Repleto de metáforas e ironias, o texto por vezes adquire um aspecto enigmático e que produz estranheza pelas
ideias articulados (como marxismo e teologia). É justamente através da fusão de conceitos e imagens que se
revalida o materialismo histórico – tão referenciado nas teses – e que somos convidados a refletir tanto sobre
conceitos consagrados quanto sobre o próprio modo de pensar, já que as associações pouco usuais rompem
com hábitos mentais nos quais estamos presos.
Dentre as criticas desenvolvidas ao longo do texto Benjamin ataca com veemência a concepção de que a
história se desenvolve através de um movimento mecânico que progride de modo
linear e necessário em apenas um sentido. Como na metáfora do
autômato (fantoche) que abre o conjunto de fragmentos, a história que é criticada opera como uma máquina
maniqueísta que conduz automaticamente à um destino que se apresenta como uma prisão. No lugar dessa
forma positivista de história, Benjamin propõe uma abertura da história, isto é, uma história que não conhece
o futuro e que está aberta às distintas possibilidades. A crítica ao conceito de progresso (que no texto é dirigida
ao progresso do capitalismo predatório e à uma visão evolucionista da história) deve ser pensada com cautela,
afinal, toda luta e militância têm por finalidade promover melhoras, trazendo de antemão embutido em si a
ideia de progresso.
Neste novo conceito, a história deve ser pensada como reminiscência, como um resgate militante que não
recupera um passado qualquer, mas um passado que interessa ao presente. Como o ponto de vista proposto
nesse olhar histórico é o do oprimido, interessa então resgatar aquilo que foi esquecido, que foi deixado de
lado por não fazer parte dos bens culturais que testemunham as vitórias dos opressores.
Com o resgate da história dos vencidos o texto encontra Foucault. O autor francês teorizou e operou esse
resgate, recuperando a figura e a história de sujeitos como loucos e presos que foram silenciados pela produção
científica ligada aos rituais de verdade promovidos pelos que exercem e exerceram o poder. Como numa
denúncia, Foucault resgata essas histórias escondidas por trás da história oficial, lembrando-nos que para
compreender a sociedade é necessário olhar para os modos como o conhecimento é construído e para o que se
esconde nessa construção. Em Benjamin não se trata de uma proposta metodológica ou de denúncia contra os
saberes consagrados; mais do que um novo modo de se escrever a história, encontramos aqui uma ação
militante.
A própria estrutura do texto coloca em prática o que o novo conceito de historia propõe, privilegiando o
fragmento em detrimento da linearidade. Do ponto de vista dos vencidos a história é uma sucessão de
catástrofes. Todavia, na busca pelo contínuo o historicista organiza os fragmentos numa linearidade artificial
que deixa para trás as rupturas que abalariam esse sentido único. O progresso é aqui justamente o movimento
que organiza todos os fragmentos em uma linearidade e que ignorar desvios e rupturas.
Na proposição de Benjamin a recuperação do passado passa por uma imagem – proposta que se espelha na
construção do texto. Atualmente vemos, de um lado, a negação da imagem em favor de outros sentidos e, de
outro, o excesso de imagens que produz uma super-estimulação dos sentidos, compondo a intensificação da
vida nervosa experimentada nas sociedades modernas de que nos fala Simmel. Para além desse excesso e de
sua negação, trabalhar com a imagem nesse resgate do passado é bastante prolífero sendo, no mínimo, coerente
com o caráter imagético da memória. Na reminiscências dos sentidos misturados é a imagem quem tem mais
força.
Na América Latina apesar da ampla e diversa, pouco conhecemos da produção audiovisual indígena. A figura
do índio atravessa tanto implícita quanto explicitamente diversas produções audiovisuais, mas ele é largamente
ignorado e quando aparece recebe o mesmo tratamento dado ao sertanejo, sendo pensado em oposição ao
urbano e não como um personagem dentro do caldeirão étnico nacional. Assim como o cinema, a história, a
arte e a cultura indígena não são discutidas ou conhecidas fora do campo antropológico. De modo geral, nos
países de língua hispânicas da América Latina o recalque do índio é menor do que no Brasil, mas o racismo e a
segregação entre campo e cidade são maiores, mesmo em nações como a Bolívia que passou por revoluções
marxistas.
Além da questão indígena a luta contra um modelo político econômico passa por diversas obras da América
Latina e também pode ser pensada como uma das múltiplas identidades dessas produções, identidade que
também se constrói a contrapelo e que convém ser pensada nessa reflexão sobre qual história contar do
cinema da América Latina.