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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

ECONOMIA BRASILEIRA
HELENA ANTÔNIA GUIMARÃES MOURA

FEAD
Belo Horizonte
2010
Publicado por FEAD
Copyright©2010 FEAD

Diretoria Geral
José Roberto Franco Tavares Paes

Capa
Jean Baptist Debret - Escravos carregando café

Todos os direitos reservados ao


Sistema Integrado de Ensino de Minas Gerais – SIEMG
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M929e Moura, Helena Antônia Guimarães


Economia Brasileira / Helena Antônia Guimarães
Moura. - Belo Horizonte: FEAD, 2009.
220p.

ISBN: 978-85-99419-56-4

I Título 1-Economia-Brasil

CDU: 336.2
A Faculdade FEAD apresenta novo projeto, fundamentado
em aspectos metodológicos da auto-aprendizagem, e inaugu-
ra os cursos de graduação na modalidade a distância.
Estudar na modalidade a distância é adquirir, além de co-
nhecimento do conteúdo apresentado, competências hoje exi-
gidas no campo profissional e pessoal: autonomia, interação,
determinação, gerenciamento da própria formação e atualiza-
ção continuada.
A Instituição que se propõe formar empreendedores apre-
senta atitude inovadora e ensina pelo próprio exemplo. O pro-
jeto FEAD de Educação a Distância vem sendo desenvolvido
desde 2004 e, agora, torna-se realidade.
Buscar atingir a meta da qualidade em todos os projetos
educacionais é o que move a comunidade FEAD. Projeto de
muitas mãos e mentes, trabalho conjunto de professores, co-
ordenadores, funcionários, empresas parceiras e direção, na
busca de produzir o que há de consubstancial em aprendiza-
gem na modalidade a distância.
Sinta-se, em definitivo, participante e construtor deste novo
tempo. Faça parte do seu mundo. Bem-vindo ao século XXI!

Professor José Roberto Franco Tavares Paes


Direção-Geral
Helena Antônia Guimarães Moura possui graduação em Ciências
Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(1995), Especialização em Temas Filosóficos pela Universidade Federal
de Minas Gerais e Mestrado em Administração Pública pela Fundação
João Pinheiro (2002). Escreveu este livro para o Ensino a Distância da
Fead.
Sumário
AULA 1 EVOLUÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA DO PERÍODO COLONIAL AO SÉCULO XX....................... 9
AULA 2 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL DURANTE O GOVERNO VARGAS.................. 15
AULA 3 A SEGUNDA FASE DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO: O PLANO DE METAS DE JUSCELINO
KUBITSCHEK.........................................................................................................................................19
AULA 4 AS CRISES ECONÔMICA E POLÍTÍCA DOS ANOS SESSENTA........................................................... 25
AULA 5 AS REFORMAS INSTITUCIONAIS DO PLANO DE AÇÃO ECONÔMICA DO GOVERNO (PAEG) E AS
BASES DO MILAGRE ECONÔMICO......................................................................................................31
AULA 6 O BRASIL NA DÉCADA DE 1970: O MILAGRE ECONÔMICO . .......................................................... 37
AULA 7 A SEGUNDA FASE DO MILAGRE ECONÔMICO: O II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
(II PND)....................................................................................................................................................43
AULA 8 A CRISE DA DÉCADA DE 80: (1981 – 1983) – RECESSÃO BRASILEIRA E CRISE EXTERNA.......... 49
AULA 9 A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA DA DÉCADA DE 1980 NO BRASIL.................................................... 55
AULA 10 A CRISE FISCAL DO ESTADO...............................................................................................................63
AULA 11 O IMPACTO DA INFLAÇÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL............................ 73
AULA 12 A INFLAÇÃO BRASILEIRA....................................................................................................................81
AULA 13 MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL...................................................................................................87
AULA 14 A TEORIA DA INFLAÇAO INERCIAL.....................................................................................................99
AULA 15 POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO: PLANO CRUZADO, PLANO BRESSER E PLANO VERÃO......... 107
AULA 16 O PLANO COLLOR............................................................................................................................... 111
AULA 17 A ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA DURANTE O GOVERNO COLLOR.................................. 117
AULA 18 O PLANO REAL.................................................................................................................................... 123
AULA 19 A ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-ESTABILIZAÇÃO: UM NOVO MODELO DE INSERÇÃO
INTERNACIONAL................................................................................................................................. 131
AULA 20 A DISCUSSÃO ENTRE ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA. ........... 137
AULA 21 OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO PLANO REAL E A ADOÇÃO DO CÂMBIO FLUTUANTE...... 145
AULA 22 A RELAÇÃO ENTRE A CRISE ASIÁTICA E RUSSA E O COLAPSO DO PLANO REAL.................... 151
AULA 23 A ADOÇÃO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO (SMI) PELO GOVERNO................................. 157
AULA 24 A POLÍTICA ECONÔMICA DO PRIMEIRO GOVERNO LULA . ........................................................... 163
AULA 25 POLÍTICA ECONÔMICA DO SEGUNDO GOVERNO LULA................................................................. 169
AULA 26 A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA: BALANÇO E PERSPECTIVAS....... 175
AULA 27 POLÍTICA INDUSTRIAL, TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA
PITCE)...................................................................................................................................................183
AULA 28 INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
DO BRASIL........................................................................................................................................... 191
AULA 29 BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA OBJETIVOS ................................................... 199
AULA 30 O BRASIL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI..................................................................................... 213
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 1

EVOLUÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA DO PERÍODO


COLONIAL AO SÉCULO XX

Objetivos
• Analisar as características fundamentais
da evolução da economia brasileira.
• Mostrar as transformações pelas quais
passaram a economia mundial após a
segunda grande guerra e como o Brasil
se inseriu nesse novo contexto.
• Relacionar o processo de industrialização
no Brasil com a grande depressão dos
anos de 1930.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO acontecimentos fazem com que os preços caiam forte-


mente: o primeiro foi o investimento do governo federal
Olá, meu caro aluno! Começaremos, hoje, o estudo no combate à inflação e na tentativa de estabilizar o
sobre a economia brasileira. Espero que você esteja câmbio. Desviaram-se os recursos antes direcionados
afiado com os conceitos dados na disciplina de Introdu- ao setor cafeeiro, e isso gerou desconfiança no merca-
ção à Economia, pois precisaremos muito deles. Você do; o segundo foi a eclosão da crise da bolsa de Nova
sabia que o país onde todos se consideram técnicos de York.
futebol está se transformando no país onde todos têm Leia o texto seguinte para você compreender me-
uma opinião sobre a taxa de juros ou a cotação do dó- lhor o assunto.
lar? Se em todo lugar, mesmo nas regiões mais desen-
volvidas do planeta, as oscilações da economia afetam A GRANDE DEPRESSÃO
a vida do cidadão comum, imagine no Brasil, com uma
A história econômica tem constatado que as
economia tão complicada! Por isso é necessário que economias capitalistas industrializadas são,
entendamos como se deu o processo de desenvolvi- periodicamente, atingidas por crises econômicas.
mento da nossa economia. Portanto mãos à obra. Normalmente, essas crises ocorrem com
intervalos de 7 a 10 anos, configurando os
CARACTERÍSTICAS DA chamados ciclos econômicos. As economias
EVOLUÇÃO DA ECONOMIA iniciam um período de crescimento apoiado no
aumento da produção, do consumo e do nível de
BRASILEIRA DO PERÍODO investimentos, em um autêntico “círculo virtuoso”
COLONIAL AO SÉCULO XX que parece não ter fim. Repentinamente, porém,
o ciclo de crescimento sofre uma inflexão e inicia-
Na disciplina Formação Econômica do Brasil, você se um círculo vicioso: caem os investimentos,
verá de forma detalhada como se formou e se desen- a produção e as vendas. As explicações para
volveu a economia colonial, portanto faremos aqui esse comportamento cíclico são variadas, mas a
apenas um breve relato sobre aquele período apenas constatação empírica é irrefutável: as economias
a título de recordação, pois agora o nosso objetivo é capitalistas são intrinsecamente instáveis.
estudar o desenvolvimento econômico brasileiro após A instabilidade cíclica atinge, em alguns momentos,
a década de 1930, ou seja, o processo de industrializa- dimensões e conseqüências significativas e
ção e suas peculiaridades. abalam profundamente um grande número de
A atividade econômica do Brasil durante o período países, configurando crises econômicas mundiais.
colonial foi direcionada exclusivamente para o setor pri- Assim, podemos classificar a Primeira Grande
Depressão (1873/1896) como a primeira dessas
mário e voltada para a exportação. Durante o período
crises globais. A segunda grande depressão
houve, ao lado de outros sistemas produtivos de menor
(1929-1933), mas que na verdade só terminou
expressão, três grandes ciclos, o da cana de açúcar, com o início da segunda guerra mundial, é
o do ouro e o do café. Como veremos em Formação comumente chamada de “Grande Depressão” e
Econômica do Brasil, no nosso país, a existência de foi o período histórico de maior redução do nível
uma economia de plantation está diretamente relacio- de atividade em quase todos os países do mundo,
nada com os interesses dos proprietários das melhores com exceção da União Soviética. Sinteticamente,
terras que lucravam enormemente com as culturas de a crise pode ser quantificada pelo desemprego:
exportação. Podemos notar que, dessa forma, o fluxo no auge da Depressão, esse indicador atingiu
22% da força de trabalho na Inglaterra e na
de renda se estabelecia entre a unidade produtiva e o
Bélgica, 24% na Suécia, 27% nos Estados
exterior.
Unidos e 44% na Alemanha. Ocorreu também
O século XX se inicia no Brasil com uma grande cri- uma redução de 60% no comércio mundial e de
se da economia cafeeira causada pela superprodução 90% nos empréstimos internacionais. São cifras
do produto, porém a intervenção do governo, através inimagináveis, considerando-se o movimento de
da política de defesa do café, consegue adiar o proble- intensa euforia e especulação que apresentava a
ma até a crise de 1929. A partir desse momento dois

10
AULA 1 • EVOLUÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA DO PERÍODO COLONIAL AO SÉCULO XX

tornar-se referência para as moedas nacionais. Esse


Bolsa de valores de Nova York até sua quebra, fenômeno é chamado de Sistema Monetário Interna-
no fatídico 29 de outubro de 1929, quando se deu cional.
início ao período mais instável do capitalismo. Vamos tentar entender tal fenômeno. Comecemos
No Brasil, a Revolução de 1930 ocasionou a com a sua definição: Um Sistema Monetário Internacio-
perda da hegemonia política pela burguesia nal é um conjunto de regras comerciais e cambiais es-
cafeeira em favor da classe industrial ascendente. tabelecidas de comum acordo pelos países integrantes
O avanço do processo de industrialização no país do Fundo Monetário Internacional (FMI), cuja principal
intensificou se a partir de então. função é a de viabilizar as transações entre os países,
(REGO e MARQUES, 2001) estabelecendo a manutenção da paridade entre as mo-
edas (inicialmente em função do padrão ouro e, depois
de 1971, em função dos produtos internos dos países
Naquele período, a economia cafeeira passa por
(PIB) e da capacidade de compra da moeda), evitando-
uma profunda crise caracterizada pela destruição de
se as desvalorizações concorrenciais (Sandroni, 1989).
um terço da produção e por um baixo nível de rentabi-
Se ainda estiver confuso, dê uma boa lida nas aulas de
lidade, afugentando desse setor os capitais nele ainda
História Econômica para esclarecer melhor.
investidos. Desde então a indústria se torna o principal
É claro que FMI e PIB são siglas que você já co-
determinante da atividade econômica brasileira geran-
nhece de sobra (não é mesmo?), pois o Brasil vive
do o que os economistas chamam de “deslocamento
nas mãos desse tal de FMI, para quem sempre deveu
do centro dinâmico” da economia nacional, ou seja, a
bilhões, e o Produto Interno Bruto é o fator para cujo
agricultura deixará de ser a principal atividade econô-
aumento vimos lutando faz muito tempo. Mas, se ainda
mica do país, dando lugar à indústria.
assim você tiver dúvidas, pare a leitura desta aula e
busque em sites do governo informações sobre essas
DESENVOLVIMENTO duas siglas para você dirimir suas dúvidas para sem-
INDUSTRIAL BRASILEIRO NO pre. Depois volte à aula, e só então vamos em frente.
PÓS-GUERRA Após a segunda guerra mundial, a Inglaterra, que
já vinha passando por uma crise desde os anos 20,
Alguns acontecimentos históricos como a primei- perde o posto de grande potência econômica para os
ra e a segunda guerras mundiais, a grande depressão Estados Unidos. Assim, desde então, é este país que
dos anos 1930 e as crises econômicas dos países eu- assume o lugar da Inglaterra como centro financeiro
ropeus neste período exerceram grande influência nas mundial.
relações econômicas internacionais. Veremos mais Esta reorganização da economia mundial ou a ins-
adiante como a economia brasileira foi afetada por es- tituição de um novo Sistema Monetário Internacional foi
ses acontecimentos, mas, em primeiro lugar, é preci- estabelecida em uma conferência realizada em 1944,
so entender como ficou a economia mundial após tais em Bretton Woods (New Hampshire, EUA), com repre-
eventos. sentantes de 44 países. Tal evento representava uma
Até os anos 1920, a Inglaterra era, nos dizeres dos tentativa de planejar a estabilização da economia in-
economistas, “o carro chefe da economia mundial”, ou ternacional e das moedas nacionais prejudicadas pela
seja, o centro financeiro do mundo. segunda guerra mundial.
Voltando um pouco na história, você deve se lem- Dentro desse contexto foram criadas as principais
brar (de seus estudos de História Geral feitos no 2º instituições econômicas do pós-guerra:
grau) que foi neste país que se deu um dos fenômenos - o Sistema de Taxas de Câmbio de Bretton Woods;
mais importantes da história econômica mundial, qual - o Fundo Monetário Internacional; e
seja, a Revolução Industrial. A partir daí, a Inglaterra - o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt).
se tornou a maior potência financeira e tecnológica do Esse sistema estabeleceu o dólar como moeda in-
mundo em torno da qual se organizavam os outros pa- ternacional baseado num sistema de gestão de taxas
íses. Assim, a sua moeda – a libra esterlina - se firma de câmbio chamado padrão dólar-ouro, o qual procura-
como a moeda padrão de troca mundial, de forma a va flexibilizar o chamado padrão-ouro, que era a base

11
ECONOMIA BRASILEIRA

do sistema monetário internacional anterior à primeira


guerra mundial. Antes de prosseguir, vamos tentar en- superávit no momento seguinte. O processo
tender o que significa padrão-ouro. de reequilíbrio seria também estimulado pelo
fluxo de capitais, que aumentaria para o país
deficitário, pois a redução da oferta monetária
PADRÃO-OURO provocaria uma elevação interna das taxas de
Sistema monetário no qual o valor de uma juros.
moeda nacional é legalmente definido como (SANDRONI, 1996.)
uma quantidade fixa de ouro, em termos
internacionais. O meio circulante tem a forma
de moedas de ouro ou notas (papel-moeda) Com a instituição do novo sistema monetário in-
conversíveis a qualquer momento em ouro, ternacional, a economia mundial prospera e vive uma
de acordo com as taxas de conversão fixadas fase de crescimento acelerado baseado, em grande
legalmente. Para que um sistema de padrão- parte, no comércio internacional liderado pelos Esta-
ouro funcione plenamente, duas funções
dos Unidos. Em meados da década de 1970, acontece
básicas devem ser preenchidas: a) A obrigação
o chamado “choque do petróleo”, uma crise caracte-
das autoridades monetárias de converter
rizada pelo encarecimento da principal matéria-prima
moeda nacional (o meio de circulação interno)
sobre a qual se baseou o crescimento do período an-
em qualquer quantidade de ouro de acordo
com a taxa de conversão fixada, o que inclui terior. Paralelamente, ocorre o rompimento do sistema
a cunhagem sem restrições de moeda de ouro de Bretton-Woods, com a adoção de um novo sistema
do metal trazido com esse fim. b) A liberdade cambial, o que ocasionou uma forte desvalorização do
dos indivíduos de importar e exportar ouro. dólar.
As autoridades monetárias estabeleciam uma Assim, a partir da década de 1970, a economia
pequena diferença entre os preços de compra mundial entra num período de grande instabilidade,
e de venda de ouro, para cobrir os custos de marcado por transformações na esfera produtiva e pela
cunhagem. Esse sistema puro do padrão-ouro globalização financeira.
admitiu muitas variantes no seu funcionamento
prático. A mais importante foi o padrão câmbio- O BRASIL NO CONTEXTO
ouro, de acordo com o qual as autoridades
monetárias convertiam a moeda de outro ECONÔMICO MUNDIAL DO PÓS-
país (dólar ou libra) que estivesse vinculada GUERRA
ao ouro. A adoção do padrão-ouro traz várias
conseqüências internas e externas. Em primeiro Após esta breve contextualização da economia
lugar, esse padrão estabiliza a taxa de câmbio mundial, vamos agora situar a economia brasileira den-
dentro de limites de variações estreitas em tro desse contexto, para melhor visualizar os impactos
termos de outras moedas, também associadas causados nela pelos acontecimentos acima citados e,
ao padrão-ouro. Outra conseqüência é que, se dessa forma, entender a importância exercida pelo ca-
existir um déficit no balanço de pagamentos, pital estrangeiro no processo de desenvolvimento eco-
haverá uma tendência de saída de ouro, que nômico brasileiro.
provocará (se não ocorrer nenhuma medida
Após a década de 1930, ano da Grande Depres-
compensatória pelas autoridades monetárias)
são, a indústria brasileira tornou-se o principal fator de
uma redução da oferta de moeda. De acordo
crescimento no país. Como vimos em “Formação Eco-
com a Teoria Quantitativa da Moeda, uma
nômica do Brasil”, a crise do setor cafeeiro representou
redução da oferta da moeda causaria uma
queda de preços internos; com a taxa de um grande estímulo para o processo de industrializa-
câmbio fixa, isto estimularia as exportações e ção do país, iniciado em fins do século XIX. Porém é
inibiria as importações, e o déficit no balanço bastante curioso que a industrialização brasileira se
de pagamentos seria compensado por um desenvolva num cenário de profunda crise externa. Va-
mos entender essa curiosa relação?!

12
AULA 1 • EVOLUÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA DO PERÍODO COLONIAL AO SÉCULO XX

Alguns autores, como Celso Furtado, por exemplo, porte a tal projeto. Além disso, é fundamental que haja
afirmaram que as crises no setor exportador foram bas- planejamento estratégico e conseqüentemente pesso-
tante oportunas para o crescimento da indústria nacio- as capazes de direcioná-lo e operacionalizá-lo.
nal. Vejamos por quê. A quebra da bolsa de Nova York Vejamos qual era a situação política do Brasil nessa
em outubro de 1929 dá início a um longo período de época. Estava em curso a República Velha comandada
crise da economia norte-americana e mundial, levan- por um estado descentralizado e oligárquico, e, para
do, por um lado, a uma redução na demanda e, como fazer a transferência de uma estrutura agrícola para
conseqüência, uma queda nos preços; por outro lado, uma industrial, era preciso, pelo que foi dito acima, uma
a retração dos mercados financeiros internacionais, di- grande alteração política, de forma que centralizasse
ficultando a obtenção de empréstimos para a compra o poder e os instrumentos de política econômica no
do excedente da produção, principal sustentáculo da governo federal. Esse papel foi desempenhado pela já
política de valorização do café. A crise de 1929, por- conhecida “Revolução de 30” que, através do fortaleci-
tanto, precipitou o fim do programa de defesa do café, mento do Estado Nacional e a ascensão de novas clas-
fortalecendo o processo de industrialização no país. ses econômicas ao poder, viabilizou a industrialização,
Assim, somente após a crise econômica mundial colocando-a como meta prioritária – um projeto nacio-
é que a indústria passa a ser o fator determinante da nal de desenvolvimento. O modelo de industrialização
dinâmica da economia brasileira. Como Furtado, Maria segue a estratégia do chamado “Processo de Industria-
da Conceição Tavares conclui que a crise dos anos de lização por Substituição de Importações” que, segundo
1930 foi o ponto de ruptura do funcionamento do mo- Tavares, pode ser assim entendido: “um processo de
delo primário exportador, ou seja, a economia deixa de desenvolvimento parcial e fechado que, respondendo
ser baseada em um produto primário (café) e voltada às restrições do comércio exterior, procurou repetir
para a exportação para se diversificar (industrialização) aceleradamente, em condições históricas distintas, a
e produzir para o mercado interno. A esse processo experiência de industrialização dos países desenvolvi-
deu-se o nome de “Industrialização por substituição de dos” (Tavares, 1972).
importações” (Tavares, 1972). Vamos entender direito essa história? Como já
vimos, a crise de 1930 iniciada nos Estados Unidos,
A FORMA ASSUMIDA PELA atinge o Brasil através da queda na demanda do café,
o que derrubou seu preço de forma drástica. Além dis-
INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL: so, a entrada de capitais sofre uma enorme reversão,
O PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO levando a uma grave crise no balanço de pagamentos
DE IMPORTAÇÕES brasileiro, pois as exportações caíram e a balança de
capital passou a ser negativa. O saldo desse processo
A crise dos anos de 1930 e a decadência do setor
para o Brasil foi a rápida ascensão da indústria, que
cafeeiro expõem a fragilidade da economia brasileira,
adota um modelo de desenvolvimento voltado para
dependente das exportações e de um único produto
dentro, isto é, que visa atender ao mercado interno.
agrícola. A mudança de modelo de desenvolvimento,
Bem, na próxima aula daremos prosseguimento a
ou seja, a implementação do processo de industrializa-
este assunto. Espero você, com força total, porque é
ção se coloca como a única forma de superar a depen-
um tema muito interessante. Tchau.
dência externa e, em conseqüência, o subdesenvolvi-
mento. É importante ressaltar que a industrialização
RESUMO
brasileira não se iniciou nesse momento (ela já se ha-
via iniciado desde o século XIX), mas só agora passa a Nesta aula estudamos a transição da economia
ser o principal objetivo da política econômica. brasileira de um modelo primário-exportador para um
Você deve imaginar que o esforço demandado para modelo industrial. Tivemos a oportunidade de compre-
implementar um processo dessa envergadura é imen- ender a influência da crise externa (a grande depres-
so. Imagine o tamanho do investimento, a necessidade são) sobre o processo de industrialização e as caracte-
de novas fontes de energia e matérias-primas; enfim, rísticas assumidas pelo processo de desenvolvimento
é preciso formar uma infra-estrutura capaz de dar su- brasileiro em função do modelo adotado.

13
ECONOMIA BRASILEIRA

ATIVIDADES
- Faça uma breve pesquisa sobre a revolução de
1930 e o populismo no Brasil e elabore um resumo
dos resultados de sua pesquisa.
- Quais as características da economia brasileira na
República Velha que justificam chamá-la de econo-
mia primário-exportadora?
- Explique o significado da expressão “deslocamento
do centro dinâmico” ocorrido na economia brasilei-
ra na década de 30.

REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, F.; MESQUITA, Maurício Nogueira
(Org.). A Economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia Brasileira: funda-
mentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
REGO; José Márcio; MARQUES, Rosa Maria (Org.).
Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2001.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Nova Cultural, 1996.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
2007.
TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de
importações ao capitalismo financeiro. Rio de Ja-
neiro: Zahar, 1972.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo,
Atlas, 2003.

14
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 2

O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL


DURANTE O GOVERNO VARGAS

Objetivos
• Mostrar a evolução do processo de
industrialização durante o governo
Vargas.
• Ressaltar as falhas na implantação desse
processo.
• Analisar o projeto nacionalista de
Vargas.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO interesses industriais através de taxas diferenciadas


de câmbio.
Caro aluno, dando continuidade ao nosso estudo Vamos entender isso melhor: A SUMOC era uma
sobre a economia brasileira, mais especificamente espécie de Banco Central da época e como tal regu-
sobre o processo de industrialização, veremos agora lamentava a política de comércio exterior. Visando
como o governo Vargas enfrentou o desafio de imple- proteger a indústria nascente, o governo baixava leis,
mentar no Brasil a indústria pesada. Vamos à aula? como a acima citada, que selecionava os produtos a
serem importados de acordo com a sua essencialida-
O PROCESSO DE de.
INDUSTRIALIZAÇÃO NO Um exemplo: As primeiras indústrias implantadas
GOVERNO VARGAS (substitutivas de importação) foram no setor têxtil e
de alimentos, portanto não era interessante impor-
O governo Vargas é responsável por grandes mu- tar esses produtos, mas, como não produzíamos o
danças nos rumos da República. Baseado nos princí- maquinário necessário (bens de capital), era preciso
pios do populismo, nacionalismo e trabalhismo, trans- importar esse maquinário. Você está compreendendo
feriu o núcleo do poder político da agricultura para como a coisa era interessante?
a indústria. O modelo nacional-desenvolvimentista Pois é, daí você pode perceber também como o
substitui o modelo agrário-exportador, valorizando o processo de industrialização brasileiro encontra um
mercado interno, o que favoreceu o crescimento in- dos seus primeiros problemas, o que os economistas
dustrial e conseqüentemente o processo de urbaniza- chamam de ponto de estrangulamento, – a falta da
ção. produção de bens intermediários (bens manufatura-
A primeira fase da industrialização no período de dos ou matérias-primas processadas, que são empre-
1930 a 1940 foi dada ênfase na produção de bens gados para a produção de outros bens ou produtos
não-duráveis – alimentos, vestuário, utensílios domés- finais).
ticos, instrumentos de trabalho, bebidas, etc. A partir
de 1940, as vendas no mercado interno passaram a AS FALHAS NA IMPLANTAÇÃO
superar as internacionais, o que levou a um aprofun- DO PROCESSO DE
damento da industrialização e contribuiu para o incre-
mento das importações de novos e mais complexos
INDUSTRIALIZAÇÃO
produtos (Cano, 1998). Para entender o surgimento dos pontos de es-
No início da década de 1950, o governo Vargas dá trangulamento, vamos lançar mão de um instrumental
início à tentativa de implantar as bases de uma indús- analítico desenvolvido por alguns autores como Marx
tria pesada no país. Os empreendimentos resultantes e Kalecki sobre a necessidade de interação dos vários
dessa decisão foram realizados através da ampla par- departamentos da economia. Ou seja, os setores ou
ticipação do Estado, sendo que os mais importantes departamentos da economia seriam dois: o primeiro,
foram a criação da Petrobrás, a Companhia Siderúrgi- chamado de departamento I, é responsável pela produ-
ca Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce. A pro- ção de bens de capital e intermediários; já o segundo,
posta nacionalista de Vargas restringia a participação o departamento II, é produtor dos bens de consumo
do capital estrangeiro na forma de investimentos di- (duráveis e não-duráveis). Para que uma economia
retos nesses projetos bem como o seu financiamento funcione bem, é necessário que o departamento I seja
externo. implantado em primeiro lugar para fornecer insumos
Em 1952, foi criado o Banco Nacional de Desen- e maquinários necessários à produção dos bens do
volvimento Econômico (BNDE), de fundamental im- departamento II. Como foi mencionado acima, as pri-
portância no financiamento da infra-estrutura neces- meiras indústrias desenvolvidas no Brasil foram as do
sária ao projeto de industrialização, como transporte setor têxtil e de alimentos. Portanto a economia bra-
e energia, por exemplo. Logo depois é lançada a Ins- sileira, durante o seu processo de modernização, vai
trução 70 da Superintendência da Moeda e do Cré- encontrar dificuldades estruturais para a consolidação
dito (SUMOC), que condicionava as importações aos do seu processo de desenvolvimento.

16
AULA 2 • O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL DURANTE O GOVERNO VARGAS

Para uma melhor compreensão da dinâmica de um


processo de industrialização, leia e procure compreen- a sua implantação não é tão alto. Portanto os bens
der o texto seguinte. intermediários (pertencentes ao departamento
II) teriam que, num primeiro momento, ser
importados, o que vai gerar um grande problema
PADRÕES DE ACUMULAÇÃO NA ECONOMIA: devido à escassez de divisas.
UMA ANÁLISE DEPARTAMENTAL
REGO; Marques (Org.), 2001.
Encontramos em Marx as primeiras tentativas de
análise econômica a partir da interação entre os
vários departamentos da economia. Os setores
ou departamentos da economia seriam dois: o O PROJETO NACIONALISTA DE
departamento I, produtor de bens de capital e de VARGAS
bens intermediários, isto é, os bens de produção; e
o departamento II, produtor de bens de consumo. Para solucionar esse problema referido no texto aci-
O departamento II pode ainda ser subdividido em ma, Vargas faz uma tentativa de implantar no Brasil a in-
um departamento produtor de bens de consumo dústria de bens intermediário, financiada internamente,
dos capitalistas (bens de consumo de luxo ou bens pois havia sido restringida a participação de capitais es-
duráveis) e um departamento produtor dos bens trangeiros, o que evidenciava uma proposta industrial de
de consumo dos trabalhadores (bens simples cunho nacionalista. Porém o governo encontra grandes
ou não duráveis). Historicamente, o crescimento dificuldades políticas para implantar, em nossa econo-
das economias capitalistas industrializadas mia, o departamento I, tanto por parte dos empresários
foi impulsionado pelo maior crescimento do insatisfeitos com a Instrução 70, em função do aumento
departamento I. O departamento I, produtor dos custos das importações que a desvalorização cam-
de bens de capital e intermediários, é também bial provocava, quanto por parte dos trabalhadores que
aquele em que se encontra a indústria pesada ou reivindicavam maiores ganhos de produtividade decor-
de base, incluindo a indústria química, de aço, de rentes do avanço da industrialização. Além disso, a opo-
cimento, etc. É responsável pela introdução dos sição, visando benefícios políticos, vai culpar o governo
insumos indispensáveis ao desenvolvimento do pela nova crise do setor cafeeiro. Nesse sentido Rego e
setor produtor de bens de consumo. Assim, uma Marques (2001) afirmam:
economia cujo departamento I é insuficientemente
O projeto de Vargas foi uma tentativa de
desenvolvido encontra dificuldades estruturais alavancar o processo de industrialização
para o prosseguimento de uma acumulação com o desenvolvimento da indústria pe-
capitalista equilibrada. sada ou a produção de bens intermediá-
rios. Porém, a falta de sustentação políti-
A identificação dos departamentos de maior ca da burguesia industrial a Vargas e as
limitações da acumulação financeira na-
crescimento em uma economia e a articulação cional, em uma economia que dependia
deste crescimento com as formas de seu em muito de financiamento e de aportes
financiamento permitiriam a determinação do de tecnologia externos, resultaram em
transformações limitadas na estrutura
padrão de acumulação dessa economia. Esta produtiva, impedindo a abertura de cami-
forma de análise revela-se muito rica, pois permite nhos autônomos para o desenvolvimento
constatar quais são os setores determinantes da nacional.
dinâmica capitalista em cada momento histórico, Assim, a crise política leva Vargas ao suicídio, co-
bem como que se identifiquem com clareza os locando fim num projeto nacional de desenvolvimento
limites e as contradições dessa acumulação. que nem chegou a ser implantado.
No processo de substituição de importações, Para você se lembrar de muitas outras informações
essa substituição começa pelos bens de consumo esclarecedoras sobre toda a “Era Vargas”, volte às au-
finais (alimentos, roupas, etc..), cuja demanda é las de “História do Brasil e da cultura brasileira”.
imediata, a produção não exige uma tecnologia Vejamos quais foram os principais fatores que
sofisticada e o volume de recursos exigidos para impediram a implementação do projeto nacionalista de
Vargas.

17
ECONOMIA BRASILEIRA

- Falta de sustentação política por parte da burgue- GIAMBIAGI, F.; MESQUITA, Maurício Nogueira
sia industrial. (Org.). A Economia brasileira nos anos 90. Rio de
- Escassez de fontes de financiamento devido à ine- Janeiro: BNDES, 1999.
xistência de um sistema financeiro necessário para GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
viabilizar os investimentos, em especial os estatais. porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
O sistema limitava-se aos bancos comerciais, a al- GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
gumas financeiras e aos agentes financeiros ofi- Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2007.
ciais como o Banco do Brasil e o BNDE. JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
- Carência de uma reforma tributária ampla, pois a
LANZANA, A. E. T. Economia Brasileira: funda-
arrecadação continuava centrada nos impostos mentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
de comércio exterior e era difícil ampliar a base
LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São
tributária, pois a indústria precisava de estímulos,
Paulo: Brasiliense, 1981.
a agricultura já fora bastante penalizada, e os tra-
balhadores, além de sua baixa remuneração, eram MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
parte da base de apoio do governo.
OLIVEIRA, Francisco de. A Economia Brasileira:
Diante desse quadro não restava alternativa senão
crítica à razão dualista. Disponível em:
a do endividamento externo, dando início a um grande
www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/a_economia_
problema que sempre caracterizou a economia brasi-
brasileira.pdf. Acesso em: 28 jun. 2006.
leira. que é a dependência dos países desenvolvidos.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
RESUMO damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
REGO; José Márcio; MARQUES, Rosa Maria (Org.).
- No encerramento desta aula pudemos perceber as Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2001.
dificuldades enfrentadas pelo Brasil no processo
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
de implantação de um novo modelo de desenvol-
Paulo: Nova Cultural, 1996.
vimento. Nesse sentido, concluímos que:
- o tipo de modelo usado pelo processo de industria- SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
lização tinha problemas estruturais, como a falta de
2007.
integração entre os vários setores da economia;
- a tentativa de implantação da indústria pesada pelo TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de
importações ao capitalismo financeiro. Rio de Ja-
governo Vargas enfrentou dificuldades políticas tí-
neiro: Zahar, 1972.
picas de um projeto nacionalista.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
ATIVIDADES nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo,
Atlas, 2003.
- Explique quais são os setores ou departamentos
da economia e o que caracteriza cada um deles.
- Qual a importância da Instrução 70 da SUMOC
para o processo de industrialização?
- Quais foram e em que consistiram as dificuldades
enfrentadas por Vargas na tentativa de implantar
no Brasil um projeto nacionalista de desenvolvi-
mento?

REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.

18
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 3

A SEGUNDA FASE DO PROCESSO DE


INDUSTRIALIZAÇÃO: O PLANO DE METAS DE JUSCELINO
KUBITSCHEK

Objetivos
• Explicar o significado do plano de metas
para o processo de industrialização
brasileira.
• Relacionar o Plano de Metas com a
implementação da indústria de bens de
consumo duráveis.
• Enumerar os principais atores desta fase
da industrialização.
• Mostrar a importância do capital
estrangeiro e estatal para a evolução da
indústria no Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO indústrias de bens de consumo duráveis, estabelecen-


do assim as bases de uma economia madura no país.
Como vai, meu aluno? Pronto para conhecer um Além disso, o Estado (governo Juscelino Kubitschek)
pouco mais do processo de industrialização no Brasil? vai tentar captar recursos em forma de investimentos
Então vamos lá. Na aula anterior vimos como o Bra- privados de origem interna e externa, direcionando-os
sil iniciou o seu processo de industrialização e como para áreas como a indústria automobilística, a constru-
a economia evoluiu até meados da década de 1950. ção naval e a aeronáutica.
Espero que tenha ficado claro para você que uma das Em segundo lugar, temos o incentivo à introdução
grandes dificuldades enfrentadas pelo país foi, em con- dos setores de bens de consumo duráveis.
junto, a escassez de fontes de financiamento e a falta Em terceiro vem a implementação dos setores de
de tecnologia. Vimos que o governo Vargas tenta sanar bens de capital (máquinas e equipamentos) e interme-
isto, o que doravante chamaremos pontos de estran- diários, como aço, carvão, cimento, zinco, etc. Esta
gulamento da economia brasileira, através do planeja- medida visava impedir o aparecimento de pontos de
mento e financiamento estatais. Porém essa questão estrangulamento na oferta de infra-estrutura.
volta a aparecer na fase seguinte, que é a que vamos
estudar nesta aula. Aliás, com a evolução das nossas A VIABILIZAÇÃO DO PLANO
aulas, você vai observar que este é um problema recor- O Plano de Metas foi implementado através da
rente na economia brasileira. criação de uma série de comissões setoriais que
administravam e criavam os incentivos necessários
O PLANO DE METAS (1956- para atingir os objetivos pretendidos. Nesse sentido
1960) E A CONSOLIDAÇÃO DO temos inicialmente a formação de um grupo de estu-
PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO dos, a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CM-
BEU), com o objetivo de elaborar projetos financiados
DE IMPORTAÇÕES
pelo Banco de Exportação e Importação dos Estados
O Plano de Metas representa a segunda fase do Unidos (EXIMBANK) e pelo Banco Internacional de
processo de industrialização, que tinha como objetivo a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Posterior-
implementação da indústria de bens de consumo durá- mente foi constituído o Grupo Misto BNDE-CEPAL,
veis (automóveis e eletro-eletrônicos). A instalação des- o qual identificava os principais pontos de estrangu-
sas indústrias se torna atraente devido a vários fatores lamento da economia brasileira, principalmente nos
ocorridos após a Segunda Guerra Mundial, como: setores de transporte, energia e alimentação, além
- a intensificação do intercâmbio e das comunica- de criar incentivos para a vinda do capital estran-
ções; geiro, pois, ao contrário do projeto nacionalista de
- a crescente heterogeneização da sociedade e o Vargas, o governo JK optou pela predominância do
aumento do seu poder de compra que fazem au- capital externo nesta fase da industrialização. Quan-
mentar a demanda interna por bens duráveis. to ao capital privado, sua participação se limitou a de
um sócio menor.
A implementação da indústria automobilística se-
guida da indústria de eletrodomésticos e eletroeletrôni- A política econômica do Plano de Metas
dava tratamento preferencial ao capital
cos, na segunda metade da década de 50, representa estrangeiro. Financiava os gastos públi-
o ponto mais importante desta fase. Podemos dizer que cos e privados com expansão dos meios
este período demonstra o amadurecimento do processo de pagamento e do crédito, via emprés-
timos do BNDE, bem como por meio de
de industrialização por substituições de importações. avais para tomada de empréstimos no ex-
terior. Aumentava a participação do Esta-
OBJETIVOS DO PLANO DE METAS do na formação de capital, estimulando a
acumulação privada gerando, em contra-
O plano pode ser dividido em três objetivos princi- partida, pressões sobre o déficit público.
(LESSA, 1981)
pais:
O primeiro foi a adequação da infra-estrutura indus- Como medida principal para estimular a vinda do
trial (transporte e energia) para a implementação das capital estrangeiro para o país, temos a Instrução 113

20
AULA 3 • A SEGUNDA FASE DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO: O PLANO DE METAS DE JUSCELINO KUBITSCHEK

da SUMOC (Superintendência da Moeda e Crédito), xas aceleradas, com razoável estabilidade de preços,
que permitia o investimento direto, sem cobertura cam- e em um ambiente político aberto e democrático. Foi
bial, isenções fiscais e reserva de mercado para os no- um dos poucos períodos em que estas características
vos setores industriais. Vamos entender melhor o que estiveram presentes na economia brasileira.
significou a Instrução 113 da Sumoc. Para isso, leia o
texto seguinte. PROBLEMAS DO PLANO
A questão do financiamento foi o maior problema
INSTRUÇÃO 113 DA SUMOC do Plano de Metas. Na ausência de uma reforma fiscal
A instrução 113 da Sumoc permitia a importação condizente com as metas e os gastos estipulados, o
de equipamentos sem cobertura cambial e governo lançou mão da emissão monetária, causando
favorecia a remessa de rendimentos para o alta da inflação. Na área de comércio externo ocorreu
exterior. Estas medidas coincidiram com uma déficit em transações correntes e aumento da dívida
situação particularmente favorável do ponto de externa. Devido ao desestímulo à agricultura por causa
vista internacional: a recuperação das economias do direcionamento dos investimentos para a indústria,
européias, num quadro de crescente competição
amplia-se a concentração de renda.
de suas empresas com as norte-americanas, fez
De acordo com os problemas acima citados, ape-
com que o Brasil se tornasse um mercado atrativo
sar da grande evolução da economia brasileira, o Plano
para a expansão desses capitais. É particularmente
expressiva a presença de empresas européias na de Metas expõe as contradições do Processo de Subs-
expansão industrial vinculada ao Plano de Metas, tituição de Exportações, deixando clara a necessidade
refletindo essa conjuntura internacional. de mudanças na estrutura institucional vigente.

Essa e outras medidas de favorecimento do


capital estrangeiro criaram condições para A IMPORTÃNCIA DO CAPITAL
que se realizasse o investimento previsto no ESTRANGEIRO NO PROCESSO
Plano de Metas, contornando dessa forma
DE EVOLUÇÃO DA ECONOMIA
o estrangulamento externo. Obviamente, no
entanto, não tinham a capacidade de superar BRASILEIRA
o desequilíbrio das contas externas do país;
pelo contrário, alimentavam-no à medida que O crescimento industrial ocorrido no governo JK foi
embutiam amplos subsídios para atrair o capital baseado em um tripé formado pelas empresas estatais,
estrangeiro (sob a forma de investimento direto pelo capital privado estrangeiro e, em menor escala,
ou de empréstimos). pelo capital privado nacional. O slogan do governo, “50
anos em 5“ demonstrava o quão ambiciosas eram suas
(GREMAUD, 2007)
metas. A implantação da indústria de bens duráveis e o
desenvolvimento do setor de bens intermediários e de
OS RESULTADOS DO PLANO DE capital demandariam enormes aportes de capital e alta
tecnologia. Como já foi frisado anteriormente, o país
METAS
era carente desses bens. Sendo assim, o projeto do
O período 1957/1961 – época da vigência do Plano governo só seria possível com a participação dominan-
de Metas – foi caracterizado por um rápido crescimento te do capital externo, materializado pelas grandes em-
econômico, levando a profundas mudanças estruturais presas estrangeiras que naquele momento iniciavam
na base produtiva do país. O Produto Interno Bruto seus movimentos de transnacionalização.
(PIB) cresceu à taxa anual de 8,2%, o que gerou um Devido a algumas de suas características econô-
aumento de 5,1% ao ano na renda per capita. O cum- micas – tamanho do mercado interno e sucesso do pro-
primento das metas foi alcançado na sua maioria, sen- cesso de substituição de importações -, o Brasil tornou-
do que em alguns setores foram até superadas. se um lugar privilegiado para a atuação das empresas
O Plano de Metas se constituiu no mais completo multinacionais (EMN), principalmente européias e japo-
e coerente conjunto de investimentos até então plane- nesas, já que os Estados Unidos, de início, estavam
jados na economia brasileira. A economia cresceu a ta- presentes apenas marginalmente nesse processo.

21
ECONOMIA BRASILEIRA

Tomando-se, por exemplo, os países ou avançou. Porém, com o passar do tempo, tal processo
as empresas internacionais que concor-
se esgota, como afirmou Tavares:
reram à execução do Plano de Metas,
verifica-se que a participação inicial de O problema estratégico que se põe atu-
empresas do país capitalista hegemôni- almente para a economia brasileira e
co – os Estados Unidos – era irrisória: sobre o qual se sobrepõem os demais
elas não estiveram presentes na indús- problemas de curto prazo é o de que o
tria de construção naval, que se montou processo de substituição de importa-
com capitais japoneses, holandeses e ções, enquanto modelo de desenvolvi-
brasileiros; na indústria siderúrgica, que mento, já atingiu seu estágio final e se
se montou basicamente com capitais apresenta a necessidade de transitar
nacionais estatais (BNDE) e japoneses para um novo modelo de desenvolvi-
(Usiminas); sequer tinham participação mento. (TAVARES, 1972)
relevante na própria indústria automo-
bilística, que se montou com capitais Vamos entender melhor. Veja bem, a produção
alemães (Volkswagen, Mercedes-Benz),
franceses (Simca) e nacionais (DKW)”. de bens de capital (máquinas e equipamentos) e de
(OLIVEIRA, 1980) bens intermediários, apesar de ter crescido significati-
A partir de então, a produção industrial brasileira vamente, não chegou a gerar a autonomia necessária
referente aos setores de bens duráveis será dominada ao processo de industrialização, ou seja, o país não foi
pelas multinacionais. Quanto ao capital privado nacio- capaz de produzir o capital nem a tecnologia avança-
nal, este ficou com a produção de insumos e compo- da suficiente para sustentar o desenvolvimento. Dessa
nentes, ocupando uma posição de subordinado no pro- forma, dedicou-se à produção de bens leves, deixando
cesso de industrialização. Embora alguns setores de os mais pesados e especializados por conta das im-
importância (financeiro, mineração, serviços em geral, portações. Assim, desenvolveu-se uma enorme depen-
construção civil e agricultura) tenham permanecido em dência financeira e tecnológica com relação aos países
mãos de capitais nacionais, a enorme presença do ca- desenvolvidos.
pital estrangeiro no país, respondendo pela produção Essas contradições vão gerar uma queda no ritmo
de mais da metade dos bens de consumo duráveis e do crescimento econômico e faz surgir a primeira crise
uma grande parcela dos bens de capital e até mesmo econômica brasileira interna. E de novo na análise de
dos bens não duráveis, faz da economia brasileira uma Tavares (1972): “É indiscutível que a crise econômica
das mais abertas e internacionalizadas do mundo. Em pela qual a economia brasileira passou, em meados
nenhum outro país do mundo, com um parque indus- da década de 60, esteve estreitamente relacionada,
trial tão desenvolvido, verifica-se um controle externo no nível estrutural, com o esgotamento do dinamismo
tão grande da estrutura produtiva. da industrialização baseada na substituição de impor-
Neste momento podemos indagar quais os rumos tações.”
do capitalismo brasileiro? Quais expectativas podemos
ter em relação ao nosso processo de desenvolvimento,
RESUMO
com um grau de dependência tão grande em relação Nesta aula tivemos a oportunidade de compreen-
ao capital externo? Será que as crises vividas pela eco- der melhor a evolução do processo de industrialização
nomia brasileira e a dificuldade de romper com o sub- brasileira, em especial a segunda fase, que se deu no
desenvolvimento têm alguma relação com esse nível governo JK, no período 1956-1960. Período este mar-
de dependência? São questões importantes a serem cado pela introdução no país da indústria de bens de
pensadas, você não concorda? consumo duráveis, bens intermediários e de capital.
Esta fase é marcada pelo início da internacionalização
A CONSOLIDAÇÃO E EVOLUÇÃO da economia brasileira, em função da necessidade de
DA ESTRUTURA INDUSTRIAL capital e tecnologia avançada para dar continuidade ao
BRASILEIRA projeto de industrialização, já que o país não dispunha
desses dois fatores. O fato aprofundou o processo de
Considerando a América Latina e o conjunto dos dependência do país em relação aos países desenvol-
países não-industrializados, o Brasil foi a nação em vidos e expôs o esgotamento do modelo de industria-
que o Processo de Substituição de Importações mais lização.

22
AULA 3 • A SEGUNDA FASE DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO: O PLANO DE METAS DE JUSCELINO KUBITSCHEK

ATIVIDADES TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de


importações ao capitalismo financeiro. Rio de Ja-
- Caracterize, em linhas gerais, o Plano de Metas. neiro: Zahar, 1972.
- Através de que mecanismos foi viabilizado o Plano VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
de Metas? nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo,
- Explique o tripé em que se apoiou a estrutura in- Atlas, 2003.
dustrial brasileira durante o governo JK.
- Fale da importância do capital estrangeiro para a
consolidação do processo industrial brasileiro.
- Relacione a forma em que se deu o processo de
industrialização no Brasil e o seu subdesenvolvi-
mento.

REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia:
teoria e aplicações à economia brasileira. São
Paulo: Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, F.; MESQUITA, Maurício Nogueira
(Org.). A Economia brasileira nos anos 90. Rio
de Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Con-
temporânea (1945-2004). São Paulo: Campus,
2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasilei-
ra Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/in-
dex.
LANZANA, A. E. T. Economia Brasileira: funda-
mentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica.
São Paulo: Brasiliense, 1981.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Con-
temporânea. São Paulo: Atlas, 1998.
OLIVEIRA, Francisco de. A Economia Brasileira:
crítica à razão dualista. Disponível em:
www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/a_econo-
mia_brasileira.pdf. Acesso em: 28 jun. 2006.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
REGO; José Márcio; MARQUES, Rosa Maria
(Org.). Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva,
2001.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia.
São Paulo: Nova Cultural, 1996.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira
Contemporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo,
Atlas, 2007.

23
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 4

AS CRISES ECONÔMICA E POLÍTÍCA DOS ANOS


SESSENTA

Objetivos
• Relacionar a crise econômica dos anos
de 1960 com a crise política gerada pela
renúncia de Jânio Quadros.
• Compreender os pontos de
estrangulamento gerados pelo processo
de substituição de importações como
diretamente ligados à crise econômica.
• Entender a relação entre crise econômica
e concentração de renda.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO militar em 1964. Você sabe que economia e política


estão intimamente relacionadas e, portanto, uma crise
Vimos nas aulas anteriores que o Brasil, através na política afeta o desempenho da economia. Foi o que
do Plano de Metas, consolida o seu processo de in- aconteceu na época no Brasil.
dustrialização sem conseguir solucionar alguns proble- A conseqüência dessa situação foi a retração nas
mas que vão surgindo ao longo do tempo. Foi o que taxas de crescimento econômico e a aceleração infla-
nós chamamos de “pontos de estrangulamento”. Pois cionária.
bem, esses problemas vão gerar a primeira grande
crise econômica do Brasil em sua fase industrial. Até A CRISE ECONÔMICA
1962, a economia brasileira mantém uma trajetória de
Como falamos no início desta aula, as contradições
crescimento, porém em 1963 inicia-se um processo de
ligadas ao processo de substituição de importações
recessão.
vão estar sempre presentes na economia brasileira,
Mas, antes de falar sobre a crise econômica, va-
gerando crises e entraves ao seu desenvolvimento.
mos contextualizar o momento político vivido pelo Bra-
Após o Plano de Metas, (aquele de JK, lembra-se?),
sil no período.
foram necessárias várias reformas para dar prossegui-
A CRISE POLÍTICA mento ao desenvolvimento econômico. Em primeiro lu-
gar, era imprescindível desenvolver o setor de bens de
Em 31 de janeiro de 1961, o então eleito Presidente capital e ampliar o setor de bens intermediários que es-
da República, Jânio Quadros, toma posse, mas renun- tavam, ambos, defasados. A resolução desse problema
cia após sete meses de mandato. A atuação de Jânio encontrava vários entraves. O primeiro deles era a au-
Quadros no poder foi marcada por várias contradições, sência de mecanismos de financiamento adequados,
tanto no âmbito nacional quanto no internacional. tanto para o setor público quanto para o setor privado.
Enquanto no plano interno desenvolvia uma polí- Devido aos gastos realizados para implementar o Plano
tica conservadora e alinhada com os Estados Unidos, de Metas, o setor público (Estado) estava com elevado
externamente mantinha uma linha de ação indepen- déficit público. Quanto ao setor privado, encontrava-se
dente. Relacionava-se com todos os países, inclusive num momento de demanda de grande quantidade de
Cuba, os países do Leste Europeu e a China, na época, capital para viabilizar os investimentos necessários à
países socialistas alinhados com a ex-União Soviética. implantação de novos setores industriais.
É importante você lembrar que, nessa época, o mundo Leia com bastante atenção o texto seguinte so-
vivia em clima de “guerra fria”: de um lado os países ca- bre Déficit Público, pois esse conceito será extrema-
pitalistas comandados pelos Estados Unidos, de outro, mente importante para a compreensão da economia
os países socialistas liderados pela União das Repúbli- brasileira.
cas Socialistas Soviéticas (URSS).
É nesse contexto que João Goulart, vice de Jânio, CONCEITO DE DÉFICIT PÚBLICO
aceita um convite para visitar a China, onde recebe a A diferença entre a arrecadação tributária e o
notícia da renúncia de Jânio Quadros, a qual causou gasto do governo leva a um dos conceitos mais
uma grande crise política no país. João Goulart, como discutidos na economia brasileira nos últimos
vice do presidente que renunciara, toma posse em 07 anos, que é o déficit público. Existem vários
conceitos de déficit, incluindo as contas da
de setembro do mesmo ano (1961), após uma série de
União, Estados, Municípios, Previdência Social e
impasses políticos. (Os detalhes dessa história estão
empresas estatais.
muito bem explicados na disciplina “História do Brasil
e da Cultura”. Se você já se esqueceu, volte às aulas O conceito mais abrangente refere-se ao déficit
dessa disciplina, pois a história de um país é fundamen- total ou nominal do setor público, que é o conceito
mais utilizado no mundo, mas não no Brasil.
tal para que se compreenda bem a sua economia.)
Esse conceito refere-se à diferença entre o total
A partir daí, o país atravessa um período de ins-
arrecadado e o total de gastos públicos, diferença
tabilidade política, que resultou na interrupção do pro- essa calculada como a porcentagem do PIB. À
cesso político democrático e a instauração da ditadura

26
AULA 4 • AS CRISES ECONÔMICA E POLÍTÍCA DOS ANOS SESSENTA

guração de uma economia desenvolvida, pois os dese-


medida que inclui as despesas com correção quilíbrios setoriais, regionais e sociais permaneceram.
monetária e cambial das dívidas (interna e Além disso, não se superaram os problemas financei-
externa), sua utilização fica prejudicada em países ros geradores da falta de adequados mecanismos de
que apresentam elevada taxa de inflação, alta
financiamentos.
variação dessa mesma taxa de inflação ou ainda
Outro grande desafio enfrentado pela economia
flutuações acentuadas na taxa de câmbio, uma
brasileira era (e ainda é) o problema da concentração
vez que as despesas com correção monetária
de renda. O processo de substituição de importações
e cambial flutuam significativamente nessas
condições. Em períodos de inflação alta, os gastos era concentrador de renda, na medida em que provo-
com correção monetária (e cambial) acabam cava um êxodo rural decorrente da falta de incentivo à
sendo extremamente elevados, mesmo que a agricultura, ou seja, o processo de industrialização des-
dívida, em termos reais, não esteja aumentando, viava os investimentos da agricultura para a indústria.
uma vez que os gastos com correção monetária Além disso, a estrutura agrária brasileira não gerava
referem-se à atualização da dívida e não a um emprego suficiente no setor rural e, como a legislação
crescimento real dela. trabalhista era restrita ao trabalhador urbano esses as-
Para evitar as distorções causadas pela inflação, pectos incentivavam a vinda do homem do campo para
é comum utilizar outro conceito, que é o de déficit a cidade, com a esperança de melhores condições de
operacional do setor público. Nesse caso, do vida. Por outro lado, os setores industriais criados na
lado da despesa são excluídos os gastos com época – indústria de base e de bens duráveis – eram
correção cambial e monetária das dívidas internas intensivos em capital e, portanto, geravam poucos em-
e externa. Obviamente, quando a inflação é zero pregos.
e o câmbio não se altera, ambos se equivalem. Esses dois fenômenos (êxodo rural e tipo de indús-
Esse conceito foi utilizado no acordo que o Brasil tria implantado) geravam excedente de mão-de-obra
assinou com o Fundo Monetário Internacional e, conseqüentemente, baixos salários. Outra questão
(FMI) em 1982, e sua grande vantagem reside no que agravava o problema da concentração de renda
fato de ser um indicador homogêneo ao longo do
era a ausência de concorrência, o que possibilitava a
tempo.
prática de preços elevados e altas margens de lucro
O terceiro conceito é o de déficit primário, o qual para as indústrias. Assim, em função da baixa renda
exclui, além de pagamentos relativos à correção, per capita e da concentração de renda, aliadas à falta
as despesas com juros reais das dívidas interna de mecanismos para o financiamento do consumo a
e externa, refletindo, na prática, a situação das longo prazo, a demanda não acompanhava o aumento
contas públicas, caso o governo não tivesse
da produção.
dívida. Esse conceito foi utilizado no acordo do
Brasil com o FMI em 1998-1999 (e não o déficit
RELAÇÃO ENTRE CRISE
operacional) para que o governo brasileiro tivesse
liberdade na condução da taxa de juros que, ECONÔMICA E CONCENTRAÇÃO
naquele momento, era uma variável estratégica DE RENDA
na condução da política econômica. Se o acordo
fixasse metas para o déficit operacional, estaria No início do governo militar (abril de 1964), o Brasil
colocando uma “camisa de força” na política de ocupava o 43º lugar mundial, em relação ao PIB, e pos-
juros, cujas incertezas vindas do mercado não suía uma dívida externa de 3,7 bilhões de dólares. Em
permitiam definir claramente a trajetória dos juros 1985, com o fim da ditadura, a dívida aumenta, chegan-
por ocasião do acordo. do a 95 bilhões de dólares enquanto o PIB salta para
o 8º lugar. Nesse período, o parque industrial evoluiu
Rego; Marques (Org.), 2001
significativamente e, para acompanhar essa evolução,
a infra-estrutura passou por um processo de adaptação
Segundo Lessa (1981), a industrialização promovi- e levou a modernização aos setores de energia, trans-
da com base no plano de metas não conduziu à confi- porte e comunicações. Porém, ao contrário do que se

27
ECONOMIA BRASILEIRA

esperava, o Brasil cresceu, mas não se desenvolveu,


pois, embora os indicadores econômicos tenham evo- O que levou esses países a emergir, apesar
luído, a qualidade de vida da maioria da população não de todos os problemas, da condição de países
melhorou. Você deve estar se perguntando: por que, ao agrícolas à de importantes países industriais em
tão pouco tempo? Na verdade, é a combinação
contrário de outros países em desenvolvimento como
de uma série de fatores de natureza econômica,
os “Tigres Asiáticos”, o Brasil não conseguiu combinar
social, política e cultural que explica devidamente
crescimento e desenvolvimento? É uma questão intri-
esse fenômeno.
gante e a resposta não é simples, já que apenas do
ponto de vista econômico não é possível respondê-la. O Estado teve um papel fundamental, no sentido
Têm-se que considerar, além dos aspectos econômi- de estimular a industrialização, concedendo
cos, as questões culturais, históricas, políticas e so- subsídios à exportação, mantendo uma política
ciais. O texto a seguir, sobre os “tigres asiáticos, pode de desvalorização cambial, tomando medidas
protecionistas (tarifárias) contra os concorrentes
esclarecer um pouco essa questão. Leia-o com aten-
estrangeiros, concedendo bolsas de treinamento
ção.
no exterior, impondo restrições ao funcionamento
dos sindicatos, canalizando grandes investimentos
TIGRES ASIÁTICOS: PLATAFORMA DE para a educação, restringindo o consumo para
EXPORTAÇÕES elevar o nível de poupança interna via medidas
fiscais (elevação de impostos) e controle
Caminho muito diferente do Brasil trilharam das importações, além de realizar grandes
os quatro novos países industriais da Ásia: investimentos em infra-estrutura.
Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura.
Até a Segunda Guerra Mundial, eles em nada A mão-de-obra muito barata, mas relativamente
diferiam de tantos outros países asiáticos. Eram qualificada e produtiva, devido ao bom
países agrícolas, com a esmagadora maioria da nível educacional, associada às medidas
população vivendo no campo e desenvolvendo governamentais, como os subsídios às
uma arcaica agricultura, principalmente de arroz. exportações e o controle da política cambial,
Com população pouco numerosa, na sua maioria tornava seus produtos muito baratos. Isso garantia
analfabeta, com território reduzido, sem nenhuma aos Tigres grande competitividade no mercado
reserva importante de recursos minerais ou mundial e, portanto, elevados saldos comerciais,
combustíveis fósseis, o futuro realmente não era que eram reinvestidos, a fim de conseguir maior
nada promissor para eles. No entanto, atualmente capacitação tecnológica.
são algumas das economias mais dinâmicas do (SENA; MOREIRA, 1998)
mundo. Foram os países que apresentaram os
maiores índices de crescimento econômico na
década de 80, enquanto a América Latina vivia Vocês puderam notar, pelo texto acima, que um
a “década perdida”. São as economias que mais dos aspectos que fizeram a diferença entre aqueles
rapidamente estão incorporando novas tecnologias países e o Brasil foi a preocupação com a educação e,
ao processo produtivo. Ao mesmo tempo em conseqüentemente, maior capacitação tecnológica da
que aumentam os índices de produtividade, população em geral, o que permitiu melhores empre-
diminuem as desigualdades sociais, melhorando
gos, melhores salários e, por conseguinte, uma melhor
seus indicadores socioeconômicos. São os
distribuição de renda.
famosos Tigres ou Dragões asiáticos, assim
Você já deve ter percebido que os problemas acima
denominados desde o início dos anos 80, quando
cresceram em média 7,4% ao ano, devido à forte citados, relativos à concentração de renda no Brasil,
agressividade na busca de novos mercados no ainda permanecem, e talvez de forma ainda mais gra-
exterior. Em 1965, nos primórdios do processo de ve, ou seja, o poder aquisitivo dos brasileiros situados
industrialização, esses países detinham uma fatia abaixo da classe mais alta ainda é muito baixo. O que
de apenas 1,5% do comércio mundial, mas, em nós temos hoje é mais acesso ao crédito, porém as ta-
1986, ela já alcançava 8,5%. xas de juros praticadas são tão altas que quem compra
a crédito acaba pagando o dobro do preço.

28
AULA 4 • AS CRISES ECONÔMICA E POLÍTÍCA DOS ANOS SESSENTA

Bem, além das questões já expostas, outros fato- MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
res vão contribuir para a crise econômica da década de porânea. São Paulo, Atlas, 1998.
60, como a ascensão inflacionária e o desestímulo ao PEREIRA, José Matias. Economia brasileira: fun-
investimento devido à instabilidade gerada pela renún- damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
cia de Jânio Quadros. REGO, José Márcio; MARQUES, Rosa Maria (Org).
Mas esse é assunto para nossa próxima aula. Até Economia brasileira. São Paulo: Saraiva, 2001.
lá... Aguardo você!
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
RESUMO
SENA, Eustáquio de; MOREIRA, João Carlos. Geo-
Nesta aula analisamos a crise dos anos de 1960 grafia Geral e do Brasil: espaço geográfico e glo-
no Brasil, tanto no âmbito econômico (o esgotamento balização. São Paulo: Scipione, 1998.
do modelo de substituição de importações), quanto SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
no âmbito político (as incertezas geradas pela re- temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
núncia de Jânio Quadros). Pudemos perceber que 2007.
o esgotamento do modelo econômico adotado pelo VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
Brasil não proporcionou ao país o desenvolvimento nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
desejado, ou seja, a melhora dos indicadores sócio- Atlas, 2003.
econômicos.

ATIVIDADES
1. Relacione a crise econômica da década de 60 com
a crise política.
2. Explique como os chamados “pontos de estrangu-
lamento” da economia brasileira na década de 60
contribuíram para gerar a crise.
3. Faça uma comparação entre os modelos de desen-
volvimento brasileiro e o modelo asiático (Tigres)
e explique por que o Brasil não conseguiu romper
com o subdesenvolvimento. Para responder a esta
questão, pesquise mais sobre os países e elabore
um texto seu sobre o assunto.

REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.

29
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 5

AS REFORMAS INSTITUCIONAIS DO PLANO DE AÇÃO


ECONÔMICA DO GOVERNO (PAEG) E AS BASES DO
MILAGRE ECONÔMICO

Objetivos
• Conhecer as reformas instituídas pelo
governo através do PAEG.
• Compreender a importância do PAEG
para a consolidação do desenvolvimento
econômico brasileiro.
• Entender como as reformas do PAEG
formaram as bases do ”milagre
econômico” brasileiro.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO
as massas populares urbanas que, depois de
E então, meu caro aluno, pronto para mais uma 1930, passaram a ser consideradas um elemento
estirada no conhecimento do nosso processo econômi- relevante no processo político.
co? Eu espero que você esteja com “gás total”, porque Qual o sentido da presença das classes
eu acho nosso assunto muito instigante. Vamos lá? populares na política? Para alguns cientistas
O golpe militar de 1964, com a conseqüente to- sociais, as crescentes massas populares
mada de poder pelos militares, representou o fim do urbanas, constituídas por operários da indústria
regime político populista no país e a imposição, de for- e por outros trabalhadores urbanos, não eram
ma autoritária, de uma solução para a crise política. Ao capazes de reconhecer seus interesses comuns
mesmo tempo, foram implementadas reformas institu- para propor uma forma própria e autônoma de
cionais como medida de superação da crise econômi- representação política. Por isso, eram facilmente
ca, através do chamado Plano de Ação Econômica do atraídas por um líder político que, ao identificar
Governo (PAEG). Veremos que esse plano, com suas suas angústias e aspirações, conseguiria captar
seu apoio, sua lealdade e, em conseqüência,
reforma, fornecerá as bases para o milagre econômico
seu voto. Ser getulista, janista, ademarista,
da década de 70.
brizolista, lacerdista, etc. envolvia, então, uma
Antes de começarmos a falar sobre a economia
devoção quase religiosa ao seu líder ou mesmo a
brasileira no período militar, é importante entender por
lealdade e o ardor de um torcedor de futebol por
que o período compreendido entre 1930-1964 ficou seu time. Dada, portanto, a natureza do Estado
conhecido como “populista”. Para isso vamos ler o se- populista, porque ele implementa uma política
guinte texto: de desenvolvimento industrializante? Uma
hipótese plausível pode ser formulada quando
O ESTADO POPULISTA observa que a política industrializante do Estado
populista vem acompanhada (ou é mesmo
O rápido crescimento da indústria após 1930
precedida) por outra política: a de centralização
modificou a dinâmica da economia brasileira e
do poder ou, mais propriamente, de reforço das
promoveu intensa urbanização, definindo uma
estruturas do Estado Nacional. Já no momento
nova realidade social. É principalmente em torno
imediatamente após a Revolução de 1930, este
destas novas camadas urbanas que se construiu
caráter da política ficou evidente. Principalmente
o Estado no período de 1930-1964.
sob o impulso do tenentismo, procurou-se não
É praticamente consensual, na historiografia só a centralização política e administrativa
brasileira, caracterizar esse período como (com o objetivo de contrapor-se ao poder das
populista, o que sugere, evidentemente, a oligarquias regionais), mas também buscou-se
presença significativa de algum elemento popular fortalecer o Estado Nacional: são importantes
na história da época, em clara oposição ao que tanto a construção do aparato burocrático
ocorreu na Primeira República. Entre 1930 e (ministérios, autarquias, empresas estatais,
1964, a política brasileira foi articulada em torno conselhos, comissões, normas burocráticas,
de políticos aos quais o rótulo “populista” adere etc.) quanto a consolidação do poder estatal em
perfeitamente: alguns bem sucedidos em suas áreas estratégicas, muitas vezes em oposição
intenções presidenciais – como Getúlio Vargas, ao interesse estrangeiro. Com esses dados, é
Juscelino Kubstcheck, Jânio Quadros e até mesmo possível definir o significado da política populista:
João Goulart -, outros cujas inserções nacional ou uma política de reforço das estruturas do Estado
regional foram igualmente importantes, mesmo sem
Nacional.
terem alcançado a proeminência dos anteriores,
como Ademar de Barros, Carlos Lacerda, Concluindo, o Estado populista caracteriza-se
Leonel Brizola, além de tantos outros de menor como um Estado mediador, intervém nas relações
expressão. É óbvio, o “sucesso” desses líderes, de classe, integra politicamente a classe operária
apesar de suas profundas diferenças, dependia e, ao mesmo tempo, priva-se de uma expressão
da existência daqueles a quem pudessem liderar: política autônoma.

32
AULA 5 • AS REFORMAS INSTITUCIONAIS DO PLANO DE AÇÃO ECONÔMICA DO
GOVERNO (PAEG) E AS BASES DO MILAGRE ECONÔMICO

Pois bem, o Estado representado pelo governo - Introdução da correção monetária no sistema tri-
militar vai assumir novas características, imprimindo à butário a fim de evitar o atraso no pagamento dos
economia características diferentes. Vamos entender débitos fiscais.
essa nova fase vivida pela economia brasileira. - Alteração do formato do sistema tributário e cria-
ção de novos impostos como o IPI (Impostos sobre
O PLANO DE AÇÃO ECONÕMICA Produtos Industrializados), o ICM (Imposto sobre
DO GOVERNO (PAEG) E AS Circulação de Mercadorias) e o ISS (Imposto so-
bre Serviços). Realocação dos impostos entre as
REFORMAS INSTITUCIONAIS diversas esferas do setor público. Assim, a União
O PAEG foi elaborado pela equipe econômica do ficou com o IPI, o Imposto de Renda, os impostos
governo do Marechal Castelo Branco, liderada pelos únicos, os impostos do comércio exterior, o Impos-
ministros Roberto Campos (Planejamento) e Octávio to Territorial Rural (ITR); os Estados ficaram com o
Gouveia de Bulhões (Fazenda). Os objetivos do PAEG ICM e os municípios, com o ISS e o IPTU (Imposto
consistiam em promover a retomada do crescimento sobre Propriedade Territorial Urbana). Além disso,
econômico, sendo para isso necessário: criaram-se também os fundos de transferência in-
tergovernamentais como o Fundo de Participação
- conter o processo inflacionário;
dos Estados e dos Municípios.
- atenuar os desequilíbrios setoriais e regionais;
- Criação de vários fundos parafiscais, como o FGTS
- aumentar o emprego através de mais investimen-
(Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e o PIS
tos;
(Programa de Integração Social) que se transfor-
- corrigir a tendência ao desequilíbrio externo.
maram em fontes de poupança compulsória para o
Porém, para alcançar esses objetivos, primeiro era governo.
necessário controlar a inflação, e isso só poderia ser
Esta reforma constituiu-se em importante ins-
conseguido através das reformas institucionais. A ne-
trumento político para o governo, na medida em que
cessidade de tais reformas estava relacionada com as subordinava os Estados ao governo central. Por outro
mudanças efetuadas na economia brasileira, ou seja, lado, permitiu uma descentralização dos gastos atra-
a transição de uma economia agrária para uma eco- vés da vinculação da receita e da criação de órgãos ao
nomia industrial. Você pode imaginar que muita coisa lado da administração direta.
teve que mudar para se adaptar a esse novo modelo.
Vamos analisar agora estas reformas. A REFORMA MONETÁRIA-
AS REFORMAS INSTITUCIONAIS FINANCEIRA
IMPLEMENTADAS PELO PAEG Esta reforma tinha como objetivo a criação de um
ambiente favorável à condução independente da polí-
As principais reformas instituídas pelo PAEG fo- tica monetária, ou seja, a criação no país de um mer-
ram: a reforma tributária, a reforma monetária e finan- cado de capitais que canalizasse as poupanças da so-
ceira e a reforma do setor externo. Vamos analisá-las ciedade para o comércio, a indústria, demais atividades
em detalhes. econômicas e para o próprio governo. Nesse sentido
foram tomadas quatro medidas:
A REFORMA TRIBUTÁRIA
- a instituição da correção monetária e criação da
Um dos principais objetivos dessa reforma era o ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacio-
aumento e a centralização da arrecadação de impos- nal). A primeira eliminaria as ineficiências do siste-
tos pela união para serem usados como instrumento ma financeiro causadas pela inflação, pois a pou-
de política de desenvolvimento, além de facilitar a con- pança feita pelo cidadão é usada para a ampliação
cessão de isenções e incentivos fiscais a determinadas da capacidade de financiamento da economia. A
atividades econômicas. Vejamos as medidas tomadas segunda, cuja variação determinava o índice de
nesse sentido. correção monetária, tinha por finalidade dar credi-

33
ECONOMIA BRASILEIRA

bilidade e viabilizar o desenvolvimento de um mer- de minidesvalorizações para contemplar, através


cado de títulos públicos que fornecesse instrumen- da variação cambial, o diferencial entre a inflação
tos de financiamento não inflacionários do déficit doméstica e a internacional. No que diz respeito às
público. Um outro objetivo importante das ORTNs importações, o plano era extinguir os limites quan-
era possibilitar as operações de mercado aberto e, titativos, utilizando apenas a política tarifária como
em conseqüência, o controle da base monetária. forma de controle.
- Instituição do CMN (Conselho Monetário Nacional) - A aproximação com a política externa norte-ameri-
como órgão regulador da política monetária, cuja cana, a chamada “Aliança para o Progresso” foi a
função era definir as regras e metas a serem atin- estratégia usada para atrair o capital estrangeiro.
gidas. Também foi criado o BACEN (Banco Central Além disso, a dívida externa foi renegociada e con-
do Brasil), que passa a ser, além de agente execu- solidou-se um acordo de garantias para a entrada
tor da política monetária, também o agente fiscali- do capital estrangeiro no país.
zador e controlador do sistema financeiro.
- Criação do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) Por último, foram criadas algumas leis que permi-
a fim de eliminar o déficit habitacional, e do BNH tiam às empresas brasileiras o acesso direto ao sis-
(Banco Nacional da Habitação), que faria o papel tema financeiro internacional, assim como a possibili-
de regulador e fiscalizador dos agentes do sistema. dade de captação de recursos externos pelos bancos
Os recursos usados pelo BNH tinham origem nas comerciais e de investimento, para repasse interno.
cadernetas de poupança, nas letras imobiliárias e Quero ressaltar aqui um fato muito importante para a
no FGTS, sendo que este último financiava projetos economia brasileira: o início do processo de internacio-
sociais na área de habitação e saneamento. (Você nalização financeira no Brasil.
percebe agora como a poupança e outros recursos Concluindo, esses foram os principais conteúdos
advindos do próprio povo financiava o desenvolvi- das reformas institucionais implementadas pelo PAEG.
mento?) Essas medidas vão contribuir para uma grande mu-
- Introdução da Lei do Mercado de Capital, base- dança nas instituições econômicas brasileiras, ajus-
ada no modelo americano, para definir as regras tando-as às necessidades de uma economia industrial.
de atuação dos demais agentes financeiros como: O esquema de financiamento montado pelas reformas
bancos comerciais, financeiras, bancos de investi- viabilizou a retomada do crescimento, concedendo ao
mento e bancos de desenvolvimento, além de ou- Estado maior capacidade de ação na economia.
tras instituições do mercado de capitais tais como: O PAEG conseguiu reduzir a inflação de 90% ao
Bolsa de Valores, Corretoras e Distribuidoras. ano para uma faixa de 20% ao ano. E, quanto à retoma-
da do desenvolvimento econômico, essa foi viabilizada
A REFORMA DO SETOR pelas grandes transformações institucionais promovi-
EXTERNO das com as reformas acima citadas, o que preparou as
bases para o grande crescimento da economia brasilei-
A Reforma do Setor Externo visava à melhoria ra na década de 1970.
do comércio exterior brasileiro e a atração do capital Bom, por enquanto é só. Faça a s atividades para
estrangeiro, com a finalidade de estimular o desen-
fixar bem este conteúdo, certo? Até a próxima!
volvimento econômico, na medida em que evitava as
pressões sobre o balanço de pagamentos. Para atingir
RESUMO
esses objetivos foram necessárias algumas providên-
cias: Vimos que foi necessária, para dar continuidade ao
- Estímulo e diversificação das exportações através processo de desenvolvimento econômico, a adoção de
de incentivos fiscais (isenções fiscais – IPI; ICM; várias medidas que contemplavam a questão tributária,
IR – crédito - prêmio do IPI, etc.), modernização a instituição do mercado financeiro e as relações de
e dinamização dos órgãos públicos ligados ao co- comércio exterior. Concluímos, mostrando que o plano
mércio internacional (CACEX e CPA). Outra me- econômico adotado foi bem sucedido e preparou a eco-
dida importante foi a adoção do sistema cambial nomia brasileira para outro ciclo de desenvolvimento.

34
AULA 5 • AS REFORMAS INSTITUCIONAIS DO PLANO DE AÇÃO ECONÔMICA DO
GOVERNO (PAEG) E AS BASES DO MILAGRE ECONÔMICO

ATIVIDADES
1. Quais foram os principais objetivos do PAEG?
2. Liste as reformas institucionais implantadas pelo
PAEG e seus principais objetivos.
3. Podemos dizer que o PAEG atingiu seus objetivos?
Por quê?

REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas:
estratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Paulo
01/04/1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
ón Economia de la Universidad Nacional Autónoma
de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas,2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo, Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

35
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 6

O BRASIL NA DÉCADA DE 1970:


O MILAGRE ECONÔMICO

Objetivos
• Entender o milagre econômico e relacioná-
lo com as reformas empreendidas pelo
PAEG.
• Conhecer as características do primeiro
período do milagre econômico (1968-
73).
• Identificar as principais fontes de
crescimento do período do milagre.
• Perceber como se deu o início do processo
de endividamento externo brasileiro.
• Reconhecer o aumento da participação
e intervenção do setor público na
economia.
• Relacionar concentração de renda e
milagre econômico.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO do crescimento se daria através de investimentos dire-


cionados principalmente ao setor privado.
Como vimos anteriormente, as reformas implemen- Nesse ponto, vale fazer uma observação. Falamos
tadas pelo PAEG foram bem sucedidas e prepararam anteriormente que, junto com a crise econômica, tive-
as bases para um período de prosperidade econômica mos também uma crise política, que foi solucionada
que se convencionou chamar de milagre econômico através da intervenção dos militares. Portanto a manu-
brasileiro, isto é, um período de intenso crescimento do tenção do crescimento econômico era condição neces-
PIB e da produção industrial, compreendido entre 1968 sária para legitimar o regime militar, já que foi imposto
e 1973. Vamos falar sobre esse período e começar a com a justificativa de eliminar a desordem econômica e
analisar por que nunca mais o Brasil conseguiu crescer político-institucional e recolocar o país no caminho do
a taxas tão altas. desenvolvimento.

O QUE É UM “MILAGRE PRINCIPAIS FONTES DE


ECONÔMICO” CRESCIMENTO DO MILAGRE
ECONÔMICO
A economia capitalista viveu um longo período de
- Com a recuperação financeira do setor público,
prosperidade compreendido entre o pós-guerra e mea-
viabilizada pela reforma fiscal e o acesso aos meca-
dos da década de 1970, que ficou conhecido como os
nismos de endividamento interno, o Estado retoma os
trinta anos gloriosos. A partir de 1950 acontecem os
investimentos em infra-estrutura.
milagres econômicos alemão e japonês; em 1960 foi
- Criam-se várias subsidiárias das empresas esta-
a vez dos países asiáticos (Formosa, Coréia do Sul,
tais, como a Petrobrás e CRVD (Companhia Vale do
Taiwan, etc.). Esses “milagres” eram caracterizados
Rio Doce), através do aumento do investimento.
pela manutenção de altas taxas de crescimento por
- Aumenta a demanda por bens duráveis via ex-
vários anos e mantinham uma estreita relação com o
pansão do crédito ao consumidor após a reforma finan-
grande crescimento econômico apresentado por prati-
ceira. Esse setor lidera o crescimento com taxa média
camente toda a economia mundial naquela época.
anual de 23,6% no período.
Devido a esse fenômeno dos “milagres”, desen-
- Ocorre o crescimento de 15% ao ano da constru-
volve-se um intenso fluxo de comércio mundial, assim
ção civil gerado pelo aumento dos investimentos públi-
como de capitais financeiros os quais beneficiarão al-
cos na área, através da expansão do crédito viabilizada
guns países subdesenvolvidos, incluindo o Brasil.
pelo SFH.
RELAÇÃO ENTRE O MILAGRE - Crescem as exportações, o que é viabilizado pela
expansão do comércio mundial, bem como pela refor-
ECONÔMICO BRASILEIRO E AS
ma do setor externo (incentivos fiscais). Com um au-
REFORMAS DO PAEG
mento de 2,5 vezes no valor das exportações, amplia-
Em 1967 toma posse do governo, o general Costa se a capacidade de importar da economia.
e Silva e junto com ele uma nova equipe econômica Em relação às outras áreas da economia a situa-
liderada pelo então ministro da fazenda, Antônio Delfim ção era a seguinte:
Netto. Durante um longo período, mais precisamente - O processo de modernização agrícola tem início
até o governo Médici, Delfim Netto ficará à frente da através da mecanização do setor, fazendo deste uma
política econômica que definirá os rumos da economia importante fonte de demanda para a indústria. Porém,
brasileira até a década de 1970. tanto o setor de bens de consumo leves (não duráveis)
Na aula passada vimos que o PAEG, através das bem como a agricultura exibem desempenhos mais
suas reformas, efetuou um ajuste nas contas públicas e modestos.
controlou a inflação, que se manteve entre 15 e 20% ao - O setor de bens de capital apresenta a melhor
ano. Esses resultados criaram as condições necessá- performance do período, com uma taxa média de
rias para a retomada do crescimento econômico, colo- crescimento de 18,1% ao ano. Esse fato está ligado à
cado como objetivo principal do governo. A viabilização ocupação da capacidade ociosa e ao aumento da taxa

38
AULA 6 • O BRASIL NA DÉCADA DE 1970: O MILAGRE ECONÔMICO

de investimento na economia, sendo que a formação


bruta de capital fixo supera os 20% do PIB no período A balança de serviços, como o próprio nome
1971-73. diz, refere-se a pagamentos (saída de dólares)
- O setor de bens intermediários apresenta uma e recebimentos (entrada de dólares) relativos
taxa média de crescimento de 13,5% ao ano no perí- à remuneração de serviços. Os principais
odo. componentes dessa conta são:
Apesar do crescimento, a produção dos setores de a) juros - referem-se aos serviços da dívida
bens de capital e intermediários não era suficiente para externa;
atender à demanda interna, gerando uma necessidade
b) turismo;
de importar, a qual foi estimulada pela política, bastante
c) lucros e dividendos - referem-se a re-
liberal, do CDI (Conselho de Desenvolvimento Indus-
messas efetuadas por empresas multi-
trial). Esse posicionamento bastante liberal do CDI
nacionais instaladas no país para seus
pode ter contribuído para o atraso na produção interna
países de origem;
de bens de capital, que só se iniciou após 1970.
d) outros - entre os quais se podem des-
O bom desempenho das exportações naquele perí-
tacar principalmente as operações com
odo, a política cambial (minidesvalorizações) e comer-
fretes e seguros.
cial (incentivos fiscais e monetários), além da expan-
são do comércio mundial, evitaram possíveis pressões As transferências unilaterais referem-se ao
no Balanço de Pagamentos. O conjunto desses fatores fluxo de recursos provenientes de pessoas que
contribuiu para o aumento das exportações e da me- estão trabalhando fora do país. A balança de
lhoria nos termos de troca, resultando numa balança transações correntes (também conhecida como
comercial equilibrada para o período. conta corrente) é a soma dos três itens anteriores
Vamos aproveitar a oportunidade e entender um (balança comercial, de serviços e transferências
pouco melhor o que representa o balanço de pagamen- unilaterais). É o item mais importante do
tos para a economia de um país. Certamente você já balanço de pagamentos, à medida que mostra
tem informações sobre esse assunto. Vamos esclare- as necessidades de recursos que o país terá
cer mais alguns detalhes sobre como funciona o pro- de buscar no exterior para não perder reservas
cesso. Vamos lá? internacionais. Representa a poupança externa
que está entrando na economia, isto é, recursos do
BALANÇO DE PAGAMENTOS exterior que vão financiar o excesso de dispêndio
O balanço de pagamentos de um país nada mais é doméstico nas transações com o exterior. Além
do que um registro contábil de todas as operações disso, está relacionada ao grau de dependência
desse país com o resto do mundo. Em termos em relação ao fluxo de capital externo, ou seja,
gerais, o balanço de pagamentos é composto de um déficit elevado em conta corrente representa
cinco grandes itens: balança comercial, balança um lado positivo, que será a maior absorção de
de serviços, transferências unilaterais, balança poupança externa, mas, de outro, torna o país
de transações correntes (que é a soma das vulnerável a qualquer “mudança de clima” na área
anteriores) e balança de capitais. internacional.
A balança comercial registra as operações de
A balança de capitais indica as alternativas de
compra e venda de mercadorias: exportações no
cobertura do déficit em transações correntes. Uma
valor de US$ 58,2 bilhões representam ingresso
de divisas e importações de US$ 55,6 bilhões das formas é o ingresso de capitais estrangeiros
significam saída de divisas. Como se verá adiante, de risco (item investimentos); outra forma de
a balança comercial ganha posição relevante no entrada de capitais é por meio de empréstimos
balanço de pagamentos porque é o componente externos obtidos pelo setor público junto a órgãos
do balanço mais sensível aos instrumentos oficiais (Banco Mundial, FMI, Clube de Paris, etc.)
internos de política econômica. ou junto a bancos privados externos e ainda com

39
ECONOMIA BRASILEIRA

O AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO DO
o lançamento de títulos de empresas públicas e
ESTADO NA ECONOMIA
privadas no exterior.
Durante o período do milagre econômico, pode-
Se a balança de capitais registrar um saldo
mos observar um recrudescimento, um agravamento
(positivo) maior que o saldo (negativo) da balança
de transações correntes, diz-se que o país tem da participação do Estado na economia, tanto no que
um superávit na balança de pagamentos; em diz respeito ao controle dos preços quanto ao nível de
caso contrário, terá um déficit. investimento. Podemos perceber esse fenômeno atra-
vés dos seguintes aspectos:
(Lanzana, 2002.)
- O Estado assume o controle sobre os principais
preços da economia como: câmbio, salário, juros, tari-
Espero que com a leitura do texto acima você pos- fas, etc.
sa entender melhor o desempenho da economia bra- - O Estado passa a ser um dos maiores aplicadores
sileira no período do milagre econômico. Vamos cami- de recursos na economia, seja através dos investimen-
nhar mais um pouco? tos da administração pública e das empresas estatais,
como também através da captação de recursos finan-
O INÍCIO DO PROCESSO DE ceiros (fundos de poupança compulsória, títulos pú-
ENDIVIDAMENTO EXTERNO blicos, cadernetas de poupança, agências financeiras
estatais), dos incentivos fiscais e dos subsídios.
BRASILEIRO
Ao longo do milagre econômico, podemos observar
CONCENTRAÇÃO DE RENDA E
um grande aumento do endividamento externo brasi- MILAGRE ECONÔMICO
leiro, apesar do equilíbrio da balança comercial. Uma Apesar do crescimento acelerado, o milagre econô-
das explicações para o fato seria o excesso de liqui- mico brasileiro foi muito questionado em seus aspectos
dez internacional e, conseqüentemente, a baixa taxa sociais. Porém, antes de tratarmos das críticas que se
de juros, o que tornava os empréstimos bastante atra- fizeram a esse “milagre”, gostaria de explicar a diferen-
entes. Em meados da década de 60, surge na Europa ça entre crescimento e desenvolvimento. Você sabe
o Euromercado, isto é, o mercado europeu do dólar, qual é? Vamos lá!
criado devido ao processo de expansão internacional Desenvolvimento se traduz na mudança qualitati-
dos bancos americanos, numa tentativa de fugir às va das condições de vida da maioria da população de
restrições impostas pelo Banco Central americano. O um país. Porém, a partir de um determinado ponto do
resultado foi uma acentuada queda das taxas de juros tempo, os estudiosos da teoria do desenvolvimento
e dos spreads, bem como a dilatação dos prazos. econômico começaram a perceber que taxas altas de
crescimento com a melhoria dos índices de produção
SPREADS BANCÁRIOS não levavam necessariamente ao aumento do bem-es-
Por outro lado, as taxas de juros internas encontra- tar da população.
vam-se bastante elevadas devido à reforma financeira Durante o milagre econômico brasileiro ocorre
implementada pelo PAEG. Além disso, o sistema finan- exatamente esse fato, ou seja, o grande crescimento
ceiro brasileiro, em particular o setor privado, nunca econômico registrado no período beneficiou somente
esteve direcionado para o financiamento produtivo de as classes de maior renda, gerando um fenômeno per-
longo prazo. Sendo assim, acontece o endividamento sistente na economia brasileira que é a concentração
através da captação de recursos externos e seu repas- de renda.
se para as empresas nacionais. De acordo com a chamada “Teoria do Bolo,” criada
Em outras palavras, Cruz (1984) afirma que: “A por Delfim Netto, a concentração de renda seria ne-
economia brasileira foi capturada, juntamente com vá- cessária para aumentar a capacidade de poupança da
rias outras economia, num movimento geral do capital economia, financiar os investimentos e, em conseqüên-
financeiro internacional em busca de oportunidades de cia, o crescimento econômico, para que posteriormen-
valorização.” te todos pudessem usufruir desse crescimento. Mas o

40
AULA 6 • O BRASIL NA DÉCADA DE 1970: O MILAGRE ECONÔMICO

fato é que houve um agravamento de todo o quadro MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
social no país, sem precedentes na história econômica porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
do Brasil, o que era absolutamente incompatível com o PEREIRA, José Matias. Economia brasileira: fun-
crescimento econômico. Daí que crescer não significa damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
exatamente desenvolver-se. Você entendeu? Cresce SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
a economia (com concentração da renda nas mãos de Paulo: Best Seller, 2002.
pouquíssimos), mas não se desenvolve a qualidade de
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
vida da população. temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
RESUMO VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Estudamos nesta aula um período importante da Atlas, 2003.
economia brasileira, denominado de “Milagre Econômi-
co”. Vimos que tal período foi caracterizado pelas mais
altas taxas de crescimento já vistas na economia do
país. O milagre econômico foi o resultado da conjuga-
ção de dois fatores, um ambiente interno propício favo-
recido pelas reformas do PAEG e condições externas
bastante favoráveis.

ATIVIDADES
1. Quais os principais setores da economia respon-
sáveis pelo crescimento econômico do período do
milagre?
2. Qual a origem dos investimentos que financiaram o
milagre brasileiro?
3. Explique o significado da “Teoria do Bolo”
4. Quais foram as principais críticas feitas ao mila-
gre?

REFERÊNCIAS
LANZANA, Antonio Evaristo Teixeira. Economia
brasileira: fundamentos e atualidade. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2002.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001.

41
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 7

A SEGUNDA FASE DO MILAGRE ECONÔMICO:


O II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (II PND)

Objetivos
• Compreender os principais objetivos do
II Plano Nacional de Desenvolvimento -
PND.
• Perceber a importância dos financiamentos
externos para a execução do plano.
• Discutir os limites e contradições do II
PND.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÂO
mais drástico da economia doméstica. Portanto,
Após os anos de prosperidade do milagre (1968- a manutenção do milagre econômico, em fins de
1973), o Brasil passa por uma crise conjuntural na eco- 1973, dependeria cada vez mais de uma situação
nomia. Para contorná-la, o governo militar lança o II externa favorável, a qual foi interrompida pela
PND que, além desse objetivo, tinha como meta supe- crise internacional desencadeada pelo primeiro
rar o subdesenvolvimento do país, através da elimina- choque do petróleo em 1973, quando os países
ção dos já mencionados pontos de estrangulamentos. membros da OPEP quadruplicaram o preço do
barril do petróleo. Em nível interno, a situação
O II PND (PLANO NACIONAL DE política aparecia como uma complicação adicional;
a crise mostrava os limites políticos do modelo
DESENVOLVIMENTO) do milagre. Em ano de mudança de presidente,
Em 1974, assume o governo o general Geisel, que começava a surgir várias pressões por melhor
distribuição de renda e maior abertura política, o
tinha como principal objetivo a manutenção do cresci-
que gerava certo imobilismo no Estado.
mento econômico gerado pelo milagre. Como você já
deve ter percebido, por todos os estudos e leituras que Assim, em 1974, o debate sobre o que fazer
já fez sobre história e economia brasileiras, no final de em relação à economia situou-se na dicotomia
cada ciclo econômico pode ser observado o ressur- “ajustamento X financiamento”. O choque do
gimento de problemas estruturais. Em fins de 1973, petróleo significava transferência de recursos
temos de volta alguns desequilíbrios que vão causar reais ao exterior e, com a existência de um “hiato
pressões inflacionárias e problemas na balança comer- potencial de divisas”, a manutenção do mesmo
cial. Foi dito anteriormente que uma das causas do mi- nível de investimento trazia a necessidade
lagre econômico foi a situação externa favorável, você de maior sacrifício sobre o consumo, e, para
alcançar as mesmas taxas de crescimento do
se lembra? Pois bem, acontece que a crise internacio-
período anterior, seria necessária maior taxa de
nal, desencadeada pelo choque do petróleo, afetará a
investimento.
continuidade do crescimento econômico brasileiro. No
texto seguinte veremos quais foram as conseqüências Neste contexto, percebe-se que as opções de
da crise do petróleo para a economia brasileira. Leia-o crescimento se haviam estreitado, e a tendência
com atenção. natural da economia seria a desaceleração da
expansão.
OS IMPACTOS DA CRISE DO PETRÓLEO NA
Texto adaptado de: LANZANA (2002); GREMAUD
ECONOMIA BRASILEIRA
(1997).
A situação extremamente favorável à economia
brasileira foi interrompida em 1974, com a
crise do petróleo, culminando com substancial A partir de1974 verifica-se um aumento das taxas
aumento dos preços do produto e conseqüente de inflação, que chegam a atingir 40% ao ano. Além
deterioração das relações de troca do Brasil. disso, a ampliação das importações de petróleo, bens
Ao contrário dos países do mundo ocidental, que de capital e insumos básicos vão gerar um déficit no
procuraram adotar políticas de ajustamento com saldo de transações correntes e, como conseqüência, o
o objetivo de reduzir a dependência do petróleo, governo terá que queimar reservas para cobri-lo. Esse
os condutores da política econômica brasileira quadro traz à tona o grau de vulnerabilidade externa da
optaram pela manutenção do crescimento economia brasileira.
da produção de bens e serviços, embora em Portanto a retomada do crescimento só seria pos-
ritmo inferior ao observado no período anterior.
sível com a superação dos estrangulamentos estrutu-
Entende-se claramente essa preocupação à
rais tais como o desenvolvimento do setor de bens de
medida que a inexistência de uma estrutura de
seguro-desemprego tornaria extremamente capital e intermediários. Uma outra questão importante
custoso do ponto de vista social um ajustamento a ser resolvida era a grande concentração de renda,
pois em um sistema capitalista o consumo é um ele-

44
AULA 7 • A SEGUNDA FASE DO MILAGRE ECONÔMICO: O II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (II PND)

mento primordial. Mas como ter consumo com a renda logicamente, subsidiadas pelo Estado, o qual também
concentrada? garantia o mercado consumidor.
No âmbito político, a situação também era difícil,
pois era período de eleições, o povo reivindicava me- O PAPEL DO FINANCIAMENTO
lhores condições de vida e maior abertura política. Sen- EXTERNO NO II PND
do assim, para o governo, era primordial dar continui-
Apesar da prioridade dada ao financiamento exter-
dade ao ciclo de crescimento econômico anterior. no, houve uma grande participação de empréstimos ex-
É nesse contexto que foi lançado o II PND, elabora- ternos no financiamento do II PND, através dos petro-
do pela equipe do então ministro do Planejamento João dólares. Vamos entender o que são os petrodólares.
Paulo dos Reis Velloso. Os autores do plano partiam do
pressuposto de que a crise da economia mundial era PETRODÓLAR
passageira e por isso valeria a pena correr o risco de
Nome dado às divisas (geralmente em dólar)
aumentar provisoriamente o déficit comercial e a dívida
provenientes da exportação de petróleo. O
externa, desde que fosse construída uma estrutura in-
termo difundiu-se em 1973, quando a OPEP
dustrial avançada, a qual pudesse permitir a superação (Organização dos Países Exportadores de
da crise econômica e do subdesenvolvimento. Assim, Petróleo), entidade sob controle árabe, elevou
diante da crise política – derrota da ARENA (partido do de três para doze dólares o preço do barril de
governo) para o MDB (partido de oposição), o gover- óleo cru, ocasionando um enorme afluxo de
no abandonou a tentativa de ajustamento e optou pela divisas para os países exportadores. Mas vários
continuidade do processo de crescimento econômico, milhões desses petrodólares não encontraram
materializado através do II PND. aplicação dentro das limitadas estruturas
econômicas de alguns países membros da OPEP
OBJETIVOS DO II PND e retornaram ao Ocidente, injetados nos bancos
e grandes financeiras com sede nos países mais
O principal propósito do II PND era promover uma industrializados. Foi a origem da grande liquidez
transformação estrutural na economia brasileira, isto é, do mercado financeiro internacional, que durou
construir uma estrutura industrial avançada que possi- até o fim dos anos 70, liquidez essa que foi
bilitasse a superação não só da crise econômica, mas responsável pelo extraordinário crescimento da
também do subdesenvolvimento. Para tanto, algumas dívida externa ao longo do milagre econômico
atitudes eram necessárias: priorizar o setor energético brasileiro.
através do aumento da prospecção de petróleo, au- (SANDRONI, 1996)
mentar a produção de energia elétrica e nuclear, incre-
mentar os setores siderúrgico e petroquímico e dinami-
zar a indústria de bens de capital. É consenso entre a maioria dos economistas bra-
Essas medidas visavam a manutenção do cresci- sileiros que o grande crescimento da dívida externa
mento econômico em torno de 10% ao ano, com cres- brasileira durante o período do milagre se deu mais em
cimento industrial de 12% a.a. Para conseguir atingir os função do excesso de liquidez externa, já que a balan-
objetivos, o governo contava com o apoio das empre- ça comercial permaneceu equilibrada, e o déficit exter-
sas estatais, para desempenhar o papel de produtoras no a ser financiado não era significativo. Nesse sen-
e consumidoras dos produtos industriais do setor priva- tido, é importante evidenciar algumas particularidades
do. Os investimentos via BNDE seriam destinados às na questão do financiamento do II PND. Às empresas
grandes empresas de bens de capital do setor privado estatais foi restringido o crédito interno e imposta uma
nacional, cabendo às Empresas Multinacionais (EMNs) política de contenção tarifária, visando a contenção da
o papel de coadjuvantes no processo, pois elas não es- inflação, mas forçando-as ao endividamento externo.
tariam interessadas em realizar grandes investimentos Assim, o Estado iniciou um processo que ficou conhe-
em um período de crise internacional. Portanto, as em- cido como a “estatização da dívida”, socializando todos
presas nacionais de bens de capital tiveram a grande os custos do II PND. Isto quer dizer que a sociedade,
oportunidade de produzir bens mais sofisticados tecno- a população é quem pagou essa dívida. A situação se

45
ECONOMIA BRASILEIRA

agrava devido ao segundo choque do petróleo que ele- RESUMO


va as taxas de juros internacionais, o que contribuiu
para deterioração da capacidade de financiamento do Acabamos de ver nesta aula, como o governo da
Estado. Isso se tornou um dos principais problemas da época tomou uma importante decisão econômica, in-
economia brasileira. fluenciado pela questão política, ou seja, para ameni-
zar a crise de credibilidade, em função da derrota nas
LIMITES E CONTRADIÇÕES DO II PND urnas, faz opção pela continuidade do crescimento
Para a grande maioria dos estudiosos da econo- econômico, mesmo em um contexto de grave crise in-
mia brasileira, a avaliação do II PND é uma questão ternacional. O resultado foi o aumento da dívida exter-
muito complexa, devido à crise internacional ocor- na e a grande concentração de renda nas mãos de uns
rida durante sua execução. Para os defensores do poucos, o que se constitui hoje como um dos maiores
plano, como Antonio Barros de Castro, por exemplo, problemas brasileiros.
o II PND utilizou muita racionalidade econômica na
sua implementação, pois foi o período com a maior ATIVIDADES
taxa de investimento ao longo do milagre, que gerou
- Cite os principais objetivos do II PND.
a sustentação da conjuntura e impediu descontinui-
- Qual o papel exercido pelos financiamentos exter-
dades de conseqüências imprevisíveis. Além disso,
nos durante o II PND?
assegurou o espaço necessário à absorção do surto
- Quais foram os limites e contradições do II PND?
anterior de investimentos, o que modificou, a lon-
- Discuta a versão de Castro sobre o II PND e dê a
go prazo, a estrutura produtiva do país (CASTRO e
sua opinião.
SOUZA, 1985).
A instituição do II PND foi uma forma de lidar com
as contradições políticas e sociais no Brasil, de ma- REFERÊNCIAS
neira a procurar acomodar os conflitos com base no GREMAUD, A. P.; TONETO Jr., R. Formação econô-
crescimento contínuo, que era a forma de legitimar mica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997.
politicamente o sistema e tranqüilizar as instabilida- LANZANA, Antonio Evaristo Teixeira. Economia
des sociais. brasileira: fundamentos e atualidade. 2. ed. São
Podemos concluir que a economia brasileira pas- Paulo: Atlas, 2002.
sou por um período de desaceleração logo após o SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia e Ad-
milagre econômico e, apesar da instabilidade ge- ministração. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
rada pelo primeiro choque do petróleo, o governo ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
brasileiro implantou o II PND, para tentar manter tratégias confusas fazem desempenho econômico
o processo de crescimento e com isso comple- medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
mentar o processo de industrialização brasileira. lo, São Paulo, 01 abr.1999.
As conseqüências negativas foram o crescimento BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
da dívida externa, a deterioração das condições oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
de financiamento do Estado e os altos índices de Alínea e Átomo, 2006.
inflação. CASTRO, A. B. de; SOUZA, F. A. Economia brasi-
Quanto às questões sociais, não lhes foi dada leira em marcha forçada. São Paulo: Paz e Terra,
a prioridade necessária durante o período. Os ín- 1985. 
dices de concentração de renda mantiveram-se CINTRA, M. A. M. Suave fracasso: la política ma-
altos, chegando o Coeficiente de Gini, em 1977, croeconômica de Brasil durante 1999-2005. Inves-
a 0,62465. O período foi marcado pelo aumento tigación Economia de la Universidad Nacional Autó-
da renda per capita, mas ela ficou mais concentra- noma de México, v, LXVI, 2007, p. 61-96.
da, sendo que, em 1980, 47,7% da renda total foi FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro.
apropriada pelos 10% mais ricos, e apenas 3,4% Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
da renda total foi destinada aos 20% mais pobres GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
da população. (Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de

46
AULA 7 • A SEGUNDA FASE DO MILAGRE ECONÔMICO: O II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (II PND)

Janeiro: BNDES, 1999.


GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

47
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 8

A CRISE DA DÉCADA DE 80: (1981 – 1983) – RECESSÃO


BRASILEIRA E CRISE EXTERNA

Objetivos
• Conhecer a situação econômica brasileira
no final da década de 1970 e início de
1980.
• Analisar os efeitos da mudança do
ministro do Planejamento, caracterizando
a política econômica de Delfim Netto
à frente da SEPLAN (Secretaria do
Planejamento).
• Identificar a recessão brasileira no período
1981-1983 e a crise da dívida externa.
• Mostrar como se deu o processo de
retomada do crescimento em 1984.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO - controle sobre as taxas de juros;


- repasse de mais verbas para a agricultura, visan-
Dando seqüência à aula anterior, vamos agora do a uma super safra para 1980, com a conse-
estudar a profunda crise econômica vivida pelo Bra- qüente diminuição dos preços dos alimentos;
sil na década de 80. Você já ouviu falar na “Década - criação da Secretaria Especial das Empresas
Perdida”? Ela se refere aos anos de 1980, quando o Estatais com a finalidade de controlar a situação
país enfrentou a sua mais grave crise desde a Grande dessas estatais (reajustamento de tarifas);
Depressão. Por que Década Perdida? Pela queda nos - maxidesvalorização de 30% do cruzeiro;
investimentos e no crescimento do PIB, pelo aumento - controle do comércio externo através da política
do déficit público, pelo crescimento das dívidas externa cambial e tarifária;
e interna e pela escalada inflacionária. Vamos então
- redução dos impostos sobre a remessa de juros
tentar entender por que de um milagre econômico o
para estimular a captação externa de capitais;
Brasil passa a viver a sua pior crise desde o processo
- prefixação da correção monetária e cambial em
de industrialização.
50% e 45%, respectivamente, visando ao controle
inflacionário;
A SITUAÇÃO ECONÔMICA
- adoção dos reajustes salariais de acordo com a
BRASILEIRA NO FINAL DA inflação.
DÉCADA DE 1970 E INÍCIO DE Vamos ver agora os efeitos da adoção dessas me-
1980 didas sobre a economia:
- aceleração da inflação,, chegando aos 100% ao
Em março de 1979, toma posse o último presidente
ano, devido ao aumento das tarifas públicas, aos
do governo militar, o general João Batista Figueiredo,
reajustes salariais e ao aumento das importações
tendo à frente do Ministério do Planejamento Mário
incrementado pela maxidesvalorização do cruzei-
Henrique Simonsen. A situação econômica herdada do
governo anterior era a seguinte: ro;
- aumento da dívida externa devido à elevação dos - deterioração das contas externas e aumento da
juros internacionais; dívida externa com a conseqüente perda de divi-
- deterioração da situação fiscal do Estado; sas, causados principalmente pela elevação das
- aumento da inflação que chega a 77% ao ano. taxas de juros internacionais, que, por sua vez,
Diante desse contexto interno e de uma situação está relacionada com o segundo choque do pe-
externa bastante adversa (recessão mundial), o minis- tróleo (elevação do preço do barril de 15 para 35
tro Simonsen propõe um rigoroso ajuste fiscal combi- dólares);
nado com cortes nos investimentos, visando equilibrar - aumento da especulação financeira.
o balanço de pagamentos e conter o processo de en-
dividamento externo. Porém, do ponto de vista político,
A RECESSÃO BRASILEIRA (1981-1983)
não era interessante uma política econômica restritiva, E A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA
baseada no controle da demanda agregada, pois a po- Como podemos observar, a tentativa de reedição
pularidade do governo militar estava em baixa, portanto do milagre econômico feita pelo ministro Delfim Netto
era preciso mostrar que a economia estava forte e o não se sustentou a longo prazo, principalmente devido
crescimento econômico continuaria. ao processo de endividamento externo. Vamos reme-
morar: na aula anterior vimos que o II PND foi financia-
A POLÍTICA ECONÔMICA DO
do, principalmente, pelo dinheiro externo e com juros
MINISTRO DELFIM NETTO flutuantes. Com a elevação das taxas de juros interna-
Como a equipe econômica e o governo não concor- cionais que chegam a dobrar, a situação, que parecia
davam com a forma de conduzir a economia, o ministro estar sob controle, mostrou-se insustentável. O texto a
Simonsen foi substituído por Delfim Netto em agosto de seguir pode esclarecer melhor o impacto do aumento
1979. Ele tentou reeditar o milagre econômico. Nesse da taxa dos juros internacionais na economia brasileira,
sentido, foram tomadas as seguintes medidas: na década de 1980.

50
AULA 8 • A CRISE DA DÉCADA DE 80: (1981 – 1983) – RECESSÃO BRASILEIRA E CRISE EXTERNA

IMPACTO DA TAXA DE JUROS país, com o surgimento de déficits expressivo


INTERNACIONAIS NA ECONOMIA na balança de transações correntes (US$ 10,8
BRASILEIRA NA DÉCADA DE 80 bilhões em 1980) e no balanço de pagamentos
(US$ 3,5 bilhões) e, consequentemente, redução
No início da década de 80, o Brasil enfrentou
do nível de reservas.
uma das maiores recessões de sua história, e
essa situação esteve intimamente associada Fica evidenciado que o ajustamento da economia
à situação das contas externas do país. Na brasileira, no sentido de se adaptar a uma
verdade, à medida que a dívida externa crescia disponibilidade menor de recursos externos,
a taxas aceleradas, como conseqüência da era inevitável. Esse processo de ajustamento,
situação ocorrida no período anterior, o papel que se iniciou em 1981, não prosseguiu em
fundamental no equilíbrio do balanço de 1982 devido à realização de eleições no país.
pagamentos passou a ser exercido pelas taxas Como conseqüência, os recursos internacionais
internacionais de juros. Isso porque grande parte praticamente exauriram-se, e o Brasil recorreu ao
dos empréstimos internacionais contratados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Brasil era remunerado a taxas flutuantes, ou seja,
(LANZANA , 2002)
o montante de juros é definido pela taxa de juros
vigente no mercado internacional (mais o spread),
com certa defasagem de tempo. Neste ponto, gostaria de assinalar que a elevação
Com isso, as elevações nas taxas internacionais das taxas de juros internacionais levou muitos países
de juros representavam uma sangria de em desenvolvimento a declarar moratória, como a Po-
dólares preciosos do país para fazer frente aos lônia, a Argentina e o México. Esse fato vai interromper
compromissos externos. E foi exatamente o a entrada abundante de recursos financeiros nos paí-
que aconteceu no início da década de 80. Para
ses subdesenvolvidos e também marcar um longo pe-
combater a inflação que superava a casa dos
ríodo de tutela do FMI (Fundo Monetário Internacional)
10% anuais, os Estados Unidos passaram a
adotar uma política de combate ao crescimento para garantir o pagamento das dívidas externas. Com
de preços, concentrada, fortemente, num aperto certeza você já escutou exaustivas discussões acerca
monetário, o que conduziu as taxas internacionais da interferência do FMI na economia brasileira. Como
de juros a níveis jamais observados. A prime rate diferenciar o que é mito e o que é verdade? Para isso
(taxa de juros do mercado financeiro de Nova a melhor forma é conhecer melhor o assunto. O texto
York) quase atingiu a barreira dos 20% em 1981. seguinte pode ajudar nisso.
A libor (taxa de juros no mercado financeiro de
Londres), embora em menor escala, também PAPEL E ESTRATÉGIA DO FMI
registrou tendência de forte alta em 1980.
O Brasil, como qualquer outro sócio do FMI, pode
Esse quadro internacional conduziu a economia recorrer àquele órgão para pleitear recursos, quando
brasileira a uma situação extremamente registrar problemas no balanço de pagamentos, deriva-
complicada, em termos de balanço de dos de alterações desfavoráveis nas relações de troca.
pagamentos. A elevação das taxas de juros
Na realidade, o FMI foi criado exatamente para socor-
nos Estados Unidos, de um lado, aumentava a
rer países nesses momentos. Entretanto a liberação de
necessidade de divisas por parte do Brasil e, de
outro, reduzia a disponibilidade de recursos para tais recursos fica condicionada à adoção de uma polí-
os países devedores, à medida que grande parte tica econômica negociada com o Fundo, que permita
desses recursos passava a ser desviada para a superar as restrições de ordem externa.
economia norte-americana. Vale lembrar, no entanto, que os recursos do FMI
Essa redução do fluxo de empréstimos dirigidos não são suficientes para cobrir as necessidades de fi-
à economia brasileira, aliada ao crescimento do nanciamento do balanço de pagamentos. Na realidade,
serviço da dívida (devido à elevação das taxas o Fundo funcionaria como um “avalista” para a conces-
de juros), estrangulou as contas externas do são de dinheiro novo por parte dos bancos privados. O
acerto do Brasil com o FMI era uma garantia para os

51
ECONOMIA BRASILEIRA

bancos de que a economia brasileira realizaria seu pro- ranhado da dívida externa, elevadas taxas de inflação
cesso de ajustamento e teria condições de arcar com e crise do Estado. Além da estagnação econômica e
os compromissos assumidos. da aceleração inflacionária, a dívida externa agravou o
Dentro dessa ótica, pode-se perceber que a polí- conflito distributivo.
tica do FMI, exclusivamente em termos de setor exter-
no, buscava eliminar o déficit da balança de transações A RETOMADA DO CRESCIMENTO
correntes. Isso significa dizer que o país teria condi- (1984)
ções de pagar integralmente os juros da dívida, sem Apesar da profunda recessão causada pelo pro-
precisar de “dinheiro novo”. cesso de ajustamento, no tocante ao comércio exterior
Como já foi citado, grande parte do déficit em conta observou-se uma grande reversão no saldo da balan-
corrente da economia brasileira é determinado pelos ça comercial, que passou de um déficit em 1980 para
juros da dívida externa. Uma vez que a taxa interna- superávits de US$ 6,5 bilhões, atingindo um recorde
cional de juros independe da política doméstica, todo o de U$ 13 bilhões em 1984. Esse crescimento das ex-
processo de ajustamento é dirigido no sentido de obter
portações, em meio a um processo de ajustamento,
superávits comerciais (estímulo às exportações e/ou
pode ser explicado, em alguma parte, pelo sucesso do
redução das importações).
II PND que favoreceu o processo de substituição de
A partir de 1982, também o Brasil vai se tornar alvo
importações, criando setores com competitividade ex-
da fiscalização do FMI e, portanto, a partir de então, co-
terna e gerando elevação das exportações.
locará em prática uma política de ajustamento externo
Por outro lado, a recuperação da economia ameri-
que se baseava em:
cana, a partir de 1984, também influenciou a retomada
- contenção da demanda agregada por meio da re-
do crescimento da economia brasileira que, além do
dução dos gastos públicos, aumento da taxa de
aumento das exportações, beneficiou-se da expansão
juros interna, restrição do crédito e redução do sa-
da renda agrícola, em função de uma forte alta nos pre-
lário real;
ços dos produtos primários, possibilitando as compras
- necessidade de tornar a economia do país atraente
de insumos e maquinários.
ao setor externo e, para tanto, há uma desvaloriza-
No período de 1981/1983, o setor de bens de ca-
ção do cruzeiro para elevar o câmbio e um aumen-
pital encolhe 55%, praticamente anulando o seu cres-
to dos preços dos derivados de petróleo.
cimento ocorrido durante o II PND. Para os críticos do
Como você pode observar, a política de ajustamen-
to feita pelo Brasil consistia em organizar a economia PSI, isso era resultado da pouca competitividade da
a fim de gerar superávits para fazer frente à dívida ex- indústria brasileira causada pelas próprias caracterís-
terna, ou seja, a prioridade seria o pagamento da dívi- ticas do processo. Porém a retomada do crescimento
da mesmo que para isso fosse preciso sacrificar todo em 1984, estimulado pelo aumento das exportações e
o país. Assim, o resultado foi uma profunda recessão, pelo pouco crescimento das importações, colocou em
com baixo crescimento econômico e queda na renda dúvida a credibilidade desses argumentos e de seus
per capita no período de 1981 a 1983. No que diz res- defensores. Mas essa discussão voltará ao centro dos
peito ao comércio exterior, a política de ajustamento foi debates no final da década de 1980.
bem sucedida. O saldo da balança comercial passa de É importante salientar que todo o processo de ajus-
um déficit em 1980 para superávits recordes em 1984, tamento aconteceu num ambiente de abertura política,
confirmando o objetivo do plano. em que a sociedade se envolveu no debate sobre a
Podemos afirmar que a crise vivida pelo Brasil na condução da política econômica pelo governo. O resul-
década de 1980 está intimamente relacionada com tado da insatisfação popular foi confirmado nas urnas,
o processo de endividamento externo. Esse proces- quando o partido do governo (ARENA) foi derrotado
so levou a economia a uma espiral inflacionária que nos principais estados, nas eleições para governado-
provocou uma queda nos níveis de poupança do setor res em 1982. O povo não estava mais disposto a acei-
público, criando um ambiente de incertezas que dificul- tar o ônus do ajustamento e nem a abdicar do cresci-
tou a retomada dos investimentos. É como se o Brasil mento econômico em função do pagamento da dívida
tivesse perdido o controle sobre o seu destino no ema- externa.

52
AULA 8 • A CRISE DA DÉCADA DE 80: (1981 – 1983) – RECESSÃO BRASILEIRA E CRISE EXTERNA

Bom, ficamos por aqui. Até a próxima aula! GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
RESUMO JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
Esta aula nos mostrou a estreita relação entre a LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
chamada “década perdida” e o processo de endivida- tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
mento externo brasileiro. Esse processo foi acelerado MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
a partir do milagre econômico e a entrada dos recursos porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
externos. Com o primeiro choque do petróleo, a dívida PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
aumenta em função do financiamento dos déficits em damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
transações correntes do país. O segundo choque do SANDRONI, PAULO. Dicionário de economia. São
petróleo, juntamente com o aumento dos juros exter- Paulo: Best Seller, 2002.
nos, eleva a dívida a patamares inaceitáveis, desestru-
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
turando profundamente a economia brasileira, condu- temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
zindo o país à hiperinflação. 2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
ATIVIDADES nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.
1. Qual era a situação da economia brasileira e mun-
dial no início da década de 1980?
2. Fale sobre as razões que levaram à saída do minis-
tro Simonsen do Ministério da Economia e à entra-
da de Delfim Netto naquele ministério.
3. Quais as principais medidas tomadas pelo ministro
Delfim Netto em 1979?
4. Faça um breve comentário sobre o agravamento
da dívida externa brasileira na década de 1980.
5. Explique quais os principais fatores que alavanca-
ram o crescimento econômico em 1984.

REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Paulo,
São Paulo, 01 abr.1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M. A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
ón Economia De La Universidad Nacional Autónoma
de México, 2007. v LXVI, p. 61-96.
FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.

53
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 9

A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA DA DÉCADA DE 1980 NO


BRASIL

Objetivos
• Compreender o esgotamento do modelo
de desenvolvimento baseado na
intervenção do estado na economia.
• Entender como se deu o processo de
estatização da dívida externa brasileira.
• Identificar as principais características do
processo de especulação financeira na
economia brasileira a partir do final da
década de 1970, analisando o impacto
desse processo na economia do país.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO O esquema de financiamento para o modelo de


substituição de importações foi realizado com a organi-
Pode-se dizer que a década perdida representou zação de um sistema financeiro que daria suporte a três
o final de uma era, ou seja, o esgotamento do modelo estratégias: viabilizar a utilização da capacidade ociosa
econômico brasileiro baseado no processo de substitui- da indústria implantada; fazer a captação da poupança
ção de importações. Como foi dito anteriormente, uma necessária para continuidade do processo de substi-
das principais dificuldades enfrentadas pelo processo tuição de importações e fomentar a modernização da
de substituição de importações residia na escassez de agricultura via financiamento subsidiado. Além disso,
fontes de financiamento, portanto o Estado assume o foi colocada em prática uma ampla reforma tributária
papel de principal financiador do projeto na sua primei- que tinha como um dos objetivos fazer grandes trans-
ra fase. Além dessa função, o Estado no Brasil foi con- ferências intersetoriais de renda, como o crédito fiscal
dutor, regulamentador e produtor durante o processo às exportações. Essa estratégia aumentou o poder
de industrialização. central, chegando a concentrar um terço da poupança
nacional nas mãos do estado.
O ESGOTAMENTO DO MODELO É muita informação, não acha? Para facilitar o en-
DE DESENVOLVIMENTO tendimento volte à aula 04 e releia sobre a reforma tri-
BASEADO NA INTERVENÇÃO DO butária implementada pelo PAEG.
Este esquema de financiamento, viabilizado princi-
ESTADO NA ECONOMIA palmente pelo estado, vai levar o país ao milagre eco-
nômico e, em conseqüência, a um estado de “euforia
A partir da década de 1930, o Estado passa a exer-
econômica”. Porém alguns autores tentam chamar a
cer um papel central no processo de industrialização
atenção para as contradições desse modelo econô-
brasileira, atuando tanto no plano econômico como no
mico, entre eles Tavares (1984), que questionava a
social. Esse fenômeno vai contribuir para a expansão
capacidade de o setor financeiro arcar com a respon-
do aparelho de estado chegando ao seu clímax na
sabilidade de sustentar financeiramente o projeto da
década de 1970. Neste período, acelera-se o desen-
nova etapa de substituição de importações. Segundo
volvimento tecnológico causando transformações na
a autora, devido à forma como foi montado, o sistema
esfera produtiva com conseqüente internacionalização
financeiro não teria condições de buscar os emprésti-
do mercado interno. Este modelo, como foi visto nas
mos necessários para os investimentos de longo prazo,
aulas anteriores, foi viabilizado por vultosos emprésti-
os quais viabilizariam a implantação da indústria pesa-
mos externos. Porém, com as alterações das taxas de
da, de bens de intermediários e de capital. Isso porque
juros internacionais, tem início uma crise estrutural da
a estrutura do sistema financeiro foi montada com em-
economia, levando, naturalmente, à crise do estado.
préstimos de médio e curto prazo. A alternativa encon-
Segundo Bresser-Pereira (1993),
trada foi o financiamento externo, em face da grande
Depois da Segunda Guerra Mundial, uma liquidez internacional de capitais.
primeira expressão paradigmática da
América Latina foi definida: a nacional bur-
guesa, da industrialização substitutiva de A ESTATIZAÇÃO DA DÍVIDA EXTERNA
importações. Após a crise dos anos 60 de- BRASILEIRA
finiu-se um novo momento paradigmático
de interpretação da América Latina com a Os dados sobre a evolução da dívida externa do
teoria da nova dependência. Depois da cri-
se dos anos 80 e do avanço neoliberal, tal- Brasil estão estreitamente ligados aos fatores externos,
vez esteja se definindo uma nova síntese, principal causa da escalada do endividamento. Por ou-
que podemos chamar de “Interpretação da
Crise do Estado” [...] A crise da América tro lado, a crise fiscal do estado está intimamente rela-
Latina foi desencadeada pela crise da dí- cionada ao aumento das despesas com o serviço da
vida. Sua causa básica foi a crise fiscal do
Estado: o fato de o estado ter ido à falên- dívida na medida em que ela provocou a diminuição
cia, perdido o crédito e ficado imobilizado. dos investimentos e levou o país à hiperinflação.
Uma causa complementar foi a exaustão
de uma estratégia de desenvolvimento até A escalada da dívida externa no Brasil, como já foi
então bem sucedida [...]. dito anteriormente, tem uma estreita ligação com a par-

56
AULA 9 • A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA DA DÉCADA DE 1980 NO BRASIL

ticipação do capital estrangeiro na economia brasileira.


Voltando na história, vemos que ele esteve presente no comendada adoção das políticas anti-sociais,
processo de desenvolvimento desde a República Ve- como o arrocho salarial e liberalização dos mer-
lha, como fonte importante de recursos para o governo cados (de bens e financeiros), o que viria a abrir
as portas para o neoliberalismo dos anos 90.
e empresas privadas, assim como na concretização do
No governo Figueiredo (1979-85), o país reme-
processo de industrialização. Nesse último caso, o capi-
te ao exterior US$ 21 bilhões a mais do que re-
tal estrangeiro foi, principalmente, utilizado no financia-
cebe, quantia esta conseguida à custa de um
mento dos déficits em transações correntes. Podemos
esforço exportador que nos trouxe a recessão
concluir, portanto, que o expediente da dívida externa e o arrocho salarial da “década perdida”. Estas
é recorrente na economia brasileira. Para esclarecer medidas nocivas visaram à contração da deman-
melhor esse assunto, vamos ler o texto abaixo. da interna, estimulando assim a destinação da
produção nacional para o mercado externo. Tal
A ORIGEM DA DÍVIDA EXTERNA BRASILEIRA ajuste também trouxe a inflação característica
daquela década, à medida que, para favorecer a
A dívida externa atual começa a ganhar formas competitividade dos produtos brasileiros, neces-
mais visíveis a partir do regime militar, antes do sitava de constantes desvalorizações cambiais.
qual ela se resumia a apenas US$ 2,5 bilhões. Apesar de todo este esforço, e de termos nos tor-
Na realização do chamado “Milagre Econômi- nado “exportador de capitais” no governo Figuei-
co” do governo Médici (1969-73), ela passa redo, neste período a dívida externa brasileira
para US$ 13,8 bilhões e, para o financiamento quase dobra, passando de US$ 55,8 para US$
do II Plano Nacional de Desenvolvimento (que 105,2 bilhões em 1985, o que viria a nos forçar
completou a “industrialização pesada” brasi- a uma moratória em 1987, por absoluta falta de
leira), ocorrido na gestão de Geisel (1974-79), reservas cambiais. A partir dali, seria feita uma
ela seria aumentada para US$ 52,8 bilhões. série de negociações entre o governo brasileiro
Devido ao primeiro choque do petróleo (em e os bancos credores, que devolveria ao Brasil
1973), que triplicou os preços e aumentou con- o “mérito” de ser conhecido como um país bom
sideravelmente a renda dos países exportadores pagador. Em 1994, outra reestruturação da dívida
deste produto, havia um excesso de petrodólares seria feita, envolvendo cerca de um terço do seu
depositados nos bancos europeus, permitindo montante. Tal ajuste seria feito à luz da “iniciativa
assim a oferta de capitais a custo baixo. Disto Brady”, lançada pelo secretário do Tesouro Nor-
o governo brasileiro se aproveitou para concluir te-americano em 1989, e também consistiria no
a industrialização do país, através do II PND.
reconhecimento de dívidas anteriores não pagas,
Porém, um pequeno detalhe passara desper-
que passariam agora a ser “honradas” integral-
cebido pelos militares brasileiros: tais emprésti-
mente.
mos tinham sido negociados a juros flutuantes.
Com o segundo choque do petróleo, em 1979, os Porém uma nova reviravolta era observada no
preços desta matéria-prima foram novamente tri- cenário externo, com a retomada dos fluxos de
plicados e, para atenuar os efeitos inflacionários capital estrangeiro no início da década de 90,
desta alta, o governo americano aumentou a taxa o que fez vários apontarem o “fim do problema
de juros para empréstimos bancários de 5,7% para da dívida externa”. Para atrair estes capitais, o
18,8% ao ano, entre 1975 e 1984. Como resultado, governo aumentou a taxa de juros interna paga
o Brasil passa de recebedor para exportador de a eles, o que nos possibilitou o pagamento
capitais, com o pagamento do serviço da dívida. do serviço da dívida a partir deste período.
Tamanha reversão no quadro internacional foi No entanto, além do fato de que isto não fez o
acentuada por vários eventos ocorridos em estoque da dívida diminuir (ela passara de US$
1982, em especial pelo pedido de moratória do 123,9 bilhões em 1991 para US$ 148,3 bilhões em
México, que fez cessar o fluxo de financiamen- 1994), esta capacidade de pagamento era apenas
tos para o Brasil. Isto nos levou a recorrer ao ilusória, pois se compunha, preponderantemente,
Fundo Monetário Internacional, que nos conce- de capitais de curto prazo que, como antes,
deu empréstimos condicionados à sempre re- poderiam sair do país caso ocorresse uma

57
ECONOMIA BRASILEIRA

nova reversão da conjuntura internacional. Atualmente, o déficit na balança comercial foi


A partir de 1995, a intensificação da abertura zerado, porém isto é anulado pelo aumento dos
comercial nos deixa ainda mais dependentes da juros da dívida externa para US$ 15 bi, o que nos
entrada de capitais externos, agora não apenas obrigará a adotar para sempre o infeliz slogan
para pagarmos a dívida, mas para podermos do governo: “exportar ou morrer”, com todas as
importar mercadorias do exterior. Há também, políticas anti-sociais subjacentes.
a partir deste momento, a desnacionalização
Tamanho pagamento de juros para o exterior, além
da estrutura produtiva brasileira que, se de um
de se dever ao referido aumento das taxas de
lado proporciona a entrada de capital externo
para a compra de empresas nacionais, por outro juros internacionais na virada da década de 70/90
implica a excessiva importação de componentes e ao aumento sem precedentes do endividamento
(deteriorando ainda mais a balança comercial) externo da última década, deve-se também à
e na remessa de lucros. Apesar do fluxo de cobertura, pelo governo, do chamado “risco
investimentos diretos estrangeiros ter saído do Brasil”, que é o adicional cobrado pelos nossos
patamar médio de menos de US$ 1 bilhão por credores quando estes nos fazem empréstimos.
ano na primeira metade da década para mais de Tal adicional representa a maior parte dos
US$ 20 bilhões na segunda metade, a balança encargos que pagamos ao exterior e é justificado
de comércio passou de um superávit de mais de pelo fato de que os nossos emprestadores têm
US$ 10 bilhões para um déficit de US$ 5 bi, e as de compensar o risco de uma possível moratória
remessas de lucros para o exterior, que antes do governo brasileiro. Porém, dado o histórico
eram de US$ 1 bi, passam para US$ 5 bi. Em comprometimento total do governo brasileiro com
suma: vendemos o país em troca de 4 anos de o pagamento desta dívida – sendo que, nos únicos
importações. momentos em que este não pôde pagar, o FMI
ajudou o país a pagar os credores –, a existência
Até 1997, nossas reservas em moeda estrangeira
deste “risco-país” somente pode ser justificada
eram suficientes, porém eram mantidas
por uma estratégia de espoliação permanente
preponderantemente pela vinda de capitais
realizada com sucesso pelos investidores
estrangeiros especulativos. E com as crises
internacionais.
asiática (1997) e russa (1998), a conjuntura
internacional mudou novamente. Os capitais Em suma: desde o período militar, a dívida
- como sempre – fugiram, e tivemos de recorrer adquiriu dimensões impagáveis e não parou de
novamente ao FMI no final de 1998. Como sempre, crescer até hoje, mesmo com pagamentos anuais
mais recomendações anti-sociais, recessão e de juros da ordem de US$ 10 bi desde os anos 80,
desemprego. chegando a US$ 15 bi em 1999. Visto que, desta
Em 1999, a dívida externa brasileira era de US$ forma, a dívida já teria sido há muito tempo paga,
241,2 bilhões, com uma novidade: agora ela é mesmo com taxas de juros abusivas, e dado que
preponderantemente privada (esta parcela da ela foi contraída a juros flutuantes por governos
dívida passa de US$ 55,1 bi para 141,2 bi somente militares, a necessidade de uma auditoria nesta
de 1993 a 1999, representando 58,54% da dívida dívida se torna clara.
externa total neste último ano). Tal discrepância (Disponível em: http:/br.answer.yahoo.com/
entre a taxa de juros doméstica e internacional question)
estimulou as empresas nacionais a tomarem
dinheiro emprestado no exterior para, além de
investir na produção, também aplicar em títulos
da dívida interna do governo (que pagavam bem CARACTERÍSTICAS DA DÍVIDA
mais que os juros internacionais). O que, além de EXTERNA BRASILEIRA
obrigar o país a fazer um esforço extra para pagar
juros ao exterior, com a já conhecida política As características da dívida externa brasileira va-
recessiva de juros altos, gera o nocivo aumento riam de acordo com o período relacionado. Vamos
da dívida pública interna. analisá-la do ponto de vista dos anos de 1970, 1980
e 1990.

58
AULA 9 • A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA DA DÉCADA DE 1980 NO BRASIL

O ano de 1968 foi quando o processo de endivida- aumentar e em 1975 já supera a metade dos recursos
mento externo brasileiro começou a se agravar. As jus- captados. Para isso, o governo restringiu o acesso de-
tificativas do período, do ponto de vista externo, giram las ao crédito interno, levando-as ao endividamento ex-
em torno das transformações do sistema financeiro in- terno, em busca de recursos que serviriam para fazer
ternacional e da ampla oferta de capitais. Em relação às frente à escassez de financiamento. Para o setor pri-
condições internas, temos a ausência de financiamento vado, é oferecida a oportunidade de repassar ao setor
de longo prazo na economia brasileira. Este período foi público suas dívidas em dólar Com isso, dá-se o início
marcado pelo início do processo de internacionaliza- do processo de estatização da dívida externa.
ção financeira do Brasil, materializado pela reforma da
política externa através da lei nº 4.131, que dava às A ESPECULAÇÃO FINANCEIRA
empresas acesso direto ao sistema financeiro interna- Coexistiam no Sistema Financeiro Nacional pós-
cional, e da resolução nº 63, que facilitava a captação 64, três moedas: o setor real (operação com correção
do dinheiro externo através dos bancos comerciais. monetária a posteriori – operações fiscais e financeiras
O primeiro choque do petróleo é o marco do pro- do governo); o setor nominal (operações pré-fixadas,
cesso de endividamento externo da década de 1970, contratos – instituições financeiras privadas e bancos
na medida em que gera uma grande instabilidade no governamentais) e as operações com moeda estran-
cenário internacional, afastando os credores privados. geira (taxa de câmbio não flutuante), em que só se po-
Entra em cena, então, o Estado como principal toma- dia operar com a autorização do Banco Central, que
dor, com o objetivo de financiar o II PND. Vejamos o assumia o risco de existirem ou não reservas no mo-
que diz Cruz sobre esse fato: mento do vencimento. Nesse segmento, só operavam
“Os resultados (...) sugerem que a perda
as grandes instituições que, no caso de encontrarem
de posição relativa das captações pri- tomadores domésticos, poderiam aplicar em LTNs ou
vadas decorreu, fundamentalmente, da devolver ao Banco Central, que se responsabilizariam
desaceleração das taxas de crescimento
do produto e da redução das inversões pelos encargos.
privadas, à medida que ambas afetaram A expansão do sistema financeiro privado brasileiro
negativamente a demanda de créditos em
não se deu da forma convencional, ou seja, na relação
cruzeiros, inclusive em sua componente
externa. Por outras palavras, enquanto o com os financiamentos realizados, mas numa simbiose
ritmo de crescimento do produto se man- entre endividamento externo e endividamento público.
tém acelerado, a demanda por crédito
exercida pelo setor privado é capaz de Está meio confuso? Vamos tentar entender: para se
garantir um ingresso significativo de re- proteger da inflação gerada pelos choques externos,
cursos externos. Num segundo momento, o setor privado captava recursos do exterior e aplicava
quando a taxa de crescimento do produto
experimenta uma trajetória de desacele- em títulos públicos que tinham garantia de liquidez, tor-
ração numa conjuntura onde, contradito- nando assim fonte de especulação. Outra fonte eram
riamente, se ampliam as necessidades de
recursos externos, as captações privadas as grandes empresas, inclusive as públicas, que usa-
não crescem, o que determina uma parti- vam o seu poder de mercado para acumular lucros ex-
cipação cada vez maior do setor público cessivos. Esses lucros eram destinados à especulação
como única forma de assegurar ingressos
massivos de recursos externos.” (CRUZ, financeira, conjugando os interesses do capital produti-
1984, p. 113) vo com o especulativo. Nesse sentido, Tavares (1983)
Portanto, a partir de 1974/79, a dívida externa che- afirma que:
ga a US$ 40 bilhões, gerando um fenômeno que ficou Numa estrutura industrial oligopolística,
conhecido como a “estatização da dívida externa bra- a falta de oportunidades de investimen-
tos libera recursos financeiros. Ainda que
sileira”. Vamos tentar entender. Acompanhe-me: para reduzidos, os lucros da atividade produti-
garantir o suporte financeiro do II PND, o governo ten- va são maiores que as necessidades de
investimentos, dadas as expectativas de
tará garantir o financiamento das empresas estatais e demanda. Tais excedentes financeiros
do setor privado, principais atores envolvidos no proje- ingressam no mercado de capitais e são
parcialmente absorvidos pelos projetos
to. Entre 1972/74, a participação média das empresas estatais de investimentos. Naturalmente,
estatais na captação de recursos externos começa a isso se torna possível mediante genero-

59
ECONOMIA BRASILEIRA

sas correções monetárias e juros ade- de todo o processo. Os condicionantes da crise, como
quados. Este mercado, como se vê, é um
o choque do petróleo, o aumento da dívida externa e a
convite irresistível à especulação. Daí
decorrem três conseqüências: primeiro, escalada da inflação levam o Estado a uma crise fiscal
a especulação e o investimento entram sem precedentes na história econômica do país. A prin-
em competição, sendo que mecanismos
financeiros, concebidos para estimular a cipal herança desse período foi a hiperinflação, conse-
produção, gradualmente transformam-se qüência e causa de inúmeras distorções da economia
em obstáculos à recuperação econômi-
brasileira desde então.
ca. Em segundo lugar, os retornos das
grandes companhias contêm agora um
componente monetário importante, e a ATIVIDADES
interdependência entre o Estado e os
interesses privados torna-se mais com- 1. Faça uma breve pesquisa sobre os modelos de
plexa e profunda. Em terceiro lugar, os
recursos públicos tornam-se escassos. industrialização alemão, japonês e brasileiro, des-
A dívida interna, aumentada por corre- tacando as diferentes atuações do Estado em cada
ções monetárias, subsídios e juros a
pagar, absorve uma proporção cada vez um deles.
maior dos recursos estatais. Para tocar
as coisas, há que recorrer a financia- 2. Que motivos levaram ao crescimento da dívida ex-
mentos externos. Enormes empréstimos
em moeda são contraídos por empresas terna brasileira a partir dos
públicas e privadas. Esse é um dos prin- anos de 1970?
cipais fatores explicativos da magnitude
extraordinária da dívida externa. O custo
total do dinheiro sobe, e uma proporção 3. Como se deu o processo de estatização da dívida
crescente do PNB é apropriada pelo se- externa brasileira?
tor financeiro.

Esse processo leva a um círculo vicioso, no qual 4. Relacione desequilíbrio externo, crise fiscal do Es-
o aumento da dívida externa gera a necessidade cres- tado e escalada inflacionária no Brasil a partir da
cente de novos recursos para sua conservação, forçan- década de 1970.
do a manutenção de altas taxas internas de juros para
estimular a captação. Assim, os juros em patamares 5. Explique o processo de especulação financeira no
elevados tornam os títulos mais atraentes, aumentando Brasil no período estudado.
o montante de capital destinado ao sistema financei-
ro. O círculo especulativo é fechado com a expansão REFERÊNCIAS
do endividamento público para garantir a valorização
financeira dos recursos destinados ao mercado de ca-
ABREU, MARCELO PAIVA. Duas décadas perdidas:
pitais.
estratégias confusas fazem desempenho econômico
A respeito da especulação financeira, Tavares medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
e Belluzzo (1983) afirmam que o sistema financeiro lo, São Paulo, 01 abr.1999.
brasileiro foi incapaz de financiar o sistema produtivo.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
Porém, paradoxalmente, a sua participação no PIB do oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
país ficava acima da participação de países desenvol- Alínea e Átomo, 2006.
vidos. Concluindo, o sistema financeiro brasileiro se
sofisticou em função da aceleração inflacionária e da BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Uma interpreta-
especulação financeira, tornando-se concentrador de ção da America Latina: a crise do estado. NO-
renda e de poder político, o que levou a inúmeros pro- VOS ESTUDOS CEBRAP, nº 37, nov. 1993. p.
blemas sociais. 37- 57.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
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A crise da década de 1980 assinalou a exaustão do de México, v. LXVI, 2007, p. 61-96.
modelo brasileiro de substituição de importações, ba- FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
seado na participação ativa do Estado como condutor Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

60
AULA 9 • A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA DA DÉCADA DE 1980 NO BRASIL

GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-


porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
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VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
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Atlas, 2003.

61
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 10

A CRISE FISCAL DO ESTADO

Objetivos
• Entender as causas, consequências e os
diversos conceitos de déficit público.
• Ëntender como o governo financia o seu
déficit.
• Relacionar déficit público e inflação.
• Relacionar desequilíbrio externo e crise
fiscal no Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO Estados Unidos e Itália, têm altos déficts e isso não tem
sido empecilho para o seu crescimento econômico.
O déficit público ocorre quando os gastos do go- No entanto,  os motivos atuais do déficit público no
verno superam o montante da tributação, gerando um Brasil são outros, e aí é que está o problema!
desequilíbrio nas receitas e despesas governamentais,
ou seja, o déficit público equivale à parcela das des- CAUSAS ATUAIS DO DÉFICIT
pesas realizadas que não são cobertas pela receita. PÚBLICO NO BRASIL
Vamos, nesta aula, analisar o déficit público brasileiro,
O Déficit público pode ter diversas origens, por isso
o seu financiamento e o papel que o governo exerce
as suas formas de combate podem ser variadas. O dé-
como agente financeiro. Veremos que ele foi causado
ficit público brasileiro, no quadro atual tem as seguintes
principalmente pelo pagamento da dívida externa que
causas:
adquiriu enorme proporção durante o período de 1964-
- gastos excessivos com pagamentos de juros e
85, como foi visto na aula passada. amortização da dívida interna e externa;
- o governo tem adotado uma política de juros altos
CONCEITOS DE DÉFICIT para atrair capitais externos, visando manter reser-
PÚBLICO vas cambiais para manter a inflação controlada.
Desse modo, os juros sobre a dívida pública inter-
O déficit público acontece quando os gastos do go-
na se tornam crescentes e o governo se endivida
verno superam o montante de tributação, levando a um
para pagar essa dívida;
desequilíbrio de despesas e receitas governamentais.
- além da alta taxa de juros, o governo opera, inter-
Ele é apontado pela maioria dos economistas como o
namente, com títulos da dívida pública que são de
principal responsável pelas crises estruturais da econo-
curto prazo;
mia, já que, segundo eles, gera a emissão de moeda e,
- o lento crescimento econômico do país, gerado,
portanto, a inflação. Porém há despesas que apresen-
entre outros motivos, por altas taxas juros internos,
tam resultados econômicos positivos, como na época
que privilegiam o capital especulativo, em detri-
da grande depressão, em que o governo americano
mento do capital produtivo, acabam prejudicando
atenuou o desemprego via gastos políticos deficitários.
a arrecadação do Governo. Os recursos privados
No caso brasileiro, o déficit contribuiu para a criação de
acabam alimentando a ciranda financeira,  dimi-
infra-estrutura econômica financiando a construção de
nuindo a produção interna, gerando desemprego e
estradas de ferro e de rodagem, usinas de energia elé-
o empobrecimento do país.
trica, de aço, petróleo, etc. Vamos entender isso melhor
com a leitura do texto a seguir. CONSEQUÊNCIAS DO DÉFICIT
UMA VISÃO SOBRE O DÉFICIT - precarização dos serviços públicos prestados pelo
Governo;
Ao contrário das contas privadas, em que o déficit é
- diminuição de investimentos públicos nas áreas
algo incômodo e que tende a ser nocivo, o déficit públi-
responsáveis pelo desenvolvimento econômico;
co nem sempre é considerado assim. O gasto aparen-
- dificuldade do Governo em administrar suas con-
temente excessivo do Governo pode, em certos casos,
tas, provocando o corte de gastos e a prestação de
ser bastante positivo, pois, quando o Governo faz isso,
serviços.
pode estar ampliando a assistência às camadas mais
carentes, investindo em infra-estrutura, construindo Algumas características do processo orçamentário
estradas, rede de esgotamento, construindo moradias são fundamentais para determinar as causas do déficit
populares e outras atividades que são da responsabili- público. Entre elas, temos:
dade restrita do Governo. - a contribuição do déficit passado para o déficit atu-
Quando o déficit é originado por esses motivos, ele al;
está contribuindo para o desenvolvimento do país. As- - o efeito da inflação sobre a receita e a despesa do
sim,  esses recursos tendem a retornar ao Governo sob governo;
a forma de tributos. Alguns países desenvolvidos, como - o efeito da variação na taxa de juros.

64
AULA 10 • A CRISE FISCAL DO ESTADO

Essas características nos levam aos diferentes A discussão sobre como financiar o déficit público
conceitos de déficit público: traz à tona todos os problemas que ele pode causar à
- Primário ou Fiscal: corresponde ao resultado da economia. No caso brasileiro, a inflação foi uma das
conta receita menos despesa pública, não incluin- conseqüências mais funestas ligadas ao déficit, na
do a inflação e o gasto com juros reais da dívida medida em que muitas vezes ele foi financiado com a
contraída anteriormente. Para efeitos de política emissão de moeda. A seguir faremos uma relação en-
econômica, este não é um conceito muito útil, pois tre déficit público e inflação no Brasil.
pode apresentar superávits em virtude do adia-
mento de dívidas para o período seguinte. A RELAÇÃO ENTRE DÉFICIT PÚBLICO
- Nominal ou Total: é o resultado primário incluindo E INFLAÇÃO NO BRASIL
a correção monetária, isto é, a inflação e os juros
Para entender a relação entre déficit público e in-
incidentes sobre a dívida contraída anteriormente.
flação, temos que avaliar não o montante ou o valor do
- Operacional: representa as necessidades de fi-
déficit, mas sim o seu horizonte de financiamento, isto
nanciamento do setor público. É medido pelo défi-
é, o prazo de rolagem da dívida. Vejamos. Para que o
cit primário mais os juros reais da dívida passada,
governo possa emitir títulos para financiar seu déficit,
resultado operacional mais a correção monetária
tem que haver pessoas interessadas em comprá-los, o
sobre a dívida paga.
que depende da credibilidade do país. Os investidores,
O FINANCIAMENTO DO DÉFICIT qualquer que seja sua nacionalidade, só investirão em
países que oferecerem menor risco para suas aplica-
Além das medidas tradicionais de aumento de ções. No caso brasileiro, nem os investidores nacionais
impostos ou cortes de gastos, em situações de dé- costumam comprar títulos de longo prazo da dívida,
ficit, o governo pode resolver seu problema de caixa preferindo os de curto prazo.
de três formas: emitindo moeda, tomando dinheiro Em países como Itália, Estados Unidos e Espa-
emprestado, diretamente de um banco ou agência nha, os déficits são financiados em prazos de 10 a 30
de financiamento ou através da emissão de títulos anos. Mesmo assim os investidores internacionais ad-
da dívida pública. Não existe uma regra definida para quirem títulos, apesar de eles possuírem déficits mais
determinar qual a maneira mais apropriada de finan- elevados que o Brasil. Como o risco de investir em
ciar o déficit, pois depende das condições da econo- países em desenvolvimento como o Brasil é alto, a dí-
mia. Todas as alternativas apresentam vantagens e vida interna é negociada a prazos inferiores a 60 dias
desvantagens como veremos a seguir.   e com taxas de juros bastante elevadas para atrair
Um dos efeitos da emissão da moeda pode ser os investidores. Sabemos que à medida que os juros
a inflação. Os empréstimos geram dívidas, interna aumentam, aumentam também os custos de financia-
ou externa. Vamos examinar com mais detalhes as mento dessa dívida e, consequentemente, pressões
diversas formas de financiamento do déficit: inflacionárias. Vejamos o que Morais e Triches dizem
- Emissão de moeda: neste caso, o Tesouro Na- a este respeito:
cional ou a União pede emprestado ao Banco
Quando o governo gasta mais do que
Central (BACEN). Esta medida é bastante infla- arrecada, acaba incorrendo em um dé-
cionária, pois o BACEN cria moeda para finan- ficit que precisa ser financiado. Se os
agentes não estão dispostos a compra-
ciar a União. O lado positivo é que não aumenta rem esta parcela da dívida, através da
o endividamento público junto ao setor privado. aquisição de títulos públicos, o governo
- Venda de títulos da dívida pública para o setor é obrigado a emitir moeda. Deste modo,
quanto maior o déficit, maior é o ritmo de
privado interno e externo: o governo troca títulos expansão monetária e, portanto, maior a
(ativo financeiro não monetário) por dinheiro que inflação. Em outras palavras, o processo
de alta generalizada dos preços pode ser
já está em circulação. Essa medida eleva a dívi- atribuído, em parte, pela grande moneti-
da pública e, como o governo terá que oferecer zação do déficit público, provocado pela
necessidade de financiamento do saldo
taxas de juros atraentes, a dívida tende a aumen- negativo das contas do Tesouro (MORAIS
tar. e TRICHES, 2003).

65
ECONOMIA BRASILEIRA

Veja a seguir (texto abaixo) como se processam Saídas de recursos


as entradas e saídas no orçamento público, e pro-
• despesas públicas (S1)
cure relacioná-las ao processo inflacionário:
• investimentos públicos (S2)
• serviço da dívida interna (S3)
DÉFICIT PÚBLICO
• serviço da dívida externa (S4)
Para facilitar o entendimento do problema do • subsídios governamentais (S5)
déficit público, usaremos um raciocínio elementar,
de fácil compreensão e presente intuitivamente em Outras saídas
todo agente econômico. Para que um agente eco- (prejuízos/déficits com empresas estatais) (S6)
nômico sobreviva ao longo do tempo, a soma de Assim, o equilíbrio tão necessário e desejado so-
todos os recursos financeiros despendidos deve mente será obtido quando R1+R2+R3+R4 for maior
ser menor ou, no máximo, igual à soma daqueles ou igual a S1+S2+S3+S4+S5+S6.
correspondentes à receita. Este raciocínio é válido
Receita de impostos
considerando-se o decorrer de um longo período,
Para aumentar a receita proveniente de impos-
já que desequilíbrios momentâneos e esporádicos
tos, no Brasil, não basta simplesmente elevar as
podem ser neutralizados mediante empréstimo de
alíquotas daqueles já existentes; há a necessidade
recursos de terceiros que, no futuro, deverão ser
urgente de reforma tributária que, ao mesmo tempo,
devolvidos acrescidos dos respectivos custos finan-
simplifique os procedimentos tributários, promova
ceiros.
maior justiça tributária e possibilite efetiva fiscaliza-
Há dezenas de anos, a saída de recursos na
ção do poder público, objetivando eliminar a enorme
área publica brasileira é sempre maior que a entra-
evasão de receitas via sonegação fiscal. A simplifi-
da, causando o déficit público crônico gerador de
cação deveria ocorrer através de drástica redução
inflação, quer através de pressão sobre as taxas
do número de impostos e taxas, a que hoje os con-
de juros exercidos pelos governos ao tomar maci-
tribuintes estão sujeitos; drástica redução do número
ços empréstimos do setor privado, quer através de
de contribuintes obrigados aos recolhimentos; e fixa-
emissão descontrolada de moeda, ambos objetivan-
ção de alíquotas em valor suficiente para a obtenção
do financiar esse déficit. Há, portanto, necessida-
da receita de impostos desejada pelos Governos Fe-
de urgente de buscar-se o equilíbrio das finanças
deral, Estadual e Municipal - via recolhimento único,
públicas através de mecanismos não inflacionários,
levado a crédito de cada Governo sem os repasses
sem o qual programas econômicos de qualquer na-
que atualmente ocorrem -, acompanhada de severa
tureza estarão fadados ao fracasso.
fiscalização junto a esse pequeno número de gran-
Esse equilíbrio deve ser alcançado pela eleva-
des contribuintes. Em síntese, o Governo deveria ar-
ção das entradas de recursos financeiros, ou pela
recadar toda a sua necessidade tributária junto às
redução de suas saídas ou, ainda, pela adoção de
empresas de produtos básicos como cimento, vidro,
ambas as alternativas. Vamos analisar as possíveis
aço, alumínio, plásticos, borrachas, entre outros, e
entradas e saídas de recursos financeiros na área
junto ao grande comércio (grandes atacadistas e
pública e o que pode ser feito, em cada caso, para
grandes varejistas), liberando os demais setores de
serem atingidos o necessário equilíbrio e a conse-
transformação e de comércio, que estariam livres de
qüente eliminação da pressão inflacionária.
qualquer obrigação tributária, com exceção do Im-
Entradas de recursos:
posto de Renda. Ao mesmo tempo em que esta nova
• receitas de impostos (R1) sistemática tributária resolveria o problema da recei-
• empréstimos internos (R2) ta do Governo, aliviaria a grande maioria dos contri-
• empréstimos externos (R3) buintes dos inúmeros tributos atualmente vigentes,
reduzindo custos administrativos e facilitando enor-
Outras entradas
memente a tarefa do Estado na efetiva fiscalização
(lucros, transferência e venda de empresas es- da sua receita tributária, com redução dos níveis de
tatais e de outros imobilizados públicos) (R4) sonegação praticamente a zero.

66
AULA 10 • A CRISE FISCAL DO ESTADO

Empréstimos internos A segunda diz respeito à racionalização da admi-


nistração do patrimônio imobilizado público, imenso em
Sob a forma de entrada de recursos ao Governo,
termos de terras, terrenos e edifícios - luxuosos ou não
este item é considerado como desgastado e sem cre-
-, que precisa ser devidamente cadastrado e ter sua
dibilidade no Brasil de hoje. Portanto fica difícil suge-
utilização analisada. Quando constatada má, incorre-
rir mudanças para melhorar esse fluxo de recursos. A
ta ou desnecessária utilização deverá o patrimônio ser
única que nos ocorre seria modificar o perfil da dívida
imediatamente vendido, mediante critérios pré-fixados,
existente, abrangendo período de no mínimo 5 e no
máximo 10 anos, através de mecanismos do mercado à semelhança do que foi feito com os apartamentos e
financeiro. É difícil de ser concretizada, a não ser por mansões em Brasília. Medidas devem ser estendidas a
medidas arbitrária, autoritárias como aquelas utilizadas todas as instituições, autarquias, fundações e empre-
no Plano Collor I. sas estatais ligadas ao Governo. A arrecadação advin-
da dessas vendas atenuaria parte da dívida interna do
Empréstimos externos Governo.

O Brasil precisa negociar a dívida externa alongan- Despesas públicas


do seu perfil, de forma a possibilitar o pagamento do
principal dentro das suas reais possibilidades, com o A má administração das despesas públicas é um
serviço da dívida pago pontualmente nos respectivos verdadeiro sumidouro de recursos. Além do viés cul-
vencimentos. No entanto essa proposta permanece em tural do brasileiro, ao considerar que na área pública
longa negociação, não por falta de proposta adequada, não há patrão e, portanto, ninguém se preocupando se
mas pela desorganização interna da nossa economia, determinadas ações implicam economias ou despesas
não proporcionando aos credores a necessária confia- - muitas vezes desnecessárias - para o erário, o con-
bilidade de que seremos capazes de cumprir nossas trole dessas despesas é feito através de instrumentos
propostas. elementares de administração aplicados de forma mui-
to rudimentar. Prova disso são os sistemas orçamentá-
Outras receitas rios públicos, elaborados sobre premissas irreais e ba-
Muita coisa poderia ser feita pelo Governo para ses deliberadamente inchadas para que, mesmo com
melhorar as Finanças Públicas. eventuais cortes da administração central - normal-
A primeira delas diz respeito à lucratividade das mente feitos de forma linear e sem critérios objetivos -,
empresas estatais. Partindo do pressuposto que qual- cada unidade ainda opere com orçamento superior ao
quer empresa deve ser lucrativa, inclusive as estatais, necessário. Além disso, tudo é feito para que os valores
desde que não realizem função social de governo, toda orçados sejam efetivamente gastos e até ultrapassa-
empresa pública pode e deve ser lucrativa, condição dos (justificando reforço orçamentário), uma vez que
a ser viabilizada através de racionalização adminis- o orçamento não consumido é considerado perdido,
trativa; eliminação de nepotismo na contratação de expondo a unidade orçamentária como má previsora,
pessoal; utilização de modernas técnicas de adminis- implicando a redução de seu orçamento para o período
tração em vendas-marketing, em recursos humanos, seguinte, pois o principal fator levado em consideração
em produção, em administração de estoques etc., re- na elaboração e na aprovação do próximo orçamento é
duzindo recursos aplicados em imobilizados suntuosos a efetiva realização das despesas no período anterior.
e desnecessários, além da prática de tarifas e preços Fornecedores da área pública têm conhecimento
realísticos. O conjunto dessas medidas elevará o lucro da preocupação das unidades de despesas, procuran-
dessas empresas, e parte dele, não necessária a seu do consumir seus excessos de orçamento nos meses
desenvolvimento e sua expansão, poderá ser repassa- de outubro, novembro e dezembro de cada ano. Se
da ao Governo, melhorando as Finanças Públicas. To- esse vício no processo orçamentário não for eliminado,
das as empresas inviáveis em termos de lucro, e cuja será impossível obter-se um mínimo de racionalidade
existência não se justifique em termos de papel social na realização das despesas publicas.
de Governo, deveriam ser imediatamente desativadas Os Tribunais de Contas, que deveriam ter eficien-
(privatizadas ou simplesmente paralisadas). tes sistemas de controle sobre a despesa pública, não

67
ECONOMIA BRASILEIRA

atingem seus objetivos, principalmente porque um • Propostas de novas estruturas organizacionais ou


órgão visando a controlar as ações do Executivo, ja- modificação das existentes, de acordo com a análi-
mais poderia ser a ele subordinado por ferir um dos se feita no item anterior.
princípios básicos do controle: quem controla precisa • Adequação do quadro de pessoal aos objetivos e
ter grande autonomia e flexibilidade para funcionar às estruturas, reformulando-o por contratação de
como órgão de investigação, inclusive com grau de técnicos especializados, transferência de funcioná-
autoridade sobre o controlado. Esse problema seria rios para outros órgãos nos quais sejam necessá-
solucionado com a mudança da alçada dos Tribunais rios ou colocando à disposição de um órgão central
de Contas, do Poder Executivo para o Legislativo ou o excesso de pessoal e aqueles não possuidores
Judiciário, além de serem modificadas as estruturas das qualificações técnicas essenciais para a função
organizacionais desses órgãos, com a contratação de exercida, ficando a cargo desse setor a realocação
técnicos altamente gabaritados para exercer as ativi- desses funcionários, sua reciclagem ou demissão,
dades essenciais de fiscalização. Além disso, seriam caso seja impossível ou desnecessário seu apro-
necessárias mudanças na legislação atribuindo a es- veitamento. Treinamento, reciclagem e avaliação
ses órgãos efetivo poder, até de punição. Como os de desempenho são atividades essenciais.
abusos relatados não são exclusivos do Poder Exe- Entre medidas paralelas que precisariam ser to-
cutivo, como regra geral, cada Poder Governamental, madas citamos redução, ao mínimo, dos cargos em
além de seus próprios sistemas de controle, deveria comissão (exceção àqueles do primeiro escalão), pro-
ser controlado pelos outros dois Poderes no que se gramas de revalorização e profissionalização do funcio-
refere exclusivamente a despesas públicas. Outro as- nário público, elaboração e/ou atualização de cargos e
pecto da despesa pública que precisa ser lembrado carreiras e, finalmente, programas de melhoria salarial.
diz respeito à administração dos recursos humanos Deverão ser feitas mudanças na Constituição, permitin-
do Governo. Antes de serem efetuadas demissões in- do à administração dos recursos humanos do governo
discriminadas e precipitadas, faz-se necessária uma maior flexibilidade. A estabilidade funcional, ao mesmo
completa reforma administrativa das estruturas públi- tempo, evita demissões injustas e mantém, indefinida-
cas federais, estaduais e municipais dos três Pode- mente, funcionários desnecessários, ociosos, incom-
res. petentes, improdutivos e, às vezes, até desonestos. O
Os leigos em administração entendem reforma desafio está em encontrar mudanças constitucionais
administrativa como simples mudança nos quadros que mantenham a estabilidade funcional, não mais em
de pessoal das unidades, admitindo ou demitindo fun- termos absolutos, mas segundo regras definidas, e le-
cionários, juntando e/ou separando Secretarias e Mi- vem em consideração as necessidades do Estado bem
nistérios, podendo tudo ser resolvido em um ou dois como as qualidades individuais.
meses de trabalho; esta visão equivocada pode maxi-
mizar o caos em que já se encontra a administração Investimentos públicos
pública brasileira. O melhor desempenho do governo neste item
Uma completa e correta reforma administrativa passa, necessariamente, pela redefinição do papel do
deveria, necessariamente, considerar: Estado, que apresenta características exageradamen-
• A reavaliação de objetivos e papéis de cada órgão te intervencionistas por sua presença em atividades
governamental, pois muitos deles foram criados da economia - mesmo quando ela não se justifica -,
para atender necessidades ocasionais da socie- manifestando-se através de uma voracidade fora do
dade, não sendo mais justificadas suas existên- comum. Principalmente com relação à presença dire-
cias; outros, criados para resolver problemas de ta, torna-se essencial reavaliar o seu papel, buscando
órgãos já existentes, duplicando esforços inutil- uma nova postura.
mente; outros, ainda, têm estrutura maior ou me- Analisando os diversos papéis do Estado em di-
nor que a necessária; concluindo, necessidades ferentes países, e comparando-os com resultados
da sociedade não estão refletidas, de forma geral, concretos para as suas economias, concluímos que,
na estrutura governamental. numa democracia moderna, eles devem se restringir

68
AULA 10 • A CRISE FISCAL DO ESTADO

a legislação; justiça; previdência e assistência social; luxuosos, bem como em mordomias pessoais, injusti-
educação; saúde; transporte básico; segurança nacio- ficáveis num país de tanta pobreza, verdadeiros sumi-
nal; preservação do meio ambiente; fomento ao desen- douros de recursos públicos.
volvimento social, econômico, científico-tecnológico,
artístico, cultural e esportivo. Segundo esta redefinição Serviços da dívida interna
do papel do Estado, o lema que passaria a nortear suas Problema que só será devidamente equacionado
ações seria: “tudo o que a iniciativa privada for capaz através do alongamento do perfil dessa dívida, con-
de realizar de forma eficaz, sem a presença do Estado, forme já afirmado no item empréstimos internos. De
deverá ser por ela realizado”. Desta forma, tudo o que o certa forma, o governo conseguiu minimizar o proble-
Estado faz hoje e que não se enquadre nos itens acima ma quando, compulsoriamente, alongou essa dívida
deveria ser repassado para a iniciativa privada; assim, e seu serviço. Julgamos o período de 18 a 30 meses
empresas como Companhia Siderúrgica Nacional, Pe- insuficiente, tendo em vista que o Governo ainda não
trobrás, Banco do Brasil, Embratel, Eletrobrás, Cosipa, conseguiu arrumar a casa para poder honrar o compro-
Telebrás, Companhias de Telecomunicações de cada misso sem gerar fortes pressões sobre o déficit público
Estado, Sistema Portuário, Sistema Aeroviário, entre
e, consequentemente, pressões inflacionárias. Para a
outras, deveriam ser privatizadas o mais rápido pos-
resolução definitiva desse problema, o governo deveria
sível e a arrecadação advinda utilizada na redução do
alongar ainda mais o perfil dessa dívida, para um hori-
déficit publico e/ou social.
zonte de no mínimo 5 e no máximo 10 anos. Para tal,
Fora das áreas consideradas de sua competência,
deveria, discricionariamente, escolher os cidadãos e
investimentos governamentais somente se justificariam
as empresas que mais se beneficiaram com a situação
quando utilizados para promoção e fomento do desen-
econômica do país nos últimos 20 anos, para arcarem
volvimento. Uma vez atingidos os objetivos aos quais
com o ônus desse alongamento. Reconhecemos ser
foram destinados, esses recursos deverão ser liberados
esta proposta antipática, mas, infelizmente, não vemos
para reciclagem, na promoção e no fomento de novos
outra alternativa.
desenvolvimentos e em outras atividades, jamais fican-
do presos indefinidamente, como ocorre atualmente. Serviço da dívida externa
Além disso, outras atividades que tradicionalmente
cabem ao Estado deveriam ser repassadas à iniciativa Num primeiro momento, este problema afeta o
privada, como a construção e a manutenção de estra- Brasil a nível externo, prejudicando a imagem do país
das, pontes, viadutos, túneis etc., mediante a conces- em termos de confiabilidade para novos investimentos.
são de exploração através da cobrança de pedágios Num segundo, a nível interno, investimentos estrangei-
por determinado período. Precisamos urgentemente ros deixam de ser efetuados, chegando mesmo a ha-
entender que a capacidade de investimentos do Es- ver desinvestimentos. Para minimizar este problema, o
tado era limitada e há muito se esgotou; porém, as Brasil deveria propor o pagamento imediato de parcela
necessidades da sociedade brasileira, num país com do serviço da dívida vencido (o quanto suas reservas
dimensões continentais e população pobre e carente, permitissem), com a incorporação do restante ao prin-
crescem em progressão geométrica, e formas criativas cipal, condicionado à garantia de ingresso de novos re-
de atendê-las precisam ser encontradas. Finalmente, cursos conforme a evolução da nossa economia e ao
ainda em relação ao tema, gostaríamos de registrar já pagamento em dia dos próximos vencimentos.
estar na hora de os homens públicos brasileiros enten- Para esta proposta ser aceita, é imprescindível a
derem que os recursos do Governo e da sociedade são organização interna de nossa economia, única forma
extremamente limitados e, por isso, não mais é admis- de inspirar confiança aos credores. Como este não é
sível o dispêndio desses escassos recursos em obras problema exclusivamente do Brasil, mas de todos os
desnecessárias ou inúteis, como inúmeros palácios de países em desenvolvimento do terceiro mundo, exigin-
concreto e vidro construídos por este Brasil afora, ae- do completa reformulação a nível mundial, deveremos
roportos onde aviões raramente pousam, estradas que procurar uma negociação conjunta. Enquanto cada
ligam nada a lugar nenhum, sambódromos para serem país tentar equacionar isoladamente a sua dívida junto
usados uma vez por ano, frotas enormes de veículos aos credores, difícil será a obtenção de resultados fa-

69
ECONOMIA BRASILEIRA

voráveis; a negociação conjunta para uma nova ordem O processo de estatização da dívida externa levou
mundial deverá trazer melhores frutos. a uma deterioração das contas internas, causando um
profundo desequilíbrio no setor público brasileiro. Em
Subsídios governamentais conseqüência, a poupança externa que alcançou uma
A situação de total descontrole da área pública média de 6,6% do PIB durante o milagre econômico,
vivenciada pelo país torna essencial que todos os caiu para -2% do PIB em 1988. Existem duas correntes
subsídios - a qualquer título - sejam imediatamente de pensamento que explicam, através de análises di-
cortados. Futuros subsídios deverão ser estabeleci- ferentes, a relação entre desequilíbrio externo e déficit
dos a partir de novas diretrizes definidas pelo Con- público. Para os economistas ortodoxos, o problema
gresso Nacional, evitando-se ao máximo a possibili- estava na excessiva estatização da economia brasilei-
dade de favorecimentos injustificados. ra, associando à questão fiscal o processo inflacionário
Somos frontalmente contra alguns tipos de sub- brasileiro. Já para os autores estruturalistas, o aumen-
sídios dirigidos diretamente à população como ticket to do endividamento interno estava diretamente ligado
ao endividamento externo, já que a poupança pública
de leite, vale refeição, vale transporte, cesta básica
e os investimentos declinavam na mesma medida em
e outros que configuram atitude tipicamente paterna-
que aumentavam os pagamentos de juros das dívidas
lista do Estado, interferindo nas decisões dos indiví-
externa e interna.
duos. Ao invés de se pagar salários decentes, que
permitam ao cidadão viver com dignidade, opta-se
RESUMO
por baixo salário, complementado por subsídios go-
vernamentais, acabando com a cidadania e fazendo Nesta aula sobre a crise fiscal do Estado na dé-
da maioria da população massa de manobras políti- cada de 80, tivemos a oportunidade de fazer relações
cas. muito importantes para se entender a economia bra-
sileira. Estamos falando das relações entre déficit
Prejuízos/Déficits com empresas estatais público, inflação e desequilíbrio externo. Vimos que
o Estado brasileiro foi o principal financiador do mo-
Tema já explorado no item “outras receitas”. Estes
delo de desenvolvimento o que o levou, mais tarde,
prejuízos devem ser totalmente eliminados através de
a uma profunda crise fiscal, a qual desestruturou pro-
racionalização, privatização ou mesmo fechamento das
fundamente a economia brasileira conduzindo o país
empresas cujos objetivos não justifiquem a permanên-
à hiperinflação.
cia delas ligadas ao Governo.
ATIVIDADES
DESEQUILÍBRIO EXTERNO E A
CRISE FISCAL DO ESTADO 1. Aponte e explique as causas do déficit público no
Brasil.
Pode-se explicar a crise da economia brasileira na 2. Quais são as formas de financiamento do déficit
década de 1980 sob vários ângulos, porém é bem clara público? Quais as vantagens e desvantagens de
a sua relação com a dívida externa e a crise fiscal do cada uma?
estado, a qual se desenvolveu a partir desta dívida e 3. Relacione: déficit público, inflação e desequilíbrio
que levou a economia a um prolongado processo de externo.
estagnação.
Como vimos acima, a aceleração da inflação du- REFERÊNCIAS
rante este período está fortemente associada à crise
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
fiscal e à dívida externa. A dívida externa, à medida
tratégias confusas fazem desempenho econômico
que agiu agravando direta ou indiretamente o conflito medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
distributivo, teve um papel importante como fator ali- lo. São Paulo, 01abr.1999.
mentador da inflação. Por sua vez, a inflação agrava BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
o déficit público, afasta os investimentos e diminui a oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
produtividade do capital. Alínea e Átomo, 2006.

70
AULA 10 • A CRISE FISCAL DO ESTADO

CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-


econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
ón Economia de la Universidad Nacional Autónoma
de México, v. LXVI, p. 61-96, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
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GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
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FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro.
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JÚNIOR, JOÃO NETZLING. www.cofecon.org.br/in-
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MORAIS, Igor A. C. de; TRICHES, Divanildo. Déficit
público e taxa de inflação: testes de raiz unitária e
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SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
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VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo, Atlas,
2003.

71
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 11

O IMPACTO DA INFLAÇÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE


RENDA NO BRASIL

Objetivos
• Compreender o significado do termo
“distribuição de renda”.
• Entender mais detalhadamente a
distribuição de renda no Brasil.
• Analisar o efeito da inflação sobre a
distribuição de renda no Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO
do Censo, mostra que o adjetivo frágil no caso é
A concentração de renda no Brasil é um dos as- impróprio.
pectos mais perversos do modelo de desenvolvimen- Revela, ainda, que a política econômica praticada
to adotado ao longo do processo de industrialização. pelos governos da Revolução, além de construir
Talvez você se pergunte se as altas taxas de inflação sólidas bases para impressionante expansão,
registradas no país ao longo das últimas décadas são conduz inevitavelmente a resultados desse tipo
causa ou conseqüência do processo de concentração na distribuição de renda.
de renda. Dentro do estudo que estamos fazendo so- No entanto, os percentuais da distribuição de
bre a inflação brasileira, não poderíamos deixar de de- renda são, de certa forma, o melhor termômetro
dicar uma aula à discussão dos impactos da inflação para se avaliar como o país está se apossando
sobre a distribuição de renda no país. Vamos começar das riquezas materiais que ele próprio gera. No
tentando entender melhor esse conceito. caso brasileiro, a questão é ainda mais grave,
porque as notícias de concentração de renda
CARACTERIZAÇÃO DO TERMO contrastam com as taxas que indicam um vigoroso
“DISTRIBUIÇÃO DE RENDA” crescimento da economia. No início do ano, ao
mesmo tempo em que se tomava conhecimento
Para uma explicação mais ampla e ao mesmo tem- de que o PIB, em 1971, tinha crescido 11,3%,
po simples sobre o termo distribuição de renda vamos sabia-se, pelos dados do Censo, que apenas
lançar mão de um artigo publicado pela revista Veja, 1,1% da população tinha direito a salários
em 07 de junho de 1972. Pode parecer um pouco an- mensais superiores a 2.334 cruzeiros. Para os
tigo, mas serve bem aos nossos propósitos, além de que não percebem que seria impossível montar
que estudamos a economia brasileira referente a esse qualquer outro teorema com os dados fornecidos
pelo robusto crescimento econômico, o raciocínio
período e o artigo nos ajuda bastante a compreender
poderia ser este: a colheita, portanto, tinha sido
as conseqüências das políticas econômicas anteriores
farta; mas só algumas mesas recebiam seus
nas da atualidade. Você sabe, o progresso, o desenvol-
frutos com abundância.
vimento de um país é processual. Então, vamos ler?
PROPÓSITOS ÉTICOS - É preciso dispor de
um inabalável sentimento cristão para tratar,
A RENDA DOS BRASILEIROS com a mesma consideração, uma pessoa que
A expressão “distribuição de renda” adquiriu ganhe 100 libras por ano e outra que receba
mágicos poderes de persuasão. Bastava enunciá- 100.000 libras por ano - admitia Bernard Shaw, o
la para subitamente surgir um poderoso arsenal dramaturgo irlandês que transformou a igualdade
de dúvidas e suspeitas sobre os sucessos da de distribuição de renda num convincente
economia brasileira. Principalmente depois da estandarte levantado nos meetings e comícios
divulgação dos dados preliminares do Censo de políticos da Londres vitoriana. Shaw e todos os
1970, no início deste ano, quando, sem sofismas que hoje acenam com a justa distribuição para
ou malabarismos estatísticos, ficou possível ofuscar as taxas de crescimento da economia
localizar uma desagradável concentração. Dali em sentiram que estavam tratando de um tema muito
diante, tornou-se muito mais arriscado descrever mais complexo do que simples porcentagens de
a terapia empregada para provocar a heróica valor estritamente econômico. A concentração de
recuperação da saúde econômica do país, pois renda não é apenas incômoda porque, a certa
havia sempre a possibilidade de uma acusação altura, freia a expansão da economia, já que só
de charlatanismo. Uma economia que atribui a uns poucos estão em condições de consumir. Ela,
28% de sua população uma renda mensal inferior na verdade, coloca sob suspeita os propósitos
a 99 cruzeiros, como mostra a tabela acima, éticos de um governo. Em outras palavras, uma
seria, certamente, uma economia frágil. Porém, política econômica que seleciona com implacável
um recente estudo encomendado pelo Ministério rigor os poucos beneficiados com as prósperas
da Fazenda e que se utiliza, inclusive, de dados colheitas coloca o governo, por ela responsável,

74
AULA 11 • O IMPACTO DA INFLAÇÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL

numa posição tão injusta quanto a do pai que são computados os serviços gratuitos prestados
reserva as fatias mais generosas do pão para um pelo governo, as diferenças regionais de renda e,
filho apenas. ainda, a renda não monetária derivada do auto
consumo - as roças do fundo do quintal, onde
A aspiração de uma distribuição equânime da
algumas famílias plantam o mínimo necessário à
renda revela ainda um outro aspecto: ela permite
subsistência.
um casamento perfeito com as aspirações de
um regime político democrático, em que todos Finalmente, Mário Henrique Simonsen fornece
recebem, igualmente, os frutos - doces ou amargos um outro argumento para se desconfiar de que o
- que a economia do país colheu. “Entre pessoas Censo está ocultando demais: os dados classificam
de mesma renda, não há distinções sociais, com as rendas por indivíduos. Se classificassem as
exceção das diferenças de talento”, disse Shaw. rendas por famílias, os resultados nas camadas
E ao tentar provar o caráter antidemocrático da mais pobres seriam provavelmente melhores,
distribuição injusta da renda, lembrou ele que a pois exatamente entre os mais pobres há um
rainha Vitória só concedia títulos nobiliárquicos a número maior de pessoas trabalhando numa
quem tivesse dinheiro suficiente para honrá-los e mesma família.
sustentá-los.
O NOVO ESTUDO - Já que o senso era muito
A POLÍTICA - Também no Brasil, a questão da sovina com suas informações, o governo decidiu
distribuição da renda deixou, inevitavelmente, de patrocinar estudos mais completos. O Ministério
ser um tema apenas econômico para engrossar da Fazenda financiou o Instituto de Pesquisas
os cáusticos argumentos dos que alimentam Econômicas (IPE), da Faculdade de Economia
insatisfações políticas. No caso, o argumento era e Administração da Universidade de São Paulo,
ainda mais contundente porque se sustentava que incumbiu Carlos Geraldo Langoni, 27 anos,
nos números insuspeitos das tabelas do Censo um de seus mais jovens e talentosos professores,
- um trabalho do Instituto Brasileiro de Estatística, de realizar a tarefa.
vinculado ao Ministério do Planejamento.
Também professor da Escola de Pós-Graduação
Há pouco tempo, Roberto de Oliveira Campos, para Economistas, da Fundação Getúlio Vargas,
ex-ministro do Planejamento, escreveu um no Rio de Janeiro, e doutor em economia pela
artigo sobre a distribuição de renda e utilizou Universidade de Chicago, nos Estados Unidos,
como epígrafe uma frase a que ele mesmo já Langoni já se credenciara para realizar trabalhos
recorrera em vários artigos: “As estatísticas são desse porte. Sua tese em Chicago, ainda
como biquíni: o que revelam é importante; o que inédita no Brasil - “As Causas do Crescimento
ocultam, essencial”. O economista Mário Henrique Econômico do Brasil” -, discute a importância dos
Simonsen, em discurso recente, inventariou, investimentos em educação nesse crescimento.
então, os motivos por que as estatísticas do
O trabalho de Langoni sobre a distribuição da
Censo sobre a distribuição de renda poderiam
renda brasileira tinha um objetivo inicial: tentar
estar ocultando o essencial. Os censos distribuem
descobrir os fatores que provocam os altos índices
a população remunerada - explica Simonsen - em
de concentração. Para isso, valeu-se de dados do
apenas oito classes de renda.
Ministério do Trabalho, das declarações do imposto
As duas extremas, as dos que ganham menos e de renda e, principalmente, examinou as fitas
mais, são abertas, isto é, indicam o número de do Censo com as respostas individuais - iguaria
indivíduos com renda menor do que x e maior estatística cobiçada por todos os estudiosos do
do que y. Para estimar a renda média dessas assunto e utilizada pela primeira vez, no Brasil. Por
classes, costuma-se apelar para o ajustamento de isso, seu trabalho chega a conclusões diferentes
certas curvas estatísticas, o que provoca, certas - e provavelmente mais exatas - de todas as
vezes, erros graves. Simonsen mostra ainda que que recorreram apenas aos dados preliminares
os dados dos censos se referem apenas à renda do Censo. Robert S. McNamara, presidente do
monetária recebida pelos indivíduos, e isso, de Banco Mundial, fez recentemente uma conferência
alguma forma, distorce as comparações, pois não condenando a distribuição brasileira, apoiando-se

75
ECONOMIA BRASILEIRA

nos argumentos de um economista americano, Aliás, até um estudo, “Além da Estagnação”, de


Albert Fishlow. McNamara disse, então, que os autoria de M.C. Tavares e J. Serra, economistas
40% mais pobres da população brasileira tinham, da Cepal (Comissão Econômica para a América
em 1960, 10% da renda, e dez anos mais tarde Latina), com sede em Santiago do Chile, tradicional
não detinham mais que 8%. Langoni mostra que opositora da política econômica brasileira, admite:
a queda foi menor - de 11,57% em 1960 parg 10% “O esquema de distribuição da renda em 1970
em 1970. mostraria uma maior taxa global de desigualdade e
A TABELA BÁSICA - No entanto, o trabalho não uma maior concentração na cúpula, se comparado
se limitou a esse tipo de meticulosa reavaliação. com 1960; em compensação, tanto os grupos
Na verdade, todo o estudo pode ser sintetizado médios altos quanto os médios em seu conjunto
na tabela desta página - a influência do setor aumentaram significativamente sua participação
da economia e do nível de instrução sobre a na renda”. Outro dado extremamente revelador é
distribuição de renda. Por aí podem ser observados que aumentou brutalmente a oferta de educação
alguns fenômenos interessantes: para os níveis ginasial, colegial e superior.

- foi bastante expressiva a redução da população Esclarecedor também é o fato de que a concentração
economicamente ativa (os que trabalham e de renda aumente quando a economia passa do
têm algum tipo de renda) que vive no campo e, setor agrícola para o urbano e quando se sobe
paralelamente, houve um aumento dos que foram no grau de instrução. A explicação é simples. Não
para as cidades; existe uma substancial diferença de qualificação
profissional - e, portanto, não é indispensável uma
- em nenhuma das categorias chegou a haver
sensível diferença de nível de instrução - entre um
diminuição nos rendimentos - ou seja, todos,
pequeno proprietário e o peão de uma fazenda.
com exceção dos analfabetos, que ficaram
Por isso, um peão pode ganhar meio salário
praticamente onde estavam em 1960, melhoraram
mínimo e o proprietário, eventualmente, 2.000
de renda;
cruzeiros mensais, e o diferencial de salário entre
- aumentou drasticamente a proporção dos que eles é de dez vezes, aproximadamente. Qual a
na população economicamente ativa têm um diferença, porém, entre o caixa de um banco, que
nível de instrução superior ao primário (além da ganha 600 cruzeiros mensais, e um diretor desse
diminuição do número de analfabetos); banco para as operações do mercado de capitais
- quanto mais alto o nível de instrução, maiores os - função que paga um salário nunca inferior a
ganhos em renda; 15.000 cruzeiros e que exige, obviamente, uma
qualificação profissional muitas vezes superior à
- e, finalmente, uma descoberta de valor inestimável necessária a um caixa?
- a renda é mais mal distribuída nas cidades do
que no campo e vai ficando mais concentrada A CULPA DA EDUCAÇÃO - Conclui-se daí que
à medida que se passa dos analfabetos para a concentração de renda é maior nas cidades e
melhores níveis de instrução. entre universitários porque a agricultura não faz
grandes distinções entre os qualificados e os
ATÉ A CEPAL - O estudo de Langoni mostra ainda
não qualificados; e porque a rápida evolução da
números incômodos: os que vivem da agricultura
economia exigiu uma mão-de-obra qualificada.
têm uma renda mensal de apenas 138 cruzeiros
Como não havia suficiente oferta para essa
e os analfabetos, 112 cruzeiros. Mas, ao mesmo
demanda, ocorreu no primeiro momento uma
tempo, levanta o véu de alguns fatos que exigem
valorização brusca dos que tinham um diploma
reflexão mais profunda. Que tenha diminuído
universitário, colegial ou ginasial.
a população rural e que os rendimentos sejam
maiores à medida que aumenta o nível de instrução A educação parece ser, portanto, a maior causa
- essas são informações que não chegam a ser da diferenciação da renda e do aumento da
inesperadas. Porém, parece sintomático que desigualdade na década de 60. Um gráfico sobre
nenhum dos setores da população tenha perdido a influência da educação na concentração da
dinheiro na década. renda mostra como variam as expectativas de

76
AULA 11 • O IMPACTO DA INFLAÇÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL

ganho de um analfabeto e de um indivíduo com Os números sobre a distribuição de renda indicam


curso superior. Entre 20 e 49 anos, o analfabeto que o Brasil está apenas pagando o preço do seu
não pode aspirar a uma elevação do salário desenvolvimento e o índice de concentração nas
superior a 141 cruzeiros mensais. Já o profissional indústrias tradicionais é muito menor do que nas
qualificado passou de 745 na juventude para indústrias modernas, que exigem um trabalhador
2.648 na maturidade, porque a expansão da mais qualificado.
economia gerou uma necessidade de mão-de-
Mas qual país de bom senso abdicaria do
obra qualificada e remunerou muito bem os que
privilégio de instalar uma indústria automobilística
puderam atendê-la. (É interessante observar,
só porque ela não distribui com justiça a renda
contudo, que os que receberam mais à medida
entre seus empregados?
que envelheceram foram os de nível ginasial
e colegial.) Outra tabela sobre a influência da
  CONSIDERAÇÕES SOBRE A DISTRIBUIÇÃO
educação, da idade e do setor mostra que os 40%
DE RENDA NO BRASIL
da população com rendimentos mais baixos são,
provavelmente, analfabetos, menores de vinte Pressupõe-se que num processo de
anos e trabalham na agricultura. desenvolvimento econômico, que a renda
COMO SERIA MELHOR - Segundo esses per capita do conjunto da população se eleve
números compilados por Langoni, a distribuição juntamente com o processo de crescimento.
de renda no Brasil seria possivelmente muito Isso quer dizer que a maior parte da sociedade
melhor se, como durante muito tempo, o país seja a principal beneficiária das transformações
ainda fosse “essencialmente agrícola”, se todos estruturais inerentes ao desenvolvimento. Dentre
tivessem menos de vinte anos e se ninguém elas podemos destacar: aumento da qualidade
ousasse ultrapassar os umbrais de uma escola de vida, acesso à educação e saúde, ganhos de
primária. Chega-se também à conclusão de produtividade, etc.
que o desenvolvimento econômico brasileiro A partir da década de 50, o Brasil, ingressou num
- como o de qualquer país - é um mecanismo processo de crescimento econômico acelerado,
que naturalmente diferencia as pessoas, porém, ao contrário de outros países em
principalmente através da educação. Isso é ainda desenvolvimento (leste asiático) – que também
mais grave quando a economia explode com altas cresceram de forma acelerada –, a evolução
taxas de desenvolvimento, como a brasileira, e dos indicadores sociais não acompanhou os
exige a formação de pessoal mais qualificado no índices de crescimento econômico. Assim, uma
menor tempo possível. das características mais marcantes da economia
A situação brasileira seria grave se a concentração brasileira passou a ser seu elevado grau de
da renda estivesse aumentando ao mesmo tempo concentração de renda
que diminuíssem as possibilidades de acesso à Essa questão começa a ser amplamente
educação. discutida a partir da publicação do trabalho
O que acontece é exatamente o contrário. Parece de Carlos Geraldo Langoni, em meados da
estar havendo uma ampliação das oportunidades, década de 70, intitulado: “Distribuição de renda
pois a base de lançamento - o acesso à educação e desenvolvimento econômico no Brasil”.
- é cada vez mais ampla. A oferta de educação Acompanhe abaixo um comentário a respeito do
aumentou 55% no nível ginasial, 96% no colegial estudo feito por Langoni:
e 79% no superior. Portanto, a educação,
num primeiro instante - como agora, quando a O trabalho de Langoni (1973), reali-
zado com o apoio do então ministro
necessidade de mão-de-obra qualificada é muito
da Fazenda, professor Antonio Delfim
maior que a oferta -, funciona efetivamente como Netto, foi fundamental para estabelecer
um fator de concentração. No momento em que um consenso sobre o aumento da de-
a oferta se for ajustando à demanda, haverá uma sigualdade entre os nos 60 e 70. Com
isso, o aspecto polêmico passou a ser
redução das desigualdades - o país será mais a interpretação do fenômeno, com
qualificado e a renda melhor distribuída. alguns autores enfatizando a política

77
ECONOMIA BRASILEIRA

ÍDICE DE GINI
governamental (políticas econômico-
sociais, incluindo a repressão a mo- Medida de concentração mais freqüentemente
vimentos sociais), enquanto outros
aplicada à renda, à propriedade fundiária e à oli-
consideravam que a maior disper-
são das rendas relativas refletia, es- gopolização da indústria, o Índice de Gini permite
sencialmente, um mercado no qual avaliar a distribuição de renda de um país, região
ocorria um crescimento da demanda
por mão-de-obra mais qualificada ou estado. Este índice varia de 0 a 1 e indica uma
sem o correspondente crescimento distribuição de renda tanto melhor quanto mais
da oferta a curto prazo.
próximo de 0 estiver o valor encontrado.
De acordo com estas duas “teorias”,
seria de se esperar uma redução da De acordo com Hoffmann (2001), o que ocorreu
desigualdade quando os “fatores” ex- foi a inflação acelerada contribuir para aumentar ainda
plicativos mudassem. Depois de qua-
se 30 anos, e após longo período de mais a desigualdade da distribuição da renda no país,
crescimento lento, a oferta de mão-de- que atingiu um pico em 1989, no último ano do governo
obra qualificada não se tornou relati-
Sarney. De acordo com os dados da PNAD (Pesquisa
vamente menos escassa? E por que a
abertura política não trouxe uma dimi- Nacional por Amostra de Domicílios) de 1989, naquele
nuição da desigualdade econômica? ano o índice de Gini do rendimento das pessoas ocupa-
Tudo se passava como se a desigual-
dade, depois de estabelecida, tivesse das com rendimento positivo atingiu 0,630 (IBGE, 1997:
forte inércia para variações no sentido 144). Isso colocava o Brasil como o mais desigual entre
decrescente.
os países do mundo.
(HOFFMANN, Rodolfo. Considerações sobre
a evolução recente da distribuição da renda no OS EFEITOS DA INFLAÇÃO
Brasil. Revista de Administração de Empresas, SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE
São Paulo, v. 13, n. 4, p. 7-17, dez. 1973.)
RENDA NO BRASIL
A concentração de renda no Brasil não deve ser
Muito bem, meu caro aluno. Você deve ter perce-
atribuída a nenhum governo em particular, pois ela é
bido que o estudo de Langoni foi um marco na discus-
resultado da forma como se consolidou o processo de
são sobre a questão distributiva no Brasil. A partir daí,
industrialização brasileira, o qual contou com um instru-
o debate foi ampliado e desde então várias correntes
mento muito poderoso: a inflação. Vamos tentar enten-
de pensamento contribuíram com seus diferentes enfo-
der este fenômeno.
ques e a controvérsia se mantém até hoje.
A escassez de capital foi um dos grandes proble-
Comparando os dados dos primeiros estudos so-
mas para se implementar a industrialização em paí-
bre distribuição de renda no Brasil com os resultados
ses em desenvolvimento como o Brasil, pois eles não
do Censo Demográfico de 1960, podemos observar
possuíam mecanismos desenvolvidos de captação de
um amplo consenso sobre um grande aumento da con-
recursos privados para investimentos e nem poupança
centração de renda. Durante os anos 60, verifica-se
interna suficiente para alavancar o crescimento econô-
um aumento de 0,50 para 0,57 no índice de Gini, um
mico. Coube então ao Estado o papel de financiador,
acréscimo de 14% (Langoni, 1973). Esse indicador faz
através do mecanismo de moeda fiduciária. O que é
do Brasil o campeão do mundo no item desigualdades
moeda fiduciária? Vamos ver!
sociais. Para o ex-ministro Delfin Neto, um dos fato-
res que contribuíram para isso foi o desequilíbrio no
mercado de trabalho que, marcado pela expansão dos MOEDA FIDUCIÁRIA: papel moeda
parcialmente lastreado por ouro. Sua origem
setores mais modernos, teria beneficiado as categorias
remonta aos depósitos em ouro efetuados
mais qualificadas com ganhos salariais acima da mé-
junto aos ourives, os precursores dos
dia. Porém, acreditava-se que com o tempo esse des-
bancos. De início, os recibos dos depósitos
vio seria corrigido, na medida em que os investimentos correspondiam exatamente à quantidade de
em educação favorecessem o aumento da mão-de- ouro mantida nos cofres. Mas, ao observarem
obra qualificada. Você sabe o que é “índice de Gini”? que esses recibos circulavam, passando por
Vamos ver.

78
AULA 11 • O IMPACTO DA INFLAÇÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL

proprietários que recebem renda de aluguel também


muitas mãos e demoravam certo tempo para têm uma perda de rendimento real, ao longo do pro-
serem resgatados, os ourives e posteriormente cesso inflacionário, mas estes são compensados pela
os banqueiros passaram a emitir por sua
valorização de seus imóveis, que costuma caminhar à
conta recibos em maior quantidade do que os
frente da inflação. Nesta categoria estão também os
depósitos de ouro recebidos em seus cofres;
o valor desses recibos, ou moedas de papel, capitalistas, que têm mais condições de repassar os
dependiam da confiança (fidúcia) que merecia aumentos de custos provocados pela inflação, procu-
o banco emissor. Atualmente a circulação de rando garantir a manutenção de seus lucros. Em ou-
moeda fiduciária, nos países que conservam tras palavras, existem alguns grupos de pessoas que
o lastro-ouro, é em média 30 a 40% superior tendem a perder com a inflação, ou seja, aquelas que
às reservas do metal depositado, se bem que não têm como se proteger desse processo, pois têm
as autoridades monetárias desses países os preços relativos a seus gastos subindo mais do que
controlam rigorosamente sua emissão. aqueles relativos à sua renda.
(SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. A inflação funciona como mecanismo concentrador
São Paulo: Best Seller, 2000) de renda, na medida em que transfere renda daque-
les que vivem da remuneração de seu trabalho para as
Por outro lado, para financiar o seu próprio déficit, empresas que determinam preços. Portanto, a forma
o Estado utilizava-se de emissão de moeda que pres- como se dá a inserção de cada agente econômico no
sionava o nível de preços. O processo inflacionário que mercado determina o impacto que a inflação produz na
decorria da utilização desses instrumentos era visto distribuição de renda de um país. Assim, pode-se di-
como conseqüência natural do desenvolvimento eco- zer que a inflação é, sobretudo, um imposto sobre os
nômico em uma sociedade que não dispunha de instru- pobres e o seu descontrole fez aumentar a pobreza,
mentos de captação de poupança voluntária. A inflação principalmente na segunda metade da década de 1980
era uma espécie de “poupança forçada” que o Estado e na primeira da década de1990.
retirava da sociedade, na medida em que continuava Em seu artigo: “Distribuição de renda e crescimen-
com a emissão de moeda para cobrir o déficit públi- to econômico: uma análise do caso brasileiro”, André
co. Esse procedimento criou, ao longo do tempo, uma Eduardo da Silva Fernandes afirma que o perfil da dis-
nova estrutura distributiva na economia. tribuição de renda no Brasil e a forma como ela se con-
Essa inflação, portanto, constituía-se no “preço” solidou nos permite fazer algumas constatações:
que o Estado cobrava para manter o desenvolvimen- 1) o perfil da distribuição de renda no Brasil é extre-
to (o chamado “imposto inflacionário”). De uma forma mamente concentrador, mas não deriva de um go-
mais objetiva, na medida em que as pessoas aceita- verno específico, tendo suas origens primordiais na
vam transacionar com uma moeda que perdia poder de colonização, e consolidou-se a partir da década de
compra real era como se aceitassem uma espécie de 1930;
tributo. O que é o tributo senão uma parcela de poder 2) a estratégia de desenvolvimento escolhida pelas
de compra real que uma determinada pessoa transfere forças políticas de um país acaba determinando o
para o Estado? perfil de distribuição de renda;
Assim, a consolidação da industrialização brasi- 3) o Brasil adotou como estratégia de desenvolvimen-
leira e posteriormente do crescimento econômico, foi to, dadas as restrições históricas da época, conso-
possível graças à inflação, gerando conseqüências lidar uma economia fechada para o exterior e tendo
negativas para a sociedade como a concentração de como dínamo a ação estatal, fundamentalmente a
renda, por exemplo. partir do uso dos gastos públicos;
Segundo Pinho e Vasconcellos (1998), a distorção 4) esta estratégia tinha como um de seus corolários
mais séria provocada pela inflação é a que diz respeito básicos a inflação, a qual viabilizava a geração de
à redução relativa do poder aquisitivo das classes que poupança necessária à acumulação do capital;
dependem de rendimentos fixos, que possuem prazos 5) este modelo acabou sobredeterminando toda a es-
legais de reajustes, ou seja, a classe assalariada. Os trutura e a lógica de formação econômica no Bra-

79
ECONOMIA BRASILEIRA

sil, consolidando a característica concentradora da FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.


renda nacional; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
6) a crise a partir da década de 1980 e a externaliza- GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
ção crescente das mazelas derivadas do processo porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
concentrador de renda nacional esgotaram as ten- GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
tativas de ajuste dentro do modelo autárquico-esta- (Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
tizante. Janeiro: BNDES, 1999.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
RESUMO Contemporânea. São Paulo, Atlas,2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
Nesta aula, relacionamos inflação com distribuição
de renda no Brasil. Mostramos que os maiores prejudi- LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
cados com as altas taxas de inflação no Brasil foram os
assalariados, pois não contam com os mesmos meca- MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
nismos de proteção (indexação) que as classes mais
ricas. Vimos que é na origem do processo de industria- PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
lização no Brasil que encontramos a principal causa da damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
persistência do processo inflacionário, na medida em SANDRONI, Paulo. Dicionáriode Economia. São
que ele foi usado como “poupança forçada” do proces- Paulo: Best Seller, 2002.
so de desenvolvimento. SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
ATIVIDADES 2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
1. Durante os anos 1990, observou-se uma deterio- nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
ração da distribuição de renda no país. Segundo a Atlas, 2003.
Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), reali-
zada pelo IBGE, o Índice de Gini para o recebimen-
to médio mensal das famílias brasileiras passou de
0,5698 em 1987, para 0,5813 em 1996. O que isso
significa?
2. Faça uma relação entre inflação e concentração de
renda.
3. Explique e desenvolva a afirmação: “A inflação era
o preço que o Estado cobrava para financiar o de-
senvolvimento”.

REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
lo, São Paulo, 01 abr.1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
ción Economia de la Universidad Nacional Autó-
noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007

80
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 12

A INFLAÇÃO BRASILEIRA

Objetivos
• Conceituar e caracterizar os diversos
tipos de inflação.
• Apontar as distorções provocadas pelas
altas taxas de inflação no Brasil.
• Analisar o processo inflacionário
brasileiro.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO
desenvolvimento econômico de um país. Em
É consenso entre os economistas que um dos prin- particular, os países subdesenvolvidos têm
cipais problemas macroeconômicos de um país, além características econômicas peculiares, baseadas
do desemprego, é a inflação. Dentro das análises so- em componentes estruturais bastante distintos
bre a economia brasileira, a inflação tem sido um dos dos de países desenvolvidos. Essa discussão
deu origem a um debate sobre a possibilidade de
temas mais discutidos, e isso se justifica pelo fato de o
esses países apresentarem condições estruturais
país ter vivido, nas últimas décadas, diversos tipos de
inerentes ao subdesenvolvimento.
experiência inflacionária. Portanto vamos agora dedi-
car uma aula a esse tema. A tentativa de os países subdesenvolvidos
alcançarem estágios mais avançados de
CONCEITO E TIPOS DE desenvolvimento econômico dificilmente se faz
sem que também ocorram, concomitantemente,
INFLAÇÃO elevações no nível geral de preços. Ou seja,
existem alguns componentes inflacionários
Com certeza você já estudou em Introdução à
que são intrínsecos ao próprio processo de
Economia o conceito de inflação, mas vamos recordar.
desenvolvimento econômico.
Pode-se dizer que a inflação representa um aumento
generalizado e contínuo dos preços, ou seja, ela é um A experiência internacional tem mostrado que o
processo e não um fato isolado; inclui uma elevação desenvolvimento econômico está, na maioria dos
contínua e não casual de preços. países, associado a uma intensificação do nível de
industrialização da economia. O deslocamento do
Pelo que foi dito acima, podemos deduzir que a
pólo de crescimento da agricultura para a indústria
inflação é um fenômeno monetário, apesar de não po-
provoca um aumento do grau de urbanização.
der ser contida apenas por um controle do estoque da
Para fazer face ao aumento da população
moeda, como acredita a teoria monetarista. De acordo nas cidades, são necessários investimentos
com Luque e Vasconcelos (1998), a inflação represen- maciços em infra-estrutura: transportes, água,
ta um conflito distributivo pela repartição do produto luz, telefone, serviços médicos etc., quase
não adequadamente administrado, ou seja, a disputa que totalmente incorridos pelo setor público. A
dos diversos agentes econômicos pela distribuição da curto prazo, a elevação dos gastos públicos (e,
renda se constitui no problema essencial do processo portanto, da demanda agregada) não tem uma
inflacionário. Desses agentes econômicos, podemos contrapartida rápida da produção agregada de
destacar o setor público que, quando incorre em dese- bens e serviços, pois esta reage em prazos mais
quilíbrios financeiros, induz a uma elevação do estoque longos, dependendo do tempo de maturação dos
de moeda acima do crescimento do produto. investimentos efetivados. O excesso de demanda
sobre a oferta agregada, nessa fase, provoca
No que diz respeito à economia brasileira, o tipo de
elevações de preço. Assim, a inflação surge como
conflito distributivo mais relevante é o referente às re-
uma decorrência quase que natural do processo
lações entre salários e preços, provocado pela disputa
de desenvolvimento econômico.
entre trabalhadores e empresários, que gera instabili-
dade na sua convivência. Outro fator inflacionário, também inerente ao
próprio crescimento econômico, reside no fato de
Falando em conflito distributivo e pensando na
que, neste processo, criam-se expectativas de
grande concentração de renda que existe no Brasil,
altas taxas de retorno, o que estimula uma elevação
vamos fazer uma relação entre inflação e subdesen-
das taxas de investimento. O primeiro efeito a
volvimento e ver como essa relação ocorre em nosso curto prazo, recai sobre os preços, dado que o
território. Leia o texto seguinte. aumento da produção só se dá após decorrido um
período de maturação do investimento.
INFLAÇÃO E SUBDESENVOLVIMENTO Associado a esses fatores, está o fato de que os
Até agora não procuramos associar a ocorrência países subdesenvolvidos, que têm baixa renda
do fenômeno da inflação ao estágio de per capita, necessitam dar um “salto” bastante

82
AULA 12 • A INFLAÇÃO BRASILEIRA

AS DISTORÇÕES PROVOCADAS
elevado para sair do estágio de pobreza, o que
requer elevado montante de gastos públicos e de PELA INFLAÇÃO NO BRASIL
investimentos, o que pressiona os preços, como
As altas taxas de inflação provocam profundas dis-
apontado anteriormente.
torções na economia. A seguir conheceremos as mais
Finalmente, a própria estratégia adotada, na importantes.
maioria dos países inclusive no Brasil, para - Efeito sobre a distribuição de renda: uma das
um desenvolvimento mais acelerado também
classes mais penalizadas pela inflação é a dos assa-
colabora para a existência de um certo grau de
lariados (trabalhadores de baixa renda), que não têm
inflação. Essa estratégia consiste na substituição
como se proteger através de aplicações financeiras,
de importações daqueles bens que o país tem
potencialmente condições de produzir. Isso é uma vez que consomem a totalidade de sua renda. As
feito por meio da criação de barreiras tarifárias, altas taxas de inflação reduzem o poder aquisitivo dos
que visam dificultar e até impedir as importações trabalhadores, pois eles dependem de rendimentos fi-
daqueles produtos. Nessa fase, entretanto, o xos com prazos legais de reajustes. Devido às suas ca-
país não está suficientemente aparelhado para a racterísticas, essa situação de inflação é considerada
instalação de novas indústrias e tem que criar a uma das mais sérias.
necessária infra-estrutura para tanto, o que não - Efeito sobre o balanço de pagamentos: A infla-
se faz sem custos elevados, o que representa um ção tende a estimular as importações e desestimular as
fator potencial de inflação. exportações, pois o aumento dos preços internos torna
(In: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Equipe de os produtos importados mais competitivos. Isso afeta a
professores da USP. Manual de Economia. São balança comercial, levando a um saldo negativo. Além
Paulo: Saraiva, 1998.) disso, o país vai ter que gastar mais para importar pro-
dutos essenciais, dos quais depende, o que pode pres-
sionar os custos de produção, o que leva a uma nova
A inflação pode assumir várias formas: inflação de elevação dos preços.
demanda, de custos e inercial. Vamos analisar cada - Efeito sobre o mercado de capitais: Com a de-
uma delas. terioração da moeda, causada pela inflação, os inves-
- Inflação de Demanda: é causada pelo excesso tidores dão preferência ao investimento em imóveis,
de demanda em relação à produção existente, que por que costumam valorizar com a inflação, desviando os
sua vez ocorre devido a um aumento da renda dispo- capitais do mercado financeiro, que por sua vez sofrerá
nível, à expansão dos gastos públicos, ao aumento do uma retração.
crédito e redução das taxas de juros e à expectativa - Outros efeitos: Um outro impacto da inflação é
dos agentes econômicos. sobre a formação das expectativas, tanto em relação
- Inflação de Custos: é decorrente do repasse ao consumo quanto à produção. No que diz respeito
dos custos para os preços praticados pelas empresas. à produção, pode ocorrer por parte dos empresários o
É causada por alguns fatores, tais como: aumento da desincentivo para investir, o que provoca uma retração
taxa de juros, desvalorização cambial que eleva os pre- na capacidade produtiva e afeta o nível de emprego.
ços dos produtos importados, elevação dos preços ex-
ternos (como se deu em 1974 e 1979 com os preços do O PROCESSO INFLACIONÁRIO
petróleo), custo da mão-de-obra composto por encar-
BRASILEIRO
gos e salários e finalmente pelo aumento de impostos
que pressionam os preços. Pode-se afirmar que, a partir da década de 1950,
- Inflação Inercial: Não está associada às pres- a inflação passa a ser um problema característico da
sões de demanda ou de custos, mas se relaciona dire- economia brasileira. Nesse período e até a década de
tamente aos mecanismos de indexação da economia, 1960, a principal origem da inflação foi o elevado dé-
ou seja, aos mecanismos de política econômica atra- ficit público, causado por três fatores: gastos com in-
vés dos quais os preços são corrigidos baseados em fra-estrutura (transporte, energia e saneamento); baixa
índices oficiais do governo. produtividade dos serviços do governo e ineficiência

83
ECONOMIA BRASILEIRA

na aplicação de seus recursos; e a impossibilidade de econômico brasileiro. Essa questão sempre se cons-
aumentar a carga tributária devido ao baixo nível da tituiu num grande complicador para a condução das
renda per capita. Diante disso, o governo lança mão políticas de estabilização econômica. Isso pôde ser
das emissões de dinheiro, o que gerou uma inflação visualizado durante o processo de congelamento de
de demanda. preços quando ocorreu uma elevação na demanda
Entre 1964 e 1973, a inflação permanece relativa- por bens não duráveis (de salário), fazendo com que
mente controlada através de uma rígida política mone- seus preços subissem e ocasionasse a retomada do
tária, fiscal e salarial. No período compreendido entre processo inflacionário. Além disso, tradicionalmente,
1967 e 1973, foi colocada em prática uma “política gra- as negociações salariais são marcadas por um clima
dualista” de combate à inflação, devido ao fato de que, de tensão, em que as empresas (principalmente as oli-
em países em desenvolvimento como o Brasil, uma gopolizadas) têm a capacidade de repassar os custos
redução de crescimento e aumento de desemprego (como acréscimos de salários) para os preços, e isso
resultantes de uma política de tratamento de choque obviamente veda a recuperação do salário real.
geram um custo social muito grande. - O Déficit do Setor Público - Aqui o grande pro-
Com os choques do petróleo ocorridos em blema é a forma como o déficit público é financiado,
1973/1974 e 1979, o processo inflacionário se agravou, ou seja, por meio de emissão de moeda ou via colo-
levando a inflação a patamares cada vez mais altos. cação de títulos públicos junto ao setor privado. A pri-
Outros fatores que contribuíram para as altas taxas de
meira significa que gera pressões inflacionárias se o
inflação foram os sucessivos choques agrícolas em
governo emitir mais moeda do que a sociedade está
conseqüência de geadas, o que provocou aceleração
desejando, a um determinado nível de preços. (Helena,
dos preços na agricultura; os elevados gastos públicos
explique isso melhor. Os alunos não vão entender essa
com a implementação de programas para a melhoria
história de nível de preços em relação ao desejo da
da infra-estrutura do processo de substituição de im-
sociedade.)Por outro lado, a colocação de títulos junto
portações e a elevação da dívida externa.
ao setor privado aumenta a dívida interna (pressionan-
A elevação dos preços, causada pelos fatores
do o próprio déficit) e eleva as taxas de juros, que via-
mencionados, generalizou-se por toda a economia bra-
bilizará a emissão de papéis.
sileira e desencadeou aumentos sucessivos, devido
- O Mecanismo de Indexação - Os mecanismos
ao alto grau de indexação da economia. Esse tipo de
de indexação representam a reação dos agentes eco-
inflação ficou conhecida como inercial, ou seja, ocorre
nômicos em busca da preservação das suas rendas.
independentemente de pressões da demanda ou de
Tais mecanismos reduzem a eficiência dos planos de
custos, e os preços são reajustados devido à existên-
cia da inflação, que passa a ser o “piso para a inflação estabilização na medida em que permitem reajustes
futura”. Esse assunto se constituirá no tema da próxima freqüentes de preços.
aula, pois sua compreensão é muito importante para Podemos concluir dizendo que o Processo infla-
qualquer economista e outras pessoas da área. cionário brasileiro é um constante desafio para a eco-
nomia, pois envolve-se de grande complexidade, na
PRINCIPAIS CAUSAS DA medida em que fenômenos políticos e culturais tam-
bém estão envolvidos. A rica experiência brasileira no
INFLAÇÃO BRASILEIRA combate à inflação deixou lições importantes para os
As causas básicas da inflação brasileira estão re- condutores da política econômica, tais como:
lacionadas a três fatores fundamentais: o conflito dis- - não existem artificialismos no combate à inflação.
tributivo; o déficit do setor público associado à forma Políticas como congelamento de preços e salários de-
como ele é financiado e finalmente o mecanismo de vem ser excluídas da literatura econômica brasileira;
indexação. Vamos analisar cada um deles. - a indexação pode “camuflar” certas distorções
- O Conflito Distributivo - O fator primordial desse como os desequilíbrios fiscais e monetários, adiando
fenômeno é a relação entre o capital e o trabalho. No decisões importantes no enfrentamento do problema;
caso brasileiro, ele é causado pela grande concentra- - uma maior abertura econômica pode ajudar no
ção de renda que marcou o processo de crescimento combate à inflação, aumentando a oferta de produtos

84
AULA 12 • A INFLAÇÃO BRASILEIRA

e, principalmente, elevando a produtividade da econo- LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-


mia; tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
- a irresponsabilidade fiscal é um dos fatores pre- MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
ponderantes no processo de aceleração inflacionária e, porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
finalmente PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
- a inflação é um dos principais responsáveis pela damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
concentração de renda de um país. SANDRONI, Paulo. Dicionáriode Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
RESUMO SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
Vimos nesta aula que, a partir da década de 1960, 2007.
a inflação passou a ser uma constante na economia
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Equipe de pro-
brasileira e que, no país, uma das principais causas
fessores da USP. Manual de Economia. São Paulo:
desse fenômeno foi o déficit público. Porém, a longa Saraiva, 1998.
experiência no combate à inflação no Brasil nos mos-
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
trou que não existe uma única causa, e sim que, além nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
dos fatores econômicos, as questões políticas e cultu- Atlas, 2003.
rais devem ser levadas em conta na elaboração dos
planos de estabilização econômica. Vimos também
que um dos legados mais perversos do longo proces-
so inflacionário brasileiro foi a enorme concentração de
renda no país.

ATIVIDADES
1. Identifique e conceitue os principais tipos de infla-
ção.
2. Enumere e analise as principais causas da inflação
no Brasil.
3. Quais os fatores inflacionários que podem ser con-
siderados inerentes ao processo de desenvolvi-
mento econômico?
4. Quais as principais lições que podemos tirar do
processo de combate à inflação no Brasil?

REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo, Atlas,2007.
JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.

85
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 13

MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL

Objetivos
• Conhecer as diferentes formas de se
medir a inflação no Brasil.
• Compreender o que são números-índices
de preços.
• Relacionar os principais indicadores de
inflação no Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA

Como falamos na aula anterior, a inflação se carac- são construídos a partir de amostras que não refletem
teriza por uma considerável e persistente alta dos pre- totalmente à realidade. A grande maioria dos índices de
ços, a qual, para ser considerada inflacionária, precisa preços contém vários tipos de erros, tais como erros de
ser generalizada, ou seja, precisa atingir todos os gru- fórmula, erros de amostragem e erro de homogeneida-
pos, categorias e classes de fatores de produção, bem de. Além disso, cada indicador é obtido com base em
como bens e serviços finais negociados na economia. diferentes critérios de cálculo, com fins específicos e
Dessa forma, a elaboração de índices indicadores da determinados.
inflação apresenta inúmeras dificuldades conceituais e
operacionais. Vamos juntos entender como se mede a NÚMEROS ÍNDICES DE PREÇOS
inflação no Brasil.
Pode-se definir um número-índice de preços como
COMO SE MEDE A INFLAÇÃO NO uma “estatística” que tem como objetivo medir a varia-
ção relativa de preços de um agregado de bens e servi-
BRASIL
ços em uma seqüência de períodos de tempo (PINHO,
A longa convivência com a inflação no Brasil ge- 1988). De acordo com Sandroni (1989), na construção
rou uma grande variedade de indexação de contratos, de um número índice, devem ser observados alguns
conhecida como correção monetária, para a qual são parâmetros básicos, tais como:
utilizados alguns indexadores que representam fatores - A Amplitude que indica o tamanho da amostra uti-
de conversão de valores monetários entre diferentes lizada e o campo da informação (produção industrial,
instantes de tempo, isto é, saber a quanto equivaleria preços no atacado, nível de emprego, etc.).
hoje, por exemplo, R$1,00 desde o lançamento do pla- - O Período-base, que é o espaço de tempo da va-
no de estabilização econômica. riação.
Se existisse apenas um bem na economia, não ha- - O Sistema de ponderação, que é o peso do pro-
veria a necessidade de construção de índices de pre- duto relativo à quantidade consumida (Por exemplo, o
ços. Esse se torna necessário sempre que se precisa chuchu não pode ter o mesmo peso do arroz, cujo con-
saber a variação conjunta de bens fisicamente diferen- sumo é muito maior. Portanto o peso do arroz é muito
tes, variando a taxas diferentes. Assim, o sistema de maior do que o do chuchu na renda de uma família).
indexação de uma economia é composto por um con- Vamos acompanhar, em seguida, a história dos
junto de indexadores usados durante um período de índices de inflação no Brasil, para melhor esclarecer
tempo, o qual é fundamentado pelos números índices possíveis dúvidas:
de preços, como Índice de Preços ao Consumidor, da
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística HISTÓRIA DOS ÍNDICES DE
(IPC-FIBGE), por exemplo. Deve-se ressaltar que os
fatores de correção são gerados a partir dos resultados
INFLAÇÃO
do próprio número-índice mensal ou depois do empre- Embora os índices de preços mais antigos que se
go de alguns processos estatísticos. conhecem tenham surgido na Europa, na época dos
A escolha do indexador está diretamente ligada ao Grandes Descobrimentos Marítimos, somente por volta
número índice em que se baseia o sistema de indexa- de 1920 se iniciou o cálculo sistemático de índices de
ção ou correção monetária. De acordo com estudos do inflação no Brasil.
Banco Central, a multiplicação dos índices no Brasil se Existem, no entanto, maneiras indiretas, baseadas
dá a partir do final da década de 1970 e início dos anos em registros históricos, de se estimar os índices para
de 1980, com o agravamento do processo inflacionário. os anos anteriores a 1920. Buescu, por exemplo, fez
A partir daí, são adotadas várias regras para cada tipo um levantamento dos índices brasileiros de 1560 até
de bem como: dinheiro, créditos, mercadorias, imóveis, 1889.
investimentos, câmbio, salários, aluguéis, etc. Os índices que começaram a ser calculados em
A obtenção de indicadores perfeitos só é conce- 1920, com retroação até 1912, eram divulgados pela
bida teoricamente. Portanto, do ponto de vista opera- Fazenda Nacional e vigoraram até 1939. Tratava-se,
cional, é praticamente impossível, já que os mesmos

88
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL

na realidade, da indexação dos gastos com a manuten- quando o Ministério do Trabalho instituiu o primeiro sis-
ção da família de Leo Affonseca Jr., pertencente à alta tema de índices de custo de vida para todo o País, com
classe média, que era o responsável pelo seu cálculo e ponderações baseadas em uma pesquisa de orçamen-
envio ao governo, para publicação. tos familiares realizada em 1948 e incluindo itens de
despesas de alimentação, habitação, vestuário, higie-
O IPC DA FGV ne, transporte, luz e combustível. Esse índice teve suas
Com a criação da Lei do Salário Mínimo, em 14 de ponderações e metodologias revistas em 1967 e em
janeiro de 1936, o índice do Sr. Leo sofreu várias refor- 1977, e acabou sendo absorvido pelo IBGE, servindo
mulações, passando a ser calculado pela FGV, sob a de embrião para o estabelecimento do índice nacional
denominação de Índice de Custo de Vida (ICV). de preços ao consumidor (INPC).
Em junho de 1966 foi realizada uma pesquisa de O INPC deu origem ao IPCA e, posteriormente, ao
orçamentos domésticos, com vistas a modernizar o IPC-IBGE.
ICV. Para tanto, foram preenchidas, pelos funcionários
da própria FGV e por operários do Arsenal de Marinha,
O IPC DA FIPE-USP
cadernetas domiciliares, onde se registrava, dia a dia, a A Lei que instituiu o salário mínimo determinava a
natureza e o valor do consumo dos diferentes itens de regionalização dos reajustes salariais e indicava como
despesa. Dessas cadernetas, foram selecionadas, por referência os menores salários pagos por empresas e
amostragem, 36 pertencentes a famílias de operários outras entidades, inclusive serviço público, em cada
do Arsenal de Marinha e 27 da própria FGV, todas refe- região. Dentro desse espírito, foi instituído o primeiro
rentes a famílias com salários inferiores a Cr$15.000. O índice regional de custo de vida no Brasil em 1936, pela
índice derivado dessa pesquisa foi publicado a partir de Subdivisão de Documentação Social e Estatística da
março de 1958 e já abrangia 85 itens de despesas. Prefeitura de São Paulo. Esse índice refletia o padrão
Vários aperfeiçoamentos daí se seguiram, sendo de consumo dos garis de limpeza urbana do município
que a última alteração de certa monta foi a inclusão de São Paulo. Em 1970, o Instituto de Pesquisas Eco-
na fórmula de cálculo do “Efeito Substituição” (V. Glos- nômicas da USP passou a calcular esse índice, que foi
sário) em 1977. Assim, a fórmula hoje utilizada para o então estendido, para abranger a “classe modal” (i.é,
IPC (ex-ICV) é mista: média geométrica para produtos mais freqüente) da população da Grande São Paulo.
alimentares e fórmula de Laspeyres para outras des-
pesas. O IPA DA FGV
O índice de preços por atacado, publicado no pri-
O INPC DO IBGE
meiro número da Conjuntura Econômica (novembro
A exposição de motivos que justifica o Decreto-Lei de 1947), era uma média ponderada de preços dos 25
n 399, de 30/4/38, que regulamenta a Lei do Salário
o
produtos mais importantes comercializados no País.
Mínimo, esclarece: A série dos índices foi revista no início de 1955, am-
O salário mínimo estabelecido pela Lei deve cor- pliando-se o número de produtos para 90. As pondera-
responder às necessidades normais de alimentação, ções foram estabelecidas a partir dos dados do Censo,
habitação, vestuário e transporte do trabalhador adul- acrescidas de informações sobre importações. Na série
to, excluída, portanto, a idéia do salário profissional e revista, os índices calculados para o período1944-47
afastada a do salário familiar. foram ponderados pelos dados do Censo de 1940 e, a
Esse mesmo Decreto-Lei determina as rações- partir de 1958, aplicaram-se dados relativos ao Cen-
tipo essenciais mínimas para as diferentes regiões do so de 1950. A ponderação era calculada (como ainda
país. hoje) com base no “valor adicionado” (produto final me-
Baseado nessas rações mínimas de subsistência, nos matéria-prima), ou, quando não possível, no valor
tornadas legais em 1938, já em 1935, o Serviço de de transformação industrial, para se evitar efeitos, no
Estatística da Previdência do Trabalho começou a cal- movimento dos índices, decorrentes de duplas conta-
cular índices de custo de alimentação nos municípios gens.
das capitais. Esses índices foram calculados até 1949,

89
ECONOMIA BRASILEIRA

As ponderações e metodologia introduzidas em truturas analíticas de custos para diferentes padrões de


1955 foram usadas até 1969. No segundo semestre construção, o que permitiu criar um sistema de cinco
de 1969 foi realizada modificação substancial, tanto de índices, com ponderações bem detalhadas (83 itens).
metodologia quanto de ponderações. Essas modifica- Esses cinco índices se referem ao índice médio (enca-
ções foram feitas visando deado ao anterior) e construções habitacionais com 1,
• à seleção de novos produtos: o índice que an- 4, 8 e 12 pavimentos. (137)
teriormente incluía 90 produtos passou a ter
O IGP DA FGV
243 itens, com cerca de mil especificações di-
ferentes; O índice geral de preços começou a ser calculado
• adequar as ponderações à estrutura produtiva conjuntamente com os primeiros índices divulgados por
do País: o País tinha passado, sobretudo na Conjuntura Econômica. Até 1949 era calculado como
segunda metade da década dos 50 e primeira média do índice de preços por atacado e índice de cus-
da década dos 60, por modificação substan- to de vida no Rio de Janeiro. A partir de 1950, passou a
cial decorrente da política de industrialização e contar com mais um componente, qual seja o índice de
substituição de importações. Esse fato não era custo da construção no Rio de Janeiro.
refletido no índice anterior, baseado em dados Esse índice foi calculado inicialmente com finali-
de 1949, mas se refletia integralmente no novo dade bem específica: deflacionar o índice mensal da
índice, cujas ponderações se referiam à estru- evolução dos negócios, que era um indicador obtido a
tura produtiva de 1965-66; partir da arrecadação do imposto sobre vendas e con-
• permitir que o sistema de ponderações acom- signações (atual ICM) e da compensação de cheques.
panhasse pari passu as rápidas modificações Quando se introduziu a correção monetária no Brasil
que ocorriam na economia do País, introduzin- (meados dos anos de 1960), esse índice passou a ser
do-se o sistema de médias móveis tri-anuais; usado para correção de um conjunto bastante grande
• aumentar a área de coleta: a coleta foi esten- de operações, sobretudo correção de valores de contra-
dida paulatinamente, até incluir os estados do tos de obras públicas. Por essa razão, mesmo quando a
Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Ge- FGV decidiu descontinuar o cálculo do índice da evolu-
rais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio ção dos negócios, não pôde descontinuar a publicação
Grande do Sul; do índice geral de preços. Nas várias modificações de
• adaptar os índices às novas necessidades diagramação da “Conjuntura”, a FGV viu-se obrigada a
criadas pela institucionalização da correção manter inclusive esse índice situado na mesma posição
monetária no País: os conceitos de "Total" e nas tabelas de apresentação, pois o uso do índice se
"Exclusive café" evoluíram para "oferta global" tornou de tal forma difundido e popularizado que a maio-
e "disponibilidade interna". ria dos contratos e portarias passou a se referir apenas
à coluna em que era (e ainda é) publicado -- coluna 2
O ICC DA FGV -- sem mencionar sequer seu nome (IGP-DI).
O primeiro índice de custo da construção calcula- A escolha dos três componentes da “coluna 2” se
do pela FGV a partir de 1950, para a cidade do Rio deve ao fato de essas três atividades (operações em
de Janeiro, referia-se aos custos de um edifício de três geral, preços de varejo e construção civil) represen-
andares, sem elevador, padrão esse que constituía o tarem o conjunto de operações realizadas no País. A
mais usual na época. ponderação representa a importância relativa de cada
A modificação dos padrões de construção levou a tipo de operação na formação da despesa interna bru-
que, em 1972, se revisse o sistema de ponderações, que ta: produção, transporte e comercialização a grosso de
passou a refletir uma média de padrões definidos pela bens de consumo e de produção (representados pelo
Associação Brasileira de Normas Técnicas, ponderadas IPA): 60%; valor adicionado pelo setor varejista e pe-
pela área de licença de Habite-se de 1969 e 1970. los serviços de consumo (representados pelo índice do
Posteriormente, em 1975, foram fornecidas à FGV, custo de vida): 30%; e valor adicionado pela indústria
pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção, es- da construção civil: 10%.

90
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL

OS ÍNDICES E AS PRESSÕES , Estado de S. Paulo, 11de novembro de 1973, pá-


gina 37:
POLÍTICAS “Canto Quarto, de Luís de Camões”, significando
Após 1964, os índices da FGV, uma das ideólogas haver um artigo cortado pela Censura Federal.
do movimento desse ano (66), passaram a ter um ca- Na página seguinte, lia-se:
ráter oficial, sendo seu uso explicitamente definido em Uma tentativa de se chegar a um número aproxi-
vários decretos e regulamentações. A própria ORTN, mado do custo de vida, partindo de dados divulgados
criada nesse ano, era definida com base nos índices em algumas capitais, indicou a ocorrência de uma ele-
da FGV. Em 1970, entretanto, aconteceu a tão temi- vação de preços da ordem de 16,8%, nos doze meses
da reversão das expectativas inflacionárias: a curva de 1973. A iniciativa, como em outros anos, esbarrou
deixou de ir baixando e começou a subir. O grande re- na escassez de dados estatísticos objetivos e fidedig-
ceio era que, se começasse a subir, poderia não parar nos, bem como na diferença de critérios utilizados pe-
mais, ficando fora de controle – como, aliás, ocorreu los vários órgãos. Mas, no presente ano, a essas difi-
mesmo. culdades, somou-se outra: o emudecimento de muitas
Em 1971-1972, uma série de medidas ecléticas fontes de informação, antes de presença atuante.
foram tomadas – aquelas que não funcionam mais, Em São Paulo, o Departamento Sindical de Esta-
como já vimos – e a inflação “não deu a mínima”: Con- tística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) deixou
tinuou subindo. Aí deu o desespero, e o governo de de divulgar os elementos que colhe a respeito do custo
exceção então reinante resolveu usar um outro méto- de vida, alegando “motivos de ordem econômica”. O
do diferente: em lugar de apagar o incêndio, decidiu Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação
desligar o alarme que estava tocando. As medidas, Comercial de São Paulo, considerou os seus trabalhos
que fariam inveja a Goebbels, Ministro de Propaganda a respeito do assunto meros “exercícios estatísticos” e
de Hitler, foram as seguintes: os reserva para informação interna dos associados da
• proibir a divulgação de qualquer informação entidade.
que não a oficial; O emudecimento das fontes de informação outrora
• pressionar a FGV para manipular os índices, atuantes não é, porém, ocorrência registrada apenas
abaixando-os; em São Paulo. Em Belém, o Instituto de Desenvolvi-
• colocar em dúvida os critérios utilizados pela mento Econômico e Social do Pará (IDESP) vinha for-
FGV; necendo o índice mensal do custo de vida no Estado,
• transferir o cálculo dos índices para um órgão apesar do atraso que caracteriza o seu trabalho. A par-
do governo, onde pudesse ser exercido um tir de abril, esse índice passou a ter a sua distribuição
controle total (a FGV é um órgão privado); à imprensa proibida.
• proibir severamente críticas, comentários ou Na mesma página lia-se outra notícia: “Nos cálcu-
editoriais desfavoráveis à situação econômi- los do governo, a alta da carne não entra”, enquanto
co-financeira do país; na página 39 havia um ataque aos índices que, úteis
• interditar quaisquer comentário, transcrição, desde 1946, de repente não serviam mais:
entrevista, comparações e outras matérias re- Para a inflação, outros índices:
lativas à recessão econômica. O aumento do custo de vida não é o elemento prin-
Esse elenco de medidas fazia parte do “Plano cipal de que se vale o governo para medir a inflação
Secreto para coibir a Inflação”, entregue pelo Ministro (...) Roberto, da FGV, afirma que somente de uma for-
da Fazenda ao Presidente da República, cuja divul- ma bastante grosseira se pode apresentar o índice do
gação foi proibida através do Comunicado nº 5, de 18 custo de vida como medidor da inflação. “É a mesma
de janeiro de 1973, do Departamento de Censura da coisa que trabalhar com uma régua em que estão fal-
Polícia Federal, distribuído sigilosamente aos meios tando alguns traços”, diz ele.
de comunicação do país. Tratava-se evidentemente de argumento diversio-
Os efeitos logo se fizeram sentir. Vejamos algu- nista, já que a inflação que interessa à população é a
mas notícias publicadas na época. medida pelo IPC.

91
ECONOMIA BRASILEIRA

Delfim Netto, no mesmo artigo, chegou a declarar: bora o IPC oficial tivesse sido de 13,7% em 1973, seu
As diferenças nesses índices entre as grandes valor correto era 26,6%; o item “alimentação”, que era
capitais significam realmente muito pouco; a inflação de 16,4%, devia ser elevado para 41,4%. Terminava
global está decrescendo, lenta e seguramente, como seu “paper” sugerindo quatro possibilidades para con-
já afirmei. sertar a situação:
Desde 1970 já era patente que a inflação global • manter os critérios atuais de cálculo;
estava crescendo lenta e seguramente. Isto nos faz • transladar para nova origem (ou seja, passar
lembrar Orwell e seu “duplipensar”, quando afirma que, a calcular com base nos preços de mercado,
segundo o Grande Irmão: deixando o resto como está);
• publicar a série dos índices não manipulados,
Guerra é Paz
ao lado dos oficiais;
Liberdade é Escravidão
• corrigir todos os índices passados e eliminar os
Ignorância é Força.
adulterados.
Em outubro de 1974, uma outra notícia: Dessas quatro alternativas, Simonsen condenou
IBGE calculará os índices de preços a partir de as duas primeiras, sugeriu usar a terceira e considerou
1976. a quarta aceitável. Verificou-se, posteriormente, que
Este fato, anunciado pelo Presidente do IBGE e passou a vigorar a segunda opção.
desmentido por assessores do Ministro da Fazenda, já Desse modo, a FGV restabeleceu a verdade e a
se encontrava de fato definido desde maio deste ano, sua credibilidade perante a Nação, pois não tinha agido
quando o Presidente da República aprovou o plano. de má-fé. Teve, isto sim, que se submeter às enormes
Segue-se, depois, no mesmo artigo, uma série de pressões do governo, já que parte de seu orçamento
argumentos, para mostrar que é melhor calcular os vem de dotações federais.
índices pelo IBGE e não pela FGV, inclusive por que Infelizmente, não houve aí um “happy end”, mas
assim se acompanha “uma tendência aceita pelos pa- tão somente um “intermezzo”, como veremos.
íses desenvolvidos do Ocidente”. Nascia, deste modo, A partir de 1974, embora os índices da FGV te-
o índice mais manipulado do Brasil: o INPC. nham voltado a ser calculados corretamente, foi a vez
Mas a inflação “não deu bola” pra tudo isso e conti- da ORTN, que começou a ser corrigida para baixo (até
nuou subindo sem parar, a ponto de não mais ser pos- 1973 sua correção vinha acompanhando a inflação).
sível “tapar o sol com a peneira”. Comparemos os valores, notando a grande desin-
O caso só veio realmente a público em 1977, já em dexação (“perdas”) havida em 1979, 1980 e 1983:
pleno governo Geisel, através do “Relatório Secreto do
BIRD sobre a Economia Brasileira” (77), que afirmava, Ano 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83
textualmente:
ORTN
A figure of 22.5% for the rate of inflation in 1973 12,8 33,3 24,2 37,2 30,1 36,2 47,2 50,8 95,6 97,8 156,6
%
has been used instead of the official figure of 12,6%
(Um valor de 22,5% para a taxa de inflação em 1973 foi IGP % 15,7 34,5 29,4 46,3 38,8 40,8 77,2 110,2 95,2 99,7 211,0
utilizado em lugar do valor oficial de 12,6%).
Essa descoberta provocou um grande impacto, Perdas
2,6 0,9 4,2 6,6 6,7 3,4 20,4 39,4 (0,2) 1,0 21,2
%
causando enorme prejuízo moral e uma crise de credi-
bilidade tanto para o governo quanto para a FGV. Em 1979, com o segundo choque do petróleo (o
Na época era Ministro Mário Henrique Simonsen, primeiro foi em 1973, você se lembra de que já fala-
da FGV que, em vista do escândalo, procurou acon- mos dele?), este produto e seus derivados foram pra-
selhar o governo sobre como proceder. Em seu relató- ticamente excluídos do índice de Preços por Atacado,
rio “O problema inflacionário em 1974” (78), ele abriu não mais influindo direta e imediatamente no cálculo
o jogo, mostrando que o critério de manipulação tinha da inflação.
sido: usar os preços tabelados pelo governo, ao invés Com a inflação disparada desde 1970, um novo
dos preços de mercado (isto é, os preços realmente ataque de desespero acontece em 1983, quando se
pagos pelas donas-de-casa). Disse também que, em- repetem os episódios de 1973.

92
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL

Desta vez, todavia, não foi possível repetir as fa- considerou o momento muito grave e denunciou pres-
çanhas de 1973, pois a liberdade de imprensa já havia sões feitas pela SEPLAN: houve ameaças de todos os
sido reconquistada. Aliás, quanto a este aspecto da di- gêneros e espécies. A SEPLAN ameaçou até mesmo
tadura, em que o jornal O Estado de S. Paulo teve um retirar verbas da FGV. Creio que o objetivo disso tudo é
notável desempenho, à altura de suas tradições, vem transformar a FGV em IBGE, ou seja, numa instituição
bem a calhar um pensamento do Ministro do Supremo sem credibilidade. Absurdo.
Tribunal Federal, Aliomar Baleeiro: Resta saber, concluiu um diretor do DIEESE, se a
“A Liberdade não se recebe por mercê ou tolerân- sociedade se deixará enganar como agora, quando só
cia dos opressores. Há que merecê-la ou disputá-la. o índice falso passará a ser publicado mensalmente.
Sempre que houver almas de escravos, existirão voca- Isso é descrer de nossa inteligência.
ções de senhores.” O que deve ser contido é a inflação, não os índi-
Assim, para saber o que ocorreu na época, veja- ces.
mos as notícias da imprensa: O IBRE não aceita pedido de demissão de Cha-
Fev-1983: cel.
Diretor deixa o IBGE para não manipular INPC. A FGV conseguiu assim manter a sua seriedade
Governo tenta desde 1981 manipular INPC. nesse episódio, como se viu, se bem que a duras pe-
E o ministro pede confiança. nas. De resto, só serviu para reforçar a famosa frase
Jun-1983: atribuída a De Gaulle sobre o Brasil: “Ce n’est pas un
Governo já considera expurgo total. pays sérieux”.(Este não é um país sério.) (Diga-se de
Perícia prova expurgo já em 72. passagem que há quem afirme que De Gaulle jamais
Falta consenso para desindexar. disse isso, mas a frase “pegou”.)
Jul-1983: A redução dos índices de inflação para quase a
Economista denuncia presidente do IBGE. metade de seu valor real, em 1973, fez com que os tra-
A pressão, entrementes, não se fez sentir no IBGE balhadores acabassem por ter seus acréscimos sala-
apenas. Também a FGV “entrou na festa”. riais divididos por 2, já que a correção se dá com base
Set-1983: nesses índices.
FGV divulga última taxa real de inflação. Mas não somente os assalariados têm saído per-
Admitida a crise na FGV com omissão da taxa de dendo. Quem tem dinheiro depositado na caderneta de
inflação real. poupança, ou depende das ORTNs para algum reajus-
O IBRE tenta convencer Chacel a não se demitir. te, como aluguéis, por exemplo, também ficou prejudi-
(O IBRE é o responsável pela revista Conjuntura Eco- cado, não só em 1973, mas também em 79, 80 e 83,
nômica, que publica os índices mensais da inflação. O como se depreende do quadro das ORTNs versus IGP,
prof. Chacel é o seu diretor.) há pouco apresentado.
O que o povo tem a ver com os índices da FGV? Por essas e outras, os metalúrgicos resolveram en-
Reagiu Ikeda, da SEPLAN, ao ser indagado se não era trar na Justiça, para reaver as perdas derivadas do sutil
um engodo contra a sociedade a decisão do governo arrocho salarial sofrido em 1973.
de não mais divulgar o índice real de inflação, mas ape- A imprensa informa como vai o Processo:
nas o índice já expurgado. O reconhecimento, pela Justiça Federal em São
Após ressaltar que a taxa de inflação real é rele- Paulo, de que os índices relativos à inflação de 1973
vante, Simonsen disse que a FGV deve estabelecer foram rigorosamente fraudados -- o governo os reduziu
normas explícitas para a elaboração de seus índices, pela metade, baixando de 26,6% para 13,3% -- suscita
para não acentuar ainda mais o elemento risco no mer- algumas indagações que a SEPLAN ainda não se dig-
cado financeiro, provocador de distorções, que está nou responder.
levando os aplicadores a querer, cada vez mais, juros De certa maneira, o que menos interessa, no mo-
maiores, por saberem que a inflação é superior à taxa mento, é saber se a União vai ser obrigada a pagar a
expurgada. diferença salarial para os metalúrgicos que impetraram
Como usuário das informações prestadas pela a ação. Até porque os prejudicados são pobres, o caso
FGV, Beluzzo, professor de Economia da UNICAMP, pode ficar rolando durante muitos anos nos tribunais,

93
ECONOMIA BRASILEIRA

como observou muito bem o consultor jurídico do Pla- As palavras seguintes são do autor de uma carta à
nejamento. revista VEJA (22-2-84), o cartunista Paulo Caruso, do
Manipulações à parte, vez por outra também ocor- “Bar Brasil”, da revista SENHOR:
rem alguns enganos na divulgação dos índices: Fui surpreendido pelo comentário de amigos que
O índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) me avisaram ter sua revista publicado uma lista dos
acumulado nos últimos 12 meses, correspondente ao cartunistas preferidos do ministro Delfim Netto, entre
período de março de 1983 a fevereiro de 1984, é de os quais me incluía. Minha primeira pergunta, claro, foi
176,07% e não de 175,50%, segundo informou ontem saber onde é que eu havia errado. Ao ver a revista, me
o IBGE, retificando comunicação anterior, do último dia senti novamente aliviado, pois aquilo que o ministro tem
2. Com o novo índice acumulado, o reajuste anual dos exposto em seu gabinete não era um trabalho meu. Meu
aluguéis residenciais, em abril, será de 140,86% e não cartum foi devidamente ‘expurgado’ de seu significado,
de 140,40%. ganhando uma conotação sutilmente favorável ao mi-
Houve um erro de datilografia na hora de fazer o re- nistro. Para melhor informar a seus leitores, envio aqui
lease, na assessoria de imprensa”, assim o IBGE justi- a reprodução original do Bar Brasil como foi publicado
ficou a sua falha, atribuindo às datilógrafas um erro que na revista SENHOR. O desenho se referia ao afasta-
de fato é de exclusiva responsabilidade das pessoas mento recente e pronunciamentos revoltados do então
encarregadas de supervisionar o trabalho delas. E no presidente demissionário do Banco Central, Carlos Ge-
‘press-release’ de ontem, o IBGE voltou a errar: saiu raldo Langoni. Ministro, cuidado com as falsificações.
‘aunciado’ em vez de ‘anunciado’, no primeiro perído Paulo Caruso, São Paulo, SP.
(sic) da nota oficial em que o órgão se refere ao INPC Resposta de VEJA a essa carta:
anual correto. VEJA limitou-se a reproduzir o trabalho tal qual
Abrandada a tempestade, veio a bonança. Mas o existe na coleção do ministro, que por sua vez não é
mar continuava agitado. Pelo menos foi o que se viu responsável pelo ‘expurgo’ havido no desenho: ele o
com os índices de abril de 1984. recebeu assim de um amigo, que isolou uma parte do
Notícia de 27 de março de 1984: cartum e nele introduziu legendas inexistentes no ori-
Da sucursal de Brasília. O chefe da assessoria eco- ginal.
nômica do Ministério da Fazenda, Edésio Fernandes,
A história dos índices de inflação da FGV se di-
recebeu ontem a informação da FGV de que a taxa de
vide em sete fases:
inflação deste mês deve ficar mesmo abaixo de 10%, o
que, no seu entender, é um bom resultado em compa- • Primeiros passos: desde sua criação em
ração com a taxa de 12,3 % registrada em fevereiro. 1946 até 1964;
Notícia de 29 de março de 1984: • Consagração: de 65 a 72, quando oficializa-
Da sucursal do Rio. A taxa de inflação apurada dos;
pela FGV para o mês de março deverá ficar em 11,1%, • Atropelamento: de 73 a 76, sofrendo mani-
superando a expectativa das autoridades governamen- pulações e pressões do governo;
tais, que estavam calculando uma taxa máxima de • Reabilitação: de 77 a 82, voltando a ter
10%, como ponto de partida para o declínio da inflação sua imagem restaurada, embora com arra-
nos próximos meses. nhões;
Notícia de 30 de março de 1984: • Emboscada: em 83, quando o governo viu
A taxa de inflação do mês de março ficou mesmo que a fidedignidade dos índices da FGV es-
dentro das expectativas dos especialistas e das autori- tavam perturbando o INPC; ao tentar amor-
dades governamentais: 10,0% , sem expurgo, e 9,2% daçá-la, reagiu, pois ainda não se havia es-
com expurgo, de acordo com informação divulgada on- quecido de 73;
tem pela direção de pesquisas da FGV. • Liberdade vigiada: de 83 a 84 (controlada
Para terminar esta história dos índices, vem bem a pela SEST);
calhar o caso de mais um expurgo... em um cartum (91) • Destronamento: em 85, quando o índice ofi-
(92). Vale como epílogo. cial passou a ser o IPCA (atual IPC-IBGE).

94
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL

PRINCIPAIS INDICADORES DE Índice Nacional de Preços ao Consumidor


INFLAÇÃO NO BRASIL (INPC)
a) Instituição responsável: Instituto Brasileiro
Como já foi dito anteriormente, a longa experiência
de Geografia e Estatística (IBGE).
inflacionária brasileira contribuiu para o surgimento de
b) Universo da pesquisa: renda familiar de 1 a
vários indicadores de inflação. Alguns medem a evo-
8 salários mínimos.
lução dos preços para o consumidor enquanto outros
c) Período da coleta: primeiro ao último dia do
avaliam o comportamento dos preços no atacado. Além
mês de referência.
disso, eles se diferenciam quanto ao período de coleta
d) Área de cobertura: regiões metropolitanas
dos dados, à região de cobertura e à abrangência em
do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Hori-
termos de orçamento familiar.
zonte, Recife, São Paulo, Belém, Fortaleza,
 A escolha de um índice dependerá do objetivo pre-
Salvador, Curitiba, Distrito Federal e Goiâ-
tendido. Assim, se estamos analisando a capacidade
nia.
de compra dos salários, usaremos o índice de preço ao
e) Utilização: balizador de reajustes salariais.
consumidor; por outro lado, se os dados se referem a
todo o país, lançaremos mão de um índice com maior Índice de Preços ao Consumidor (IPC-Fipe)
abrangência. No caso de análises regionais, como por
a) Instituição responsável: Fundação Instituto
exemplo, o Município de São Paulo, podemos utilizar
de Pesquisas Econômicas da Faculdade de
indicadores locais como o IPC-Fipe ou o ICV-Dieese.
Economia e Administração da Universidade
No caso de querermos acompanhar mais de perto a
de São Paulo (Fipe/USP).
inflação, poderemos lançar mão de indicadores como
b) Universo da pesquisa: renda familiar de 1 a
o IGPM, que fornece dados a cada 10 dias, ou o IPC-
20 salários mínimos.
Fipe, que apresenta dados quadrissemanais.
c) Período de coleta: primeiro ao último dia do
Numa análise de preços relativa ao mercado inter-
mês de referência.
nacional, os índices mais indicados são aqueles que
d) Área de cobertura: cidade de São Paulo.
medem os preços no atacado, pois são mais sensíveis
e) Utilização: reajuste de contratos, deflaciona-
a fatores externos como a desvalorização da taxa de
mento de salários e utilização generalizada.
câmbio. A seguir, faremos uma síntese sobre os prin-
f) Observação: A Fipe divulga semanalmente
cipais indicadores de preços utilizados na economia
os dados sobre o índice (dados quadrisse-
brasileira:
manais), comparando as últimas quatro se-
manas em relação às quatro semanas ime-
Índice de Preços ao Consumidor Ampliado
diatamente anteriores, auferindo um índice
(IPCA)
mensalizado para cada semana do mês.
a) Instituição responsável: Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Índice de Custo de Vida (ICV-Dieese)
b) Universo da pesquisa: renda familiar de 1 a 40 a) Instituição responsável: Departamento In-
salários mínimos. tersindical de Estatística e Estudos Socioe-
c) Período da coleta: primeiro ao último dia do mês conômicos (Dieese).
de referência. b) Universo da pesquisa: renda familiar de 1 a
d) Área de cobertura: regiões metropolitanas do Rio 30 salários mínimos.
de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, c) Período da coleta: primeiro ao último dia do
São Paulo, Belém, Fortaleza, Salvador, Curitiba, mês de referência.
Distrito Federal e Goiânia. d) Área de cobertura: Município de São Pau-
e) Utilização: correção de balanços e demonstrações lo.
financeiras trimestrais e semestrais das compa- e) Utilização: acordos salariais e deflaciona-
nhias abertas. mentos de séries salariais.

95
ECONOMIA BRASILEIRA

Índice Geral de Preços (IGP) principais instituições que calculam o índice de preços
para a economia são: Fundação Getúlio Vargas (FGV),
a) Instituição responsável: Fundação Getúlio
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Vargas (FGV).
Fundação Instituto de Pesquisas Econômica (FIPE) e
b) Universo da pesquisa: Rio de Janeiro, São
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Paulo e 10 regiões.
Sócio-Econômicos (DIEESE).
c) Período de coleta: primeiro ao último dia do
mês de referência.
ATIVIDADES
d) Área de cobertura: de 1 a 33 salários mínimos
(inclui preços no atacado e construção civil). Redija um texto em que você responda à seguin-
e) Utilização: contratos. te questão: “Por que existem diferentes taxas de infla-
f) Observações: O IGP é uma composição de ção?”
três outros índices: Índice de Preços por Ata-
cado (60%), Índice de Preços ao Consumidor REFERÊNCIAS
(30%) e Índice Nacional da Construção Civil
(10%); o IGP é calculado em dois conceitos: no ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
conceito oferta global (OG) são consideradas a tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
produção interna e as importações; no concei- lo, São Paulo, 01 abr.1999.
to disponibilidade interna (DI), são excluídas as
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
exportações do conceito oferta global.
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
Índice Geral de Preços no Mercado (IGPM)
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
- É a mesma metodologia do IGP, mudando ape- econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
nas o período de coleta de dados, que é do dia 21 do ción Economia de la Universidad Nacional Autó-
mês anterior ao de referência até o dia 20 do mês de noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007
referência. FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
- São divulgadas prévias de 10 em 10 dias, que na Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
realidade, representam uma antecipação do IGP.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
Índice de Preços por Atacado (IPA) porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
a) Instituição responsável: Fundação Getúlio (Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Vargas (FGV) Janeiro: BNDES, 1999.
b) Universo da pesquisa: preços no atacado.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
c) Período de coleta: primeiro ao último dia do
Contemporânea. São Paulo, Atlas,2007.
mês de referência.
d) Área de cobertura: Brasil. JÚNIOR, João Netzling. www.cofecon.org.br/index.
e) Utilização: contratos. LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
f) Observações: O IPA é composto de 18 subín- tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
dices regionais em que o peso de cada mer- MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
cadoria é determinado por sua participação no porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
valor adicionado.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
RESUMO
SANDRONI, Paulo. Dicionáriode Economia. São
Foram apresentados nesta aula os principais índi- Paulo: Best Seller, 2002.
ces de preço do país. Descreveram-se suas principais SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
características como, por exemplo, metodologia, cálcu- temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
lo, abrangência geográfica e utilização. No Brasil, as 2007.

96
AULA 13 • MEDIDAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Equipe de pro-


fessores da USP. Manual de Economia. São Paulo:
Saraiva, 1998.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

97
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 14

A TEORIA DA INFLAÇAO INERCIAL

Objetivos
• Conhecer as características da inflação
como um problema crônico no Brasil.
• Compreender a teoria da inflação
inercial.
• Saber relacionar o mecanismo da
indexação com a teoria da inflação
inercial.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO devido a um aumento da demanda não acompanhado


pela oferta, e a inflação de custos, a qual pode ser
Terminamos a aula passada dizendo que a inflação considerada uma inflação de oferta, decorrente da ele-
no Brasil, a partir da década de 1970, assume carac- vação dos custos na economia.
terísticas diferentes dos períodos anteriores. Podemos No Brasil, a corrente de economistas ortodoxos
dizer que ela se diferencia das anteriores em pelo me- (monetaristas e fiscalistas) trabalha com o diagnósti-
nos dois aspectos: chega a 100% em 1982, atingindo o co de inflação de demanda. Porém, com o advento da
patamar de três dígitos e, pela primeira vez na história estagflação, as políticas ortodoxas perdem a popula-
da economia brasileira, ocorre simultaneamente infla- ridade, na medida em que aos custos sociais de sua
ção e recessão, fenômeno descrito como estagflação. aplicação não correspondiam os benefícios do sanea-
Vamos juntos tentar compreender mais essa “excentri- mento da inflação. Por isso surgiram naquele período
cidade” da economia brasileira? novos modelos de explicação da inflação brasileira,
assim como novas formas de combatê-la.
A INFLAÇÃO: UM PROBLEMA Os economistas ortodoxos (monetaristas) acredita-
CRÔNICO DA ECONOMIA vam que a causa principal da inflação era o desequi-
BRASILEIRA líbrio das contas públicas, pois os orçamentos (fiscal,
monetário e das estatais) da união, à exceção do fiscal,
Nas últimas décadas do século XX, a economia não exigiam aprovação do Congresso Nacional. Por-
brasileira foi assolada pela inflação, e só a partir de tanto o governo poderia gastar mais do que arrecada-
1993, com a implantação do Plano Real, é que o país va, lançando mão do recurso da emissão de moeda, já
conseguiu conter o processo inflacionário. que o Banco Central não era independente.
Em economias com hiperinflação (situação em que A expansão da base monetária, isto é, a emissão
a inflação é tão alta que a perda do poder aquisitivo de dinheiro sem lastro, inflacionava os meios de pa-
da moeda faz com que as pessoas abandonem aque- gamento; o lançamento de títulos públicos, para fazer
la moeda) a moeda perde suas funções de reserva de frente ao déficit, elevava as taxas de juros, induzindo à
valor, medida de valor e função intermediária de trocas. ciranda financeira. Esse fenômeno desviava o dinheiro
Em relação à primeira, a inflação corrói o valor da mo- do setor produtivo para a especulação, já que as taxas
eda anulando a sua utilização como estoque-reserva. de juros do mercado financeiro eram mais atraentes do
Assim, os agentes econômicos querem livrar-se dela que os lucros das empresas. Logo, a política econô-
trocando-a por outro tipo de ativo mais seguro protegido mica recomendada pelos ortodoxos era a austeridade
por correção monetária ou imóveis. Quanto à segunda total nas contas públicas, ou seja, saneamento do or-
função - medida de valor – ela deixa de prevalecer, e os çamento público. Os cortes nas despesas do governo
agentes econômicos procuram substituir a moeda cor- significavam menos dinheiro para investimento e cus-
rente por outros indicadores de valor como a TR ou até teio, de forma que se deprimiam as atividades produti-
mesmo outra moeda como o dólar. No terceiro caso, a vas e aumentavam as taxas de desemprego. Portanto,
moeda deixa de ser aceita como meio de pagamento, tais medidas se tornaram bastante impopulares, e foi
como aconteceu na Argentina quando o país dolarizou necessário que se buscassem outras alternativas para
a economia. No caso do Brasil, os dois primeiros fenô- conter o processo inflacionário.
menos foram uma constante na economia a partir da
década de 1980, o que conferiu o caráter de cronicida- A TEORIA DA INFLAÇÃO
de à inflação no país, isto é, caracteriza o Brasil como
INERCIAL
país de inflação crônica.
É importante ressaltar que, na medida em que a A ineficácia das políticas ortodoxas vai incentivar o
moeda perde suas funções, a sua velocidade de cir- surgimento de teorias não alinhadas a esse pensamen-
culação aumenta, ou seja, ninguém quer reter moeda, to, ou seja, das análises estruturalistas e inercialistas,
pois o seu valor diminui a cada momento. que têm como principais pressupostos o alto grau de in-
Se levarmos em conta as suas causas, temos dois dexação da economia brasileira e o caráter oligopolista
tipos de inflação: a inflação de demanda, que ocorre do mercado. Em conseqüência, as principais proposi-

100
AULA 14 • A TEORIA DA INFLAÇAO INERCIAL

ções dessa corrente de pensamento eram a extinção mantenedores, ou seja, a inércia da inflação era conse-
da correção monetária e o congelamento dos preços. qüência da luta dos agentes econômicos para manter
Entre os autores dessa teoria, destaca-se Luiz a sua participação na renda e para isso repassavam
Carlos Bresser Pereira, que se inspirou nas idéias de aumentos de custos para os preços, indexando de ma-
Ignácio Rangel, autor do livro A Inflação Brasileira, pu- neira informal seus preços.
blicado em 1963, o qual trazia idéias revolucionárias Veja a seguir uma entrevista de Luiz Carlos Bresser
sobre a inflação no Brasil. Abaixo, uma interpretação – um dos autores da teoria da Inflação Inercial – dada
do pensamento de Rangel, elaborada por Rego e Mar- ao repórter Ivan Martins, da revista “IstoÉ – Dinheiro”.
ques, sobre a inflação brasileira:
Rangel via a inflação como um meca- Luiz Carlos Bresser-Pereira tem história na vida
nismo de defesa da economia, como
uma forma por meio da qual os ciclos econômica brasileira. Três vezes foi ministro de
econômicos eram moderados e a taxa Estado, por 20 anos foi diretor administrativo do
de investimento se mantinha elevada. grupo Pão de Açúcar e desde sempre leciona e
Enquanto a teoria convencional da infla-
ção, monetarista ou keynesiana, supõe publica proficuamente, na condição de economis-
que a inflação seja, em princípio, de de- ta. Nos últimos dias, o peso desse currículo foi
manda, acelerando-se nos momentos lançado em defesa de uma tese – a redução dos
de expansão da economia, Rangel dava
ênfase ao lado da oferta e considerava
juros – e de um conceito – o da inflação inercial.
a inflação brasileira não como uma con- Bresser acredita que esse tipo de inflação, tipica-
seqüência da demanda em ascensão, mente brasileira, não é causado pela demanda,
mas como resultado dos desequilíbrios mas sim, pela indexação. E não pode ser derrota-
da economia, que se manifestavam por
meio da recessão e da própria inflação. da pelos juros que o Banco Central está impondo
Além disso, acreditava que o poder de ao País. “A idéia de destruir a inércia inflacionária
monopólio das grandes empresas, e par- pela recessão é inútil e dolorosa”, diz o intelectu-
ticularmente dos grandes intermediários
de bens agrícolas, representava um pa- al tucano. Crítico feroz do pensamento único na
pel fundamental na explicação do proble- economia, Bresser lança sobre o governo Lula a
ma. A inflação se acelerava na recessão pior ofensa do seu vocabulário teórico. “Voltamos
para acomodar as demandas dos agen-
tes econômicos, principalmente daqueles
à política do Malan”, diz ele. “E os resultados se-
com poder monopolista, que relutavam rão os mesmos, desastrosos.” Ele acredita que o
em aceitar uma diminuição de sua renda. governo está atemorizado e que, em sua busca
Dessa forma, e ao contrário do que pro- de credibilidade junto ao mercado, poderá afun-
põe a teoria econômica convencional, a
inflação, para Rangel, acelerava-se nos dar o País na estagnação. A saída? Desindexar,
momentos de crise e reduzia seu ritmo atuar sobre o câmbio, romper com a ortodoxia do
quando a economia voltava a crescer. pensamento único: “Pouca gente tem coragem de
(REGO e MARQUES, 2001.)
falar essas coisas porque a chance de ser estig-
Além do fenômeno da estagflação, previsto por matizado como irresponsável ou populista é muito
Rangel, pôde-se observar uma outra característica pe- grande”. Na segunda-feira passada, em seu vas-
culiar à inflação brasileira, que era a estabilidade da to e elegante escritório, o professor da Fundação
inflação em determinados níveis. Esse fato não encon- Getúlio Vargas falou à DINHEIRO o que segue:
trava explicação satisfatória em nenhuma teoria vigen- DINHEIRO – O sr. está desapontado com a po-
te. Assim, ganhava força a tese de que a inflação não lítica econômica?
estava relacionada com o nível da atividade econômi- BRESSER – Embora eu tenha votado em José
ca. Em outras palavras, a inércia da inflação era conse- Serra, tive esperança de que o Lula fosse mu-
qüência da luta dos agentes econômicos para manter a dar de forma decisiva a política econômica. Mas
sua participação na renda. agora, entrando no sexto mês de governo, não
A evolução da teoria da inflação inercial está dire- vejo mudança nenhuma. A política econômica é
tamente ligada à publicação de um artigo de Bresser a mesma de Pedro Malan: aquela recomendada
e Nakano (1983) no qual distinguem os fatores ace- por Washington e Nova York, aquela que agrada
leradores, mantenedores e sancionadores da inflação. ao sistema financeiro internacional, aquela que
A grande inovação estava na descoberta dos fatores

101
ECONOMIA BRASILEIRA

tem mantido o Brasil semi-estagnado desde o go- combate à inflação, profundamente irracional no
verno Fernando Collor. caso da economia brasileira. O próprio Banco
Central tem dito que estamos lidando com uma
DINHEIRO – Lula tem pedido paciência...
inflação inercial, causada pela desvalorização de
BRESSER – Pois é. Em fevereiro eu escrevi um 2002. Os efeitos dessa desvalorização se esgota-
artigo dizendo que Lula não estava traindo nin- ram, mas ficou um resíduo e tudo indica que te-
guém, que dar continuidade às políticas de Fer- mos hoje uma inflação inercial de 10% ou 11%.
nando Henrique era inevitável pelas circunstân-
DINHEIRO – Mas por que essa inflação inercial
cias. Eu dizia que antes de o dólar cair a R$ 3,20 resiste em um ambiente de desemprego eleva-
e de o risco Brasil ficar abaixo de 1.000 pontos, do e recessão?
não se podia mudar a política macroeconômica. E
havia também a crise do Iraque. Era natural que BRESSER – Porque é assim que ela funciona.
se tentasse recuperar a confiança. Mas essas Ela persiste apesar da estagnação e da reces-
coisas todas ficaram para trás e mesmo assim são, apesar da falta de demanda. Já se sabe
não se mudou nada. Pelo contrário. O que a crise desde meados dos anos 80 que nesse tipo de
ambiente inflacionário as políticas de conten-
havia produzido de bom – a elevação do câmbio
ção de demanda e de juros elevados são to-
para R$ 3,50 por dólar – foi destruído. Voltamos à
talmente ineficazes. A única forma de acabar
política macroeconômica do governo Malan.
com a inflação inercial é desindexar. Acabamos
DINHEIRO – Como o sr. descreve essa políti- com a inflação em 1994 sem recessão, através da
ca? URV. Ela foi o mecanismo desindexador.
BRESSER – É simples: juro alto, câmbio baixo e DINHEIRO – Mas alguém poderia sugerir que
dependência da poupança externa. Mas o fato é desde então a inflação brasileira mudou, que
que só é possível um país se desenvolver se tiver ela hoje é de um tipo mais ortodoxo...
câmbio alto e juro baixo.
BRESSER – Poderia, mas a diretoria do Banco
DINHEIRO – O sr. acha mesmo que está se Central está dizendo que a inflação é inercial, e
repetindo o Malan? Afinal, há resultados posi- que por isso as taxas de juros têm de ser eleva-
tivos... das. Quando fazem esse tipo de afirmação, eles
demonstram enorme incompetência. Chega a ser
BRESSER – A política é igual no método, e os
patético. Se dissessem que a inflação é de de-
resultados serão igualmente desastrosos. Ma- manda estaria errado, mas haveria lógica. Mas
lan nos manteve semi-estagnados por oito anos dizer que a inflação é inercial e propor o juro ele-
e nos levou a duas crises de balanço de paga- vado como solução é totalmente absurdo.
mentos, uma em 1998 e outra em 2002. Malan
dizia que fazia tudo isso em nome da estabilidade DINHEIRO – Qual é a maneira de combater a
macroeconômica, mas o fato é que estabilidade é inflação inercial?
mais do que simples estabilidade de preços – en- BRESSER – A maneira de lidar com a inflação
volve também déficit público sob controle, déficit inercial é desindexando. O presidente Lula, que
em conta corrente controlado e razoável pleno está com 80% de aprovação popular, deveria es-
emprego. Sem isso não há desenvolvimento. tar com toda a sua equipe convencendo os tra-
Reduzir a estabilidade macroeconômica apenas balhadores e os empresários a não indexarem
à estabilidade de preços é uma forma vesga de os seus salários. E se isso não for viável, teriam
olhar a realidade. E provoca desastre. de encontrar mecanismos que impedissem a in-
dexação, porque ela é desastrosa para a eco-
DINHEIRO – Mas mesmo os economistas que
nomia brasileira. Este ano já tivemos o segundo
discordam do atual patamar de juro dizem que
estágio da inercialização da economia, que foi a
ele vai reduzir a inflação.
indexação dos salários. Segundo o Dieese, dos
BRESSER – Pois eu afirmo que não. Eu digo que 27 acordos que houve nos últimos quatro meses
essa é uma política profundamente ineficiente de quase todos foram com INPC pleno. Os trabalha-

102
AULA 14 • A TEORIA DA INFLAÇAO INERCIAL

dores indexaram seus salários com apoio dos em- BRESSER – Não muito. Um problema que
presários. Esse é um fator fundamental de inflação têm os partidos de esquerda quando che-
inercial e tem de ser combatido. A idéia de destruir gam ao governo é que eles se sentem
a inércia pela recessão é inútil e dolorosa. inseguros e ameaçados. Eles mesmos precisam
de credibilidade. E isso acaba sendo sinônimo
DINHEIRO – Mas a queda da inflação registra-
de fazer tudo que a direita, o poder ou o esta-
da nos últimos indicadores não mostra que o
blishment desejam. É isso que está acontecendo.
remédio está funcionando?
Mas eu não perdi a esperança. O Lula é sério,
BRESSER – De forma nenhuma. A política Hi- responsável, preocupado com o interesse públi-
roshima e Nagasaki que o Banco Central está co. Esse tipo de política que está sendo adota-
usando não funciona. A inflação está caindo por- do é totalmente incompatível com o que Lula é.
que a bolha causada pela desvalorização de 2002 Se o debate público continuar, mais cedo ou mais
está acabando. Se não houvesse inércia nenhu- tarde o presidente muda essa política. Com ela o
ma, a inflação cairia para 2% ou 3%. Mas como Brasil não liquida a inflação e nem retoma o de-
há inércia, e os reajustes salariais estão sendo senvolvimento.
dados, a inflação vai se estabilizar em torno de DINHEIRO – Mas o governo diz que o País está
10% ou 11%. Não cai abaixo disso porque é iner- no limiar de um círculo virtuoso...
cial. A política de destruição em massa do BC não
está dando resultado nenhum. BRESSER – Estamos quase lá, não é? De re-
pente a taxa de juro vai começar a cair, o câmbio
DINHEIRO – Como se explica que o BC ignore vai subir um pouco, os investimentos vão retornar
algo tão óbvio? e o País vai crescer enormemente. Mas isso é
BRESSER – Porque a teoria da inflação inercial uma tolice imensa. Nós estamos em uma armadi-
é brasileira e nunca foi aceita em Washington e lha perversa de juros altos e câmbio baixo. O País
Nova York. E mesmo no Brasil muita gente não não sai dela se não tiver muita determinação e
entendeu direito. E agora o governo está tentando muita coragem. O mercado não tem mecanismos
obter credibilidade junto aos mercados financei- automáticos que permitam sair dessa situação.
ros internacionais e eles têm uma teoria errada Sem dúvida terá de haver uma ruptura.
sobre a inflação brasileira. O governo acaba fa- DINHEIRO – Mas é possível romper?
zendo errado porque está pensando com a ca-
BRESSER – Eu lembro que durante a campa-
beça do FMI, do Tesouro americano e do sistema
nha um importante líder do PSDB me dizia: “Não
financeiro internacional.
tem alternativa. A saída ortodoxa é a única que os
DINHEIRO – Mas credibilidade é importante. nossos credores aceitam”. Mas a subserviência
BRESSER – Credibilidade é importante, mas implícita nessa frase não compreende a lógica
não a qualquer custo. Nos últimos 10 ou 15 anos do mercado financeiro. Ele não é dogmático. Se
criou-se em Washington a teoria de que países você faz o que é certo, se a coisa começa a dar
como o Brasil só poderiam se desenvolver com certo, o mercado muda de posição com rapidez.
O Plano Real foi feito a despeito das opiniões do
poupança externa. Isso é uma tolice, mas virou
mercado. Deu certo e ele aplaudiu. A desvalori-
um axioma. Aí vêm os nossos financiadores e
zação cambial de janeiro de 1999 foi feita contra
nos dizem: para ter acesso à poupança externa é
a opinião dele, mas quando deu certo o mercado
preciso ter credibilidade, e para ter credibilidade é
bateu palma.
preciso fazer tudo aquilo que nós sugerimos: ju-
ros altos, âncoras cambiais... Isso é uma loucura. DINHEIRO – Nesse contexto de estagnação e
Isso é falta de juízo. Administramos a nossa eco- ortodoxia, como ficam as promessas de cresci-
nomia com a cabeça mal informada dos outros. mento do presidente Lula?
DINHEIRO – Não o surpreende que o PT faça BRESSER – Acho que uma parte do PT acre-
esse papel? dita que a política industrial ou de financiamento

103
ECONOMIA BRASILEIRA

variação do INPC (Índice Nacional de Preços ao Con-


vai produzir crescimento, a despeito da política sumidor). Esses mecanismos de indexação podem ser
macroeconômica. Mas isso é uma ilusão, porque formais ou informais. Os formais são aqueles que atre-
só existe crescimento quando há investimento lam os preços do presente à inflação passada, ou seja,
e só há investimento quando a taxa de juros é
os preços são reajustados pela inflação ocorrida no pe-
baixa. Sem investimento não há desenvolvimento
ríodo. Os mecanismos informais de indexação ocorrem
nenhum, não adianta fazer política industrial ou
quando os agentes econômicos aumentam os preços
tecnológica. Mas eu não acho que o Lula acredita
nessa ilusão. Vejo uma insatisfação com a taxa porque os outros também o fizeram.
de juro, mas ele está mal informado e não vê al- Em síntese, a teoria da inflação inercial parte do
ternativa. pressuposto de que a inflação se transforma em uma
“tendência”, isto é, com o passar do tempo ela adquire
DINHEIRO – O vice-presidente está certo?
autonomia, fazendo com que a inflação do período pas-
BRESSER – Quando o PT foi eleito, eu disse que sado determine a inflação atual, que por sua vez deter-
o governo do Lula poderia restabelecer o pacto minará a inflação futura e assim sucessivamente. Esse
dos trabalhadores com os industriais brasileiros. comportamento está relacionado com os mecanismos
Previ que se faria uma grande aliança positiva.
de indexação – correção monetária de preços, salário,
Mas essa política atual do BC e da Fazenda está
câmbio e ativos financeiros.
inviabilizando isso. E o José Alencar reflete a frus-
É a partir desse diagnóstico da inflação brasileira
tração. Ele fala pelos empresários industriais. Isso
não me escandaliza em absoluto. que serão propostas novas formas de conter o proces-
so inflacionário. Nesse sentido, os economistas Lara
DINHEIRO – E o câmbio? Rezende e Pérsio Arida propõem uma estratégia de
BRESSER – Ele é o preço mais importante da combate à inflação denominada de choque heterodo-
economia. Qualquer país que se preze administra xo, que se divide em duas propostas básicas: o con-
sua taxa de câmbio. Até os EUA fazem isso. Os gelamento de preços e a indexação da moeda. A partir
países que se desenvolveram no século XX tive- dessas propostas é que foi elaborado o Plano Cruza-
ram taxas de câmbio desvalorizadas e administra- do.
das. Durante a eleição o Lula defendeu a idéia de
que o governo do PT pensaria estrategicamente o RESUMO
desenvolvimento do País. Para fazer isso tem de
pensar em primeiro lugar na taxa de câmbio. Mas A partir de 1984, a grande prioridade da política
para isso você não pode ter completa mobilidade econômica no Brasil era o controle da inflação. Apesar
de capitais. Quando o mercado começa a se entu- de o ajuste fiscal de 1983 ter quase zerado o déficit
siasmar com você, você tem de impedir a entrada público, os preços continuavam a subir. Os monetaris-
de capitais, como fez o Chile. Assim o câmbio não tas não conseguiam explicar esse fato, que recebeu o
se valoriza. É irresponsabilidade deixar a taxa de
nome de estagflação. Foram os economista neo-estru-
câmbio ao sabor do mercado. (IstoÉ – Dinheiro,
turalistas que elaboraram uma nova teoria para explicar
16 jun. 2003.)
a resistência da inflação brasileira diante das medidas
econômicas ortodoxas. Essa teoria recebeu o nome
Neste ponto, é necessário entender muito bem o de “Teoria da Inflação Autônoma ou Inercial”. É com os
que é indexação e o que significam os mecanismos de pressupostos dessa nova concepção que os planos de
indexação. Então vamos lá? estabilização colocados em prática, a partir de então,
vão ser orientados.
O MECANISMO DA INDEXAÇÃO
ATIVIDADES
Indexação é um mecanismo de política econômica
pelo qual as obrigações monetárias têm seus valores 1. Por que a inflação se tornou um problema crônico
em dinheiro corrigidos com base em índices oficiais do no Brasil?
governo. No Brasil, por exemplo, os salários, pensões 2. Defina inflação de demanda e inflação de custos.
e aluguéis residenciais eram corrigidos em função da 3. O que vem a ser estagflação?

104
AULA 14 • A TEORIA DA INFLAÇAO INERCIAL

4. Explique a teoria da inflação inercial.


5. O que é indexação e qual a sua relação com a teo-
ria da inflação inercial?

REFERÊNCIAS
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tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
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temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
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VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

105
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 15

POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO: PLANO CRUZADO,


PLANO BRESSER E PLANO VERÃO

Objetivos
• Entender as características dos planos
Cruzado, Bresser e Verão.
• Conhecer os principais motivos do
fracasso do Plano Cruzado.
• Conhecer as causas do fracasso dos
planos Bresser e Verão.
ECONOMIA BRASILEIRA

A política econômica brasileira colocada em prática Um ponto freqüentemente levantado é


que o Plano Cruzado não continha nenhu-
na década de 1980 teve como principal objetivo o com-
ma regra ou metas para a política fiscal e
bate à inflação. A partir de 1985 foi implementada uma monetária. Assim, a monetização exces-
série de planos econômicos, intercalados por medidas siva, com taxas de juros extremamente
baixas, e a persistência de problemas fis-
ortodoxas e heterodoxas, através de políticas recessi- cais foram, segundo muitos, os principais
vas e de rendas, sucessivamente. problemas do plano. A ampla redução nas
taxas de juros, a existência de uma série
de preços defasados e a ampliação do
O PLANO CRUZADO crédito teriam levado a um crescimento
exagerado da demanda, tanto para fins
A concepção do Plano Cruzado se baseava na de consumo como para formação e es-
extinção da correção monetária, como mecanismo de peculação com estoques, provocando um
quadro generalizado de falta de produtos.
defesa de preços e no congelamento dos preços. Im- O aquecimento econômico em uma situ-
plementado em fevereiro de 1986, tinha com principal ação de câmbio valorizado e de falta de
produtos forçou o recurso às importações
objetivo baixar a taxa de inflação, criando uma nova que, associado ao desestímulo às expor-
moeda estável que eliminasse a memória inflacionária, tações, levou à deterioração da balança
sem comprometer as metas de crescimento da econo- comercial. (GREMAUD,1997, p.235)
mia. Visando a consecução desse objetivo foram toma- Para evitar os problemas descritos acima, era ne-
das as seguintes medidas: cessário um ajuste nas contas do governo, um estabe-
- criação de uma nova moeda, o cruzado; lecimento de prazos para o congelamento de preços
- extinção do cruzeiro; e a contenção da demanda através da diminuição do
- extinção da correção monetária generalizada, déficit fiscal e um aumento das taxas de juros. Sem a
mantendo-se indexados apenas os depósitos complementação dessas medidas, o Plano Cruzado se
de poupança; reduziu a um mero congelamento de preços para aca-
- congelamento total de tarifas e preços públicos bar com a inércia inflacionária, de forma que ele assu-
e privados; me um lugar de passividade em relação aos problemas
- fixidez cambial (a taxa de câmbio foi fixada no estruturais da economia brasileira.
nível em que estava em 27 de fevereiro);
- sincronização dos reajustes de salários, corri- MOTIVOS DO FRACASSO DO PLANO
gidos para o seu poder aquisitivo médio dos CRUZADO
últimos seis meses. Além disso, foi introduzido Segundo Lopes e Rossetti,
o “gatilho salarial” que seria acionado toda vez
o que mais comprometeu o plano foi o
que a inflação atingisse 20%. imprevidente alongamento do congela-
mento de preços, que criou dificuldades
Após a aplicação desse conjunto de medidas, a para que os mercados se acomodassem
inflação cai imediatamente e o congelamento de pre- às pressões da demanda através da ele-
ços é muito bem sucedido devido ao amplo apoio po- vação de preços, ou para que corrigissem
o desalinhamento na estrutura dos preços
pular constatado pelos chamados “fiscais do Sarney”. relativos, que já existia por ocasião da de-
Assim, mais tarde, o congelamento vai se transformar cretação do plano. (LOPES e ROSSETI,
1988)
num trunfo político para o governo, já que se tratava de
ano eleitoral. O custo da manutenção do congelamento de preços
É importante observar que, para a política fiscal e pelo governo foi o sucateamento das empresas esta-
monetária, não foram tomadas medidas necessárias à tais, o desequilíbrio das contas externas e das finanças
complementação do plano. Na visão dos condutores públicas. Somado ao congelamento das taxas de câm-
do plano, a oferta monetária acompanharia a demanda bio, tem-se uma grande sangria das reservas, de forma
por moeda, a qual por sua vez seria regulada pela taxa que houve uma enorme dificuldade de pagamento da
de juros. Em relação à política fiscal, acreditava-se que dívida externa. Com esse cenário, o governo teria que
a reforma fiscal feita em dezembro de 1985 fosse sufi- optar entre desacelerar o crescimento econômico ou
ciente para sanear o déficit operacional Nesse sentido, desistir do congelamento. Como essas medidas eram
Gremaud (1997) afirma que: bastante impopulares e as eleições se aproximavam,

108
AULA 15 • POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO: PLANO CRUZADO, PLANO BRESSER E PLANO VERÃO

o governo as adiou. Assim, logo depois das eleições, governo. Para tanto, adotaram-se o congelamento de
são lançados “pacotes” fiscais na tentativa de contor- empréstimos para o setor público e a contenção sala-
nar os problemas, através da contenção da demanda e rial. O descontrole fiscal e monetário, juntamente com
do controle do déficit público. Porém, as medidas foram a falta de rumos e o imobilismo do Governo Sarney,
inócuas na tentativa de corrigir as distorções conjuntu- fizeram com que a inflação voltasse a se acelerar, res-
rais. O resultado foi o recrudescimento e exacerbação suscitando o “fantasma” da hiperinflação.
da inflação e a desaceleração do crescimento. Agora, vejamos. Ao analisar a implementação da-
Em conseqüência da crise instalada, somada às queles planos econômicos, podemos observar que a
dificuldades na balança de pagamentos, o país declara duração do sucesso de cada um foi se reduzindo na
moratória aos credores internacionais em fevereiro de medida em que iam sendo reeditados. Esse fato está
1987. relacionado à falta de credibilidade dos agentes econô-
micos em relação à eficácia das suas medidas, pois,
O PLANO BRESER com o passar do tempo, retornam os velhos problemas,
como a indexação da economia, a deterioração das
Em abril de 1987, o então ministro Dílson Funaro
condições de financiamento e o déficit público.
foi substituído por Bresser Pereira no Ministério da Fa-
zenda. Bresser lança, no mês de junho, um plano de
CAUSAS DO FRACASSO DOS
estabilização econômica chamado de Plano Bresser.
Esse plano misturava elementos ortodoxos com hete-
PLANOS BRESSER E VERÃO
rodoxos e tinha como principal objetivo não mais erra- Um dos motivos apontados para o fracasso dos
dicar a inflação, mas apenas controlar os índices para planos Bresser e Verão foi a baixa credibilidade da po-
evitar a hiperinflação. Suas principais medidas foram: pulação em relação a eles. Assim, apesar da adoção
- congelamento de preços e salários por três de um novo congelamento, os empresários aumenta-
meses; ram os preços de produtos já defasados antes do con-
- desvalorização cambial; gelamento, o que causou pressões inflacionárias.
- mudança da base do Índice de Preços ao Con- Os planos Bresser e Verão não conseguiram estabi-
sumidor (IPC); lizar os preços. Em 1989 a inflação ficou completamen-
- introdução de uma tablita para ser aplicada aos te fora de controle e o déficit do governo aumentou. O
contratos pós-fixados; novo patamar inflacionário tornava evidente o fracasso
- criação da Unidade de Referência de Preços da política “feijão com arroz” e reacendia discussões
(URP) para correção dos salários. acerca da desindexação, e ainda da adoção de uma
Foi feita uma tentativa de adotar uma política mo- reforma monetária que instituísse a OTN como moeda
netária e fiscal ativa com o objetivo de reduzir o déficit legal. A nova Constituição promulgada em outubro de
público e futuramente empreender a independência do 1988 aumentou a vulnerabilidade do governo central.
Banco Central, porém a fragilidade das medidas impe- Fez-se um pacto social entre governo, empresários e
diu que se cumprissem os objetivos. trabalhadores que contribuiu para conter apenas tem-
Em dezembro de 1987, Bresser pede demissão, e porariamente a ameaça da hiperinflação. O pacto não
Maílson da Nóbrega assume o Ministério. (Você deve foi bem sucedido e as taxas de inflação registradas
estar percebendo que essa foi uma época de verdadei- em novembro e dezembro foram respectivamente de
ra ciranda de ministros.) 26,9% e 28,8% ao mês. No final de 1988, a economia
parecia novamente se encontrar no limiar da hiperin-
O PLANO VERÃO flação.

Este ministro colocou em ação o chamado Plano


RESUMO
Verão. A política econômica implementada pelo Plano
Verão foi denominada de política do feijão-com-arroz, Entre 1986 e 1989, o Brasil viveu diferentes expe-
pelo fato de ser tímida, gradual e pouco intervencionis- riências inflacionárias. Nesse período, o país passou
ta. Os seus objetivos giravam em torno da estabiliza- por quatro programas fracassados de estabilização,
ção da inflação e do controle do déficit operacional do tais como o Cruzado I, Cruzado II, Bresser e Verão. A

109
ECONOMIA BRASILEIRA

economia sofreu um processo crescente de indexação VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
e esteve à beira da hiperinflação em 1990, final do go- nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
verno Sarney. Atlas, 2003.

ATIVIDADES
1. Aponte e explique as principais medidas de comba-
te à inflação implementadas pelo Plano Cruzado.
2. Aponte os principais motivos que explicam o fra-
casso do Plano Cruzado.
3. Por que os planos Bresser e Verão também falha-
ram na tentativa de conter a inflação?

REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
lo, São Paulo, 01 abr.1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
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FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
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LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
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PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionáriode Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
2007.

110
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 16

O PLANO COLLOR

Objetivos
• Compreender as reformas institucionais
implementadas pelo Plano Collor I.
• Conhecer as características do Plano
Collor II.
• Analisar as críticas feitas aos planos
Collor.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO A Reforma Fiscal


Naquele período, o déficit fiscal era da ordem de
Após o fracasso das tentativas de estabilização da
6,9% do PIB, o Estado era ineficiente e concedia exces-
economia, o governo Sarney mergulha num verdadeiro
siva proteção à produção doméstica. Nesse sentido, o
caos político e econômico. Não havia mais credibilidade
objetivo era promover um ajuste fiscal em torno de 10%
por parte do povo nem sustentação política ao governo.
do PIB, visando um superávit de 2%. Tal ajuste seria
É nesse contexto que Fernando Collor de Mello assume
baseado na redução do custo de rolagem da dívida pú-
a presidência da República em 15 de março de 1990,
blica, suspensão dos subsídios, incentivos fiscais e isen-
anunciando um novo plano de estabilização econômica.
Assim, o governo Collor, apesar de breve, dará início a ções. Por outro lado, o governo pretendia ampliar a base
uma série de medidas que causarão grande impacto na tributária através da incorporação dos ganhos do setor
economia brasileira. exportador, da agricultura e dos ganhos de capital nas
bolsas, na tributação das grandes fortunas e instituição
O PLANO COLLOR I E AS do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre
estoques de ativos financeiros. Além disso, instituiu-se
REFORMAS INSTITUCIONAIS
o fim do anonimato fiscal, através da proibição dos che-
O principal objetivo desse Plano I era romper com ques e das ações ao portador.
a indexação da economia. Para tanto foi adotado um
conjunto de medidas que se compunha de três tipos de A Reforma Administrativa
reformas: monetária, fiscal e administrativa. Uma das medidas mais polêmicas do Plano Collor
foi o programa de privatizações colocado em prática
A reforma monetária
através da reforma administrativa, o qual discutiremos
O conteúdo da reforma monetária foi pensado tendo com mais detalhes no item “reestruturação produtiva”.
como principal meta uma drástica redução da liquidez Ainda na reforma administrativa, foram implementados
da economia através do bloqueio de quase metade dos melhores métodos de fiscalização e de arrecadação
depósitos a vista, 80% das aplicações financeiras e cer- para diminuir a sonegação e as fraudes, tanto tributárias
ca de um terço dos depósitos de poupança, o que totali- quanto previdenciárias; também se intensificou o contro-
zava US$ 110 bilhões. A intenção por trás dessa medida le sobre os bancos estaduais. Todas essas medidas vi-
era evitar pressões de consumo sobre a inflação e de- savam aumentar a eficiência da administração do setor
volver ao Banco Central a capacidade de fazer política público e reduzir os gastos.
econômica. Parece complicado? Vou explicar melhor: Como resultado dessas medidas, verificou-se que a
alguns de vocês devem se lembrar dos “saques” das inflação caiu de 84% para cerca de 10% em maio de
poupanças feito pelo governo Collor. Pois bem, foram 1990, mas ela voltou a subir, atingindo 20% em janeiro
bloqueadas todas as aplicações acima de cinqüenta mil de 1991. Em função da reforma administrativa, houve
cruzados por um prazo de 18 meses. Com isso a so- o fechamento de inúmeros órgãos públicos, com a de-
ciedade, sem o dinheiro, consumia menos, diminuindo
missão de um grande número de funcionários. As medi-
a demanda e automaticamente os preços, e o dinheiro
das tomadas no âmbito fiscal levaram a um aumento da
bloqueado nas mãos do governo ficaria à disposição do
receita do Estado e, em conseqüência, a um superávit
Banco Central.
operacional de 1,2% do PIB em 1990. Porém, dado o
O efeito dessas medidas foi desastroso para a eco-
caráter provisório do ajuste, os efeitos não foram muito
nomia brasileira, levando a uma desestruturação do sis-
duradouros, pois já em 1991 o superávit primário redu-
tema produtivo. Com menos dinheiro circulando no mer-
ziu-se à metade. Pode-se dizer, portanto, que os resul-
cado e, conseqüentemente, com a retração da demanda,
tados não foram alcançados.
diminuíam as encomendas, o que freava a produção e
levava às demissões, férias coletivas, à redução de sa-
O PLANO COLLOR II
lários, etc. Assim, o impacto da interferência do governo
no mercado monetário gerou grandes problemas para a Com a aceleração inflacionária, o governo decide
economia nos setores de emprego e de produção. mudar o Ministério da Economia; sai Zélia Cardoso de

112
AULA 16 • O PLANO COLLOR

Mello e entra Marcílio Marques Moreira, que adota o


Plano Collor II. O novo plano representa uma volta à pelo “cruzeiro”, bloqueia por 18 meses os saldos
ortodoxia no tocante às medidas de combate a inflação das contas correntes, cadernetas de poupança e
(contração monetária e fiscal), mas a sua maior pre- demais investimentos superiores a Cr$ 50.000,00.
Os preços foram tabelados e depois liberados
ocupação era a negociação da dívida externa, numa
gradualmente. Os salários foram pré-fixados e
tentativa de reaproximação do país com o sistema fi-
depois negociados entre patrões e empregados.
nanceiro internacional.
Os impostos e tarifas aumentaram e foram criados
No segundo semestre de 1991, o governo inicia a
outros tributos; são suspensos os incentivos
devolução dos cruzados bloqueados e a política econô- fiscais não garantidos pela Constituição. É
mica passa a se basear exclusivamente na prática de anunciado corte nos gastos públicos, também se
juros altos. Dessa forma, a inflação mantém-se estável, reduz a máquina do Estado com a demissão de
mas não cede devido à permanência da indexação e à funcionários e privatização de empresas estatais.
falta de uma verdadeira reforma fiscal. O plano também prevê a abertura do mercado
A instabilidade econômica conjugada com a inten- interno, com a redução gradativa das alíquotas
ção do governo de reestruturar o setor produtivo leva a de importação.
uma forte recessão no biênio 1990-1992 e, em conse- As empresas foram surpreendidas com o plano
qüência, a uma queda de quase 10% do PIB, aumento econômico e, sem liquidez, pressionam o
do desemprego e queda dos salários reais. Nesse perí- governo. A ministra da economia Zélia Cardoso
odo, o governo, já desgastado pelos efeitos do confisco de Mello faz a liberação gradativa do dinheiro
do plano anterior, é acusado de várias denúncias de retido, denominada “operação torneirinha”, para
corrupção e sofre, em outubro de 1992, o processo de pagamento de taxas, impostos municipais e
impeachment. estaduais, folhas de pagamento e contribuições
O artigo segiuinte faz um breve relato dos planos previdenciárias. O governo libera os investimentos
Collor I e II. Leia-o com atenção. dos grandes empresários e deixa retido somente
o dinheiro dos poupadores individuais.
O presidente Fernando Collor de Mello chega ao Recessão - No inicio do Plano Collor a inflação
poder depois de uma disputa no segundo turno foi reduzida porque o plano era ousado e
com Luiz Inácio Lula da Silva, que surgiu dos radical, tirava o dinheiro de circulação, porém,
movimentos de luta dos trabalhadores do ABC e com a redução da inflação, iniciava-se a maior
que, tendo sido um importante líder sindical, era o recessão da história no Brasil: houve aumento
grande nome do PT. Sua figura contrastava com de desemprego, muitas empresas fecharam as
a de Collor, que vinha da elite, porém sem ter portas e a produção diminuiu consideravelmente,
nenhum partido forte que o apoiava. Entretanto, com uma queda de 26% em abril de 1990, em
soube usar com eficiência o marketing, com temas relação a abril de 1989. As empresas foram
de moralização: iria combater os altos salários obrigadas a reduzir a produção, a jornada de
do funcionalismo público, que denominava de trabalho e os salários, ou demitir funcionários. Só
marajás. Com isso iludiu o povo, também teve em São Paulo, nos primeiros seis meses de 1990,
apoio da mídia mais poderosa e conseguiu se 170 mil postos de trabalho deixaram de existir. Foi
eleger. o pior resultado desde a crise do início da década
”Plano Collor” - A inflação em um ano, de março de 80. O Produto Interno Bruto diminuiu de US$
de 1989 a março de 1990, chegou a 4.853%, e no 453 bilhões em 1989 para US$ 433 bilhões em
governo anterior teve vários planos fracassados 1990.
de conter a inflação. Depois de sua posse, Collor parecia alheio à sua política econômica
Collor anuncia um pacote econômico no dia 15 desastrosa, procurava passar uma imagem de
de março de 1990, o Plano Brasil Novo. Esse super-homem, sempre aparecendo na mídia
plano tinha como objetivo pôr fim à crise, ajustar se exibindo, pilotando uma aeronave, fazendo
a economia e elevar o país do terceiro para o caminhadas, praticando esportes etc. Mostrava-se
primeiro mundo. O cruzado novo é substituído com uma personalidade forte, vaidoso, arrojado,

113
ECONOMIA BRASILEIRA

combativo e moderno. Quem não se lembra da alto na modernização do processo produtivo, na


frase “Tenho aquilo roxo”. qualidade e no lançamento de novos produtos no
mercado. As empresas que queriam permanecer
Privatizações - Em 16 de agosto de 1990, o
no mercado tiveram que rever seus métodos
Programa Nacional de Desestatização que estava
administrativos, bem como os da organização,
previsto no Plano Collor é regulamentado e a
reduzindo os custos de gerenciamento,
Usiminas é a primeira estatal a ser privatizada,
centralizando as atividades e terceirizando muitos
através de um leilão em outubro de 1991. Depois
setores. As empresas são obrigadas a investir
mais 25 estatais foram privatizadas até o final de
pesado na automação, reduzir a hierarquia interna
1993, quando Itamar Franco já estava à frente do
nas indústrias, e então cresce a produtividade.
governo brasileiro, com grandes transferências
Toda essa modernidade era necessária para as
patrimoniais do setor público para o setor
empresas se tornarem mais competitivas, tanto
privado. O processo de privatização dos setores
no mercado interno quanto no mercado externo.
petroquímico e siderúrgico já está praticamente
O aumento da produtividade foi fundamental para
concluído e então se inicia a negociação do
a sobrevivência das empresas, porém, para os
setor de telecomunicações e elétrico. Há uma
trabalhadores, significava perdas de postos de
tentativa de limitar as privatizações à construção
trabalho, quer dizer, com menos funcionários se
de grandes obras e à abertura do capital das
produzia mais. Então, aumenta o desemprego dos
estatais, de forma que se mantivesse o controle
brasileiros. Em 1993, só na Grande São Paulo,
acionário pelo Estado.
chega a um milhão e duzentos mil trabalhadores
Plano Collor II - A inflação entra em cena desempregados.
novamente com um índice mensal de 19,39% em
Impeachment de Collor - O Presidente da
dezembro de 1990, e o acumulado do ano chega
República foi substituído sem derramamento
a 1.198%. O governo se vê obrigado a tomar
de sangue, golpe militar ou qualquer tipo de
algumas medidas. É decretado o Plano Collor II
violência. Foi um processo pela via legal e
em 31 de janeiro de 1991. Tinha como objetivo
demonstrou amadurecimento do povo e dos
controlar a ciranda financeira. Assim, são extintas
políticos brasileiros, o que foi excepcional para
as operações de overnight e cria-se o Fundo de
a América Latina. Collor pregava a moralidade,
Aplicações Financeiras (FAF), que centraliza
combate à corrupção, porém, em seu governo,
todas as operações de curto prazo; acaba-se
foram constatados muitos casos de corrupção.
com o Bônus do Tesouro Nacional fiscal (BTNf),
Paulo César Faria, o PC, estava envolvido no
o qual era usado pelo mercado para indexar
esquema de corrupção dentro do próprio governo
preços; passa-se a utilizar a Taxa Referencial
Collor, e a CPI apurou que muito dinheiro foi
Diária (TRD) com juros prefixados e é aumentado
para a conta corrente de Collor. Para se ter uma
o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
idéia da gravidade da situação, só as despesas
Pratica-se uma política de juros altos, e faz-se
pessoais do presidente custaram aos cofres
um grande esforço para desindexar a economia.
brasileiros US$10 milhões e 600 mil. Ministros
Tenta-se mais um congelamento de preços e
foram denunciados por corrupção, apesar de
salários. Um deflator é adotado para os contratos
não ter havido condenações. Paulo César Farias
com vencimento após 1º de fevereiro. O governo
chegou a ser preso, mas em pouco tempo ganhou
acreditava que, aumentando a concorrência no
a liberdade e foi curtir uma mansão na praia, onde
setor industrial, conseguiria segurar a inflação;
foi encontrado morto crivado de balas. A policia
então se cria um cronograma de redução das
não conseguiu provar nada, porém a opinião do
tarifas de importação, de forma que se consegue
povo era uma só: sua morte era uma queima de
reduzir a inflação de 1991 para 481%.
arquivos.
A recuperação da economia iniciou-se no final de
RUIZ, Manoel. A História do Plano Collor.
1992, após um grande processo de reestruturação
Disponível em:
interna das indústrias. Foi fundamental a abertura
do mercado brasileiro para produtos importados, w w w. s o c i e d a d e d i g i t a l . c o m . b r / a r t i g o .
pois isso obrigou a indústria nacional a investir php?artigo=114&item=4 

114
AULA 16 • O PLANO COLLOR

CRÍTICAS AO PLANO COLLOR os bancos na medida de sua demanda.


Com a disponibilidade de recursos do
Pouco se tem discutido no debate econômico bra- BCB, os bancos puderam refinanciar
as dívidas dos clientes e expandir o
sileiro o fracasso do Plano Collor. Partindo da análise crédito. Um planejamento mais cuida-
do bloqueio da liquidez, alguns economistas atribuem doso e eficaz do bloqueio, de forma a
evitar a perda de controle do BCB sobre
as falhas do plano à liberação descontrolada dos valo-
o sistema bancário, não teria evitado a
res retidos, provocada por pressões políticas e sociais ocorrência de problemas semelhantes.
sobre o governo, além dos erros de gerenciamento do Se não tivesse havido financiamento in-
voluntário, provocado pelo descontrole,
plano. os bancos teriam que receber financia-
Nesse sentido, surgiu a tese de que o bloqueio da mento voluntário do BCB, a menos que
se impedisse o saque dos cruzeiros
liquidez poderia ter obtido bons
liberados para o público. Neste caso,
resultados se tivesse sido aplicado com rigor e co- porém, para afastar a ameaça de uma
erência. crise de confiança, a economia teria que
ser monetizada de alguma outra forma.
Segundo Carvalho, a liquidez se recompôs com Esta necessidade iria se impor também
rapidez porque o Banco Central do Brasil foi obrigado pela ameaça de virtual paralisia dos ne-
gócios, como nos primeiros dias após o
a financiar amplamente o sistema bancário logo nos
bloqueio. Um dos fundamentos do Pla-
primeiros dias de aplicação das medidas, para evitar no Collor era a convicção de que, com
que a retenção dos haveres financeiros provocasse a o bloqueio da liquidez, o BCB recupe-
raria o controle da oferta de moeda e
paralisação do sistema de pagamentos e a eclosão de poderia ordenar a monetização, de for-
uma grave crise bancária. Nas palavras de Carvalho: ma a separar a moeda demandada para
transações e a moeda demandada para
O bloqueio da liquidez dos haveres especulação. A experiência do bloqueio
financeiros não atingiu seu objetivo demonstrou a impossibilidade de se-
maior: impedir que, após a queda brus- parar a demanda por moeda para fins
ca da inflação, a monetização da eco- especulativos e para giro dos negócios,
nomia se desse da forma rápida e de- dentro do conjunto formado pela moeda
sordenada que teria levado ao fracasso indexada e pela moeda convencional. O
programas de estabilização anteriores. objetivo de controlar a monetização fa-
O Plano Collor pretendia superar o pro- lhou, no essencial, por este motivo.
blema criando condições para que a (CARVALHO, Carlos Eduardo. Bloqueio
oferta da nova moeda (o cruzeiro) fosse da Liquidez e Estabilização: o fracasso
mantida sob estrito controle. A moneti- do Plano Collor – Tese de Doutorado:
zação deveria ser “ordenada” e “lenta”, Unicamp, 1996).
para evitar o aquecimento da demanda
por bens reais e ativos de risco até que
as expectativas se revertessem a favor
da estabilização. Por que a liquidez se RESUMO
recompôs com tanta rapidez e facilida-
de? A análise do ocorrido nos primeiros Nesta aula, apontamos as principais característi-
60 dias do Plano Collor mostra uma cla-
ra preponderância de fatores inerentes
cas do plano de estabilização econômica colocado em
ao próprio bloqueio da liquidez, e não prática no governo Collor. Vimos que mais um governo
de equívocos ou liberalidades na sua teve como meta principal de política econômica a esta-
condução. O descontrole do ritmo de
expansão da liquidez era inevitável, de- bilização da economia, e que mais uma vez não é bem
vido à própria concepção do bloqueio, sucedida.
à natureza mesma das medidas e às
condições da economia brasileira. O
descontrole da monetização localizou- ATIVIDADES
se basicamente no sistema bancário.
Era inevitável a ocorrência de grande
tumulto na atividade dos bancos após
1. Aponte as principais características dos planos
o bloqueio, pela impossibilidade de de- Collor I e II.
talhamento das regras operacionais de 2. Quais as principais medidas, para conter a infla-
um plano elaborado em sigilo máximo.
Os bancos passaram a operar às cegas, ção, que foram adotadas no governo Collor?
sem conhecer sua posição de caixa. 3. Por que se adotou o confisco de ativos financei-
Dado o receio de pânico no caso de al-
gum banco deixar de atender os saques
ros?
do público, o BCB optou por financiar 4. Que críticas podem ser feitas ao Plano Collor?

115
ECONOMIA BRASILEIRA

REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
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de Doutorado: Unicamp, 1996.
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econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
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temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
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VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

116
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 17

A ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA DURANTE O


GOVERNO COLLOR

Objetivos
• Conhecer as discussões sobre o processo
de reestruturação produtiva brasileira.
• Analisar o processo de abertura comercial
implementado no governo Collor.
• Compreender os efeitos positivos
e negativos da abertura comercial
brasileira.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO librar as contas do governo, como já vimos em aulas


anteriores.
Além do combate à inflação, o governo Collor toma O projeto de privatização ou retirada do Estado da
uma série de medidas para modernizar a economia economia teve início no governo Sarney, mas foi junto
brasileira. Através da abertura econômica, expõe o se- com o plano Collor que foi instituído o Programa Nacio-
tor produtivo brasileiro à concorrência, numa tentativa nal de Desestatização (PND), o qual tinha como princi-
de aumentar a sua competitividade interna e externa. pal foco os setores de siderurgia, com a privatização da
Nesta aula falaremos sobre as peculiaridades da aber-
Usiminas e da CST (Tubarão) e o setor petroquímico e
tura comercial brasileira e discutiremos os seus efeitos
de fertilizantes, privatizando empresas como a Petro-
positivos e negativos.
flex, Copesul, Fosfertil e outras. Isso você já estudou
em aulas anteriores, mas repito para que você se lem-
O PROCESSO DE bre bem de tudo, de forma a poder fazer as conexões
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA necessárias para entender bem todo o processo eco-
DA ECONOMIA BRASILEIRA nômico dos últimos anos no Brasil.
A partir de 1990, o processo de privatização foi in-
Além da tentativa de estabilização da economia, o tensificado, tornando-se parte integrante das reformas
governo Collor deu início a um processo de reforma do econômicas de todos os governos posteriores. O Ban-
Estado e de abertura comercial e financeira do país. co Nacional de Desenvolvimento (BNDS) foi um dos
Nesse sentido, foi implementado um extenso programa principais articuladores do processo, elaborando as
de privatização das empresas estatais, com mudanças licitações e contratando os consultores e auditores en-
na forma de gerenciamento e concessão dos serviços carregados da auditoria do processo de venda. Assim,
públicos. até setembro de 1998, foram privatizadas, no âmbito
Quero, neste momento, chamar a sua atenção so- federal, 60 empresas, o que gerou uma arrecadação de
bre o problema das privatizações no Brasil, pois esse US$ 28,49 bilhões para os cofres do governo.
tema é bastante polêmico e tem gerado, ao longo do Num primeiro momento, o PND deu início às ven-
tempo, grandes discussões. Deve-se ou não privatizar das das estatais consideradas “produtivas”, ou seja,
as empresas estatais? Quais delas são consideradas as mais bem administradas e lucrativas. O pagamento
de importância estratégica? As empresas privatizadas pela compra era feito através das chamadas moedas
foram vendidas pelo seu valor real? Qual ativo receber de privatização, representadas por títulos da dívida pú-
como pagamento? Onde foi empregado o dinheiro das blica. Esclarecendo melhor:
vendas? Mas vamos entender primeiro por que priva-
O processo de privatização brasileiro ad-
tizar. mitia, para aquisição das participações
Segundo Gremaud (1997), a privatização se justifi- acionárias das sociedades a serem de-
ca por dois motivos, primeiro pela atuação inadequada sestatizadas, outros meios de pagamen-
to, além da moeda corrente: as moedas
ou ineficiente do setor público na produção dos bens; de privatização. São dívidas contraídas
segundo, pela incapacidade do Estado para continuar no passado pelo Governo federal, que são
aceitas como forma de pagamento das
com os investimentos necessários, principalmente nos ações das empresas estatais que estão
setores considerados de infra-estrutura. É sabido que, sendo privatizadas. Dessa forma, o Go-
desde a década de 1970, o Estado já havia esgotado a verno Federal reduz o seu endividamento
e acaba com os compromissos financei-
sua capacidade de financiamento. Portanto como con- ros provenientes dessas dívidas. Cabe
tinuar gerindo grandes empresas se nem as funções ao presidente da República decidir sobre
o percentual mínimo de moeda corrente
básicas do governo (saúde educação, saneamento, a ser utilizada na privatização de cada
etc.) estavam sendo cumpridas? Pense nisso! A pro- empresa. O percentual restante poderia
pósito, o programa de privatização foi considerado pelo ser complementado com as moedas de
privatização. As moedas de privatização
governo Collor um elemento central no processo de utilizadas no PND foram as seguintes:
ajuste fiscal e patrimonial do setor público, ou seja, o - Debêntures da Siderbrás (SIBR);
dinheiro apurado nas vendas seria revertido para equi- - Certificados de Privatização (CP);

118
AULA 17 • A ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA DURANTE O GOVERNO COLLOR

- Obrigações do Fundo Nacio- privatização das empresas estatais, abertura da econo-


nal de Desenvolvimento (OFND);
mia e desregulamentação dos mercados.
- Créditos Vencidos Renegociados (secu-
ritizados) (DISEC); Portanto, a partir dos anos de 1980, as políticas
- Títulos da Dívida Agrária (toda); econômicas dos países latino-americanos foram pau-
- Títulos da Dívida Externa; (DIVEX); tadas por tais pressupostos que, por sua vez, fazem
- Letras Hipotecárias da Caixa Econômica parte de um pensamento maior que é a crença no livre
Federal (CEF);
comércio como um dos principais indutores do desen-
- Notas do Tesouro Nacional, série M-
NTN-M. volvimento econômico. De acordo com Glade,
(REGO e MARQUES (Orgs.), 2001 A reestruturação econômica, para econo-
eGREMAUD, 1997) mias que acreditam no mercado, consis-
Em 1995, a privatização das empresas estatais do tiu basicamente em: a) política fiscal mais
apertada para reduzir o déficit e restrições
setor industrial estava praticamente concluída. A partir na política econômica para auxiliar a es-
de então, o foco do PND volta-se para as concessões tabilização macroeconômica; b) desre-
gulamentação de preços, incluindo taxa
de serviços públicos à iniciativa privada nas áreas de de juros e de câmbio; c) liberalização do
eletricidade, transportes e telecomunicações. A apro- comércio; d) redução ou eliminação dos
subsídios; e) privatização; f) drástica re-
vação da Lei 9.472/97 – chamada de Lei Geral das Te- dução nos controles e regulamentos dos
lecomunicações – autoriza a privatização do Sistema investimentos domésticos e do exterior e
nas operações de negócios em geral.
Telebrás e a criação da Agência Reguladora do setor,
a Anatel Assim, como você já deve ter percebido, as dis-
cussões sobre a abertura econômica dos países em
O PROCESSO DE ABERTURA desenvolvimento vão muito além dos argumentos fa-
COMERCIAL BRASILEIRA NA voráveis e/ou contrários, ou seja, passam também
DÉCADA DE 90 por questionamentos quanto ao ritmo do processo de
abertura, sobre o que deve ou não ser liberalizado (o
A abertura comercial brasileira, assim como o pro- mercado de bens ou o de capitais), qual o ambiente
cesso de privatização, teve início no governo Sarney, macroeconômico mais propício, etc.
em 1988. Nesse período foram abolidos diversos regi- Voltando especificamente ao caso do Brasil, deve-
mes especiais de importação, reduzidas várias tarifas, mos lembrar que, devido ao caráter agro-exportador da
impostos e alíquotas. No Governo Collor, além dessas economia brasileira, a política comercial (exportações e
medidas, foi definido um programa de diminuição gra- importações) sempre teve uma elevada participação na
dual das tarifas sobre importação, caracterizando uma renda nacional. Após o processo de industrialização e
abertura comercial que se tornou uma das suas princi- a adoção da política de substituição de importações, o
pais metas. E, finalmente, no Governo FHC, o proces- grau de abertura comercial foi reduzido. Mas, ao mes-
so se aprofunda, num primeiro momento. mo tempo, era necessário um certo grau de abertura
A discussão sobre a abertura comercial, principal- para atender à necessidade de importação de máqui-
mente em países em desenvolvimento como o Brasil, nas e equipamentos, as quais eram financiadas pelas
a exemplo das privatizações, também gerou muita po- divisas geradas pelas exportações. Dessa forma, mes-
lêmica. Nesse sentido, é importante ressaltar alguns mo em um processo de industrialização voltado para
aspectos sobre o tema. dentro, havia uma importante participação do mercado
Ao longo dos anos de 1980 e 1990, na América internacional na economia brasileira. (Se você estiver
Latina, dois processos foram colocados em prática com alguma dúvida, volte à aula 02 e reveja o proces-
conjuntamente: a reforma do Estado e a reestruturação so de industrialização por substituição de importação,
econômica. Acreditava-se que, com o esgotamento da ok?)
estratégia de substituição de importações, era neces- É importante salientar que, na década de 1980, a
sário dar início ao processo de liberalização da econo- economia brasileira passava por um profundo ajusta-
mia. Tal processo, de acordo com os pressupostos do mento interno, determinado pelo ajuste da dívida ex-
Consenso de Washington, passava pela aceleração da terna. Portanto a política de comércio exterior tinha

119
ECONOMIA BRASILEIRA

como prioridade a obtenção de superávits comerciais, por parte das empresas brasileiras para sobreviverem
através da contenção de importações e incentivos às à nova realidade. Alguns autores argumentam que os
exportações. Mas, a partir do final dos anos 80, perce- produtores locais foram prejudicados pela tributação
be-se que o modelo deveria ser revisto. Uma grande e juros elevados, além da carência de infra-estrutu-
parte dos setores da economia brasileira sofria com os ra e da burocracia excessiva. Assim, de acordo com
atrasos tecnológicos, seja por causa da obsolescência Lanzana,
das máquinas e equipamento, dos métodos gerenciais O país promoveu a abertura comercial,
empregados ou por causa das relações entre o capital mas o sistema onde as firmas operam é
e o trabalho. típico de uma economia fechada. Esta
limitação, ao impor custos adicionais às
Nesse contexto, ficou latente a necessidade de firmas, retira-lhes a capacidade de con-
uma política industrial que colocasse o país em sin- correr com o produto importado. Esses
custos foram genericamente batizados
tonia com as transformações em curso na economia de “custo Brasil”. Na realidade a presen-
mundial e promovesse a recuperação do atraso tec- ça do “custo Brasil” fez com que as fir-
nológico. A falta de investimento interno, ao longo da mas operassem em condições desiguais
em relação ao produto importado. Assim,
década de 1980, levou a uma grande precariedade da mesmo firmas que adotaram políticas de
infra-estrutura econômica, tanto nas áreas de energia, aumento da eficiência poderão não so-
breviver em função de fatores que inde-
telecomunicações, como nos transportes e portos. A pendem de seu controle e ação. (LAN-
falta de investimento do Estado nas áreas de educação ZANA, 1998)
básica e formação profissional dificultava a adaptação
Algumas críticas se referem à forma como foi im-
da força de trabalho a padrões tecnológicos mais avan-
plementada a abertura econômica, considerada rápi-
çados, o que obviamente comprometia o aumento da
da, sem dar tempo aos setores internos de se prepa-
produtividade.
rarem. Por outro lado, a globalização é irreversível e
leva a uma crescente interligação entre os mercados
OS EFEITOS DA ABERTURA
financeiros e de bens e a integração das economias
COMERCIAL BRASILEIRA num grande mercado, com desregulação dos fluxos
A abertura comercial brasileira levou o setor produ- de comércio, de produção e financeiro. Nesse senti-
do, os preços internacionais passam a ser medida de
tivo a um grande processo de reestruturação. Do lado
competitividade.
positivo, a ação da concorrência beneficiou os con-
Além das mudanças verificadas no setor produti-
sumidores através da maior disponibilidade de bens
vo, é importante ressaltar as alterações nos mercados
e serviços, de preços mais baixos e tecnologia mais
de capitais. A presença do capital pode ser em forma
avançada. Porém, influenciou negativamente o nível de
de investimento direto, através de fusões, incorpora-
emprego.
ções ou joint-ventures. Isso significa que o importan-
Grandes desafios foram impostos às empresas bra-
te é a competitividade global, abrindo possibilidade
sileiras, como o de elevar a produtividade e a eficiên-
para todas as localizações e fornecedores. Nos últi-
cia, de forma a se tornarem competitivas para enfrentar
mos anos, tem aumentado expressivamente o fluxo
a concorrência. No âmbito do setor externo e interno,
de capitais em direção ao Brasil, devido às próprias
foram tomadas as seguintes medidas: a) reestrutura-
modificações do sistema financeiro internacional, da
ção dos métodos de produção; b) terceirização de par-
abertura financeira da economia brasileira e da políti-
te das atividades; c) maior racionalização dos métodos
ca de juros altos.
de trabalho; d) adoção de novos métodos gerenciais
que implicaram menor uso da mão-de-obra; e) busca
RESUMO
de qualidade; f) redefinição de linhas de produção; g)
busca de financiamentos externos; h) atualização de Nesta aula vimos que as discussões a respeito da
produtos e vendas de ativos; i) maior utilização de in- abertura da economia brasileira vão além dos argu-
sumos importados. mentos favoráveis e contrários, na medida em que le-
É fato que a abertura econômica iniciada no go- vantam questões sobre a maneira e o ritmo como essa
verno Collor levou a uma forte necessidade de ajuste abertura deve ser empreendida.

120
AULA 17 • A ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA DURANTE O GOVERNO COLLOR

ATIVIDADES
1. Quais foram as peculiaridades da abertura comer-
cial brasileira?
2. Quais foram os efeitos positivos e negativos da
abertura comercial brasileira?
3. Relacione a abertura econômica brasileira e o pro-
cesso de globalização

REFERÊNCIAS
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
lo, 01/04/1999.
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oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M. A. M. Suave fracasso: la política ma-
croeconômica de Brasil durante 1999-2005. Investi-
gación Economia de la Universidad Nacional Autó-
noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
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(Org.). A Economia Brasileira nos anos 90. Rio de
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porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
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porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

121
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 18

O PLANO REAL

Objetivos
• Conhecer as três fases de implantação
do Plano Real.
• Compreender porque foi necessária a
mudança cambial implementada em
janeiro de 1999.
• Analisar as virtudes e as vulnerabilidades
do Plano Real e seus impactos sobre a
economia brasileira.
• Avaliar as condições da economia
brasileira pós-estabilização.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO de abertura econômica iniciado no governo anterior, a


economia estava mais exposta à concorrência, o que
Durante o governo Collor, o Brasil passou por uma contribuía para a manutenção dos preços. Portanto, a
série de mudanças, que foram desde a reforma do Es- inserção internacional do país era muito maior do que a
tado até uma grande reestruturação da economia. Foi dos planos anteriores.
o que vimos na aula passada. No entanto, no que se Foi nesse cenário que o Plano Real foi executado,
refere à inflação o país permaneceu no mesmo pata- sendo implementado em três etapas:
mar. Apesar do processo de abertura econômica ao - A primeira visava o equilíbrio das contas públicas,
exterior, do fomento às privatizações, da renegociação já que se constituía na principal causa da inflação;
da dívida externa e da desregulamentação do merca- - A segunda foi a criação da Unidade Real de Valor
do, a estabilização da economia permanecia como um (URV), que significou a indexação total dos preços;
desafio, resistindo às várias tentativas de ajuste. O que - A terceira foi a reforma monetária, através da cria-
veremos nesta aula será a execução de um engenhoso ção de uma nova moeda com poder aquisitivo estável,
plano econômico – o Plano Real – que conseguiu con- o Real.
ter a inflação brasileira. Caro aluno, é fundamental que, neste ponto da ma-
téria, você tenha entendido muito bem a relação entre
CONTEXTO DA ECONOMIA equilíbrio fiscal e inflação.
BRASILEIRA ANTES DA
IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO PLANO REAL – PRIMEIRA FASE:
REAL PROGRAMA DE AÇÃO IMEDIATA
(PAI)
Em 1993, após o impeachment do presidente
Collor, assume a presidência o vice Itamar Franco. Para Para equacionar o desequilíbrio orçamentário do
ministro da economia foi escolhido Fernando Henrique governo, era necessário fazer o ajuste fiscal de forma
Cardoso, que implementou um plano econômico de es- que não ocorressem futuramente pressões inflacioná-
tabilização, conhecido como “Plano Real”. Os autores rias.
do plano eram economistas da PUC-RJ, entre eles, Para isso, era preciso efetuar uma ampla reorgani-
Gustavo Franco; Winston Fritsch, André Lara Rezende, zação nas relações do setor público com o privado que
Edmar Bacha e Pérsio Arida. incluía corte nas despesas, aumento dos impostos e di-
A teoria que embasava o Plano Real era a mesma minuição nas transferências do governo federal. Nesse
do Plano Cruzado, ou seja, baseava-se no diagnóstico sentido, foram tomadas as seguintes medidas:
da inflação brasileira como uma inflação inercial. Como - corte dos gastos da União da ordem de US$ 7
vimos na aula 07, o Plano Cruzado adotou a proposta bilhões;
de “choque heterodoxo”, baseada no congelamento de - aumento da arrecadação;
preços, que não foi bem sucedida devido ao tempo ex- - acerto das dívidas de estados e municípios com
cessivo de congelamento, ao grande crescimento da a união;
demanda e seus reflexos sobre o setor externo. - aumento do controle sobre os bancos estaduais;
O Plano Real, apesar de partilhar da mesma teoria, - saneamento dos bancos federais;
adotou uma proposta diferente que se baseava na re- - redução da participação do Estado na economia
forma monetária. Além disso, o plano foi introduzido de através da privatização das estatais.
forma gradual, não utilizou o congelamento de preços A partir do diagnóstico de que o desequilíbrio das
e estava comprometido com a correção dos desequi- contas públicas era decorrente de problemas fiscais, o
líbrios existentes na economia. É importante destacar governo promove um corte orçamentário de US$ 6 bi-
que o contexto da economia brasileira na época era lhões em 1993, encaminhando, em seguida, um projeto
bastante diferente, pois o país tinha renegociado sua de lei que limitava as despesas com os servidores civis
dívida externa e já acumulava um volume significa- em 60% da receita da União, dos estados e municípios.
tivo de reservas. Por outro lado, devido ao processo Além disso, foi elaborado um outro projeto de lei que

124
AULA 18 • O PLANO REAL

estabelecia a obrigatoriedade dos estados e municípios preços relativos com base na moeda indexada. Segun-
em manterem em dia seus débitos com a União para dos os economistas criadores do plano, a URV deve-
receberem verbas federais. Ainda em função do ajuste ria proporcionar aos agentes econômicos uma fase de
fiscal, foi criado o Fundo Social de Emergência, a fim transição para a estabilidade de preços.
de equilibrar o orçamento e diminuir a rigidez dos gas- A URV foi instituída para restituir à moeda brasileira
tos da União determinada pela Constituição de 1988. a sua função de unidade de conta, isto é, de denomina-
Para a recuperação da receita tributária, foi criado dor comum de valor ou expressão geral do valor (a mo-
o Imposto Provisório Sobre Movimentação Financeira eda fornece o referencial para que as mercadorias co-
(IPMF), com uma alíquota de 0,25% sobre o valor de tem o seu valor). Portanto a URV era válida para todos
toda operação bancária. A arrecadação desse impos- os produtos, porém desvinculada da moeda vigente, o
to deveria auxiliar o governo federal a equilibrar suas cruzeiro real. O seu valor foi ancorado no dólar, na pa-
contas no período 1993/94. Foram tomadas medidas, ridade de US$ 1, enquanto o cruzeiro real se desvalori-
também no sentido de combater a sonegação, pois a zava. Assim, a URV passou a ser referência de cálculo
evasão fiscal interferia no ajuste das contas públicas. para preços e contratos fixados após sua instituição.
Assim, o governo iniciou uma campanha massiva de Imagino que você deve estar tendo certa dificul-
conscientização contra a sonegação, fiscalizando de dade para entender o que significou a URV no Plano
forma mais rigorosa as grandes empresas, assim como Real. Vamos ver se o assunto fica mais claro com esta
agindo de forma mais contundente na cobrança dos im-
explicação do economista Gustavo Franco:
postos das pessoas físicas.
A URV veio para simplificar uma das ativi-
Para aumentar a eficiência da administração do pa-
dades mais conspícua da vida desse país:
trimônio da União, foi vedada aos devedores do gover- a utilização de um indexador. Conceitu-
no federal a participação em concorrências públicas, a almente, foi definida como uma moeda
de conta predominantemente contratual,
tomada de empréstimos de bancos oficiais e a manu- com o objetivo adicional de permitir uma
tenção de concessões públicas. transição suave para níveis reduzidos
de inflação, desintoxicando o organismo
Com a possível queda da inflação, o setor finan-
econômico dos vícios da inflação. Tal
ceiro, seu principal beneficiário, passaria por grandes como a heroína passa a compor o equi-
dificuldades, na medida em que grande parte das suas líbrio orgânico de um dependente, a in-
flação penetra nas relações econômicas
receitas era gerada pelas altas taxas de inflação. Para desfigurando preços e relações contratu-
prevenir futuros problemas com a desestruturação do ais, transferindo riqueza, de tal sorte que
a súbita privação da droga provoca priva-
setor bancário, foi iniciado pelo governo um processo
ções de natureza imprevisível. Não há dú-
de saneamento dos bancos públicos e privados. vida de que viciados em estágio avança-
Com relação às privatizações, a idéia era de que a do precisam de um tratamento cuidadoso
e gradual. Para isso, a URV. Misteriosa
atuação do governo deveria ser voltada apenas para os ou não, a URV pegou. Sua credibilidade
setores considerados essenciais como saúde, educa- era incontestável, bem como a percepção
de que se tratava de um estágio transi-
ção, justiça, segurança, ciência e tecnologia. Por outro
tório para nos trazer de volta a uma rea-
lado, a privatização das estatais era necessária para lidade econômica há muito perdida. Sua
diminuir as despesas do governo, que poderia trans- adoção não ocorreu por voluntarismo ou
pela disposição patriótica de alguns. Os
ferir ao setor privado os custos da modernização da agentes econômicos a utilizaram porque
infra-estrutura de tais empresas. era de seu próprio interesse, este sendo,
possivelmente, um dos grandes segredos
deste programa: oferecer à sociedade, no
PLANO REAL – SEGUNDA FASE: âmbito do esforço de estabilização, me-
A URV canismos consistentes com os incentivos
econômicos naturais em uma economia
de mercado. (FRANCO, 1994)
Em fevereiro de 1994 inicia-se a segunda fase do
Plano Real através da introdução de um novo sistema Para orientar o mercado, o Banco Central publi-
de indexação, via criação da URV. Esse novo sistema cava diariamente boletins sobre a desvalorização do
de indexação representava uma tentativa de eliminar a Cruzeiro Real e a cotação da URV. Assim, independen-
inércia inflacionária, promovendo todos os ajustes de temente das desvalorizações monetárias provocadas

125
ECONOMIA BRASILEIRA

pela inflação, a URV era usada pelos agentes econô- a mudança do regime monetário atra-
vés da adoção de um padrão de valor
micos para determinar seus preços, efetuar contratos e
– a URV – que circulou conjuntamente
determinar salários. ao CR$, a moeda “podre". O BACEN
Como se pode perceber, foi instituído um sis- apresentava cotações pré-fixadas di-
árias entre a URV, que manteve uma
tema bimonetário, no qual a URV funcionava como âncora informal no dólar americano,
unidade de conta, na medida em que expressava os de modo que a URV atuou como in-
preços das mercadorias. Porém, as transações eram dexador geral da economia. Isto foi
importante para resgatar na URV
saldadas em cruzeiro real, que mantinha a função uma das funções básicas da moeda,
de meio de troca, ou seja, o preço da mercadoria a função de unidade de conta. A últi-
expresso em URV era convertido em CR$ pela cota- ma fase destinou-se à adoção desse
padrão de valor como moeda nacional
ção do dia da URV, no exato momento da transação. estável – o Real, concluindo, assim, a
Dessa forma, a inflação permanecia na moeda em reforma monetária sem a contamina-
ção inflacionária da nova moeda.
circulação, mas não na URV, cujo valor era corrigido
de acordo com a inflação da antiga moeda, o CR$. Como foi dito acima, para manter o valor da
Seguindo a lógica do plano, o Real só foi introduzido nova moeda, além do controle monetário, o gover-
quando todos os preços estavam convertidos para a no também adotou um teto máximo para a taxa de
URV, o que aconteceu no dia 1º de julho de 1994. câmbio, ou seja, a adoção de uma "âncora cam-
PLANO REAL – TERCEIRA FASE: RE- bial" que consistiu na valorização da moeda nacio-
FORMA MONETÁRIA (A CRIAÇÃO DO REAL) nal, paralela a um regime de bandas cambiais, ou
Com a extinção do Cruzeiro Real, a URV passou a seja, câmbio fixo. Esta política cambial foi adotada
vigorar como moeda brasileira, recebendo o nome em um período durante o qual a economia brasi-
de Real. Foi introduzida com valor semelhante ao da leira aumentou o grau de abertura para o exterior
URV do dia, ou seja, CR$ 2.750,00. Logo, todos os e o país acumulava um volume significativo de re-
preços em CR$ foram convertidos em R$, na medida servas. Além disso, houve a negociação da dívida
em que eram divididos por esse valor. No início do externa e as transformações do sistema financeiro
processo de conversão das moedas, houve uma
internacional. Nesse período a taxa de juros inter-
aceleração inflacionária, devido à especulação fi-
na era extremamente elevada, o que atraía recur-
nanceira de alguns agentes, mas que não foi bem
sos externos para o Brasil, levando a um acúmulo
sucedida, pois não havia condições de sustentar
de reservas de US$ 40 bilhões, quando foi feita a
preços mais elevados. Como os autores do Plano
reforma monetária.
Real já previam essa atitude por parte dos agen-
Esta folga cambial - número satisfatório de
tes, o governo anunciou metas bastante restriti-
reservas aliado a uma grande capacidade de im-
vas para a política monetária como restrição das
portar devido ao câmbio valorizado – além de con-
operações de crédito, aumento do depósito com-
tribuir para a queda da inflação, ajudava na manu-
pulsório dos bancos e taxas de juros elevadas. A
tenção dos preços internos, já que possibilitava a
finalidade desse controle da expansão monetária
era a de limitar a capacidade dos agentes de re- importação de produtos para satisfazer o aumento
passar custos para os preços. Essa política eco- da demanda e manter os preços estáveis.
nômica ficou conhecida como a "âncora monetá- Podemos concluir dizendo que o Plano Real
ria" do Plano Real. Sobre a adoção das "âncoras", adotou três âncoras: a cambial, a monetária e a
afirma Lucchesi: fiscal. A primeira refere-se à paridade informal
entre a URV e o dólar, evoluindo depois para um
Ao ser implantado, o Plano Real se
serviu de duas âncoras principais: as sistema de bandas estreitas entre o Real e o dó-
políticas monetária e cambial. A pri- lar; a monetária, pautada por metas de expansão
meira foi usada pelo governo como
instrumento de controle dos meios de monetária bastante restritiva e juros elevados. E,
pagamento; a segunda trata do con- finalmente, a fiscal, baseada numa ampla reorga-
trole das relações comerciais entre o
nização do setor público e de suas relações com
Brasil e o resto do mundo. Nesse sen-
tido, a segunda fase do plano implicou a economia.

126
AULA 18 • O PLANO REAL

A MUDANÇA CAMBIAL DE o que diz Grasel a respeito da manutenção, a longo


prazo, de uma política de câmbio fixo e sobrevalori-
JANEIRO DE 1999 zado pelo governo brasileiro.
A âncora cambial foi uma estratégia adotada O câmbio excessivamente valorizado até
pelo plano real para restabelecer a confiança na mo- 1999 tornou o Brasil demasiadamente de-
pendente do influxo de capital externo e
eda, através da sua paridade com o dólar, garantin- expôs o país ao capital especulativo de
do, assim, o seu poder de compra. Apesar do atre- curto prazo, ficando sujeito a ataques
especulativos, como aconteceu nas di-
lamento do real ao dólar, admitia-se uma variação,
versas crises financeiras internacionais,
dentro da banda cambial estabelecida pelo governo, especialmente com a crise do Sudeste
de um pequeno percentual para cima ou para baixo. Asiático (agravada com a crise da eco-
nomia da Rússia), onde se “perderam”
Além de fixo, o câmbio foi valorizado para facilitar cerca de U$ 20 bilhões em divisas nos
as importações, expondo as empresas brasileiras à meses de agosto e setembro de 1998.
Certamente a adoção de um regime de
concorrência. Por outro lado, o câmbio valorizado in- câmbio flutuante, embora tardiamente,
centivava a importação de máquinas e equipamen- resolveu em grande parte as dificuldades
tos, necessários ao processo de reestruturação do decorrentes da falta de competitividade
do parque produtivo brasileiro. (GRAS-
parque industrial brasileiro, fator decisivo no aumen- SEL, 2002).
to da competitividade das empresas nacionais.
É importante lembrar que já estava em curso,
AVALIAÇÃO DO PLANO
desde o governo Collor, o processo de abertura da
economia brasileira. A combinação de uma política REAL: VIRTUDES E
de sobrevalorização cambial com abertura econômi- VULNERABILIDADES
ca incentivou o aumento das importações, gerando,
É consenso que o Plano Real foi o plano de es-
em contrapartida, uma drástica redução das expor-
tabilização econômica mais bem sucedido da história
tações, o que levou a um grande déficit no balanço
econômica brasileira do ponto de vista estrito da es-
de pagamentos.
tabilidade de preços. Porém, a sua sustentabilidade e,
É bom ficar atento ao fato de que isso poderá se
principalmente, a retomada do crescimento econômi-
tornar um grande problema, a longo prazo, caso o
co dependem de reformas estruturais mais profundas,
governo não tenha reserva suficientes para financiar
principalmente de um ajuste duradouro do setor públi-
esse déficit.
co, que envolva reforma fiscal e reforma administrativa.
Nesse período, devido às altas taxas de juros,
Após o Plano Real, o crescimento médio do PIB ficou
uma grande massa de recursos externos ingressava
ao redor de 2,0%, e a taxa de desemprego aumentou
no país, na forma de capital especulativo, e foi esse
algo em torno de 4%, acompanhada por uma queda
capital volátil que o governo utilizou para financiar o
no salário real. Assim, os ganhos obtidos no início do
seu déficit. Portanto o governo foi obrigado a manter
plano, em termos de crescimento do produto, emprego,
as taxas de juros elevadas para atrair esse capital,
salário, etc., foram comprometidos por esses resulta-
causando uma grande recessão na economia. No
dos negativos.
período, o México passava por dificuldades seme-
Por outro lado, os desequilíbrios macroeconômi-
lhantes, e, para tentar sair da crise, desvaloriza o
cos, em termos gerais, foram ampliados, como a taxa
câmbio e em seguida declara moratória. Esse fato,
de juros, o que limitou o crescimento econômico e au-
que ficou conhecido como o "efeito tequila", agrava
mentou a dívida pública. De acordo com Rego e Mar-
ainda mais o problema brasileiro, afugentando os
ques (2001),
investidores internacionais, que temiam uma crise
generalizada na América Latina. Na fase pós-Real, a inflação caiu, o am-
biente econômico tornou-se mais estável
Diante desse quadro, o governo brasileiro alte- e previsível, mas a equação básica do
ra o regime cambial, adotando uma taxa de câmbio crescimento não foi solucionada. Como
a capacidade instalada não cresceu o
flexível, como tentativa de ajustar o balanço de pa- quanto deveria, qualquer movimento de
gamentos e restabelecer o equilíbrio externo. . Veja crescimento do consumo foi abortado por

127
ECONOMIA BRASILEIRA

medidas de restrição de crédito, elevação balança comercial superavitária e superávit primário.


dos juros e aumento dos compulsórios,
Ressalte-se que a geração de superávits primários im-
de forma que o crescimento tornou-se um
subproduto, não o objetivo principal da plica um menor montante de investimento disponível
política econômica. para fomentar, através de investimentos, o desenvolvi-
Diante da estagnação econômica que vive a eco- mento do país.
nomia brasileira após o plano real, discute-se muito a Acredita-se que, para retomar o processo de de-
hipótese de que as políticas adotadas para sua manu- senvolvimento econômico, seria necessário imple-
tenção impediram a promoção do crescimento econô- mentar algumas mudanças na condução da política
mico. Dentre os aspectos negativos do plano, podemos econômica, tais como: instituição de um controle se-
letivo de capitais, para obtenção de maior estabilida-
apontar como os principais: o crescente aumento da
de no mercado cambial, e mais autonomia na política
dívida pública e as dificuldades do sistema financeiro
monetária; redução consistente na taxa de juros, para
em operar em um cenário sem imposto inflacionário – o
promover o crescimento econômico; criação de uma
que obrigou o governo a lançar Programa de Estímu-
política industrial e de comércio exterior voltada para
lo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
a manutenção de superávits comerciais elevados; e
Financeiro Nacional (PROER). Além disso, agrava-
uso de políticas alternativas (não monetária) de com-
ram-se questões como desemprego, desnacionaliza-
bate à inflação.
ção progressiva da economia brasileira e aumento da
vulnerabilidade da economia nacional frente às crises
RESUMO
externas.
A propósito, Gustavo Franco (1994), um dos auto- Nas duas últimas décadas, a política econômica
res do Plano Real, diz que: brasileira teve como meta principal o combate à in-
Um projeto conseqüente (portanto livre flação. Entre todos os planos implementados, o Real
de charlatanismo populista) de cresci- foi o mais bem sucedido. Consistiu-se na combinação
mento com redução de pobreza e de con-
centração de renda, haveria de ter como de políticas fiscal, monetária e cambial, as quais con-
elemento central a aceleração da taxa de seguiram estabilizar os preços, mas em contrapartida
crescimento da produtividade, o que ne- geraram uma grande recessão na economia, deixando
cessariamente haveria de ter lugar com
a superação da substituição de importa- como herança para os próximos governantes a conci-
ções e o aprofundamento do processo de liação entre crescimento e estabilização.
abertura.

ATIVIDADES
A ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-
ESTABILIZAÇÃO 1. Destaque as principais características das três fa-
ses de implementação do Plano Real.
A abertura econômica promovida a partir de 1990 2. Delineie as maiores virtudes e vulnerabilidades do
não promoveu os resultados esperados; pelo contrário, Plano Real.
piorou os níveis de renda real e do emprego geral da 3. Quais foram as inovações apresentadas pelo Pla-
economia. Quanto à renda, está cada vez mais con- no Real em relação aos planos anteriores?
centrada. Entretanto, não se pode negar que as em- 4. O Plano Real conseguiu atingir os objetivos formu-
presas brasileiras estão mais competitivas. Em relação lados inicialmente?
ao ajuste fiscal, apesar dos esforços feitos na área e 5. Qual a avaliação que você faria do Plano Real atu-
da adoção dos superávits primários, o déficit nominal almente?
(que inclui o pagamento dos juros da dívida pública)
continua crescendo. REFERÊNCIAS
No contexto atual, pode-se afirmar que as medi-
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
das adotadas pelo Plano Real continuam mantendo tratégias confusas fazem desempenho econômico
a inflação sob controle, à custa de uma combinação medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
de câmbio sobrevalorizado, taxas de juros elevadas, lo, São Paulo, 01 abr.1999.

128
AULA 18 • O PLANO REAL

BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-


oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M. A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
ción Economia de la Universidad Nacional Autó-
noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
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porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

129
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 19

A ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-ESTABILIZAÇÃO: UM


NOVO MODELO DE INSERÇÃO INTERNACIONAL

Objetivos
• Avaliar os obstáculos a serem
superados pela economia brasileira pós-
estabilização.
• Discutir o processo de reestruturação
do Estado do ponto de vista das
privatizações.
• Conhecer as características da
participação do Brasil no fluxo de
investimentos diretos estrangeiros nos
anos 1990.
• Compreender as principais estratégias
da nova política industrial e de comércio
exterior adotadas pelo governo
brasileiro.
• Identificar os principais ajustes
microeconômicos que tiveram que ser
realizados pelas empresas brasileiras
para se adaptarem ao novo cenário.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO Os resultados do Plano Real lançaram as bases


para a retomada do crescimento sustentável com es-
No começo da década de 1990, simultaneamente à tabilidade de preços, porém a concretização desses
implementação do Plano Real, o Brasil iniciou um pro- resultados depende inteiramente da capacidade de o
cesso de transição para um novo modelo econômico, país consolidar e aprofundar as relações comerciais
caracterizado pela maior abertura da economia e pela com o exterior e manter fidelidade a um regime de polí-
reforma do Estado. A consolidação desse novo modelo ticas macroeconômicas sustentada pelo seguinte tripé:
de desenvolvimento deve ampliar as perspectivas de a austeridade fiscal, as metas inflacionárias e as taxas
uma inserção positiva do Brasil na economia mundial,
de câmbio flexíveis. É consenso que a estabilização da
buscando redefinir, em termos mais favoráveis, o papel
economia ainda depende da manutenção do superá-
do país no sistema de relações internacionais. Além
vit fiscal primário, necessário para reduzir o índice de
disso, o país deve retomar sua trajetória de desenvol-
endividamento em relação ao PIB, e também de con-
vimento tendo em vista o atendimento às camadas so-
siderável aumento das exportações a fim de reduzir a
ciais e regiões historicamente excluídas. Vamos anali-
vulnerabilidade do Brasil a choques externos.
sar juntos esse novo modelo de desenvolvimento, pois
ele causou e continua causando grandes mudanças no
O PROCESSO DE
perfil das organizações e, conseqüentemente, no nos-
so perfil de trabalhadores brasileiros. REESTRUTURAÇÃO DO
ESTADO: O PROGRAMA DE
A ECONOMIA BRASILEIRA APÓS PRIVATIZAÇÕES
O PLANO REAL: OBSTÁCULOS A
A partir da década de 1990, o governo inicia o pro-
SEREM SUPERADOS cesso de privatizações no sentido de concentrar a atu-
Após o Plano Real, os desafios enfrentados pela ação do Estado nas áreas essenciais, como educação,
economia brasileira foram enormes devido à coexistên- saúde, justiça, segurança, ciência e tecnologia. Além
cia de grandes inovações, que aconteceram simultane- do mais, a privatização das empresas estatais era ne-
amente, ou seja, a alteração no perfil do consumidor, a cessária para o equilíbrio financeiro do Estado, na me-
reestruturação das empresas, o processo de privatiza- dida em que elas consumiam uma enorme quantidade
ção, o acirramento da concorrência e o processo de fu- de recursos. É importante ressaltar que as estatais de-
sões e aquisições que envolveram diversas empresas. mandavam altos investimentos para a modernização
Além disso, o Brasil sai de uma economia hiperinflacio- da sua infra-estrutura. Com a privatização, esse custo
nária para uma economia estável; de uma economia foi repassado ao setor privado. Finalmente, com o di-
fechada, comandada pelo Estado, para uma economia nheiro arrecadado pela venda das estatais, o governo
aberta liderada pelo setor privado; de um Estado em- pode fazer um abatimento da divida pública, contribuin-
presário para um Estado regulador. do para o equilíbrio fiscal.
A coexistência destes dois fatores – a inflação crô- O Programa Nacional de Desestatização (PND) se
nica e a reestruturação da economia – exigiu da políti- tornou parte integrante do processo de reestruturação
ca econômica uma conciliação entre dois processos de do Estado, transferindo, entre 1995 e 1998, US$60 bi-
certa forma contraditórios, que eram a estabilização da lhões aos cofres da União e dos estados. Inicialmente,
economia e o aumento do consumo privado. Por outro o PND ficou restrito ao setor industrial, depois se esten-
lado, devido às crises internacionais (moratória mexi- deu para os setores de infra-estrutura, como telecomu-
cana em 1995, a crise da Ásia em 1997 e da Rússia nicações, distribuição de energia elétrica, transportes
em 1998), ocorreu uma fuga de capitais dos países em (ferrovia e portos) e saneamento básico. Paralelamente
desenvolvimento, que são dependentes de poupança ao processo de desestatização, foram criadas as agên-
externa. Portanto as transformações da economia bra- cias reguladoras (ANATEL, ANEL; etc.) com a finalidade
sileira a partir da década de 1990 envolveram a adoção de regular os operadores privados e assegurar, através
de um conjunto de políticas macroeconômicas e a rea- de legislação, o funcionamento concorrencial dos mer-
lização de várias reformas. cados. Com as agências reguladoras, o consumidor

132
AULA 19 • A ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-ESTABILIZAÇÃO: UM NOVO MODELO DE INSERÇÃO INTERNACIONAL

começa a ter acesso a canais independentes para suas A participação no capital compreende os
demandas e reclamações. Portanto a melhoria da pres- ingressos de recursos de bens, moeda e
as conversões externas em investimento
tação de serviço nos setores de infra-estrutura passa a estrangeiro direto, incluindo os valores
depender de uma ação efetiva das agências regulado- destinados ao programa de privatizações,
relacionados com a aquisição/subscri-
ras e da atitude dos consumidores. Nesse sentido, a ção/aumento de capital, total ou parcial
assessoria do Palácio do Planalto afirma: do capital social de empresas residentes.
Os empréstimos intercompanhias com-
O que é indiscutível é que a entrada do preendem os créditos concedidos pelas
capital privado nos setores de infra-estru- matrizes, sediadas no exterior, a suas
tura está possibilitando ganhos de efici- subsidiárias ou filiais estabelecidas no
ência. O tempo e o custo das operações país.O investimento direto difere do inter-
portuárias privatizadas, por exemplo, já câmbio de bens e serviços por vários fa-
tiveram uma queda dramática, embora tores. Primeiro, não tem liquidez imediata
ainda insuficiente para equiparar os por-
(pagamento à vista) ou diferida (crédito
tos brasileiros aos padrões mundiais. E,
comercial). Segundo, tem uma dimensão
principalmente, está possibilitando aquilo
intertemporal, pois os investimentos são
que de outro modo seria um sonho, dada
seguidos pelos fluxos de produção, venda
a exaustão da capacidade de financia-
mento do Estado: atender às imensas e lucros, com um certo atraso. Terceiro,
necessidades de investimento em infra- implica em transferências de direitos pa-
estrutura. Isto é vital do ponto de vista das trimoniais. Quarto, decorre de uma estra-
perspectivas de expansão da economia tégia que resulta do processo da empresa
como um todo. E traz benefícios diretos tentar antecipar a ação de suas concor-
para os consumidores. rentes Entre os objetivos das empresas
investidoras, destacam-se os seguintes:
recuperar os custos fixos associados às
A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL mudanças tecnológicas, capturar parcela
do mercado e participar do processo de
NO FLUXO DE INVESTIMENTO abertura dos oligopólios nacionais. As
estruturas oligopolistas e as barreiras à
DIRETOS ESTRANGEIROS NOS entrada deixam poucas opções às empre-
sas dos países em desenvolvimento para
ANOS 1990 ter acesso a um mercado maior e cobrir
algumas distâncias do seu atraso tecno-
Em meados da década de 1980, dentro do proces- lógico a não ser transferindo parte do seu
so de globalização, observa-se um grande crescimento capital para as empresas estrangeiras. O
investimento direto estrangeiro parece ser
dos fluxos financeiros e de comércio. Esse fenômeno mais resistente do que o investimento em
foi conseqüência tanto da expansão da liquidez, quan- carteira às crises financeiras nos países
to do avanço das tecnologias na área de telecomuni- receptores, pois resulta de decisões de
longo prazo, não sendo, por isso, afetado
cações e informática, as quais diminuíram significati- pela conjuntura de curto prazo. Em deter-
vamente o custo das transações. Por outro lado, tais minados casos, uma queda no preço das
ações combinada com a desvalorização
tecnologias encurtaram as distâncias entre os países,
cambial pode até atrair o investimento di-
proporcionando o funcionamento do mercado on-line. reto estrangeiro.
Durante a década de 1990, os fluxos globais de
Espero que tenha ficado claro! É importante ressal-
Investimento Direto Estrangeiros (IDE) continuam em
tar que o IDE, no Brasil, até a década de 80, foi de na-
grande atividade, Seguindo a tendência da década an-
tureza predominantemente produtiva, enquanto a partir
terior. Mas você sabe o que é Investimento Direto Es-
da década de 90 e atualmente, verifica-se uma prepon-
trangeiro? Segundo o Banco Central,
derância dos investimentos em carteira, derivativos e
Os investimentos estrangeiros podem ser outros, ou seja, capital financeiro, aquele representado
efetuados sob a forma de investimentos
diretos ou de investimentos em carteira. por títulos, obrigações, certificados e outros papéis ne-
O investimento direto é constituído quan- gociáveis, que podem ser convertidos em dinheiro com
do o investidor detém 10% ou mais das
rapidez. Com certeza, você já ouviu falar em capital
ações ordinárias ou do direito a voto numa
empresa; e considera-se como investi- especulativo, aquele que só procura obter vantagens
mento em carteira quando ele for inferior de uma determinada situação, não trazendo benefícios
a 10%.O investimento direto está dividido
em duas modalidades: participação no para a economia ou setor no qual se acha investido.
capital e empréstimos intercompanhias. Pois é, este é o tipo de capital que tem vindo para o

133
ECONOMIA BRASILEIRA

Brasil no contexto atual, principalmente por causa palmente no que diz respeito à inserção das empresas
das altas taxas de juros. Além do capital financeiro, o brasileiras no mercado internacional.
IDE também tem algum direcionamento para fusões e Nesse sentido, o novo papel do investimento deve
aquisições. estar associado a uma melhora qualitativa da inserção
A partir de 1995, o Brasil se consolidou como des- externa da economia brasileira na internacional. Assim,
tino preferencial do IDE, tornando-se o segundo maior mais do que a quantidade, é preciso uma melhor quali-
receptor dentre os países emergentes, com fluxo es- dade dos investimentos, de forma que eles estejam em
timado de US$97 bilhões no período, precedido ape- consonância com os desafios de geração de exporta-
nas pela China. ções e maior competitividade da empresas nacionais.
Esta performance está diretamente ligada à es- Outro enfoque subjacente ao que acaba se ser
tabilização da economia e às reformas estruturais exposto consiste nas estratégias de políticas de de-
do Plano Real. Em destaque a desestatização, que senvolvimento industrial, comercial, científica e tecno-
possibilitou a participação do capital estrangeiro em lógica, tendo em vista o crescente processo de desna-
setores que antes eram monopólio do Estado, como cionalização das empresas brasileiras.
telecomunicações e energia. Por outro lado, a conso- Tendo em vista as grandes transformações ocorri-
lidação do Mercosul também contribuiu para estimular das na nossa economia nos últimos quinze anos, po-
e reforçar a entrada de novas empresas, além de au- demos afirmar que nos últimos quarenta anos, houve
mentar a capacidade produtiva das já estabelecidas uma transição de um modelo fechado para um regime
no Brasil. mais aberto do ponto de vista comercial, financeiro e de
Com o processo de desestatização, o fluxo de in- investimento direto. As barreiras às importações foram
vestimento estrangeiro direto direcionado às privatiza- reduzidas, o mercado financeiro foi desregulamentado
ções totalizou US$29,6 bilhões, entre 1996 e 2000, o e houve incentivos à participação do capital estrangeiro
que equivale a menos de um terço do total do inves- em investimentos e setores de infra-estrutura, através
timento estrangeiro direto líquido desse mesmo perí- da eliminação das restrições institucionais.
odo (US$112,6 bilhões). Excluindo desse fluxo total Em meados de 1990, o governo divulgou um do-
o valor investido em privatizações, verifica-se que o cumento intitulado Diretrizes Gerais para a Política In-
saldo do investimento estrangeiro direto remanescen- dustrial e de Comércio Exterior (PICE), que tinha como
te, US$83,0 bilhões, além de expressivo, foi crescente principal objetivo o aumento da eficiência na produção
entre 1996 e 2000 (Fonte: Banco Central do Brasil). e comercialização de bens e serviços, com base na
Portanto pode-se dizer que esses números mostram a modernização e reestruturação da indústria. Para al-
reintegração e reinserção do Brasil no mercado inter- cançar esse objetivo era necessária a adoção das se-
nacional de capitais. guintes estratégias:
- Redução progressiva dos níveis de proteção tari-
POLÍTICA INDUSTRIAL E DE fária; eliminação da distribuição indiscriminada e não-
COMÉRCIO EXTERIOR ADOTADA transparente de incentivos e subsídios; e fortalecimen-
PELO GOVERNO BRASILEIRO to dos mecanismos de defesa da concorrência.
- Reestruturação competitiva da indústria mediante
APÓS O PLANO REAL a adoção de mecanismos de coordenação, de instru-
Como foi mencionado acima, o Brasil, ao longo do mento de apoio creditício e de fortalecimento da infra-
período 1994-2001, manteve-se entre os principais pa- estrutura tecnológica.
íses em desenvolvimento absorvedores de investimen- - Fortalecimento de segmentos potencialmente
tos diretos estrangeiros, somente sendo superado pela competitivos e desenvolvimento de novos setores, por
China. Esse fato contribuiu para amenizar a vulnera- meio de maior especialização da produção.
bilidade externa da economia, mas o crescimento tem - Exposição da indústria à competição internacio-
se mantido abaixo da média. Assim, é necessária uma nal, visando maior inserção no mercado externo, me-
melhor articulação entre a absorção dos investimentos lhora de qualidade e preço no mercado interno e au-
diretos estrangeiros e o crescimento econômico, princi- mento da competição em setores oligopolizados.

134
AULA 19 • A ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-ESTABILIZAÇÃO: UM NOVO MODELO DE INSERÇÃO INTERNACIONAL

- Capacitação tecnológica da empresa nacional, nológica; adequação da política de contratação


através de proteção tarifária seletiva às indústrias de e transferência de tecnologia;
tecnologia de ponta e do apoio à difusão das inovações e) utilização do poder de compra do Estado: es-
nos demais setores. tabelecimento de especificações de materiais
A Política Industrial e de Comércio Exterior (PICE) e equipamentos em padrões internacionais;
deveria ser implementada com o apoio de dois meca- geração de demanda para os setores tecnoló-
nismos: gicos de ponta; promoção de projetos de pes-
a) o Programa de Competitividade Industrial quisa com participação pública e privada.
(PCI), voltado para o desenvolvimento dos se-
Por fim, a Política Industrial e de Comércio Exterior
tores de tecnologia de ponta e a reestruturação
compreenderia também legislação antitruste (Lei nº 4
dos setores industriais e de serviços que pos-
137/62), que se revelara insuficiente e anacrônica, por
sam alcançar preços e qualidade em padrões
meio de nova legislação que procurasse evitar o cer-
internacionais. O programa compõe-se de sub-
ceamento à entrada ou à existência de concorrência,
programas setoriais específicos para segmen-
a formação de acordo ou aliança entre os ofertantes,
tos selecionados. a formação de trustes por meio de controle acionário
b) o Programa Brasileiro de Qualidade e Produ- direto ou indireto e a promoção de ajustes ou acordos
tividade (PBQP), organizado por meio de sub- entre empresas ,de modo a possibilitar fraude à livre
programas de conscientização e motivação, concorrência. O documento Diretrizes Gerais para a
de desenvolvimento e difusão de métodos Política Industrial e de Comércio Exterior apontava,
modernos de gestão empresarial, de capacita- ainda, a legislação herdada de governos anteriores
ção de recursos humanos, de adequação da a ser revista no processo de implementação da nova
infra-estrutura de serviços tecnológicos e de política: Lei nº 2 433/88 (Nova Política Industrial do
articulação institucional, bem como de projetos governo Sarney), Lei nº 7 322/84 (Política Nacional de
e subprogramas setoriais. Informática) e Lei nº 5 772/71 (Código de Propriedade
Os instrumentos de Financiamento seriam os se- Industrial). (GUIMARÃES, 1996).
guintes: Concluindo, pode-se dizer que a nova política
a) política de financiamento: ao investimento em industrial e de comércio exterior introduzida após o
capital fixo, à capacitação tecnológica e ao fi- Plano Real teve como foco a eficiência e a compe-
nanciamento do comércio exterior; titividade do setor produtivo, visando o aumento da
b) política de exportações: criação de mecanismo produtividade e a redução de custos por parte das
de financiamento para a exportação de produ- empresas, bem como a melhoria da qualidade dos
tos de ciclo longo, com a criação do Banco de produtos.
Comércio Exterior; simplificação dos controles
operacionais exigidos; modernização da infra- AJUSTES MICROECONÔMICOS
estrutura operacional; e revisão da estrutura REALIZADOS PELAS EMPRESAS
tributária; BRASILEIRAS PARA SE
c) política de importações: utilização da tarifa
aduaneira como único instrumento da política
ADAPTAREM AO NOVO CENÁRIO
de importação; redução das tarifas no período A abertura da economia brasileira na década de
1991/1994, a partir de estudos setoriais; ên- 1990 e o acirramento da competição mundial, com a
fase na legislação de defesa da concorrência entrada no país de produtos importados a baixo cus-
para a criação de mecanismos anti-dumping; to – basicamente os asiáticos – fizeram com que as
d) apoio à capacitação tecnológica da indústria: empresas locais implementassem mudanças drásticas
montagem e fortalecimento de redes de infor- para poder sobreviver. Nesse cenário, as empresas
mação tecnológica; atualização da infra-estru- mais atingidas foram as de menor porte e baixo nível
tura tecnológica; formação e desenvolvimento tecnológico, com atuação exclusiva no mercado inter-
de recursos humanos para a capacitação tec- no.

135
ECONOMIA BRASILEIRA

Como já discutimos anteriormente, a Nova Política 3. Caracterize a participação do Brasil no fluxo de in-
Industrial implementada pelo governo, através do Pro- vestimentos estrangeiros na década de 1990.
grama de Competitividade Industrial (PCT) e o Progra- 4. Quais foram as principais estratégias estabelecidas
ma Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), pela nova política industrial e de comércio exterior
tinha como objetivo a modernização do setor produtivo adotada pelo governo brasileiro?
brasileiro. O BNDES teve um papel importante nesse 5. Quais foram os principais ajustes microeconômicos
processo, através de um modelo de desenvolvimento feitos pelas empresas brasileiras após a abertura
chamado integração competitiva, que visava a moder- econômica?
nização da estrutura produtiva – melhorias tecnológi-
cas, introdução de novos produtos, logística, etc. ; a REFERÊNCIAS
ampliação da capacidade produtiva e investimentos
ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
nos setores de infra-estrutura – energia elétrica, trans-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
portes e portos. medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Paulo,
A combinação da nova política industrial com a re- São Paulo, 01 abr.1999.
cessão causada pelo plano real levou as empresas a BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
um profundo processo de reestruturação, que ficou co- oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
nhecido como “reengenharia”. Um dos principais pon- Alínea e Átomo, 2006.
tos dessa estratégia é o ajuste no quadro de pessoal, CARVALHO, Carlos Eduardo. Bloqueio da liquidez
ou seja, demissões em massa, que não se restringia e estabilização: o fracasso do Plano Collor – Tese
apenas ao chão de fábrica (operários), mas afetava de Doutorado: Unicamp, 1996.
também as áreas administrativas e cargos de direção. CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
Além disso, foram colocadas em práticas medidas, tais econômica de Brasil durante 1999-2005. Investigaci-
como: concentração em linhas de produtos competiti- ón Economia de la Universidad Nacional Autónoma
de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
vos, terceirização de atividades e implantação de pro-
gramas de qualidade e produtividade. FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
Bem, por hoje, basta de estudos. Paramos por
aqui. GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
Aguardo você para nossa próxima aula. (Org.). A Economia Brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.

RESUMO GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-


porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
Vimos nesta aula que, a partir da década de 1990, GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
o Brasil inaugura um novo modelo de desenvolvimento Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
econômico, baseado numa nova modalidade de inser- LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
ção internacional. O país passa por um amplo processo tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
de abertura ao exterior, e o Estado se retira da eco-
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
nomia através do programa de privatizações. Por cau- porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
sa da abertura de mercado, as empresas brasileiras
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
empreendem mudanças radicais nos seus processos
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
produtivos e gerenciais para poder sobreviver à con-
corrência. SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
ATIVIDADES SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
1. Cite os principais desafios enfrentados pela econo- 2007.
mia brasileira após o Plano Rreal. VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
2. Faça uma avaliação do programa de privatizações nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
no Brasil. Atlas, 2003.

136
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 20

A DISCUSSÃO ENTRE ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO


DA ECONOMIA BRASILEIRA

Objetivos
• Entender a dificuldade de se equilibrar
crescimento e estabilização.
• Relacionar a evolução do PIB com as
políticas de estabilização econômica.
• Perceber as dificuldades que o Brasil vai
encontrar para retomar o crescimento
econômico.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO
A retomada do crescimento econômico
Por tudo que vimos estudando, você já perce- PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
beu que a estabilização econômica cria condições
A combinação de juro elevado, moeda
necessárias, porém não suficientes para o cresci-
forte e tributos pesados explica, em larga
mento sustentável. O dilema entre estabilidade e medida, o fraco dinamismo da economia
crescimento tornou-se o foco das discussões sobre POR ENQUANTO , há um certo silêncio sobre
a condução da política econômica no Brasil, na me- política econômica por parte dos dois principais
dida em que o resultado dos esforços de estabili- candidatos à Presidência, o do PT e o do PSDB.
zação levou à perda do dinamismo no crescimento Passam a impressão de ter modelos parecidos.
econômico. Nesta aula vamos compreender melhor Uma das questões centrais que seria preciso
essa polêmica. debater é a seguinte: o que fazer para retomar
taxas robustas de expansão econômica?
A trajetória de muitas economias nos últimos anos,
O DIFÍCIL EQUILÍBRIO tanto desenvolvidas como emergentes, indica que
é possível conciliar rápido crescimento do PIB com
ENTRE ESTABILIZAÇÃO E taxas de inflação modestas (5% ao ano ou menos).
CRESCIMENTO A experiência brasileira desde 1994 revela, por
outro lado, que determinadas formas de estabilizar
A partir dos anos de 1990, a inflação deixou de a moeda podem ser destrutivas das condições
ser um entrave ao crescimento da economia brasi- de crescimento. No Brasil, o combate à inflação
leira, porém a estabilidade econômica não foi su- tem sido feito por meio de juros sempre muito
ficiente para alavancar a retomada do desenvolvi- altos e câmbio recorrentemente sobrevalorizado.
mento. Com exceção do período de 1993 a 1995, O relativo ajustamento das finanças públicas
é alcançado de forma precária, com aumentos
cujo crescimento médio anual foi de 4,7%, o restan-
da carga tributária e cortes de investimentos,
te do período foi marcado por taxas de crescimento
inclusive em áreas prioritárias como a infra-
baixas ou negativas.
estrutura de transportes e energia. Essa
Em1997, com a crise dos tigres asiáticos, o ce- combinação de juros elevados, moeda forte,
nário externo torna-se desfavorável, na medida em tributos pesados e investimentos públicos
que os fluxos de capital para os países em desen- reduzidos é que explica, em larga medida, o fraco
volvimento como o Brasil diminuem sensivelmente, dinamismo da economia. O foco do problema
causando sucessivos ataques especulativos contra é a política de juros altos, que desestimula o
a moeda nacional, o que levou esses países a ado- consumo e o investimento, provoca apreciação
tarem regime de câmbio flutuante. Nesse contexto, cambial e pressiona o custo da dívida pública.
O câmbio valorizado derruba as exportações e
fica claro que a estabilidade cambial e monetária
induz à substituição de produtos nacionais por
dos anos anteriores se baseava no endividamento
importações, o que tende a tornar negativa a
externo facilitado pelos investidores estrangeiros. contribuição do setor externo para a variação do
A flexibilização forçada do câmbio causou uma PIB. O aumento do custo da dívida acaba levando
forte desvalorização e volatilidade cambial. Isso le- o governo a buscar superávits primários elevados,
vou o Brasil a uma grave crise financeira, que deu seja por aumento de tributos, seja por diminuição
origem a uma nova fase de estagnação e instabili- de despesas, deprimindo ainda mais a economia.
dade econômica. Além disso, a combinação das po- Fundamental, portanto, é reorientar as políticas
líticas econômicas do chamado “Consenso de Wa- monetária e financeira. Há um esboço de mudança
(talvez apenas eleitoreiro) desde a queda de
shington”, como a abertura comercial e a redução
Antonio Palocci Filho e a sua substituição por
do Estado, contribuíram para acirrar o debate entre
Guido Mantega. Mas a reorientação não tomará
estabilização e desenvolvimento. impulso se o Conselho Monetário Nacional
Leia a seguir alguns artigos sobre o debate en- e, sobretudo, o Copom (Comitê de Política
tre crescimento e estabilização.

138
AULA 20 • A DISCUSSÃO ENTRE ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA

Monetária) do Banco Central continuarem Dualismo econômico


dominados por técnicos e financistas distantes do
O temor da inflação, em especial quando
mundo da produção e estreitamente identificados
infundado, não pode barrar a prosperidade.
com a visão e os interesses do sistema bancário.
O mandato do BC deve fazer referência não Os indicadores positivos divulgados em outubro
apenas ao controle da inflação como também - expressos no superávit da balança comercial,
à sustentação do crescimento, à semelhança no índice de empregos da Fiesp e nos dados
do que se verifica nos EUA, por exemplo. O do IBGE sobre a performance da produção
sistema de metas para a inflação precisa ser industrial - foram importantes contrapontos às
definido e aplicado de forma mais flexível. más notícias provenientes do Exterior naquele
Não é necessário, por exemplo, mirar sempre mesmo mês: o rebaixamento do Brasil no índice
o centro da meta, especialmente quando a de competitividade do World Economic Forum e
economia é submetida a choques de oferta. sua queda no ranking dos principais países com
As metas devem ser definidas para horizontes mais potencial de atração de investimentos diretos.
longos, de dois a quatro anos, o que daria ao BC Entretanto, embora saudável para a auto-
mais flexibilidade para alcançar os seus objetivos
estima da nação, a tendência de recuperação
antiinflacionários sem sacrificar a atividade
econômica não deve relegar a um segundo
econômica e a competitividade da taxa de câmbio.
plano os dados dos organismos internacionais
Além disso, o BC e os demais bancos públicos
e tampouco mascarar os sintomas neles
federais têm que atuar, com firmeza, para ampliar
contidos.
o crédito, aumentar a concorrência em diferentes
segmentos do mercado financeiro e diminuir o É necessário e prudente assimilar os alertas,
altíssimo “spread” bancário, isto é, a diferença pois espelham um problema efetivo, não
entre as taxas de ativas e passivas dos bancos. resolvido pelo Brasil nos dez anos desde o
A redução gradual da taxa básica de juro, até advento do real: a capacidade de conciliar
chegar a algo como 4% a 5% em termos reais, controle da inflação/responsabilidade fiscal com
não é incompatível com uma inflação baixa, uma o crescimento econômico sustentado. Assim,
vez que a economia brasileira opera com grande o que se verifica é a ocorrência pontual de
capacidade ociosa. A queda dos juros levaria à períodos de expansão do nível de atividades,
depreciação cambial, fortalecendo o ajustamento como no ano 2000. A rotina, porém, tem sido
externo e ampliando o estímulo ao crescimento.
de estagnação e até recuo do PIB, como
Taxas de juro menores permitiriam também
ocorreu em 2003, na contramão, aliás, dos
assegurar o ajustamento das finanças públicas
próprios cenários do continente: a Comissão
com um nível mais alto de investimentos em infra-
Econômica para a América Latina e Caribe
estrutura e um nível mais reduzido de carga tributária.
(Cepal) demonstra, em estudo recente, que as
Isso aconteceria de duas maneiras: a) diretamente,
dez principais economias da região cresceram.
pelo alívio da carga de juros da dívida (mesmo
que se leve em conta a provável redução dos O Brasil foi a exceção.
impostos sobre rendimentos financeiros); e Os dados concretos e as boas perspectivas de
b) indiretamente, porque a queda dos juros expansão do PIB brasileiro, este ano, devem
aumentaria a atividade econômica, favorecendo a ser vistos como oportunidade para o ingresso
arrecadação e reduzindo as despesas de caráter da Nação num círculo virtuoso da economia.
cíclico. Note-se que o ajustamento fiscal aparece Talvez o momento seja o mais propício da última
aqui, em grande parte, como subproduto da década, considerando os cenários externos
reorientação monetária – e não, como sustentam e a conjuntura interna de aquecimento, para
muitas análises de tipo mais tradicional, como
a revisão dos três pontos críticos da política
precondição para mudar a política de juros.
econômica: juros altos (Selic e TJLP), impostos
(BATISTA JR., P. N. A retomada do crescimento excessivos e escassez de linhas de crédito para
econômico. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 investimentos produtivos. O empresariado e
ago. 2006. Caderno Dinheiro.) os organismos internacionais têm razões bem

139
ECONOMIA BRASILEIRA

ca, o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB)


fundamentadas ao apontar esses obstáculos à brasileiro foi bastante irregular, chegando a ficar
produção.
negativo. Após a adoção do Plano Real, ele volta
Na lógica do capitalismo, não pode haver tanto a apresentar crescimento, porém a taxas decres-
antagonismo entre inflação baixa/equilíbrio fiscal centes. Essas oscilações refletem as dificuldades
e crescimento. Este paradoxo parece ainda mais enfrentadas para a retomada do crescimento auto-
intrigante num país, como o Brasil, muito distante
sustentado.
de um quadro de inflação de demanda. Levando-se
em consideração a necessidade de incluir milhões Tudo indica que o Plano Real acabou prisionei-
de habitantes nos benefícios da economia, o bom- ro de seu sucesso, na medida em que o temor da
senso indica que intensificar investimentos é a equipe econômica de que a inflação volte impediu a
melhor alternativa contra a alta de preços, refreando promoção de políticas de desenvolvimento que pu-
eventuais pressões inflacionárias. dessem colocar em risco a estabilização monetária.
Há tempos, a nação parece acometida de uma As políticas de desenvolvimento só começaram a
espécie de esquizofrenia econômica. É como se ganhar alguma dimensão tardiamente, já em 2000,
a prosperidade tivesse, necessariamente, de ser e acabaram abortadas pela mudança de governo.
punida com o castigo da inflação. Contudo, muito É fato que a estabilidade econômica é uma con-
além de criticar ou se limitar à condição de analistas,
dição para se alcançar melhor qualidade de vida
os empresários, bem como os trabalhadores, devem
mobilizar-se no sentido de participar das decisões. para a população – crescimento produtivo, aumento
Aliás, precisa ser sempre ressaltada a capacidade do número de empregos, melhoria da distribuição
de superação das empresas brasileiras, que de renda, dos serviços públicos essenciais, do bem-
sobrevivem há décadas num ambiente econômico estar social -, porém, esse conjunto de benefícios
inóspito. Criatividade e infinita capacidade de ainda não foi alcançados devido ao tímido desem-
acreditar na possibilidade do desenvolvimento penho da economia e ao desemprego. Portanto,
incluem-se entre as virtudes que mantêm viva a
sabemos da importância do Plano Real e da esta-
economia nacional.
bilidade monetária, mas eles não foram o suficiente
Assim, é legítima a reivindicação das forças produtivas para que país alcançasse o crescimento econômico
no sentido de que se removam os obstáculos à
sustentado e o desenvolvimento social almejados
multiplicação dos investimentos e à criação de
empregos em maior escala. Ademais, quem produz pela população.
e trabalha precisa exercitar de forma mais proativa Fica claro, portanto, que o modelo econômico
o direito e o dever de influir no processo histórico. seguido desde então encontra-se esgotado e supe-
Tal postura é decisiva para solucionar os problemas rado, e que o Brasil está perdendo o rumo em dire-
brasileiros, dentre eles esse estranho dualismo no ção ao desenvolvimento, sem conseguir se recon-
qual se digladiam o anseio do crescimento e o freio ciliar com o crescimento. As taxas de crescimento,
do monetarismo exacerbado.
principalmente quando analisadas sob o aspecto da
Paulo Skaf renda per capita, têm sido medíocres e inferiores à
Empresário, Presidente do Conselho Deliberativo média dos países em desenvolvimento.
do Sebrae-SP e Presidente da Fiesp (Federação Se tomarmos o PIB como indicador, observare-
das Indústrias do Estado de São Paulo) mos um crescimento médio, ao longo dos últimos
dez anos, de 2,2%. O PIB per capita da economia
praticamente não cresceu, portanto, o crescimento
A EVOLUÇÃO DO PIB foi comprovadamente medíocre.
A seguir, leia um artigo do economista Fabrício
BRASILEIRO E AS POLÍTICAS DE
de Oliveira, proferido em um seminário de comemo-
ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA ração de 10 anos de Plano Real, no qual analisa a
Durante os anos de 1990, período da imple- relação entre crescimento e estabilidade econômi-
mentação das políticas de estabilização econômi- ca:

140
AULA 20 • A DISCUSSÃO ENTRE ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA

O ALTO CUSTO DA ESTABILIZAÇÃO de emprego, de melhor distribuição de renda e


de avanço tecnológico.
Esquematizei a apresentação de minha
avaliação do Plano Real de forma a focalizar Não é necessário apresentar os dados relativos
mais os resultados que ele ainda pode de fato aos campos econômico, social e financeiro,
oferecer à sociedade. Formulei a seguinte para mostrar que, de fato, o Plano Real, em
pergunta central: o modelo econômico atual, todos os sentidos, representou um retrocesso
considerando os custos que tem imposto para o país, pois impôs um custo muito alto.
à sociedade e os custos maiores que
continuarão sendo impostos, tem condições A taxa de desemprego, que, pela metodologia
e perspectivas para oferecer melhores dias do Sead/Dieese, era de 15% em 1994, já
futuros para a sociedade? Essa pergunta deve está, há algum tempo, em torno de 20%. Os
nortear minha exposição, e, para respondê-la, indicadores sociais são os piores, o setor
cheguei a formular mais seis perguntas, por público praticamente faliu nesse processo,
meio das quais estaria conversando com as a carga tributária aumentou dez pontos
questões levantadas. A primeira pergunta é a percentuais do PIB, tendo em vista os novos
seguinte: há o que comemorar em relação ao compromissos assumidos pelo governo. E o
Plano Real, a suas conquistas e aos benefícios mais grave é que o endividamento praticamente
que trouxe para a sociedade? Há pelo menos dobrou nesse período, saltando de 30% para
uma coisa. A primeira, sempre mencionada, 60%. Tirando a estabilidade do preço, não
é a estabilidade dos preços. De fato, antes podemos, passados dez anos, considerar
da implementação do Plano do Real, a que essa estabilidade tenha se traduzido em
economia se defrontava, desde meados da benefícios para a sociedade. Pelo contrário,
década de 80, com a ameaça permanente de ela impôs um custo muito alto. Rapidamente
um processo hiperinflacionário, com todas passo à terceira pergunta: por que se chegou
as conseqüências que acarreta ao tecido a essa situação? Pela arquitetura do modelo.
econômico e social. Temos de considerar o modelo desde a sua
Nesse sentido, a engenharia do Plano Real implementação, em 1994, como duas etapas.
conseguiu reverter esse processo. Saímos de A primeira foi de 1994 a 1998, e a segunda
uma situação, às vésperas do Plano, em que se inicia em final de 1998, início de 1999,
taxas de inflação estavam próximas de 40% ao com a mudança da arquitetura do Plano,
mês e ingressamos em um cenário com taxas de prolongando-se até nossos dias. Infelizmente,
inflação que podem ser consideradas de nível o governo Lula não alterou as peças, mas deu
moderado e não rastejantes. É inquestionável continuação a esse modelo, radicalizando.
que essa conquista tenha de ser atribuída ao
Na primeira fase, a arquitetura do Plano esteve
Plano Real. Há dez anos, estamos passando
assentada em três peças. A primeira peça
por esse quadro de estabilidade monetária,
foi, inicialmente, um câmbio fixo, com uma
que foi uma conquista desse plano. Parto para
paridade limite de até U$ 1,00 por R$ 1,00. O real
a segunda pergunta. “Passados dez anos do
não poderia valer menos que o dólar, poderia
lançamento do Plano Real, que benefícios
valer mais. Mas depois, em 1995, a peça foi
essa estabilidade monetária trouxe para a
abandonada. A segunda peça, pelo fato de não
sociedade?” A estabilidade não pode ser
vista como um fim em si mesmo. Na verdade, se ter construído a âncora fiscal, consistiu no
a estabilidade monetária é uma condição trabalho com uma política de elevadas taxas
necessária, embora não suficiente, para de juros para manter a atração de capitais
garantir a criação das condições necessárias externos e controlar o crédito da economia.
para que a economia ingresse em um processo E a terceira consistiu numa rápida abertura
de crescimento sustentado, com todos os comercial no processo de inserção nessa nova
benefícios que isso acarreta para a sociedade ordem globalizada. As conseqüências desse
em termos de expansão da renda, de geração modelo, com a precessão do câmbio, elevadas

141
ECONOMIA BRASILEIRA

taxas de juros, conduziram o país rapidamente isso apesar do sacrifício e do esforço que está
para um grande processo de endividamento. sendo feito pela sociedade brasileira para
A dívida pública, com proporção do PIB, impedir seu crescimento descontrolado. A
saltou, de 1994 para1998, de 30% para 43%, situação é insustentável, porque não há mais
o que despertou uma grande desconfiança espaço para novos ajustes. Pode ser até que
dos agentes econômicos, internos e externos, se consiga, mas não há mais espaço.
sobre a capacidade de solvência do país. Em
A carga tributária brasileira já foi elevada
1998, o país quebrou, e teve de recorrer ao
a níveis intoleráveis, asfixiantes para a
FMI para dar continuidade ao Plano. A dívida
atividade produtiva e para a sociedade. Para
passou a exigir, num segundo momento, uma
garantir o superávit primário, chegamos a
mudança do modelo para garantir que ela não
uma carga tributária, no ano passado, em
crescesse de forma descontrolada. As peças
torno de 36%. As projeções do IBPT, para
do modelo foram alteradas. Adotou-se um
este ano, são para uma carga de 38%. Nessa
modelo com câmbio flutuante, abandonando-
progressão, pode até ocorrer um processo
se o câmbio fixo, com ampla mobilidade de
de desobediência fiscal na sociedade, como
capitais.
já se tem observado em algumas questões
Uma segunda peça desse modelo foi o regime tributárias. O patrimônio público, por meio do
de metas de inflação, que substituiu a âncora processo de privatização, já foi praticamente
cambial predominante na fase anterior. A liquidado. Restam algumas poucas atividades
terceira peça do Plano consistiu a geração de e empresas que não foram privatizadas, como
superávits primários elevados e crescentes a Petrobrás, geração de energia, Banco do
para impedir o crescimento descontrolado da Brasil, que são extremamente delicadas.
dívida. Esse novo modelo implicou para o país Então, R$ 100 bilhões do patrimônio público
a renúncia ao crescimento econômico, que é foram “torrados” para o abatimento da dívida
a fase mais dolorosa que estamos vivendo. A e, no entanto, não se conseguiu impedir
economia foi almejada a partir dessa segunda que ela atingisse esses níveis. O ajuste pelo
etapa. Esse é o modelo que tem continuidade lado do gasto do orçamento está nos seus
no atual governo. Minha pergunta: esse limites. O governo não tem espaço para
modelo é sustentável? Ele tem condições de cortar mais despesas, porque as chamadas
resolver os problemas da economia e com isso despesas discricionárias, que permitiram ser
remover os obstáculos para o crescimento cortadas, dado o seu enrijecimento, estão
econômico de forma auto-sustentável? A reduzidas, no orçamento federal e também
resposta é não, por algumas razões. Primeiro, nos governos estaduais, a menos de 10%.
porque todo o esforço que tem sido feito pelo Boa parte desses recursos que estão livres
governo tem sido insuficiente para reduzir a supostamente é destinada ao funcionamento
dívida a tamanhos toleráveis pelos credores da máquina pública. Portanto, em virtude
internacionais. da Constituição, das normas que protegem
A dívida, como havia apontado, saltou de 30% determinadas despesas e dos juros, que se
para 64% ao ano em pouco tempo, e hoje foi tornaram sagrados no orçamento, não há
reduzida para 56%. Mas o esforço que tem sido espaço para corte de gastos. A alternativa que
feito para pagá-la, por intermédio da geração se tem colocado atualmente é explorar a PPP,
de superávits primários, tem sido insuficiente parceira público-privada, em função de não ser
para impedir seu crescimento. Trabalhamos mais possível endividar nem aumentar carga.
com um déficit nominal do setor público que Na situação institucional atual, não é possível
oscila entre 8%, 9% e 10% do PIB e geramos reduzir gastos num montante necessário para
superávits primários equivalentes, no último continuar um ajuste que tem se traduzido
ano, a 4,3%. O que não é pago é integrado ao em prejuízos grandes para a economia e
estoque da dívida. Então, ela tem mecanismo para a sociedade. Então, surge a PPP como
de auto-alimentação e progressividade. E tudo medida salvadora, mas se trata de uma

142
AULA 20 • A DISCUSSÃO ENTRE ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA

alternativa que levará a mais endividamento, estão sob controle da política econômica,
a mais enrijecimento do orçamento, mas, sim, do mercado internacional, do
porque o pagamento dos compromissos cenário nacional, via câmbio, especuladores
assumidos terá de ser priorizado em relação internacionais, taxa de inflação, preços e
a determinados gastos. Então, não é uma juros, que não estão totalmente sob o controle
alternativa muito favorável. Todo esse esforço da política econômica. A política econômica
permite o desenvolvimento econômico? Não, abdicou de sua autonomia de manejar os
por algumas razões. O crescimento, de forma instrumentos econômicos, para garantir as
sustentada, supõe que qualquer ensaio ou metas acertadas nos compromissos com
surto de crescimento, por pequeno que seja, o capital financeiro e com o FMI. O modelo
esbarra em vários problemas. Um deles são não abre espaços para o desenvolvimento
os compromissos assumidos pela política econômico. As forças do anticrescimento são
econômica nas metas de taxas de inflação e fortes, barram um crescimento econômico
geração de superávit primário. Qualquer desvio auto-sustentável.
dessas metas força o aborto do crescimento.
Outro ponto é que o crescimento esbarra em
restrições externas fortíssimas, dada à alta A DIFÍCIL RETOMADA DO
vulnerabilidade da economia brasileira. Ele
termina, portanto, quando essas restrições se CRESCIMENTO
acentuam. Outro ponto diz respeito aos limites
De acordo com alguns economistas, existem vá-
da infra-estrutura econômica, aos gargalos
rios obstáculos a serem superados pelo Brasil para a
estruturais da economia brasileira, porque o
retomada do desenvolvimento. Porém uma parte deles
setor público não dispõe de mais recursos
para investir nesses setores. Portanto, temos acredita que a economia brasileira está, aos poucos,
apagão das estradas e da energia. Qualquer retomando o caminho do crescimento sustentado, não
crescimento mais forte acentua esses gargalos devendo, todavia, exceder determinados limites para
e impede sua continuidade. não ameaçar os equilíbrios econômicos conquistados
Outra corrente acredita que as reformas estruturais
Qualquer tentativa de crescimento bate na
introduzidas no país nos últimos 15 anos foram corre-
capacidade de oferta do setor privado, que há
tempos não investe. Estamos com uma taxa tas, mas não teriam sido suficientes para implantar no
de investimento global da economia - não país uma verdadeira economia de mercado. Sendo as-
discutirei sua qualidade - em torno de 18%, sim, tais reformas deveriam ser retomadas e aprofun-
desde 1995. Em 1994, chegou a 21,5%; ninguém dadas. A primeira delas seria a abertura financeira, vis-
investe. Não há perspectivas favoráveis, e não ta como condição para o rebaixamento das taxas reais
há confiança do empresariado para investir. de juros – sem o que não seria supostamente possível
Então, o surto de crescimento, que muitos a retomada do crescimento.
economistas do mercado estão analisando A terceira corrente coloca no centro da discussão a
com otimismo, já está batendo em todos os fragilidade e a instabilidade da economia brasileira. Na
tetos: capacidade de oferta do setor privado perspectiva desse grupo de economistas, para a eco-
e insuficiência da infra-estrutura. Ele já está nomia voltar a crescer de maneira sustentável, seria
pressionando os preços. A política de câmbio
necessário que o regime de políticas macroeconômi-
está sinalizando que pode elevar as taxas de
cas fosse alterado e que fosse exercido algum tipo de
juros. Portanto, esse pequeno crescimento
controle sobre os fluxos internacionais de capital. Além
pode ser abortado. Nessa perspectiva, trata-se
disso, deveriam voltar a ser implementadas políticas
de um modelo insustentável, que não resolverá
os problemas da sociedade brasileira, nem industriais e tecnológicas, sem as quais não haveria a
sinaliza que dias melhores virão. Por quê? possibilidade do crescimento rápido e sustentado.
Porque não resolve o problema, já que a dívida Para concluir, uma pequena análise da performan-
possui determinantes de crescimento que não ce da economia brasileira na última década, na visão
dos economistas Saad Filho e Moraes, 2002:

143
ECONOMIA BRASILEIRA

A economia brasileira cresceu pouco, mas 2. Explique a dicotomia estabilização X crescimento.


mudou muito nos anos noventa. A taxa mé-
3. Atualmente, quais são os maiores entraves ao de-
dia de crescimento do PIB durante aqueles
anos foi de apenas 1,7% ao ano, a mais senvolvimento brasileiro?
baixa do século, enquanto o desemprego
total cresceu de 8 para 17% da força de tra-
balho. O emprego industrial caiu em um ter- REFERÊNCIAS
ço, e a capacidade produtiva declinou em
vários setores importantes, especialmente ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
a indústria de bens de capital. A reestrutu- tratégias confusas fazem desempenho econômico
ração industrial reduziu a capacidade da
economia de gerar empregos, e o Brasil
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
tornou-se mais dependente de importações lo, São Paulo, 01 abr.1999.
e do capital estrangeiro. Por conseqüên-
cia, a restrição externa tornou-se mais se-
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
vera. Os anos noventa foram, sob vários oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
aspectos, piores que a “década perdida” Alínea e Átomo, 2006.
dos oitenta, basicamente devido à virada
neomonetarista da política econômica, BATISTA JR., P. R. A retomada do crescimento eco-
que foi implementada gradualmente, mas nômico. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 ago.
de forma cada vez mais determinada, ao 2006. Caderno Dinheiro.
longo da década. Essa mudança presumiu
que taxas de juro elevadas e a liberalização CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
comercial e da conta de capitais induziria a econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
uma transferência substancial de recursos ción Economia de la Universidad Nacional Autó-
reais e financeiros ao Brasil, garantindo noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
altas taxas de crescimento por longos pe-
ríodos. A experiência do Brasil e de outros FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
países demonstra que as reformas neomo- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
netaristas oferecem uma base inconsisten-
te para a estratégia de desenvolvimento. GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
Elas dependem de variáveis que países porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
como o Brasil influenciam apenas marginal-
mente, especialmente a disponibilidade e GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
o custo dos recursos financeiros externos. (Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Elas modificaram o motor do crescimento
rumo ao consumo financiado do exterior e o
Janeiro: BNDES, 1999.
investimento em bens não-transacionáveis, GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
que reduziu a poupança doméstica, piorou
o balanço de pagamentos, e gerou crises
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
fiscais e cambiais. Em conseqüência, a LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
estagnação econômica enraizou-se, e o
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
aumento do desemprego e a deterioração
da distribuição de renda neutralizaram os MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
ganhos iniciais com o Plano Real. porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
RESUMO damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
Nesta aula tentamos entender a grande polêmica SAAD FILHO, Alfredo; MORAIS, Lécio. Revista de
acerca da estabilização e o crescimento econômico, ou Economia Política, vol. 22, nº 1(85), jan/mar/2002.
seja, é possível conciliar inflação baixa com o aqueci- SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
mento da economia? Vimos que as opiniões dos espe- Paulo: Best Seller, 2002.
cialistas são divergentes, porém todos concordam que
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
é preciso melhorar os índices de crescimento da eco- temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
nomia brasileira para gerar mais empregos e, em con- 2007.
seqüência, mais qualidade de vida para a população.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
ATIVIDADES Atlas, 2003.
1. O Plano Real teve muito êxito no combate à infla-
ção, porém gerou certa estagnação na economia.
Explique as razões desse fenômeno.

144
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 21

OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO PLANO REAL E A


ADOÇÃO DO CÂMBIO FLUTUANTE

Objetivos
• Perceber o colapso do Plano Real
e relacionar os principais problemas
enfrentados por ele.
• Compreender as principais medidas
adotadas pelo governo para enfrentar os
problemas.
• Entender o significado do fim da “âncora
cambial” como uma das principais
medidas de mudança no Plano Real
e a conseqüente adoção do câmbio
flutuante.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO contas de transações correntes, o Brasil dependia do


capital especulativo para fechar essas contas.
Mostramos, na aula anterior, a grande dificuldade Vejamos um pequeno texto sobre o tema, para que
em conciliar crescimento e estabilidade econômica. Po- você não tenha dúvida de como funcionam essas con-
rém esse problema não é privilégio do Brasil, já que é tas.
uma questão inerente ao processo de desenvolvimento
econômico, questão que tem gerado diversos debates
(....) Os especuladores internacionais aplicam
entre os economistas, nas últimas décadas. Veremos a
seus recursos em vários países. Quando a
seguir como as políticas econômicas usadas pelo Pla- economia de uma dessas nações entra em
no Real se transformaram em entraves para o desen- colapso, acarretando-lhes prejuízos, eles tentam
volvimento econômico. compensá-los desfazendo-se de títulos que têm
em outros países. E, nesse caso, serão afetados
O COLAPSO DO PLANO REAL os países que, por terem suas contas externas
deficitárias, estão dependendo desses capitais.
A partir de 1995, ano em que Fernando Henrique
O movimento que realizam é o seguinte: vendem
Cardoso assume a presidência da República, o Plano seus títulos, em primeira instância, por moeda
Real começa a apresentar os primeiros problemas. nacional, e, depois, trocam o valor obtido por
Um dos principais indícios de crise eram os déficits na dólares, enviando-os para locais de aplicações
balança comercial em torno de US$3,6 bilhões. Pode- mais rentáveis e seguras, ou para cobrir os
se dizer que a principal origem desse déficit estava na prejuízos que sofreram. Por isso, caem as bolsas,
taxa de câmbio, usada como principal instrumento da fogem as reservas e aumenta a pressão sobre o
política econômica. O ajuste fiscal e a desindexação câmbio nos países afetados.
da economia, feitos anteriormente, já não davam mais (SOUZA, Nilson Araújo. Atlas, 2007)
resultados, fazendo com que o governo mantivesse
uma taxa de câmbio bastante elevada, para segurar
Portanto, o déficit em transações correntes do ba-
a estabilidade dos preços. Você se lembra da relação
lanço de pagamento brasileiro, no primeiro trimestre de
existente entre taxa de câmbio e inflação? Se já esque-
1995, agravou-se enormemente, evoluindo de US$3,54
ceu, volte à aula 18, sobre a implementação do Plano
bilhões em janeiro (0,66% do PIB) para US$7,59 bi-
Real e faça uma revisão.
lhões em março (1,4% do PIB).
Sabemos que o uso da taxa de câmbio, ao mesmo
Como se não bastasse o agravamento do déficit
tempo em que segura a estabilidade de preços, pro-
comercial, também a conta de serviço já apresentava
voca uma deterioração da balança comercial, já que o
problemas devido à “âncora cambial”. De acordo com
câmbio valorizado desacelera o crescimento das ex-
cálculos da Fundação Getúlio Vargas, só com a rene-
portações. O resultado dessa política econômica foi a
gociação da dívida externa, o Brasil teria que desem-
queda da participação do Brasil nas exportações mun-
bolsar, em 1995, mais ou menos US$11 bilhões. Foi
diais, de 1,5% na década de 1980 para 0,8% no final
esse contexto econômico que Fernando Henrique Car-
da década de 1990.
doso encontrou ao iniciar seu primeiro governo.
Além do déficit comercial, outro problema foi a eva-
são de divisas que se verificou ao longo do primeiro tri-
mestre de 1995. Nesse período, saíram do Brasil algo
OS AJUSTES FEITOS NO PLANO
em torno de US$8,2 bilhões, dinheiro que seria usado REAL E AS MEDIDAS ADOTADAS
para garantir as importações de mais ou menos 18 me- PELO GOVERNO
ses, segundo fontes do Banco Central do Brasil.
Em aulas anteriores, falamos da vulnerabilidade A primeira providência tomada pelo governo foi
externa da economia brasileira, como um dos nossos no sentido de impedir a fuga de capitais. Para isso
principais pontos de estrangulamento. Aí está uma pe- aumentou a taxa de juros, numa tentativa de atrair e
quena amostra disso, ou seja, com as contas externas manter no país os capitais especulativos que vinham
fragilizadas, através de déficits crescentes em suas para cobrir o déficit externo. Para incentivar as exporta-

146
AULA 21 • OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO PLANO REAL E A ADOÇÃO DO CÂMBIO FLUTUANTE

ções introduziu os chamados ACCs - Adiantamento de deteriorava as contas externas, expondo o país nova-
Contratos de Crédito. Mas essas são medidas de curto mente ao risco da inflação. Além disso, a combinação
prazo, emergenciais; era necessário enfrentar a cau- dessas duas medidas de política econômica expôs o
sa dos problemas, ou seja, o câmbio supervalorizado país a graves problemas, como veremos a seguir.
e a excessiva abertura econômica iniciada no governo
Collor. A medida a ser adotada teria que levar em conta O FIM DA “ÃNCORA CAMBIAL”
a âncora cambial, por isso a equipe econômica fez op- E ADOÇÃO DO CÂMBIO
ção por medidas menos drásticas, elevando as tarifas FLUTUANTE
de importação de uma série de produtos e adotando a
chamada “banda cambial deslizante,” estratégia usada Entre as principais conseqüências da adoção da
pelo governo para começar o processo de desvaloriza- âncora cambial está o aumento do passivo externo e a
ção cambial. conseqüente ampliação da vulnerabilidade externa da
Para esclarecer melhor o significado de “banda economia. Além disso, temos um crescente déficit pú-
cambial deslizante”, veja o que diz Neutzling Junior blico, que passou de R$153, 2 bilhões ao final de 1994,
(2007, p. 78) a respeito: para R$208,5 bilhões no fim de 1995. Em conseqüên-
cia da crise financeira, grandes bancos como o Eco-
Neste sistema, o BC fixava o teto e o piso
da banda cambial, permitindo livre flutua- nômico, o Nacional e o Bamerindus quebraram devido
ção dentro da banda. A autoridade cam- à incapacidade de pagamento aos seus credores, em
bial apenas intervinha quando os limites
inferior e superior podiam ser rompidos função dos juros altos. Além disso, houve uma queda
por oscilações muito bruscas na taxa de na taxa de lucro das empresas, levando a uma queda
câmbio. Periodicamente, o governo re-
ajustava os limites de acordo com a in-
da sua rentabilidade. Quanto à agricultura, apesar da
flação e as metas de política econômica. super safra, apresentou uma diminuição de sua renda
O sucesso deste sistema é a disponibili- em torno de 32%, cerca de R$5,6 bilhões. O conjunto
dade de um grande volume de reservas
internacionais para o BC, de onde ele desses fatores levou a uma redução do PIB, que cres-
sacava recursos para vender ao mercado ceu apenas 2,7% em 1996.
quando ocorriam pressões sobre a taxa
de câmbio. Esse sistema durou até a cri- Para agravar ainda mais a situação, inicia-se em
se cambial de janeiro de 1999, quando o 1997 uma crise externa entre os países asiáticos (os
governo liberou o câmbio e passou a se-
guir o regime de flutuação suja. Uma das chamados “tigres asiáticos”) e a Rússia, o que contribuiu
principais conseqüências do novo regime para a fuga de capitais e mais pressão sobre o câmbio
monetário-cambial adotado no Brasil a e as reservas cambiais. Assim, de agosto a dezembro
partir de 1994 foi a sobrevalorização da
taxa de câmbio, que prejudicou muito o daquele ano, o país perdeu US$10,9 bilhões de suas
fluxo de comércio brasileiro. reservas. Apesar do cenário de deterioração econômi-
A combinação de juros altos mais correção do câm- ca e financeira em que se encontrava o país, Fernando
bio e das tarifas de importação conseguiram segurar Henrique Cardoso consegue se reeleger presidente em
por algum tempo deter a fuga do capital externo e tam- outubro de 1998 e lança, como primeira medida de po-
bém atrair novos capitais. Porém não foram suficientes lítica econômica, um pacote fiscal, com o objetivo de
para conter a crise, pois as importações continuaram conter o crescimento econômico para forçar a queda
a aumentar, subindo de US$33 bilhões em 1994 para das importações e, assim, diminuir o déficit das contas
US$49,97 bilhões em 1995, o que totaliza um aumento externas. As medidas não surtiram o efeito esperado,
de 51%. Em relação às reservas cambiais, houve uma os capitais continuaram a sair do país, fazendo com
melhora, voltando a crescer por um período, mas, em que as reservas diminuíssem cada vez mais, chegando
1995, voltaram a cair. Segundo Souza (2007), a combi- a apenas US$26,8 bilhões. É consenso entre os econo-
nação entre âncora cambial e a redução das alíquotas mistas que essa crise se deu em função da insistência
de importação era ao mesmo tempo o principal susten- do governo em manter a sobrevalorização artificial do
táculo e o calcanhar-de-aquiles do Plano Real, pois, ao real. Dessa forma, em 13 de janeiro de 1999, começa
baratear os produtos estrangeiros no Brasil, contribuía o processo de desvalorização do real com a adoção
para segurar a os preços ao mesmo tempo em que do chamado “Câmbio Flutuante”. Suponho que você

147
ECONOMIA BRASILEIRA

saiba o que significa isso, mas, para que não reste ne-
nhuma dúvida, vamos rever o que é câmbio flutuante alguns querem que a gente resolva. O Câmbio
de acordo com o dicionário de economia: continuará sendo flutuante”, afirmou o presidente
em entrevista coletiva a jornalistas nesta terça-feira.
Câmbio livre ou flutuante é um regime de
operações do mercado de divisas, sem a “O dólar vai se ajustar à medida em que a
interferência das autoridades monetárias. gente comece a importar bens de capital.
A liberação da taxa cambial faz com que
Agora, não tem milagre. O governo fará
o valor das moedas estrangeiras flutue
de acordo com o interesse que desper- sua parte. Pode aumentar sua alíquota de
tam no mercado , segundo a interação da produtos importados, já fizemos no setor têxtil,
oferta e da procura. As flutuações da taxa
poderemos fazer para outros setores. Mas não
cambial apresentam uma série de riscos,
pois o mercado de divisas passa a sofrer tem como o governo, em um passe de mágica,
variações determinadas também por fa- dizer que, para competir com um determinado
tores políticos, sociais e até psicológicos.
Quando um país sofre uma crise de liqui-
país, o dólar vai ser tanto”, afirmou Lula.
dez , por exemplo, o regime de câmbio No final de abril, o governo federal decidiu
livre estimula a especulação com moeda que irá cobrar mais imposto de roupas e
estrangeira, o que eleva excessivamente
sua cotação e agrava sua escassez. Da
calçados importados. O objetivo é conter
mesma forma, os importadores passam o aumento expressivo das compras
a utilizar maior quantidade de divisas provenientes da China, que afetam a indústria
(moeda estrangeira) para suas compras,
querendo evitar pagá-las mais caro com o
local. O imposto de importação máximo
avanço da crise, o que agrava a crise de permitido foi elevado de 20% para 35%.
liquidez. (SANDRONI, 2000). Ainda sobre a China, Lula disse: “Eu votei
Portanto, a partir de 15 de janeiro de 1999, o câm- para que a China fosse transformada em
bio passa a flutuar livremente e, duas semanas depois economia de mercado. Nós precisamos levar
a China para a OMC, para ela fazer debate
fecha a R$1,98. A partir daí, o governo dá início a uma
com todos os partidos que concorrem com ela.
nova política de combate à inflação, chamada de Sis-
Não pode é ela ficar de fora como está hoje.”
tema de Metas de Inflação, combinada ao regime de
“Temos que ter medidas que permitam que
câmbio flutuante.
os produtos brasileiros possam ter mais
Veja a seguir uma reportagem publicada no jornal
competitividade. Temos que incentivar
Folha de São Paulo, em 15 de maio de 1997, na qual o
essas empresas a adotarem inovações
presidente Lula fala sobre o câmbio flutuante: tecnológicas”, afirmou ainda Lula.
Segundo ele “não adianta ficar nervoso”.
“Há seis meses discuto o câmbio, e não há
LULA DIZ QUE NÃO PODE FAZER MILAGRE
milagre. O único jeito é flutuar. Na medida
PARA CONTER QUEDA DO DÓLAR
em que o Brasil vai consolidando a sua
Patrícia Zimmermann economia, mais dólar deve entrar. Agora,
Gabriela Guerreiro estamos tentando ver como gastar um pouco
da Folha Online, em Brasília dessa quantidade de dólar que temos”, disse.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse hoje Na semana passada, o ministro Guido Mantega
que o câmbio continuará sendo flutuante ao dizer (Fazenda) disse que o Banco Central irá continuar
que não há milagre para impedir a desvalorização comprando dólares no mercado de câmbio para
do dólar frente ao real. Ontem, a taxa de câmbio aumentar ainda mais as reservas, que hoje estão
encerrou os negócios do dia a R$ 2,009, em em mais de US$ 120 bilhões.
baixa de 0,45%. Corretores esperam para o
curto prazo que o preço da moeda americana
caia abaixo do “nível psicológico” dos R$2. Bem, meu caro aluno, com essa matéria, que trata
“A gente diz que o real está valorizado sem do câmbio flutuante, creio ter ficado mais claro o que
reconhecer que o dólar está se desvalorizando. a expressão quer dizer para a economia de um país.
Não podemos resolver problema do câmbio como Com ela encerro a aula de hoje. Aguardo você para
nosso próximo encontro. Desejo-lhe ótimos estudos.

148
AULA 21 • OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO PLANO REAL E A ADOÇÃO DO CÂMBIO FLUTUANTE

RESUMO SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-


temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
Nesta aula, nós vimos que a adoção da banda cam- 2007.
bial pelo Plano Real levou a uma acentuada sobrevalo- VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
rização do cambio, que foi responsável por uma rápida nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
queda na taxa de inflação. Porém, ao longo do tempo, Atlas, 2003.
acontece uma forte deterioração na balança comercial,
agravada pela crise externa, levando a uma mudança
de rota do plano.
No início de 1999, após quatro anos e meio de
adoção do Real, a “âncora cambial” que lhe dava sus-
tentação, e que se constituía a base da política de es-
tabilização, tornou-se inviável. O real foi desvalorizado,
quando se passou a adotar um regime de taxa de câm-
bio flutuante, acompanhado a seguir por um regime de
metas de inflação.

ATIVIDADES
1. Faça uma breve pesquisa sobre regimes cambiais
a partir de 1944, quando foi adotado na conferência
de Bretton Woods, o padrão dólar-ouro. A partir daí
relacione câmbio e inflação.
2. Um dos motivos do colapso do Plano Real foi a so-
brevalorização do cambio. Nesse sentido, explique
as conseqüências da valorização cambial para a
produtividade de um país.

REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
NETZLING JÚNIOR, João. www.cofecon.org.br/index.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.

149
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 22

A RELAÇÃO ENTRE A CRISE ASIÁTICA E RUSSA E O


COLAPSO DO PLANO REAL

Objetivos
• Compreender a crise asiática como
um choque externo para economia
brasileira.
• Conhecer as medidas tomadas pelo
governo como reação à crise asiática.
• Entender as conseqüências da crise
como contribuição para o colapso do
Plano Real.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO
As sucessivas quedas nas bolsas de valores em
Como pudemos observar na aula anterior, o colap-
todo o planeta desde meados de agosto, seguidas
so do Plano Real se deveu ao fato de não terem sido
de fugas de capitais e boatos sobre a próxima
feitas, a tempo, as devidas correções. Segundo a opo-
economia a quebrar, ou seja, aquela que seria
sição, o governo colocou em primeiro plano o projeto a chamada “bola da vez”, guarda uma grande
de reeleição em detrimento das questões econômicas. similaridade com a situação vivida há um ano.
A situação foi agravada pela crise dos “tigres asiáticos”
Em última instância, essas crises recorrentes
(Tailândia, Filipinas, Indonésia, Malásia, Coréia do Sul,
são o resultado da movimentação de um volume
Cingapura, Hong-Kong e Formosa) e pela crise russa,
imenso de capitais circulando entre os países em
como veremos a seguir.
busca de ganhos especulativos nos mercados
financeiros. Quando, os investidores retiram
OS IMPACTOS DA CRISE seus capitais de curto prazo de uma determinada
ASIÁTICA SOBRE A ECONOMIA economia, em ritmo e volume significativos,
BRASILEIRA provocam graves prejuízos às economias que
dependem desses capitais para financiar os
O primeiro sinal da influência da crise externa na déficits comerciais e públicos. Note-se que estes
economia brasileira foi a turbulência na bolsa de valo- investidores gozam de uma ampla liberdade de
res, aliada à fuga em massa de capitais. Essa conju- aplicar ou de retirar seus recursos em diferentes
gação de fatores gerou uma grande pressão sobre o localidades, já que os governos vêm eliminando
câmbio e as reservas cambiais. No artigo abaixo, sobre os controles sobre o movimento de capitais que
a conjuntura econômica brasileira, você pode enten- existiam no passado.
der melhor e relacionar as crises externas e a vulne- Assim, a atual conjuntura econômica é fortemente
rabilidade da economia brasileira. Leia-o com bastante influenciada pelo contexto dos fluxos de capitais
atenção. internacionais. De início, os capitais especulativos
faturam com a valorização artificial dos preços de
ações nas bolsas de valores e, como ocorreu na
CONJUNTURA ECONÔMICA RECENTE Ásia, de imóveis. Depois disso, diante do menor
CRISE FINANCEIRA E VULNERABILIDADE sinal de um risco de perdas, eles fogem em
DO REAL direção às aplicações em dólar e em títulos do
O agravamento recente da crise financeira governo americano (chamados de quality papers),
internacional, especialmente após o débacle da provocando a desvalorização das moedas locais,
economia Russa e a suspensão unilateral do quebra de bancos e recessão econômica.
pagamento das dívidas interna e externa, ou
As conseqüências foram uma redução na taxa
seja, a decretação da moratória em 17 de agosto,
de crescimento da economia brasileira, com
colocou vários países em estado de apreensão,
forte retração da produção industrial e aumentos
entre eles o Brasil. Assim, o mundo voltou a
sucessivos na taxa de desemprego no país.
respirar o clima de incertezas sobre o desempenho
Essa mudança abrupta levou muitos setores da
futuro de economias que se viram diante da
economia à condição de inadimplência, o que
fulminante saída de capitais de curto prazo e,
afetou a carteira de créditos dos bancos.
em decorrência, da eminência de uma reação
por meio de fortes desvalorizações do câmbio. Essa crise financeira atingiu especialmente o
Nesse quadro, tal como ocorreu com o México em Brasil, com a Bolsa de Valores de São Paulo
dezembro de 1994 e com os países asiáticos em apresentando uma das maiores baixas no mundo
outubro de 1997, tornou-se premente recorrer à (14,9% no dia 27/10/97).
ajuda internacional após perdas significativas de Neste momento ocorreram nítidas tentativas
reservas internacionais. de especulação contra o real, resultando numa
O que há de comum nesses momentos de intensa saída de capital do país (perda de US$12
crise? bilhões nas reservas internacionais) e obrigando,

152
AULA 22 • A RELAÇÃO ENTRE A CRISE ASIÁTICA E RUSSA E O COLAPSO DO PLANO REAL

mais uma vez, o governo a tomar medidas Ou seja, o Brasil é dependente da entrada de
extemporâneas para tentar conter a crise. O recursos estrangeiros e é por isso que se encontra
governo brasileiro dobrou as taxas de juros (a TBC exposto às turbulências dos mercados financeiros
subiu de 20,7% para 43,4% ao ano), aumentou internacionais.
os impostos e editou medidas para assegurar a
Algumas considerações finais
permanência do capital estrangeiro no país.
Os reflexos dessas medidas foram sentidos Conforme ressaltado anteriormente, nas atuais
principalmente na redução da atividade circunstâncias, qualquer aumento nas taxas
econômica, na virada do ano, e no aumento do de juros atinge diretamente o próprio governo,
desemprego (segundo o DIEESE e Seade, a taxa uma vez que cada percentual de aumento nesta
de desemprego saltou de 16,5 %, em outubro de taxa implica mais gastos com o pagamento dos
1997, para 19,0%, em junho de 1998, na Grande encargos da dívida do Estado brasileiro. Assim,
São Paulo). como não poderia deixar de ser, em apenas quatro
anos, a dívida mobiliária federal quintuplicou,
Como a crise chegou ao Brasil? elevando-se de R$62 bilhões em dezembro de
Os grandes investidores, que são os fundos 1994 para R$297 bilhões em junho de 1998.
internacionais e os grandes bancos, procuraram Novamente o governo cogita encaminhar ao
compensar suas perdas na Rússia com a venda Congresso Nacional um projeto de reforma fiscal
das ações e títulos que detem em outros países, mais amplo, o que deverá suscitar, mais uma vez,
provocando uma queda nas bolsas de todo mundo um acirrado debate sobre o seu significado para
à medida que vendiam seus ativos e corriam para os agentes econômicos e para o desenvolvimento
comprar dólares. Nestes momentos de perda de do país. Há que se considerar que os efeitos de
confiança generalizada, os aplicadores preferem uma reforma dessa magnitude apresentam-se
converter seus recursos em moeda forte (dólares) em um tempo incompatível com a urgência que
e aplicar em países mais seguros, que oferecem se pretende atuar sobre os fatores que estão
menores riscos. influenciando esta conjuntura crítica para o país.
Diante disso, países ditos emergentes, como Por fim, as recentes demonstrações sobre
o Brasil, assistem a uma fuga de investimentos o empenho dos governantes dos países
estrangeiros, perda de reservas, desconfiança desenvolvidos para coordenar ações e levantar
na capacidade do país de honrar suas dívidas e recursos para atender os países periféricos em
sustentar sua política cambial. dificuldades na América Latina, os quais podem
Qual é a situação geral do Brasil? vir a necessitar de ajuda financeira de elevada
magnitude, configura um quadro mais periclitante
No início do mês de agosto de 1998, o Brasil do que ha um ano atrás (quando as economias
possuía um volume considerável de reservas asiáticas foram socorridas). Essas e outras
(US$70 bilhões), suficiente para cobrir mais de questões colocam grandes interrogações para se
catorze meses de importações, mas ainda assim vislumbrar os próximos desdobramentos de uma
a sua situação não parecia tranqüila. A política crise que parece ter apenas começado para o
econômica seguida nos últimos anos alcançou, Brasil.
com sucesso, a estabilização de preços, contudo,
à custa do crescimento econômico (dada a (Trechos do texto elaborado pelo Dieese, em 22
elevação das taxas de juros) e da geração de set. 1998)
empregos (devido à sobrevalorização do real
que estimulou sobremaneira a importação em
detrimento da produção interna). A valorização Em função do agravamento da crise, o governo
do real tornou deficitário o comércio brasileiro prossegue com as correções do plano real, sinalizando
com o exterior, obrigando o país, desde então, a continuidade do programa de desestatização e pro-
a buscar continuamente aplicações em dólares metendo entregar, para um grupo de bancos privados
para cobrir esse buraco nas contas comerciais. estrangeiros, a administração das reservas cambiais,
numa tentativa de impedir a fuga de capitais.

153
ECONOMIA BRASILEIRA

Além desses problemas, o governo enfrentava uma cambial. Nesta aula, além de mostrar a relação entre
queda na arrecadação tributária, que passou de 29% uma crise externa e a vulnerabilidade da economia bra-
do PIB em 1994/95, para 27% em 1996/97, agravando sileira, queremos enfatizar também a influência dessa
a situação das finanças públicas. Segundo fontes do crise sobre o colapso do plano real.
Banco Central, o governo teve que emitir novos títu- Apesar da implementação do pacote fiscal-mone-
los para honrar seus compromissos, elevando a dívida tário (aumento de impostos e elevação dos juros), os
do setor público. Como você viu no decorrer do tex- especuladores continuaram com a retirada dos capitais
to, diante desses problemas, os capitais especulativos do país, levando embora as reservas cambiais, as quais
procuraram novos destinos para suas aplicações finan- representavam o lastro da âncora cambial. Assim, em
ceiras, deixando o Brasil com problemas para financiar janeiro de 1999, restavam apenas US$26,8 bilhões do
seu déficit externo. total de quase RS$70 bilhões contabilizados em maio
do ano anterior.
MEDIDAS TOMADAS PELO Portanto, precipitado pelos especuladores, o go-
verno adota, a partir de 15 de janeiro de 1999, o câm-
GOVERNO PARA ENFRENTAR A
bio flutuante. De acordo com Souza (2007), “o objetivo
CRISE central da desvalorização do real, forçado pelo colapso
das contas externas, era gerar os superávits comer-
As medidas adotadas pelo governo não foram muito
ciais exigidos pelo capital estrangeiro como forma de
diferentes das já tomadas como correção do plano real,
garantir suas remessas de lucros e juros e seu ‘repa-
ou seja:
triamento` ”.
- dobrou a taxa de juros, numa tentativa de deter a
Além da desvalorização cambial, o governo aumen-
fuga dos capitais;
ta a taxa de juros de 39% ao ano para 45%, em mais
- aumentou os impostos, cortou os incentivos fiscais
uma tentativa de desencorajar a fuga de capitais exter-
ao nordeste e os investimentos públicos, a fim de garan-
nos. A taxa de câmbio se estabiliza abaixo de R$1,70, e
tir o pagamento dos juros.
a fuga de capitais é interrompida por algum tempo.
A combinação dessas medidas levou à desacele-
ração da economia, elevando a taxa de desemprego e
gerando a queda do PIB. Não podemos esquecer que,
RESUMO
além desses problemas ocasionados pela crise asiáti- A crise asiática, juntamente com a crise russa,
ca, a supervalorização artificial do real (como vimos na colocou em evidência as contradições do plano real,
Aula 21) continuava prejudicando a economia brasileira, mostrando a sua insustentabilidade. Isso se manifestou
aumentando ainda mais a fragilidade do país diante de principalmente através da extraordinária queda das re-
crises internacionais. servas brasileiras. Apesar do aperto fiscal e monetário
É importante que você observe a grande incoerência das políticas econômicas do governo, a crise não cede,
da política econômica do governo, ou seja, para pagar os levando a adoção do câmbio flutuante.
juros altos, ele promove o aumento dos impostos – ele-
vação da CPMF em 90% e a Cofins em 50%; aumento ATIVIDADES
da contribuição previdenciária dos servidores públicos e
1. Por que a crise asiática em 1997 afetou a econo-
tentativa de cobrá-la também dos aposentados e pen-
mia brasileira e quais as medidas então adotadas
sionistas da união – acarretando mais custo financeiro
pelo governo brasileiro?
para as empresas e diminuição da demanda.
2. Explique as relações entre o colapso do Plano Real
e a crise asiática e russa.
CONSEQÜÊNCIAS DA CRISE
PARA O COLAPSO DO PLANO REFERÊNCIAS
REAL ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
Vimos, na aula anterior, o colapso do Plano Real, medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
sob o ponto de vista da manutenção da valorização lo, São Paulo, 01 abr.1999.

154
AULA 22 • A RELAÇÃO ENTRE A CRISE ASIÁTICA E RUSSA E O COLAPSO DO PLANO REAL

BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-


oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
CINTRA, M.A. M. Suave fracasso: la política macro-
econômica de Brasil durante 1999-2005. Investiga-
ción Economia de la Universidad Nacional Autó-
noma de México, v, LXVI, p. 61-96, 2007.
FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004), São Paulo: Campus, 2007.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
(Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
NETZLING JÚNIOR, João. www.cofecon.org.br/in-
dex.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo, Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

155
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 23

A ADOÇÃO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO (SMI)


PELO GOVERNO

Objetivos
• Explicar o significado do sistema de
metas de inflação.
• Mostrar como funciona o mecanismo do
sistema de metas de inflação.
• Analisar o impacto do SMI sobre a
economia brasileira.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO
Banco Central e o público em geral, a respeito
Meu caro aluno, o que vou dizer neste início de das decisões tomadas e das razões destas”
aula pode ser repetitivo para você. Talvez você já tenha (Eichengreen, 2002). As autoridades monetárias
estudado isso em outra disciplina, mas a idéia é esta devem se abster de implementar qualquer
mesma: mostrar-lhe que nossos conhecimentos são política que não se paute por regras monetárias
plenamente conhecidas e antecipadas pelos
compartilhados por muitas áreas. É o chamado conhe-
agentes econômicos, não utilizando, portanto,
cimento interdisciplinar.
elementos de surpresa para afetar as variáveis
Você já sabe que, com o colapso do Plano Real em
reais da economia. Isso implica que o Banco
1999, o governo muda a sua política de estabilização Central deve ser o mais transparente possível
da economia, através da adoção do sistema de metas em seus objetivos de política monetária, de forma
inflacionárias. Ao mesmo tempo, promove a desvalori- a afetar as expectativas dos agentes que, não
zação do real, inaugurando uma nova fase na econo- temendo surpresas e acreditando no compromisso
mia sob o domínio do câmbio flutuante. assumido pelo BC de conter a inflação, dentro
dos parâmetros estabelecidos, se absteriam de
O QUE É E COMO FUNCIONA elevar os preços. Na ótica dos que defendem
essa política monetária, ela será tão mais eficaz
O SISTEMA DE METAS
quanto maior for a credibilidade do Banco Central
DE INFLAÇÃO (SMI) e quanto mais independente este for.
– CARACTERIZAÇÃO E O regime de metas de inflação é caracterizado
IMPLEMENTAÇÃO pelo anúncio oficial de uma meta de crescimento
para algum índice de preço escolhido a priori para
Para substituir a âncora cambial (câmbio fixo), que um determinado período e pelo reconhecimento de
deixou de funcionar com o fim do Plano Real, o gover- que o controle dos preços é o principal objetivo da
no adotou o sistema de metas de inflação (SMI), dan- política monetária. Assim, tais metas coordenariam
do prosseguimento ao seu programa de estabilização a formação de expectativas inflacionárias dos
econômica. O principal objetivo desse sistema é esta- agentes e a fixação de preços e salários. Desta
belecer as diretrizes para fixação do regime de política forma, esse arranjo monetário atuaria como
monetária, ou seja, adota-se uma meta de inflação com uma âncora nominal, tanto para a inflação atual
como para as expectativas de inflação futura.
o objetivo de coordenar as expectativas dos agentes
Com efeito, o sucesso da política monetária é
econômicos, para um determinado nível de crescimen-
atribuído à aderência da inflação efetiva às metas
to dos preços. A meta é definida pelo Conselho Mone-
previamente fixadas. Algumas condições têm sido
tário Nacional, constituído pelos ministros da fazenda e apontadas pela literatura para a implementação
do planejamento e pelo presidente do Banco Central. bem sucedida dessa estratégia de política
Está confuso? Vamos tentar esclarecer melhor lendo o (DEBELLE, 1997; SILVA & PORTUGAL, (2002).
texto seguinte. Primeiramente, o Banco Central deve possuir
um certo grau de independência para eleger os
instrumentos adequados à busca do objetivo
Metas de inflação e o medo de crescer estabelecido. Outra exigência é que o Banco
Central possua uma capacidade considerável de
O regime de metas pode ser definido da seguinte
compreensão acerca da dinâmica da economia
forma: “é uma forma de condução da política
(dos determinantes da inflação; dos mecanismos
monetária utilizando-se de quatro elementos:
de transmissão da política monetária, bem como
compromisso institucionalizado de que a
das defasagens temporais envolvidas; dos
estabilidade de preços seja o objetivo principal
choques a que a economia está sujeita; dentre
da política monetária; mecanismos que permitam
outros).
ao Banco Central a mensuração do alcance ou
não de seus objetivos; anúncio público das metas Terceira: ausência de dominância fiscal, ou seja, a
de inflação e política de comunicação entre o conduta da política monetária não pode ser ditada

158
AULA 23 • A ADOÇÃO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO (SMI) PELO GOVERNO

por constrangimentos de ordem fiscal. Desta fazer com que a política incorra em perda de
forma, o governo deve ser capaz de alavancar os credibilidade, em razão da medida de core ser
recursos necessários à sua gestão sem fazer uso, de difícil entendimento por parte da população
em grande medida, da seigniorage. Caso contrário, (FARHI, Maryse, 2004).
o aumento crescente do déficit público e do seu
financiamento por mecanismos inflacionários
pode levar ao recrudescimento do processo Segundo Mendonça (2001), o fracasso dos planos
inflacionário, tanto por meio dos mecanismos anteriores e o aumento do número de bancos centrais
de transmissão diretos como por intermédio da independentes foram fatores importantes na difusão do
elevação das expectativas inflacionárias. Por SM I pelo mundo. Entre os países que adotaram esse
último, mas não menos importante, destaca-se a sistema, estão: Nova Zelândia, Chile, Canadá, Austrá-
ausência de outra âncora nominal. Por exemplo, lia, Suécia, Hungria, República Tcheca e Polônia. No
uma meta para a inflação não é consistente com a
caso do Brasil, devido à complexidade da realidade
adoção de um regime de câmbio fixo, uma vez que,
econômica e das instituições, o sucesso do SMI pode
sob este regime, a política monetária passa a ser
endógena, não sendo possível, portanto, objetivar ser comprometido (PASTORE, 1999).
qualquer outra variável em bases duradouras. Como você deve ter observado no texto acima,
Nesse sistema, a taxa de juros doméstica atua com o sistema de metas de inflação (SMI), a política
como o principal instrumento de política monetária econômica passa a dar ênfase não mais à âncora cam-
para fazer com que a inflação tenda a convergir bial, e sim à âncora monetária, ou seja, aos juros ele-
para a meta estabelecida pela autoridade vados, como forma de levar o índice de preços a con-
monetária. A literatura empírica tem demonstrado vergir para a meta de inflação determinada. Explicando
que, nas últimas décadas, o comportamento da melhor: De acordo com a teoria econômica, as taxas de
taxa de juros em diversos países é descrito de juros agem sobre a inflação através de diversos canais,
forma satisfatória por regras tipo Taylor. Esta regra
e, nesse caso, a elevação da taxa de juros sinaliza o
pode ser entendida como uma função de reação
compromisso do Banco Central com a inflação baixa, o
do Banco Central, por meio da alteração da taxa
que influi nas expectativas inflacionárias, provocando o
de juros de curto prazo, a variações nas condições
da economia. Para a adoção desse regime, desaquecimento da demanda, que se reflete em que-
é necessária a definição de alguns aspectos da de preços e salários. Por outro lado, os juros altos
relevantes, os quais dependem, em grande provocam a apreciação da taxa de câmbio, reduzindo
medida, das particularidades de cada país. Um possíveis pressões sobre os preços.
primeiro aspecto é definir o índice de preços que
será adotado como referência para a meta. Este FUNCIONAMENTO DO
índice deve ser preciso, claramente definido e de
rápida divulgação. Usualmente, verifica-se que
MECANISMO DO SMI
os índices adotados buscam mensurar o núcleo A adoção da âncora monetária (juros elevados)
da inflação (core inflation). A justificativa para atribuiu ao Banco Central um grande poder, na medida
essa postura encontra-se no fato de que índices em que os seus dirigentes passaram a agir como se ele
puros não representariam a verdadeira tendência fosse independente, isto é, deixando de se subordinar
da inflação (e, ainda, tornariam o cumprimento às decisões do governo, seguindo na íntegra a lógica
da meta uma tarefa mais árdua). Um índice que
do mercado financeiro.
mede o core da inflação seria capaz de excluir o
O mecanismo do SMI obedece aos seguintes pas-
impacto das perturbações transitórias que afetam
sos:
a economia sobre os preços, tais como: quebras
- em primeiro lugar, através do Conselho Monetário
na safra agrícola, choque de preços de insumos
básicos, aumento de impostos, dentre outros. No Nacional, o governo estabeleceria uma determinada
entanto, os críticos dessa postura argumentam meta inflacionária, que na época era fixada pelo FMI;
que a adoção de um core como referência pode - no segundo momento, o Banco Central cuidaria
para que a inflação efetiva convergisse para a meta fi-

159
ECONOMIA BRASILEIRA

xada. Para isso ele usaria, com ampla independência, A combinação entre âncora monetária e âncora
a política monetária através do controle da quantidade fiscal, base do SMI, proporciona a atração de capitais
de moeda em circulação, do volume de crédito e das externos especulativos, incentivando a volta da âncora
taxas de juros. cambial. Nesse sentido, o principal impacto para a eco-
Você se recorda de que, em nossas primeiras nomia causado pela adoção do SMI, seria o aumento
aulas, falamos sobre políticas econômicas orto- dos encargos financeiros do setor público e seu conse-
doxas e heterodoxas? Se não, volte e leia-as no- qüente endividamento, o qual implicaria um aumento
vamente. Pois bem, o SMI se insere perfeitamente na da carga tributária para gerar os superávits primários
ortodoxia monetarista, na medida em que considera a imprescindíveis ao pagamento de tais obrigações. Para
inflação um fenômeno essencialmente monetarista, ou reforçar a nossa explicação, vejamos a opinião de dois
seja, produto do excesso de moeda em circulação. As- economistas:
sim sendo, para combatê-la, é necessário diminuir a [...] o Regime de Metas de Inflação ainda
quantidade de moeda em circulação, elevar as taxas não pode ser considerado um sucesso
no Brasil. Após esses seis anos de expe-
de juros e suprimir o crédito. riência, as metas não foram alcançadas
Como já foi dito inicialmente, a manutenção dos em três oportunidades e, normalmente,
quando alcançadas, o foram através de
juros altos é um dos principais pré-requisitos para ga- altos custos sociais. Percebe-se uma cla-
rantir a convergência da inflação para a meta definida, ra preocupação da autoridade monetária
somente com o lado nominal, na busca de
o que submete a ação do governo à política monetá- seu objetivo principal que é a estabilidade
ria, impedindo a formulação de uma política econômica dos preços e a convergência dos níveis de
inflação às metas estabelecidas. Estando
própria. Esse é o ponto mais polêmico do SMI, o qual o lado real sem amparo, este tem apre-
tem gerado amplos debates entre os economistas, pois sentado resultados pouco animadores,
há um custo direto resultante da adoção dessa política, como por exemplo, o PIB de 2005, que
foi de apenas de 2,3%. Recentemente, a
que é a manutenção das taxas de crescimento econô- valorização da taxa de câmbio, atrelada
mico em níveis medíocres, e vários outros, indiretos, a alguns outros fatores, possibilitou que
a inflação apresentasse baixos níveis,
como a valorização persistente do real, que prejudica indicando uma convergência à meta de
enormemente o setor industrial brasileiro. 4,5%, sem nenhum problema. Esse ce-
nário propiciou uma flexibilidade da polí-
tica monetária no que tange a redução da
O IMPACTO DA ADOÇÃO taxa de juros (SELIC), fato que ainda não
é de se comemorar, pois ela continua em
DO SISTEMA DE METAS DE um patamar alto, dificultando os investi-
mentos na economia brasileira. Portanto,
INFLAÇÃO SOBRE A ECONOMIA mostra-se necessária uma reavaliação de
BRASILEIRA como está sendo conduzida a política mo-
netária no país, a fim de superar os pro-
blemas que o regime tem apresentado.
O SMI ocasionou, na economia brasileira, a manu- (NASCIMENTO e VIEIRA, 2005.)
tenção de taxas básicas de juros muito altas. O princi- Na visão da economista Maria Cristina Penido de
pal impacto para a economia do país foi o desestímulo Freitas, em artigo publicado na Folha de São Paulo,
ao investimento produtivo. Além disso, como os juros que fala das “Implicações profundas e negativas sobre
altos sobrecarregam financeiramente o setor público, a autonomia do Banco Central,
faz-se necessário o cumprimento de metas elevadas
[...] o regime de metas de inflação não é o
de superávit primário, através da elevação de impostos único nem o melhor instrumento de políti-
ou corte dos gastos, a fim de honrar os compromissos. ca monetária. Sequer é o mais adequado
em um país periférico como o Brasil, que
É a chamada “âncora fiscal”. Isso impossibilita o Es- não possui moeda internacionalmente
tado de realizar investimentos em infra-estrutura e de conversível e apresenta enorme vulne-
rabilidade externa. A economia brasilei-
aumentar seus gastos. Em conseqüência, com baixas ra vive sujeita à volatilidade dos fluxos
taxas de investimento e gastos do governo deprimidos, de capital, com impactos consideráveis
sobre a taxa de câmbio, que contamina
a demanda agregada não se expande e a economia os preços controlados das concessioná-
fica estagnada. rias de serviços públicos e dos produtos

160
AULA 23 • A ADOÇÃO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO (SMI) PELO GOVERNO

comercializáveis, pressionando a infla-


ção. A elevação dos juros não tem tido
REFERÊNCIAS
o efeito esperado sobre a estabilidade
dos preços, mas é sério obstáculo à re- BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
tomada do crescimento e à geração de oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
empregos. Alínea e Átomo, 2006.
O economista Paulo Nogueira Batista Junior, tam- BATISTA, Paulo Nogueira. Banco Central terceiriza-
bém em artigo publicado na Folha de São Paulo, com o do? Folha de São Paulo, seção Opinião Econômi-
título “Banco Central terceirizado”, manifestou-se con- ca, 27 fev. 2003.
trário à autonomia do Banco Central por causa do rela- GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
cionamento com o sistema financeiro privado: (Org.). A Economia Brasileira nos anos 90. Rio de
Janeiro: BNDES, 1999.
No Brasil, a questão da autonomia preci-
sa ser abordada com cuidado especial. FARHI, MARYSE. Metas de Inflação e Medo de
Nas suas relações com o sistema finan- Crescer. Política Econômica em Foco. Boletim se-
ceiro, o Banco Central é um exemplo do mestral do Centro de Estudos de Conjuntura e
conhecido fenômeno da captura do regu-
Política Econômica do Instituto de Economia da
lador pelo regulado. Estabeleceu-se uma
relação simbiótica, para não dizer pro- Unicamp, maio-out., 2004.
míscua, entre autoridades monetárias e GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
instituições financeiras privadas, que leva
freqüentemente a uma dissociação entre porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
a ação do Banco Central e os interesses GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
públicos. (Texto publicado na seção OPI-
NIÃO ECONÔMICA, da Folha de São Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
Paulo de 27/02/2003, sob o título: Banco LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
Central “terceirizado”?)
tos e atualidades. São Paulo: Atlas.
Portanto, o Banco Central tem dado importância
MENDONÇA, H. F. Metas de inflação: uma análise
significativa à inflação, tomando suas decisões basea- preliminar para o caso brasileiro. Economia Aplica-
do na expectativa inflacionária sem a devida preocupa- da. Fipe/Fea-USP, jan-mar, v. 5 n. 1, p. 129-158.
ção com o crescimento econômico. Entende-se que a
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
manutenção da estabilidade porânea. São Paulo: Atlas, 1998.
econômica da forma adotada, via altas taxas de ju-
NASCIMENTO, K. L. Metas de Inflação, Juros e
ros, é demasiadamente custosa para a sociedade, na
Câmbio no Brasil: uma investigação empírica e teó-
medida em que leva a altas taxas de desemprego. rica. , Projeto F-1º e 2º trimestre, 023/jan. 2005.
NETZLING JÚNIOR, João. www.cofecon.org.br/in-
RESUMO dex.

Em junho de 1999, após um forte ataque especu- PASTORE, J. Metas de Inflação - Estado de São
Paulo. 06/07/1999.
lativo, o Brasil adotou o Regime de Metas de Inflação.
Esse sistema concede ao Banco Central todo o poder PENIDO, Maria Cristina. Banco Central Indepen-
para conduzir a política monetária, com a finalidade de dente e Coordenação das políticas Macroeconômi-
cas. Revista Economia e Sociedade, vol. 15, n. 2,
cumprir a meta de inflação determinada pelo Conse-
2006.
lho Monetário Internacional (CMI), para os dois anos
subseqüentes. Dessa forma o Banco Central passou PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: Fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
a utilizar a sua arma mais eficaz contra a inflação, ou
seja, os juros altos. SANDRONI, PAULO. Dicionário de economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
ATIVIDADES SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
1) - Elabore um texto em que você descreva o papel 2007.
desempenhado pelo Banco Central no SMI. VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
2) - Explique como o controle rígido da inflação acaba nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
engessando o potencial econômico do Brasil. Atlas, 2003.

161
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 24

A POLÍTICA ECONÔMICA DO PRIMEIRO GOVERNO LULA

Objetivos
• Identificar as expectativas econômicas da
população em relação ao governo Lula.
• Caracterizar o cenário econômico
herdado pelo governo Lula.
• Identificar as principais mudanças
econômicas realizadas durante o governo
Lula.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO deixada pelo governo anterior) que, se houvesse a me-


nor hesitação por parte do novo governo em tomar as
No seu discurso de posse, o Presidente Lula dei- medidas consideradas necessárias (pelo “mercado”)
xou claro que seu governo promoveria as mudanças para colocar o país de volta aos trilhos, ele descarrilaria
necessárias para enfrentar os problemas sociais do definitivamente. Assim, as políticas monetária e fiscal
país e promover a retomada do crescimento econômi- implacáveis adotadas no início do governo teriam sido
co. A partir de então, a política econômica teve como indispensáveis para, entre outras coisas, fazer cair o
base o câmbio flutuante, as metas de inflação e o aper- risco país e estabilizar a taxa de inflação.
to fiscal. Diante das medidas econômicas implementadas,
A reação de um significativo número de economis- surgem várias interrogações: Estaria o governo rece-
tas contrários a essa política econômica foi de perplexi- oso dos riscos em relação às dificuldades conjunturais
dade, pois, como outros tantos brasileiros, esperavam e estruturais da economia brasileira? Ou não havia
que a política econômica adotada fosse coerente com possibilidade de aplicação de políticas alternativas?
as propostas de mudanças anunciadas. Porém, mais tarde, estabeleceu-se um consenso entre
economistas de que a política econômica do Governo
EXPECTATIVAS ECONÔMICAS Lula apresentava as mesmas características da política
DA POPULAÇÃO EM RELAÇÃO econômica do Governo Fernando Henrique Cardoso,
AO PRIMEIRO GOVERNO LULA sendo talvez até mais ortodoxa.

As expectativas econômicas da população brasilei- GOVERNO LULA MUITO AQUÉM


ra em relação ao primeiro mandato do presidente Lula DAS EXPECTATIVAS
eram enormes e ficam evidenciadas em algumas fra-
ses proferidas no seu primeiro discurso à nação como: O primeiro ano de governo foi muito duro em ter-
“mudança é a palavra chave, esta foi a grande mensa- mos de política econômica: o país esteve à beira da
gem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A inadimplência. Lula e sua equipe disseram, desde o
esperança finalmente venceu o medo; foi por isso que início, que naquele ano não poderiam realmente go-
o povo me elegeu Presidente da República: para mu- vernar e, sim, apenas tentar conter a crise. Em 2003,
dar; “nossa vitória é a concretização da esperança que a economia despencou, e o valor real dos salários vol-
nós acumulamos durante muitos e muitos anos neste tou a cair bastante, mas dentro do previsto. A maioria
país”. da população ficou satisfeita com o fato de as coisas
Porém, ao assumir o governo, Lula “deixa a es- não terem piorado; o povo sabia o que o esperava. O
querda perplexa e a direita surpresa”, com a escolha mundo financeiro elogiou muito a linha política extre-
de pessoas ligadas ao pensamento conservador para a mamente ortodoxa do governo Lula. Ao contrário do
direção do Banco Central. Por trás dessa atitude, exis- que se esperava, Lula priorizou claramente o serviço
tia o objetivo de conceder ao BC total independência na das dívidas do país, para depois destinar investimentos
condução da política monetária. Nesse sentido optou- públicos a outras áreas.
se por uma linha bastante ortodoxa, evidenciada pela No segundo ano, a economia cresceu novamen-
adoção de uma taxa real de juros, considerada uma te, mais de 4%, os salários aumentaram um pouco e
das mais altas do mundo. Pelo lado da política fiscal, o a taxa de desemprego recuou levemente, mas isso de
Ministério do Planejamento e da Fazenda adotam cor- um nível muito elevado. Apesar disso, a política econô-
tes drásticos nos gastos públicos, o que produziu um mica continuou sendo muito conservadora, com juros
superávit fiscal da ordem de 5% do PIB, ultrapassando extremamente altos. Alegando o perigo da inflação, o
a meta exigida pelo FMI. Banco Central voltou a elevar os juros recentemente. A
A justificativa que o governo Lula tem dado para política econômica é negativa, principalmente para os
semelhante dose de ortodoxia econômica e pragma- gastos públicos: eles se destinam sobretudo ao servi-
tismo político é que não havia alternativa. Ou seja, o ço das dívidas; os investimentos atingiram o nível mais
país estava tão perigosamente à beira do abismo na baixo dos últimos 20 anos. Ao mesmo tempo, houve
transição do governo (a denominada “herança maldita” consideráveis problemas financeiros em setores politi-

164
AULA 24 • A POLÍTICA ECONÔMICA DO PRIMEIRO GOVERNO LULA

camente importantes, como a reforma agrária, a edu-


cação e o combate à pobreza, do qual fez parte o pro- primário estão mantidos para 2004, mesmo
grama Fome Zero, projeto prioritário do governo. Por com o novo contrato de crédito junto ao Fundo.
isso, existiu uma grande frustração devido à política Uma parte da entrevista concedida, nesta quarta,
pelo ministro Palocci, no auditório da Fazenda, foi
econômica conservadora do governo Lula, que, fora o
ocupada com a especulação sobre uma possível
pagamento das dívidas, deixou pouco espaço de ação
desavença com o presidente Luiz Inácio Lula da
em outros campos políticos, porque faltou dinheiro.
Silva. Em Moçambique, Lula usou um tom crítico
para se referir à negociação do acordo com o
CENÁRIO ECONÔMICO FMI, chegando mesmo a dizer que as condições
HERDADO PELO GOVERNO e o montante do novo empréstimo só seriam
LULA definidos na volta dele a Brasília, semana que vem
(leia reportagem nesta edição). Disse, ainda, que
No que diz respeito ao contexto interno, o Presi- só em dezembro é que o acordo seria fechado.
dente Lula recebeu do governo anterior uma gestão De posse do tradicional sorriso tranqüilo, Palocci
financeira subordinada ao FMI, a qual foi mantida na não só repetiu as condições acertadas com o
medida em que foi preservado o seu ”receituário eco- FMI como revelou que havia conversado com o
nômico”, ou seja, a obtenção, a qualquer custo, de ex- presidente Lula antes da viagem e por telefone
pressivos superávits fiscais primários, liberalização dos na terça e nesta quarta. Disse que “as bases”
mercados financeiros e livre flutuação cambial, sem do acordo foram discutidas com o presidente.
intervenção do Banco Central. Em consonância com “Tudo foi dialogado”, acrescentou, com Lula.
Efetivamente, deve ser em dezembro, na reunião
essa política, o então ministro da fazenda (Palocci)
do board do Fundo Monetário Internacional,
elevou a meta de superávit primário, para os anos de
que o acordo deve ser aprovado. O mês
2003 e 2004, de 3,75% para 4,25% do PIB, atribuin-
reivindicado pelo presidente foi apresentado
do, assim, ao desequilíbrio do setor público, a principal
por Palocci como uma obviedade do calendário
causa do não crescimento sustentável e continuado da de contratação de empréstimos desse tipo.
economia brasileira. Ao lado da diretora-gerente do FMI, Anne
Além disso, o governo Lula recebeu também como Krueger, que chegou nesta quarta ao Brasil,
herança uma política de combate à inflação baseada e da equipe do Fundo, que já estava no país e
no sistema de metas inflacionárias, e a medida toma- participou da quinta revisão do acordo legado
da pela equipe econômica para a manutenção dessa pelo governo FHC, o ministro Palocci anunciou
política (coerente com as determinações do FMI), foi a que o Brasil contratou um montante de US$14
elevação da taxa de juros (Selic) da economia em 1,5% bilhões e que o acordo vigora até o final de 2004
nos primeiros dois meses de governo, justificando essa — são U$8 bilhões correspondentes à última
medida com o argumento de que juros elevados são parcela do acordo de US$30 bilhões herdado do
imprescindíveis para assegurar o cumprimento da meta governo FHC, e que não serão sacados no final
estabelecida para a inflação. deste ano, e mais US$6 bilhões de novo crédito.
O governo Lula também repactuou os
Leia abaixo um texto sobre a manutenção, pelo go-
desembolsos previstos para 2005, 2006 e 2007,
verno Lula, do acordo com o FMI.
ficando o grosso do pagamento do principal da
dívida para o próximo presidente da República.
O primeiro acordo do governo do PT com o Fundo Na prática, US$ 11 bilhões de desembolsos
Monetário Internacional (FMI), que é a “extensão” previstos para 2005 e 2006 tiveram o desembolso
pura e simples do acordo firmado no governo FHC “alongado”, isto é, transferidos para 2007, o
e ao qual o presidente Lula ainda acrescentou primeiro do futuro presidente. Em vez de ter de
um superávit primário de 4,25% do PIB (Produto desembolsar US$ 12 bilhões em 2005, US$ 8
Interno Bruto), não será tão “preventivo” como disse bilhões em 2006 e US$ 2,5 bilhões em 2007, o
nesta quarta-feira, em Brasília, o ministro Antonio governo Lula e o FMI acordaram em abater do
Palocci (Fazenda). Os mesmos 4,25% de superávit principal da dívida, sem contabilizar os juros, da

165
ECONOMIA BRASILEIRA

seguinte maneira: US$ 6,5 bilhões em 2005, US$ brasileiro] lidar com o Fundo”. Palocci disse
8 bilhões em 2006 e US$ 8 bilhões em 2007. que todas as metas foram negociadas, mas
Para acalmar a bancada do PT, que deveria se sugeridas de forma independente pelo Brasil.
reunir com o ministro logo depois do encontro com Para o presidente do BC, Henrique Meirelles, a
a direção do Fundo, Palocci disse que a “extensão extensão do acordo com o FMI permite sair do
do atual acordo” é a “preparação da saída [do Fundo “de maneira confortável”. Serve, disse
Brasil] do FMI; é o pouso suave”. Para o ministro, ainda, para abandonar a “visão de curto prazo” da
o acordo do governo do PT é peça fundamental administração da economia do país.
“de equilíbrio macroeconômico para [sustentar] Crédito contratado
o crescimento econômico robusto que está em Total de US$ 14 bilhões
curso”. Para quem alimentava a esperança
de que o governo viesse a reduzir a meta de • US$ 8 bilhões da última parcela do acordo
superávit, Palocci foi categórico: superávit e piso de US$ 30 bilhões, herdado do governo
mínimo das reservas (US$ 5 bi) estão mantidos. FHC, que não será sacada em dezembro.
“Não vamos mudar a regra do superávit, pelo • US$ 6 bilhões de novo crédito.
contrário, queremos reforçá-lo”, disse o ministro. • A intenção é não sacar o dinheiro contrata-
O único conteúdo social da extensão do acordo do, deixando-o de stand by no Fundo para
com o FMI é o uso, para investir em saneamento, usar apenas em caso de emergência econô-
em 2004, do dinheiro da folga do superávit mica.
fiscal deste ano (janeiro a setembro), isto é, R$ Metas
2,8 bilhões poupados além dos 4,25% do PIB Está mantido o superávit primário de
prometidos ao FMI. Na prática, o superávit deste
4,25% do PIB (Produto Interno Bruto).
ano será maior que 4,25% do PIB. Com um detalhe
O governo se compromete a adotar progra-
a mais: o dinheiro da superpoupança feita neste
mas, leis e regras que tornem mais eficiente
ano pode ser gasto ou não, pois isso depende da
e transparente o fluxo de investimentos para
existência dos projetos nos Estados e municípios
e da aprovação do novo marco regulatório financiar o crescimento. Exemplos citados
para que os investimentos possam ser feitos, pelo ministro Palocci (Fazenda):
preferencialmente, em parceria com a iniciativa • redução do spread bancário;
privada. É para investir “até esse valor (RS$ 2,8 • aprovação da Lei de Falências;
bilhões)”, deixou claro o ministro da Fazenda. • desburocratização da concessão de crédito.
A esse arrocho em 2003 o ministro chamou
o tempo todo de “sobredesempenho”. Anne
Krueger disse que “as políticas adotadas pelo Podemos concluir então que a equipe econômica
governo reduziram a vulnerabilidade da economia do governo Lula, o Ministério da Fazenda e o Banco
brasileira”. Complementando a declaração Central, durante a gestão Palocci-Meirelles, seguiram
escrita que foi lida por Anne Krueger, Palocci foi um receituário essencialmente monetarista, pois, mes-
taxativo: o acordo faz parte da “manutenção dos mo com a inflação sob controle, mantiveram os juros
instrumentos macroeconômicos” em vigor, e isso elevados.
faz parte da “real e efetiva retomada econômica”
que o país, segundo o ministro, experimenta
neste final de ano e que continuará em 2004.
MUDANÇAS ECONÔMICAS NO
Na opinião do ministro da Fazenda, que PRIMEIRO GOVERNO LULA
também estava acompanhado do presidente
do BC, Henrique Meirelles, e do secretário do A principal mudança operada no governo Lula foi
Tesouro, Joaquim Levy, o acordo do governo com relação ao setor externo, ou seja, adotou-se uma
do PT com o Fundo Monetário Internacional política externa independente sintetizada pelas pala-
tem “conteúdo de incentivo ao crescimento” e vras do ministro Celso Amorim:
evidencia “uma nova maneira de [o governo A diplomacia vive um momento de grande
dinamismo que reflete as prioridades do

166
AULA 24 • A POLÍTICA ECONÔMICA DO PRIMEIRO GOVERNO LULA

governo Lula nas áreas interna e exter- está longe de superar o quadro de vulnerabilidade e
na, como combater a fome e a pobreza,
de fragilidade externa que a caracterizou na última
contribuir para a criação de uma nova ge-
ografia comercial e adotar postura firme década” (CORAZZA, 2004). Tal conclusão decorre
e ativa nas negociações multilaterais, in- de algumas observações. Cite-as e explique-as.
clusive regionais; com vistas a assegurar
um espaço regulatório multilateral justo e
equilibrado. Está ainda o imperativo de REFERÊNCIAS
preservar a nossa capacidade soberana
de defender o desenvolvimento que de- CORAZZA, Gentil; FERRARI FILHO, Fernando. A
sejamos para o nosso país. (Disponível política econômica do Governo Lula no primeiro ano
em: http://www.acrj.org.br/article) de mandato. Indicador Econômico. Porto Alegre:
FEE, v. 32, n. 1, maio 2004, p. 243-252.
Dessa forma, passa-se a defender no front inter-
BELLUZZO, Luiz Gonzaga; CARNEIRO, Ricardo. O
nacional o interesse do Brasil e dos demais países do
paradoxo da credibilidade. Política econômica em
terceiro mundo, dando prioridade à integração da Amé- foco. Campinas: Instituto de Economia; UNICAMP,
rica do Sul, o que passa a ser o principal objetivo da n. 2, set./dez. 2003.
política externa do governo. Nesse sentido, forma-se a Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/asp-
Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa) e o gru- scripts/boletim_cecon/boletim_cecon2.asp>
po dos 20 (G-20) para atuar no âmbito da organização
Mundial do Comércio (OMC). Além disso, a diplomacia
brasileira liderou o Mercosul contra a tentativa dos EUA
de impor uma agenda unilateral para a formação da
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e adotou
medidas para estreitar as relações com os países da
África e do mundo Árabe, China, Rússia e a Índia.
Quanto à área interna, podemos apontar as seguin-
tes mudanças: suspensão do processo de privatização,
principalmente do setor energético, e do financiamento,
pelo BNDES, da aquisição de empresas estatais pelo
capital estrangeiro. Além disso, estimulou-se a indús-
tria naval através da aquisição, pela Petrobrás, de 42
navios.

RESUMO
Nesta aula fizemos uma avaliação crítica da po-
lítica econômica adotada pelo Governo Lula em seu
primeiro ano de mandato. Discutimos, inicialmente, a
perplexidade que essa política provocou na sociedade,
que esperava ver as propostas de mudanças apregoa-
das pelo novo governo se materializarem também em
medidas concretas da política econômica. Concluindo,
apresentamos as principais mudanças implementadas
nas áreas interna e externa da economia brasileira.

ATIVIDADE
“Uma avaliação dos resultados do primeiro ano de
mandato do governo Lula permite afirmar que, a des-
peito da melhora substancial de alguns indicadores
externos no decorrer de 2003, a economia brasileira

167
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 25

POLÍTICA ECONÔMICA DO SEGUNDO GOVERNO LULA

Objetivos
• Conhecer as possibilidades e perspectivas
do segundo governo Lula.
• Compreender o que seja o PAC e sua
função.
• Analisar, até o presente momento,
os aspectos econômicos do segundo
governo Lula.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO Família, que hoje distribui renda a mais de 40 milhões


de pessoas. Se em 2001, uma família de quatro pes-
Lula foi reeleito presidente do Brasil, para o se- soas dispunha de renda média mensal de US$ 95, em
gundo mandato com 58,29 milhões de votos. Do total 2004 passou a US$ 108,6 – um aumento de 14%.
da população votante, 60,83% decidiram reconduzi-lo No segundo mandato, Lula está enfrentando gran-
à presidência da República, por mais quatro anos, ape- des desafios, na medida em que o PT encontra-se de-
sar de o PT e o governo terem sido alvos, desde maio bilitado pelos escândalos políticos e sem suficiente ca-
de 2005, de  denúncias de corrupção que provocaram pilaridade organizacional que lhe permita  transformar
a queda dos principais ministros de Lula - José Dirceu, em mobilização uma parcela dos 58 milhões de eleito-
chefe da Casa Civil e articulador político do governo, res que o reconduziram ao Planalto. Além disso, existe
e Antônio Palocci, o superministro da Economia. Por- uma grande pressão dos movimentos populares, como
tanto, a crise ética  que abalou o governo junto às clas- o MST, e da Igreja Católica, que ainda lhe cobram pro-
ses média e rica não atingiu o  grande contingente de messas da campanha eleitoral de 2002, como as refor-
eleitores pobres. Talvez isso queira dizer que não é a mas  agrária, trabalhista, tributária e política. Hoje, as
ética da  política que preocupa a maioria dos eleitores, políticas sociais têm  cunho assistencialista, insuficien-
e sim, a melhoria de suas condições de vida. tes para permitir às famílias beneficiárias condições de
produzir a própria renda. O Bolsa Família ainda não
POSSIBILIDADES E encontrou a sua porta de saída, a reforma agrária - o
que o Brasil, com 600 milhões  de hectares cultiváveis
PERSPECTIVAS DO SEGUNDO e 12% da água potável do Planeta, jamais  conheceu.
GOVERNO LULA Em termos econômicos, o segundo mandato de
Lula está sendo mais conservador que o primeiro, afi-
Depois de assumir o governo em seu segundo nado com a proposta do Banco Mundial de manter  polí-
mandato, o presidente Lula afirmou que logo anun- ticas sociais focalizadas, sem ameaça aos paradigmas
ciaria medidas para “destravar” o país, possibilitando neoliberais da  economia de mercado. De janeiro de
um crescimento econômico maior durante no segundo 2003 a junho deste ano, o governo Lula canalizou às
mandato. Prometeu ainda “agir de forma mais ousada mãos dos credores da dívida pública US$241 bilhões.
e mais forte”. E reservou  às políticas sociais - excluídas a Saúde e a
De acordo com Lula, além do crescimento econômi- Educação, que dispõem de orçamentos próprios - cer-
co, o objetivo seria gerar mais empregos e distribuição ca de US$14 bilhões.
de renda no país. Literalmente nas suas palavras: Isso explica os aplausos do sistema financeiro ao
O milagre de um segundo mandato é com- governo Lula, que mantém a taxa de juros acima de
binar de forma muito mais forte uma polí- 14% e, ao mesmo tempo, o apoio do eleitorado mais
tica de desenvolvimento econômico com
uma política de desenvolvimento social, pobre, contemplado com uma renda mínima e em situ-
combinada a uma política educacional de ação de relativa estabilidade  financeira.
qualidade para que a gente possa, com
desenvolvimento, gerar renda, riqueza e Durante a campanha para o segundo turno, os de-
distribuição dessa renda, e, com uma for- bates se concentraram em dois importantes temas: a
te política social, ajudar as camadas mais retomada do crescimento econômico e o papel do Es-
pobres da população brasileira.
tado na economia. O candidato do PSDB, Geraldo Al-
(As declarações foram feitas durante a
inauguração da primeira fase das obras ckmin, tinha como principal crítica ao governo, o baixo
do Hospital Municipal Pimentas-Bonsu- crescimento econômico; por outro lado, Lula criticava o
cesso).
governo anterior – Fernando Henrique Cardoso – pela
Em relação à melhoria das condições de vida da privatização de 76% do patrimônio público.
camada mais pobre da população, houve avanços sig- Logo após ser reeleito, Lula convocou sua equipe
nificativos. Segundo pesquisas do IBGE, desde 2001 econômica, juntamente com a sociedade brasileira,
vem acontecendo uma redução no fosso da desigual- a trabalhar por um crescimento sustentado de 5% ao
dade. A renda dos mais pobres cresceu cerca de 4,5% ano, estabelecendo como principal meta o crescimento
ao ano, graças às políticas sociais, em especial o Bolsa do PIB. Para tanto, o governo lançou o Plano de Ace-

170
AULA 25 • POLÍTICA ECONÔMICA DO SEGUNDO GOVERNO LULA

leração do Crescimento (PAC), que na visão de alguns


economistas, significa uma mudança na política econô- mínima, entre outros. E a primeira medida a ser
mica em que o governo assume um papel mais ativo na tomada é estabelecer o controle dos fluxos de
promoção do crescimento. capital (3). O Banco Central deve obedecer ao
planejamento do governo e não ter a sua própria
FUNÇÃO E OBJETIVOS DO PAC política, autônoma em relação aos planos do
governo. Todas as propostas contêm a realização
PAC é um programa de desenvolvimento que tem da Reforma Agrária, como condição para fixar
como objetivo promover a aceleração do crescimento o homem no campo, dar-lhe condições de
econômico, o aumento do emprego e a melhoria das produzir, promover geração de emprego, acabar
condições de vida da sociedade brasileira. Para alcan- com o processo de expulsão dos trabalhadores
çar esses objetivos, o governo pretende tomar algumas rurais, garantir a produção de alimentos. Todas
elas contêm também a realização de pesados
medidas tais como: incentivar o investimento privado,
investimentos em educação, ausentes do PAC.
aumentar o investimento público em infra-estrutura e
E a exigência fundamental é a mudança de
remover os obstáculos – burocráticos, administrativos,
modelo: “para o Brasil realmente se desenvolver,
normativos, jurídicos e legislativos – ao crescimento. é necessário alterar o modelo econômico,
Veja abaixo alguns comentários de economistas e so- baseado no atendimento aos credores financeiros
ciólogos a respeito do PAC. e exportadores. Para isso, deve alterar a política
relativa ao endividamento. Não é possível que um
país continue gastando 37% de seu orçamento
O primeiro questionamento que poderíamos fazer
anual (o equivalente a mais da metade dos supostos
em relação ao PAC é anterior ao seu conteúdo,
investimentos do PAC em 4 anos) para remunerar
sobre o modo como ele aparece na cena nacional.
os rentistas. Os gastos com a dívida impedem os
Depois de um mandato de quatro anos, o governo
verdadeiros investimentos nas áreas que o país
deveria saber que o país precisa crescer; e uma precisa, como educação, saúde e reforma agrária
equipe já deveria ter elaborado, com calma e que, não por acaso, estão de fora do PAC.”).O
cuidado, um projeto de desenvolvimento, a ser PAC é um esforço para promover crescimento
apresentado como programa do candidato à econômico sem deixar de fazer ajuste fiscal, sem
reeleição. É estranho que só depois das eleições mexer no essencial da política macroeconômica
o governo tenha percebido o problema e solicitado neoliberal. “Do ponto de vista macroeconômico,
um plano, a ser feito às pressas para responder continua a combinação de juros altos e câmbio
às críticas de crescimento medíocre. Aqui, sobrevalorizado, enquanto as reformas continuam
poderíamos levantar a hipótese que foi o segundo a ser pensadas no sentido microeconômico, para
turno que provocou o despertar do governo e que melhorar o ambiente de negócios e para criar as
este procurou dar uma resposta. condições para a valorização da riqueza privada.
A segunda se refere a seu conteúdo. Há muito Isto é típico do neoliberalismo.” (Leda Paulani.
tempo sabemos o que é necessário para o Brasil Entrevista ao Jornal Valor, 11/06/2007).
se desenvolver: isto está presente no programa “Encontramos no Plano, novamente, o projeto de
de governo da campanha de 2002, está presente transposição do Rio São Francisco, apesar da
em obras anteriores, como A Opção Brasileira crítica manifestada pelo conjunto dos movimentos
(1998), assim como em todas as propostas de sociais. Para obter mais recursos, o governo
política alternativa publicadas nos quatro últimos mais uma vez penaliza o funcionalismo público,
anos, como A Economia política da mudança, comprometendo-se a não reajustar seus salários.
2003; Novo-Desenvolvimentismo, 2005; Adeus E a proposta de regra para o aumento do salário-
ao desenvolvimento, 2005 - para citar apenas mínimo, ao invés de significar aumentos mais
algumas. A primeira exigência de todas estas significativos, significa contenção dos mesmos -
propostas é desenvolver um mercado interno de para evitar incremento nos gastos da Previdência
massas: isto implica uma política sustentada de Social (em que o salário-mínimo é a principal
aumento do salário-mínimo e programas de renda referência).

171
ECONOMIA BRASILEIRA

apenas uma política econômica neoliberal, mas uma


Há pelo menos duas coisas que constituem agenda neoliberal. Nesse sentido vejamos as reformas
(...) a expectativa mínima de uma demanda de que ele propôs ao congresso e algumas medidas to-
esquerda não revolucionária, ou seja, esquerda madas:
que se disponha a jogar as regras do jogo -
- Reforma da Previdência do Setor Público (que fa-
economia de mercado, propriedade privada e etc
vorece a privatização de parte do sistema, via fundos
-: por um lado, há que dar prioridade ao pleno
de pensão).
emprego e, por outro lado, à distribuição de renda
e riqueza. Isto é a tradição mínima do século - Reforma Tributária (que não modifica a regressivi-
XX, que vai da social-democracia escandinava, dade do sistema tributário).
alemã e etc., a qualquer partido minimamente - Projeto das PPP (que é apenas um nome diferen-
decente progressista de qualquer outro lugar que te para a privatização ou para a transferência de recur-
se queira. (...) Para se conseguir pleno emprego, sos públicos para o setor privado).
não há nenhuma mágica, um termo que tanto - Lei das Falências (que é uma lei prejudicial aos
o ministro Palocci quanto o próprio presidente trabalhadores).
gostam muito. Ao contrário, o que há é experiência, - Liberação dos transgênicos (que só favorece as
uma experiência que vai do governo Roosevelt multinacionais, especialmente a Monsanto).
nos EUA (4) à social-democracia, passando - Manutenção dos leilões anuais de áreas de ex-
por virtualmente toda a Europa, das políticas
ploração do petróleo com participação de empresas
de demanda por um lado, ou seja, políticas
estrangeiras (iniciativa do governo FHC mantida pelo
que ajudam a sustentar um nível de demanda
governo Lula).
agregada que justifique a produção e, por outro
lado, das políticas estruturais de treinamento e - Reforma trabalhista (cujo objetivo fundamental é
investimento em educação e assim por diante (5). a chamada “flexibilização” da legislação trabalhista).
Não há absolutamente nada de inovador nisto - No segundo mandato, já se pensa numa 3ª Refor-
aqui, essas não são as políticas soviéticas, muito ma da Previdência (para pensar esta Reforma, o PAC
menos cubanas, ou o que quer que se queira” criou um Fórum Nacional da Previdência Social - que
é mais uma estratégia para legitimar a reforma do que
Passados alguns meses do lançamento do PAC,
sabemos mais claramente o que ele significa: um meio de atender aos interesses da maioria traba-
o investimento em obras, na verdade mega- lhadora do país).
projetos, de infra-estrutura, para atender aos De acordo com Márcio Pochmann:
interesses dos grandes empresários e das grandes
empreiteiras. É o caso das obras de transposição A combinação de superávit primário de
4,25% do PIB com a política monetária
do São Francisco, das hidrelétricas do Madeira, de juros altos incidentes sobre a dívida
do Xingu e do Tocantins. Para viabilizá-las, o pública resulta “num dos mais perver-
governo Lula está atropelando as condições de sos mecanismos de transferência de
vida das populações locais - inclusive indígenas renda dos pobres para os ricos de que
se tem notícia na história do capitalis-
- e a proteção do meio-ambiente. Tais projetos se mo” (Assis, 2005: 89). “Na verdade, o
encaixam perfeitamente no conjunto de obras do mais poderoso mecanismo de concen-
IIRSA, um grande complexo de obras de infra- tração de renda na economia é essa
combinação de política fiscal e monetá-
estrutura a serem realizadas na América Latina, ria perversa, onde o Estado atua como
para possibilitar o comércio entre os EUA e os um redistribuidor de renda e de riqueza
países desta área. (CARDIM, 2005: 17). a favor dos poderosos”. Além de travar
a economia, o superávit primário, agora
elevado para 4,5% do PIB, e os juros
básicos de agiotagem, agora elevados
UMA ANÁLISE DO SEGUNDO para 16,75% a.a., são uma verdadeira
GOVERNO LULA ATÉ O máquina de transferência de renda de
pobres para ricos, na medida em que
PRESENTE MOMENTO implicam a tributação indireta dos po-
bres e o aumento da tributação direta
da classe média, para o pagamento dos
É consenso que, ao longo dos seus dois governos, juros da dívida pública aos ricos A dívi-
o presidente Lula assumiu e colocou em prática, não da externa brasileira era de 52,8 bilhões

172
AULA 25 • POLÍTICA ECONÔMICA DO SEGUNDO GOVERNO LULA

de dólares em 1978; chegou a 148 bi-


lhões em 1994, logo antes de se iniciar
ATIVIDADE
o governo FHC e terminou em 248 bi-
lhões em 2002, ao final de seu governo; Faça uma comparação, sob o ponto de vista eco-
depois do primeiro mandato do governo nômico, entre os dois mandatos do presidente Lula e
Lula, em 2006, era de US$ 199 bilhões.
apresente um ponto em que houve evolução, susten-
Isto, depois de o governo Lula pagar
US$ 15,5 bilhões ao FMI. Agora, está tando o seu argumento com fatos.
em 203 bilhões de dólares (fevereiro de
2007). Em 1995, início do governo FHC,
a dívida interna era de R$ 62 bilhões;
REFERÊNCIAS
em fins de 2002 - último ano de seu go-
verno -, chegara a R$ 662 bilhões. Nos BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oito anos do reinado de FHC, a dívida oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
interna decuplicou. Em 2006 - ao final Alínea e Átomo, 2006.
do quarto ano do governo Lula - atin-
giu R$ 1,2 trilhão. Ela quase dobrou em CARDIM, Fernando (2005). Desafios para a demo-
apenas 4 anos. cracia no Brasil. In: BENEVIDES, M. V. e CARDIM,
F. Desafios para a democracia no Brasil. (Debates
A partir dos anos de 1990, o que se viu foi o cres- sobre Conjuntura. n. 2). São Leopoldo: Ed. OIKOS,
cimento e o estabelecimento de um modelo selvagem n. 2, 2005, p. 13-21.
de acumulação de riqueza, baseado agora na lógica PAULANI, LEDA. Entrevista, Jornal Valor
imediatista financeira. Selvagem porque, ao fim das 11/06/2007.
contas, por meio da dívida pública, dos juros altos e do
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: fun-
superávit primário, o Estado transfere recursos oriun- damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
dos de toda a população para as camadas mais ricas
PORCHMANN, M. Gestão C & T. Importância do
do país. Em palavras diretas, o governo tem arrecada- PAC na retomada do crescimento econômico do
do cada vez mais da população, através dos impostos país. Associação Brasileira das instituições de
majoritariamente indiretos e contribuições, e utilizado Pesquisa Tecnológica n. 87, dez 2007.
parte importante desses recursos para pagar títulos da SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São
dívida, beneficiando assim principalmente quem pode Paulo: Best Seller, 2002.
comprá-los, ou seja, os mais ricos. Trata-se, assim, de SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
uma transferência de recursos dos menos ricos para os temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
mais bem situados na pirâmide social” (POCHMANN, 2007.
2004: 185, 189).
Concluindo, a política macroeconômica do governo
Lula permanece essencialmente submissa aos inte-
resses do capital financeiro: ajuste fiscal; prioridade ao
pagamento da dívida externa (alto superávit primário
e juros reais altos); foco no controle da inflação (o que
implica juros altos e Banco Central autônomo de fato,
embora não de direito). Trata-se de um vasto processo
de transferência de renda, da maioria para a elite, dos
pobres para os ricos.

RESUMO
Nesta aula vimos que o segundo mandato do pre-
sidente Lula está sendo pouco diferente do primeiro no
tocante às questões econômicas. A prioridade continua
sendo a manutenção da estabilidade dos preços atra-
vés do programa de metas inflacionárias, apesar da
promessa de promoção do crescimento sustentado.

173
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 26

A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO


LULA: BALANÇO E PERSPECTIVAS

Objetivos
• Conhecer as tendências da política
comercial do governo Lula.
• Avaliar as perspectivas da rodada Doha.
• Discutir o significado do G- 20 para a
política de comércio exterior do Brasil.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO os Estados Unidos e uma predisposição maior em atin-


gir com a União Européia um relacionamento mais co-
Nas duas últimas aulas falamos sobre os aspectos operativo, até mesmo como forma de contribuir para a
econômicos gerais dos dois governos do presidente multipolaridade (AMORIM, 2004).
Lula. Agora vamos analisar alguns pontos específicos - Busca deliberada de liderança na América do
e, para iniciar, falaremos sobre a política comercial. Sul, trazendo consigo a idéia de que é preciso oferecer
maiores concessões e arcar com maiores custos frente
TENDÊNCIAS DA POLÍTICA aos vizinhos, dada a assimetria deles com o Brasil.
COMERCIAL DO GOVERNO LULA - Demonstração, por parte do presidente e da
equipe do Ministério das Relações Exteriores (MRE),
Em discurso na sessão solene de posse, em 01 de críticas ao modelo neoliberal e de uma hegemonia
de janeiro de 2003, o presidente afirmou que a política norte-americana, o que fica claro com a seguinte decla-
externa de seu governo seria, “antes de tudo, um ins- ração de Lula em que reconhece que “as negociações
trumento do desenvolvimento nacional” (Lula da Silva, comerciais são hoje de importância vital”. Na posse de
2003: 9). Nesse sentido estabeleceu como prioridade seu mandato, destacou as negociações da ALCA, Mer-
da política externa, “a construção de uma América do cosul-UE e OMC em curso. Ressalvou, porém, de acor-
Sul politicamente estável, próspera e unida” (Lula da do com a crítica feita à adesão à globalização de cunho
Silva 2003: 10). Assim, a integração da região, com neoliberal, que “essencial em todos esses foros é pre-
ênfase para o Mercosul, é tratada como um projeto pri- servar os espaços de flexibilidade para nossas políti-
meiramente político, ou seja, algo que não deve estar cas de desenvolvimento nos campos social e regional,
subordinado a uma lógica econômica de ganhos tan- de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico”.
gíveis mais imediatos, e sim, como algo que pode en- A partir dessa ressalva, pode-se entender a relutância
volver custos e prazos maiores, assimétricos, mas com brasileira em fechar acordos comerciais que envolvam
o objetivo final de fortalecer o poder do país e da re- regras e disciplinas sobre o comércio de bens, servi-
gião. Não significa ignorar nem descurar dos aspectos ços e sobre investimentos, com potencial para afetar
econômico-comerciais, mas de trabalhar com esses e a autonomia doméstica. Esses pontos são de alta rele-
outros, como o de infra-estrutura, o cultural e o próprio vância para os países desenvolvidos e aí se encontram
político, para formar a Comunidade Sul-Americana de entraves muito difíceis de serem superados nas nego-
Nações. ciações da ALCA, Mercosul-UE e na Rodada Doha da
A respeito disso afirma Amorim (2004, p. 42): “bus- OMC, por serem levantados pelo governo brasileiro
ca-se “uma mobilização capaz de potencializar nossas como uma questão de princípio. Sem a flexibilidade
relações com outras nações e grupos de nações. Acre- mencionada, acredita-se, ficam bastante prejudicadas
ditamos que um ordenamento global multipolar propi- as possibilidades de desenvolvimento.
ciará um ambiente mais estável e seguro, proporcio- - Finalmente deve-se ressaltar que o governo apre-
nando melhores condições de desenvolvimento para senta posições mais ofensivas do que em períodos
todos”. Portanto se a América do Sul estiver integrada, anteriores, quando a política comercial brasileira era
terá maior poder para interferir na ordem internacional fundamentalmente defensiva. Atualmente ele demanda
de modo a torná-la mais democrática e eqüitativa, um inclusão da justiça social na agenda do comércio inter-
dos objetivos da política externa em delineamento. nacional, além da tradicional posição de liberalização
Podemos destacar como principais tendências da comercial assimétrica em favor dos países em desen-
política externa do governo Lula: volvimento.
- O reconhecimento de espaços para competição O retorno à política externa do discurso Sul-Sul de-
entre pólos econômicos constituídos, como a União riva da posição do governo como um ator que busca a
Européia e o Japão, e outros em ascensão, como a mudança das condições injustas que a ordem interna-
Índia e a China, dando margem para movimentos con- cional impõe aos países não desenvolvidos para que
tra-hegemônicos. permaneçam nesse estágio. Os principais símbolos
- Proposta de um relacionamento “respeitoso, equi- desse posicionamento são o Foro IBAS, que reúne Ín-
librado e maduro” com os países desenvolvidos como dia, Brasil e África do Sul, e o G-20, grupo de países

176
AULA 26 • A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA: BALANÇO E PERSPECTIVAS

em desenvolvimento liderados por Brasil e Índia, que Um dos grandes impasses enfrentados pelas ne-
surge na reunião da OMC em Cancun, em 2003, para gociações no âmbito da OMC são as questões relati-
demandar a liberalização agrícola dos países desen- vas ao setor agrícola. Se por um lado os países ricos
volvidos. Secundariamente, pode-se apontar a tenta- querem mais acesso aos mercados de bens e serviços
tiva de aproximação com a China. A Rússia também é dos países em desenvolvimento, estes querem, em
mencionada nos discursos, mas em proporção menor. contrapartida, mais espaço para seus produtos agríco-
Podemos concluir que a política comercial do go- las. Nesse sentido é que foi estabelecido como objetivo
verno Lula buscou a diversificação do comércio exte- básico da Rodada de Doha, a eliminação de subsídios
rior brasileiro por meio de um alto número de viagens e a reforma dos mecanismos de crédito oferecidos pe-
presidenciais e ministeriais, acompanhadas por empre- los países ricos à produção agrícola para exportação
sários, para diversas regiões do globo. Da mesma ma- e para a produção, bem como o corte das tarifas de
neira, o governo e empresários brasileiros receberam importação. Na Conferência Ministerial em Hong Kong,
missões de outros países. Foi promovido o encontro em dezembro de 2005, houve uma tentativa de avan-
çar nas negociações, porém sem sucesso, assim como
de Cúpula entre América do Sul e Liga Árabe em 2005,
em janeiro de 2007, em Davos, e junho do mesmo ano,
e atenção especial foi dada à África. Foram fechados
em Potsdam (Alemanha).
acordos comerciais do Mercosul com a Comunidade
Veja a seguir, entrevista com o Diretor Geral da
Andina das Nações (CAN) em dezembro de 2003, com
OMC, Pascal Lamy.
a Índia e com a África do Sul, em 2004, e a Venezuela
foi incorporada ao Mercosul em 2006. Todos esses fo-
ram movimentos considerados estratégicos para a pre- Poder dos emergentes deve ser reconhecido
tendida inserção internacional. Cabe destacar que nes- / entrevista
ses movimentos se insere o polêmico reconhecimento Assunto:Dinheiro
da China como uma “economia de mercado” para efei- Título: Poder dos emergentes deve ser
tos de defesa comercial na OMC, mesmo ciente de que reconhecido/entrevista
aquele país não possui economia desse tipo.
Data:23/12/2007
AS PERSPECTIVAS DA RODADA Crédito: Marcelo Ninio, de Genebra
DOHA ENTREVISTA com PASCAL LAMY

Em 2001, os representantes dos países membros Diretor-geral da OMC afirma que maior força
da Organização Mundial do Comércio (OMC) lança- desses países cria um equilíbrio nas relações
ram, na cidade de Doha (Qatar), uma nova rodada internacionais.
de negociações em prol da liberalização do comércio O SOCIALISTA que comanda o organismo
mundial. Essa rodada ficou conhecida como Agenda de considerado uma espécie de juiz do capitalismo
Doha para o Desenvolvimento, a qual teve como obje- global vê com bons olhos o poder conquistado
tivo principal a implementação de acordos alcançados nos últimos anos por países emergentes
anteriormente na Rodada Uruguay, entre 1986 e 1994. como o Brasil - e que está criando um novo
equilíbrio de forças nas relações internacionais.
A Rodada Uruguai foi realizada ainda sob o Gatt,
Para o francês Pascal Lamy, diretor-geral da
(Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) e lançou a
OMC (Organização Mundial do Comércio), essa
base para a criação da OMC, em 1º de janeiro de 1995. é uma realidade irreversível. Ele deixa claro, por
O Gatt tinha seu foco no comércio de bens; já a OMC exemplo, que considera só uma questão de tempo
abrange os acordos firmados no Gatt e inclui ainda a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da
acordos sobre serviços (reunidos no Gats, ou Acordo ONU, uma das metas da diplomacia do governo
Geral sobre o Comércio de Serviços, na sigla em in- Lula.
glês) e propriedade intelectual (no Trips, ou Acordo so- Em entrevista à Folha em seu gabinete na
bre Aspectos da Propriedade Intelectual Relativos ao imponente sede da OMC, às margens do lago
Comércio, na sigla em inglês).

177
ECONOMIA BRASILEIRA

Léman, em Genebra, Lamy elogiou a estratégia um presidente no último ano de mandato?


comercial brasileira e mostrou confiança de que LAMY - Meu papel é dar uma moldura ao
a desacreditada Rodada Doha finalmente tenha processo. Não propus prazos finais. Os Estados
um desfecho positivo em 2008. Mas lembrou aos Unidos são um país importante, mas há eleições
brasileiros que, com o poder, aumenta também em vários lugares o tempo todo, e temos de
a responsabilidade. Em sua opinião, não há conviver com esses ciclos. O fato de estarmos
nenhuma contradição entre ser socialista e estar no fim de um governo [nos EUA] é positivo, até
no topo de uma organização demonizada por porque as pessoas gostam de deixar uma ficha
grupos esquerdistas e antiglobalização. “Estou limpa para a história. A verdade é que o comércio
em boa companhia”, diz Lamy, citando governos internacional tem hoje papel mais relevante na
considerados de esquerda, como os do Brasil política doméstica do que há 50 anos. O mundo
e do Chile, que também defendem a abertura mudou e, na minha opinião, para melhor. O
do comércio. Lamy, 60, chegou ao comando da comércio, como transmissor da globalização, tem
OMC em 2005, depois de derrotar, entre outros grande impacto na vida das pessoas.
candidatos ao cargo, o brasileiro Luiz Felipe de
FOLHA - Quais as lições da Conferência de Bali
Seixas Corrêa. Formado em administração e
para a Rodada Doha? Se o mundo não consegue
estudos políticos, teve longa trajetória no serviço
ir além de um acordo vago sobre um tema em que
público francês, chegando a assessor do premiê
o objetivo coletivo é claro, como o meio ambiente,
Pierre Mauroy. Também fez carreira na União
como esperar consenso em um processo com
Européia. Primeiro, como chefe-de-gabinete
interesses tão diversos, como o comércio?
do presidente da Comissão Européia, Jacques
Delors. Depois, como comissário europeu de LAMY - Chegar a um acordo sobre mudança
Comércio. Entre os dois cargos, chefiou a equipe climática é mais difícil que concluir a Rodada
que recuperou o banco francês Crédit Lyonnais, Doha. Bilhões em subsídios ou toneladas
onde atuou como presidente até sua privatização, de frango ou porco são mercadorias mais
em 1999. Leia a seguir trechos de entrevista à fáceis de lidar do que emissões de CO2.
Folha. Mas há coisas em comum. Primeiro, há um
bem público com que nos preocupar. O seguro
FOLHA - Mais um ano termina com a
contra o protecionismo apoiado pela OMC é
Rodada Doha em um impasse. O que deu
um bem comum. Só que o bem público tem um
errado e o que o sr. espera para 2008?
histórico mais longo em comércio, pois estamos
PASCAL LAMY - Não considero um impasse. A
nesse negócio há 60 anos, enquanto o tema da
negociação continua. O nível de atividade neste
mudança climática é mais recente. Em segundo
momento na OMC é bem mais alto do que era
lugar, há o equilíbrio de forças nas negociações,
no ano passado. Em 2007, nós tivemos boas e
que mudou fundamentalmente nos últimos 50
más notícias. A má foi o colapso do processo do
anos. Antes, era basicamente uma negociação
G4 em Potsdam [na Alemanha]. Mas a boa notícia
entre o Norte rico e o Sul pobre. Hoje, a situação
é que foi aberta uma nova avenida para avançar
mudou totalmente. Temos potências emergentes,
a negociação, que é voltar para o plenário
que querem sua parte do bolo e do processo de
e para os chefes dos comitês. Todos sabem
tomada de decisões. Não que Brasil e Índia não
que negociações entre 151 países são muito
participassem antes das negociações comerciais.
complexas, mas estamos chegando ao estágio
Mas seu envolvimento e sua capacidade de
final. Minha sensação é de que poderemos
direcionar a agenda eram muito menores. Se
terminar toda a Rodada Doha em 2008. Essa é
a agricultura é o assunto “número 1” da atual
uma determinação compartilhada por todos os
negociação, não é porque Estados Unidos, União
membros da organização.
Européia e Japão gostam, mas porque os países
FOLHA - Recentemente, o sr. propôs um calendário emergentes impuseram isso à agenda. No caso
para que as negociações sejam concluídas da mudança climática, há o mesmo dilema da
até o fim de 2008. Como esse calendário será nova realidade, que é o reequilíbrio em volta
afetado pelo fato de que na Casa Branca estará da mesa de negociações, o que também se vê

178
AULA 26 • A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA: BALANÇO E PERSPECTIVAS

no Banco Mundial e no FMI [Fundo Monetário poderoso é a nova realidade do mundo de hoje.
Internacional]. Acontece o mesmo nas discussões Por mim, está ótimo, sou um social-democrata.
sobre o [a reforma do] Conselho de Segurança da Não tenho objeção a que os pobres tenham mais
ONU. O mesmo problema: uma velha estrutura, poder de negociação.
que está lá há 60 anos e não cabe na realidade de
FOLHA - Como o sr. vê a estratégia do Brasil nas
hoje. E não se pode pedir a países como Brasil,
negociações de Doha?
Índia ou China que assumam compromissos em
relação ao clima, se eles não são parte do jogo. LAMY - É muito bem construída, pois combina
a dimensão geopolítica com as vantagens
FOLHA - Como as preocupações ambientais comparativas do Brasil, notadamente na agricultura.
deveriam ser incluídas nas negociações Claro, se você pode matar dois pássaros com uma
comerciais? O álcool, por exemplo, deveria ser pedra, ou seja, ser uma força de transformação
considerado uma categoria especial? geopolítica e ainda conseguir seus objetivos, por
LAMY - A noção de que o comércio deve contribuir que não? É uma estratégia inteligente, enquadra-
para o desenvolvimento sustentável é um se nos interesses macroeconômicos do Brasil e
princípio da OMC. O álcool é parte da negociação tem sido extremamente bem-sucedida nos últimos
agrícola. Há a convicção de que deveríamos fazer anos. Basta olharmos para o comércio, o superávit
mais para promover os bens ambientais. Agora, comercial, os indicadores macroeconômicos, a
o que é exatamente um bem ambiental continua inflação, o valor da moeda. A moeda brasileira
uma questão aberta. Isso é verdade tanto para dobrou de valor em relação ao dólar nos últimos
máquinas de lavar e bicicletas como para o cinco anos. A noção de que abrir [os mercados] é
álcool. bom funciona, mas funciona ainda melhor se você
equaliza o campo de ação, o que é a posição
FOLHA - Os países ricos, ao que parece, estão
básica do Brasil em agricultura. Acho que é muito
custando a se adaptar ao novo equilíbrio de poder.
eficiente. Acredito que o presidente Lula e o
O que o sr. achou da declaração da secretária do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim,
Comércio dos Estados Unidos, Susan Schwab, queiram concluir a Rodada, já que moveram a
comparando Brasil e Índia a adolescentes? negociação de uma forma boa para o Brasil
LAMY - É uma realidade e é um reflexo da mudança
no equilíbrio de forças. Eu não usaria essa frase, FOLHA - Em que o Brasil poderia ser mais
pois parece algo como “eu sou um adulto e você flexível?
é um adolescente”. Os países emergentes estão LAMY - Em temas como tarifas industriais e
absolutamente certos e têm toda a legitimidade em serviços. O que, aliás, está acontecendo. Já
querer reequilibrar o mundo da agricultura, assim houve redução unilateral de tarifas no Brasil, o
como estavam certos em relação a têxteis na que foi bom para a economia do país.
primeira Rodada. Estão certos, mas têm de pagar
um preço. Ser participante ativo significa ganhar FOLHA - O que a economia do Brasil e do mundo
ganhariam com uma conclusão positiva da
direitos, mas também ter responsabilidades
Rodada Doha?
FOLHA - Há quem critique o Brasil por exigir
LAMY - Crescimento. Portanto um potencial para
privilégios de país pobre enquanto reivindica
mais bem-estar social e redução da pobreza. O
poderes de país rico. Como conciliar isso?
que acontece dentro dos países está além do
LAMY - É fato que países como Brasil, Índia,
alcance da OMC, mas o aumento do comércio
África do Sul e Indonésia continuam pobres, já
internacional cria o potencial de reduzir as
que a porcentagem da população que vive com
desigualdades, que no Brasil continuam sendo
US$2 por dia ainda é muito alta, Mas também
um problema.
é verdade que estão muito mais poderosos.
E todos escolheram a mesma avenida para o FOLHA - Como o sr. vê a perspectiva de
desenvolvimento, que é a integração no comércio crescimento do comércio em 2008, sobretudo
internacional. São países com grandes vantagens diante de desequilíbrios causados por fatores
comparativas e querem usá-las. Ser pobre e como a desvalorização do dólar?

179
ECONOMIA BRASILEIRA

sucessos da diplomacia brasileira nos últimos anos. Foi


LAMY - A OMC não está no negócio de curto criado em 20 de agosto de 2003, no âmbito das reuni-
prazo. Nosso período de tempo é de 15 anos, que ões preparatórias para a rodada de negociações em
é o espaço entre duas rodadas de negociação Cancun (México).
comercial. E nesse tempo valorizações cambiais
Na concepção dos países que formam o G-20, qual-
se igualam. É como sair com o cachorro. Durante
quer avanço na liberalização do comércio internacional
o passeio, o cachorro algumas vezes está na
deveria levar em consideração o tema da agricultura,
frente, em outras está atrás. Uns andam com o
cachorro na coleira, outros não. Alguns têm uma bem como a utilização do comércio para a promoção
coleira longa, outros curta. Isso não muda o fato do desenvolvimento sócio-econômico dos países me-
de que cão e dono sempre voltam juntos para nos desenvolvidos. A posição comum do G-20 se sus-
casa. tentava - e ainda se sustenta - em três pilares: acesso
aos mercados agrícolas dos países desenvolvidos; eli-
FOLHA - O sr. já disse que o protecionismo no
minação de todas as formas de subsídio à exportação
comércio foi uma das origens da Segunda Guerra
Mundial. O mesmo problema poderia levar hoje a agrícola dos países desenvolvidos; e tratamento dife-
turbulências políticas? renciado e especial aos países em desenvolvimento.
O grupo tem vasta e equilibrada representação ge-
LAMY - Sim, há sempre um risco de que a
ográfica, sendo atualmente integrado por 23 membros:
sensação de desproteção de um país degenere
5 da África (África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia e
em protecionismo econômico. A proteção é
uma necessidade humana. Quando surge um Zimbábue), 6 da Ásia (China, Filipinas, Índia, Indonésia,
problema, apontar para o estrangeiro é sempre Paquistão e Tailândia) e 12 da América Latina (Argen-
a saída mais fácil. Por isso o protecionismo é tina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, Guatemala,
sempre uma tentação. México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela).
A principal motivação para o nascimento do G-20
FOLHA - Quais as contradições vividas por um
foi a tentativa de impedir um resultado predetermina-
socialista no comando do órgão que é o árbitro do
capitalismo global? do em Cancún e de abrir espaço para as negociações
em agricultura. Naquela ocasião, o principal objetivo do
LAMY - A relação com o capitalismo de mercado Grupo foi defender resultados nas negociações agríco-
é uma grande questão do movimento socialista
las que refletissem o nível de ambição do mandato de
desde o começo do século 19. Mas, se olho para
Doha e os interesses dos países em desenvolvimento.
os socialistas e os social-democratas, concluo que
Para tanto, o Grupo adotou posição comum, circula-
estou em boa companhia. Vejo que Brasil, Chile,
Nova Zelândia e Reino Unido, com governos da como documento oficial da OMC, antes e durante
socialistas ou social-democratas, também Cancún. Essa posição permanece como a plataforma
defendem a abertura comercial. central do Grupo.
Após a falta de resultados concretos no encontro
Entrevista com Pascal Lamy: Poder dos
de Cancún, o G-20 dedicou-se a intensas consultas
emergentes deve ser reconhecido (Folha de S.
Paulo, 23 de dezembro de 2007) técnicas e políticas, visando a injetar dinamismo nas
negociações. Foram realizadas diversas Reuniões Mi-
nisteriais do Grupo (Cancún, setembro/2003; Brasília,
dezembro/2003; São Paulo, junho/2004; Nova Dé-
SIGNIFICADO DO G-20 PARA lhi, março/2005; Bhurban, setembro/2005; Genebra,
A POLÍTICA DE COMÉRCIO outubro e novembro/2005), e Rio de Janeiro (setem-
EXTERIOR DO BRASIL bro/2006), além de freqüentes reuniões entre Chefes
de Delegação e Altos Funcionários em Genebra. O
O G-20 é um grupo que reúne os países em de- grupo promoveu, ainda, reuniões técnicas com vistas
senvolvimento com interesse na abertura agrícola a discutir propostas específicas no contexto das nego-
dos países ricos e, para isso, defende o fim dos sub- ciações sobre a agricultura da OMC e a preparar docu-
sídios oferecidos aos agricultores de tais países. A sua mentos técnicos em apoio à posição comum adotada
concepção tem sido apontada como um dos grandes pelo Grupo.

180
AULA 26 • A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA: BALANÇO E PERSPECTIVAS

O G-20 consolidou-se como interlocutor essencial


e reconhecido nas negociações agrícolas. A legitimida- aos países em desenvolvimento, com o intuito de
de do Grupo deve-se às seguintes razões: fortalecer-lhes a competitividade comercial global.
a) importância dos seus membros na produção e O G-2o é, pois, uma iniciativa política propositiva,
e não obstrutiva, conforme tachado por seus
comércio agrícolas, representando quase 60%
detratores. O Grupo tem insistentemente
da população mundial, 70% da população rural
apresentado propostas para fazer avançar as
em todo o mundo e 26% das exportações agrí-
negociações da Rodada Doha. O impasse na
colas mundiais; Rodada deve-se não à atuação do G-20, mas à
b) sua capacidade de traduzir os interesses dos dificuldade de conciliar posições entre o Grupo e
países em desenvolvimento em propostas con- os dois outros grandes atores da OMC - os Estados
cretas e consistentes; e Unidos e a União Européia. Vale dizer que a Rodada
c) sua habilidade em coordenar seus membros e já teria chegado a uma conclusão, exitosa, porém
interagir com outros grupos na OMC. exitosa apenas para os países desenvolvidos, na
medida em que desconsideraria os interesses e
O texto seguinte traz mais informações a respeito reivindicações dos países em desenvolvimento.
do G- 20: Representando 60% da população mundial, 70%
da população rural mundial e 27% das exportações
agrícolas mundiais, o G-20 tem legitimidade
O poder de influência do G-20 foi confirmado
inquestionável para defender os interesses e
na fase final das negociações que levaram ao
objetivos do mundo em desenvolvimento. Sua
acordo-quadro de julho passado. Graças aos
habilidade de traduzir uma vasta gama de interesses
esforços do G-20, o acordo-quadro adotado
do Sul global em propostas e ações concretas é
reflete todos os objetivos negociadores do Grupo
também garantida por sua formação diversificada,
na fase inicial de negociações da Rodada de
uma vez que conta entre seus membros com
Doha: (I) respeitar o mandato de Doha e seu
grandes e pequenos países de três continentes.
nível de ambição; (II) apontar para resultados
O G-20 é um inegável sucesso de concepção e
positivos das negociações de modalidades; e (III)
ação da diplomacia brasileira. Embora a Rodada
representar, além disso, melhoria substantiva em
Doha permaneça em ponto morto, as negociações
relação ao texto submetido em Cancún, em todos
passaram a contemplar as posições e visões do
os aspectos da negociação agrícola.
mundo em desenvolvimento. Reconhecendo-se
Em Cancún, o G-20 teve de resistir a pressões que o objetivo da Rodada Doha - chamada, aliás,
que tentavam desqualificar sua atuação como de Rodada para o Desenvolvimento - é fazer do
negativa e obstruidora do progresso das comércio um instrumento do desenvolvimento
negociações. De fato, foi graças ao G-20 que não sócio-econômico, é fundamental que os países
se alcançou um acordo em Cancún. O acordo que do Sul global se articulem na promoção de
se previa, no entanto, fora elaborado totalmente uma ação que impeça a repetição da história
à revelia dos países em desenvolvimento. De e faça dessa rodada de negociações um êxito
fato, o G-20 foi muito além da obstrução da também para o mundo em desenvolvimento.
Ministerial de Cancún. O Grupo apresentou
uma proposta efetiva à consideração de todos Para maiores informações, vale a pena uma
os membros da OMC, que defendia, na área visita aos sites da OMC (www.wto.org) e do
agrícola: 1) uma redução expressiva de todas G-20 (www.g-20.mre.gov.br).
as formas de apoio doméstico à produção nos
países desenvolvidos (subsídios à produção);
2) a eliminação de todas as formas de apoio à
exportação dos países desenvolvidos (susbsídios RESUMO
à exportação); 3) uma redução expressiva das
Vimos nesta aula que a política externa do governo
barreiras ao comércio de bens agrícolas vigentes
nos países desenvolvidos; 4) a concessão de Lula trabalha pela abertura de mercado para os pro-
uma forma de tratamento diferenciado e especial dutos da pauta exportadora do país. A valorização dos
foros multilaterais e a ação voltada para a construção

181
ECONOMIA BRASILEIRA

de alianças internacionais tiveram seu momento mais


alto com a criação do Grupo dos 20, que teve papel de
destaque na Conferência de Cancun.

ATIVIDADE
Uma das questões mais importantes da política de
comércio exterior do Brasil é a formação da ALCA. Pes-
quise sobre o assunto e dê sua opinião sobre as van-
tagens e desvantagens da adesão do Brasil à ALCA.
Fundamente sua resposta.

REFERÊNCIAS
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oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
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GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, Maurício Mesquita
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Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2007.
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LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
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Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

182
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 27

POLÍTICA INDUSTRIAL, TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO


EXTERIOR DO GOVERNO LULA (PITCE)

Objetivos
• Conhecer as principais diretrizes da
PITCE.
• Compreender as diferenças e
particularidades da PITCE em relação
às principais políticas industriais
brasileiras.
• Conhecer as perspectivas da PITCE.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÂO A exposição a seguir faz uma apresentação da po-


lítica industrial, denominada de Política Industrial, Tec-
Caríssimo aluno, nológica e de Comércio Exterior – PITCE, destacando
Na aula anterior falamos de forma geral sobre a po- suas principais características e objetivos.
lítica de comércio exterior do atual governo. Nesta aula
discutiremos especificamente a política industrial, isto
é, aquela voltada para a indústria nacional; conhecere- [...]
mos suas principais diretrizes e as suas perspectivas. • Fortalecimento de Pequenas e Médias Em-
presas (PMEs) através da ênfase em Arranjos
AS DIRETRIZES DA PITCE Produtivos Locais (APLs). É opção diferencia-
da do que já se fez em termos de política na-
A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Ex-
cional, que abre espaço tanto para priorizar
terior - PITCE - foi lançada em 31 de março de 2004 e
as PMEs, que são as maiores geradoras de
teve como motivação a necessidade de mudança no
emprego, como para a valorização de espa-
patamar competitivo da indústria nacional. Ela�������
se ba-
ços regionais e sub-regionais, e ainda para
seia em um conjunto de medidas que visam fortalecer e
induzir uma dinâmica interna de permanente
expandir a base industrial brasileira, através da melho-
inovação. Todos esses elementos interagem
ria da capacidade inovadora das empresas. Visando o
de forma integrada com todas as diretrizes
seu êxito, os seus formuladores criaram uma engenha-
e ainda agregam elementos estratégicos do
ria institucional para dar coerência política às ações e
programa de governo, como a geração de
estabeleceram um diálogo aberto entre o setor público
empregos e o enfrentamento das desigualda-
e a iniciativa privada. Em outras palavras, a PITCE pre-
des regionais.
tende articular e apoiar ações do setor privado, bem
• Opções Estratégicas: o foco da política tam-
como modificar o ambiente institucional para facilitar a
bém é definido no âmbito dos setores econô-
ação privada.
micos priorizados. Sua escolha não é fortuita,
Um dos resultados dessa tentativa de parceria en-
assim como não foi a indústria de base, de
tre o setor público e o privado foi a criação do Conselho
bens de consumo e de insumos industrias
Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), fórum dos I e II PND. Trata-se de setores com capa-
de discussões envolvendo empresas, setor público e cidade de inovação na economia mundial, o
trabalhadores, composto por 13 ministros, pelo presi- que significaria dizer que se trata de gerar va-
dente do BNDES e 14 representantes da indústria e lor agregado maior que a média não só agora,
da classe trabalhadora. Além disso, criou-se também mas no futuro. Além disto, são setores trans-
a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial versais a diversos outros setores da base
(ABDI) com o objetivo de coordenar e promover a exe- industrial nacional, o que significa que têm
cução da PITCE, juntamente com os órgãos do gover- capacidade de difundir a inovação. São eles:
no federal. semicondutores, software, bens de capital
As principais diretrizes da PITCE são: e fármacos e medicamentos. Dentro destes
últimos, a aposta mais estratégica é direcio-
• aumento da eficiência produtiva;
nada para a Biotecnologia, Nanotecnologia e
• redução da vulnerabilidade externa; Biomassa, que estão na fronteira tecnológica
• estímulo ao investimento e à produtividade; tanto da indústria como da sustentabilidade
• desenvolvimento da base produtiva do futuro. do planeta.
Percebe-se que tais diretrizes estão voltadas para • Modernização Industrial: ao mesmo tempo
o aumento da capacidade de inovação da indústria, que integra os anteriores, parte da valorização
com ênfase no desenvolvimento de novos produtos, do que já foi construído ao longo dos anos e é
processos e formas de uso e ainda têm o objetivo de patrimônio da nação brasileira. Aponta o obje-
emfrentar o estrangulamento externo através do au- tivo de ampliar a eficiência da indústria nacio-
mento das exportações.

184
AULA 27 • POLÍTICA INDUSTRIAL, TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA (PITCE)

nal. Articula desde medidas microeconômicas o objetivo claro e definido de elevar o padrão de
de desburocratização de processos de cons- competitividade da indústria brasileira, a PITCE
tituição e formalização de empresas, desone- abrange três eixos complementares.
ração de IPI e financiamento de máquinas e O primeiro eixo é composto por um conjunto de
equipamentos (modermaq), até programa de instrumentos horizontais que contribuem para
Extensão Industrial Exportadora. a modernização industrial, para o aumento da
• Expansão das Exportações: além de buscar capacidade inovadora das empresas, para uma
novos mercados que possibilitem dar vazão melhor inserção das empresas brasileiras no
à produção interna, gerando emprego e ren- mercado internacional e para o aperfeiçoamento
da, é uma necessidade para gerar superávits do ambiente institucional e econômico.
externos e reduzir a dependência do país em Exemplos de ações que perpassam este eixo da
relação a capitais internacionais. Já foi lança- Política Industrial são a melhoria dos processos
do o Programa de Exportações que, além de de obtenção de marcas e patentes, metrologia
financiamentos, possui uma forte ofensiva em legal, certificação de produtos para acesso a
novos mercados capitaneada pela agenda do novos mercados, novas linhas de financiamento à
próprio presidente Lula. Esta já conta com re- inovação, programas de treinamento profissional,
sultados muito importantes, com novos recor- entre outros.
des de exportações. O segundo eixo define como opções estratégicas
• Incentivos a Investimentos: é o desafio de au- os setores de software, semicondutores, bens de
mentar a capacidade produtiva, ou seja, ter capital e fármacos e medicamentos. A escolha
mais indústrias e máquinas que possam ocu- dos três primeiros baseia-se no fato de que
par mais trabalhadores. A modernização pode esses setores perpassam todas as atividades
aumentar a produção por ganhos de produti- contemporâneas de produção industrial e são
vidade, mas não a capacidade instalada e de elementos fundamentais na modernização da
emprego. Assim, novas plantas industriais são estrutura industrial brasileira. Por sua vez, o setor
necessárias. O tema está sendo tratado de de fármacos e medicamentos tem a capacidade
forma estratégica com uma agenda de indu- não só de melhorar as condições de vida da
ção de investimentos em setores estratégicos população, como de reduzir a dependência
externa, além de possibilitar um melhor retorno
coordenada por um grupo ligado diretamente
econômico advindo do processo de inovação e
ao Presidente. Médias empresas deverão ser
lançamento de novos produtos e processos.
formadas em parcerias com o SEBRAE e os
governos estaduais. O terceiro eixo de ação, que se refere às
atividades portadoras de futuro - biotecnologia,
Disponível em: http://www.desenvolvimento. nanotecnologia e energias renováveis –, abre
gov.br – Política Industrial uma janela de oportunidades imensurável, na
medida em que o Brasil possui condições de
disputar de igual para igual o desenvolvimento
desses setores de ponta com os principais países
Leia, a seguir, um texto de Alessandro Teixeira,
do mundo. Isto porque o Brasil detém uma infra-
Doutor em Competitividade Tecnológica e Industrial e
estrutura tecnológica qualificada para pesquisa,
presidente da ABDI de abril de 2005 a junho de 2007.
desenvolvimento e inovação (laboratórios,
especialistas e conhecimento científico
Competitividade tecnológica e Industrial acumulado), rica biodiversidade e condições
de clima e solo inigualáveis para a produção de
Concebida a partir de uma visão estratégica de
biomassa a ser convertida em energia.
longo prazo, a PITCE tem como pilar central a
inovação e a agregação de valor aos processos, A indústria brasileira tem cumprido seu papel não
produtos e serviços da indústria nacional. Com só pelos recordes de exportações e crescimento

185
ECONOMIA BRASILEIRA

geraram uma indústria pouco competitiva internacio-


industrial, mas, principalmente, por ter elaborado nalmente, tendo como foco principal a atividade fabril.
seu Mapa Estratégico e organizado o Congresso Assim, não houve maiores preocupações em desen-
Brasileiro de Inovação na Indústria. Esses são volver outras funções empresariais como pesquisa e
elementos históricos e fundamentais para o
desenvolvimento, concepção e projeto de produto, dis-
desenvolvimento do país.
tribuição e marcas internacionais.
A partir do aprendizado das melhores práticas Essas características da indústria brasileira, aliadas
nacionais e internacionais, não restam dúvidas ao fato de que as empresas estrangeiras, de forma ge-
de que possuímos vantagens comparativas ral, trouxeram fábricas, mas não centros de P&D ou de
excelentes, não só na competência de nossa projeto de produto, seguindo a estratégia de lançar no
gente como na abundância de nossos recursos.
país produtos projetados no exterior, ajudam a explicar,
Entretanto, sem a construção de uma política
do ponto de vista histórico, a baixa taxa de inovação
planejada e concertada, capaz de apontar rumos
da indústria brasileira. Com a crise dos anos 80, esse
bem definidos, estaremos fadados à margem do
desenvolvimento industrial mundial e à nostalgia modelo foi colocado em xeque, na medida em que o
do país do futuro que poderíamos ter sido. país não conseguiu acompanhar a revolução tecnológi-
ca nas áreas da eletrônica e da informática. Por causa
Disponível em: www.bndes.gov.br/
disso nosso déficit comercial é bastante elevado nesse
conhecimento/seminario/apl17.pdf -
setor, que foi e é chave na competição industrial.
No período Collor, houve uma redução do prote-
cionismo, e a indústria brasileira foi exposta a uma
DIFERENÇAS E
concorrência internacional. O plano real, ao introduzir
PARTICULARIDADES DA PITCE a paridade cambial e mantê-la durante um longo pe-
EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS ríodo, diminuiu a vantagem competitiva da estrutura
INDUSTRIAIS ANTERIORES produtiva, levando a déficits comerciais expressivos.
Com o processo de privatização e o direcionamento
No seu escopo, a PITCE é bem distinta tanto do I do BNDES para seu financiamento, a estrutura produ-
como II Planos Nacionais de Desenvolvimento das dé- tiva foi colocada frente a frente com o desafio de ade-
cadas de 1950 e de 1970. Primeiro porque a política, quar-se à nova realidade, ou seja, a necessidade de
como anunciada, está restrita ao setor industrial, sepa- racionalizar suas operações e reestruturar a produção
rada, por exemplo, da infra-estrutura. Segundo, porque e organização do trabalho. Como resultado, tivemos a
a indústria brasileira já se encontra noutro patamar. terceirização, o surgimento das células de produção, o
A idéia de política industrial no Brasil se remete controle estatístico dos processos. Em nível institucio-
àquela baseada na criação de fábricas para substitui- nal, o Estado cria o Programa Brasileiro de Qualidade
ção de importações, com o Estado criando empresas e Produtividade (PBQP), numa tentativa de difundir as
importantes e atraindo investimento direto externo, técnicas de gestão ao estilo japonês.
oferecendo como atrativo um grande mercado interno, Apesar das tentativas de modernização da indús-
protegido da competição internacional, e um conjunto tria nacional, não foram estimuladas outras funções im-
articulado de incentivos. Ou seja, empresas estatais, portantes da empresa, já que esses programas tinham
protecionismo, incentivos fiscais e creditícios, subsí- foco na fábrica. Além disso, não foram capitalizados os
dios, etc. esforços do país na montagem da estrutura de pesqui-
Entre os resultados dessa política, temos a criação sa e pós-graduação nas universidades. Concluindo,
de uma base industrial bastante diversificada e integra- nesse período existia um consenso entre as autori-
da, com poucos similares em países de renda média, dades de que a melhor política industrial era não ter
apresentando forte base metal-mecânica. Porém, hou- política industrial. Assim, o resultado foi que ocorreram
ve pouco êxito em setores da eletrônica (componen- programas dispersos, desintegrados, que não conse-
tes, microeletrônica, hardware de informática), já que a guiram incentivar a mudança do patamar competitivo
ênfase na substituição de importações e o foco quase da indústria, a qual continuou a ter na fábrica, na ope-
que exclusivo no mercado interno e no proteccionismo ração fabril, o seu foco.

186
AULA 27 • POLÍTICA INDUSTRIAL, TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA (PITCE)

No texto seguinte, veja uma avaliação da importân-


cia das políticas industriais para o desenvolvimento de monopolistas e mercados ineficientes. Nesse
um país. sentido, uma regulação adequada de setores
concentrados depende de que seja resolvida a
questão da assimetria de informações. A imposição
Política Industrial e Desenvolvimento: o caso
de uma conduta virtuosa à indústria exige que o
do Brasil
governo utilize mecanismos que compensem sua
O debate sobre a necessidade de um país ter ignorância quanto às tecnologias e às estruturas
uma política industrial consistente vem sendo de custos vigentes, cujo conhecimento completo
retomado de forma bastante intensa nas últimas é exclusivo das empresas ali estabelecidas.
duas décadas, especialmente nos países em
Tanto os países desenvolvidos como os em
desenvolvimento. A argumentação básica é a
desenvolvimento necessitam apoiar-se em
prioridade na geração de superávits da balança
políticas industriais com base no desenvolvimento
comercial, que permitam reduzir o déficit em
tecnológico voltadas para o comércio exterior,
transações correntes e, dessa forma, a fragilidade
orientadas para acelerar os ganhos de
da economia desses países, sujeita a choques
competitividade. Assim, argumentamos que a
externos. Pressupomos que a política industrial
política econômica de que o Brasil necessita
seja capaz de elevar exportações e substituir
– orientada para reduzir a vulnerabilidade externa
importações. Este trabalho visa, portanto, reforçar
da economia – requer uma consistente política
a relevância da definição de uma sólida política
industrial e tecnológica voltada para a exportação.
industrial para o Brasil.
A política industrial e tecnológica e a de comércio
Assim, argumentamos que a dinâmica do exterior passam a ter um papel relevante como
funcionamento da economia capitalista, na instrumento de estimulo e de financiamento das
atualidade, depende fortemente do progresso exportações. Uma política industrial consistente,
da tecnologia. Essa constatação também se baseada no desenvolvimento tecnológico, surge
aplica aos setores industriais e às firmas quando como um fator de fortalecimento da política
consideradas individualmente. Por sua vez, os macroeconômica do país (MATIAS-PEREIRA,
impactos decorrentes da globalização impõem 2002a). Para tornar os produtos brasileiros mais
a necessidade de implementar novas políticas competitivos no mercado internacional, será
públicas e estratégias empresariais no setor necessário agregar valor aos nossos produtos e
industrial e tecnológico dos países emergentes, consolidar as marcas do país nesses mercados.
como é o caso do Brasil.
Podemos observar que existe uma estreita relação
O principal objetivo de uma política industrial é entre o desenvolvimento alcançado pelas nações
o de promover sistemas produtivos eficientes, mais avançadas e a utilização do conhecimento
capazes de acompanhar a dinâmica do progresso e aplicação da Ciência. Nesse sentido, ciência e
técnico internacional. Verificamos, na teoria tecnologia estão relacionadas com o progresso
microeconômica, que uma indústria é eficiente através de toda a ampla faixa do empreendimento
quando sua configuração é sustentável, ou seja, humano: educacional, intelectual, médica,
quando o número de firmas ali estabelecido ambiental, social, econômica e cultural. Os
e seus respectivos vetores de produção são conhecimentos científicos e tecnológicos que a
aqueles que permitem minimizar os custos de humanidade consegue acumular e implementar
atendimento à demanda existente. Por sua vez, representam um patrimônio para resolver os
as configurações sustentáveis em geral são distintos problemas que enfrenta a humanidade,
oligopólios ou monopólios, o que obriga o governo como por exemplo, a necessidade de redução
a utilizar-se dos instrumentos de promoção da pobreza e as questões ambientais. Assim,
industrial sem descuidar dos mecanismos de partimos do entendimento de que os benefícios da
defesa do interesse público. Normalmente as pesquisa científica devem fluir para a sociedade
estratégias industriais restritas ao primeiro objetivo como um todo e para a economia em geral, e não
tendem a se tornarem reféns do poder econômico apenas para os executores ou financiadores das
das grandes empresas, gerando apenas rendas atividades de pesquisa (PAVITT, 1991; 1998).

187
ECONOMIA BRASILEIRA

O desenvolvimento industrial e tecnológico importantes oportunidades futuras; b) aumentar


precisa ser balizado por uma política definida, a velocidade na qual a informação flui através
competente e lúcida, que considere tanto o esforço do sistema; c) rapidamente difundir as novas
de execução de atividades de pesquisa quanto tecnologias; d) aumentar a conectividade das
a transferência de resultados para a sociedade. diferentes partes constituintes do sistema de
Este arranjo, articulando convenientemente C&T para acelerar o processo de aprendizado.
organizações, instituições sociais e mecanismos Tais objetivos têm sido perseguidos de maneira
tanto de implementação como de avaliação conjunta, especialmente por meio da mobilização
de resultados de políticas de desenvolvimento de redes de inovação, o que tem se constituído
científico e tecnológico, e buscando alcançar no objetivo central da política governamental
objetivos pré-fixados, constitui o que, na Teoria daqueles países nos anos recentes. No final dos
Econômica, vários autores têm denominado anos de 1980, do orçamento do governo japonês
sistemas nacionais (regionais) de inovação para P&D, 80% foram alocados para projetos de
(FREEMAN, 1995; 1994; FREEMAN e SOETE, colaboração tecnológica, enquanto do orçamento
1994; NELSON, 1993). de pesquisa da Comunidade Européia, cerca de
60% foram desembolsados nesta forma para a
Observa-se que o acesso à tecnologia avançada,
promoção das novas tecnologias genéricas.
por meio de importação, está se tornando
inviável diante da tendência de privatização Pereira, José Matias. Política Industrial
do conhecimento no mundo. Essa realidade e Desenvolvimento: o caso do Brasil.
evidencia que os países emergentes, como o Observatorio de la Economía
Brasil, necessitam definir consistentes políticas Latinoamericana, nº 28, Julio 2004. Disponível
industrial e tecnológica. É oportuno lembrar que, em: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/
desde 1980, quando o Brasil renunciou às políticas
de desenvolvimento, a taxa de crescimento caiu
para 2,4% ao ano, e o país caiu da liderança
para a 93ª posição no ranking mundial em PERSPECTIVAS DA PITCE
termos de expansão (IBGE, 2004). Essa queda
foi conseqüência, entre outros fatores, de uma Os resultados da política industrial do primeiro
enorme desatenção dos governantes em relação mandato de Lula se basearam principalmente na cria-
às políticas educacional e industrial. As políticas ção de linhas de créditos para setores específicos da
industriais, orientadas para as exportações, indústria, porém, de acordo com alguns analistas, os
utilizadas por diversos países emergentes, como resultados foram insignificantes. Talvez a primeira fase
por exemplo, os denominados tigres Asiáticos, tenha sido atrapalhada pela política macroeconômica
tiverem sucesso por causa dos avanços voltada quase que exclusivamente para a estabilidade
educacionais alcançados naqueles países. A econômica e a falta de instituições que pudessem co-
política industrial brasileira, por sua vez, no ordenar um trabalho mais orgânico nas iniciativas de
período de 1982 a 1994, perdeu gradativamente política industrial.
competitividade na medida em que estava voltada
Atualmente está sendo preparada o que o gover-
para uma economia fechada. Os governantes,
no chama de “segunda fase” (mudanças no PITCE) da
a partir de 1995, numa visão distorcida do
política industrial, a cargo do presidente do BNDES,
desenvolvimento, adotaram políticas de câmbio
e juros que prejudicaram o crescimento do país. Luciano Coutinho. Essa nova fase está estruturada em
Essa realidade nos leva a abordar, a seguir, na torno de três grandes eixos: comércio exterior, investi-
busca da definição da pergunta do trabalho e da mentos e inovação tecnológica.
hipótese do artigo, a questão do desenvolvimento De acordo com as prioridades dessa nova fase, se-
econômico. rão escolhidos alguns setores estratégicos para ser fo-
mentados investimentos, inovação de seus processos
Por sua vez, os objetivos principais da política
para C&T nos países mais avançados têm- e produtos bem como a promoção de suas exporta-
se concentrado em: a) rapidamente identificar ções. Acredita-se que o objetivo é incentivar a fabrica-
ção dos “produtos de alta tecnologia” ao mesmo tempo

188
AULA 27 • POLÍTICA INDUSTRIAL, TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA (PITCE)

em que se estimula o aumento da produtividade da ATIVIDADE


indústria mais tradicional. Para o economista Mau-
rício Mendonça, responsável pela área de política A partir das leituras dos textos inseridos na aula,
industrial da Confederação Nacional da Indústria elabore um texto em que você estabeleça uma relação
(CNI), o fato de Luciano Coutinho estar no coman- entre as políticas industriais dos governos anteriores,
do da elaboração da "segunda fase" é um bom principalmente o Plano de Metas e o II PND, e a política
industrial do governo Lula. Observe a diferença entre
sinal. "Ele tem vivência no assunto e capacidade
o contexto de cada uma, faça uma crítica e emita sua
executiva", diz. Na visão de Mendonça, as novas
opinião sobre a necessidade de uma política industrial
medidas devem ter como centro o estímulo à ino-
no período atual. Se for necessário, volte às aulas ante-
vação tecnológica e à modernização da estrutura
riores para se inteirar dos planos de desenvolvimentos
industrial. "Quando se fala em política industrial no
anteriores.
mundo todo hoje, é disso que se trata. O que era
mais fácil de fazer já foi feito no primeiro mandato. REFERÊNCIAS
Agora, o desafio será maior."
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
Na opinião de Mendonça, o governo deveria
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
concentrar atenção especial ao que ele chama de Alínea e Átomo, 2006.
"plataformas" do futuro, as quais deverão transfor-
GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
mar a indústria tradicional: a nanotecnologia (pes- porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.
quisa de componentes eletrônicos na escala do
GIAMBIAGI, FÁBIO; NOGUEIRA, MAURÍCIO MES-
átomo) e a biotecnologia, das quais fazem parte
QUITA (Org.). A Economia Brasileira nos anos 90.
as áreas de novos materiais e alimentos genetica- Rio de Janeiro: BNDES, 1999.
mente modificados..
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Por outro lado, em recente declaração, Lu- Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
ciano Coutinho explicou que o governo pretende
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
estimular a consolidação de "grandes conglome- tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
rados exportadores", como os setores naval, pe-
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
troquímico e automobilístico, para incrementar o porânea. São Paulo, Atlas, 1998.
comércio exterior. Afirmou que, até 2010, o obje-
MENDONÇA, MAURÍCIO. www.inovacao.unicamp.
tivo é levar as exportações brasileiras ao valor de br/report/news-repict.shtml.
R$320 bilhões, um incremento da ordem de 10%,
NETZLING JÚNIOR, JOÃO. www.cofecon.org.br/in-
no mínimo. dex.
PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: Fun-
RESUMO damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, PAULO. Dicionário de economia. São
Nesta aula falamos sobre um tema bastante polê- Paulo: Best Seller, 2002.
mico na economia brasileira referente à necessidade
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
ou não de uma política industrial. Alguns especialistas temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
afirmam que a melhor política industrial é não tê-la. Po- 2007.
rém, ao longo da evolução da economia brasileira, po-
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
demos notar a presença de vários planos nacionais de nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
desenvolvimento, que de certa forma contribuíram para Atlas, 2003.
a formação de um parque industrial bastante diversifi-
cado. Atualmente, dentro de um contexto bastante dife-
rente, o governo Lula está propondo uma nova política
industrial - PITCE – Política Industrial e Tecnológica de
Comércio Exterior.

189
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 28

INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE O PROCESSO


DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL

Objetivos
• Avaliar os efeitos da globalização
sobre as economias dos países em
desenvolvimento.
• Conhecer os impactos sobre o cenário
competitivo do Brasil pós-anos 1990.
• Analisar as novas concepções e formas
de intervenção do Estado no âmbito do
processo de globalização.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO processo, os países latino-americanos, em geral, tive-


ram uma postura passiva. Isso fez com que houvesse
A avaliação dos efeitos da globalização sobre as um aumento significativo da sua vulnerabilidade exter-
economias dos países em desenvolvimento tem sido na ao longo das duas últimas décadas.
objeto de crescentes divergências entre os economis- No caso da economia brasileira, após a crise do
tas. A partir dos anos de 1990, surgem novas análises Plano Real em 1994, foi necessário lançar mão de um
do processo devido à diferença entre o grau de desen- volume expressivo de investimentos diretos estrangei-
volvimento apresentado por essas economias, como ros para financiar os crescentes déficits em contas cor-
os “tigres asiáticos”, e o Brasil. Mesmo entre os or- rentes do balanço de pagamentos. Os investimentos
ganismos multilaterais não há um consenso sobre as externos podem representar uma importante fonte al-
virtudes e impactos da globalização recente. ternativa de financiamento do desenvolvimento, princi-
palmente se estiverem associados à criação de novas
EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO vantagens competitivas, a projetos de exportações e
SOBRE AS ECONOMIAS DOS de substituição de importações e a aumento da capaci-
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO dade de produção. No entanto, no caso brasileiro, isso
não foi suficiente para garantir as condições para a es-
Para o Banco Mundial, conforme relatório publica- tabilização e o crescimento sustentado.
do no final de 2001 – Globalization, Growth and Pover- A estratégia de inserção brasileira no mundo glo-
ty – a globalização significa integração crescente entre balizado requer uma mudança substancial na sua pos-
as economias e sociedades em âmbito mundial, viabili- tura econômica frente ao cenário internacional. Para
zada pelos avanços tecnológicos nos transportes e nas viabilizar o desenvolvimento em bases sustentadas, é
comunicações, menores barreiras comerciais, elevados necessário que a estratégia de inserção internacional
fluxos de capitais e intensificação das pressões migra- faça parte de um projeto mais amplo, no sentido de
tórias. Portanto, a avaliação do impacto da globalização garantir as condições para o crescimento econômico
sobre os países em desenvolvimento e, em particular, e a diminuição do grau de vulnerabilidade externa do
sobre as populações carentes é positiva: ela promove país. Nesse sentido, é necessária a ampliação das ex-
o crescimento econômico e a redução da pobreza. Já o portações e o desenvolvimento de novas competências
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para sustentar, em bases sólidas, as condições para o
– PNUD – analisa outras dimensões do processo. Se- desenvolvimento.
gundo esse órgão, a globalização ampliou a interdepen- Abaixo, algumas sugestões do professor Antônio
dência dos países, mas o mundo estaria mais fragmen- Corrêa de Lacerda ( PUC-SP):
tado e injusto, tanto do ponto de vista sócio-econômico
como do tecnológico. Em outras palavras, a  inserção no “Para reverter o quadro de insustentabilidade
processo de globalização aumentou o grau de vulnera- da economia brasileira, é preciso avançar não
bilidade dos países em desenvolvimento, expresso na só nas medidas de redução ou eliminação de
maior dependência de recursos externos e no aumento desvantagens competitivas sistêmicas, como na
do peso do serviço da dívida, quer em relação ao  PIB estrutura tributária, na logística, etc, mas também
quer em relação às  exportações de bens e serviços. na adoção de políticas de competitividade.
Como acabamos de ver, não há um consenso sobre Basicamente, é preciso articular a combinação
as virtudes e impactos da globalização, mesmo entre das modernas políticas industrial, comercial,
os organismos multilaterais.  tecnológica e agrícola, para citar as mais
Os países que ainda buscam ampliar suas condi- importantes, para induzir as decisões empresariais
ções de desenvolvimento através de uma inserção in- à geração de valor agregado local, através do
ternacional ativa terão que enfrentar as possibilidades aumento do coeficiente de produção nacional.
e os limites de uma economia globalizada. Ao contrário Essa estratégia deveria abranger tanto a
dos países do leste asiático, que promoveram uma in- produção voltada para o mercado interno,
serção internacional ativa das suas economias, apro- substituindo importações, quanto a expansão
veitando as oportunidades e minimizando os riscos do

192
AULA 28 • INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL

das exportações. Isso, necessariamente, também brasileira para viabilizar o crescimento sustentado.
passa por um conjunto de medidas envolvendo Da mesma forma, é imprescindível que haja uma
as áreas de financiamento, promoção comercial e coordenação e articulação do Estado no que se
demais atividades. Do ponto de vista da demanda refere ao todo da inserção externa, especialmente
internacional, é fundamental direcionar nossa no tocante a uma política para os investimentos
pauta exportadora para aqueles produtos e nichos diretos estrangeiros. Isso vale tanto para os novos
mais dinâmicos no comércio externo. ingressos quanto para o tratamento às empresas
O desenvolvimento da produção local, estrangeiras já instaladas no mercado brasileiro.
especialmente nos setores de tecnologia mais Embora existam restrições conhecidas no âmbito
avançada e que coincidentemente são hoje da OMC - Organização Mundial do Comércio - à
grandes deficitários no comércio exterior, depende vinculação entre investimentos e desempenho da
de um projeto de capacitação tecnológica, algo balança comercial, é importante que se negociem,
que extrapola a ação isolada das empresas, mas diretamente com as matrizes e filiais dessas
que precisa ser articulada com as iniciativas na empresas, contrapartidas de ambos os lados.
área acadêmica de pesquisa aplicada. O desafio é fixar acordos de metas, visando ao
Dentre esses setores, destacam-se, entre atendimento de requisitos mínimos de conteúdo
outros, os complexos eletroeletrônico, químico- local do valor agregado, de substituições de
farmacêutico e bens de capital. São áreas em que importação, de ampliação das exportações e de
a inovação tecnológica ocorre muito rapidamente, capacidade de produção.
o que demanda importações crescentes,
Há entre países em desenvolvimento uma
principalmente se não houver um esforço de
acirrada disputa por atração de investimentos
desenvolvimento local.
diretos estrangeiros. O Brasil deve usar o
Não é possível à economia brasileira, assim como potencial do mercado interno e o poder de compra
a qualquer outra economia, adquirir condições de governamental para estabelecer preferência
competir em todas as áreas dinâmicas. Mas há para os fornecimentos com maior conteúdo de
um enorme espaço para a geração de atividades produção e desenvolvimento local. Não se trata de
locais, muitas vezes, em novos nichos ainda não estabelecer restrições à participação de empresas
suficientemente explorados. Há vários exemplos estrangeiras, mas sim privilegiar o critério de valor
de empresas de origem nacional e estrangeira agregado local, visando o desenvolvimento da
instaladas no Brasil e que definiram sua plataforma produção e capacitação tecnológica.
de exportações a partir da excelente base de
produção, propiciada pela magnitude do mercado Para atingir todos esses objetivos, é fundamental
interno. associar as políticas industrial e de ciência e
tecnologia, com a política comercial, que devem ser
Nesse caso, destaca-se não somente o potencial utilizadas como instrumento de competitividade.
da demanda doméstica, mas também a cadeia É preciso viabilizar a produção e desenvolvimento
de fornecedores qualificados, o que potencializa locais, facilitando a importação de máquinas,
um significativo coeficiente de valor agregado
equipamentos e componentes necessários para
local, que também pode servir de base para uma
viabilizar os objetivos estabelecidos.
atuação no mercado internacional.
Para o sucesso dessa estratégia, é preciso
Do ponto de vista das políticas de competitividade,
estabelecer um diálogo entre o primeiro escalão
uma análise da experiência internacional mostra
do governo e a direção local e das matrizes das
que tanto os países da OCDE quanto países
empresas transnacionais, tanto aquelas que
em desenvolvimento, com destaque para os do
já possuem operação no Brasil quanto futuros
leste asiático, têm adotado práticas indutoras das
interessados. É preciso não só compreender
decisões empresariais.
as estratégias de localização dos investimentos
A questão fundamental é solidificar e sustentar a e projetos de desenvolvimento, mas também, e
redução da vulnerabilidade externa da economia principalmente, influenciar as suas estratégias.

193
ECONOMIA BRASILEIRA

nanceiros e outros meios relacionados às políticas go-


Dado o crescente vínculo entre investimentos vernamentais como fator intrínseco na competitividade
diretos estrangeiros e exportações e o entre nações. Nesse sentido, o Brasil encontra-se numa
desenvolvimento de inovações, é preciso
situação desfavorável frente à globalização, tanto na
aproveitar o elevado grau de desnacionalização
área comercial quanto na tecnológica e produtiva, par-
da economia brasileira, assim como o potencial
do mercado regional para negociar com essas ticipando muito pouco do cenário competitivo mundial.
empresas maior engajamento com os objetivos Diante das transformações organizacionais decor-
do desenvolvimento. rentes do processo de globalização e de convergência
dos meios de comunicação, cresce a necessidade de
No que se refere à área de serviços, certamente
o turismo é um potencial gerador de divisas ainda obtenção de novas tecnologias, recursos financeiros e
não aproveitado suficientemente pela economia outros meios relacionados a políticas governamentais
brasileira. É preciso fazer do turismo internacional como fator intrínseco na competitividade entre nações.
uma fonte mais robusta de receitas, a exemplo Nesse contexto, as empresas vivenciam um cená-
de vários países que usam essa estratégia para rio de acirrada competitividade mundial buscando es-
minimizar seu problema de contas externas. tratégias que as impulsionem a um padrão global de
Esse conjunto de políticas e de ações exige concorrência de seus produtos. Segundo Baumann
uma mudança significativa de postura. O papel (1998, p.44) “as estratégias globais levam à procura de
do Estado e da política econômica torna-se redução de custos, à especialização das linhas de pro-
fundamental para não só adotar estratégias e dução, estabilidade e controle de qualidade crescen-
medidas necessárias para viabilizar as ações, te na oferta, o que leva à crescente eficiência e maior
mas também para articular a interação entre o
grau de competitividade”. Brum (2001) enfatiza:
setor privado, as universidades e os centros de
pesquisa. A abertura da economia, a liberalização
do mercado, a globalização e a formação
Nesse sentido, as negociações envolvendo de Blocos Econômicos Regionais expõem
acordos internacionais ganham uma dimensão cada vez mais os agentes econômicos à
concorrência internacional. Portanto, faz-
extremamente significativa. Isso não só na se necessário uma reestruturação nas
questão do acesso aos mercados, mas também, bases empresariais e um planejamento
e principalmente, nos demais aspectos presentes organizacional através da modernização
dos meios de produção, agregando tec-
na pauta de negociações e que podem representar nologia de ponta em busca de maior po-
sérias restrições à adoção de políticas industriais der competitivo no mercado.
e tecnológicas, e na utilização do poder de compra
Na visão de Porter (1989), a competição internacio-
do Estado para estimular a agregação local de
valor. nal engloba exportações e/ou localização de algumas
das atividades da empresa no exterior. A área industrial
envolve tecnologia complexa e recursos humanos al-
tamente especializados, que proporcionam o potencial
IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO de altos níveis de produtividade como também cresci-
SOBRE O CENÁRIO mento constante. Ele afirma ainda que,
COMPETITIVO DO BRASIL PÓS- para realizar o sucesso competitivo,
as firmas precisam ter uma vantagem
ANOS 1990 competitiva, seja na forma de menores
custos, seja na de produtos diferencia-
dos que obtêm preços elevados. Para
Um dos aspectos marcantes da globalização foi a manter a competitividade, as empresas
abertura comercial, a qual proporcionou maior flexibi- precisam conseguir uma equação de
lidade às empresas, pois, com os acordos comerciais valor mais sofisticada, oferecendo pro-
dutos e serviços de melhor qualidade ou
estabelecidos, podem-se eliminar barreiras, de forma produzindo com mais eficiência. Isso se
a diminuir os entraves na dinâmica internacional do traduz diretamente em crescimento da
produtividade. As estratégias de negó-
comércio. Diante disso, cresce a exigência das orga- cios baseiam-se na análise de cinco for-
nizações em obterem novas tecnologias, recursos fi- ças competitivas de forma a envolver a

194
AULA 28 • INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL

tomada de decisões em nível de divisão Contudo o forte crescimento dos mercados fez com
ou unidade de negócios. Essas forças
que a indústria doméstica desenvolvesse sua capa-
abrangem o risco de novos concorrentes,
o poder de barganha dos fornecedores, cidade produtiva, melhorando a produção de com-
o poder de barganha dos compradores, modities para exportação.
o risco de produtos substitutos e a rivali-
dade entres os concorrentes existentes.
(PORTER, 1989, p. 10). - Fragilidade tecnológica
O ambiente macroeconômico do Brasil nos anos
Os baixos níveis de investimentos não colabo-
de 1990 contribuiu para aumentar a fragilidade com-
raram para que o país fizesse parte da revolução
petitiva brasileira no ambiente globalizado.Em 1995, o
teletromática (telecomunicação, eletrônica e infor-
país passou por um ajustamento econômico a fim de
mática), ocasionando, em fins da década de 1980,
reduzir o déficit comercial e minimizar a busca de finan-
um grande atraso tecnológico em relação ao resto do
ciamento externo, mantendo juros elevados e despre-
mundo, o que diminuiu a competitividade da indús-
zando qualquer correção da sobrevalorização da taxa
tria. A fragilidade tecnológica é a causa das tecnolo-
de câmbio. Devido à longa crise gerada pela estabiliza-
gias, hoje, serem dominadas por um conjunto restrito
ção e manutenção da taxa de câmbio sobrevalorizada,
de empresas, sendo que a maior parte delas tem ori-
bem como à elevada taxa de juros, não foi possível à
gem nos países centrais. Dessa maneira, para mo-
economia brasileira acompanhar, expressivamente, os
dernizar o parque produtivo nacional, dependemos
outros países que alavancaram seu crescimento eco-
desses mercados dos quais adquirimos tecnologia, o
nômico através da globalização. Esses fatores conjun-
que gera a fragilidade. Nesse sentido, Araújo e Silva
turais e estruturais brasileiros ocasionaram fragilidade
(2006) afirma:
em diversos setores, principalmente em relação à com-
petitividade, tais como: O aumento da participação dos produ-
tos industrializados no total das expor-
tações brasileiras é atribuído em grande
- Fragilidade Comercial medida à EMBRAER, que passou de
uma participação de 0,75% para 6,23%
no total das exportações, um acréscimo
De acordo com Coutinho (1996), em meados de de quase 5%. Ou seja, se os produtos
1994, quando houve a implantação do plano real vi- industrializados passaram de 32% em
1996 para 40% no total das exportações
sando à estabilidade econômica, o Brasil sofreu uma em 2000 (um aumento de 8%), 4,67%
fragilização na balança comercial, o que deu origem a desse aumento são de uma única em-
presa. Por isso, não é possível afirmar
um déficit bastante significativo relacionado às transa- que o crescimento do setor industrial
ções internacionais. Ele aponta como principais crité- nas exportações brasileiras deu-se de
rios da fragilidade comercial o aumento de importações forma consistente.
por parte do sistema industrial, substituindo insumos da
indústria doméstica, causado pela elevação de preço e - Fragilidade Produtiva
altas de juros, e relata ainda, a respeito da sobrevalori-
Conforme Coutinho (1996), a estrutura produtiva
zação cambial sobre a balança comercial, que:
brasileira, cujos principais produtos para exportação
[...] mesmo com a economia desaqueci- são commodities com baixo valor agregado e com
da, o nível de superávit comercial deve
ter se reduzido de 2% para cerca de 0,5% preços definidos internacionalmente, opõe-se às im-
do PIB. Esta conseqüência direta da in- portações, cujos produtos ou bens de consumo ou
consistência central do Plano Real (i.e. de capital caracterizam-se pelo alto valor agregado.
câmbio sobrevalorizado com juros eleva-
dos) significa uma inegável fragilidade da Este fator é agravado à medida que potencializa um
posição comercial brasileira em face da déficit comercial que dificulta a mudança estrutural
globalização (COUTINHO, 1996, p.231).
da produção. Outro ponto frágil da estrutura produ-
As importações foram ainda mais relevantes tiva do Brasil está relacionado às crescentes partici-
quando houve a possibilidade de financiar no exte- pações de empresas estrangeiras, pois as decisões
rior as compras externas, através de créditos e juros de investimentos e exportações são transferidas para
favoráveis ao importador (COUTINHO, 1996, p. 230). outros países.

195
ECONOMIA BRASILEIRA

AS NOVAS CONCEPÇÕES E FORMAS Uma outra linha de pensamento afirma que existe
DE INTERVENÇÃO DO ESTADO uma tendência à limitação da soberania dos estados
nacionais a partir do fortalecimento das empresas e
NO ÂMBITO DO PROCESSO DE
instituições internacionais, das organizações suprana-
GLOBALIZAÇÃO
cionais e daquelas de caráter regional. Além disso, têm
O papel do Estado tem sido bastante discutido surgido vários tratados, convenções, acordos e instru-
no âmbito dos processos da globalização e da revo- mentos jurídicos internacionais, os quis têm restringido
lução tecnológica. Para Gorender (1995), esses dois o poder do Estado (RAULINO NÓBREGA e COSTA.
fenômenos não anulam nem diminuem a importância II Congresso de Pesquisa e Inovação da Rede Norte
dos Estados nacionais, e o argumento de que a onipo- Nordeste de Educação Tecnológica. João Pessoa - PB
tência do capital financeiro, bancário e principalmente – 2007).
não-bancário teria relegado o Estado à condição de Conforme Scholte: “O Estado sobrevive sob a glo-
instituição secundária, destituído de poder intervencio- balização, mas a governança tem se tornado substan-
nista, é próprio de uma concepção economicista. Por cialmente diferente”. Mas o que de fato quer isso dizer?
maiores que sejam seu peso e sua agilidade, a atua- No que realmente consiste essa chamada “soberania”?
ção do capital financeiro especulativo só é concebível Com a intensificação desse processo de globalização,
no quadro das relações de propriedade asseguradas as fronteiras e a capacidade de ação autônoma do es-
pela legislação dos Estados capitalistas. Ou seja, sem tado vêm, de fato, sendo contínuas e cotidianamente
o poder legitimador e coercitivo do Estado, não have- suplantadas pela dinâmica das relações internacionais
ria sequer como explicar a própria existência do capital no plano econômico, tecnológico e mesmo jurídico.
financeiro. Portanto, do ponto de vista econômico, ele No plano teórico, todos os estados apresentam-se
conserva sua força mesmo após as mudanças liberais em condições de igualdade, mas na prática a realidade
dos últimos tempos. se altera: há estados que não conseguem exercer qual-
Comprovando a afirmação acima, temos o fato de quer influência sobre o sistema internacional. Por outro
que no conjunto dos países da OCDE, a despesa do lado, há empresas que hoje exercem maior influência
Estado consome cerca de 50% do PIB, o que dá a cada que certos estados. Analisando-se a lista das principais
Estado Nacional enorme peso na orientação da ativi- corporações, empresas e países do mundo, percebe-
dade econômica do respectivo país (Anderson, 1995). se que Portugal encontra-se “no 43º lugar, logo a seguir
Nesse mesmo sentido, é fato que as empresas mul- à Shell e um pouco mais acima dos Halmark Stores
tinacionais são regidas por matrizes sediadas em um que são uma cadeia de supermercados nos Estados
determinado estado nacional, e é dessas matrizes que Unidos da América. Esta lista lembra-nos a importância
partem as decisões estratégicas com relação a investi- do sentido das proporções. Por exemplo, o Brasil é a
mentos, inovações tecnológicas de processos e de pro- 8ª potência mundial do ponto de vista econômico e a
dutos, expansão para novos mercados, etc. Para tais Espanha a 10ª. À nossa frente posicionam-se também
matrizes e, por conseguinte, para seus acionistas, as a Exxon, a Toyota, a Ford, a Sumitomo, a General Mo-
subsidiárias remetem vultosas somas anuais de rendi- tors e outras empresas” (BARROSO, In: TEIXEIRA et
mentos, que constituem item de grande significação no al, 2000, p. 135).
cômputo dos balanços de pagamentos de cada Estado A soberania, entendida como conceito e ação prá-
Nacional. Justamente na fase atual de concorrência tica do estado vem, então, sendo progressivamente
acirrada, as empresas multinacionais recorrem ao po- solapada pela consolidação do mercado global e con-
der do Estado Nacional, em cuja jurisdição se situam solidação do capitalismo. Em ambas suas faces, tanto
suas matrizes, visando a enfrentar os concorrentes e a a externa como a interna, vem ela sofrendo com a in-
influir nas decisões dos demais estados nacionais, em fluência muitas vezes nefasta dessa tendência globa-
cujas jurisdições operam suas subsidiárias. Sabe-se lizante pela qual o mundo se encaminha, visto que o
que o regime internacional tem inegável força impositi- poder estatal encontra-se bastante relativizado na rea-
va sobre cada estado nacional. Por mais poderoso que lidade atual. A globalização, é válido frisar, representa
seja, porém, ele permanece como suporte básico de um inegável desafio à afirmação da soberania estatal,
qualquer regime internacional. (VIGEVANI, 1994). dado o caráter interveniente que os órgãos menciona-

196
AULA 28 • INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL

dos vêm tendo no âmbito mundial e que, por conse-


guinte, afeta o exercício da soberania dos estados no As receitas liberal-conservadoras, em voga,
contexto internacional. recomendam para os países emergentes
Para complementar a discussão, leia a seguir texto popularescas deduções, em linha direta, dos
modelos abstratos da teoria neoclássica.
de Luiz Gonzaga Belluzzo, sobre o tema:
Senão vejamos: a ampla abertura comercial
está apoiada na vetusta teoria das vantagens
Globalização e Estado nacional comparativas, sem as tímidas modificações da
Luiz Gonzaga de M. Belluzzo “nova teoria do comércio”; as privatizações e
o não intervencionismo do Estado emanam de
Globalização é um conceito demasiado impreciso,
um modelo competitivo de equilíbrio geral; a
enganoso e carregado de contrabandos
liberalização financeira decorre da hipótese dos
ideológicos. Ainda assim, se pretendemos
mercados eficientes.
avançar na análise e compreensão dos
processos de transformação que sacodem a Tanto para algumas versões do “progressismo”
economia e a sociedade contemporâneas, não marxista quanto para as correntes do pensamento
há como ignorá-lo. O uso generalizado desse conservador, globalização é o novo nome da
conceito, a sua ampla aceitação nos meios de “mão invisível”, a cujos desígnios temos de nos
comunicação e no ambiente acadêmico deve ser submeter, sem tugir nem mugir.
compreendido como um indício de que mudanças A história real da expansão capitalista apresentou
relevantes vêm ocorrendo no mercado mundial, uma trajetória muito mais complexa do que poderia
nas formas de organização empresarial, nas ser deduzido das “leis de movimento” deste
normas de competitividade, para não falar das modo de produção. A constituição das distintas
transformações na órbita financeira e monetária, formações histórico-sociais, nas diferentes etapas
de longe as mais significativas. do capitalismo, envolveu a articulação entre
São muitos os que defendem, desde uma posição algumas instâncias fundamentais:
supostamente “científica”, a inevitabilidade de 1) as relações de poder entre os Estados
uma inserção passiva das economias nacionais nacionais, no âmbito de uma divisão internacional
no chamado processo de globalização. Dois do trabalho em transformação;
pressupostos estão implícitos nesta formulação:
1) a globalização conduzirá à homogeneização 2) regimes monetários e cambiais, com sua
das economias nacionais e à convergência para hierarquia de moedas nacionais, sistemas de
o modelo anglo-saxão de mercado; 2) esse crédito e mercados financeiros;
processo ocorre de forma impessoal, acima da 3) padrões tecnológicos e de organização
capacidade de reação das políticas decididas no empresarial;
âmbito dos Estados nacionais.
4) formas de concorrência entre as empresas;
Esta hipótese pode ser entendida como a versão
5) normas de formação do salário e do consumo
marxista mais pobre da constituição do mercado
dos trabalhadores e de outras camadas
mundial que prevê a homogeneização do espaço
assalariadas;
econômico mundial a partir da expansão das
forças produtivas e das relações de produção 6) distintos padrões de intervenção estatal na
capitalistas, movendo-se do centro para a periferia. esfera econômica. [...]
O capital duplamente constrangido – de um lado
[Luiz Gonzaga de M. Belluzzo. (belluzzo@
pelo impulso irrefreável à acumulação e de outro
mhd.org)
pelo encolhimento relativo das oportunidades
de valorização nos países centrais – desborda
para áreas menos desenvolvidas. “De te fabula RESUMO:
narratur” falava Marx, de forma otimista, do futuro
dos países atrasados, espelhado no presente da Vimos nesta aula que o processo de globalização
Inglaterra. acirrou a competitividade entre nações - em especial
as nações em desenvolvimento - acentuando ou pro-

197
ECONOMIA BRASILEIRA

movendo intensas transformações, bem como estimu- GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
lando as empresas a buscarem estratégias que visam Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
colocar seus produtos em um padrão internacional de PORTER, M. E. Estratégia Competitiva: técnicas
concorrência. Essa nova etapa de mudanças na eco- para a análise de indústrias e da concorrência. Rio
nomia é algo inevitável, cabendo aos países se ajusta- de Janeiro: Campus, 1989.
rem de forma a acompanhar o passo. RAULINO, NÓBREGA e COSTA.. II Congresso de
Pesquisa e Inovação da Rede Nordeste de Educa-
ATIVIDADE ção Tecnológica. João Pessoa- PB, 2007.

A globalização tem amenizado as distâncias


geográficas, entre os países, aumentando a inter-
nacionalização, bem como os fluxos comerciais e
financeiros têm circulado pelo mundo com inten-
sa rapidez. Em conseqüência disso, houve uma
abertura comercial, que deixou as empresas mais
vulneráveis à concorrência de outras do mercado
mundial.
Atentando para o quadro brasileiro na década
de 1990, é notável a vulnerabilidade comercial, tec-
nológica e produtiva do país perante a globalização.
As autoridades brasileiras devem considerar aos
acordos internacionais, a fim de que o país não seja
pego de surpresa com esse processo de integração
que, às vezes, traz benefícios somente aos países
desenvolvidos. Para isso, o Estado deve desenvol-
ver uma infra-estrutura que dê condições às empre-
sas nacionais para produzirem de modo competitivo
e global.
Baseando-se na afirmação acima, faça uma
avaliação dos efeitos da globalização sobre os pa-
íses em desenvolvimento. Busque em sites, livros
e revistas especializadas mais informações sobre
o assunto.

REFERÊNCIAS
LACERDA, A. C. Globalização e Investimento Es-
trangeiro no Brasil. São Paulo: Atlas, 1999.
BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
BAUMANN, Renato et al. A nova Economia Inter-
nacional. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
GIAMBIAGI, Fábio; NOGUEIRA, M. (Org.). A Eco-
nomia Brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BN-
DES, 1999.
GIAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.

198
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 29

BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA


OBJETIVOS

Objetivos
• Compreender o desempenho da
economia brasileira pós-1980.
• Caracterizar o colapso do padrão de
desenvolvimento a partir dos anos 1980.
• Analisar alternativas para o crescimento
sustentado.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO
Duas décadas perdidas: estratégias confusas
Depois de ter sido feita uma retrospectiva da eco- fazem desempenho econômico medíocre
nomia brasileira a partir do seu processo de industria- tornar-se crônico
lização, faremos uma discussão sobre a estagnação A despeito do que diz o tango “Volver”, de Carlos
econômica em que se encontra o país desde a década Gardel e Alfredo Le Pera, é difícil
de 1980. acreditar que “veinte años no es nada”. Tanto na
vida das pessoas quanto na história das
O DESEMPENHO DA ECONOMIA nações. A economia brasileira em 1999 é quase
BRASILEIRA PÓS-1980 40% maior do que em 1980, mas o

Alguns economistas chamam o período da econo- crescimento foi inferior à expansão da população.
Em 1999, a renda per capita do Brasil
mia brasileira pós-1980 de “era de ajustamento”, se
comparado com etapas históricas anteriores. Nesse será em torno de 3% inferior ao nível de 1980,
período, a economia foi caracterizada pelo abandono pico do período anterior à grande crise da
dívida dos anos oitenta e fim de uma era de
de instrumentos de planejamento, com a redução das crescimento quase que contínuo, iniciada em
políticas de longo prazo, o que, aliado à forte redu- meio à Segunda Guerra Mundial. Já não é mais
ção de investimentos, praticamente eliminou o Estado razoável falar-se em década perdida nos anos
como promotor do desenvolvimento. oitenta. São agora duas as décadas perdidas. Há
Considerando a perspectiva histórica, o Brasil vinte anos, passando por incontáveis peripécias
macroeconômicas, o Brasil continua, em matéria
cresceu de forma acelerada, acima de 7% ao ano, en-
de nível de renda, no mesmo lugar. É um
tre 1937 e 1980. Com o choque do petróleo e a conse- mesmo lugar mais democrático e com melhores
qüente elevação das taxas de juros norte-americanas instituições, mas ainda assim é o mesmo lugar.
em 1979, acompanhada pela redução da demanda O declínio relativo do País em termos de renda
externa e a contração dos fluxos bancários, as condi- poderia talvez ter sido parcialmente compensado
ções de financiamento externo da economia brasileira por avanços na área social, mas isto não ocorreu:
a redução relativa da mortalidade infantil foi menor
deterioraram-se profundamente. Do ponto de vista in-
do que a de países similares e muito pior do que a
terno, instala-se a crise do estado desenvolvimentista, alcançada nas economias desenvolvidas.
com a explosão da inflação, baixo crescimento e au-
Alguns poderiam se consolar com a constatação
mento substancial do endividamento. de que o desempenho brasileiro é apenas
Na década de 90, o presidente Fernando Collor marginalmente pior do que o desempenho
de Mello tenta enfrentar a crise a partir de um pon- médio de outros países no mesmo estágio de
to de vista liberal e para isso promove a redução do desenvolvimento (batizados, algo impropriamente,
papel do Estado na economia, inicia o processo de pelo Banco Mundial, de países de renda média
alta) e bem melhor do que o dos países em
privatização e tenta estimular a competitividade atra-
desenvolvimento mais pobres. Em contraste, no
vés da abertura comercial. Tal abertura permitiu o uso mesmo período as economias desenvolvidas
da âncora cambial para conter a inflação e de taxas aumentaram a sua renda per capita mais de
de juros elevadas para atrair capitais externos. Porém 40%, ou seja, a uma taxa anual superior a 2%.
a sobrevalorização do câmbio e as reduções das ta- O contraste entre desempenho de economias
rifas alfandegárias geraram um grande crescimento desenvolvidas e em desenvolvimento, longe de
ser
das importações e a desaceleração das exportações.
Assim, pode-se dizer que a assimetria entre o ritmo justificativa para o marasmo brasileiro, deveria ter
servido de incentivo para que o País
acelerado de crescimento dos passivos externos e a
queda da dinâmica das exportações tornou-se o prin- transitasse do grupo de países em desenvolvimento
cipal obstáculo ao crescimento sustentado da eco- para o de países desenvolvidos. A
nomia. Para uma melhor compreensão do fenômeno experiência histórica também não indica que, no
da estagnação econômica brasileira pós-1980, leia o longo prazo, o desempenho econômico
texto abaixo:

200
AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS

brasileiro tivesse sido de algum modo pautado ajuste das contas públicas em ritmo compatível com
pelas dificuldades comuns às economias a estabilização. O Presidente deu sinais claros de
banzo desenvolvimentista. Usou reiteradamente
em desenvolvimento. Até o início dos anos setenta
o sucesso, cada vez mais difícil, em contornar as
só o desempenho do Japão e da
instabilidades da economia internacional, como
Finlândia, desde o início do século, havia superado espaço adicional para acomodações políticas ao
o do Brasil em termos de taxa de crescimento do processo de ajuste.
PIB per capita.
A falta de visão estratégica clara que levou
O desempenho começou a piorar com o desgaste à duplicidade de objetivos está na raiz dos
do tradicional modelo de substituição de insucessos governamentais desde a vitória
importações e de presença maciça do Estado como nas eleições de outubro. Passados os piores
provedor de bens e serviços, que, fora a retórica, momentos da aguda crise cambial iniciada em
havia sido apenas levemente ajustado pelos janeiro já podem ser detectados os primeiros
militares. Os custos crescentes de manutenção de sinais do retorno dos velhos vícios. Indicações
tal modelo e a erosão dos seus benefícios foram de euforia baseadas na ciclotimia tradicional,
agravados pelas crises sucessivas de balanço de mesmo que os capitais externos atraídos sejam,
pagamentos, em um ambiente macroeconômico de novo, extremamente voláteis. “Flexibilização”
marcado pela crescente indexação da economia da posição quanto aos ajustes financeiros dos
e pelo desequilíbrio das contas públicas.
estados. Preparativos para o assalto à cornucópia
Parte importante da ineficácia na busca de uma governamental por parte da clientela tradicional.
estratégia alternativa esteve ligada aos vícios do
Com base no retrospecto brasileiro dos últimos
processo decisório no âmbito do setor público no
vinte anos, qualquer estratégia que não envolva
País, retrato magnificado de algumas fraquezas
defesa intransigente do ajuste das contas públicas
nacionais. Nas políticas públicas e na avaliação
e da estabilização como precondição para o
de suas conseqüências manifestaram-se as
desenvolvimento parece irresponsável. E o pior é
dificuldades clássicas. Sempre foi difícil selecionar
que já se notam os indícios do início da disputa
objetivos e persistir na obtenção de resultados
presidencial de 2002. Os riscos de perpetuação
sem declarações prematuras de sucesso. Sempre
do modelo do Brasil como eterno País de um
foi difícil escolher entre objetivos conflitantes.
futuro cada vez menos promissor parecem muito
Sempre a ciclotimia estrutural dificultou avaliações
altos.
objetivas do resultado de políticas, sem admissão
de estágio intermediário entre o céu e o inferno, ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas:
entre a vitória total e esmagadora e a derrota estratégias confusas fazem desempenho
definitiva e humilhante. Sempre foi difícil econômico medíocre tornar-se crônico. O Estado
reconhecer a estrutura das defasagens temporais de São Paulo, São Paulo, 1º abr. 1999.
entre causas e efeitos, deformação que minou a
persistência na condução de políticas. Durante
quase quinze anos o País patinou estagnado em
busca de um modelo econômico que permitisse a
O COLAPSO DO PADRÃO DE
volta do crescimento. DESENVOLVIMENTO A PARTIR
Por um período de tempo limitado, a partir de DOS ANOS DE 1980
1993, pareceu que o governo havia encontrado
maneira de superar os obstáculos à transição O período 1937-1980, caracterizado por altas taxas
para outro modelo, que parecia ter alguma chance de crescimento, foi marcado pela passagem da eco-
de sucesso, baseado na abertura comercial, nomia exportadora de café para a economia urbano-
na privatização e na estabilização da moeda. industrial, produtora de bens de consumo de massa.
Mas, desde bem cedo no primeiro mandato do Esse ciclo foi caracterizado pelo nacional-desenvolvi-
Presidente Fernando Henrique, ficou clara a mentismo, que se traduziu em uma política de interven-
relutância em dar continuidade ao processo de ção do Estado em setores estratégicos da economia
como petróleo, energia e telecomunicações, além da

201
ECONOMIA BRASILEIRA

internacionalização da estrutura produtiva, com incor- e tributação do pobre por meio da inflação. Portanto
poração restrita das massas ao mercado de trabalho estavam justamente aí as causas do colapso do mo-
e ao consumo. delo, na medida em que a hiperinflação se torna a ex-
A partir dos anos de 1970, esse modelo de desen- pressão da impossibilidade em obter crescimento com
volvimento, baseado na chamada “política de substi- ampliação da desigualdade por meio da inflação e do
tuição de importações”, passa por um processo de desequilíbrio fiscal.
esgotamento. Até 1980, o Brasil viveu sob um padrão O impasse dos anos de 1980 e 1990 indica a cri-
de desenvolvimento que promoveu a industrialização se do padrão anterior e a falta de hegemonia para um
e proporcionou elevadas taxas de crescimento do pro- novo, que precisaria redefinir as formas de financia-
duto. Nesse modelo, o Estado cumpriu um papel es- mento, de intervenção do Estado, de inserção inter-
truturante fundamental, comandando o tripé formado nacional, de incorporação de progresso técnico e da
conjuntamente com as empresas privadas nacionais relação salarial. Houve um consenso de que uma volta
e internacionais. O crescimento foi centrado no mer- ao padrão anterior não poderia e não deveria ocorrer,
cado interno, com baixo índice de abertura econômica mas, ao mesmo tempo, as propostas alternativas não
e grande proteção às empresas contra a concorrência geraram um consenso ou não tiveram peso político su-
internacional. ficiente para se impor. As propostas de recuperação da
Nos anos de 1980, esse padrão de desenvolvimen- capacidade financeira e regulatória do Estado sofreram
to entrou em colapso. A crise impediu o funcionamen- um veto. Ao contrário, o ajuste deveria ser jogado so-
to das bases do pacto de poder. O Estado perdeu a bre o Estado. Esse impasse e a estagnação acabaram
capacidade financeira de sustentar, via subsídios, os por favorecer as propostas liberais, com uma perda de
capitais nacionais mais frágeis. poder de resistência e de convencimento de propostas
A crise financeira do Estado levou à redução de alternativas. Por isso, impulsionados pela onda liberali-
seus investimentos. O setor privado não compensou zante internacional, a solução apresentada como novo
essa redução, o que fez a capacidade produtiva au- padrão passaria por abertura comercial e financeira da
mentar muito pouco. Ao mesmo tempo, as empresas economia, diminuição do papel do Estado, desregu-
multinacionais também assumiram uma postura passi- lamentação, privatizações e flexibilizações de merca-
va no Brasil, com seus investimentos produtivos con- dos.
centrando-se no próprio Primeiro Mundo ou em países O fato é que um novo modelo precisa ser constru-
do Leste Asiático. ído sobre as ruínas do antigo e há tempos em que o
Esse padrão de desenvolvimento não resolveu dois país se encontra numa transição inacabada. O texto
aspectos básicos para a superação do subdesenvolvi- a seguir, escrito por Gustavo Franco, é bastante crítico
mento: a capacidade de financiamento de longo prazo a respeito de modelos de desenvolvimento. Leia-o e
e o potencial de inovação tecnológica. A queda dos in- confronte as várias idéias apresentadas nele a respeito
vestimentos das décadas de 1980 e 1990 ocorreu jus- do assunto.
tamente quando se desenvolvia nos países centrais um
novo paradigma científico e tecnológico. Assim, o mo-
O “projeto” e a retórica do desenvolvimento
delo de desenvolvimento brasileiro também entrava em
crise por esse fator. A estrutura industrial que estava A observação mais importante a fazer sobre
basicamente completada era a da segunda revolução “modelos” e “projetos” de desenvolvimento é a de
industrial, ao mesmo tempo em que existia baixa capa- que essas criaturas, via de regra, pertencem aos
cidade interna de geração de tecnologias de ponta. historiadores, vale dizer, são racionalizações a
posteriori de experiências históricas específicas,
A experiência dos anos de 1990 serviu para mostrar
cujos traços principais são decantados a fim de
que a soberania se constroi através da competitividade
lhes revelar, conforme o vezo do exegeta, a sua
e da competência; para isso é necessária a abertura
verdadeira essência. O enunciado do modelo,
econômica e a exposição da economia à concorrência. ou projeto, envolve necessariamente uma
O binômio protecionismo/inflacionismo nos legou uma combinação daqueles traços específicos que
espécie de apartheid social, cujas bases eram duplas: cada historiador identifica como fundamentais,
produtividade do trabalho estagnada em níveis baixos

202
AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS

de modo que, com muita freqüência, uma mesma complexo é evitar a inconsistência entre as ações
experiência enseja inúmeras e nem sempre presentes, ainda “inovadoras” e com motivações
consistentes lições. A experiência dos chamados ainda não inteiramente amadurecidas, e uma
“tigres asiáticos”, por exemplo, é especialmente retórica “anterior” que lhes contradiz.
rica, neste domínio, uma vez que já comportou
Essa questão se mostra clara nos dois mais
amplas e contundentes referências tanto para
importantes pilares da retórica do modelo de
confirmar quanto para desmentir teses (neo?)
substituição de importações (SI): (i) a identificação
liberais.
entre desenvolvimento e gasto público; e (ii)
Observa-se, não obstante, notável mistificação em a identificação entre autodeterminação (e
torno da possibilidade de definição de um projeto soberania) com auto-suficiência (autarquia). Em
nacional a priori, vale dizer, como resultado de ambos os casos, as ações a serem desenvolvidas
uma mobilização redentora a partir de idéias e nos próximos anos são inteiramente contraditórias
interesses clarividentemente articulados, do que aos chavões produzidos a partir dessas posturas.
resulta algum processo econômico inovador. No primeiro caso, por exemplo, chavões de
Presume-se, dessa forma, que as “respostas grande apelo estão longamente estabelecidos:
criadoras” (as inovações institucionais, na política desenvolver é construir estradas. Bem como
econômica e na esfera tecnológica) se constroem fazer hidroelétricas, escolas, postos de saúde.
a partir de revoluções intelectuais ou mobilizações Desenvolver é gastar.Apenas e tão-somente gastar,
políticas prévias (ou, no máximo, simultâneas) à de modo que o bom governo é, evidentemente, o
sua ocorrência. As vanguardas, tanto intelectuais que mais gasta, o mais descaradamente gastador,
quanto políticas, têm, por sua própria conta, sua o mais irresponsável e o menos preocupado com
importância vastamente exagerada, parecendo disciplina fiscal. Governo bom é o que faz obra,
querer estabelecer uma curiosa primazia do não imposta que não pague as contas ou que a
historiador (e na leitura sobre a evolução das obra não tenha maior utilidade. A obra em si é o
forças produtivas) sobre a História. que conta, tendo, inclusive, pouca importância se
Essa mistificação das vanguardas ocorre à esse governante obreiro é desonesto, pois aí vale
esquerda e à direita, e a noção de “projeto o mui conhecido “rouba, mas faz”.
nacional”, tal como comumente apregoada, é Quando as políticas públicas para promover o
uma de suas vítimas mais contumazes. Desde desenvolvimento vão no sentido oposto, vale dizer,
JK, prevalece a leitura de que o desenvolvimento enfatizam a austeridade (por que objetivamente
articula-se a partir de um projeto nacional se sabe que é a austeridade fiscal que levará ao
corporificado em convergências políticas evidentes desenvolvimento), o governo cai numa armadilha
habilidosamente costuradas pelas lideranças e retórica: se desenvolver é gastar, cortar gasto
expressas em um documento de metas. significa fomentar o contrário do desenvolvimento,
Desde então, procura-se replicar essa combinação a recessão. O mesmo se observa na questão
de elementos, independentemente de tratar-se da auto-determinação. Na medida em que se
ou não de regime democrático45. Torna-se lugar procura reduzir a vulnerabilidade externa, a
comum a definição de um auto-suficiência (e, portanto, a substituição de
importações com vistas à autarquia) é o único
“Plano de Metas”, atraindo evidente anologia
caminho natural. Quando as políticas públicas
com os heróicos anos do desenvolvimentismo
caminham na direção da abertura, novamente o
puro. Não há mal nisso, e todos os governos
governo se envolve em uma armadilha retórica:
que se seguiram o fizeram, e os que se seguirão
a abertura haverá, nessas premissas, de levar ao
provavelmente haverão sempre de fazê-lo.
Deve-se, evidentemente, evitar a armadilha de aumento da vulnerabilidade externa e, portanto,
elevar um expediente retórico à categoria de levará à crise cambial e não ao desenvolvimento.
roteiro preciso do processo de desenvolvimento, Note-se, de outro lado, que retórica do
retirando deste qualquer aspecto de processo desenvolvimento, embora nem sempre se
histórico. Não há dificuldade aí. Bem mais constitua em uma descrição objetiva do processo,

203
ECONOMIA BRASILEIRA

incorpora notável conteúdo de tautologia, de o enunciado de um Novo Desenvolvimento, mais


modo que dificilmente se poderá contradizê-la. fácil se torna encaminhar as políticas que lhe dão
Construir estradas será sempre desenvolvimento, sustentação.
ainda que objetivamente a relação entre ambos
Por último duas advertências devem ser feitas.
seja secundária ou de pouca importância. Da
A primeira é que devem ser evitados os clichês
mesma forma, não é simples argumentar que, do debate doutrinário, ou uma discussão dessa
com mais abertura ficamos mais auto-suficientes! misteriosa entidade denominada “o modelo
A rigor, a retórica do modelo anterior não precisa neo-liberal”, ou o chamado “consenso de
ser desmentida; ela deve apenas cair em desuso, Washington”, cuja função parece ser a de servir
substituída por outra mais própria ao momento como um referencial negativo para imaginações
histórico específico. Com efeito, a retórica do nacionalistas mal-humoradas, um xingamento
desenvolvimento sempre nasce fortemente dirigido aos que se inserem e contribuem para
referenciada a uma configuração histórica “isso que aí está”. Conforme notaria um observador
específica. A retórica do “desenvolver é gastar” e insuspeito “nos anos 80, a identidade positiva
da “auto-suficiência” está evidentemente atrelada Estado-Desenvolvimento se dilui e o Estado passa
a um episódio histórico específico no qual o gasto a ser visto quase como um obstáculo ao progresso.
público e a substituição de importações foram os Não é só a ideologia neo-liberal que ganha uma
principais elementos propulsores do processo de hegemonia temporária. Mais do que isto, é a
crescimento. Passado esse episódio e exauridas falência material do Estado, tanto em países ricos
as possibilidades de sua continuação, a retórica quanto pobres, que leva a um esforço de reforma
de modo algum desaparece. Permanece viva, em que não pode ser modelado ideologicamente.
vez disso, embora cada vez mais envelhecida, a Aliás, um outro dado fundamental nasce da
despeito de as revoluções que lhe deram origem falência dos modelos ideológicos. O Estado tem
terem-se encerrado há muito. A retórica se de resolver problemas concretos, com os meios
cristaliza em mitos, encastelada no inconsciente concretos de que dispõe”.
coletivo, gerando consequências ao nível das Por último, e por conclusão, resta observar que o
doutrinas e da organização política. novo modelo que se esboça, onde a mola mestra
Por isso mesmo, não se deve subestimar o do processo é o crescimento da produtividade, as
poder da retórica, ainda mais numa sociedade ações de governo não são, em si, deflagradoras
democrática de massas onde a opinião pública é do processo de desenvolvimento. A dinâmica
uma interferência cotidiana nos trâmites políticos. básica do desenvolvimento brasileiro começa a
Embora o desenvolvimento brasileiro já tenha prescindir das ações de governo, especialmente
evoluído autonomamente para direções bem no que toca aos grandes programas e projetos
diversas daquelas recomendadas pela nossa de investimento, embora isto não seja o caso no
tocante à configuração macroeconômica básica.
retórica convencional relativa ao desenvolvimento,
O governo se torna coadjuvante e as burocracias
a todo momento estamos enfrentando tensões
e os políticos perdem o papel missionário que
ao desafiar o que parece ser uma sabedoria
assumiram ao longo de décadas. O progresso e
solidamente estabelecida. A retórica demora
o crescimento se obtêm crescentemente na área
a morrer porque, como já dito, apenas será
privada e, nessas circunstâncias, o governo precisa
substituída por outra, via de regra, formada
se acostumar ao exibir um cartel de realizações
ex post facto a partir da racionalização de uma
que não se limita, e nem mesmo prioriza, o
experiência inovadora bem sucedida.
número de obras ou programas que iniciou.
Certamente ainda levará algum tempo para As prioridades deslocam-se dos instrumentos
que os chavões clássicos do desenvolvimento (programas, despesas) para os objetivos finais
capitaneado pelo investimento público e pela SI (os indicadores sociais e econômicos). O salário
sejam substituídos por outros mais adequados real sobe não em função da política salarial, mas
ao novo modelo de desenvolvimento, qualquer do crescimento da produtividade gerado no setor
que ele seja. Quanto mais se apressa, todavia, privado. Deixa de ser uma conquista do governo

204
AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS

• um histórico de déficits primários crescentes do


ou do Parlamento. O investimento ocorre porque setor público, que levou a uma trajetória des-
o setor privado confia na sustentabilidade de um favorável da relação entre a dívida pública e o
quadro macroeconômico básico. Não é mais
PIB, alimentando dúvidas sobre a capacidade
consequência de “projeto nacional”, composto
do país de honrar seus compromissos;
de mega-investimentos, urdido em gabinetes. O
governo não é mais o agente primordial do • o rompimento de contratos, que aumentou a
desconfiança dos investidores;
processo, e daí resulta uma angústia básica • uma reduzida participação do setor externo na
do político cuja “plataforma” tradicionalmente
economia, o que aumentou nossa vulnerabili-
consiste, como observado acima, em uma
dade.
coleção de despesas relacionadas num
documento de metas. No passado, portanto, o Outro erro cometido no passado que contribuiu
político comprometia-se com metas instrumentais muito para a elevação do risco Brasil foram as inter-
(despesas) que produziam o desenvolvimento
venções abruptas do governo no funcionamento da
no âmbito de um modelo onde o Estado era o
economia, como controles cambiais, tabelamentos de
indutor do mecanismo. Hoje, o “plano de metas”
governamentais não é mais tão importante, e preços, tablitas, etc. Intervenções desse tipo acabam
nesse contexto o grande desafio do político - e gerando distorções no funcionamento do mercado e da
grande desafio desse governo - é o de mudar os economia.
termos pelos quais são avaliados os governos, Vamos agora analisar a política macroeconômica
vale dizer, redefinir a retórica do processo de do atual governo para concluir se ela é consistente
desenvolvimento de modo a reassentar as bases quanto à intenção de promover o crescimento susten-
de julgamento da eficácia das ações do estado.
tado.
FRANCO, Gustavo. A inserção externa e Ao contrário do que afirma a equipe econômica,
o desenvolvimento. Revista de Economia tudo indica que ainda não foram criadas as condições
Política, 1998. Disponível em: wwwusers.rdc. para o crescimento auto-sustentado na medida em que
puc-rio.br.
ainda persistem taxas de juros elevadas, superávit pri-
mário e moeda valorizada. Veja o que afirma o Instituto
ALTERNATIVAS PARA O de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI),
em documento publicado em 30/11/2005:
CRESCIMENTO SUSTENTADO
[...] é do trinômio juro, câmbio e investi-
O crescimento é o maior desafio do Brasil neste mento público – todos fora do lugar – que
decorre a retração em curso na economia
momento; um crescimento sustentado, com taxas mais , que apenas de forma parcial e transitória
elevadas que as registradas ultimamente. Um dos pôde ser compensado nos dois primeiros
maiores desafios desse crescimento é a capacidade de trimestres do ano por uma evolução inusi-
tada do crédito e um extraordinário dina-
ultrapassar entraves e gargalos que impedem a expan- mismo de exportações de alguns setores
são sustentada da capacidade produtiva da economia. industriais como derivados de petróleo,
automóveis e aparelhos celulares [...]
O principal determinante do crescimento de longo pra-
zo da economia é o nível de investimento, portanto é O crescimento do PIB tem sido alavancado, prin-
imprescindível mobilizar a poupança doméstica neces- cipalmente, pelas exportações com base na ocupação
sária para financiá-lo. Um dos pré-requisitos para que da capacidade ociosa. Para que se transforme em
isso se materialize é a criação e/ou manutenção de um crescimento sustentado são necessárias a expansão
ambiente macroeconômico estável, pois dela depende dos investimentos e a dinamização dos mercados in-
a confiança dos agentes econômicos, na medida em terno e externo.
que facilita a previsão de retorno sobre a poupança e A taxa de juros também ocupa um papel extre-
o investimento. mamente importante na promoção do crescimento
Outro ponto importante para induzir um crescimen- sustentado; sua diminuição não apenas amplia a as
to sustentado é a redução da taxa de risco-país, ainda possibilidades de investimento produtivo, como tam-
elevada devido a fatores tais como: bém contribui para dinamizar o mercado interno (es-

205
ECONOMIA BRASILEIRA

timulando o crédito ao consumidor e o capital de giro


das empresas), bem como redinamizar o mercado ex- câmbio flutuante com livre mobilidade de capitais,
terno (favorecendo a desvalorização do real). Ela não para ajustar as contas externas; taxa de juro real
tem caído na mesma proporção da queda da inflação elevada, para garantir o cumprimento das metas
de inflação; superávit primário crescente, para
e, para que essa queda repercuta de forma positiva na
conter o endividamento do setor público. Esse
economia, ainda teria que cair bastante, e de maneira
modelo macroeconômico tem se revelado capaz
sustentada, a fim de encorajar as empresas a aumen-
de produzir ciclos econômicos que acompanham
tar a produção.
os movimentos de expansão e retração da liquidez
Outro ponto importante é o arrocho fiscal praticado e do comércio mundiais, mas não tem conseguido
pelo governo. A tese é a de que deveriam ser cortados recolocar o país no caminho do desenvolvimento
os gastos correntes do governo a fim de aumentar os econômico e social, entendido como a ampliação
investimentos públicos. Porém, de acordo com alguns consistente dos investimentos, sobretudo os de
analistas, as despesas correntes são de difícil compres- maior porte e com longos prazos de maturação
são e, por outro lado, é impossível elevar o investimento (como aqueles em infra-estrutura ou na indústria
sem igualmente aumentar as despesas correntes. Pois pesada) ou de maior risco (como aqueles em
é evidente que, ao se construir uma obra de infra-estru- setores de alto conteúdo tecnológico), com
tura ou um prédio público (um hospital, por exemplo), aumento do emprego e dos salários e melhoria
tem-se que garantir sua operação (exigindo, portanto, na distribuição da renda.
recursos humanos) e manutenção (demandando gas- Este artigo sustenta a hipótese de que as políticas
tos e custeios), de acordo com Souza (2007). cambial, monetária e fiscal, com livre mobilidade
Assim, sob o peso dos encargos financeiros ala- dos capitais, são contraditórias e têm o efeito de
vancados pelas altas taxas de juros, nem as empresas bloquear o crescimento sustentado, a eliminação
produtivas nem o Estado conseguem realizar um ní- consistente da vulnerabilidade externa, a
vel de investimento capaz de viabilizar o cresci mento resolução dos pontos de estrangulamento na
auto-sustentado da economia. infra-estrutura e a expansão do gasto social.
Além do aumento da capacidade produtiva da eco- A primeira seção do texto discute o ajuste das
nomia, o crescimento auto-sustentado exige também contas externas e os possíveis impactos da
o crescimento sustentado do mercado interno. O mer- valorização cambial a partir de meados de 2004.
A segunda analisa a inadequação da política de
cado externo, mais sujeito a perturbações, operaria
meta de inflação nas condições de formação de
apenas de forma complementar. Isso está diretamente
preços domésticos. A terceira apresenta o papel
ligado a uma melhor distribuição de renda e, conse-
da política fiscal como variável de ajuste do
quentemente, à formação de mercado de consumo de
modelo macroeconômico, uma vez que absorve
massa, o que converteria crescimento econômico em os impactos das políticas cambial e monetária. Por
desenvolvimento econômico (FURTADO, 1965). fim delineiam-se possíveis políticas alternativas
Para uma melhor compreensão da questão tratada para tentar desmontar o círculo vicioso do modelo
nesta aula, leia o texto a seguir e tente relacioná-lo com macroeconômico com abertura financeira.
os temas discutidos acima.
Há um intenso debate no país acerca de como
aperfeiçoar o modelo macroeconômico. Quanto às
A política macroeconômica brasileira entre
metas para a inflação, sugerem-se a flexibilização
1999 e 2005
das metas, adotando-se metas estáveis ao longo
Marcos Antonio Macedo Cintra do tempo e não declinantes, o alongamento
Professor do Instituto de Economia da Unicamp dos prazos para atingi-las, perseguição de um
núcleo e não do índice cheio etc. Essas medidas
poderiam permitir uma taxa de juros real menor,
A partir de janeiro de 1999, o governo brasileiro diminuindo os efeitos deletérios sobre a produção,
articulou, juntamente com o FMI, uma política o emprego, os investimentos, o estoque da dívida
macroeconômica ancorada em três pilares: taxa de pública e o patamar da taxa de câmbio.

206
AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS

Quanto às elevadas metas de superávit fiscal, o em desenvolvimento. Pressupunha-se que a


próprio FMI sinalizou com a diminuição de US$ entrada líquida de capitais externos promoveria o
1 bilhão/ano no superávit primário durante três crescimento e o emprego, mas realidade mostrou-
anos a partir de 2004, para viabilizar projetos se muito diversa. As economias emergentes
de investimentos em infra-estrutura (estradas, — México, Leste Asiático, Rússia, Brasil, Turquia,
portos etc.) aprovados por sua equipe. Taxas Argentina etc. — enfrentaram várias crises
de juros reais menores e mais investimentos financeiras e cambiais, uma vez que os mercados
públicos manteriam o crescimento econômico, financeiros internacionais estavam sujeitos a
atendendo a expectativa de solvência da dívida surtos de euforia e contração abrupta da liquidez.
pública (queda da relação dívida líquida do setor
A partir de 1999, o conjunto dos países em
público/PIB ao longo do tempo). Nakano propôs a
desenvolvimento passou a apresentar superávits
necessidade de separar os mercados de moeda
em conta corrente, liderados pelos asiáticos e
e de dívida pública, o que exigiria a modificação
pelos produtores de petróleo. As experiências
na forma de gestão da dívida mobiliária federal
dos países asiáticos (China, Coréia, Hong
em poder do público. Como foi apontado, mais
Kong, Índia e Tailândia) parecem indicar que
de 50% dos títulos públicos são pós-fixados
a obtenção de saldos comerciais expressivos
e corrigidos diariamente pela taxa de juros de
curtíssimo prazo (Over-Selic). e a acumulação de reservas têm propiciado o
avanço tecnológico das economias, bem como
Finalmente, para conter a valorização da taxa de a adoção de políticas monetárias mais lassas,
câmbio discutiu-se a introdução de Imposto sobre que favorecem a expansão do crédito doméstico,
Operações Financeiras (IOF) sobre operações de da produção e do emprego. A acumulação de
curto prazo em moeda estrangeira para limitar a reservas — mediante saldos comerciais elevados
entrada de capitais especulativos, atraídos pela e não-contratação de novas dívidas — atende a
elevada taxa de juros. As operações de compra demanda por liquidez em moeda forte e assegura
de reservas realizadas pelo Tesouro e o Banco a estabilidade da taxa de câmbio. Enfim, a defesa
Central estariam sendo insuficientes para conter da taxa de câmbio real, os superávits em conta
a valorização do real, com impactos futuros na corrente e a acumulação de reservas elevadas
balança comercial e no ajuste externo. A introdução tornaram-se cruciais num mundo de grande
de IOF não parece suficiente para conter a mobilidade de capitais e assimetria entre as
valorização excessiva do real, uma vez que a moedas. Isso parece demonstrar que os Estados
tendência de valorização tem sido determinada nacionais que pretendem empreender projetos
pelas operações com instrumentos derivativos de desenvolvimento precisam reforçar sua
no exterior e na BM&F, transações meramente independência diante dos mercados financeiros
virtuais, sem o movimento líquido de entrada de internacionais.
capitais no país. A interrupção desse movimento
especulativo exigiria decisões mais radicais, tais Em contrapartida, os países em desenvolvimento
como proibir que investidores estrangeiros operem se tornaram exportadores líquidos de recursos
com instrumentos derivativos na BM&F; aumentar financeiros para os países centrais. De acordo
as margens das operações de derivativos, com o FMI, os países em desenvolvimento
reduzindo o grau de alavancagem destas transferiram US$ 1,23 trilhão entre 1998 e 2004.
operações; exigir dos bancos mais capitalização Dada a assimetria de riscos, as captações em
nas operações com moeda estrangeira e com moeda estrangeira desses países pagam juros
derivativos que envolvam moeda estrangeira; superiores em 3% a 4% àqueles recebidos pelos
tributar os ganhos de capital obtidos por meio de estoques de reservas (aplicados em bônus
especulação e arbitragem contra o dólar etc. dos tesouros ou das corporações dos países
desenvolvidos).
Nos anos de 1990, a abertura da conta de
capital e a desregulamentação financeira foram Diante disso, os mecanismos preventivos de
defendidas como políticas capazes de atenuar controle (ou disciplinamento) dos fluxos de
as flutuações na renda e no consumo dos países capitais (entrada e saída) precisam retornar à

207
ECONOMIA BRASILEIRA

agenda econômica, a fim de permitir um maior às entradas de capitais pode ter desempenhado
raio de manobra na condução das políticas um papel.
macroeconômicas domésticas. A revista The
No caso brasileiro, o arcabouço macroeconômico
Economist, ao considerar que “o mercado
— taxas de câmbio flutuante, taxas de juros reais
global de capitais é um lugar turbulento e
elevadas com metas declinantes para a inflação
perigoso, especialmente para economias pouco
e superávits fiscais primários crescentes — tem
desenvolvidas, que podem estar mal-equipadas
garantido a estabilidade monetária, o ajuste
para navegá-lo”, afirma: “Para alguns países,
temporário das contas externas, a redução
impor certos tipos de controle de capitais
relativa do endividamento público e a preservação
será mais sábio do que não fazer preparação
da riqueza financeira em moeda nacional, mesmo
nenhuma [para controlá-los]”. Técnicos do FMI
que no curto prazo, e tem desencadeado ciclos de
concluíram que “há pouca evidência de que a
integração financeira tenha ajudado os países em expansão e retração da economia, mas não parece
desenvolvimento a estabilizar as flutuações no capaz de promover o desenvolvimento econômico
crescimento do consumo”. Os benefícios foram e social, com ampliação do emprego, elevação
captados pelos países industrializados — vale dos salários e melhora na distribuição da renda. A
dizer, aqueles com moedas aceitas nos mercados partir da equação macroeconômica brasileira não
internacionais e amplos mercados financeiros se tem verificado nenhuma experiência histórica
domésticos. de desenvolvimento sustentado. Em condições
de abertura financeira, passivo externo elevado e
Vários estudos demonstraram que os países que reservas internacionais baixas — ao contrário do
mantiveram controle sobre os fluxos de capitais que defende a teoria convencional —, a taxa de
e a taxa de câmbio obtiveram maiores taxas de câmbio flutuante não possibilita maior autonomia
crescimento, menor flutuação da produção e para as políticas monetária e fiscal. Mesmo quando
da renda e reduzida vulnerabilidade das contas se reduz o déficit em conta corrente, a taxa de
externas. Os países mais bem-sucedidos foram câmbio flutuante não elimina o risco cambial e o
Chile, Índia, Cingapura, Taiwan, Malásia e Banco Central permanece obrigado a intervir (na
China. Perseguindo essa trilha, os governos da
valorização ou na desvalorização), o que repercute
Argentina e da Colômbia implementaram controles
no estoque da dívida pública e requer crescentes
preventivos sobre os fluxos de capitais de curto
superávits fiscais. A política monetária restritiva,
prazo. Os capitais que não se destinarem ao
para conter os efeitos da taxa de câmbio flutuante
investimento direto em empresas ou no comércio
sobre os preços domésticos, também deteriora as
exterior terão de permanecer pelo menos 180
necessidades de financiamento do setor público,
dias no país. O objetivo é evitar a excessiva
bem como aumenta o custo de oportunidade
valorização da moeda doméstica, que prejudica
para o investimento privado. Enfim, as relações
as exportações.
perversas entre as políticas cambial, monetária e
Relatório do FMI reconhece que reformas fiscal condicionam as trajetórias de stop and go
liberalizantes implementadas pelos países latino- do produto, com repercussões no emprego e nas
americanos (com abertura comercial, liberalização condições sociais.
das contas de capital, desregulamentação dos
Ao contrário do que afirmou o ministro da Fazenda,
sistemas financeiros domésticos e reforma do
Antonio Palocci — “os experimentalismos
Estado) não atingiram seus objetivos em termos
das taxas de crescimento do produto e de sua fracassaram no Brasil” —, seria preciso mais
volatilidade, do balanço de pagamento e da ousadia para interromper o círculo vicioso
situação do setor público: do “suave fracasso” da economia brasileira:
não entra em default, mas também não gera
Poucos países conseguiram administrar a desenvolvimento. Isso parece exigir a construção
transição — do déficit em conta corrente com taxa de uma força política — uma aliança fundada nos
de câmbio fixa — com sucesso, especialmente interesses da produção e do trabalho — a fim de
num ambiente de elevada mobilidade internacional suplantar a aliança de rentistas que forma a base
de capitais. [...] No Chile a imposição de controles do poder político e econômico hodierno.

208
AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS

Na próxima aula, faremos uma contextualização do


Brasil no século XXI. Discutiremos a crise do desen- Esse comportamento exprime uma pretensão
volvimento brasileiro e as perspectivas para superá-la. enorme dos economistas que se crêem “dotados
Até lá!  do poder supremo de suspensão da história.
Isto lhes “garante” a prerrogativa de falar, com
“autoridade”, considerando a vida e a sociedade
RESUMO
como algo dado, pronto e acabado. Ignoram,
Nesta aula procuramos demonstrar que a política sobretudo, os diferentes embates entre os grupos
econômica dos últimos governos não tem conseguido sociais que resultam, obviamente, em vitoriosos
recolocar o país no caminho do desenvolvimento eco- e derrotados.
nômico e social. Mostramos que as políticas cambial, Isso parece bastante adequado aos fins daqueles
monetária e fiscal são contraditórias e concorrem para que exercem a maior carga no jogo político
bloquear o crescimento sustentado, a resolução dos nacional. Como assim? Vejamos o Brasil. O país
pontos de estrangulamento na infra-estrutura e a ex- vive um longuíssimo período de baixo crescimento,
pansão do gasto social. quase 25 anos. Há adultos que não sabem, nunca
viveram numa economia em expansão.
ATIVIDADE E por que isso aconteceu? Certamente o problema
não foi incapacidade ou carência de recursos do
Fundamentado por esta aula e tendo o texto abaixo
país e sua gente. É preciso ter claro que, quando
como inspiração, responda à seguinte questão: uma ordem econômico-social funciona bem para
Por que o Brasil não conseguiu romper com o sub- um grupo forte política e economicamente, este
desenvolvimento, permanecendo como o “país do fu- resiste às mudanças e pode, muito bem, “atrasar”
turo”? o país em relação ao resto do mundo.
Isso não quer dizer, obrigatoriamente, que tal
Os economistas e a transformação do país conservadorismo seja ruim e a mudança boa. O
contrário bem pode acontecer. Contudo, o que fica
Resistir à visão ideológica dominante seria um
é que um arranjo social não se mantém se toda
gesto quixotesco, que serviria apenas para
a sociedade clama por mudanças. É impossível
suscitar o riso da platéia, quando não o desprezo
sustentar um regime quando este não se apóia
do seu silêncio. (...) [Mas] “como a história ainda
em ninguém.
não terminou, ninguém pode estar seguro de quem
será o último a rir ou a chorar.” (Celso Furtado, em Portanto, é preciso ter a consciência de que o fato
“A Construção Interrompida”). do Brasil alcançar a industrialização e, mesmo
assim, manter enormes contingentes de sua
Uma vez o professor Celso Furtado, em uma
população excluída dos frutos do progresso, não
entrevista antiga, afirmou que “o entendimento dos
é, absolutamente, um problema conjuntural ou
fenômenos econômicos só é possível percebendo
técnico, mas a expressão de um caminho histórico
as forças sociais que atuam no processo”. Talvez
escolhido pelos vencedores.
esse seja o maior problema do debate econômico
atual. Hoje, economistas de diferentes matizes O problema é que isso é esquecido pelos
teóricos discutem os números, fazem previsões economistas. Assim, quando estes vaticinam,
e, mesmo assim, demonstram saber muito sobre a partir de números do momento, sobre os
quase nada. perigos que corre a economia, imaginam poder
desconsiderar o país profundo, seus grupos
Não se preocupam em sustentar suas análises na
sociais, seus interesses e sua força para impor
compreensão das forças sociais que trouxeram e
seus desejos. Na verdade, escondem ou
mantém o país vivendo mazelas que há muito
desconhecem o melhor da produção intelectual
poderiam ter sido superadas. Não se atentam
que pensou o Brasil.
para o fato de que quase tudo que é importante
em economia não é acidental, exclusivamente Passam tristemente ao largo de Celso Furtado,
técnico ou meramente conjuntural. Conceição Tavares, Fernando Henrique, Florestan

209
ECONOMIA BRASILEIRA

Fernandes, Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre, Sergio Pelo contrário. Ao capital coube o ganho financeiro,
Buarque e outros tantos que essa displicência sustentado na enorme dívida pública, e aos
torna-se imperdoável. Conseqüentemente, suas trabalhadores, o desemprego, a “flexibilização”
previsões, quando funcionam, não vão além do de direitos e a queda do rendimento real. Em
curtíssimo prazo. suma, a atual situação de crise não alcança a
todos igualmente. Ela favorece, como sempre,
Fica evidente que os economistas, ao agirem
uma parte importante da elite brasileira, que, por
assim, esquecem que o mundo real é composto
sua vez, dá o devido suporte político para que
por homens e mulheres associados em grupos
essa ordem de coisas permaneça. Ou seja, não
com diferentes poderes para empurrar o
há segredo.
conjunto social para o que as suas convicções e
interesses ditam. Naturalmente esse poder está Não há milagres. Uma sociedade se constrói
concentrado, sobretudo em países como o Brasil, e reconstrói a partir da atuação das forças que
nas mãos daqueles poucos que detém o poder atuam no seu interior e das pressões vindas
econômico e político, tipicamente entrelaçados do ambiente internacional. Pior: se o grupo
aqui. privilegiado conseguir “pegar carona” na nova
ordem externa, mantendo regalias, a adequação
Ou seja, a famosa elite brasileira. Inserção mundial
não é nada difícil, mesmo que custe caro ao resto
do país não implicou em divisão equilibrada da sociedade.
dos ônus e bônus da modernização entre toda
sociedade Logo, a conclusão inevitável é que Por tudo isso, fica claro que, se o Brasil não muda,
chegamos à “modernidade econômica” pela mão é porque alguns poucos e poderosos não querem
política e econômica dessa elite poderosa, que que nada mude. E a questão é: e os economistas?
soube garantir seus interesses e administrar os De que lado ficarão nessa luta?
conflitos sociais resultantes de suas escolhas, Amorim, R. L. C.; Moura Junior, A. A. Os
adequando-se como pôde às mudanças na economistas e a transformação do país. Valor
ordem internacional. Econômico, São Paulo, 23 out. 2007. p. 17
Tudo convenientemente ignorado pela maioria – 31.
dos economistas. Conseqüentemente, podemos (Ricardo Luiz Chagas Amorim é professor-
afirmar que a semi-estagnação econômica que pesquisador licenciado da Universidade
vive o Brasil há 25 anos não é um mero acidente, Mackenzie e membro da Sociedade Brasileira
mas sim fruto da vitória dessa elite no embate de Economia Política. É co-autor da série “Atlas
político cotidiano. da Exclusão Social” da Editora Cortez. Álvaro
Tanto que não é à-toa que, nos primeiros 10 anos Alves de Moura Junior é professor-pesquisador e
de crise (anos 1980), a paralisia situava-se no coordenador de pós-graduação da Universidade
esgotamento de um processo de acumulação de Mackenzie.)
capital e riquezas garantidos pelo Estado desde
Juscelino Kubitscheck.
REFERÊNCIAS
Já nos anos seguintes, os 1990, a tônica passou
a ser o reordenamento do papel do Estado, ABREU, Marcelo Paiva. Duas décadas perdidas: es-
tratégias confusas fazem desempenho econômico
colocando-o como refém de um processo
medíocre tornar-se crônico. O Estado de São Pau-
de acumulação (cada vez mais) financeira e lo. São Paulo, 1º abr. 1999.
que, por sua vez, reproduziu sem contestação
as condições impostas pela nova ordem BACHA, C. J. C; LIMA, R. A. S. Macroeconomia: te-
internacional. As mudanças necessárias para oria e aplicações à economia brasileira. São Paulo:
Alínea e Átomo, 2006.
isso, dada a proeminência daquele grupo, não
implicaram, mais uma vez, na transferência mais FURTADO, CELSO. Análise do Modelo Brasileiro.
ou menos equilibrada dos bônus e dos ônus Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
entre toda a sociedade. GIAMBIAGI, FÁBIO. Economia Brasileira Contem-
porânea (1945-2004). São Paulo: Campus, 2007.

210
AULA 29 • BRASIL: 25 ANOS DE ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA - OBJETIVOS

GIAMBIAGI, FÁBIO; NOGUEIRA, MAURÍCIO MES-


QUITA (Org.). A Economia Brasileira nos anos 90.
Rio de Janeiro: BNDES, 1999.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira
Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007.
LANZANA, A. E. T. Economia brasileira: fundamen-
tos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2002.
MERCADANTE, A. Economia Brasileira Contem-
porânea. São Paulo, Atlas, 1998.
MENDONÇA, MAURÍCIO. www.inovacao.unicamp.
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PEREIRA, José Matias. Economia Brasileira: Fun-
damentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2005.
SANDRONI, PAULO. Dicionário de economia. São
Paulo: Best Seller, 2002.
SOUZA, Nilson Araújo. Economia Brasileira Con-
temporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas,
2007.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval. Eco-
nomia Brasileira Contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2003.

211
ECONOMIA BRASILEIRA

AULA 30

O BRASIL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI

Objetivos
• Identificar os dilemas e desafios para o
Brasil no século XXI.
• Discutir os problemas de curto e longo
prazo a serem enfrentados.
ECONOMIA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO
importantes (pelo número de citações que
Chegando ao final de nosso curso, podemos cons- recebeu e ainda recebe) teóricos a abordar
tatar que muitos economistas têm feito uma exaustiva esse tema foi o geógrafo e geopolítico inglês
análise da economia brasileira, debruçando-se sobre Halford J. MacKinder, que produziu várias
questões como: o grande desafio das políticas de es- obras sobre o assunto no final do século XIX e
no início do século XX. A idéia de uma ordem
tabilização bem como as opções do Brasil diante da
mundial pressupõe logicamente um espaço
enorme transformação observada na economia mun-
mundial unificado, algo que só ocorreu
dial. Nesta última aula, veremos quais são as perspec-
a partir da expansão marítimo-comercial
tivas apontadas por esses pesquisadores para o Brasil européia (e capitalista) dos séculos XV e XVI.
no século XXI. Daí os autores clássicos, em especial aqueles
do século XIX, terem cunhado a expressão
DILEMAS E DESAFIOS PARA O “grande potência” ou “potência mundial”,
BRASIL N O SÉCULO XXI indissociavelmente ligada à idéia de ordem
mundial. Esta normalmente é vista como
Vivemos uma época de grandes mudanças e insta- uma situação de equilíbrio (sempre instável
bilidade, causadas principalmente pelas inovações tec- ou provisório) de forças entre os Estados.
nológicas e seus efeitos sobre a sociedade. Entretanto (Afinal é o Estado quem atua nas relações
podemos identificar duas grandes tendências deste sé- internacionais e executa tanto a diplomacia
culo: o processo de globalização e a formação de uma quanto a guerra).
nova ordem mundial. E como esses atores privilegiados no cenário
Vimos que existe uma vasta literatura sobre o as- global, os Estados, são equivalentes apenas
sunto, mas o aspecto mais importante que tem sido na teoria -- pois há alguns fraquíssimos,
ressaltado pelos especialistas no assunto é a extrema em termos de economia, de população e
assimetria em relação aos processos anteriores. Sabe- de poderio militar, e alguns poucos outros
se que apenas um restrito número de países e de gru- extremamente fortes --, o conceito de potências
pos usufruirá de seus benefícios. Custos, como amplo (médias ou regionais e principalmente
grandes ou mundiais) é essencial na medida
desemprego ou subemprego, já têm sido impostos a
em que expressa algo que ajuda a definir ou
uma grande parte da população mundial, na medida
a estabilizar a (des)ordem mundial. Como
em que muitas estruturas produtivas foram desarticula-
assinalaram Norberto BOBBIO e Outros
das pelo processo de globalização. (Dicionário de Política, editora Universidade
A formação de uma nova ordem é outro macropro- de Brasília, 1986, pp.1089-1098), cada Estado
cesso a ser formatado no curso do século XXI.. Com a possui a sua soberania ou poder supremo no
implosão da União Soviética, a ordem bipolar deixou interior de seu território, não estando portanto
de existir, e a atual ordem ainda gera muitas controvér- submetido a nenhuma outra autoridade
sias. Veja texto a seguir, que discute justamente este supraestatal, o que em tese redundaria numa
problema. espécie de “anarquia internacional”. Mas a
existência das grandes potências e a própria
A Nova Ordem Mundial hierarquia entre os Estados introduz um
elemento estabilizador, uma “ordem” afinal,
O que é uma ordem [geopolítica] mundial? nessa situação em que não há um poder global
Existe atualmente uma nova ordem ou, como ou universal, isto é, acima das soberanias
sugerem alguns, uma desordem? Quais são estatais.
os traços marcantes nesta nova (des)ordem
internacional? É exatamente essa hierarquia que vai dos
“grandes Estados” -- a(s) grande(s) potência(s)
Esse tema é clássico na geografia política, na -- até os “pequenos”, esse sistema de países
geopolítica, na ciência política e nos estudos onde na prática há o exercício do poder pela
de relações internacionais. Um dos mais diplomacia (ou, no caso extremo, pela força

214
AULA 30 • O BRASIL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI

militar) e pelas relações cotidianas (comerciais, militar; e as forças armadas da Europa, em


financeiras, culturais...), o que se convencionou especial as da Alemanha, França, Itália e Reino
denominar ordem mundial. Por esse motivo, Unido, tendem a se unificar com o desenrolar
via de regra se define uma ordem mundial pela da integração continental.
presença de uma ou mais grandes potências
Até mesmo os momentos de crise (Guerra do
mundiais: ordem monopolar, bipolar, tripolar,
Golfo, em 1991, conflitos na Bósnia e no Kosovo,
pentapolar, multipolar etc. Como podemos
em 1993 e 1999, a luta contra o terrorismo, em
perceber, não se avança muito quando se 2001, e a ocupação do Iraque, em 2003) são
nega a idéia de uma (nova) ordem e se enfatiza vistos sob diferentes perspectivas por ambos
o termo desordem, pois toda ordem mundial os lados. Os que insistem na monopolaridade
é instável e plena de conflitos e de guerras. pensam que essas crises exemplificam a
Estas normalmente, salvo raras exceções, são hegemonia absoluta e sem concorrentes
explicáveis pela lógica que preside a ordem dos Estados Unidos, enquanto que os que
mundial e, portanto, não a denegam. Podemos advogam a multipolaridade explicam que essa
dizer, assim, que o conceito de ordem mundial superpotência em todos esses momentos
não é positivista (no sentido de ordem = críticos necessitou do imprescindível apoio
ausência de contestações e de conflitos) e da Europa, em primeiro lugar, e até mesmo da
sim, na falta de um conceito melhor, dialético ONU, além de ter feito inúmeras concessões
(no sentido de ordem = algo sempre instável à Rússia e à China em troca do seu suporte
e na qual as disparidades, as tensões e os direto ou indireto nesses bombardeios
conflitos são “normais” ou inerentes). contra o Iraque, contra a Sérvia e contra o
A atual ordem internacional, nascida com a Afeganistão.
ruína da bipolaridade -- que foi o mundo da Mas, independentemente do fato de ser uni
guerra fria e das duas superpotências, que ou multipolar -- ou talvez uni-multipolar,
existiu de 1945 até 1989-91--, ainda suscita uma fórmula conciliatória que admite uma
inúmeras controvérsias e costuma ser monopolaridade militar (mesmo que provisória)
definida ora como multipolar (por alguns, e uma multipolaridade econômica --, a nova
provavelmente a maioria dos especialistas), ora ordem mundial possui outros importantes
como monopolar (por outros) ou ainda como traços característicos: o avançar da Terceira
uni-multipolar (por Huntington). Aqueles que Revolução Industrial, ou revolução técnico-
advogam a mono ou unipolaridade argumentam científica, e de uma globalização capitalista
que existe uma única superpotência militar, junto com uma nova regionalização que lhe é
os Estados Unidos, e que a sua hegemonia complementar, isto é, a formação de “blocos”
planetária é incontestável após o final da ou mercados regionais. A revolução técnico-
União Soviética. E aqueles que defendem a científica redefine o mercado de trabalho
idéia de uma multipolaridade não enfatizam (esvaziando os setores secundário e primário
tanto o poderio militar e sim o econômico, que e ao mesmo tempo exigindo cada vez mais
consideram como o mais importante nos dias uma mão-de-obra qualificada e flexível) e
atuais. Eles sustentam que a União Européia reorganiza ou (re)produz o espaço geográfico
já é uma potência econômica tão ou até mais (com novos fatores sendo determinante para
importante que os EUA -- e continua se expandir a alocação de indústrias: não mais matérias
-- e tanto o Japão (que logo deverá superar a primas e sim telecomunicações e/ou força
sua crise) quanto a China (a economia que de trabalho qualificada, dentre outros). Ela é
mais cresce no mundo desde os anos 1990) condição indispensável para a globalização
também são economias importantíssimas na medida em que esta não existe sem
a nível planetário. Além disso, raciocinam, a as novas tecnologias de informática e de
Rússia ainda é uma superpotência militar, telecomunicações. Ela influi até mesmo na
apesar de sua economia fragilizada; a China guerra, pois permite a construção de armas
vem modernizando rapidamente o seu poderio “inteligentes”, que destroem alvos específicos

215
ECONOMIA BRASILEIRA

políticas, para que ela perpasse todas as concepções


sem ocasionar matanças indiscriminadas (e e todas as ações.
são mais precisas que as armas de destruição Na área econômica, o grande desafio é a supera-
em massa, o que significa que não é mais ção de todos os constrangimentos nas contas externas
necessário o transporte de grande quantidade
do país. Para isso, teríamos de dobrar as exportações,
delas) e torna as informações algo estratégico
de modo a obter um saldo comercial que nos permitisse
para a supremacia militar. Esta última deixa
suportar as contas deficitárias de juros, remessa de lu-
de ser ligada ao tamanho da população ou
mesmo à quantidade de soldados (existe cros, royalties, assistência técnica, viagens etc. Nesse
uma tendência no sentido de haver menos sentido, um dos grandes problemas é a falta estrutural
militares, só que com maior qualificação) e de competitividade das exportações brasileiras.
passa a depender da economia moderna, da
tecnologia avançada. PROBLEMAS A SEREM
 Disponível em: ENFRENTADOS PELO BRASIL
http://www.geocritica.hpg.ig.com.br/ NO SÉCULO XXI
geopolitica04.htm. Acessado em: 18.02.2004.
O Brasil não conseguiu, ao longo do século XX,
superar seu histórico subdesenvolvimento, embora
Como você viu no texto acima, alguns autores tenha alcançado significativos resultados econômicos
acreditam que os Estados Unidos têm exercido uma e infra-estruturais. Um subdesenvolvimento que se ca-
hegemonia cada vez mais ampla e consolidada, porém racteriza, principalmente, pela imensa brecha que se-
há importantes forças, dentro e fora dos Estados Uni- para uma minoria de cidadãos educados e dotados de
dos, que se opõem a essa hegemonia: China, Rússia e condições de vida equivalentes às dos países centrais
os mais importantes países do mundo islâmico, como (representando algo como 30% da população total)
Irã e Iraque, a ela resistem. Na União Européia, dividi- da grande maioria dos deseducados e pobres. Dentre
da entre uma posição atlântica (Grã-Bretanha e países estes, 14% das famílias encontram-se em estado de
nórdicos) e uma posição europeista (países latinos, miséria e 31% de grande pobreza. Essa imensa de-
germânicos e eslavos), não é provável que as forças sigualdade é também regional e rural, situando-se a
europeizantes alcancem suficiente predominância para maioria da população carente no Nordeste, no campo e
conduzir a Europa a uma política externa e de defesa nos bolsões metropolitanos de miséria. Por outro lado,
efetivamente independente. Assim sendo, a Pax Ame- embora os padrões médios dos setores e estratos mo-
ricana regulará o mundo ocidental no curso dos próxi- dernos do Brasil comparem-se vantajosamente com os
mos decênios. do sul da Europa, é inegável a defasagem tecnológica
O Brasil ingressa no século XXI, no contexto des- do país em relação aos países de vanguarda.
sas duas tendências - Globalização e Pax Americana Os problemas mais imediatos são, em última aná-
- tendo como principal desafio o imperativo de supe- lise, de duas ordens: econômico-financeiros e político-
rar seu subdesenvolvimento. Em função disso, deverá institucionais.
manter sua viabilidade interna, consolidando sua inte- No âmbito econômico-financeiro, o Brasil sofre o
gração nacional com a eliminação das desigualdades. constrangimento de dois renitentes déficits: o do balan-
Do ponto de vista externo, é necessário preservar ço de pagamentos e o das contas da União. Cronica-
a autonomia externa, através, principalmente, da con- mente deficitário no balanço de serviços, o país passou
solidação do Mercosul e expandi-lo para o conjunto da vários anos em déficit na sua balança de comércio,
América do Sul, impedindo sua aniquilação pela ALCA. possivelmente corrigível a partir de 2000. O déficit lí-
Além disso, seria positivo a manutenção de estreitos quido do setor público, devido, principalmente, ao de-
vínculos de cooperação com a Europa, com os grandes sequilíbrio das contas da previdência e aos altos juros
países asiáticos e islâmicos. da dívida interna, a despeito de um superávit primário
Uma outra importante condição para vencer os da ordem de 3% do PIB, atingiu mais de 7% em 1999.
grandes desafios do Brasil no século XXI é colocar a Existe, entre esses dois déficits, uma relação per-
questão ambiental no início e no centro de todas as versa. Se, para reduzir o déficit das contas públicas, se

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AULA 30 • O BRASIL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI

abaixa a taxa de juros, reduz-se, correspondentemen- tá-los exigirá, antes de tudo, que o país seja capaz de
te, a atratividade para capitais externos, agravando a mudar seus hábitos e formatos políticos.
situação do balanço de pagamentos. Se os juros são Vamos finalizar essa aula, e também a disciplina,
majorados, para atrair capitais externos, eleva-se o dé- com uma reflexão a respeito da dificuldade do Brasil
ficit das contas públicas. em romper com o subdesenvolvimento. Para nos inspi-
Em tal situação, a única solução possível é a ado- rar, vamos ler o texto abaixo.
ção de medidas que, por um lado, incrementem subs-
tancialmente as exportações e mantenham as importa- O CRESCIMENTO ECONÔMICO
ções em nível moderado e, por outro, regularizem as E O FUTURO, OU NÃO FUTURO,
contas públicas, mediante reformas tributária e previ-
DO BRASIL
denciária, que equilibrem as contas do INSS e, com a
minimização dos gastos de custeio, gerem confortável Num dos últimos números de “Espaço Acadêmi-
superávit para os investimentos da União. co”, foi publicado um interessante texto, de autoria de
A segunda ordem de problemas mais imediatos Paulo Roberto de Almeida, a respeito da falta de di-
refere-se a questões institucionais e políticas, que afe- namismo econômico brasileiro e como esta, inevitavel-
tam, de forma extremamente séria, a governabilidade mente, vai nos levar à estagnação ou à decadência.
do país. A crise de governabilidade provém de graves Mesmo sem estar de acordo com tudo o escrito ali, é
defeitos dos sistemas político e institucional. um texto muito interessante e que instiga à reflexão.
As deficiências do sistema político decorrem, prin- Eis porque decidi pensar um pouco sobre o problema
cipalmente, do inadequado regime eleitoral e do ainda do crescimento econômico brasileiro hoje.
menos adequado regime de regulação dos partidos po- É realmente difícil não ficar impressionado com os
líticos. O atual regime regulador dos partidos políticos dados levantados tanto no artigo acima mencionado,
permite e de certa forma favorece uma infinita prolife- assim como em outros disponíveis num sem número
ração de legendas, destituídas de qualquer efetiva sig- de jornais e boletins de organismos internacionais.
nificação pública, que se convertem em máquinas de Depois de um longo período crescendo a uma média
mercantilização política, na grande maioria dos casos. bem superior ao resto do mundo, o Brasil está, a mais
Os partidos são siglas, privadas de significação, relati- ou menos três décadas, patinando, sem conseguir sair
vamente às quais os políticos se ligam e se desligam do lugar. Nos últimos anos, estamos ficando para trás
ao sabor de ocasionais interesses eleitorais, entre ou- dos outros países emergentes, e até mesmo de vários
tros. O regime eleitoral vigente favorece a eleição de de economia madura, quando se trata de dinamismo
candidatos desprovidos de qualquer significação públi- econômico.
ca, que exercerão seu mandato apenas para satisfa- Claro que comparações estatísticas sempre são
zer seus interesses pessoais. Daí a falta de orientação complicadas. Um país muito pobre pode, por exemplo,
programática e a dificuldade de formar maiorias con- conseguir taxas excepcionais de crescimento simples-
sistentes, em cada legislatura, forçando o Executivo a mente porque a base de partida é muito pequena. Já
barganhar com cada parlamentar, individualmente, as a Argentina, por exemplo, só está em plena expansão
medidas que julgue de interesse público. econômica porque está aproveitando a capacidade
Em síntese, o grande desafio brasileiro para o sé- produtiva ociosa depois da grave crise dos anos an-
culo XXI será definir e executar uma política de desen- teriores. Distorções cambiais também afetam os nú-
volvimento verdadeiramente sustentável - enfrentando meros. Mas é seguro afirmar que a situação brasileira
inclusive a difícil tarefa de questionar os modelos de não é tranqüila. Em alguns anos, crescemos bem; em
crescimento voltados unicamente para o econômico e outros, nem tanto, mas, em linhas gerais, nas últimas
descuidados do ambiental e social. Lembrando que por três décadas, estamos crescendo muito menos do que
isso mesmo temos alguns dos piores indicadores de poderíamos e/ou deveríamos.
concentração de renda no mundo. Não é este o espaço para uma longa discussão
É diante desses desafios que o Brasil está coloca- sobre a história econômica brasileira nas últimas dé-
do, ao ingressar no século XXI. Ser capaz de enfren- cadas e sobre como chegamos a esta situação atual.

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ECONOMIA BRASILEIRA

Muito mais importante, a meu ver, é uma avaliação do queremos que o crescimento se sustente depois de um
presente e do que poderia ser feito para que esse triste avanço inicial, seria fundamental atacarmos as ques-
destino da estagnação possa ser evitado. tões centrais, ou seja, manter e elevar continuamente a
Acredito que a questão deve ser analisada em cur- demanda e a produção.
to, médio e longo prazo. Para o período imediato, não Para tanto, a questão do Estado me parece fun-
resta dúvida que o problema central é o binômio câm- damental. O Estado brasileiro, hoje, é um mastodonte
bio-juros. Boa parte dos países do mundo que apre- que suga quase 37% do PIB em impostos. Uma taxa
sentam taxas significativas de crescimento econômico alta, especialmente se comparamos com outros países
adota a política de câmbio desvalorizado, compatível de mesmo nível de desenvolvimento. O pior, contudo,
com o aumento contínuo das exportações, e juros bai- é que o retorno para a sociedade é praticamente zero.
xos. Isso vem acontecendo, por exemplo, na Argentina Com um Estado deste tamanho para sustentar (incluin-
e na China. do-se aqui as despesas sociais, as transferências di-
Já o modelo brasileiro é exatamente o contrário, retas, os juros da dívida publica, etc.), não há câmbio
utilizando câmbio valorizado e juros altos. Com esse favorável e redução de juros que nos levem a níveis
modelo, a pressão sobre as finanças públicas é imensa chineses de expansão do PIB.
(ainda que outros fatores, claro, também possam cola- Na verdade, o Estado brasileiro, hoje, é uma gran-
borar para a sua deterioração) e há sempre o risco (no de máquina de pagar juros, pensões e benefícios so-
caso de uma queda da procura internacional por com- ciais, além de garantir a sua manutenção. É possível
modities, por exemplo) de um colapso cambial, como o aceitar o argumento que o Estado deve se auto-susten-
de 1998. Além disso, apesar dos juros altos não serem tar adequadamente, honrar seus compromissos e con-
os únicos culpados pela nossa situação econômica tratos, pagar as pensões dos aposentados e aliviar a
atual, dificilmente pode se dizer que ele anime consu- fome das multidões carentes. O problema é que estes
midores e empresas a investir, consumir, etc. gastos não induzem ao crescimento econômico que,
Há, a meu ver, três trajetórias possíveis a seguir em longo prazo, permitiria, inclusive, que o Estado não
aqui: a primeira é mantermos o modelo juros altos/câm- precisasse fazer caridade para com os pobres. O que
bio valorizado e aceitarmos a estagnação como pre- gera crescimento econômico é investimento, que é jus-
ço da estabilidade. Na segunda, baixamos a qualquer tamente o que o Estado brasileiro menos faz, até para
custo os juros, desvalorizamos brutalmente a moeda ter os recursos para as políticas de assistência social.
e teremos, provavelmente, um crescimento acentuado, Basta verificar o que resulta destas que são as
na casa dos dois dígitos, por algum tempo, mas que principais despesas do Estado. O pagamento dos juros
tenderá a se esgotar e a produzir inflação rapidamente, beneficia a todos os que têm fundos ou aplicações fi-
devido ao problema da demanda excessiva. Seria uma nanceiras, claro, mas, em geral, só os que dispõem de
aventura, no pior estilo populista, e que rapidamente elevadas somas aplicadas podem realmente usufruir
se esgotaria. dessa renda. Assim, quem realmente enriquece com
Já a terceira hipótese seria dosarmos, em níveis os juros altos são algumas pessoas e instituições ban-
moderados, juros e câmbio para estimularmos o cres- cárias. Já o pagamento dos benefícios sociais e das
cimento, mas sem gerar uma demanda excessiva que pensões, apesar de socialmente defensável, não for-
só geraria inflação e já pensando em medidas para nece condições para que as pessoas carentes saiam
aumentar a produção no futuro. Claro que a grande realmente do ciclo vicioso da pobreza. Por fim, o Es-
questão aqui seria o como fazê-lo, pois, se a receita de tado gasta em excesso para a sua manutenção e de
como dosar estes instrumentos de política monetária forma completamente aleatória, o que gera a situação
fosse simples, todos os presidentes do Banco Central absurda de contínuos do Judiciário ganhando mais do
do Mundo a seguiriam. O que, talvez, precisássemos, que cientistas da Embrapa ou de termos toda uma es-
fosse um pouco mais de ousadia e fugir um pouco do trutura pública que apenas se mantém, sem cumprir as
imediato. funções para as quais foi criada.
Aqui entra, a meu ver, a questão do médio prazo. Assim, vivemos num país onde as instituições pú-
Não é possível imaginar que todos os problemas da blicas, premidas pela falta de recursos e pela ausência
economia brasileira se resumem a câmbio e juros. Se de gerenciamento, políticas de estímulos e cobranças,

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AULA 30 • O BRASIL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI

etc., em geral e já descontadas as exceções de praxe prazo, claro, mas são as chaves para que o crescimen-
(como a Receita Federal), não funcionam. Dessa for- to fosse sustentado.
ma, e aqui é uma avaliação subjetiva minha, as Uni- O crescimento, no século XXI, demanda, efetiva-
versidades não pesquisam, as escolas não ensinam, mente, a entrada na era da tecnologia, da terceira (ou
os hospitais não curam, a polícia não garante a segu- quarta) revolução industrial. Sem isto, não consegui-
rança, etc. Ás vezes, parecemos viver num país “fake”, remos ir muito longe. A educação e a ciência são as
como os cenários dos filmes, no qual tudo o necessário chaves para o progressivo aumento da produtividade e
à vida e à economia moderna está presente, mas onde, para a construção de uma consciência cidadã de que
ao mesmo tempo, nada realmente existe. esse país tanto precisa para que a própria reforma do
Enfim, o que fica claro é que o nosso gasto público Estado continue.
é de má qualidade, com transferências sociais, pen- Além disso, um dos principais problemas para a
sões, juros e despesas correntes absorvendo toda a construção de uma moderna sociedade de consumo
renda pública. Com isso, não apenas a sociedade é pe- de massas no Brasil sempre foi a distribuição de ren-
nalizada com altos impostos, como não sobram recur- da. Esta é tão concentrada que fica difícil haver um au-
sos para investimentos Ou seja, não apenas o Estado mento de demanda consistente, mesmo num momento
inibe o investimento privado sugando parte substancial de bonança econômica. A educação, num contexto de
da renda nacional para si, como não investe ele próprio estagnação econômica, produz apenas o que vemos
no futuro. atualmente, ou seja, milhões de graduados desempre-
Assim, sem equacionar o problema do Estado, nada gados ou subempregados. Mas, num contexto de cres-
pode ser feito. É fundamental aliviar a carga tributária, cimento, é o grande canal para a distribuição de renda,
mas, acima de tudo, garantir que tanto a cobrança dos geração de demanda e garantia da própria continuida-
impostos como os gastos sejam de melhor qualidade. de do crescimento.
Sem uma reforma tributária que redistribua um pouco Ou seja, o que fica cada vez mais claro é que, com
a carga fiscal entre os que realmente podem pagar (e uma mudança, ainda que leve, na política monetária
privilegiando os que produzem e trabalham), a redução em curto prazo, uma reforma do Estado no médio e
dos juros a níveis civilizados, uma reengenharia total a ênfase na educação e na ciência no longo, podería-
da máquina do Estado (incluindo a suavização da sua mos, talvez, sair do dilema da estagnação e do empo-
imensa ineficiência e corporativismo, melhora do siste- brecimento contínuos. Se nos dedicarmos apenas ao
ma judiciário e da infra-estrutura pública, etc.) e uma primeiro e segundo níveis, poderemos ter até algum
reavaliação do sistema previdenciário, não há manei- crescimento, mas limitado.
ra de manter um crescimento econômico contínuo em Importante ressaltar, claro, como essa divisão que
médio prazo. Afinal, não há crescimento sem demanda fiz em questões de curto, médio e longo prazo é mera-
(= crescimento real de renda e/ou da capacidade de mente didática e não sugiro que devemos resolver um
endividamento em todos os setores sociais) e produ- deles para só depois seguir para o próximo. Tudo tem
ção (= maiores investimentos públicos e privados) e, que ser trabalhado ao mesmo tempo, ainda que haja
com esse Estado gigante e ineficiente, não há como nós mais imediatos a desatar e outros que, inevitavel-
isso ocorrer. mente, demandarão mais tempo.
Mas, imaginemos que se resolveu o problema Mas a realidade atual não indica que algo vá ser fei-
câmbio-juros e que a voracidade do Estado tenha sido to. A complexidade das reformas que este país precisa
ao menos contida. Tudo estaria resolvido? Não creio. é tamanha (como, por exemplo, articular aumentos de
Teríamos criado condições para um crescimento eco- despesas na educação com necessidade de diminuir os
nômico mais sólido e consistente e, provavelmente, custos do Estado e sem cortar outras despesas neces-
mais duradouro. Qualquer esforço, contudo, para fa- sárias ou obrigatórias?) e demandaria um custo político
zer que ele fosse ainda de melhor qualidade e, mais tal (ao abalar privilégios, tradições e idéias arraigadas)
especialmente, se revertesse em benefício real para a que não espanta que nenhuma força política pense nis-
sociedade, implicaria investimentos maciços, públicos to. Depois, a própria sociedade parece completamente
e privados, em educação e desenvolvimento científico conformada com o fato de estarmos parados no tempo,
e tecnológico. Eles só dariam retorno em médio e longo sem perceber que os problemas do dia-a-dia (violência,

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ECONOMIA BRASILEIRA

falta de dinheiro, más condições de vida, etc.) estão da área, como será seu caso assim que se formar, não
claramente relacionados com esta estagnação. pode desatualizar-se em um tema tão fundamental.
Realmente, para as elites, especialmente as fi- Assim, deixo-lhe a recomendação de que man-
nanceiras, tudo está muito bem e a concentração de tenha suas leituras e seus estudos em dia, para que
riqueza e poder em suas mãos é tamanha que tanto possa sempre assegurar sua independência de opi-
faz se a economia cresça ou não. Elas gostariam, pro- nião, atitude crítica e, sobretudo, ética em seu dia-a-dia
vavelmente, de ver a economia deslanchar, mas não profissional.
se o preço disto for a diminuição dos seus privilégios Muita sorte, ótimos estudos e muito sucesso! 
e prerrogativas e/ou a ponto de fazer, dessa questão,
algo realmente prioritário. Elas têm tudo o que preci-
sam e o futuro da sociedade como um todo, para elas,
é irrelevante.
As classes médias, por sua vez, submetidas à bru-
tal queda de renda e as mais afetadas pela falta de
dinamismo na economia, não conseguem se organizar
para defender seus interesses e se limitam a tentar sal-
var o possível, no mais completo individualismo e “sal-
ve-se quem puder”. Já a grande massa popular parece
satisfeita com as transferências de renda e a discre-
ta melhora das suas vidas nos últimos anos. Assim, a
questão não se coloca.
Realmente, foi criado, nos últimos anos, um arran-
jo político-social que permite que o tecido social não
se rompa. Os realmente ricos têm renda garantida via
mercado financeiro; os pobres, suas pensões e bolsas
e a classe média tenta salvar o que pode. O problema
é que não apenas esse arranjo é inviável em longo pra-
zo, como não leva realmente ao progresso e a melhora
da vida do conjunto das pessoas.
Assim, sou obrigado a compartilhar o pessimismo
manifestado pelo Paulo Roberto no seu texto. Estamos,
provavelmente, condenados à estagnação. E isso não
por imposição do imperialismo global (pois os exem-
plos da China, da Índia e vários outros indicam que é
perfeitamente possível prosperar no mundo globaliza-
do), mas por falta de vontade de realmente enfrentar o
problema. Claro, ninguém diz que resolver o “nó” da es-
tagnação econômica é fácil, pois, se o fosse, ninguém
optaria por isto. Mas o que choca é que a questão nem
sequer se coloca na nossa agenda, num conformismo
que é ainda mais lamentável.
Bem, meu caro aluno, chegamos ao final de nossa
disciplina. Como ela trata de questões econômicas, é
claro que dados e afirmativas dos experts no assunto
podem mudar, e mudam, com muita rapidez, o que tor-
na relativas algumas na área. Para estar sempre atuali-
zado com as mudanças, é essencial que você se man-
tenha muito bem informado. Até porque um profissional

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