da hiperinflação. O pacto não
Maílson da Nóbrega assume o Ministério. (Você deve foi bem sucedido e as taxas de inflação registradas
estar percebendo que essa foi uma época de verdadei- em novembro e dezembro foram respectivamente de
ra ciranda de ministros.) 26,9% e 28,8% ao mês. No final de 1988, a economia
parecia novamente se encontrar no limiar da hiperin-
O PLANO VERÃO flação.
109
ECONOMIA BRASILEIRA
economia sofreu um processo crescente de indexação VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
e esteve à beira da hiperinflação em 1990, final do go- nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
verno Sarney. Atlas, 2003.
ATIVIDADES
1. Aponte e explique as principais medidas de comba-
te à inflação implementadas pelo Plano Cruzado.
2. Aponte os principais motivos que explicam o fra-
casso do Plano Cruzado.
3. Por que os planos Bresser e Verão também falha-
ram na tentativa de conter a inflação?
REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
lo, São Paulo, 01 abr.1999.
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econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
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porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
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JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
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MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
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Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
2007.
110
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 16
O PLANO COLLOR
Objetivos
• Compreender as reformas institucionais
implementadas pelo Plano Collor I.
• Conhecer as características do Plano
Collor II.
• Analisar as críticas feitas aos planos
Collor.
ECONOMIA BRASILEIRA
112
AULA 16 • O PLANO COLLOR
113
ECONOMIA BRASILEIRA
114
AULA 16 • O PLANO COLLOR
115
ECONOMIA BRASILEIRA
REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
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CARVALHO, Carlos Eduardo. Bloqueio da Liquidez
e Estabilização: o fracasso do Plano Collor – Tese
de Doutorado: Unicamp, 1996.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
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de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro.
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(Org.). A Economia Brasileira nos anos 90. Rio de
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porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
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PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
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SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.
116
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 17
Objetivos
• Conhecer as discussões sobre o processo
de reestruturação produtiva brasileira.
• Analisar o processo de abertura comercial
implementado no governo Collor.
• Compreender os efeitos positivos
e negativos da abertura comercial
brasileira.
ECONOMIA BRASILEIRA
118
AULA 17 • A ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA DURANTE O GOVERNO COLLOR
119
ECONOMIA BRASILEIRA
como prioridade a obtenção de superávits comerciais, por parte das empresas brasileiras para sobreviverem
através da contenção de importações e incentivos às à nova realidade. Alguns autores argumentam que os
exportações. Mas, a partir do final dos anos 80, perce- produtores locais foram prejudicados pela tributação
be-se que o modelo deveria ser revisto. Uma grande e juros elevados, além da carência de infra-estrutu-
parte dos setores da economia brasileira sofria com os ra e da burocracia excessiva. Assim, de acordo com
atrasos tecnológicos, seja por causa da obsolescência Lanzana,
das máquinas e equipamento, dos métodos gerenciais O país promoveu a abertura comercial,
empregados ou por causa das relações entre o capital mas o sistema onde as firmas operam é
e o trabalho. típico de uma economia fechada. Esta
limitação, ao impor custos adicionais às
Nesse contexto, ficou latente a necessidade de firmas, retira-lhes a capacidade de con-
uma política industrial que colocasse o país em sin- correr com o produto importado. Esses
custos foram genericamente batizados
tonia com as transformações em curso na economia de “custo Brasil”. Na realidade a presen-
mundial e promovesse a recuperação do atraso tec- ça do “custo Brasil” fez com que as fir-
nológico. A falta de investimento interno, ao longo da mas operassem em condições desiguais
em relação ao produto importado. Assim,
década de 1980, levou a uma grande precariedade da mesmo firmas que adotaram políticas de
infra-estrutura econômica, tanto nas áreas de energia, aumento da eficiência poderão não so-
breviver em função de fatores que inde-
telecomunicações, como nos transportes e portos. A pendem de seu controle e ação. (LAN-
falta de investimento do Estado nas áreas de educação ZANA, 1998)
básica e formação profissional dificultava a adaptação
Algumas críticas se referem à forma como foi im-
da força de trabalho a padrões tecnológicos mais avan-
plementada a abertura econômica, considerada rápi-
çados, o que obviamente comprometia o aumento da
da, sem dar tempo aos setores internos de se prepa-
produtividade.
rarem. Por outro lado, a globalização é irreversível e
leva a uma crescente interligação entre os mercados
OS EFEITOS DA ABERTURA
financeiros e de bens e a integração das economias
COMERCIAL BRASILEIRA num grande mercado, com desregulação dos fluxos
A abertura comercial brasileira levou o setor produ- de comércio, de produção e financeiro. Nesse senti-
do, os preços internacionais passam a ser medida de
tivo a um grande processo de reestruturação. Do lado
competitividade.
positivo, a ação da concorrência beneficiou os con-
Além das mudanças verificadas no setor produti-
sumidores através da maior disponibilidade de bens
vo, é importante ressaltar as alterações nos mercados
e serviços, de preços mais baixos e tecnologia mais
de capitais. A presença do capital pode ser em forma
avançada. Porém, influenciou negativamente o nível de
de investimento direto, através de fusões, incorpora-
emprego.
ções ou joint-ventures. Isso significa que o importan-
Grandes desafios foram impostos às empresas bra-
te é a competitividade global, abrindo possibilidade
sileiras, como o de elevar a produtividade e a eficiên-
para todas as localizações e fornecedores. Nos últi-
cia, de forma a se tornarem competitivas para enfrentar
mos anos, tem aumentado expressivamente o fluxo
a concorrência. No âmbito do setor externo e interno,
de capitais em direção ao Brasil, devido às próprias
foram tomadas as seguintes medidas: a) reestrutura-
modificações do sistema financeiro internacional, da
ção dos métodos de produção; b) terceirização de par-
abertura financeira da economia brasileira e da políti-
te das atividades; c) maior racionalização dos métodos
ca de juros altos.
de trabalho; d) adoção de novos métodos gerenciais
que implicaram menor uso da mão-de-obra; e) busca
RESUMO
de qualidade; f) redefinição de linhas de produção; g)
busca de financiamentos externos; h) atualização de Nesta aula vimos que as discussões a respeito da
produtos e vendas de ativos; i) maior utilização de in- abertura da economia brasileira vão além dos argu-
sumos importados. mentos favoráveis e contrários, na medida em que le-
É fato que a abertura econômica iniciada no go- vantam questões sobre a maneira e o ritmo como essa
verno Collor levou a uma forte necessidade de ajuste abertura deve ser empreendida.
120
AULA 17 • A ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA DURANTE O GOVERNO COLLOR
ATIVIDADES
1. Quais foram as peculiaridades da abertura comer-
cial brasileira?
2. Quais foram os efeitos positivos e negativos da
abertura comercial brasileira?
3. Relacione a abertura econômica brasileira e o pro-
cesso de globalização
REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
lo, 01/04/1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M. A. M. Suave fracasso: la política ma-
croeconômica de Brasil durante 1999-2005. Investi-
gación Economia de la Universidad Nacional Autó-
noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A Economia Brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.
121
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 18
O PLANO REAL
Objetivos
• Conhecer as três fases de implantação
do Plano Real.
• Compreender porque foi necessária a
mudança cambial implementada em
janeiro de 1999.
• Analisar as virtudes e as vulnerabilidades
do Plano Real e seus impactos sobre a
economia brasileira.
• Avaliar as condições da economia
brasileira pós-estabilização.
ECONOMIA BRASILEIRA
124
AULA 18 • O PLANO REAL
estabelecia a obrigatoriedade dos estados e municípios preços relativos com base na moeda indexada. Segun-
em manterem em dia seus débitos com a União para dos os economistas criadores do plano, a URV deve-
receberem verbas federais. Ainda em função do ajuste ria proporcionar aos agentes econômicos uma fase de
fiscal, foi criado o Fundo Social de Emergência, a fim transição para a estabilidade de preços.
de equilibrar o orçamento e diminuir a rigidez dos gas- A URV foi instituída para restituir à moeda brasileira
tos da União determinada pela Constituição de 1988. a sua função de unidade de conta, isto é, de denomina-
Para a recuperação da receita tributária, foi criado dor comum de valor ou expressão geral do valor (a mo-
o Imposto Provisório Sobre Movimentação Financeira eda fornece o referencial para que as mercadorias co-
(IPMF), com uma alíquota de 0,25% sobre o valor de tem o seu valor). Portanto a URV era válida para todos
toda operação bancária. A arrecadação desse impos- os produtos, porém desvinculada da moeda vigente, o
to deveria auxiliar o governo federal a equilibrar suas cruzeiro real. O seu valor foi ancorado no dólar, na pa-
contas no período 1993/94. Foram tomadas medidas, ridade de US$ 1, enquanto o cruzeiro real se desvalori-
também no sentido de combater a sonegação, pois a zava. Assim, a URV passou a ser referência de cálculo
evasão fiscal interferia no ajuste das contas públicas. para preços e contratos fixados após sua instituição.
Assim, o governo iniciou uma campanha massiva de Imagino que você deve estar tendo certa dificul-
conscientização contra a sonegação, fiscalizando de dade para entender o que significou a URV no Plano
forma mais rigorosa as grandes empresas, assim como Real. Vamos ver se o assunto fica mais claro com esta
agindo de forma mais contundente na cobrança dos im-
explicação do economista Gustavo Franco:
postos das pessoas físicas.
A URV veio para simplificar uma das ativi-
Para aumentar a eficiência da administração do pa-
dades mais conspícua da vida desse país:
trimônio da União, foi vedada aos devedores do gover- a utilização de um indexador. Conceitu-
no federal a participação em concorrências públicas, a almente, foi definida como uma moeda
de conta predominantemente contratual,
tomada de empréstimos de bancos oficiais e a manu- com o objetivo adicional de permitir uma
tenção de concessões públicas. transição suave para níveis reduzidos
de inflação, desintoxicando o organismo
Com a possível queda da inflação, o setor finan-
econômico dos vícios da inflação. Tal
ceiro, seu principal beneficiário, passaria por grandes como a heroína passa a compor o equi-
dificuldades, na medida em que grande parte das suas líbrio orgânico de um dependente, a in-
flação penetra nas relações econômicas
receitas era gerada pelas altas taxas de inflação. Para desfigurando preços e relações contratu-
prevenir futuros problemas com a desestruturação do ais, transferindo riqueza, de tal sorte que
a súbita privação da droga provoca priva-
setor bancário, foi iniciado pelo governo um processo
ções de natureza imprevisível. Não há dú-
de saneamento dos bancos públicos e privados. vida de que viciados em estágio avança-
Com relação às privatizações, a idéia era de que a do precisam de um tratamento cuidadoso
e gradual. Para isso, a URV. Misteriosa
atuação do governo deveria ser voltada apenas para os ou não, a URV pegou. Sua credibilidade
setores considerados essenciais como saúde, educa- era incontestável, bem como a percepção
de que se tratava de um estágio transi-
ção, justiça, segurança, ciência e tecnologia. Por outro
tório para nos trazer de volta a uma rea-
lado, a privatização das estatais era necessária para lidade econômica há muito perdida. Sua
diminuir as despesas do governo, que poderia trans- adoção não ocorreu por voluntarismo ou
pela disposição patriótica de alguns. Os
ferir ao setor privado os custos da modernização da agentes econômicos a utilizaram porque
infra-estrutura de tais empresas. era de seu próprio interesse, este sendo,
possivelmente, um dos grandes segredos
deste programa: oferecer à sociedade, no
PLANO REAL – SEGUNDA FASE: âmbito do esforço de estabilização, me-
A URV canismos consistentes com os incentivos
econômicos naturais em uma economia
de mercado. (FRANCO, 1994)
Em fevereiro de 1994 inicia-se a segunda fase do
Plano Real através da introdução de um novo sistema Para orientar o mercado, o Banco Central publi-
de indexação, via criação da URV. Esse novo sistema cava diariamente boletins sobre a desvalorização do
de indexação representava uma tentativa de eliminar a Cruzeiro Real e a cotação da URV. Assim, independen-
inércia inflacionária, promovendo todos os ajustes de temente das desvalorizações monetárias provocadas
125
ECONOMIA BRASILEIRA
pela inflação, a URV era usada pelos agentes econô- a mudança do regime monetário atra-
vés da adoção de um padrão de valor
micos para determinar seus preços, efetuar contratos e
– a URV – que circulou conjuntamente
determinar salários. ao CR$, a moeda “podre". O BACEN
Como se pode perceber, foi instituído um sis- apresentava cotações pré-fixadas di-
árias entre a URV, que manteve uma
tema bimonetário, no qual a URV funcionava como âncora informal no dólar americano,
unidade de conta, na medida em que expressava os de modo que a URV atuou como in-
preços das mercadorias. Porém, as transações eram dexador geral da economia. Isto foi
importante para resgatar na URV
saldadas em cruzeiro real, que mantinha a função uma das funções básicas da moeda,
de meio de troca, ou seja, o preço da mercadoria a função de unidade de conta. A últi-
expresso em URV era convertido em CR$ pela cota- ma fase destinou-se à adoção desse
padrão de valor como moeda nacional
ção do dia da URV, no exato momento da transação. estável – o Real, concluindo, assim, a
Dessa forma, a inflação permanecia na moeda em reforma monetária sem a contamina-
ção inflacionária da nova moeda.
circulação, mas não na URV, cujo valor era corrigido
de acordo com a inflação da antiga moeda, o CR$. Como foi dito acima, para manter o valor da
Seguindo a lógica do plano, o Real só foi introduzido nova moeda, além do controle monetário, o gover-
quando todos os preços estavam convertidos para a no também adotou um teto máximo para a taxa de
URV, o que aconteceu no dia 1º de julho de 1994. câmbio, ou seja, a adoção de uma "âncora cam-
PLANO REAL – TERCEIRA FASE: RE- bial" que consistiu na valorização da moeda nacio-
FORMA MONETÁRIA (A CRIAÇÃO DO REAL) nal, paralela a um regime de bandas cambiais, ou
Com a extinção do Cruzeiro Real, a URV passou a seja, câmbio fixo. Esta política cambial foi adotada
vigorar como moeda brasileira, recebendo o nome em um período durante o qual a economia brasi-
de Real. Foi introduzida com valor semelhante ao da leira aumentou o grau de abertura para o exterior
URV do dia, ou seja, CR$ 2.750,00. Logo, todos os e o país acumulava um volume significativo de re-
preços em CR$ foram convertidos em R$, na medida servas. Além disso, houve a negociação da dívida
em que eram divididos por esse valor. No início do externa e as transformações do sistema financeiro
processo de conversão das moedas, houve uma
internacional. Nesse período a taxa de juros inter-
aceleração inflacionária, devido à especulação fi-
na era extremamente elevada, o que atraía recur-
nanceira de alguns agentes, mas que não foi bem
sos externos para o Brasil, levando a um acúmulo
sucedida, pois não havia condições de sustentar
de reservas de US$ 40 bilhões, quando foi feita a
preços mais elevados. Como os autores do Plano
reforma monetária.
Real já previam essa atitude por parte dos agen-
Esta folga cambial - número satisfatório de
tes, o governo anunciou metas bastante restriti-
reservas aliado a uma grande capacidade de im-
vas para a política monetária como restrição das
portar devido ao câmbio valorizado – além de con-
operações de crédito, aumento do depósito com-
tribuir para a queda da inflação, ajudava na manu-
pulsório dos bancos e taxas de juros elevadas. A
tenção dos preços internos, já que possibilitava a
finalidade desse controle da expansão monetária
era a de limitar a capacidade dos agentes de re- importação de produtos para satisfazer o aumento
passar custos para os preços. Essa política eco- da demanda e manter os preços estáveis.
nômica ficou conhecida como a "âncora monetá- Podemos concluir dizendo que o Plano Real
ria" do Plano Real. Sobre a adoção das "âncoras", adotou três âncoras: a cambial, a monetária e a
afirma Lucchesi: fiscal. A primeira refere-se à paridade informal
entre a URV e o dólar, evoluindo depois para um
Ao ser implantado, o Plano Real se
serviu de duas âncoras principais: as sistema de bandas estreitas entre o Real e o dó-
políticas monetária e cambial. A pri- lar; a monetária, pautada por metas de expansão
meira foi usada pelo governo como
instrumento de controle dos meios de monetária bastante restritiva e juros elevados. E,
pagamento; a segunda trata do con- finalmente, a fiscal, baseada numa ampla reorga-
trole das relações comerciais entre o
nização do setor público e de suas relações com
Brasil e o resto do mundo. Nesse sen-
tido, a segunda fase do plano implicou a economia.
126
AULA 18 • O PLANO REAL
127
ECONOMIA BRASILEIRA
ATIVIDADES
A ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-
ESTABILIZAÇÃO 1. Destaque as principais características das três fa-
ses de implementação do Plano Real.
A abertura econômica promovida a partir de 1990 2. Delineie as maiores virtudes e vulnerabilidades do
não promoveu os resultados esperados; pelo contrário, Plano Real.
piorou os níveis de renda real e do emprego geral da 3. Quais foram as inovações apresentadas pelo Pla-
economia. Quanto à renda, está cada vez mais con- no Real em relação aos planos anteriores?
centrada. Entretanto, não se pode negar que as em- 4. O Plano Real conseguiu atingir os objetivos formu-
presas brasileiras estão mais competitivas. Em relação lados inicialmente?
ao ajuste fiscal, apesar dos esforços feitos na área e 5. Qual a avaliação que você faria do Plano Real atu-
da adoção dos superávits primários, o déficit nominal almente?
(que inclui o pagamento dos juros da dívida pública)
continua crescendo. REFERÊNCIAS
No contexto atual, pode-se afirmar que as medi-
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
das adotadas pelo Plano Real continuam mantendo tratégias confusas fazem desempenho econômico
a inflação sob controle, à custa de uma combinação medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
de câmbio sobrevalorizado, taxas de juros elevadas, lo, São Paulo, 01 abr.1999.
128
AULA 18 • O PLANO REAL
129
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 19
Objetivos
• Avaliar os obstáculos a serem
superados pela economia brasileira pós-
estabilização.
• Discutir o processo de reestruturação
do Estado do ponto de vista das
privatizações.
• Conhecer as características da
participação do Brasil no fluxo de
investimentos diretos estrangeiros nos
anos 1990.
• Compreender as principais estratégias
da nova política industrial e de comércio
exterior adotadas pelo governo
brasileiro.
• Identificar os principais ajustes
microeconômicos que tiveram que ser
realizados pelas empresas brasileiras
para se adaptarem ao novo cenário.
ECONOMIA BRASILEIRA
132
AULA 19 • A ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-ESTABILIZAÇÃO: UM NOVO MODELO DE INSERÇÃO INTERNACIONAL
começa a ter acesso a canais independentes para suas A participação no capital compreende os
demandas e reclamações. Portanto a melhoria da pres- ingressos de recursos de bens, moeda e
as conversões externas em investimento
tação de serviço nos setores de infra-estrutura passa a estrangeiro direto, incluindo os valores
depender de uma ação efetiva das agências regulado- destinados ao programa de privatizações,
relacionados com a aquisição/subscri-
ras e da atitude dos consumidores. Nesse sentido, a ção/aumento de capital, total ou parcial
assessoria do Palácio do Planalto afirma: do capital social de empresas residentes.
Os empréstimos intercompanhias com-
O que é indiscutível é que a entrada do preendem os créditos concedidos pelas
capital privado nos setores de infra-estru- matrizes, sediadas no exterior, a suas
tura está possibilitando ganhos de efici- subsidiárias ou filiais estabelecidas no
ência. O tempo e o custo das operações país.O investimento direto difere do inter-
portuárias privatizadas, por exemplo, já câmbio de bens e serviços por vários fa-
tiveram uma queda dramática, embora tores. Primeiro, não tem liquidez imediata
ainda insuficiente para equiparar os por-
(pagamento à vista) ou diferida (crédito
tos brasileiros aos padrões mundiais. E,
comercial). Segundo, tem uma dimensão
principalmente, está possibilitando aquilo
intertemporal, pois os investimentos são
que de outro modo seria um sonho, dada
seguidos pelos fluxos de produção, venda
a exaustão da capacidade de financia-
mento do Estado: atender às imensas e lucros, com um certo atraso. Terceiro,
necessidades de investimento em infra- implica em transferências de direitos pa-
estrutura. Isto é vital do ponto de vista das trimoniais. Quarto, decorre de uma estra-
perspectivas de expansão da economia tégia que resulta do processo da empresa
como um todo. E traz benefícios diretos tentar antecipar a ação de suas concor-
para os consumidores. rentes Entre os objetivos das empresas
investidoras, destacam-se os seguintes:
recuperar os custos fixos associados às
A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL mudanças tecnológicas, capturar parcela
do mercado e participar do processo de
NO FLUXO DE INVESTIMENTO abertura dos oligopólios nacionais. As
estruturas oligopolistas e as barreiras à
DIRETOS ESTRANGEIROS NOS entrada deixam poucas opções às empre-
sas dos países em desenvolvimento para
ANOS 1990 ter acesso a um mercado maior e cobrir
algumas distâncias do seu atraso tecno-
Em meados da década de 1980, dentro do proces- lógico a não ser transferindo parte do seu
so de globalização, observa-se um grande crescimento capital para as empresas estrangeiras. O
investimento direto estrangeiro parece ser
dos fluxos financeiros e de comércio. Esse fenômeno mais resistente do que o investimento em
foi conseqüência tanto da expansão da liquidez, quan- carteira às crises financeiras nos países
to do avanço das tecnologias na área de telecomuni- receptores, pois resulta de decisões de
longo prazo, não sendo, por isso, afetado
cações e informática, as quais diminuíram significati- pela conjuntura de curto prazo. Em deter-
vamente o custo das transações. Por outro lado, tais minados casos, uma queda no preço das
ações combinada com a desvalorização
tecnologias encurtaram as distâncias entre os países,
cambial pode até atrair o investimento di-
proporcionando o funcionamento do mercado on-line. reto estrangeiro.
Durante a década de 1990, os fluxos globais de
Espero que tenha ficado claro! É importante ressal-
Investimento Direto Estrangeiros (IDE) continuam em
tar que o IDE, no Brasil, até a década de 80, foi de na-
grande atividade, Seguindo a tendência da década an-
tureza predominantemente produtiva, enquanto a partir
terior. Mas você sabe o que é Investimento Direto Es-
da década de 90 e atualmente, verifica-se uma prepon-
trangeiro? Segundo o Banco Central,
derância dos investimentos em carteira, derivativos e
Os investimentos estrangeiros podem ser outros, ou seja, capital financeiro, aquele representado
efetuados sob a forma de investimentos
diretos ou de investimentos em carteira. por títulos, obrigações, certificados e outros papéis ne-
O investimento direto é constituído quan- gociáveis, que podem ser convertidos em dinheiro com
do o investidor detém 10% ou mais das
rapidez. Com certeza, você já ouviu falar em capital
ações ordinárias ou do direito a voto numa
empresa; e considera-se como investi- especulativo, aquele que só procura obter vantagens
mento em carteira quando ele for inferior de uma determinada situação, não trazendo benefícios
a 10%.O investimento direto está dividido
em duas modalidades: participação no para a economia ou setor no qual se acha investido.
capital e empréstimos intercompanhias. Pois é, este é o tipo de capital que tem vindo para o
133
ECONOMIA BRASILEIRA
Brasil no contexto atual, principalmente por causa palmente no que diz respeito à inserção das empresas
das altas taxas de juros. Além do capital financeiro, o brasileiras no mercado internacional.
IDE também tem algum direcionamento para fusões e Nesse sentido, o novo papel do investimento deve
aquisições. estar associado a uma melhora qualitativa da inserção
A partir de 1995, o Brasil se consolidou como des- externa da economia brasileira na internacional. Assim,
tino preferencial do IDE, tornando-se o segundo maior mais do que a quantidade, é preciso uma melhor quali-
receptor dentre os países emergentes, com fluxo es- dade dos investimentos, de forma que eles estejam em
timado de US$97 bilhões no período, precedido ape- consonância com os desafios de geração de exporta-
nas pela China. ções e maior competitividade da empresas nacionais.
Esta performance está diretamente ligada à es- Outro enfoque subjacente ao que acaba se ser
tabilização da economia e às reformas estruturais exposto consiste nas estratégias de políticas de de-
do Plano Real. Em destaque a desestatização, que senvolvimento industrial, comercial, científica e tecno-
possibilitou a participação do capital estrangeiro em lógica, tendo em vista o crescente processo de desna-
setores que antes eram monopólio do Estado, como cionalização das empresas brasileiras.
telecomunicações e energia. Por outro lado, a conso- Tendo em vista as grandes transformações ocorri-
lidação do Mercosul também contribuiu para estimular das na nossa economia nos últimos quinze anos, po-
e reforçar a entrada de novas empresas, além de au- demos afirmar que nos últimos quarenta anos, houve
mentar a capacidade produtiva das já estabelecidas uma transição de um modelo fechado para um regime
no Brasil. mais aberto do ponto de vista comercial, financeiro e de
Com o processo de desestatização, o fluxo de in- investimento direto. As barreiras às importações foram
vestimento estrangeiro direto direcionado às privatiza- reduzidas, o mercado financeiro foi desregulamentado
ções totalizou US$29,6 bilhões, entre 1996 e 2000, o e houve incentivos à participação do capital estrangeiro
que equivale a menos de um terço do total do inves- em investimentos e setores de infra-estrutura, através
timento estrangeiro direto líquido desse mesmo perí- da eliminação das restrições institucionais.
odo (US$112,6 bilhões). Excluindo desse fluxo total Em meados de 1990, o governo divulgou um do-
o valor investido em privatizações, verifica-se que o cumento intitulado Diretrizes Gerais para a Política In-
saldo do investimento estrangeiro direto remanescen- dustrial e de Comércio Exterior (PICE), que tinha como
te, US$83,0 bilhões, além de expressivo, foi crescente principal objetivo o aumento da eficiência na produção
entre 1996 e 2000 (Fonte: Banco Central do Brasil). e comercialização de bens e serviços, com base na
Portanto pode-se dizer que esses números mostram a modernização e reestruturação da indústria. Para al-
reintegração e reinserção do Brasil no mercado inter- cançar esse objetivo era necessária a adoção das se-
nacional de capitais. guintes estratégias:
- Redução progressiva dos níveis de proteção tari-
POLÍTICA INDUSTRIAL E DE fária; eliminação da distribuição indiscriminada e não-
COMÉRCIO EXTERIOR ADOTADA transparente de incentivos e subsídios; e fortalecimen-
PELO GOVERNO BRASILEIRO to dos mecanismos de defesa da concorrência.
- Reestruturação competitiva da indústria mediante
APÓS O PLANO REAL a adoção de mecanismos de coordenação, de instru-
Como foi mencionado acima, o Brasil, ao longo do mento de apoio creditício e de fortalecimento da infra-
período 1994-2001, manteve-se entre os principais pa- estrutura tecnológica.
íses em desenvolvimento absorvedores de investimen- - Fortalecimento de segmentos potencialmente
tos diretos estrangeiros, somente sendo superado pela competitivos e desenvolvimento de novos setores, por
China. Esse fato contribuiu para amenizar a vulnera- meio de maior especialização da produção.
bilidade externa da economia, mas o crescimento tem - Exposição da indústria à competição internacio-
se mantido abaixo da média. Assim, é necessária uma nal, visando maior inserção no mercado externo, me-
melhor articulação entre a absorção dos investimentos lhora de qualidade e preço no mercado interno e au-
diretos estrangeiros e o crescimento econômico, princi- mento da competição em setores oligopolizados.
134
AULA 19 • A ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-ESTABILIZAÇÃO: UM NOVO MODELO DE INSERÇÃO INTERNACIONAL
135
ECONOMIA BRASILEIRA
Como já discutimos anteriormente, a Nova Política 3. Caracterize a participação do Brasil no fluxo de in-
Industrial implementada pelo governo, através do Pro- vestimentos estrangeiros na década de 1990.
grama de Competitividade Industrial (PCT) e o Progra- 4. Quais foram as principais estratégias estabelecidas
ma Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), pela nova política industrial e de comércio exterior
tinha como objetivo a modernização do setor produtivo adotada pelo governo brasileiro?
brasileiro. O BNDES teve um papel importante nesse 5. Quais foram os principais ajustes microeconômicos
processo, através de um modelo de desenvolvimento feitos pelas empresas brasileiras após a abertura
chamado integração competitiva, que visava a moder- econômica?
nização da estrutura produtiva – melhorias tecnológi-
cas, introdução de novos produtos, logística, etc. ; a REFERÊNCIAS
ampliação da capacidade produtiva e investimentos
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
nos setores de infra-estrutura – energia elétrica, trans-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
portes e portos. medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Paulo,
A combinação da nova política industrial com a re- São Paulo, 01 abr.1999.
cessão causada pelo plano real levou as empresas a BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
um profundo processo de reestruturação, que ficou co- oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
nhecido como “reengenharia”. Um dos principais pon- Alínea e Átomo, 2006.
tos dessa estratégia é o ajuste no quadro de pessoal, CARVALHO, Carlos Eduardo. Bloqueio da liquidez
ou seja, demissões em massa, que não se restringia e estabilização: o fracasso do Plano Collor – Tese
apenas ao chão de fábrica (operários), mas afetava de Doutorado: Unicamp, 1996.
também as áreas administrativas e cargos de direção. CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
Além disso, foram colocadas em práticas medidas, tais econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
como: concentração em linhas de produtos competiti- ón Economia de la Universidad Nacional Autónoma
de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
vos, terceirização de atividades e implantação de pro-
gramas de qualidade e produtividade. FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
Bem, por hoje, basta de estudos. Paramos por
aqui. GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
Aguardo você para nossa próxima aula. (Org.). A Economia Brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
136
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 20
Objetivos
• Entender a dificuldade de se equilibrar
crescimento e estabilização.
• Relacionar a evolução do PIB com as
políticas de estabilização econômica.
• Perceber as dificuldades que o Brasil vai
encontrar para retomar o crescimento
econômico.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
A retomada do crescimento econômico
Por tudo que vimos estudando, você já perce- PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
beu que a estabilização econômica cria condições
A combinação de juro elevado, moeda
necessárias, porém não suficientes para o cresci-
forte e tributos pesados explica, em larga
mento sustentável. O dilema entre estabilidade e medida, o fraco dinamismo da economia
crescimento tornou-se o foco das discussões sobre POR ENQUANTO , há um certo silêncio sobre
a condução da política econômica no Brasil, na me- política econômica por parte dos dois principais
dida em que o resultado dos esforços de estabili- candidatos à Presidência, o do PT e o do PSDB.
zação levou à perda do dinamismo no crescimento Passam a impressão de ter modelos parecidos.
econômico. Nesta aula vamos compreender melhor Uma das questões centrais que seria preciso
essa polêmica. debater é a seguinte: o que fazer para retomar
taxas robustas de expansão econômica?
A trajetória de muitas economias nos últimos anos,
O DIFÍCIL EQUILÍBRIO tanto desenvolvidas como emergentes, indica que
é possível conciliar rápido crescimento do PIB com
ENTRE ESTABILIZAÇÃO E taxas de inflação modestas (5% ao ano ou menos).
CRESCIMENTO A experiência brasileira desde 1994 revela, por
outro lado, que determinadas formas de estabilizar
A partir dos anos de 1990, a inflação deixou de a moeda podem ser destrutivas das condições
ser um entrave ao crescimento da economia brasi- de crescimento. No Brasil, o combate à inflação
leira, porém a estabilidade econômica não foi su- tem sido feito por meio de juros sempre muito
ficiente para alavancar a retomada do desenvolvi- altos e câmbio recorrentemente sobrevalorizado.
mento. Com exceção do período de 1993 a 1995, O relativo ajustamento das finanças públicas
é alcançado de forma precária, com aumentos
cujo crescimento médio anual foi de 4,7%, o restan-
da carga tributária e cortes de investimentos,
te do período foi marcado por taxas de crescimento
inclusive em áreas prioritárias como a infra-
baixas ou negativas.
estrutura de transportes e energia. Essa
Em1997, com a crise dos tigres asiáticos, o ce- combinação de juros elevados, moeda forte,
nário externo torna-se desfavorável, na medida em tributos pesados e investimentos públicos
que os fluxos de capital para os países em desen- reduzidos é que explica, em larga medida, o fraco
volvimento como o Brasil diminuem sensivelmente, dinamismo da economia. O foco do problema
causando sucessivos ataques especulativos contra é a política de juros altos, que desestimula o
a moeda nacional, o que levou esses países a ado- consumo e o investimento, provoca apreciação
tarem regime de câmbio flutuante. Nesse contexto, cambial e pressiona o custo da dívida pública.
O câmbio valorizado derruba as exportações e
fica claro que a estabilidade cambial e monetária
induz à substituição de produtos nacionais por
dos anos anteriores se baseava no endividamento
importações, o que tende a tornar negativa a
externo facilitado pelos investidores estrangeiros. contribuição do setor externo para a variação do
A flexibilização forçada do câmbio causou uma PIB. O aumento do custo da dívida acaba levando
forte desvalorização e volatilidade cambial. Isso le- o governo a buscar superávits primários elevados,
vou o Brasil a uma grave crise financeira, que deu seja por aumento de tributos, seja por diminuição
origem a uma nova fase de estagnação e instabili- de despesas, deprimindo ainda mais a economia.
dade econômica. Além disso, a combinação das po- Fundamental, portanto, é reorientar as políticas
líticas econômicas do chamado “Consenso de Wa- monetária e financeira. Há um esboço de mudança
(talvez apenas eleitoreiro) desde a queda de
shington”, como a abertura comercial e a redução
Antonio Palocci Filho e a sua substituição por
do Estado, contribuíram para acirrar o debate entre
Guido Mantega. Mas a reorientação não tomará
estabilização e desenvolvimento. impulso se o Conselho Monetário Nacional
Leia a seguir alguns artigos sobre o debate en- e, sobretudo, o Copom (Comitê de Política
tre crescimento e estabilização.
138
AULA 20 • A DISCUSSÃO ENTRE ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA
139
ECONOMIA BRASILEIRA
140
AULA 20 • A DISCUSSÃO ENTRE ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA
141
ECONOMIA BRASILEIRA
taxas de juros, conduziram o país rapidamente isso apesar do sacrifício e do esforço que está
para um grande processo de endividamento. sendo feito pela sociedade brasileira para
A dívida pública, com proporção do PIB, impedir seu crescimento descontrolado. A
saltou, de 1994 para1998, de 30% para 43%, situação é insustentável, porque não há mais
o que despertou uma grande desconfiança espaço para novos ajustes. Pode ser até que
dos agentes econômicos, internos e externos, se consiga, mas não há mais espaço.
sobre a capacidade de solvência do país. Em
A carga tributária brasileira já foi elevada
1998, o país quebrou, e teve de recorrer ao
a níveis intoleráveis, asfixiantes para a
FMI para dar continuidade ao Plano. A dívida
atividade produtiva e para a sociedade. Para
passou a exigir, num segundo momento, uma
garantir o superávit primário, chegamos a
mudança do modelo para garantir que ela não
uma carga tributária, no ano passado, em
crescesse de forma descontrolada. As peças
torno de 36%. As projeções do IBPT, para
do modelo foram alteradas. Adotou-se um
este ano, são para uma carga de 38%. Nessa
modelo com câmbio flutuante, abandonando-
progressão, pode até ocorrer um processo
se o câmbio fixo, com ampla mobilidade de
de desobediência fiscal na sociedade, como
capitais.
já se tem observado em algumas questões
Uma segunda peça desse modelo foi o regime tributárias. O patrimônio público, por meio do
de metas de inflação, que substituiu a âncora processo de privatização, já foi praticamente
cambial predominante na fase anterior. A liquidado. Restam algumas poucas atividades
terceira peça do Plano consistiu a geração de e empresas que não foram privatizadas, como
superávits primários elevados e crescentes a Petrobrás, geração de energia, Banco do
para impedir o crescimento descontrolado da Brasil, que são extremamente delicadas.
dívida. Esse novo modelo implicou para o país Então, R$ 100 bilhões do patrimônio público
a renúncia ao crescimento econômico, que é foram “torrados” para o abatimento da dívida
a fase mais dolorosa que estamos vivendo. A e, no entanto, não se conseguiu impedir
economia foi almejada a partir dessa segunda que ela atingisse esses níveis. O ajuste pelo
etapa. Esse é o modelo que tem continuidade lado do gasto do orçamento está nos seus
no atual governo. Minha pergunta: esse limites. O governo não tem espaço para
modelo é sustentável? Ele tem condições de cortar mais despesas, porque as chamadas
resolver os problemas da economia e com isso despesas discricionárias, que permitiram ser
remover os obstáculos para o crescimento cortadas, dado o seu enrijecimento, estão
econômico de forma auto-sustentável? A reduzidas, no orçamento federal e também
resposta é não, por algumas razões. Primeiro, nos governos estaduais, a menos de 10%.
porque todo o esforço que tem sido feito pelo Boa parte desses recursos que estão livres
governo tem sido insuficiente para reduzir a supostamente é destinada ao funcionamento
dívida a tamanhos toleráveis pelos credores da máquina pública. Portanto, em virtude
internacionais. da Constituição, das normas que protegem
A dívida, como havia apontado, saltou de 30% determinadas despesas e dos juros, que se
para 64% ao ano em pouco tempo, e hoje foi tornaram sagrados no orçamento, não há
reduzida para 56%. Mas o esforço que tem sido espaço para corte de gastos. A alternativa que
feito para pagá-la, por intermédio da geração se tem colocado atualmente é explorar a PPP,
de superávits primários, tem sido insuficiente parceira público-privada, em função de não ser
para impedir seu crescimento. Trabalhamos mais possível endividar nem aumentar carga.
com um déficit nominal do setor público que Na situação institucional atual, não é possível
oscila entre 8%, 9% e 10% do PIB e geramos reduzir gastos num montante necessário para
superávits primários equivalentes, no último continuar um ajuste que tem se traduzido
ano, a 4,3%. O que não é pago é integrado ao em prejuízos grandes para a economia e
estoque da dívida. Então, ela tem mecanismo para a sociedade. Então, surge a PPP como
de auto-alimentação e progressividade. E tudo medida salvadora, mas se trata de uma
142
AULA 20 • A DISCUSSÃO ENTRE ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA
alternativa que levará a mais endividamento, estão sob controle da política econômica,
a mais enrijecimento do orçamento, mas, sim, do mercado internacional, do
porque o pagamento dos compromissos cenário nacional, via câmbio, especuladores
assumidos terá de ser priorizado em relação internacionais, taxa de inflação, preços e
a determinados gastos. Então, não é uma juros, que não estão totalmente sob o controle
alternativa muito favorável. Todo esse esforço da política econômica. A política econômica
permite o desenvolvimento econômico? Não, abdicou de sua autonomia de manejar os
por algumas razões. O crescimento, de forma instrumentos econômicos, para garantir as
sustentada, supõe que qualquer ensaio ou metas acertadas nos compromissos com
surto de crescimento, por pequeno que seja, o capital financeiro e com o FMI. O modelo
esbarra em vários problemas. Um deles são não abre espaços para o desenvolvimento
os compromissos assumidos pela política econômico. As forças do anticrescimento são
econômica nas metas de taxas de inflação e fortes, barram um crescimento econômico
geração de superávit primário. Qualquer desvio auto-sustentável.
dessas metas força o aborto do crescimento.
Outro ponto é que o crescimento esbarra em
restrições externas fortíssimas, dada à alta A DIFÍCIL RETOMADA DO
vulnerabilidade da economia brasileira. Ele
termina, portanto, quando essas restrições se CRESCIMENTO
acentuam. Outro ponto diz respeito aos limites
De acordo com alguns economistas, existem vá-
da infra-estrutura econômica, aos gargalos
rios obstáculos a serem superados pelo Brasil para a
estruturais da economia brasileira, porque o
retomada do desenvolvimento. Porém uma parte deles
setor público não dispõe de mais recursos
para investir nesses setores. Portanto, temos acredita que a economia brasileira está, aos poucos,
apagão das estradas e da energia. Qualquer retomando o caminho do crescimento sustentado, não
crescimento mais forte acentua esses gargalos devendo, todavia, exceder determinados limites para
e impede sua continuidade. não ameaçar os equilíbrios econômicos conquistados
Outra corrente acredita que as reformas estruturais
Qualquer tentativa de crescimento bate na
introduzidas no país nos últimos 15 anos foram corre-
capacidade de oferta do setor privado, que há
tempos não investe. Estamos com uma taxa tas, mas não teriam sido suficientes para implantar no
de investimento global da economia - não país uma verdadeira economia de mercado. Sendo as-
discutirei sua qualidade - em torno de 18%, sim, tais reformas deveriam ser retomadas e aprofun-
desde 1995. Em 1994, chegou a 21,5%; ninguém dadas. A primeira delas seria a abertura financeira, vis-
investe. Não há perspectivas favoráveis, e não ta como condição para o rebaixamento das taxas reais
há confiança do empresariado para investir. de juros – sem o que não seria supostamente possível
Então, o surto de crescimento, que muitos a retomada do crescimento.
economistas do mercado estão analisando A terceira corrente coloca no centro da discussão a
com otimismo, já está batendo em todos os fragilidade e a instabilidade da economia brasileira. Na
tetos: capacidade de oferta do setor privado perspectiva desse grupo de economistas, para a eco-
e insuficiência da infra-estrutura. Ele já está nomia voltar a crescer de maneira sustentável, seria
pressionando os preços. A política de câmbio
necessário que o regime de políticas macroeconômi-
está sinalizando que pode elevar as taxas de
cas fosse alterado e que fosse exercido algum tipo de
juros. Portanto, esse pequeno crescimento
controle sobre os fluxos internacionais de capital. Além
pode ser abortado. Nessa perspectiva, trata-se
disso, deveriam voltar a ser implementadas políticas
de um modelo insustentável, que não resolverá
os problemas da sociedade brasileira, nem industriais e tecnológicas, sem as quais não haveria a
sinaliza que dias melhores virão. Por quê? possibilidade do crescimento rápido e sustentado.
Porque não resolve o problema, já que a dívida Para concluir, uma pequena análise da performan-
possui determinantes de crescimento que não ce da economia brasileira na última década, na visão
dos economistas Saad Filho e Moraes, 2002:
143
ECONOMIA BRASILEIRA
144
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 21
Objetivos
• Perceber o colapso do Plano Real
e relacionar os principais problemas
enfrentados por ele.
• Compreender as principais medidas
adotadas pelo governo para enfrentar os
problemas.
• Entender o significado do fim da “âncora
cambial” como uma das principais
medidas de mudança no Plano Real
e a conseqüente adoção do câmbio
flutuante.
ECONOMIA BRASILEIRA
146
AULA 21 • OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO PLANO REAL E A ADOÇÃO DO CÂMBIO FLUTUANTE
ções introduziu os chamados ACCs - Adiantamento de deteriorava as contas externas, expondo o país nova-
Contratos de Crédito. Mas essas são medidas de curto mente ao risco da inflação. Além disso, a combinação
prazo, emergenciais; era necessário enfrentar a cau- dessas duas medidas de política econômica expôs o
sa dos problemas, ou seja, o câmbio supervalorizado país a graves problemas, como veremos a seguir.
e a excessiva abertura econômica iniciada no governo
Collor. A medida a ser adotada teria que levar em conta O FIM DA “ÃNCORA CAMBIAL”
a âncora cambial, por isso a equipe econômica fez op- E ADOÇÃO DO CÂMBIO
ção por medidas menos drásticas, elevando as tarifas FLUTUANTE
de importação de uma série de produtos e adotando a
chamada “banda cambial deslizante,” estratégia usada Entre as principais conseqüências da adoção da
pelo governo para começar o processo de desvaloriza- âncora cambial está o aumento do passivo externo e a
ção cambial. conseqüente ampliação da vulnerabilidade externa da
Para esclarecer melhor o significado de “banda economia. Além disso, temos um crescente déficit pú-
cambial deslizante”, veja o que diz Neutzling Junior blico, que passou de R$153, 2 bilhões ao final de 1994,
(2007, p. 78) a respeito: para R$208,5 bilhões no fim de 1995. Em conseqüên-
cia da crise financeira, grandes bancos como o Eco-
Neste sistema, o BC fixava o teto e o piso
da banda cambial, permitindo livre flutua- nômico, o Nacional e o Bamerindus quebraram devido
ção dentro da banda. A autoridade cam- à incapacidade de pagamento aos seus credores, em
bial apenas intervinha quando os limites
inferior e superior podiam ser rompidos função dos juros altos. Além disso, houve uma queda
por oscilações muito bruscas na taxa de na taxa de lucro das empresas, levando a uma queda
câmbio. Periodicamente, o governo re-
ajustava os limites de acordo com a in-
da sua rentabilidade. Quanto à agricultura, apesar da
flação e as metas de política econômica. super safra, apresentou uma diminuição de sua renda
O sucesso deste sistema é a disponibili- em torno de 32%, cerca de R$5,6 bilhões. O conjunto
dade de um grande volume de reservas
internacionais para o BC, de onde ele desses fatores levou a uma redução do PIB, que cres-
sacava recursos para vender ao mercado ceu apenas 2,7% em 1996.
quando ocorriam pressões sobre a taxa
de câmbio. Esse sistema durou até a cri- Para agravar ainda mais a situação, inicia-se em
se cambial de janeiro de 1999, quando o 1997 uma crise externa entre os países asiáticos (os
governo liberou o câmbio e passou a se-
guir o regime de flutuação suja. Uma das chamados “tigres asiáticos”) e a Rússia, o que contribuiu
principais conseqüências do novo regime para a fuga de capitais e mais pressão sobre o câmbio
monetário-cambial adotado no Brasil a e as reservas cambiais. Assim, de agosto a dezembro
partir de 1994 foi a sobrevalorização da
taxa de câmbio, que prejudicou muito o daquele ano, o país perdeu US$10,9 bilhões de suas
fluxo de comércio brasileiro. reservas. Apesar do cenário de deterioração econômi-
A combinação de juros altos mais correção do câm- ca e financeira em que se encontrava o país, Fernando
bio e das tarifas de importação conseguiram segurar Henrique Cardoso consegue se reeleger presidente em
por algum tempo deter a fuga do capital externo e tam- outubro de 1998 e lança, como primeira medida de po-
bém atrair novos capitais. Porém não foram suficientes lítica econômica, um pacote fiscal, com o objetivo de
para conter a crise, pois as importações continuaram conter o crescimento econômico para forçar a queda
a aumentar, subindo de US$33 bilhões em 1994 para das importações e, assim, diminuir o déficit das contas
US$49,97 bilhões em 1995, o que totaliza um aumento externas. As medidas não surtiram o efeito esperado,
de 51%. Em relação às reservas cambiais, houve uma os capitais continuaram a sair do país, fazendo com
melhora, voltando a crescer por um período, mas, em que as reservas diminuíssem cada vez mais, chegando
1995, voltaram a cair. Segundo Souza (2007), a combi- a apenas US$26,8 bilhões. É consenso entre os econo-
nação entre âncora cambial e a redução das alíquotas mistas que essa crise se deu em função da insistência
de importação era ao mesmo tempo o principal susten- do governo em manter a sobrevalorização artificial do
táculo e o calcanhar-de-aquiles do Plano Real, pois, ao real. Dessa forma, em 13 de janeiro de 1999, começa
baratear os produtos estrangeiros no Brasil, contribuía o processo de desvalorização do real com a adoção
para segurar a os preços ao mesmo tempo em que do chamado “Câmbio Flutuante”. Suponho que você
147
ECONOMIA BRASILEIRA
saiba o que significa isso, mas, para que não reste ne-
nhuma dúvida, vamos rever o que é câmbio flutuante alguns querem que a gente resolva. O Câmbio
de acordo com o dicionário de economia: continuará sendo flutuante”, afirmou o presidente
em entrevista coletiva a jornalistas nesta terça-feira.
Câmbio livre ou flutuante é um regime de
operações do mercado de divisas, sem a “O dólar vai se ajustar à medida em que a
interferência das autoridades monetárias. gente comece a importar bens de capital.
A liberação da taxa cambial faz com que
Agora, não tem milagre. O governo fará
o valor das moedas estrangeiras flutue
de acordo com o interesse que desper- sua parte. Pode aumentar sua alíquota de
tam no mercado , segundo a interação da produtos importados, já fizemos no setor têxtil,
oferta e da procura. As flutuações da taxa
poderemos fazer para outros setores. Mas não
cambial apresentam uma série de riscos,
pois o mercado de divisas passa a sofrer tem como o governo, em um passe de mágica,
variações determinadas também por fa- dizer que, para competir com um determinado
tores políticos, sociais e até psicológicos.
Quando um país sofre uma crise de liqui-
país, o dólar vai ser tanto”, afirmou Lula.
dez , por exemplo, o regime de câmbio No final de abril, o governo federal decidiu
livre estimula a especulação com moeda que irá cobrar mais imposto de roupas e
estrangeira, o que eleva excessivamente
sua cotação e agrava sua escassez. Da
calçados importados. O objetivo é conter
mesma forma, os importadores passam o aumento expressivo das compras
a utilizar maior quantidade de divisas provenientes da China, que afetam a indústria
(moeda estrangeira) para suas compras,
querendo evitar pagá-las mais caro com o
local. O imposto de importação máximo
avanço da crise, o que agrava a crise de permitido foi elevado de 20% para 35%.
liquidez. (SANDRONI, 2000). Ainda sobre a China, Lula disse: “Eu votei
Portanto, a partir de 15 de janeiro de 1999, o câm- para que a China fosse transformada em
bio passa a flutuar livremente e, duas semanas depois economia de mercado. Nós precisamos levar
a China para a OMC, para ela fazer debate
fecha a R$1,98. A partir daí, o governo dá início a uma
com todos os partidos que concorrem com ela.
nova política de combate à inflação, chamada de Sis-
Não pode é ela ficar de fora como está hoje.”
tema de Metas de Inflação, combinada ao regime de
“Temos que ter medidas que permitam que
câmbio flutuante.
os produtos brasileiros possam ter mais
Veja a seguir uma reportagem publicada no jornal
competitividade. Temos que incentivar
Folha de São Paulo, em 15 de maio de 1997, na qual o
essas empresas a adotarem inovações
presidente Lula fala sobre o câmbio flutuante: tecnológicas”, afirmou ainda Lula.
Segundo ele “não adianta ficar nervoso”.
“Há seis meses discuto o câmbio, e não há
LULA DIZ QUE NÃO PODE FAZER MILAGRE
milagre. O único jeito é flutuar. Na medida
PARA CONTER QUEDA DO DÓLAR
em que o Brasil vai consolidando a sua
Patrícia Zimmermann economia, mais dólar deve entrar. Agora,
Gabriela Guerreiro estamos tentando ver como gastar um pouco
da Folha Online, em Brasília dessa quantidade de dólar que temos”, disse.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse hoje Na semana passada, o ministro Guido Mantega
que o câmbio continuará sendo flutuante ao dizer (Fazenda) disse que o Banco Central irá continuar
que não há milagre para impedir a desvalorização comprando dólares no mercado de câmbio para
do dólar frente ao real. Ontem, a taxa de câmbio aumentar ainda mais as reservas, que hoje estão
encerrou os negócios do dia a R$ 2,009, em em mais de US$ 120 bilhões.
baixa de 0,45%. Corretores esperam para o
curto prazo que o preço da moeda americana
caia abaixo do “nível psicológico” dos R$2. Bem, meu caro aluno, com essa matéria, que trata
“A gente diz que o real está valorizado sem do câmbio flutuante, creio ter ficado mais claro o que
reconhecer que o dólar está se desvalorizando. a expressão quer dizer para a economia de um país.
Não podemos resolver problema do câmbio como Com ela encerro a aula de hoje. Aguardo você para
nosso próximo encontro. Desejo-lhe ótimos estudos.
148
AULA 21 • OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO PLANO REAL E A ADOÇÃO DO CÂMBIO FLUTUANTE
ATIVIDADES
1. Faça uma breve pesquisa sobre regimes cambiais
a partir de 1944, quando foi adotado na conferência
de Bretton Woods, o padrão dólar-ouro. A partir daí
relacione câmbio e inflação.
2. Um dos motivos do colapso do Plano Real foi a so-
brevalorização do cambio. Nesse sentido, explique
as conseqüências da valorização cambial para a
produtividade de um país.
REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
NETZLING JÚNIOR, João. www.cofecon.org.br/index.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
149
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 22
Objetivos
• Compreender a crise asiática como
um choque externo para economia
brasileira.
• Conhecer as medidas tomadas pelo
governo como reação à crise asiática.
• Entender as conseqüências da crise
como contribuição para o colapso do
Plano Real.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
As sucessivas quedas nas bolsas de valores em
Como pudemos observar na aula anterior, o colap-
todo o planeta desde meados de agosto, seguidas
so do Plano Real se deveu ao fato de não terem sido
de fugas de capitais e boatos sobre a próxima
feitas, a tempo, as devidas correções. Segundo a opo-
economia a quebrar, ou seja, aquela que seria
sição, o governo colocou em primeiro plano o projeto a chamada “bola da vez”, guarda uma grande
de reeleição em detrimento das questões econômicas. similaridade com a situação vivida há um ano.
A situação foi agravada pela crise dos “tigres asiáticos”
Em última instância, essas crises recorrentes
(Tailândia, Filipinas, Indonésia, Malásia, Coréia do Sul,
são o resultado da movimentação de um volume
Cingapura, Hong-Kong e Formosa) e pela crise russa,
imenso de capitais circulando entre os países em
como veremos a seguir.
busca de ganhos especulativos nos mercados
financeiros. Quando, os investidores retiram
OS IMPACTOS DA CRISE seus capitais de curto prazo de uma determinada
ASIÁTICA SOBRE A ECONOMIA economia, em ritmo e volume significativos,
BRASILEIRA provocam graves prejuízos às economias que
dependem desses capitais para financiar os
O primeiro sinal da influência da crise externa na déficits comerciais e públicos. Note-se que estes
economia brasileira foi a turbulência na bolsa de valo- investidores gozam de uma ampla liberdade de
res, aliada à fuga em massa de capitais. Essa conju- aplicar ou de retirar seus recursos em diferentes
gação de fatores gerou uma grande pressão sobre o localidades, já que os governos vêm eliminando
câmbio e as reservas cambiais. No artigo abaixo, sobre os controles sobre o movimento de capitais que
a conjuntura econômica brasileira, você pode enten- existiam no passado.
der melhor e relacionar as crises externas e a vulne- Assim, a atual conjuntura econômica é fortemente
rabilidade da economia brasileira. Leia-o com bastante influenciada pelo contexto dos fluxos de capitais
atenção. internacionais. De início, os capitais especulativos
faturam com a valorização artificial dos preços de
ações nas bolsas de valores e, como ocorreu na
CONJUNTURA ECONÔMICA RECENTE Ásia, de imóveis. Depois disso, diante do menor
CRISE FINANCEIRA E VULNERABILIDADE sinal de um risco de perdas, eles fogem em
DO REAL direção às aplicações em dólar e em títulos do
O agravamento recente da crise financeira governo americano (chamados de quality papers),
internacional, especialmente após o débacle da provocando a desvalorização das moedas locais,
economia Russa e a suspensão unilateral do quebra de bancos e recessão econômica.
pagamento das dívidas interna e externa, ou
As conseqüências foram uma redução na taxa
seja, a decretação da moratória em 17 de agosto,
de crescimento da economia brasileira, com
colocou vários países em estado de apreensão,
forte retração da produção industrial e aumentos
entre eles o Brasil. Assim, o mundo voltou a
sucessivos na taxa de desemprego no país.
respirar o clima de incertezas sobre o desempenho
Essa mudança abrupta levou muitos setores da
futuro de economias que se viram diante da
economia à condição de inadimplência, o que
fulminante saída de capitais de curto prazo e,
afetou a carteira de créditos dos bancos.
em decorrência, da eminência de uma reação
por meio de fortes desvalorizações do câmbio. Essa crise financeira atingiu especialmente o
Nesse quadro, tal como ocorreu com o México em Brasil, com a Bolsa de Valores de São Paulo
dezembro de 1994 e com os países asiáticos em apresentando uma das maiores baixas no mundo
outubro de 1997, tornou-se premente recorrer à (14,9% no dia 27/10/97).
ajuda internacional após perdas significativas de Neste momento ocorreram nítidas tentativas
reservas internacionais. de especulação contra o real, resultando numa
O que há de comum nesses momentos de intensa saída de capital do país (perda de US$12
crise? bilhões nas reservas internacionais) e obrigando,
152
AULA 22 • A RELAÇÃO ENTRE A CRISE ASIÁTICA E RUSSA E O COLAPSO DO PLANO REAL
mais uma vez, o governo a tomar medidas Ou seja, o Brasil é dependente da entrada de
extemporâneas para tentar conter a crise. O recursos estrangeiros e é por isso que se encontra
governo brasileiro dobrou as taxas de juros (a TBC exposto às turbulências dos mercados financeiros
subiu de 20,7% para 43,4% ao ano), aumentou internacionais.
os impostos e editou medidas para assegurar a
Algumas considerações finais
permanência do capital estrangeiro no país.
Os reflexos dessas medidas foram sentidos Conforme ressaltado anteriormente, nas atuais
principalmente na redução da atividade circunstâncias, qualquer aumento nas taxas
econômica, na virada do ano, e no aumento do de juros atinge diretamente o próprio governo,
desemprego (segundo o DIEESE e Seade, a taxa uma vez que cada percentual de aumento nesta
de desemprego saltou de 16,5 %, em outubro de taxa implica mais gastos com o pagamento dos
1997, para 19,0%, em junho de 1998, na Grande encargos da dívida do Estado brasileiro. Assim,
São Paulo). como não poderia deixar de ser, em apenas quatro
anos, a dívida mobiliária federal quintuplicou,
Como a crise chegou ao Brasil? elevando-se de R$62 bilhões em dezembro de
Os grandes investidores, que são os fundos 1994 para R$297 bilhões em junho de 1998.
internacionais e os grandes bancos, procuraram Novamente o governo cogita encaminhar ao
compensar suas perdas na Rússia com a venda Congresso Nacional um projeto de reforma fiscal
das ações e títulos que detem em outros países, mais amplo, o que deverá suscitar, mais uma vez,
provocando uma queda nas bolsas de todo mundo um acirrado debate sobre o seu significado para
à medida que vendiam seus ativos e corriam para os agentes econômicos e para o desenvolvimento
comprar dólares. Nestes momentos de perda de do país. Há que se considerar que os efeitos de
confiança generalizada, os aplicadores preferem uma reforma dessa magnitude apresentam-se
converter seus recursos em moeda forte (dólares) em um tempo incompatível com a urgência que
e aplicar em países mais seguros, que oferecem se pretende atuar sobre os fatores que estão
menores riscos. influenciando esta conjuntura crítica para o país.
Diante disso, países ditos emergentes, como Por fim, as recentes demonstrações sobre
o Brasil, assistem a uma fuga de investimentos o empenho dos governantes dos países
estrangeiros, perda de reservas, desconfiança desenvolvidos para coordenar ações e levantar
na capacidade do país de honrar suas dívidas e recursos para atender os países periféricos em
sustentar sua política cambial. dificuldades na América Latina, os quais podem
Qual é a situação geral do Brasil? vir a necessitar de ajuda financeira de elevada
magnitude, configura um quadro mais periclitante
No início do mês de agosto de 1998, o Brasil do que ha um ano atrás (quando as economias
possuía um volume considerável de reservas asiáticas foram socorridas). Essas e outras
(US$70 bilhões), suficiente para cobrir mais de questões colocam grandes interrogações para se
catorze meses de importações, mas ainda assim vislumbrar os próximos desdobramentos de uma
a sua situação não parecia tranqüila. A política crise que parece ter apenas começado para o
econômica seguida nos últimos anos alcançou, Brasil.
com sucesso, a estabilização de preços, contudo,
à custa do crescimento econômico (dada a (Trechos do texto elaborado pelo Dieese, em 22
elevação das taxas de juros) e da geração de set. 1998)
empregos (devido à sobrevalorização do real
que estimulou sobremaneira a importação em
detrimento da produção interna). A valorização Em função do agravamento da crise, o governo
do real tornou deficitário o comércio brasileiro prossegue com as correções do plano real, sinalizando
com o exterior, obrigando o país, desde então, a continuidade do programa de desestatização e pro-
a buscar continuamente aplicações em dólares metendo entregar, para um grupo de bancos privados
para cobrir esse buraco nas contas comerciais. estrangeiros, a administração das reservas cambiais,
numa tentativa de impedir a fuga de capitais.
153
ECONOMIA BRASILEIRA
Além desses problemas, o governo enfrentava uma cambial. Nesta aula, além de mostrar a relação entre
queda na arrecadação tributária, que passou de 29% uma crise externa e a vulnerabilidade da economia bra-
do PIB em 1994/95, para 27% em 1996/97, agravando sileira, queremos enfatizar também a influência dessa
a situação das finanças públicas. Segundo fontes do crise sobre o colapso do plano real.
Banco Central, o governo teve que emitir novos títu- Apesar da implementação do pacote fiscal-mone-
los para honrar seus compromissos, elevando a dívida tário (aumento de impostos e elevação dos juros), os
do setor público. Como você viu no decorrer do tex- especuladores continuaram com a retirada dos capitais
to, diante desses problemas, os capitais especulativos do país, levando embora as reservas cambiais, as quais
procuraram novos destinos para suas aplicações finan- representavam o lastro da âncora cambial. Assim, em
ceiras, deixando o Brasil com problemas para financiar janeiro de 1999, restavam apenas US$26,8 bilhões do
seu déficit externo. total de quase RS$70 bilhões contabilizados em maio
do ano anterior.
MEDIDAS TOMADAS PELO Portanto, precipitado pelos especuladores, o go-
verno adota, a partir de 15 de janeiro de 1999, o câm-
GOVERNO PARA ENFRENTAR A
bio flutuante. De acordo com Souza (2007), “o objetivo
CRISE central da desvalorização do real, forçado pelo colapso
das contas externas, era gerar os superávits comer-
As medidas adotadas pelo governo não foram muito
ciais exigidos pelo capital estrangeiro como forma de
diferentes das já tomadas como correção do plano real,
garantir suas remessas de lucros e juros e seu ‘repa-
ou seja:
triamento` ”.
- dobrou a taxa de juros, numa tentativa de deter a
Além da desvalorização cambial, o governo aumen-
fuga dos capitais;
ta a taxa de juros de 39% ao ano para 45%, em mais
- aumentou os impostos, cortou os incentivos fiscais
uma tentativa de desencorajar a fuga de capitais exter-
ao nordeste e os investimentos públicos, a fim de garan-
nos. A taxa de câmbio se estabiliza abaixo de R$1,70, e
tir o pagamento dos juros.
a fuga de capitais é interrompida por algum tempo.
A combinação dessas medidas levou à desacele-
ração da economia, elevando a taxa de desemprego e
gerando a queda do PIB. Não podemos esquecer que,
RESUMO
além desses problemas ocasionados pela crise asiáti- A crise asiática, juntamente com a crise russa,
ca, a supervalorização artificial do real (como vimos na colocou em evidência as contradições do plano real,
Aula 21) continuava prejudicando a economia brasileira, mostrando a sua insustentabilidade. Isso se manifestou
aumentando ainda mais a fragilidade do país diante de principalmente através da extraordinária queda das re-
crises internacionais. servas brasileiras. Apesar do aperto fiscal e monetário
É importante que você observe a grande incoerência das políticas econômicas do governo, a crise não cede,
da política econômica do governo, ou seja, para pagar os levando a adoção do câmbio flutuante.
juros altos, ele promove o aumento dos impostos – ele-
vação da CPMF em 90% e a Cofins em 50%; aumento ATIVIDADES
da contribuição previdenciária dos servidores públicos e
1. Por que a crise asiática em 1997 afetou a econo-
tentativa de cobrá-la também dos aposentados e pen-
mia brasileira e quais as medidas então adotadas
sionistas da união – acarretando mais custo financeiro
pelo governo brasileiro?
para as empresas e diminuição da demanda.
2. Explique as relações entre o colapso do Plano Real
e a crise asiática e russa.
CONSEQÜÊNCIAS DA CRISE
PARA O COLAPSO DO PLANO REFERÊNCIAS
REAL ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
Vimos, na aula anterior, o colapso do Plano Real, medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
sob o ponto de vista da manutenção da valorização lo, São Paulo, 01 abr.1999.
154
AULA 22 • A RELAÇÃO ENTRE A CRISE ASIÁTICA E RUSSA E O COLAPSO DO PLANO REAL
155
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 23
Objetivos
• Explicar o significado do sistema de
metas de inflação.
• Mostrar como funciona o mecanismo do
sistema de metas de inflação.
• Analisar o impacto do SMI sobre a
economia brasileira.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
Banco Central e o público em geral, a respeito
Meu caro aluno, o que vou dizer neste início de das decisões tomadas e das razões destas”
aula pode ser repetitivo para você. Talvez você já tenha (Eichengreen, 2002). As autoridades monetárias
estudado isso em outra disciplina, mas a idéia é esta devem se abster de implementar qualquer
mesma: mostrar-lhe que nossos conhecimentos são política que não se paute por regras monetárias
plenamente conhecidas e antecipadas pelos
compartilhados por muitas áreas. É o chamado conhe-
agentes econômicos, não utilizando, portanto,
cimento interdisciplinar.
elementos de surpresa para afetar as variáveis
Você já sabe que, com o colapso do Plano Real em
reais da economia. Isso implica que o Banco
1999, o governo muda a sua política de estabilização Central deve ser o mais transparente possível
da economia, através da adoção do sistema de metas em seus objetivos de política monetária, de forma
inflacionárias. Ao mesmo tempo, promove a desvalori- a afetar as expectativas dos agentes que, não
zação do real, inaugurando uma nova fase na econo- temendo surpresas e acreditando no compromisso
mia sob o domínio do câmbio flutuante. assumido pelo BC de conter a inflação, dentro
dos parâmetros estabelecidos, se absteriam de
O QUE É E COMO FUNCIONA elevar os preços. Na ótica dos que defendem
essa política monetária, ela será tão mais eficaz
O SISTEMA DE METAS
quanto maior for a credibilidade do Banco Central
DE INFLAÇÃO (SMI) e quanto mais independente este for.
– CARACTERIZAÇÃO E O regime de metas de inflação é caracterizado
IMPLEMENTAÇÃO pelo anúncio oficial de uma meta de crescimento
para algum índice de preço escolhido a priori para
Para substituir a âncora cambial (câmbio fixo), que um determinado período e pelo reconhecimento de
deixou de funcionar com o fim do Plano Real, o gover- que o controle dos preços é o principal objetivo da
no adotou o sistema de metas de inflação (SMI), dan- política monetária. Assim, tais metas coordenariam
do prosseguimento ao seu programa de estabilização a formação de expectativas inflacionárias dos
econômica. O principal objetivo desse sistema é esta- agentes e a fixação de preços e salários. Desta
belecer as diretrizes para fixação do regime de política forma, esse arranjo monetário atuaria como
monetária, ou seja, adota-se uma meta de inflação com uma âncora nominal, tanto para a inflação atual
como para as expectativas de inflação futura.
o objetivo de coordenar as expectativas dos agentes
Com efeito, o sucesso da política monetária é
econômicos, para um determinado nível de crescimen-
atribuído à aderência da inflação efetiva às metas
to dos preços. A meta é definida pelo Conselho Mone-
previamente fixadas. Algumas condições têm sido
tário Nacional, constituído pelos ministros da fazenda e apontadas pela literatura para a implementação
do planejamento e pelo presidente do Banco Central. bem sucedida dessa estratégia de política
Está confuso? Vamos tentar esclarecer melhor lendo o (DEBELLE, 1997; SILVA & PORTUGAL, (2002).
texto seguinte. Primeiramente, o Banco Central deve possuir
um certo grau de independência para eleger os
instrumentos adequados à busca do objetivo
Metas de inflação e o medo de crescer estabelecido. Outra exigência é que o Banco
Central possua uma capacidade considerável de
O regime de metas pode ser definido da seguinte
compreensão acerca da dinâmica da economia
forma: “é uma forma de condução da política
(dos determinantes da inflação; dos mecanismos
monetária utilizando-se de quatro elementos:
de transmissão da política monetária, bem como
compromisso institucionalizado de que a
das defasagens temporais envolvidas; dos
estabilidade de preços seja o objetivo principal
choques a que a economia está sujeita; dentre
da política monetária; mecanismos que permitam
outros).
ao Banco Central a mensuração do alcance ou
não de seus objetivos; anúncio público das metas Terceira: ausência de dominância fiscal, ou seja, a
de inflação e política de comunicação entre o conduta da política monetária não pode ser ditada
158
AULA 23 • A ADOÇÃO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO (SMI) PELO GOVERNO
por constrangimentos de ordem fiscal. Desta fazer com que a política incorra em perda de
forma, o governo deve ser capaz de alavancar os credibilidade, em razão da medida de core ser
recursos necessários à sua gestão sem fazer uso, de difícil entendimento por parte da população
em grande medida, da seigniorage. Caso contrário, (FARHI, Maryse, 2004).
o aumento crescente do déficit público e do seu
financiamento por mecanismos inflacionários
pode levar ao recrudescimento do processo Segundo Mendonça (2001), o fracasso dos planos
inflacionário, tanto por meio dos mecanismos anteriores e o aumento do número de bancos centrais
de transmissão diretos como por intermédio da independentes foram fatores importantes na difusão do
elevação das expectativas inflacionárias. Por SM I pelo mundo. Entre os países que adotaram esse
último, mas não menos importante, destaca-se a sistema, estão: Nova Zelândia, Chile, Canadá, Austrá-
ausência de outra âncora nominal. Por exemplo, lia, Suécia, Hungria, República Tcheca e Polônia. No
uma meta para a inflação não é consistente com a
caso do Brasil, devido à complexidade da realidade
adoção de um regime de câmbio fixo, uma vez que,
econômica e das instituições, o sucesso do SMI pode
sob este regime, a política monetária passa a ser
endógena, não sendo possível, portanto, objetivar ser comprometido (PASTORE, 1999).
qualquer outra variável em bases duradouras. Como você deve ter observado no texto acima,
Nesse sistema, a taxa de juros doméstica atua com o sistema de metas de inflação (SMI), a política
como o principal instrumento de política monetária econômica passa a dar ênfase não mais à âncora cam-
para fazer com que a inflação tenda a convergir bial, e sim à âncora monetária, ou seja, aos juros ele-
para a meta estabelecida pela autoridade vados, como forma de levar o índice de preços a con-
monetária. A literatura empírica tem demonstrado vergir para a meta de inflação determinada. Explicando
que, nas últimas décadas, o comportamento da melhor: De acordo com a teoria econômica, as taxas de
taxa de juros em diversos países é descrito de juros agem sobre a inflação através de diversos canais,
forma satisfatória por regras tipo Taylor. Esta regra
e, nesse caso, a elevação da taxa de juros sinaliza o
pode ser entendida como uma função de reação
compromisso do Banco Central com a inflação baixa, o
do Banco Central, por meio da alteração da taxa
que influi nas expectativas inflacionárias, provocando o
de juros de curto prazo, a variações nas condições
da economia. Para a adoção desse regime, desaquecimento da demanda, que se reflete em que-
é necessária a definição de alguns aspectos da de preços e salários. Por outro lado, os juros altos
relevantes, os quais dependem, em grande provocam a apreciação da taxa de câmbio, reduzindo
medida, das particularidades de cada país. Um possíveis pressões sobre os preços.
primeiro aspecto é definir o índice de preços que
será adotado como referência para a meta. Este FUNCIONAMENTO DO
índice deve ser preciso, claramente definido e de
rápida divulgação. Usualmente, verifica-se que
MECANISMO DO SMI
os índices adotados buscam mensurar o núcleo A adoção da âncora monetária (juros elevados)
da inflação (core inflation). A justificativa para atribuiu ao Banco Central um grande poder, na medida
essa postura encontra-se no fato de que índices em que os seus dirigentes passaram a agir como se ele
puros não representariam a verdadeira tendência fosse independente, isto é, deixando de se subordinar
da inflação (e, ainda, tornariam o cumprimento às decisões do governo, seguindo na íntegra a lógica
da meta uma tarefa mais árdua). Um índice que
do mercado financeiro.
mede o core da inflação seria capaz de excluir o
O mecanismo do SMI obedece aos seguintes pas-
impacto das perturbações transitórias que afetam
sos:
a economia sobre os preços, tais como: quebras
- em primeiro lugar, através do Conselho Monetário
na safra agrícola, choque de preços de insumos
básicos, aumento de impostos, dentre outros. No Nacional, o governo estabeleceria uma determinada
entanto, os críticos dessa postura argumentam meta inflacionária, que na época era fixada pelo FMI;
que a adoção de um core como referência pode - no segundo momento, o Banco Central cuidaria
para que a inflação efetiva convergisse para a meta fi-
159
ECONOMIA BRASILEIRA
xada. Para isso ele usaria, com ampla independência, A combinação entre âncora monetária e âncora
a política monetária através do controle da quantidade fiscal, base do SMI, proporciona a atração de capitais
de moeda em circulação, do volume de crédito e das externos especulativos, incentivando a volta da âncora
taxas de juros. cambial. Nesse sentido, o principal impacto para a eco-
Você se recorda de que, em nossas primeiras nomia causado pela adoção do SMI, seria o aumento
aulas, falamos sobre políticas econômicas orto- dos encargos financeiros do setor público e seu conse-
doxas e heterodoxas? Se não, volte e leia-as no- qüente endividamento, o qual implicaria um aumento
vamente. Pois bem, o SMI se insere perfeitamente na da carga tributária para gerar os superávits primários
ortodoxia monetarista, na medida em que considera a imprescindíveis ao pagamento de tais obrigações. Para
inflação um fenômeno essencialmente monetarista, ou reforçar a nossa explicação, vejamos a opinião de dois
seja, produto do excesso de moeda em circulação. As- economistas:
sim sendo, para combatê-la, é necessário diminuir a [...] o Regime de Metas de Inflação ainda
quantidade de moeda em circulação, elevar as taxas não pode ser considerado um sucesso
no Brasil. Após esses seis anos de expe-
de juros e suprimir o crédito. riência, as metas não foram alcançadas
Como já foi dito inicialmente, a manutenção dos em três oportunidades e, normalmente,
quando alcançadas, o foram através de
juros altos é um dos principais pré-requisitos para ga- altos custos sociais. Percebe-se uma cla-
rantir a convergência da inflação para a meta definida, ra preocupação da autoridade monetária
somente com o lado nominal, na busca de
o que submete a ação do governo à política monetá- seu objetivo principal que é a estabilidade
ria, impedindo a formulação de uma política econômica dos preços e a convergência dos níveis de
inflação às metas estabelecidas. Estando
própria. Esse é o ponto mais polêmico do SMI, o qual o lado real sem amparo, este tem apre-
tem gerado amplos debates entre os economistas, pois sentado resultados pouco animadores,
há um custo direto resultante da adoção dessa política, como por exemplo, o PIB de 2005, que
foi de apenas de 2,3%. Recentemente, a
que é a manutenção das taxas de crescimento econô- valorização da taxa de câmbio, atrelada
mico em níveis medíocres, e vários outros, indiretos, a alguns outros fatores, possibilitou que
a inflação apresentasse baixos níveis,
como a valorização persistente do real, que prejudica indicando uma convergência à meta de
enormemente o setor industrial brasileiro. 4,5%, sem nenhum problema. Esse ce-
nário propiciou uma flexibilidade da polí-
tica monetária no que tange a redução da
O IMPACTO DA ADOÇÃO taxa de juros (SELIC), fato que ainda não
é de se comemorar, pois ela continua em
DO SISTEMA DE METAS DE um patamar alto, dificultando os investi-
mentos na economia brasileira. Portanto,
INFLAÇÃO SOBRE A ECONOMIA mostra-se necessária uma reavaliação de
BRASILEIRA como está sendo conduzida a política mo-
netária no país, a fim de superar os pro-
blemas que o regime tem apresentado.
O SMI ocasionou, na economia brasileira, a manu- (NASCIMENTO e VIEIRA, 2005.)
tenção de taxas básicas de juros muito altas. O princi- Na visão da economista Maria Cristina Penido de
pal impacto para a economia do país foi o desestímulo Freitas, em artigo publicado na Folha de São Paulo,
ao investimento produtivo. Além disso, como os juros que fala das “Implicações profundas e negativas sobre
altos sobrecarregam financeiramente o setor público, a autonomia do Banco Central,
faz-se necessário o cumprimento de metas elevadas
[...] o regime de metas de inflação não é o
de superávit primário, através da elevação de impostos único nem o melhor instrumento de políti-
ou corte dos gastos, a fim de honrar os compromissos. ca monetária. Sequer é o mais adequado
em um país periférico como o Brasil, que
É a chamada “âncora fiscal”. Isso impossibilita o Es- não possui moeda internacionalmente
tado de realizar investimentos em infra-estrutura e de conversível e apresenta enorme vulne-
rabilidade externa. A economia brasilei-
aumentar seus gastos. Em conseqüência, com baixas ra vive sujeita à volatilidade dos fluxos
taxas de investimento e gastos do governo deprimidos, de capital, com impactos consideráveis
sobre a taxa de câmbio, que contamina
a demanda agregada não se expande e a economia os preços controlados das concessioná-
fica estagnada. rias de serviços públicos e dos produtos
160
AULA 23 • A ADOÇÃO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO (SMI) PELO GOVERNO
Em junho de 1999, após um forte ataque especu- PASTORE, J. Metas de Inflação - Estado de São
Paulo. 06/07/1999.
lativo, o Brasil adotou o Regime de Metas de Inflação.
Esse sistema concede ao Banco Central todo o poder PENIDO, Maria Cristina. Banco Central Indepen-
para conduzir a política monetária, com a finalidade de dente e Coordenação das políticas Macroeconômi-
cas. Revista Economia e Sociedade, vol. 15, n. 2,
cumprir a meta de inflação determinada pelo Conse-
2006.
lho Monetário Internacional (CMI), para os dois anos
subseqüentes. Dessa forma o Banco Central passou PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: Fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
a utilizar a sua arma mais eficaz contra a inflação, ou
seja, os juros altos. SANDRONI, PAULO. Dicionário de economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
ATIVIDADES SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
1) - Elabore um texto em que você descreva o papel 2007.
desempenhado pelo Banco Central no SMI. VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
2) - Explique como o controle rígido da inflação acaba nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
engessando o potencial econômico do Brasil. Atlas, 2003.
161
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 24
Objetivos
• Identificar as expectativas econômicas da
população em relação ao governo Lula.
• Caracterizar o cenário econômico
herdado pelo governo Lula.
• Identificar as principais mudanças
econômicas realizadas durante o governo
Lula.
ECONOMIA BRASILEIRA
164
AULA 24 • A POLÍTICA ECONÔMICA DO PRIMEIRO GOVERNO LULA
165
ECONOMIA BRASILEIRA
seguinte maneira: US$ 6,5 bilhões em 2005, US$ brasileiro] lidar com o Fundo”. Palocci disse
8 bilhões em 2006 e US$ 8 bilhões em 2007. que todas as metas foram negociadas, mas
Para acalmar a bancada do PT, que deveria se sugeridas de forma independente pelo Brasil.
reunir com o ministro logo depois do encontro com Para o presidente do BC, Henrique Meirelles, a
a direção do Fundo, Palocci disse que a “extensão extensão do acordo com o FMI permite sair do
do atual acordo” é a “preparação da saída [do Fundo “de maneira confortável”. Serve, disse
Brasil] do FMI; é o pouso suave”. Para o ministro, ainda, para abandonar a “visão de curto prazo” da
o acordo do governo do PT é peça fundamental administração da economia do país.
“de equilíbrio macroeconômico para [sustentar] Crédito contratado
o crescimento econômico robusto que está em Total de US$ 14 bilhões
curso”. Para quem alimentava a esperança
de que o governo viesse a reduzir a meta de • US$ 8 bilhões da última parcela do acordo
superávit, Palocci foi categórico: superávit e piso de US$ 30 bilhões, herdado do governo
mínimo das reservas (US$ 5 bi) estão mantidos. FHC, que não será sacada em dezembro.
“Não vamos mudar a regra do superávit, pelo • US$ 6 bilhões de novo crédito.
contrário, queremos reforçá-lo”, disse o ministro. • A intenção é não sacar o dinheiro contrata-
O único conteúdo social da extensão do acordo do, deixando-o de stand by no Fundo para
com o FMI é o uso, para investir em saneamento, usar apenas em caso de emergência econô-
em 2004, do dinheiro da folga do superávit mica.
fiscal deste ano (janeiro a setembro), isto é, R$ Metas
2,8 bilhões poupados além dos 4,25% do PIB Está mantido o superávit primário de
prometidos ao FMI. Na prática, o superávit deste
4,25% do PIB (Produto Interno Bruto).
ano será maior que 4,25% do PIB. Com um detalhe
O governo se compromete a adotar progra-
a mais: o dinheiro da superpoupança feita neste
mas, leis e regras que tornem mais eficiente
ano pode ser gasto ou não, pois isso depende da
e transparente o fluxo de investimentos para
existência dos projetos nos Estados e municípios
e da aprovação do novo marco regulatório financiar o crescimento. Exemplos citados
para que os investimentos possam ser feitos, pelo ministro Palocci (Fazenda):
preferencialmente, em parceria com a iniciativa • redução do spread bancário;
privada. É para investir “até esse valor (RS$ 2,8 • aprovação da Lei de Falências;
bilhões)”, deixou claro o ministro da Fazenda. • desburocratização da concessão de crédito.
A esse arrocho em 2003 o ministro chamou
o tempo todo de “sobredesempenho”. Anne
Krueger disse que “as políticas adotadas pelo Podemos concluir então que a equipe econômica
governo reduziram a vulnerabilidade da economia do governo Lula, o Ministério da Fazenda e o Banco
brasileira”. Complementando a declaração Central, durante a gestão Palocci-Meirelles, seguiram
escrita que foi lida por Anne Krueger, Palocci foi um receituário essencialmente monetarista, pois, mes-
taxativo: o acordo faz parte da “manutenção dos mo com a inflação sob controle, mantiveram os juros
instrumentos macroeconômicos” em vigor, e isso elevados.
faz parte da “real e efetiva retomada econômica”
que o país, segundo o ministro, experimenta
neste final de ano e que continuará em 2004.
MUDANÇAS ECONÔMICAS NO
Na opinião do ministro da Fazenda, que PRIMEIRO GOVERNO LULA
também estava acompanhado do presidente
do BC, Henrique Meirelles, e do secretário do A principal mudança operada no governo Lula foi
Tesouro, Joaquim Levy, o acordo do governo com relação ao setor externo, ou seja, adotou-se uma
do PT com o Fundo Monetário Internacional política externa independente sintetizada pelas pala-
tem “conteúdo de incentivo ao crescimento” e vras do ministro Celso Amorim:
evidencia “uma nova maneira de [o governo A diplomacia vive um momento de grande
dinamismo que reflete as prioridades do
166
AULA 24 • A POLÍTICA ECONÔMICA DO PRIMEIRO GOVERNO LULA
governo Lula nas áreas interna e exter- está longe de superar o quadro de vulnerabilidade e
na, como combater a fome e a pobreza,
de fragilidade externa que a caracterizou na última
contribuir para a criação de uma nova ge-
ografia comercial e adotar postura firme década” (CORAZZA, 2004). Tal conclusão decorre
e ativa nas negociações multilaterais, in- de algumas observações. Cite-as e explique-as.
clusive regionais; com vistas a assegurar
um espaço regulatório multilateral justo e
equilibrado. Está ainda o imperativo de REFERÊNCIAS
preservar a nossa capacidade soberana
de defender o desenvolvimento que de- CORAZZA, Gentil; FERRARI FILHO, Fernando. A
sejamos para o nosso país. (Disponível política econômica do Governo Lula no primeiro ano
em: http://www.acrj.org.br/article) de mandato. Indicador Econômico. Porto Alegre:
FEE, v. 32, n. 1, maio 2004, p. 243-252.
Dessa forma, passa-se a defender no front inter-
BELLUZZO, Luiz Gonzaga; CARNEIRO, Ricardo. O
nacional o interesse do Brasil e dos demais países do
paradoxo da credibilidade. Política econômica em
terceiro mundo, dando prioridade à integração da Amé- foco. Campinas: Instituto de Economia; UNICAMP,
rica do Sul, o que passa a ser o principal objetivo da n. 2, set./dez. 2003.
política externa do governo. Nesse sentido, forma-se a Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/asp-
Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa) e o gru- scripts/boletim_cecon/boletim_cecon2.asp>
po dos 20 (G-20) para atuar no âmbito da organização
Mundial do Comércio (OMC). Além disso, a diplomacia
brasileira liderou o Mercosul contra a tentativa dos EUA
de impor uma agenda unilateral para a formação da
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e adotou
medidas para estreitar as relações com os países da
África e do mundo Árabe, China, Rússia e a Índia.
Quanto à área interna, podemos apontar as seguin-
tes mudanças: suspensão do processo de privatização,
principalmente do setor energético, e do financiamento,
pelo BNDES, da aquisição de empresas estatais pelo
capital estrangeiro. Além disso, estimulou-se a indús-
tria naval através da aquisição, pela Petrobrás, de 42
navios.
RESUMO
Nesta aula fizemos uma avaliação crítica da po-
lítica econômica adotada pelo Governo Lula em seu
primeiro ano de mandato. Discutimos, inicialmente, a
perplexidade que essa política provocou na sociedade,
que esperava ver as propostas de mudanças apregoa-
das pelo novo governo se materializarem também em
medidas concretas da política econômica. Concluindo,
apresentamos as principais mudanças implementadas
nas áreas interna e externa da economia brasileira.
ATIVIDADE
“Uma avaliação dos resultados do primeiro ano de
mandato do governo Lula permite afirmar que, a des-
peito da melhora substancial de alguns indicadores
externos no decorrer de 2003, a economia brasileira
167
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 25
Objetivos
• Conhecer as possibilidades e perspectivas
do segundo governo Lula.
• Compreender o que seja o PAC e sua
função.
• Analisar, até o presente momento,
os aspectos econômicos do segundo
governo Lula.
ECONOMIA BRASILEIRA
170
AULA 25 • POLÍTICA ECONÔMICA DO SEGUNDO GOVERNO LULA
171
ECONOMIA BRASILEIRA
172
AULA 25 • POLÍTICA ECONÔMICA DO SEGUNDO GOVERNO LULA
RESUMO
Nesta aula vimos que o segundo mandato do pre-
sidente Lula está sendo pouco diferente do primeiro no
tocante às questões econômicas. A prioridade continua
sendo a manutenção da estabilidade dos preços atra-
vés do programa de metas inflacionárias, apesar da
promessa de promoção do crescimento sustentado.
173
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 26
Objetivos
• Conhecer as tendências da política
comercial do governo Lula.
• Avaliar as perspectivas da rodada Doha.
• Discutir o significado do G- 20 para a
política de comércio exterior do Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA
176
AULA 26 • A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA: BALANÇO E PERSPECTIVAS
em desenvolvimento liderados por Brasil e Índia, que Um dos grandes impasses enfrentados pelas ne-
surge na reunião da OMC em Cancun, em 2003, para gociações no âmbito da OMC são as questões relati-
demandar a liberalização agrícola dos países desen- vas ao setor agrícola. Se por um lado os países ricos
volvidos. Secundariamente, pode-se apontar a tenta- querem mais acesso aos mercados de bens e serviços
tiva de aproximação com a China. A Rússia também é dos países em desenvolvimento, estes querem, em
mencionada nos discursos, mas em proporção menor. contrapartida, mais espaço para seus produtos agríco-
Podemos concluir que a política comercial do go- las. Nesse sentido é que foi estabelecido como objetivo
verno Lula buscou a diversificação do comércio exte- básico da Rodada de Doha, a eliminação de subsídios
rior brasileiro por meio de um alto número de viagens e a reforma dos mecanismos de crédito oferecidos pe-
presidenciais e ministeriais, acompanhadas por empre- los países ricos à produção agrícola para exportação
sários, para diversas regiões do globo. Da mesma ma- e para a produção, bem como o corte das tarifas de
neira, o governo e empresários brasileiros receberam importação. Na Conferência Ministerial em Hong Kong,
missões de outros países. Foi promovido o encontro em dezembro de 2005, houve uma tentativa de avan-
çar nas negociações, porém sem sucesso, assim como
de Cúpula entre América do Sul e Liga Árabe em 2005,
em janeiro de 2007, em Davos, e junho do mesmo ano,
e atenção especial foi dada à África. Foram fechados
em Potsdam (Alemanha).
acordos comerciais do Mercosul com a Comunidade
Veja a seguir, entrevista com o Diretor Geral da
Andina das Nações (CAN) em dezembro de 2003, com
OMC, Pascal Lamy.
a Índia e com a África do Sul, em 2004, e a Venezuela
foi incorporada ao Mercosul em 2006. Todos esses fo-
ram movimentos considerados estratégicos para a pre- Poder dos emergentes deve ser reconhecido
tendida inserção internacional. Cabe destacar que nes- / entrevista
ses movimentos se insere o polêmico reconhecimento Assunto:Dinheiro
da China como uma “economia de mercado” para efei- Título: Poder dos emergentes deve ser
tos de defesa comercial na OMC, mesmo ciente de que reconhecido/entrevista
aquele país não possui economia desse tipo.
Data:23/12/2007
AS PERSPECTIVAS DA RODADA Crédito: Marcelo Ninio, de Genebra
DOHA ENTREVISTA com PASCAL LAMY
Em 2001, os representantes dos países membros Diretor-geral da OMC afirma que maior força
da Organização Mundial do Comércio (OMC) lança- desses países cria um equilíbrio nas relações
ram, na cidade de Doha (Qatar), uma nova rodada internacionais.
de negociações em prol da liberalização do comércio O SOCIALISTA que comanda o organismo
mundial. Essa rodada ficou conhecida como Agenda de considerado uma espécie de juiz do capitalismo
Doha para o Desenvolvimento, a qual teve como obje- global vê com bons olhos o poder conquistado
tivo principal a implementação de acordos alcançados nos últimos anos por países emergentes
anteriormente na Rodada Uruguay, entre 1986 e 1994. como o Brasil - e que está criando um novo
equilíbrio de forças nas relações internacionais.
A Rodada Uruguai foi realizada ainda sob o Gatt,
Para o francês Pascal Lamy, diretor-geral da
(Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) e lançou a
OMC (Organização Mundial do Comércio), essa
base para a criação da OMC, em 1º de janeiro de 1995. é uma realidade irreversível. Ele deixa claro, por
O Gatt tinha seu foco no comércio de bens; já a OMC exemplo, que considera só uma questão de tempo
abrange os acordos firmados no Gatt e inclui ainda a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da
acordos sobre serviços (reunidos no Gats, ou Acordo ONU, uma das metas da diplomacia do governo
Geral sobre o Comércio de Serviços, na sigla em in- Lula.
glês) e propriedade intelectual (no Trips, ou Acordo so- Em entrevista à Folha em seu gabinete na
bre Aspectos da Propriedade Intelectual Relativos ao imponente sede da OMC, às margens do lago
Comércio, na sigla em inglês).
177
ECONOMIA BRASILEIRA
178
AULA 26 • A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA: BALANÇO E PERSPECTIVAS
no Banco Mundial e no FMI [Fundo Monetário poderoso é a nova realidade do mundo de hoje.
Internacional]. Acontece o mesmo nas discussões Por mim, está ótimo, sou um social-democrata.
sobre o [a reforma do] Conselho de Segurança da Não tenho objeção a que os pobres tenham mais
ONU. O mesmo problema: uma velha estrutura, poder de negociação.
que está lá há 60 anos e não cabe na realidade de
FOLHA - Como o sr. vê a estratégia do Brasil nas
hoje. E não se pode pedir a países como Brasil,
negociações de Doha?
Índia ou China que assumam compromissos em
relação ao clima, se eles não são parte do jogo. LAMY - É muito bem construída, pois combina
a dimensão geopolítica com as vantagens
FOLHA - Como as preocupações ambientais comparativas do Brasil, notadamente na agricultura.
deveriam ser incluídas nas negociações Claro, se você pode matar dois pássaros com uma
comerciais? O álcool, por exemplo, deveria ser pedra, ou seja, ser uma força de transformação
considerado uma categoria especial? geopolítica e ainda conseguir seus objetivos, por
LAMY - A noção de que o comércio deve contribuir que não? É uma estratégia inteligente, enquadra-
para o desenvolvimento sustentável é um se nos interesses macroeconômicos do Brasil e
princípio da OMC. O álcool é parte da negociação tem sido extremamente bem-sucedida nos últimos
agrícola. Há a convicção de que deveríamos fazer anos. Basta olharmos para o comércio, o superávit
mais para promover os bens ambientais. Agora, comercial, os indicadores macroeconômicos, a
o que é exatamente um bem ambiental continua inflação, o valor da moeda. A moeda brasileira
uma questão aberta. Isso é verdade tanto para dobrou de valor em relação ao dólar nos últimos
máquinas de lavar e bicicletas como para o cinco anos. A noção de que abrir [os mercados] é
álcool. bom funciona, mas funciona ainda melhor se você
equaliza o campo de ação, o que é a posição
FOLHA - Os países ricos, ao que parece, estão
básica do Brasil em agricultura. Acho que é muito
custando a se adaptar ao novo equilíbrio de poder.
eficiente. Acredito que o presidente Lula e o
O que o sr. achou da declaração da secretária do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim,
Comércio dos Estados Unidos, Susan Schwab, queiram concluir a Rodada, já que moveram a
comparando Brasil e Índia a adolescentes? negociação de uma forma boa para o Brasil
LAMY - É uma realidade e é um reflexo da mudança
no equilíbrio de forças. Eu não usaria essa frase, FOLHA - Em que o Brasil poderia ser mais
pois parece algo como “eu sou um adulto e você flexível?
é um adolescente”. Os países emergentes estão LAMY - Em temas como tarifas industriais e
absolutamente certos e têm toda a legitimidade em serviços. O que, aliás, está acontecendo. Já
querer reequilibrar o mundo da agricultura, assim houve redução unilateral de tarifas no Brasil, o
como estavam certos em relação a têxteis na que foi bom para a economia do país.
primeira Rodada. Estão certos, mas têm de pagar
um preço. Ser participante ativo significa ganhar FOLHA - O que a economia do Brasil e do mundo
ganhariam com uma conclusão positiva da
direitos, mas também ter responsabilidades
Rodada Doha?
FOLHA - Há quem critique o Brasil por exigir
LAMY - Crescimento. Portanto um potencial para
privilégios de país pobre enquanto reivindica
mais bem-estar social e redução da pobreza. O
poderes de país rico. Como conciliar isso?
que acontece dentro dos países está além do
LAMY - É fato que países como Brasil, Índia,
alcance da OMC, mas o aumento do comércio
África do Sul e Indonésia continuam pobres, já
internacional cria o potencial de reduzir as
que a porcentagem da população que vive com
desigualdades, que no Brasil continuam sendo
US$2 por dia ainda é muito alta, Mas também
um problema.
é verdade que estão muito mais poderosos.
E todos escolheram a mesma avenida para o FOLHA - Como o sr. vê a perspectiva de
desenvolvimento, que é a integração no comércio crescimento do comércio em 2008, sobretudo
internacional. São países com grandes vantagens diante de desequilíbrios causados por fatores
comparativas e querem usá-las. Ser pobre e como a desvalorização do dólar?
179
ECONOMIA BRASILEIRA
180
AULA 26 • A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA: BALANÇO E PERSPECTIVAS
181
ECONOMIA BRASILEIRA
ATIVIDADE
Uma das questões mais importantes da política de
comércio exterior do Brasil é a formação da ALCA. Pes-
quise sobre o assunto e dê sua opinião sobre as van-
tagens e desvantagens da adesão do Brasil à ALCA.
Fundamente sua resposta.
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oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
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Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.
182
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 27
Objetivos
• Conhecer as principais diretrizes da
PITCE.
• Compreender as diferenças e
particularidades da PITCE em relação
às principais políticas industriais
brasileiras.
• Conhecer as perspectivas da PITCE.
ECONOMIA BRASILEIRA
184
AULA 27 • POLÍTICA INDUSTRIAL, TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA (PITCE)
nal. Articula desde medidas microeconômicas o objetivo claro e definido de elevar o padrão de
de desburocratização de processos de cons- competitividade da indústria brasileira, a PITCE
tituição e formalização de empresas, desone- abrange três eixos complementares.
ração de IPI e financiamento de máquinas e O primeiro eixo é composto por um conjunto de
equipamentos (modermaq), até programa de instrumentos horizontais que contribuem para
Extensão Industrial Exportadora. a modernização industrial, para o aumento da
• Expansão das Exportações: além de buscar capacidade inovadora das empresas, para uma
novos mercados que possibilitem dar vazão melhor inserção das empresas brasileiras no
à produção interna, gerando emprego e ren- mercado internacional e para o aperfeiçoamento
da, é uma necessidade para gerar superávits do ambiente institucional e econômico.
externos e reduzir a dependência do país em Exemplos de ações que perpassam este eixo da
relação a capitais internacionais. Já foi lança- Política Industrial são a melhoria dos processos
do o Programa de Exportações que, além de de obtenção de marcas e patentes, metrologia
financiamentos, possui uma forte ofensiva em legal, certificação de produtos para acesso a
novos mercados capitaneada pela agenda do novos mercados, novas linhas de financiamento à
próprio presidente Lula. Esta já conta com re- inovação, programas de treinamento profissional,
sultados muito importantes, com novos recor- entre outros.
des de exportações. O segundo eixo define como opções estratégicas
• Incentivos a Investimentos: é o desafio de au- os setores de software, semicondutores, bens de
mentar a capacidade produtiva, ou seja, ter capital e fármacos e medicamentos. A escolha
mais indústrias e máquinas que possam ocu- dos três primeiros baseia-se no fato de que
par mais trabalhadores. A modernização pode esses setores perpassam todas as atividades
aumentar a produção por ganhos de produti- contemporâneas de produção industrial e são
vidade, mas não a capacidade instalada e de elementos fundamentais na modernização da
emprego. Assim, novas plantas industriais são estrutura industrial brasileira. Por sua vez, o setor
necessárias. O tema está sendo tratado de de fármacos e medicamentos tem a capacidade
forma estratégica com uma agenda de indu- não só de melhorar as condições de vida da
ção de investimentos em setores estratégicos população, como de reduzir a dependência
externa, além de possibilitar um melhor retorno
coordenada por um grupo ligado diretamente
econômico advindo do processo de inovação e
ao Presidente. Médias empresas deverão ser
lançamento de novos produtos e processos.
formadas em parcerias com o SEBRAE e os
governos estaduais. O terceiro eixo de ação, que se refere às
atividades portadoras de futuro - biotecnologia,
Disponível em: http://www.desenvolvimento. nanotecnologia e energias renováveis –, abre
gov.br – Política Industrial uma janela de oportunidades imensurável, na
medida em que o Brasil possui condições de
disputar de igual para igual o desenvolvimento
desses setores de ponta com os principais países
Leia, a seguir, um texto de Alessandro Teixeira,
do mundo. Isto porque o Brasil detém uma infra-
Doutor em Competitividade Tecnológica e Industrial e
estrutura tecnológica qualificada para pesquisa,
presidente da ABDI de abril de 2005 a junho de 2007.
desenvolvimento e inovação (laboratórios,
especialistas e conhecimento científico
Competitividade tecnológica e Industrial acumulado), rica biodiversidade e condições
de clima e solo inigualáveis para a produção de
Concebida a partir de uma visão estratégica de
biomassa a ser convertida em energia.
longo prazo, a PITCE tem como pilar central a
inovação e a agregação de valor aos processos, A indústria brasileira tem cumprido seu papel não
produtos e serviços da indústria nacional. Com só pelos recordes de exportações e crescimento
185
ECONOMIA BRASILEIRA
186
AULA 27 • POLÍTICA INDUSTRIAL, TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA (PITCE)
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ECONOMIA BRASILEIRA
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AULA 27 • POLÍTICA INDUSTRIAL, TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA (PITCE)
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ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 28
Objetivos
• Avaliar os efeitos da globalização
sobre as economias dos países em
desenvolvimento.
• Conhecer os impactos sobre o cenário
competitivo do Brasil pós-anos 1990.
• Analisar as novas concepções e formas
de intervenção do Estado no âmbito do
processo de globalização.
ECONOMIA BRASILEIRA
192
AULA 28 • INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL
das exportações. Isso, necessariamente, também brasileira para viabilizar o crescimento sustentado.
passa por um conjunto de medidas envolvendo Da mesma forma, é imprescindível que haja uma
as áreas de financiamento, promoção comercial e coordenação e articulação do Estado no que se
demais atividades. Do ponto de vista da demanda refere ao todo da inserção externa, especialmente
internacional, é fundamental direcionar nossa no tocante a uma política para os investimentos
pauta exportadora para aqueles produtos e nichos diretos estrangeiros. Isso vale tanto para os novos
mais dinâmicos no comércio externo. ingressos quanto para o tratamento às empresas
O desenvolvimento da produção local, estrangeiras já instaladas no mercado brasileiro.
especialmente nos setores de tecnologia mais Embora existam restrições conhecidas no âmbito
avançada e que coincidentemente são hoje da OMC - Organização Mundial do Comércio - à
grandes deficitários no comércio exterior, depende vinculação entre investimentos e desempenho da
de um projeto de capacitação tecnológica, algo balança comercial, é importante que se negociem,
que extrapola a ação isolada das empresas, mas diretamente com as matrizes e filiais dessas
que precisa ser articulada com as iniciativas na empresas, contrapartidas de ambos os lados.
área acadêmica de pesquisa aplicada. O desafio é fixar acordos de metas, visando ao
Dentre esses setores, destacam-se, entre atendimento de requisitos mínimos de conteúdo
outros, os complexos eletroeletrônico, químico- local do valor agregado, de substituições de
farmacêutico e bens de capital. São áreas em que importação, de ampliação das exportações e de
a inovação tecnológica ocorre muito rapidamente, capacidade de produção.
o que demanda importações crescentes,
Há entre países em desenvolvimento uma
principalmente se não houver um esforço de
acirrada disputa por atração de investimentos
desenvolvimento local.
diretos estrangeiros. O Brasil deve usar o
Não é possível à economia brasileira, assim como potencial do mercado interno e o poder de compra
a qualquer outra economia, adquirir condições de governamental para estabelecer preferência
competir em todas as áreas dinâmicas. Mas há para os fornecimentos com maior conteúdo de
um enorme espaço para a geração de atividades produção e desenvolvimento local. Não se trata de
locais, muitas vezes, em novos nichos ainda não estabelecer restrições à participação de empresas
suficientemente explorados. Há vários exemplos estrangeiras, mas sim privilegiar o critério de valor
de empresas de origem nacional e estrangeira agregado local, visando o desenvolvimento da
instaladas no Brasil e que definiram sua plataforma produção e capacitação tecnológica.
de exportações a partir da excelente base de
produção, propiciada pela magnitude do mercado Para atingir todos esses objetivos, é fundamental
interno. associar as políticas industrial e de ciência e
tecnologia, com a política comercial, que devem ser
Nesse caso, destaca-se não somente o potencial utilizadas como instrumento de competitividade.
da demanda doméstica, mas também a cadeia É preciso viabilizar a produção e desenvolvimento
de fornecedores qualificados, o que potencializa locais, facilitando a importação de máquinas,
um significativo coeficiente de valor agregado
equipamentos e componentes necessários para
local, que também pode servir de base para uma
viabilizar os objetivos estabelecidos.
atuação no mercado internacional.
Para o sucesso dessa estratégia, é preciso
Do ponto de vista das políticas de competitividade,
estabelecer um diálogo entre o primeiro escalão
uma análise da experiência internacional mostra
do governo e a direção local e das matrizes das
que tanto os países da OCDE quanto países
empresas transnacionais, tanto aquelas que
em desenvolvimento, com destaque para os do
já possuem operação no Brasil quanto futuros
leste asiático, têm adotado práticas indutoras das
interessados. É preciso não só compreender
decisões empresariais.
as estratégias de localização dos investimentos
A questão fundamental é solidificar e sustentar a e projetos de desenvolvimento, mas também, e
redução da vulnerabilidade externa da economia principalmente, influenciar as suas estratégias.
193
ECONOMIA BRASILEIRA
194
AULA 28 • INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL
tomada de decisões em nível de divisão Contudo o forte crescimento dos mercados fez com
ou unidade de negócios. Essas forças
que a indústria doméstica desenvolvesse sua capa-
abrangem o risco de novos concorrentes,
o poder de barganha dos fornecedores, cidade produtiva, melhorando a produção de com-
o poder de barganha dos compradores, modities para exportação.
o risco de produtos substitutos e a rivali-
dade entres os concorrentes existentes.
(PORTER, 1989, p. 10). - Fragilidade tecnológica
O ambiente macroeconômico do Brasil nos anos
Os baixos níveis de investimentos não colabo-
de 1990 contribuiu para aumentar a fragilidade com-
raram para que o país fizesse parte da revolução
petitiva brasileira no ambiente globalizado.Em 1995, o
teletromática (telecomunicação, eletrônica e infor-
país passou por um ajustamento econômico a fim de
mática), ocasionando, em fins da década de 1980,
reduzir o déficit comercial e minimizar a busca de finan-
um grande atraso tecnológico em relação ao resto do
ciamento externo, mantendo juros elevados e despre-
mundo, o que diminuiu a competitividade da indús-
zando qualquer correção da sobrevalorização da taxa
tria. A fragilidade tecnológica é a causa das tecnolo-
de câmbio. Devido à longa crise gerada pela estabiliza-
gias, hoje, serem dominadas por um conjunto restrito
ção e manutenção da taxa de câmbio sobrevalorizada,
de empresas, sendo que a maior parte delas tem ori-
bem como à elevada taxa de juros, não foi possível à
gem nos países centrais. Dessa maneira, para mo-
economia brasileira acompanhar, expressivamente, os
dernizar o parque produtivo nacional, dependemos
outros países que alavancaram seu crescimento eco-
desses mercados dos quais adquirimos tecnologia, o
nômico através da globalização. Esses fatores conjun-
que gera a fragilidade. Nesse sentido, Araújo e Silva
turais e estruturais brasileiros ocasionaram fragilidade
(2006) afirma:
em diversos setores, principalmente em relação à com-
petitividade, tais como: O aumento da participação dos produ-
tos industrializados no total das expor-
tações brasileiras é atribuído em grande
- Fragilidade Comercial medida à EMBRAER, que passou de
uma participação de 0,75% para 6,23%
no total das exportações, um acréscimo
De acordo com Coutinho (1996), em meados de de quase 5%. Ou seja, se os produtos
1994, quando houve a implantação do plano real vi- industrializados passaram de 32% em
1996 para 40% no total das exportações
sando à estabilidade econômica, o Brasil sofreu uma em 2000 (um aumento de 8%), 4,67%
fragilização na balança comercial, o que deu origem a desse aumento são de uma única em-
presa. Por isso, não é possível afirmar
um déficit bastante significativo relacionado às transa- que o crescimento do setor industrial
ções internacionais. Ele aponta como principais crité- nas exportações brasileiras deu-se de
rios da fragilidade comercial o aumento de importações forma consistente.
por parte do sistema industrial, substituindo insumos da
indústria doméstica, causado pela elevação de preço e - Fragilidade Produtiva
altas de juros, e relata ainda, a respeito da sobrevalori-
Conforme Coutinho (1996), a estrutura produtiva
zação cambial sobre a balança comercial, que:
brasileira, cujos principais produtos para exportação
[...] mesmo com a economia desaqueci- são commodities com baixo valor agregado e com
da, o nível de superávit comercial deve
ter se reduzido de 2% para cerca de 0,5% preços definidos internacionalmente, opõe-se às im-
do PIB. Esta conseqüência direta da in- portações, cujos produtos ou bens de consumo ou
consistência central do Plano Real (i.e. de capital caracterizam-se pelo alto valor agregado.
câmbio sobrevalorizado com juros eleva-
dos) significa uma inegável fragilidade da Este fator é agravado à medida que potencializa um
posição comercial brasileira em face da déficit comercial que dificulta a mudança estrutural
globalização (COUTINHO, 1996, p.231).
da produção. Outro ponto frágil da estrutura produ-
As importações foram ainda mais relevantes tiva do Brasil está relacionado às crescentes partici-
quando houve a possibilidade de financiar no exte- pações de empresas estrangeiras, pois as decisões
rior as compras externas, através de créditos e juros de investimentos e exportações são transferidas para
favoráveis ao importador (COUTINHO, 1996, p. 230). outros países.
195
ECONOMIA BRASILEIRA
AS NOVAS CONCEPÇÕES E FORMAS Uma outra linha de pensamento afirma que existe
DE INTERVENÇÃO DO ESTADO uma tendência à limitação da soberania dos estados
nacionais a partir do fortalecimento das empresas e
NO ÂMBITO DO PROCESSO DE
instituições internacionais, das organizações suprana-
GLOBALIZAÇÃO
cionais e daquelas de caráter regional. Além disso, têm
O papel do Estado tem sido bastante discutido surgido vários tratados, convenções, acordos e instru-
no âmbito dos processos da globalização e da revo- mentos jurídicos internacionais, os quis têm restringido
lução tecnológica. Para Gorender (1995), esses dois o poder do Estado (RAULINO NÓBREGA e COSTA.
fenômenos não anulam nem diminuem a importância II Congresso de Pesquisa e Inovação da Rede Norte
dos Estados nacionais, e o argumento de que a onipo- Nordeste de Educação Tecnológica. João Pessoa - PB
tência do capital financeiro, bancário e principalmente – 2007).
não-bancário teria relegado o Estado à condição de Conforme Scholte: “O Estado sobrevive sob a glo-
instituição secundária, destituído de poder intervencio- balização, mas a governança tem se tornado substan-
nista, é próprio de uma concepção economicista. Por cialmente diferente”. Mas o que de fato quer isso dizer?
maiores que sejam seu peso e sua agilidade, a atua- No que realmente consiste essa chamada “soberania”?
ção do capital financeiro especulativo só é concebível Com a intensificação desse processo de globalização,
no quadro das relações de propriedade asseguradas as fronteiras e a capacidade de ação autônoma do es-
pela legislação dos Estados capitalistas. Ou seja, sem tado vêm, de fato, sendo contínuas e cotidianamente
o poder legitimador e coercitivo do Estado, não have- suplantadas pela dinâmica das relações internacionais
ria sequer como explicar a própria existência do capital no plano econômico, tecnológico e mesmo jurídico.
financeiro. Portanto, do ponto de vista econômico, ele No plano teórico, todos os estados apresentam-se
conserva sua força mesmo após as mudanças liberais em condições de igualdade, mas na prática a realidade
dos últimos tempos. se altera: há estados que não conseguem exercer qual-
Comprovando a afirmação acima, temos o fato de quer influência sobre o sistema internacional. Por outro
que no conjunto dos países da OCDE, a despesa do lado, há empresas que hoje exercem maior influência
Estado consome cerca de 50% do PIB, o que dá a cada que certos estados. Analisando-se a lista das principais
Estado Nacional enorme peso na orientação da ativi- corporações, empresas e países do mundo, percebe-
dade econômica do respectivo país (Anderson, 1995). se que Portugal encontra-se “no 43º lugar, logo a seguir
Nesse mesmo sentido, é fato que as empresas mul- à Shell e um pouco mais acima dos Halmark Stores
tinacionais são regidas por matrizes sediadas em um que são uma cadeia de supermercados nos Estados
determinado estado nacional, e é dessas matrizes que Unidos da América. Esta lista lembra-nos a importância
partem as decisões estratégicas com relação a investi- do sentido das proporções. Por exemplo, o Brasil é a
mentos, inovações tecnológicas de processos e de pro- 8ª potência mundial do ponto de vista econômico e a
dutos, expansão para novos mercados, etc. Para tais Espanha a 10ª. À nossa frente posicionam-se também
matrizes e, por conseguinte, para seus acionistas, as a Exxon, a Toyota, a Ford, a Sumitomo, a General Mo-
subsidiárias remetem vultosas somas anuais de rendi- tors e outras empresas” (BARROSO, In: TEIXEIRA et
mentos, que constituem item de grande significação no al, 2000, p. 135).
cômputo dos balanços de pagamentos de cada Estado A soberania, entendida como conceito e ação prá-
Nacional. Justamente na fase atual de concorrência tica do estado vem, então, sendo progressivamente
acirrada, as empresas multinacionais recorrem ao po- solapada pela consolidação do mercado global e con-
der do Estado Nacional, em cuja jurisdição se situam solidação do capitalismo. Em ambas suas faces, tanto
suas matrizes, visando a enfrentar os concorrentes e a a externa como a interna, vem ela sofrendo com a in-
influir nas decisões dos demais estados nacionais, em fluência muitas vezes nefasta dessa tendência globa-
cujas jurisdições operam suas subsidiárias. Sabe-se lizante pela qual o mundo se encaminha, visto que o
que o regime internacional tem inegável força impositi- poder estatal encontra-se bastante relativizado na rea-
va sobre cada estado nacional. Por mais poderoso que lidade atual. A globalização, é válido frisar, representa
seja, porém, ele permanece como suporte básico de um inegável desafio à afirmação da soberania estatal,
qualquer regime internacional. (VIGEVANI, 1994). dado o caráter interveniente que os órgãos menciona-
196
AULA 28 • INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL
197
ECONOMIA BRASILEIRA
movendo intensas transformações, bem como estimu- GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
lando as empresas a buscarem estratégias que visam Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
colocar seus produtos em um padrão internacional de PORTER, M. E. Estratégia Competitiva: técnicas
concorrência. Essa nova etapa de mudanças na eco- para a análise de indústrias e da concorrência. Rio
nomia é algo inevitável, cabendo aos países se ajusta- de Janeiro: Campus, 1989.
rem de forma a acompanhar o passo. RAULINO, NÓBREGA e COSTA.. II Congresso de
Pesquisa e Inovação da Rede Nordeste de Educa-
ATIVIDADE ção Tecnológica. João Pessoa- PB, 2007.
REFERÊNCIAS
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trangeiro no Brasil. São Paulo: Atlas, 1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
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BAUMANN, Renato et al. A nova Economia Inter-
nacional. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, M. (Org.). A Eco-
nomia Brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BN-
DES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
198
ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 29
Objetivos
• Compreender o desempenho da
economia brasileira pós-1980.
• Caracterizar o colapso do padrão de
desenvolvimento a partir dos anos 1980.
• Analisar alternativas para o crescimento
sustentado.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
Duas décadas perdidas: estratégias confusas
Depois de ter sido feita uma retrospectiva da eco- fazem desempenho econômico medíocre
nomia brasileira a partir do seu processo de industria- tornar-se crônico
lização, faremos uma discussão sobre a estagnação A despeito do que diz o tango “Volver”, de Carlos
econômica em que se encontra o país desde a década Gardel e Alfredo Le Pera, é difícil
de 1980. acreditar que “veinte años no es nada”. Tanto na
vida das pessoas quanto na história das
O DESEMPENHO DA ECONOMIA nações. A economia brasileira em 1999 é quase
BRASILEIRA PÓS-1980 40% maior do que em 1980, mas o
Alguns economistas chamam o período da econo- crescimento foi inferior à expansão da população.
Em 1999, a renda per capita do Brasil
mia brasileira pós-1980 de “era de ajustamento”, se
comparado com etapas históricas anteriores. Nesse será em torno de 3% inferior ao nível de 1980,
período, a economia foi caracterizada pelo abandono pico do período anterior à grande crise da
dívida dos anos oitenta e fim de uma era de
de instrumentos de planejamento, com a redução das crescimento quase que contínuo, iniciada em
políticas de longo prazo, o que, aliado à forte redu- meio à Segunda Guerra Mundial. Já não é mais
ção de investimentos, praticamente eliminou o Estado razoável falar-se em década perdida nos anos
como promotor do desenvolvimento. oitenta. São agora duas as décadas perdidas. Há
Considerando a perspectiva histórica, o Brasil vinte anos, passando por incontáveis peripécias
macroeconômicas, o Brasil continua, em matéria
cresceu de forma acelerada, acima de 7% ao ano, en-
de nível de renda, no mesmo lugar. É um
tre 1937 e 1980. Com o choque do petróleo e a conse- mesmo lugar mais democrático e com melhores
qüente elevação das taxas de juros norte-americanas instituições, mas ainda assim é o mesmo lugar.
em 1979, acompanhada pela redução da demanda O declínio relativo do País em termos de renda
externa e a contração dos fluxos bancários, as condi- poderia talvez ter sido parcialmente compensado
ções de financiamento externo da economia brasileira por avanços na área social, mas isto não ocorreu:
a redução relativa da mortalidade infantil foi menor
deterioraram-se profundamente. Do ponto de vista in-
do que a de países similares e muito pior do que a
terno, instala-se a crise do estado desenvolvimentista, alcançada nas economias desenvolvidas.
com a explosão da inflação, baixo crescimento e au-
Alguns poderiam se consolar com a constatação
mento substancial do endividamento. de que o desempenho brasileiro é apenas
Na década de 90, o presidente Fernando Collor marginalmente pior do que o desempenho
de Mello tenta enfrentar a crise a partir de um pon- médio de outros países no mesmo estágio de
to de vista liberal e para isso promove a redução do desenvolvimento (batizados, algo impropriamente,
papel do Estado na economia, inicia o processo de pelo Banco Mundial, de países de renda média
alta) e bem melhor do que o dos países em
privatização e tenta estimular a competitividade atra-
desenvolvimento mais pobres. Em contraste, no
vés da abertura comercial. Tal abertura permitiu o uso mesmo período as economias desenvolvidas
da âncora cambial para conter a inflação e de taxas aumentaram a sua renda per capita mais de
de juros elevadas para atrair capitais externos. Porém 40%, ou seja, a uma taxa anual superior a 2%.
a sobrevalorização do câmbio e as reduções das ta- O contraste entre desempenho de economias
rifas alfandegárias geraram um grande crescimento desenvolvidas e em desenvolvimento, longe de
ser
das importações e a desaceleração das exportações.
Assim, pode-se dizer que a assimetria entre o ritmo justificativa para o marasmo brasileiro, deveria ter
servido de incentivo para que o País
acelerado de crescimento dos passivos externos e a
queda da dinâmica das exportações tornou-se o prin- transitasse do grupo de países em desenvolvimento
cipal obstáculo ao crescimento sustentado da eco- para o de países desenvolvidos. A
nomia. Para uma melhor compreensão do fenômeno experiência histórica também não indica que, no
da estagnação econômica brasileira pós-1980, leia o longo prazo, o desempenho econômico
texto abaixo:
200
AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS
brasileiro tivesse sido de algum modo pautado ajuste das contas públicas em ritmo compatível com
pelas dificuldades comuns às economias a estabilização. O Presidente deu sinais claros de
banzo desenvolvimentista. Usou reiteradamente
em desenvolvimento. Até o início dos anos setenta
o sucesso, cada vez mais difícil, em contornar as
só o desempenho do Japão e da
instabilidades da economia internacional, como
Finlândia, desde o início do século, havia superado espaço adicional para acomodações políticas ao
o do Brasil em termos de taxa de crescimento do processo de ajuste.
PIB per capita.
A falta de visão estratégica clara que levou
O desempenho começou a piorar com o desgaste à duplicidade de objetivos está na raiz dos
do tradicional modelo de substituição de insucessos governamentais desde a vitória
importações e de presença maciça do Estado como nas eleições de outubro. Passados os piores
provedor de bens e serviços, que, fora a retórica, momentos da aguda crise cambial iniciada em
havia sido apenas levemente ajustado pelos janeiro já podem ser detectados os primeiros
militares. Os custos crescentes de manutenção de sinais do retorno dos velhos vícios. Indicações
tal modelo e a erosão dos seus benefícios foram de euforia baseadas na ciclotimia tradicional,
agravados pelas crises sucessivas de balanço de mesmo que os capitais externos atraídos sejam,
pagamentos, em um ambiente macroeconômico de novo, extremamente voláteis. “Flexibilização”
marcado pela crescente indexação da economia da posição quanto aos ajustes financeiros dos
e pelo desequilíbrio das contas públicas.
estados. Preparativos para o assalto à cornucópia
Parte importante da ineficácia na busca de uma governamental por parte da clientela tradicional.
estratégia alternativa esteve ligada aos vícios do
Com base no retrospecto brasileiro dos últimos
processo decisório no âmbito do setor público no
vinte anos, qualquer estratégia que não envolva
País, retrato magnificado de algumas fraquezas
defesa intransigente do ajuste das contas públicas
nacionais. Nas políticas públicas e na avaliação
e da estabilização como precondição para o
de suas conseqüências manifestaram-se as
desenvolvimento parece irresponsável. E o pior é
dificuldades clássicas. Sempre foi difícil selecionar
que já se notam os indícios do início da disputa
objetivos e persistir na obtenção de resultados
presidencial de 2002. Os riscos de perpetuação
sem declarações prematuras de sucesso. Sempre
do modelo do Brasil como eterno País de um
foi difícil escolher entre objetivos conflitantes.
futuro cada vez menos promissor parecem muito
Sempre a ciclotimia estrutural dificultou avaliações
altos.
objetivas do resultado de políticas, sem admissão
de estágio intermediário entre o céu e o inferno, ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas:
entre a vitória total e esmagadora e a derrota estratégias confusas fazem desempenho
definitiva e humilhante. Sempre foi difícil econômico medíocre tornar-se crônico. O Estado
reconhecer a estrutura das defasagens temporais de São Paulo, São Paulo, 1º abr. 1999.
entre causas e efeitos, deformação que minou a
persistência na condução de políticas. Durante
quase quinze anos o País patinou estagnado em
busca de um modelo econômico que permitisse a
O COLAPSO DO PADRÃO DE
volta do crescimento. DESENVOLVIMENTO A PARTIR
Por um período de tempo limitado, a partir de DOS ANOS DE 1980
1993, pareceu que o governo havia encontrado
maneira de superar os obstáculos à transição O período 1937-1980, caracterizado por altas taxas
para outro modelo, que parecia ter alguma chance de crescimento, foi marcado pela passagem da eco-
de sucesso, baseado na abertura comercial, nomia exportadora de café para a economia urbano-
na privatização e na estabilização da moeda. industrial, produtora de bens de consumo de massa.
Mas, desde bem cedo no primeiro mandato do Esse ciclo foi caracterizado pelo nacional-desenvolvi-
Presidente Fernando Henrique, ficou clara a mentismo, que se traduziu em uma política de interven-
relutância em dar continuidade ao processo de ção do Estado em setores estratégicos da economia
como petróleo, energia e telecomunicações, além da
201
ECONOMIA BRASILEIRA
internacionalização da estrutura produtiva, com incor- e tributação do pobre por meio da inflação. Portanto
poração restrita das massas ao mercado de trabalho estavam justamente aí as causas do colapso do mo-
e ao consumo. delo, na medida em que a hiperinflação se torna a ex-
A partir dos anos de 1970, esse modelo de desen- pressão da impossibilidade em obter crescimento com
volvimento, baseado na chamada “política de substi- ampliação da desigualdade por meio da inflação e do
tuição de importações”, passa por um processo de desequilíbrio fiscal.
esgotamento. Até 1980, o Brasil viveu sob um padrão O impasse dos anos de 1980 e 1990 indica a cri-
de desenvolvimento que promoveu a industrialização se do padrão anterior e a falta de hegemonia para um
e proporcionou elevadas taxas de crescimento do pro- novo, que precisaria redefinir as formas de financia-
duto. Nesse modelo, o Estado cumpriu um papel es- mento, de intervenção do Estado, de inserção inter-
truturante fundamental, comandando o tripé formado nacional, de incorporação de progresso técnico e da
conjuntamente com as empresas privadas nacionais relação salarial. Houve um consenso de que uma volta
e internacionais. O crescimento foi centrado no mer- ao padrão anterior não poderia e não deveria ocorrer,
cado interno, com baixo índice de abertura econômica mas, ao mesmo tempo, as propostas alternativas não
e grande proteção às empresas contra a concorrência geraram um consenso ou não tiveram peso político su-
internacional. ficiente para se impor. As propostas de recuperação da
Nos anos de 1980, esse padrão de desenvolvimen- capacidade financeira e regulatória do Estado sofreram
to entrou em colapso. A crise impediu o funcionamen- um veto. Ao contrário, o ajuste deveria ser jogado so-
to das bases do pacto de poder. O Estado perdeu a bre o Estado. Esse impasse e a estagnação acabaram
capacidade financeira de sustentar, via subsídios, os por favorecer as propostas liberais, com uma perda de
capitais nacionais mais frágeis. poder de resistência e de convencimento de propostas
A crise financeira do Estado levou à redução de alternativas. Por isso, impulsionados pela onda liberali-
seus investimentos. O setor privado não compensou zante internacional, a solução apresentada como novo
essa redução, o que fez a capacidade produtiva au- padrão passaria por abertura comercial e financeira da
mentar muito pouco. Ao mesmo tempo, as empresas economia, diminuição do papel do Estado, desregu-
multinacionais também assumiram uma postura passi- lamentação, privatizações e flexibilizações de merca-
va no Brasil, com seus investimentos produtivos con- dos.
centrando-se no próprio Primeiro Mundo ou em países O fato é que um novo modelo precisa ser constru-
do Leste Asiático. ído sobre as ruínas do antigo e há tempos em que o
Esse padrão de desenvolvimento não resolveu dois país se encontra numa transição inacabada. O texto
aspectos básicos para a superação do subdesenvolvi- a seguir, escrito por Gustavo Franco, é bastante crítico
mento: a capacidade de financiamento de longo prazo a respeito de modelos de desenvolvimento. Leia-o e
e o potencial de inovação tecnológica. A queda dos in- confronte as várias idéias apresentadas nele a respeito
vestimentos das décadas de 1980 e 1990 ocorreu jus- do assunto.
tamente quando se desenvolvia nos países centrais um
novo paradigma científico e tecnológico. Assim, o mo-
O “projeto” e a retórica do desenvolvimento
delo de desenvolvimento brasileiro também entrava em
crise por esse fator. A estrutura industrial que estava A observação mais importante a fazer sobre
basicamente completada era a da segunda revolução “modelos” e “projetos” de desenvolvimento é a de
industrial, ao mesmo tempo em que existia baixa capa- que essas criaturas, via de regra, pertencem aos
cidade interna de geração de tecnologias de ponta. historiadores, vale dizer, são racionalizações a
posteriori de experiências históricas específicas,
A experiência dos anos de 1990 serviu para mostrar
cujos traços principais são decantados a fim de
que a soberania se constroi através da competitividade
lhes revelar, conforme o vezo do exegeta, a sua
e da competência; para isso é necessária a abertura
verdadeira essência. O enunciado do modelo,
econômica e a exposição da economia à concorrência. ou projeto, envolve necessariamente uma
O binômio protecionismo/inflacionismo nos legou uma combinação daqueles traços específicos que
espécie de apartheid social, cujas bases eram duplas: cada historiador identifica como fundamentais,
produtividade do trabalho estagnada em níveis baixos
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AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS
de modo que, com muita freqüência, uma mesma complexo é evitar a inconsistência entre as ações
experiência enseja inúmeras e nem sempre presentes, ainda “inovadoras” e com motivações
consistentes lições. A experiência dos chamados ainda não inteiramente amadurecidas, e uma
“tigres asiáticos”, por exemplo, é especialmente retórica “anterior” que lhes contradiz.
rica, neste domínio, uma vez que já comportou
Essa questão se mostra clara nos dois mais
amplas e contundentes referências tanto para
importantes pilares da retórica do modelo de
confirmar quanto para desmentir teses (neo?)
substituição de importações (SI): (i) a identificação
liberais.
entre desenvolvimento e gasto público; e (ii)
Observa-se, não obstante, notável mistificação em a identificação entre autodeterminação (e
torno da possibilidade de definição de um projeto soberania) com auto-suficiência (autarquia). Em
nacional a priori, vale dizer, como resultado de ambos os casos, as ações a serem desenvolvidas
uma mobilização redentora a partir de idéias e nos próximos anos são inteiramente contraditórias
interesses clarividentemente articulados, do que aos chavões produzidos a partir dessas posturas.
resulta algum processo econômico inovador. No primeiro caso, por exemplo, chavões de
Presume-se, dessa forma, que as “respostas grande apelo estão longamente estabelecidos:
criadoras” (as inovações institucionais, na política desenvolver é construir estradas. Bem como
econômica e na esfera tecnológica) se constroem fazer hidroelétricas, escolas, postos de saúde.
a partir de revoluções intelectuais ou mobilizações Desenvolver é gastar.Apenas e tão-somente gastar,
políticas prévias (ou, no máximo, simultâneas) à de modo que o bom governo é, evidentemente, o
sua ocorrência. As vanguardas, tanto intelectuais que mais gasta, o mais descaradamente gastador,
quanto políticas, têm, por sua própria conta, sua o mais irresponsável e o menos preocupado com
importância vastamente exagerada, parecendo disciplina fiscal. Governo bom é o que faz obra,
querer estabelecer uma curiosa primazia do não imposta que não pague as contas ou que a
historiador (e na leitura sobre a evolução das obra não tenha maior utilidade. A obra em si é o
forças produtivas) sobre a História. que conta, tendo, inclusive, pouca importância se
Essa mistificação das vanguardas ocorre à esse governante obreiro é desonesto, pois aí vale
esquerda e à direita, e a noção de “projeto o mui conhecido “rouba, mas faz”.
nacional”, tal como comumente apregoada, é Quando as políticas públicas para promover o
uma de suas vítimas mais contumazes. Desde desenvolvimento vão no sentido oposto, vale dizer,
JK, prevalece a leitura de que o desenvolvimento enfatizam a austeridade (por que objetivamente
articula-se a partir de um projeto nacional se sabe que é a austeridade fiscal que levará ao
corporificado em convergências políticas evidentes desenvolvimento), o governo cai numa armadilha
habilidosamente costuradas pelas lideranças e retórica: se desenvolver é gastar, cortar gasto
expressas em um documento de metas. significa fomentar o contrário do desenvolvimento,
Desde então, procura-se replicar essa combinação a recessão. O mesmo se observa na questão
de elementos, independentemente de tratar-se da auto-determinação. Na medida em que se
ou não de regime democrático45. Torna-se lugar procura reduzir a vulnerabilidade externa, a
comum a definição de um auto-suficiência (e, portanto, a substituição de
importações com vistas à autarquia) é o único
“Plano de Metas”, atraindo evidente anologia
caminho natural. Quando as políticas públicas
com os heróicos anos do desenvolvimentismo
caminham na direção da abertura, novamente o
puro. Não há mal nisso, e todos os governos
governo se envolve em uma armadilha retórica:
que se seguiram o fizeram, e os que se seguirão
a abertura haverá, nessas premissas, de levar ao
provavelmente haverão sempre de fazê-lo.
Deve-se, evidentemente, evitar a armadilha de aumento da vulnerabilidade externa e, portanto,
elevar um expediente retórico à categoria de levará à crise cambial e não ao desenvolvimento.
roteiro preciso do processo de desenvolvimento, Note-se, de outro lado, que retórica do
retirando deste qualquer aspecto de processo desenvolvimento, embora nem sempre se
histórico. Não há dificuldade aí. Bem mais constitua em uma descrição objetiva do processo,
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ECONOMIA BRASILEIRA
agenda econômica, a fim de permitir um maior às entradas de capitais pode ter desempenhado
raio de manobra na condução das políticas um papel.
macroeconômicas domésticas. A revista The
No caso brasileiro, o arcabouço macroeconômico
Economist, ao considerar que “o mercado
— taxas de câmbio flutuante, taxas de juros reais
global de capitais é um lugar turbulento e
elevadas com metas declinantes para a inflação
perigoso, especialmente para economias pouco
e superávits fiscais primários crescentes — tem
desenvolvidas, que podem estar mal-equipadas
garantido a estabilidade monetária, o ajuste
para navegá-lo”, afirma: “Para alguns países,
temporário das contas externas, a redução
impor certos tipos de controle de capitais
relativa do endividamento público e a preservação
será mais sábio do que não fazer preparação
da riqueza financeira em moeda nacional, mesmo
nenhuma [para controlá-los]”. Técnicos do FMI
que no curto prazo, e tem desencadeado ciclos de
concluíram que “há pouca evidência de que a
integração financeira tenha ajudado os países em expansão e retração da economia, mas não parece
desenvolvimento a estabilizar as flutuações no capaz de promover o desenvolvimento econômico
crescimento do consumo”. Os benefícios foram e social, com ampliação do emprego, elevação
captados pelos países industrializados — vale dos salários e melhora na distribuição da renda. A
dizer, aqueles com moedas aceitas nos mercados partir da equação macroeconômica brasileira não
internacionais e amplos mercados financeiros se tem verificado nenhuma experiência histórica
domésticos. de desenvolvimento sustentado. Em condições
de abertura financeira, passivo externo elevado e
Vários estudos demonstraram que os países que reservas internacionais baixas — ao contrário do
mantiveram controle sobre os fluxos de capitais que defende a teoria convencional —, a taxa de
e a taxa de câmbio obtiveram maiores taxas de câmbio flutuante não possibilita maior autonomia
crescimento, menor flutuação da produção e para as políticas monetária e fiscal. Mesmo quando
da renda e reduzida vulnerabilidade das contas se reduz o déficit em conta corrente, a taxa de
externas. Os países mais bem-sucedidos foram câmbio flutuante não elimina o risco cambial e o
Chile, Índia, Cingapura, Taiwan, Malásia e Banco Central permanece obrigado a intervir (na
China. Perseguindo essa trilha, os governos da
valorização ou na desvalorização), o que repercute
Argentina e da Colômbia implementaram controles
no estoque da dívida pública e requer crescentes
preventivos sobre os fluxos de capitais de curto
superávits fiscais. A política monetária restritiva,
prazo. Os capitais que não se destinarem ao
para conter os efeitos da taxa de câmbio flutuante
investimento direto em empresas ou no comércio
sobre os preços domésticos, também deteriora as
exterior terão de permanecer pelo menos 180
necessidades de financiamento do setor público,
dias no país. O objetivo é evitar a excessiva
bem como aumenta o custo de oportunidade
valorização da moeda doméstica, que prejudica
para o investimento privado. Enfim, as relações
as exportações.
perversas entre as políticas cambial, monetária e
Relatório do FMI reconhece que reformas fiscal condicionam as trajetórias de stop and go
liberalizantes implementadas pelos países latino- do produto, com repercussões no emprego e nas
americanos (com abertura comercial, liberalização condições sociais.
das contas de capital, desregulamentação dos
Ao contrário do que afirmou o ministro da Fazenda,
sistemas financeiros domésticos e reforma do
Antonio Palocci — “os experimentalismos
Estado) não atingiram seus objetivos em termos
das taxas de crescimento do produto e de sua fracassaram no Brasil” —, seria preciso mais
volatilidade, do balanço de pagamento e da ousadia para interromper o círculo vicioso
situação do setor público: do “suave fracasso” da economia brasileira:
não entra em default, mas também não gera
Poucos países conseguiram administrar a desenvolvimento. Isso parece exigir a construção
transição — do déficit em conta corrente com taxa de uma força política — uma aliança fundada nos
de câmbio fixa — com sucesso, especialmente interesses da produção e do trabalho — a fim de
num ambiente de elevada mobilidade internacional suplantar a aliança de rentistas que forma a base
de capitais. [...] No Chile a imposição de controles do poder político e econômico hodierno.
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AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS
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ECONOMIA BRASILEIRA
Fernandes, Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre, Sergio Pelo contrário. Ao capital coube o ganho financeiro,
Buarque e outros tantos que essa displicência sustentado na enorme dívida pública, e aos
torna-se imperdoável. Conseqüentemente, suas trabalhadores, o desemprego, a “flexibilização”
previsões, quando funcionam, não vão além do de direitos e a queda do rendimento real. Em
curtíssimo prazo. suma, a atual situação de crise não alcança a
todos igualmente. Ela favorece, como sempre,
Fica evidente que os economistas, ao agirem
uma parte importante da elite brasileira, que, por
assim, esquecem que o mundo real é composto
sua vez, dá o devido suporte político para que
por homens e mulheres associados em grupos
essa ordem de coisas permaneça. Ou seja, não
com diferentes poderes para empurrar o
há segredo.
conjunto social para o que as suas convicções e
interesses ditam. Naturalmente esse poder está Não há milagres. Uma sociedade se constrói
concentrado, sobretudo em países como o Brasil, e reconstrói a partir da atuação das forças que
nas mãos daqueles poucos que detém o poder atuam no seu interior e das pressões vindas
econômico e político, tipicamente entrelaçados do ambiente internacional. Pior: se o grupo
aqui. privilegiado conseguir “pegar carona” na nova
ordem externa, mantendo regalias, a adequação
Ou seja, a famosa elite brasileira. Inserção mundial
não é nada difícil, mesmo que custe caro ao resto
do país não implicou em divisão equilibrada da sociedade.
dos ônus e bônus da modernização entre toda
sociedade Logo, a conclusão inevitável é que Por tudo isso, fica claro que, se o Brasil não muda,
chegamos à “modernidade econômica” pela mão é porque alguns poucos e poderosos não querem
política e econômica dessa elite poderosa, que que nada mude. E a questão é: e os economistas?
soube garantir seus interesses e administrar os De que lado ficarão nessa luta?
conflitos sociais resultantes de suas escolhas, Amorim, R. L. C.; Moura Junior, A. A. Os
adequando-se como pôde às mudanças na economistas e a transformação do país. Valor
ordem internacional. Econômico, São Paulo, 23 out. 2007. p. 17
Tudo convenientemente ignorado pela maioria – 31.
dos economistas. Conseqüentemente, podemos (Ricardo Luiz Chagas Amorim é professor-
afirmar que a semi-estagnação econômica que pesquisador licenciado da Universidade
vive o Brasil há 25 anos não é um mero acidente, Mackenzie e membro da Sociedade Brasileira
mas sim fruto da vitória dessa elite no embate de Economia Política. É co-autor da série “Atlas
político cotidiano. da Exclusão Social” da Editora Cortez. Álvaro
Tanto que não é à-toa que, nos primeiros 10 anos Alves de Moura Junior é professor-pesquisador e
de crise (anos 1980), a paralisia situava-se no coordenador de pós-graduação da Universidade
esgotamento de um processo de acumulação de Mackenzie.)
capital e riquezas garantidos pelo Estado desde
Juscelino Kubitscheck.
REFERÊNCIAS
Já nos anos seguintes, os 1990, a tônica passou
a ser o reordenamento do papel do Estado, ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
colocando-o como refém de um processo
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
de acumulação (cada vez mais) financeira e lo. São Paulo, 1º abr. 1999.
que, por sua vez, reproduziu sem contestação
as condições impostas pela nova ordem BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
internacional. As mudanças necessárias para oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
isso, dada a proeminência daquele grupo, não
implicaram, mais uma vez, na transferência mais FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
ou menos equilibrada dos bônus e dos ônus Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
entre toda a sociedade. GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
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AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS
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ECONOMIA BRASILEIRA
AULA 30
Objetivos
• Identificar os dilemas e desafios para o
Brasil no século XXI.
• Discutir os problemas de curto e longo
prazo a serem enfrentados.
ECONOMIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
importantes (pelo número de citações que
Chegando ao final de nosso curso, podemos cons- recebeu e ainda recebe) teóricos a abordar
tatar que muitos economistas têm feito uma exaustiva esse tema foi o geógrafo e geopolítico inglês
análise da economia brasileira, debruçando-se sobre Halford J. MacKinder, que produziu várias
questões como: o grande desafio das políticas de es- obras sobre o assunto no final do século XIX e
no início do século XX. A idéia de uma ordem
tabilização bem como as opções do Brasil diante da
mundial pressupõe logicamente um espaço
enorme transformação observada na economia mun-
mundial unificado, algo que só ocorreu
dial. Nesta última aula, veremos quais são as perspec-
a partir da expansão marítimo-comercial
tivas apontadas por esses pesquisadores para o Brasil européia (e capitalista) dos séculos XV e XVI.
no século XXI. Daí os autores clássicos, em especial aqueles
do século XIX, terem cunhado a expressão
DILEMAS E DESAFIOS PARA O “grande potência” ou “potência mundial”,
BRASIL N O SÉCULO XXI indissociavelmente ligada à idéia de ordem
mundial. Esta normalmente é vista como
Vivemos uma época de grandes mudanças e insta- uma situação de equilíbrio (sempre instável
bilidade, causadas principalmente pelas inovações tec- ou provisório) de forças entre os Estados.
nológicas e seus efeitos sobre a sociedade. Entretanto (Afinal é o Estado quem atua nas relações
podemos identificar duas grandes tendências deste sé- internacionais e executa tanto a diplomacia
culo: o processo de globalização e a formação de uma quanto a guerra).
nova ordem mundial. E como esses atores privilegiados no cenário
Vimos que existe uma vasta literatura sobre o as- global, os Estados, são equivalentes apenas
sunto, mas o aspecto mais importante que tem sido na teoria -- pois há alguns fraquíssimos,
ressaltado pelos especialistas no assunto é a extrema em termos de economia, de população e
assimetria em relação aos processos anteriores. Sabe- de poderio militar, e alguns poucos outros
se que apenas um restrito número de países e de gru- extremamente fortes --, o conceito de potências
pos usufruirá de seus benefícios. Custos, como amplo (médias ou regionais e principalmente
grandes ou mundiais) é essencial na medida
desemprego ou subemprego, já têm sido impostos a
em que expressa algo que ajuda a definir ou
uma grande parte da população mundial, na medida
a estabilizar a (des)ordem mundial. Como
em que muitas estruturas produtivas foram desarticula-
assinalaram Norberto BOBBIO e Outros
das pelo processo de globalização. (Dicionário de Política, editora Universidade
A formação de uma nova ordem é outro macropro- de Brasília, 1986, pp.1089-1098), cada Estado
cesso a ser formatado no curso do século XXI.. Com a possui a sua soberania ou poder supremo no
implosão da União Soviética, a ordem bipolar deixou interior de seu território, não estando portanto
de existir, e a atual ordem ainda gera muitas controvér- submetido a nenhuma outra autoridade
sias. Veja texto a seguir, que discute justamente este supraestatal, o que em tese redundaria numa
problema. espécie de “anarquia internacional”. Mas a
existência das grandes potências e a própria
A Nova Ordem Mundial hierarquia entre os Estados introduz um
elemento estabilizador, uma “ordem” afinal,
O que é uma ordem [geopolítica] mundial? nessa situação em que não há um poder global
Existe atualmente uma nova ordem ou, como ou universal, isto é, acima das soberanias
sugerem alguns, uma desordem? Quais são estatais.
os traços marcantes nesta nova (des)ordem
internacional? É exatamente essa hierarquia que vai dos
“grandes Estados” -- a(s) grande(s) potência(s)
Esse tema é clássico na geografia política, na -- até os “pequenos”, esse sistema de países
geopolítica, na ciência política e nos estudos onde na prática há o exercício do poder pela
de relações internacionais. Um dos mais diplomacia (ou, no caso extremo, pela força
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AULA 30 • O BRASIL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI
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ECONOMIA BRASILEIRA
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AULA 30 • O BRASIL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI
abaixa a taxa de juros, reduz-se, correspondentemen- tá-los exigirá, antes de tudo, que o país seja capaz de
te, a atratividade para capitais externos, agravando a mudar seus hábitos e formatos políticos.
situação do balanço de pagamentos. Se os juros são Vamos finalizar essa aula, e também a disciplina,
majorados, para atrair capitais externos, eleva-se o dé- com uma reflexão a respeito da dificuldade do Brasil
ficit das contas públicas. em romper com o subdesenvolvimento. Para nos inspi-
Em tal situação, a única solução possível é a ado- rar, vamos ler o texto abaixo.
ção de medidas que, por um lado, incrementem subs-
tancialmente as exportações e mantenham as importa- O CRESCIMENTO ECONÔMICO
ções em nível moderado e, por outro, regularizem as E O FUTURO, OU NÃO FUTURO,
contas públicas, mediante reformas tributária e previ-
DO BRASIL
denciária, que equilibrem as contas do INSS e, com a
minimização dos gastos de custeio, gerem confortável Num dos últimos números de “Espaço Acadêmi-
superávit para os investimentos da União. co”, foi publicado um interessante texto, de autoria de
A segunda ordem de problemas mais imediatos Paulo Roberto de Almeida, a respeito da falta de di-
refere-se a questões institucionais e políticas, que afe- namismo econômico brasileiro e como esta, inevitavel-
tam, de forma extremamente séria, a governabilidade mente, vai nos levar à estagnação ou à decadência.
do país. A crise de governabilidade provém de graves Mesmo sem estar de acordo com tudo o escrito ali, é
defeitos dos sistemas político e institucional. um texto muito interessante e que instiga à reflexão.
As deficiências do sistema político decorrem, prin- Eis porque decidi pensar um pouco sobre o problema
cipalmente, do inadequado regime eleitoral e do ainda do crescimento econômico brasileiro hoje.
menos adequado regime de regulação dos partidos po- É realmente difícil não ficar impressionado com os
líticos. O atual regime regulador dos partidos políticos dados levantados tanto no artigo acima mencionado,
permite e de certa forma favorece uma infinita prolife- assim como em outros disponíveis num sem número
ração de legendas, destituídas de qualquer efetiva sig- de jornais e boletins de organismos internacionais.
nificação pública, que se convertem em máquinas de Depois de um longo período crescendo a uma média
mercantilização política, na grande maioria dos casos. bem superior ao resto do mundo, o Brasil está, a mais
Os partidos são siglas, privadas de significação, relati- ou menos três décadas, patinando, sem conseguir sair
vamente às quais os políticos se ligam e se desligam do lugar. Nos últimos anos, estamos ficando para trás
ao sabor de ocasionais interesses eleitorais, entre ou- dos outros países emergentes, e até mesmo de vários
tros. O regime eleitoral vigente favorece a eleição de de economia madura, quando se trata de dinamismo
candidatos desprovidos de qualquer significação públi- econômico.
ca, que exercerão seu mandato apenas para satisfa- Claro que comparações estatísticas sempre são
zer seus interesses pessoais. Daí a falta de orientação complicadas. Um país muito pobre pode, por exemplo,
programática e a dificuldade de formar maiorias con- conseguir taxas excepcionais de crescimento simples-
sistentes, em cada legislatura, forçando o Executivo a mente porque a base de partida é muito pequena. Já
barganhar com cada parlamentar, individualmente, as a Argentina, por exemplo, só está em plena expansão
medidas que julgue de interesse público. econômica porque está aproveitando a capacidade
Em síntese, o grande desafio brasileiro para o sé- produtiva ociosa depois da grave crise dos anos an-
culo XXI será definir e executar uma política de desen- teriores. Distorções cambiais também afetam os nú-
volvimento verdadeiramente sustentável - enfrentando meros. Mas é seguro afirmar que a situação brasileira
inclusive a difícil tarefa de questionar os modelos de não é tranqüila. Em alguns anos, crescemos bem; em
crescimento voltados unicamente para o econômico e outros, nem tanto, mas, em linhas gerais, nas últimas
descuidados do ambiental e social. Lembrando que por três décadas, estamos crescendo muito menos do que
isso mesmo temos alguns dos piores indicadores de poderíamos e/ou deveríamos.
concentração de renda no mundo. Não é este o espaço para uma longa discussão
É diante desses desafios que o Brasil está coloca- sobre a história econômica brasileira nas últimas dé-
do, ao ingressar no século XXI. Ser capaz de enfren- cadas e sobre como chegamos a esta situação atual.
217
ECONOMIA BRASILEIRA
Muito mais importante, a meu ver, é uma avaliação do queremos que o crescimento se sustente depois de um
presente e do que poderia ser feito para que esse triste avanço inicial, seria fundamental atacarmos as ques-
destino da estagnação possa ser evitado. tões centrais, ou seja, manter e elevar continuamente a
Acredito que a questão deve ser analisada em cur- demanda e a produção.
to, médio e longo prazo. Para o período imediato, não Para tanto, a questão do Estado me parece fun-
resta dúvida que o problema central é o binômio câm- damental. O Estado brasileiro, hoje, é um mastodonte
bio-juros. Boa parte dos países do mundo que apre- que suga quase 37% do PIB em impostos. Uma taxa
sentam taxas significativas de crescimento econômico alta, especialmente se comparamos com outros países
adota a política de câmbio desvalorizado, compatível de mesmo nível de desenvolvimento. O pior, contudo,
com o aumento contínuo das exportações, e juros bai- é que o retorno para a sociedade é praticamente zero.
xos. Isso vem acontecendo, por exemplo, na Argentina Com um Estado deste tamanho para sustentar (incluin-
e na China. do-se aqui as despesas sociais, as transferências di-
Já o modelo brasileiro é exatamente o contrário, retas, os juros da dívida publica, etc.), não há câmbio
utilizando câmbio valorizado e juros altos. Com esse favorável e redução de juros que nos levem a níveis
modelo, a pressão sobre as finanças públicas é imensa chineses de expansão do PIB.
(ainda que outros fatores, claro, também possam cola- Na verdade, o Estado brasileiro, hoje, é uma gran-
borar para a sua deterioração) e há sempre o risco (no de máquina de pagar juros, pensões e benefícios so-
caso de uma queda da procura internacional por com- ciais, além de garantir a sua manutenção. É possível
modities, por exemplo) de um colapso cambial, como o aceitar o argumento que o Estado deve se auto-susten-
de 1998. Além disso, apesar dos juros altos não serem tar adequadamente, honrar seus compromissos e con-
os únicos culpados pela nossa situação econômica tratos, pagar as pensões dos aposentados e aliviar a
atual, dificilmente pode se dizer que ele anime consu- fome das multidões carentes. O problema é que estes
midores e empresas a investir, consumir, etc. gastos não induzem ao crescimento econômico que,
Há, a meu ver, três trajetórias possíveis a seguir em longo prazo, permitiria, inclusive, que o Estado não
aqui: a primeira é mantermos o modelo juros altos/câm- precisasse fazer caridade para com os pobres. O que
bio valorizado e aceitarmos a estagnação como pre- gera crescimento econômico é investimento, que é jus-
ço da estabilidade. Na segunda, baixamos a qualquer tamente o que o Estado brasileiro menos faz, até para
custo os juros, desvalorizamos brutalmente a moeda ter os recursos para as políticas de assistência social.
e teremos, provavelmente, um crescimento acentuado, Basta verificar o que resulta destas que são as
na casa dos dois dígitos, por algum tempo, mas que principais despesas do Estado. O pagamento dos juros
tenderá a se esgotar e a produzir inflação rapidamente, beneficia a todos os que têm fundos ou aplicações fi-
devido ao problema da demanda excessiva. Seria uma nanceiras, claro, mas, em geral, só os que dispõem de
aventura, no pior estilo populista, e que rapidamente elevadas somas aplicadas podem realmente usufruir
se esgotaria. dessa renda. Assim, quem realmente enriquece com
Já a terceira hipótese seria dosarmos, em níveis os juros altos são algumas pessoas e instituições ban-
moderados, juros e câmbio para estimularmos o cres- cárias. Já o pagamento dos benefícios sociais e das
cimento, mas sem gerar uma demanda excessiva que pensões, apesar de socialmente defensável, não for-
só geraria inflação e já pensando em medidas para nece condições para que as pessoas carentes saiam
aumentar a produção no futuro. Claro que a grande realmente do ciclo vicioso da pobreza. Por fim, o Es-
questão aqui seria o como fazê-lo, pois, se a receita de tado gasta em excesso para a sua manutenção e de
como dosar estes instrumentos de política monetária forma completamente aleatória, o que gera a situação
fosse simples, todos os presidentes do Banco Central absurda de contínuos do Judiciário ganhando mais do
do Mundo a seguiriam. O que, talvez, precisássemos, que cientistas da Embrapa ou de termos toda uma es-
fosse um pouco mais de ousadia e fugir um pouco do trutura pública que apenas se mantém, sem cumprir as
imediato. funções para as quais foi criada.
Aqui entra, a meu ver, a questão do médio prazo. Assim, vivemos num país onde as instituições pú-
Não é possível imaginar que todos os problemas da blicas, premidas pela falta de recursos e pela ausência
economia brasileira se resumem a câmbio e juros. Se de gerenciamento, políticas de estímulos e cobranças,
218
AULA 30 • O BRASIL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI
etc., em geral e já descontadas as exceções de praxe prazo, claro, mas são as chaves para que o crescimen-
(como a Receita Federal), não funcionam. Dessa for- to fosse sustentado.
ma, e aqui é uma avaliação subjetiva minha, as Uni- O crescimento, no século XXI, demanda, efetiva-
versidades não pesquisam, as escolas não ensinam, mente, a entrada na era da tecnologia, da terceira (ou
os hospitais não curam, a polícia não garante a segu- quarta) revolução industrial. Sem isto, não consegui-
rança, etc. Ás vezes, parecemos viver num país “fake”, remos ir muito longe. A educação e a ciência são as
como os cenários dos filmes, no qual tudo o necessário chaves para o progressivo aumento da produtividade e
à vida e à economia moderna está presente, mas onde, para a construção de uma consciência cidadã de que
ao mesmo tempo, nada realmente existe. esse país tanto precisa para que a própria reforma do
Enfim, o que fica claro é que o nosso gasto público Estado continue.
é de má qualidade, com transferências sociais, pen- Além disso, um dos principais problemas para a
sões, juros e despesas correntes absorvendo toda a construção de uma moderna sociedade de consumo
renda pública. Com isso, não apenas a sociedade é pe- de massas no Brasil sempre foi a distribuição de ren-
nalizada com altos impostos, como não sobram recur- da. Esta é tão concentrada que fica difícil haver um au-
sos para investimentos Ou seja, não apenas o Estado mento de demanda consistente, mesmo num momento
inibe o investimento privado sugando parte substancial de bonança econômica. A educação, num contexto de
da renda nacional para si, como não investe ele próprio estagnação econômica, produz apenas o que vemos
no futuro. atualmente, ou seja, milhões de graduados desempre-
Assim, sem equacionar o problema do Estado, nada gados ou subempregados. Mas, num contexto de cres-
pode ser feito. É fundamental aliviar a carga tributária, cimento, é o grande canal para a distribuição de renda,
mas, acima de tudo, garantir que tanto a cobrança dos geração de demanda e garantia da própria continuida-
impostos como os gastos sejam de melhor qualidade. de do crescimento.
Sem uma reforma tributária que redistribua um pouco Ou seja, o que fica cada vez mais claro é que, com
a carga fiscal entre os que realmente podem pagar (e uma mudança, ainda que leve, na política monetária
privilegiando os que produzem e trabalham), a redução em curto prazo, uma reforma do Estado no médio e
dos juros a níveis civilizados, uma reengenharia total a ênfase na educação e na ciência no longo, podería-
da máquina do Estado (incluindo a suavização da sua mos, talvez, sair do dilema da estagnação e do empo-
imensa ineficiência e corporativismo, melhora do siste- brecimento contínuos. Se nos dedicarmos apenas ao
ma judiciário e da infra-estrutura pública, etc.) e uma primeiro e segundo níveis, poderemos ter até algum
reavaliação do sistema previdenciário, não há manei- crescimento, mas limitado.
ra de manter um crescimento econômico contínuo em Importante ressaltar, claro, como essa divisão que
médio prazo. Afinal, não há crescimento sem demanda fiz em questões de curto, médio e longo prazo é mera-
(= crescimento real de renda e/ou da capacidade de mente didática e não sugiro que devemos resolver um
endividamento em todos os setores sociais) e produ- deles para só depois seguir para o próximo. Tudo tem
ção (= maiores investimentos públicos e privados) e, que ser trabalhado ao mesmo tempo, ainda que haja
com esse Estado gigante e ineficiente, não há como nós mais imediatos a desatar e outros que, inevitavel-
isso ocorrer. mente, demandarão mais tempo.
Mas, imaginemos que se resolveu o problema Mas a realidade atual não indica que algo vá ser fei-
câmbio-juros e que a voracidade do Estado tenha sido to. A complexidade das reformas que este país precisa
ao menos contida. Tudo estaria resolvido? Não creio. é tamanha (como, por exemplo, articular aumentos de
Teríamos criado condições para um crescimento eco- despesas na educação com necessidade de diminuir os
nômico mais sólido e consistente e, provavelmente, custos do Estado e sem cortar outras despesas neces-
mais duradouro. Qualquer esforço, contudo, para fa- sárias ou obrigatórias?) e demandaria um custo político
zer que ele fosse ainda de melhor qualidade e, mais tal (ao abalar privilégios, tradições e idéias arraigadas)
especialmente, se revertesse em benefício real para a que não espanta que nenhuma força política pense nis-
sociedade, implicaria investimentos maciços, públicos to. Depois, a própria sociedade parece completamente
e privados, em educação e desenvolvimento científico conformada com o fato de estarmos parados no tempo,
e tecnológico. Eles só dariam retorno em médio e longo sem perceber que os problemas do dia-a-dia (violência,
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ECONOMIA BRASILEIRA
falta de dinheiro, más condições de vida, etc.) estão da área, como será seu caso assim que se formar, não
claramente relacionados com esta estagnação. pode desatualizar-se em um tema tão fundamental.
Realmente, para as elites, especialmente as fi- Assim, deixo-lhe a recomendação de que man-
nanceiras, tudo está muito bem e a concentração de tenha suas leituras e seus estudos em dia, para que
riqueza e poder em suas mãos é tamanha que tanto possa sempre assegurar sua independência de opi-
faz se a economia cresça ou não. Elas gostariam, pro- nião, atitude crítica e, sobretudo, ética em seu dia-a-dia
vavelmente, de ver a economia deslanchar, mas não profissional.
se o preço disto for a diminuição dos seus privilégios Muita sorte, ótimos estudos e muito sucesso!
e prerrogativas e/ou a ponto de fazer, dessa questão,
algo realmente prioritário. Elas têm tudo o que preci-
sam e o futuro da sociedade como um todo, para elas,
é irrelevante.
As classes médias, por sua vez, submetidas à bru-
tal queda de renda e as mais afetadas pela falta de
dinamismo na economia, não conseguem se organizar
para defender seus interesses e se limitam a tentar sal-
var o possível, no mais completo individualismo e “sal-
ve-se quem puder”. Já a grande massa popular parece
satisfeita com as transferências de renda e a discre-
ta melhora das suas vidas nos últimos anos. Assim, a
questão não se coloca.
Realmente, foi criado, nos últimos anos, um arran-
jo político-social que permite que o tecido social não
se rompa. Os realmente ricos têm renda garantida via
mercado financeiro; os pobres, suas pensões e bolsas
e a classe média tenta salvar o que pode. O problema
é que não apenas esse arranjo é inviável em longo pra-
zo, como não leva realmente ao progresso e a melhora
da vida do conjunto das pessoas.
Assim, sou obrigado a compartilhar o pessimismo
manifestado pelo Paulo Roberto no seu texto. Estamos,
provavelmente, condenados à estagnação. E isso não
por imposição do imperialismo global (pois os exem-
plos da China, da Índia e vários outros indicam que é
perfeitamente possível prosperar no mundo globaliza-
do), mas por falta de vontade de realmente enfrentar o
problema. Claro, ninguém diz que resolver o “nó” da es-
tagnação econômica é fácil, pois, se o fosse, ninguém
optaria por isto. Mas o que choca é que a questão nem
sequer se coloca na nossa agenda, num conformismo
que é ainda mais lamentável.
Bem, meu caro aluno, chegamos ao final de nossa
disciplina. Como ela trata de questões econômicas, é
claro que dados e afirmativas dos experts no assunto
podem mudar, e mudam, com muita rapidez, o que tor-
na relativas algumas na área. Para estar sempre atuali-
zado com as mudanças, é essencial que você se man-
tenha muito bem informado. Até porque um profissional
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