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METODOLOGIA DE ENSINO:

FORMAÇÃO DO LEITOR
CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD
Metodologia do Ensino: Formação do Leitor – Prof.ª Ms. Célia Gaia e Prof.ª Marina
Aparecida Facirolli Goulart

Meu nome é Célia Gaia. Sou mestre em Estudos Comparados de


Literaturas de Língua Portuguesa pela USP/SP, Licenciada em Letras
e Pedagogia. No mestrado, pesquisei sobre a representação estética
no texto intersemiótico. Exerci os cargos de supervisão escolar e
direção de escola junto à Prefeitura Municipal de São Paulo.
Trabalhei para empresa privada de assessoria educacional como
monitora de cursos de formação permanente, subsidiando e
orientando as equipes escolares na elaboração e desenvolvimento
de projetos pedagógicos e projetos de área. Concomitante a estas
funções, lecionei Português em todas as séries do Ensino Fundamental e Médio. Há cinco
anos trabalho como professora do Claretiano na modalidade EAD nos cursos de
Pedagogia e Letras.
e-mail: celiagaia@claretiano.edu.br

Meu nome é Marina Aparecida Facirolli Goulart. Sou especialista


em Administração Escolar, Psicopedagogia e graduada em Letras.
Sou formadora do Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores – Letra e Vida. Fui coordenadora pedagógica em
uma escola de 1ª a 4ª série, em Franca e também atuei como
professora no curso de Pedagogia, no Centro Universitário
Claretiano, na modalidade EAD. Atualmente, trabalho com ensino
fundamental como professora de Língua Portuguesa. Sou uma
pessoa que sonha e deseja um mundo mais justo e solidário por
meio de uma educação de qualidade para todos.
e-mail: facirollig@yahoo.com.br
Célia Gaia
Marina Aparecida Facirolli Goulart

METODOLOGIA DO ENSINO:
FORMAÇÃO DO LEITOR

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

028.9 G131m
  Gaia, Célia
Metodologia do ensino: Formação do leitor / Célia Gaia, Marina Aparecida
Facirolli Goulart – Batatais, SP : Claretiano, 2013.
176 p.

ISBN: 978-85-8377-085-5

1. Literatura. 2. Leitura. 3. Leitor. 4. Formação. 5. Ensino. 6. Métodos. 7. Texto.


I. Goulart, Marina Aparecida Facirolli. II. Metodologia do ensino: Formação do
leitor.

CDD 028.9

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Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO........................................................................... 10
3 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 19

Unidade 1 – FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA DA LEITURA


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 21
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 21
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 22
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 22
5 OLHARES DESCONFIADOS PARA A PALAVRA.................................................. 24
6 GESTOS DE LEITURA.......................................................................................... 27
7 PASSOS INCERTOS DO LEITOR NO BRASIL...................................................... 31
8 O PROJETO DE LOBATO NA BUSCA DO LEITOR .............................................. 36
9 A LEITURA NO BRASIL ATUAL: RETRATO EM PRETO E BRANCO.................... 39
10 T EXTO COMPLEMENTAR................................................................................... 42
11 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 46
12 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 47
13 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 48
14 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 48

Unidade 2 – CONCEPÇÕES: LEITURA E LEITOR


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 51
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 51
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 52
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 52
5 O QUE É LEITURA?............................................................................................. 53
6 A LEITURA E A INTERAÇÃO TEXTO-LEITOR-AUTOR ....................................... 58
7 IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS DAS CONCEPÇÕES DE LEITURA..................... 63
8 LEITURA COMO OBJETO DE ENSINO .............................................................. 70
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 75
10 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 76
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 76
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 77

Unidade 3 – FORMAÇÃO DA CAPACIDADE LEITORA: FAMÍLIA E ESCOLA


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 79
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 79
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 80
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 80
5 FAMÍLIA E LEITURA........................................................................................... 81
6 LEITURA NA SALA DE AULA ............................................................................. 90
7 O PROFESSOR E A MEDIAÇÃO TEXTO-LEITOR................................................ 95
8 ALGUMAS CONCLUSÕES SOBRE A LEITURA NA ESCOLA............................... 101
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 102
10 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 103
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 104
12 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 104

Unidade 4 – ASPECTOS ENVOLVIDOS NA COMPREENSÃO DO TEXTO


ESCRITO
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 107
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 107
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 108
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 108
5 OS ASPECTOS EXTRALINGUÍSTICOS E A COMPREENSÃO TEXTUAL.............. 109
6 ESTRATÉGIAS: A FORMULAÇÃO DE HIPÓTESES ............................................. 120
7 SEQUÊNCIA DIDÁTICA ...................................................................................... 121
8 A INTERAÇÃO TEXTO, LEITOR, AUTOR NA COMPREENSÃO DO TEXTO:....... 134
9 A LEITURA NOS PCNS: ...................................................................................... 135
10 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 140
11 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 141
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 142
13 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 142

Unidade 5 – SUPORTES, ESPAÇOS E TEMPOS DE LEITURA


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 143
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 143
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 144
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 144
5 O LUGAR DO LIVRO DIDÁTICO NA SALA DE AULA ......................................... 145
6 O LUGAR DO LIVRO LITERÁRIO NA SALA DE AULA......................................... 149
7 BIBLIOTECA COMO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA .............................................. 155
8 LINGUAGENS AUDIOVISUAIS E LEITURA......................................................... 160
9 LEITURA, INTERNET E NOVAS TECNOLOGIAS................................................. 165
10 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 173
11 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 173
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 174
13 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 175
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Breve histórico da leitura no Brasil. Concepções de leitura e leitor. A formação
da competência leitora. A leitura na escola e a inevitável mediação do professor.
Leitura e construção do conhecimento. Possibilidades de leitura e perspectivas
dialógicas com outras linguagens. Considerações sobre a leitura do texto escrito.
Por que e como ler textos literários. O leitor entre o impresso e o eletrônico. Es-
paços para gostar de ler.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
É nossa intenção que este Caderno de Referência de Conteúdo
ofereça uma contribuição efetiva aos professores, ajudando-os a
repensar questões básicas e fundamentais para o aprofundamento
da reflexão sobre o ensino e a aprendizagem da leitura, questões
essas que preocupam a todos que se dedicam a ela.
É possível ensinar a ler? Em que consiste o Ensino da Leitu-
ra? Qual a importância da leitura na formação básica dos alunos?
Como os alunos aprendem a ler? Que processos cognitivos estão
implicados no ato de ler?
8 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Esses são questionamentos fundamentais para aqueles que


pretendem desenvolver uma prática fundamentada teoricamente.
É muito comum que professores apliquem "atividades de leitura"
sem uma reflexão mais aprofundada sobre o objetivo dessas ativi-
dades, com o agravante de que as ciências envolvidas nessa área
(linguística, psicopedagogia, sociologia etc.) apresentam constan-
tes renovações que os docentes não conseguem acompanhar.
Conceituar o que significa ler em uma sociedade cada vez
mais exigente de novas competências leitoras não é tarefa fácil,
pois exige pensar que lugar ocupa esse saber nessa sociedade.
Ensinar a ler tem por base não só o conhecimento do processo
leitor, mas também sua significação em determinado contexto so-
ciocultural. Nessa época tecnológica em que a informação circula
e se transforma rapidamente, a leitura significativa e compreensi-
va é cada vez mais exigida para o exercício da cidadania, trazendo
novas responsabilidades à escola como principal formadora dessa
competência.
O ensino da leitura, dentro desse novo contexto informacio-
nal, vai além dos limites da alfabetização e do ensinar a ler e escre-
ver. Desde o início do processo de escolarização, é necessário in-
cluir atividades de letramento, a fim de que o próprio processo de
leitura e escrita se torne uma oportunidade de adquirir informa-
ções úteis à melhoria dos níveis de vida, ou seja, torne-se uma ati-
vidade que promova a inserção social e a compreensão de mundo,
abrindo caminhos para novas aprendizagens. O ato de ler torna-se
um ato "real" que abarca todas as funções e todos os tipos de tex-
tos (verbais e não verbais) que circulam em nossa sociedade.
No entanto, para que o ensino escolar da leitura não seja
pautado em atividades rotineiras e mecanizadas e supere essa vi-
são da leitura como simples ato de decifração, faz-se necessário
superar alguns problemas que permeiam essa prática: aprender a
ler ou ler para aprender? Decifrar ou compreender? Trabalhar tex-
tos didático-informativos ou textos literários? Observar o conteú-
do ou a forma? Textos éticos ou estéticos? É fundamental enten-
© Caderno de Referência de Conteúdo 9

der que esses aspectos estão inter-relacionados e não se excluem


e, para vencer essas dicotomias, há que se inserir o aluno num
contexto real de leitura que lhe permita presenciar atos de leitura
dentro e fora da escola, proporcionando-lhe experiências leitoras
que o coloquem em contato com as mais diversas modalidades de
textos e suas relações com o meio e o mundo.
Neste sentido, ensinar e aprender a ler significa ir além da
oralização e, até mesmo, da compreensão do texto como um sis-
tema fechado em si mesmo, considerando a leitura como uma ati-
vidade discursiva que envolve a interação do leitor, do texto, do
autor e do contexto na produção de novos significados por meio
de uma atitude compreensiva e responsiva.
Neste Caderno de Referência de Conteúdo (CRC), o objetivo
será o de possibilitar uma reflexão acerca da situação de exclusão
social de muitos brasileiros que não possuem essa competência,
das implicações das concepções de ler no contexto escolar, da im-
portância do professor realizar uma mediação adequada a fim de
promover tempos e espaços efetivos de leiturização e da necessi-
dade da aplicação de estratégias de abordagem do texto escrito
que favoreçam o desenvolvimento de habilidades metacognitivas
de leitura.
Para uma melhor reflexão sobre os temas tratados neste
CRC, sugerimos a leitura atenta das unidades e a resolução das
questões autoavaliativas, a fim de que você conheça as principais
variáveis do Ensino de Leitura. Ainda que o objetivo seja a apro-
priação do conhecimento, esperamos que você a desenvolva de
forma prazerosa, produzindo novos significados para o que lhe
apresentamos.
Após essa introdução, apresentaremos, a seguir, no Tópico
Orientações para estudo, algumas orientações de caráter motiva-
cional, dicas e estratégias de aprendizagem que poderão facilitar
o seu estudo.

Claretiano - Centro Universitário


10 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem Geral
Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estu-
dado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará
em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma
breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões
no estudo de cada unidade. No entanto, essa Abordagem Geral
visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do
qual você possa construir um referencial teórico com base sólida
– científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profis-
são, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabi-
lidade social.
Destacamos alguns conceitos fundamentais nos quais é im-
portante que você, caro aluno, focalize sua atenção. Orientamos
para que procure sistematizar as concepções de leitura apresen-
tadas bem como as implicações pedagógicas desas concepções no
cotidiano escolar.
Outro conceito importante para o qual deve ficar atento é de
leiturização, termo empregado por Foucambert, como fundamen-
tal para que você perceba a importância da criação de espaços e
tempos no contexto escolar como forma de inserir a leitura num
contexto sociocomunicativo mais amplo que o da sala de aula. Ob-
servamos, também, a importância de se compreender que a leitu-
ra precisa fazer parte de um contexto real, sempre que possível, a
fim de se desescolarizar as práticas leitoras. Ressaltamos, ainda, a
importância da mediação docente na abordagem do texto escrito,
tomando como foco as estratégias cognitivas como base à meta-
cognição, ou seja, o processo de leitura autônoma.
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados em Metodologia de Ensino:
Formação do Leitor. Veja, a seguir, a definição dos principais con-
ceitos:
1) Discurso:
O discurso se concretiza no texto, mas se diferencia dele na medida
em que ultrapassa seus limites. O texto é o conjunto de regras or-
ganizadas e estruturadas segundo as normas da Língua, [...] permi-
tindo diferentes interpretações. O discurso é a idéia do enunciador
emanada do e pelo texto, lançada em direção ao enunciatário, per-
mitindo a ele relacioná-la a um determinado momento ou aconte-
cimento na constituição de um sentido1 (CANONICO, 2010, p. 24).

Assim, entender a leitura como uma atividade discursiva sig-


nifica entendê-la como uma atividade que envolve o texto em si, o
leitor com seus conhecimentos prévios e subjetividade histórica, o
contexto de produção e de leitura, a situação sociocomunicativa.
A leitura na visão discursiva envolve o autor, o leitor, o texto e o
contexto, enfim, todo o processo de enunciação e não apenas o
enunciado (o texto).
2) Estratégias de Leitura:
Kleiman (2004) define as estratégias de leitura como as ope-
rações regulares que o leitor realiza para abordar um texto. As
estratégias do leitor são classificadas em estratégias cognitivas e
estratégias metacognitivas. Segundo a autora,
O leitor (experiente) autônomo tem duas características básicas
que tornam a sua leitura uma atividade consciente, reflexiva e in-
tencional: "primeiro ele lê porque tem algum objetivo em mente,
isto, é, sua leitura é realizada sabendo para que está lendo, e, se-
gundo, ele compreende o que lê, o que seus olhos percebem se-
letivamente é interpretado, recorrendo a diversos procedimentos
para tornar o texto intelegível quando não consegue compreender
(KLEIMAN, 2OO4, p. 49).

Ou seja, ele é um leitor autônomo que automonitora sua ati-


vidade de ler.

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12 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Dentro dessa visão, o processo de leitura exige um conjun-


to de estratégias cognitivas e metacognitivas do leitor e seu ensi-
no exige que o mediador ajude o aluno a tornar esse processo de
compreensão consciente, desenvolvendo habilidades de verbali-
zação que estão implícitas nos automatismos. O professor pode
ajudá-lo a levantar hipóteses, inferências, a fazer antecipações e
verificações de seu pensamento.
3) Estratégias Cognitivas e Metacognitivas:
Segundo Kleiman (2004, p. 50):
As estratégias cognitivas de leitura seriam aquelas operações in-
conscientes do leitor, no sentido de não ter chegado ainda ao nível
consciente, que ele realiza para atingir algum objetivo de leitura. As
estratégias metacognitivas seriam aquelas operações (não regras),
realizadas com algum objetivo em mente, sobre as quais temos
controle consciente, no sentido de sermos capazes de dizer e ex-
plicar a nossa ação.
4) Gêneros do Discurso:
Os enunciados são como
fenômenos sociais, resultantes da atividade humana, caracteriza-
dos por uma estrutura pilar básica [...]. Um gênero do discurso é
parte de um repertório de formas disponíveis no movimento de
linguagem e comunicação de uma sociedade (OLIVEIRA. As colunas
de atualidades ­– um gênero do discurso. Disponível em: <http://
www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno05-06.html>. Acesso
em: 1 jul. 2010).

Para Bakthin (1992), o ser humano, em quaisquer de suas


atividades, serve-se de um gênero para se comunicar a partir de
seu interesse, intencionalidade e finalidade. A essas diferentes for-
mas de enunciados, ou seja, concretizações de um enunciado, o
autor denomina gêneros do discurso, como, por exemplo: carta,
bilhete, e-mail, conversa, palestra, música, poema, novela, conto,
crônica, romance, relatório, memorando, ata etc.
Comunicamo-nos por meio de gêneros. Cada esfera social
de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados. Por exemplo, em uma secretaria de uma escola,
vamos encontrar, mais comumente, recados, bilhetes, relatórios,
fichas, memorandos, ofícios etc. Já em um hospital, vamos encon-
trar outros gêneros: prontuários, receitas, circulares etc.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

É quase impossível definir quantitativamente os gêneros,


que se diferenciam e se ampliam rapidamente, como vemos hoje
o surgimento de novos gêneros: blogs, chat, twitter, msn, e-mail,
torpedos (diversas mensagens eletrônicas). Nas atividades de lei-
tura é importante trabalhar com a diversidade dos gêneros que
circulam socialmente.
5) Letramento:
Termo usado com a finalidade de
designar o estado ou condição de um indivíduo que não só sabe ler
e escrever - não só é alfabetizado - mas também sabe ( e tem prazer
em) exercer as práticas sociais de leitura e de escrita que circulam
na sociedade em que vive2 (SOARES, 2010).

Entende-se que a maior parte de nossa população, embora


hoje possa estudar e seja alfabetizada, não chega a ler. Segundo
Roxane Rojo, a escolarização, não tem formado leitores e produto-
res de textos proficientes, pois
as práticas didáticas de leitura no letramento escolar não desenvol-
vem senão uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas
práticas letradas exigidas pela sociedade [...] (ROJO, 2002, p. 30).

A autora considera, ainda, que:


ser letrado e ler na vida e na cidadania é muito mais que isso: é
escapar da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os
em relação com outros textos e discursos, de maneira situada na
realidade social; é discutir com os textos, replicando e avaliando
posições e ideologias que constituem seus sentidos; é, enfim, tra-
zer o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela (ROJO, 2002,
p. 31).
6) Leiturização:
Foucambert (1994, p. 30-35) propõe um processo de leituri-
zação, e não simplesmente, de alfabetização da população. Afirma
que, para aprender a ler, é preciso que a pessoa esteja envolvida
pela variedade linguística de escritos sociais, "encontrá-los, ser
testemunha de e associar-se à utilização que os outros fazem deles
- quer se trate de textos da escola, do ambiente, da imprensa, dos
documentários, das obras de ficção". Um dos aspectos mais pre-
ocupantes para a formação dos leitores é a divisão de classes que

Claretiano - Centro Universitário


14 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

leva alguns a serem leitores e outros não, pois estes últimos não
precisam da leitura para estabelecer seus modos de vida e suas
atividades. Fazer que todos sejam leitores é lhes oportunizar uma
vida que inclua a leitura e, para isso, é preciso um projeto políti-
co de democratização da sociedade. Assim, os professores devem
atuar no sentido de tornar a escola um espaço cultural que inclua a
leitura como uma de suas estratégias fundamentais para a inclusão
de todas as crianças e jovens neste universo. Por considerar que o
estatuto de leitor e o status social estão intimamente ligados, en-
tende que o não leitor é excluído das redes de comunicação escrita
por razões sociais e não técnicas, e seus não saberes fazem eco a
essa situação de exclusão. "Ou seja, é impossível tornar-se leitor
sem essa contínua interação com um lugar onde as razões para
ler sejam intensamente vividas" (FOUCAMBERT, 1994, p.31). Logo,
"para aprender a ler, o não-leitor deve relacionar-se com os textos
que leria se soubesse ler, para viver o que vive" (FOUCAMBERT,
1994, p.31), ou seja, participar de um processo de leiturização.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você
mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o
seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o
seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se


que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-
to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem. 
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é
você o principal agente da construção do próprio conhecimento,
por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações in-
ternas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por ob-
jetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o
seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja,
estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de co-
nhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo
(adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/eduto-
ols/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em:
11 mar. 2010).

Claretiano - Centro Universitário


CURSO: PROGRAMA DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE DOCENTES
16 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor
DISCIPLINA: METODOLOGIA DE ENSINO I: FORMAÇÃO DO LEITOR
AUTOR: PROFª MS. CÉLIA GAIA/ PROFª MARINA FACIROLLI GOULART
PREPARADORA: ALETÉIA PATRÍCIA DE FIGUEIREDO

FORMAÇÃO DO LEITOR

LEITURA

CONCEPÇÕES IMPLICAÇÕES
PROCESSO PEDAGÓGICA
S S

DECODIFICAÇÃO
ASCENDENTE ORALIZAÇÃO

COMPREENSÃO DESCENDENTE LEITURA DO TEXTO EM SI

INTERATIVO: ATIVIDADE DISCURSIVA:


DISCURSO AUTOR-TEXTO- COMPREENSIVA E
LEITOR-CONTEXTO RESPONSIVA

LEITURIZAÇÃO LETRAMENTO
O MEDIAÇÃO

LITERATURA ESTRATÉGIAS NOVAS


BIBLIOTECA DE LEITURA TECNOLOGIAS

Figura 1 Esquema de Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo de


Metodologia de Ensino: Formação do Leitor.

Como você pôde observar, esse Esquema dá a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre
um e outro conceito deste Caderno de Referência de Conteúdo e
descobrir o caminho para construir o seu processo ensino-apren-
dizagem. Por exemplo, o conceito de leitura implica posturas pe-
dagógicas e de mediação, consequentemente, na seleção desta ou
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

daquela estratégia para o ensino dessa competência. O desenvol-


vimento das teorias linguísticas faz que o conceito de leitura esteja
sempre em processo de reflexão, o que implica, também, o pro-
cesso de formação do leitor em relação às competências que de-
vem ser trabalhadas na escola. Por outro lado, o desenvolvimento
social baseado nas novas tecnologias e na informação propõe uma
revisão do que é ler, do que é ser leitor e do que é ensinar a ler na
sociedade atual, diante dos conceitos de leiturização e letramento.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EAD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados. Responder, dis-
cutir e comentar essas questões e relacioná-las com a prática do
ensino Metodologia de Ensino: Formação do Leitor pode ser uma
forma de você autorregular sua aprendizagem por meio da siste-
matização dos conceitos fundamentais do assunto tratado, o que
favorecerá sua preparação para a prova final, que será dissertati-
va. Mais ainda: é uma maneira privilegiada de você construir seu
conhecimento como um sujeito autônomo e responsável pela sua
formação profissional.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Claretiano - Centro Universitário


18 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Figuras (ilustrações, quadros...)


As ilustrações neste material instrucional fazem parte inte-
grante dos conteúdos; não são meramente ilustrativas. Elas esque-
matizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de
observar a relação dessas figuras com os conteúdos apresentados,
pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual
faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convi-
da você a um olhar mais apurado da educação como processo de
emancipação do ser humano. Procure ficar atento para as explica-
ções teóricas, práticas (do senso comum) e científicas presentes
nos meios de comunicação, e partilhe com seus colegas seus co-
mentários. Ao compartilhar o que observamos com outras pesso-
as, temos a oportunidade de perceber o que nós e os outros ainda
não sabemos, aprendendo a ver e notar o que não tínhamos per-
cebido antes desenvolvendo discriminações. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno dos Cursos de Graduação na modalidade
EAD e futuro profissional da educação, necessita de uma forma-
ção conceitual sólida e consistente. Para isso você contará com a
ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, principalmente
da interação com seus colegas. Sugerimos que organize bem o seu
tempo, realize as atividades nas datas estipuladas.
É importante que você anote suas reflexões em seu caderno
ou no Bloco de Anotações, pois no futuro poderá utilizá-las na ela-
boração de sua monografia ou de produções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje com o material didático, discuta a
unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

No final de cada unidade você encontrará algumas questões


autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e se foram significativos para sua forma-
ção. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, estes procedi-
mentos serão importantes para o seu amadurecimento intelectu-
al, assim como é o objeto do ensino da Filosofia.
Lembre-se que: O segredo do sucesso em um curso na mo-
dalidade Educação a Distância é PARTICIPAR, ou seja, INTERAGIR,
procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tu-
tores.

3. E-REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Mariana Morais de. As colunas de atualidades ­– um gênero do discurso.
Disponível em: <http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno05-06.html>. Acesso
em: 1 jul. 2010.

Indicação de referências conceituais - Glossário


1 – CANONICO, Joana Darc O. Jornal impresso e ensino de língua - uma abordagem
discursiva do texto jornalístico. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/
soletras/8sup/3.htm>. Acesso em: 3 jul. 2010.

2 – SOARES, Magda. Alfabetização: acesso a um código ou acesso à leitura? Disponível


em: <http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:EYSpCzKMvXwJ:www.todosnos.
unicamp.br:8080/lab/links-uteis/acessibilidade-e-inclusao/Alfabetizacao_Magda_
Soares.pdf+Termo+usado+com+a+finalidade+de+designar+o+estado+ou+condi%
C3%A7%C3%A3o+de+um+indiv%C3%ADduo+que+n%C3%A3o+s%C3%B3&hl=pt-
BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEEShW5o2Tb859Rcq0y1ynJgHMdznrjoWVaOLd7lP5zPXrc
BtJX3kiN0DQ68YyIKiUj6BrGfZpaWkrVwDVk2ouSS-zp0JC7jRINB3UX5rzsvHUmD644SlDq
fSXG9C-9twsff2t3GSx&sig=AHIEtbSKxnFePdOiSVIqiucUcK2kb-UbnA>. Acesso em: 1 jul.
2010.

Claretiano - Centro Universitário


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EAD
Fragmentos de uma
história da leitura

1
1. OBJETIVOS
• Compreender a construção histórica das práticas de lei-
tura.
• Entender as implicações sócio-culturais no processo de
construção do leitor.
• Reconhecer as diferentes funções da leitura por meio dos
gestos e olhares do leitor.
• Compreender como se deu a formação do leitor brasileiro
mediante marcas deixadas nas narrativas literárias.
• Analisar os desafios que se impõem ao mediador da leitu-
ra nos dias atuais.

2. CONTEÚDOS
• Surgimento da escrita e os olhares desconfiados para a
palavra.
22 © Metodologia de Ensino: Formação do Leitor

• Possibilidades e funções da leitura no contexto social.


• Construção do leitor brasileiro na perspectiva da narrati-
va literária.
• Lobato e sua contribuição para a formação do leitor bra-
sileiro.
• Leitura no Brasil atual e a dependência das mídias orais.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Ao iniciar seus estudos sobre Fragmentos de uma história
da leitura, é importante considerar as seguintes estratégias que
poderão potencializar sua aprendizagem:
1) Tenha sempre a mão o significado dos conceitos explici-
tados no Glossário e suas ligações pelo Mapa Conceitual
para o estudo de todas as unidades deste CRC. Isso po-
derá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho.
2) Os textos complementares podem ampliar seu conhe-
cimento. Há a indicação de um site que apresenta uma
pesquisa sobre a temática desta unidade e que pode
complementar os dados apresentados. Lembre-se de
que você é protagonista do processo educativo.
3) Observe que a evolução dos pensamentos sobre a lei-
tura mostra o quanto esta atividade está relacionada ao
contexto social e cultural da época e que a formação do
leitor é um processo inconcluso.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Tal como o próprio ato de ler, uma história da leitura salta para fren-
te até nosso tempo — até mim, até minha experiência como leitor
— e depois volta a uma página antiga em um século estrangeiro
e distante. Ela salta capítulos, folheia, seleciona, relê, recusa-se a
seguir uma ordem convencional (MANGUEL, 1997, p. 37).

Vivemos num viveiro de signos e é preciso interpretá-los se


quisermos entender o mundo atual. Assim, é preciso formar lei-
tores! Todos precisam ler! Mas que leitor formar? Que práticas
desenvolver para formá-lo?
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 23

Frequentemente, observamos que se mede o índice de lei-


tores pelos índices de alfabetização de uma população, conside-
rando a alfabetização como uma mera associação de fonemas e
grafemas. Contudo, sabemos que esse dado não dá a dimensão
exata do estágio de leitura de um povo, pois ele não revela a capa-
cidade de utilização social dessa competência. Há os que leem, ou
melhor, oralizam as letras, mas pouco ou nada entendem do que
leem.
Sabemos que ler como simples ato de decodificação ou ato
de instrumentalização para o exercício de "tarefas" não é suficien-
te. Um país precisa de uma massa crítica de leitores ativos, pes-
soas que se apropriem do "ato de ler" em toda sua plenitude. A
sociedade precisa de leitores, mas não quaisquer leitores. Estes
precisam, além de reelaborar criticamente um grande número de
informações, manipular uma diversidade de tipos e meios de lin-
guagens.
Dentre os espaços em que a escrita circula, ressaltamos a
importância do livro. Este indestrutível objeto que, como afirmava
Darcy Ribeiro, foi a maior invenção da História. Acrescentaríamos
à fala do educador: o livro foi a maior invenção da História, após a
escrita.
Em contrapartida, como nos diz Sant’ Ana (2006, p. 9), escre-
ver sobre "leitura" lembra os filmes com os títulos óbvios "O crime
no castelo", "A última vítima", "Morte ao entardecer", em que o
expectador já sabe o que vai acontecer, dada a previsibilidade do
tema.
É o que ele chama de "armadilha do óbvio" em que, por
uma questão de lógica, já se espera um discurso que ressalte a
importância da leitura enquanto um processo prazeroso, capaz de
"desencadear processos conscientizadores e produtivos na comu-
nidade".
Dentro do óbvio, estamos acostumados a ouvir que a leitura
tem um papel fundamental e decisivo junto às civilizações e que

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24 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

não há nação desenvolvida que não seja uma nação de leitores. Ou-
vimos também que a sociedade informatizada e globalizada precisa
de leitores capazes não só de assimilar e compreender informações,
mas também de processá-las em novos conhecimentos.
Você já deve ter percebido que há uma grande diferença
entre o "ledor" e o "leitor". E, para que não fiquemos no óbvio,
propomos a você, durante o desenvolvimento das unidades, a re-
flexão sobre alguns pontos importantes, pois não podemos formar
leitores se desconhecemos as concepções de leitura, os processos
pelos quais os "sujeitos" se apropriam desse ato, as condições e
políticas para essa formação.
Nesta primeira unidade, apresentaremos alguns pontos da
história da leitura, pois refazê-la integralmente seria impossível para
os objetivos deste curso. Como diz a nossa epígrafe, os dados não
são lineares e não obedecem a uma lógica convencional. São dados
que selecionamos em uma perspectiva individual de leitoras.

5. OLHARES DESCONFIADOS PARA A PALAVRA


Relembrando um pouco da história, é possível descobrir
exemplos em que a escrita e a leitura foram vistas com desconfian-
ça e até como algo negativo para a produção do conhecimento.
Zilberman (cf. PEREIRA, 2002) cita alguns exemplos dessa
rejeição da escrita e, consequentemente, da leitura. Relata que
Sócrates considerava deplorável o aparecimento da escrita, pois
com ele os discípulos perderiam a capacidade de memorizar. Na
obra Fedro (416 a. C), Platão elabora um diálogo entre seu mestre
Sócrates e Lísias em que deixa clara a teoria de rejeição à escrita.
Veja o que diz:
Sócrates: - (...) [A escrita] tornará os homens esquecidos, pois dei-
xarão de cultivar a memória; confiando apenas nos livros escritos,
só se lembrarão de um assunto exteriormente e por meio de sinais,
e não em si mesmos. Logo, tu não inventaste um auxiliar para a me-
mória, mas apenas para a recordação. Transmites aos teus alunos
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 25

uma aparência de sabedoria, e não a verdade, pois eles recebem


muitas informações sem instrução e se consideram homens de
grande saber embora sejam ignorantes na maior parte dos assun-
tos (Platão. In: PEREIRA, 2002, p. 15).

Assim como hoje se critica a internet como algo limitador


dos processos de aprendizagem da escrita e da leitura, observe
que o filósofo grego não aceitava a nova tecnologia da época, a
invenção do alfabeto e da escrita. Para ele, os jovens deixariam de
usar a memória e não seriam capazes de evocar o conhecimento
por si mesmo.
Esta valorização da oralidade fez com que nada tivesse deixa-
do escrito e que conheçamos seu pensamento somente por meio
de seus discípulos Platão e Xenofonte. No entanto, se olharmos um
pouquinho mais atentamente para o que afirma, podemos perce-
ber que ele critica, já naquela época, o ato de não se processar
as informações numa leitura compreensiva, encarando a escrita
como uma ferramenta para a simples recordação.
Platão, por sua vez, viveu as contradições de estar em um
período histórico de transição entre a oralidade e a escritura. Se
no fragmento anterior, por meio da fala de Sócrates, este defende
a composição oral em detrimento da escrita, mostra-se um escri-
tor que valoriza as releituras. Estudiosos afirmam que era dado a
correções e reorganizações de seus diálogos nos quais reproduzia
os intensos debates orais característicos da cultura da época, pois
entendia que os livros, apesar de semelhantes aos seres humanos,
não davam respostas às perguntas do leitor.

Curiosidade sobre Platão–––––––––––––––––––––––––––––––


Segundo testemunho de Denis de Halicarnasse, Platão escrevia e reescrevia
exaustivamente seus textos para alcançar o máximo de sua perfeição até os
últimos momentos de sua atividade intelectual (cf. R. Brague, Le Restant, Paris,
Les Belles Lettres, 1978, p.23).
De acordo com E. Havelock, essa nova linguagem platônica revela, como ne-
nhuma outra, a natureza da revolução da cultura grega, cujo anúncio coube ao
platonismo: ..."como diz o próprio Platão (Rep. 493e-494a): ‘para a maioria dos
homens é impossível contemplar a beleza em si em vez dos numerosos belos, ou

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26 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

qualquer" em si mesmo "específico, em vez dos numerosos particulares" (Prefá-


cio a Platão, Campinas, S.P., Papirus, p. 271).
In: SANTOS, Maria Carolina Alves. Platão e a questão da estrutura nas leis. Dis-
ponível em: <www.puc-rio.br/parcerias/sbp/pdf/13-mcarolinar.pdf>. Acesso em:
3 jul. 2010.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Zilberman (cf. PEREIRA, 2002, p. 16) cita ainda outro exem-


plo de rejeição à leitura: o de Arthur Schopenhauer, em 1851, bem
mais recente que o de Platão. Veja as palavras do filósofo do pes-
simismo:
Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu pro-
cesso mental. (...) O trabalho de pensar nos é, em grande parte,
negado quando lemos. (...) Durante a leitura nossa cabeça é apenas
o campo de batalha de pensamentos alheios. (...) Daí se segue que
aquele que lê muito e quase o dia inteiro, e que nos intervalos se
entretém com passatempos triviais, perde, paulatinamente, a ca-
pacidade de pensar por conta própria como quem sempre anda a
cavalo acaba esquecendo como se anda a pé (SCHOPENHAUER. In:
PEREIRA, 2002, p. 16).

Seguindo o raciocínio desse filósofo, poderíamos lançar para


esse pessimista convicto o questionamento filosófico: o que surgiu
primeiro o pensamento ou a palavra? Pensamos com palavras ou
sem palavras? O ovo ou a galinha? Eis um enigma insolúvel!
E para você perguntamos: O que você achou desses posicio-
namentos? Absurdos? Coerentes? Concorda com eles?
Como pode perceber, os dois autores explicitam que a lei-
tura de textos escritos exclui a possibilidade de pensar por conta
própria. Platão diz que a memória é substituída pela recordação.
Schopenhauer diz que a leitura nos impede de pensar e de ter
ideias próprias. Será? Será que ao andarmos a cavalo, esquece-
mo-nos de como se anda a pé? Não estariam esses dois críticos da
escrita e da leitura expondo uma concepção de leitura centrada na
decodificação e assimilação passiva de conhecimentos?
Mas, como veremos, ler é mais e mais. Ler não é somente
decifrar. Assim como no passado se questionou a escrita e o valor
da leitura, na atualidade se questiona a leitura que é realizada em
novos suportes tecnológicos (como por exemplo, o computador) e
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 27

sua associação a textos não verbais.


Quantas falas de educadores não alegam que nossas crian-
ças não mais leem e não sabem pensar em decorrência da televi-
são e do computador! Frases condenatórias desses dois veículos
de palavras e imagens, expressas em tom de amargura e crítica.
São elas fundamentadas ou reações diante do novo ou diante de
um posicionamento indevido, tais como as ideias de Platão e Sho-
penhauer? O que pensa você? Mais adiante aprofundaremos essa
reflexão.

6. GESTOS DE LEITURA
Para além da desconfiança e da rejeição, muitos amaram a
leitura. Seus instantes e gestos de leitura foram retratados na arte,
mostrando o quanto ela pode envolver inteiramente o ser humano
em seus instantes de isolamento, em seus diálogos com o outro,
em seus estudos, em suas imagens mentais.
Em contraposição aos filósofos vistos anteriormente, o escri-
tor Jorge Luis Borges considerava o livro uma extensão da memória
e da imaginação. Valorizava a biblioteca como a memória da hu-
manidade e como um local mágico que despertava a imaginação
humana. Aconselhava os alunos a não lerem críticas, e sim as pró-
prias obras em questão. Dizia que talvez compreendessem pouca
coisa, mas que sentiriam um prazer único e estariam ouvindo a voz
de alguém, já que cada autor tem a sua voz. "E, sobretudo, pedia
que lessem somente o que lhes agradasse, afinal a leitura atenta
e concentrada é uma das ‘formas de felicidade’." (cf. PASCHOAL,
2007. Disponível em: <http://www.ndc.uff.br/portaldereferencia/
noticias.asp?cod=1205>. Acesso em: 15 jul. 2008).
Também, Manguel (1997), em seu livro A história da leitura,
relata poeticamente os gestos de leitura que observa em diferen-
tes quadros de arte (ilustrações, pinturas, fotos etc.). Seleciona-
mos alguns para você, pois queremos que participe da aventura
prazerosa de ler com os olhos e com o coração.

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28 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Gestos de leitura em quadros de arte–––––––––––––––––––––

Fonte: Manguel (1997, p. 13).


Figura 1 Dois estudantes
islâmicos por um ilustrador
anônimo.

A caminho da escola de medicina, dois estudantes islâmicos do sé-


culo 12 param para consultar uma passagem num dos livros que
carregam (MANGUEL, 1997, p. 14).

Fonte: Manguel (1997, p. 14).


Figura 2 Menino Jesus
pregando no templo
por discípulos de Martin
Achongauer.

Apontando a página da direita do livro que traz aberto no colo, o


Menino Jesus explica sua leitura para os anciãos no templo, en-
quanto eles, espantados, não convencidos, viram inutilmente as
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 29

páginas de seus respectivos tomos em busca de uma refutação


(MANGUEL, 1997, p. 15).

Fonte: Manguel (1997, p. 17).


Figura 3 Uma cena na
floresta por Hans Toma.

Numa floresta de manchas de cor, sentado sobre um tronco cober-


to de musgo, um menino segura com ambas as mãos um peque-
no livro que lê em doce quietude, senhor do tempo e do espaço
(MANGUEL, 1997, p. 17).

Fonte: Manguel (1997, p. 17).


Figura 4 Jorge Luís Borges
por Eduardo Comesafia.

"Cego, Jorge Luís Borges aperta os olhos para melhor escutar as


palavras de um leitor que não se vê" (MANGUEL, 1997, p. 17).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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30 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Nesses gestos temos exemplos de diversas funções da leitura:


a) A informação compartilhada.
b) O debate e a réplica.
c) A catarse solitária.
d) O prazer pela palavra.
Todavia, o destaque é para o leitor como sujeito do ato de
ler. Seja no meio do caminho para uma parada em busca de in-
formações, seja no espaço social do púlpito para a leitura oral e a
pregação, seja no isolamento de sua leitura silenciosa, seja na voz
que vai sendo registrada mentalmente pelo escritor, é o leitor que
realiza o ato de atribuir significado às palavras.
Podemos deduzir que, nessas imagens, cada leitor faz sua
leitura sem cobranças que não as próprias, sem fichas para res-
ponder, sem provas para checar o entendimento, sem roteiros e
questionários que lhes determinem o caminho. Em nosso cotidia-
no a leitura também acontece de modo plural e por vários motivos:
ampliar o que se sabe sobre o mundo histórico e factual, buscar
diversão e descontração, satisfazer curiosidades, saborear a beleza
da linguagem etc. São as denominadas funções da leitura.
Por que será que esses gestos estão tão desaparecidos das
escolas? A escolarização da leitura fez desta um ato utilitário, diri-
gido somente ao ensinar. Os textos tornaram-se pretextos e ainda
estão fechados em si mesmos, em sua compreensão literal sem
ligação com a vida. Pura obrigação e imposição.
Abramovich (2008, p. 55), em texto apresentado para a ONG
Leia Brasil, apresenta a leitura como:
Embriaguez, volúpia, fissuração, mergulho vital e empurrante,
queixo caído com o inesperado, surpresa da descoberta de um jei-
to de ser que nem sabia que podia se ter, emoção escorregando
pelos poros, suspiros com a poetura... (ABRAMOVICH. Disponível
em: <http://www.leiabrasil.org.br/pdf/material_apoio/FannyAbra-
movich.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2008).
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 31

Para você refletir:–––––––––––––––––––––––––––––––––––––


Em que recantos escondidos das escolas encontramos esta dimensão da leitu-
ra? Onde estão os gestos de leitura de professores e alunos? Eis mais um ponto
para você pensar.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

7. PASSOS INCERTOS DO LEITOR NO BRASIL


O leitor é um personagem da modernidade, um produto da
sociedade burguesa que se livrou da dependência da aristocracia
feudal por meio da independência econômica e cultural que gerou
também uma independência em relação ao ato de ler. Antes se
dependia da voz performática de alguém, como, por exemplo, o
jogral medieval ou a tradição oral do "contar" histórias.
Muitos fatores foram importantes para o aparecimento da
noção individualizada de leitor, dentre eles destacamos:
a) A visão antropocêntrica renascentista.
b) O progresso tecnológico e o surgimento da imprensa.
c) A noção de família.
d) A expansão da escola e da pedagogia da alfabetização.
e) O surgimento das universidades, das bibliotecas e das
academias de escritores.
f) Deixou-se de depender da leitura oficializada dos letra-
dos aristocratas.
A família é um modelo em miniatura da sociedade idealizada
pela burguesia e é no seu interior que se intensifica o gosto pela
leitura por se consistir em atividade adequada ao contexto de pri-
vacidade própria da vida doméstica. É nesse espaço que a burgue-
sia fazia a leitura individual ou coletiva, silenciosa ou em voz alta,
do folhetim ou da Sagrada Escritura.
No Brasil, é em pleno Romantismo (século 19) que são cria-
das as condições necessárias para a formação e o fortalecimento
de uma sociedade leitora. Surgem as tipografias, as livrarias e as
bibliotecas que permitem os mecanismos mínimos para a criação

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32 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

e a circulação da literatura. Apesar da escolarização precária há


um esforço para melhorá-la e para ampliar o número de leitores. O
capitalismo e a criação do mercado permitem os primeiros passos
da profissionalização do escritor. O folhetim contribui significativa-
mente para a divulgação da ideia de leitura como forma de lazer.
Veja como José de Alencar fala da sua experiência pessoal
e nos revela a intimidade familiar burguesa da época romântica,
mostrando sua posição de leitor oficial da família e relatando que
seu contato com os romances se dava em uma sala de visitas cheia
de atentas senhoras:
Essa prenda que a educação deu-me para tomá-la pouco depois,
valeu-me em casa o honroso cargo de ledor, com que eu me des-
vanecia, como nunca me sucedeu depois no magistério ou no par-
lamento.
Era eu que lia para minha boa mãe, não somente as cartas e os jor-
nais, como os volumes de uma diminuta livraria romântica formada
ao gosto do tempo.
[...] Lia até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu
era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso, as pausas
para dar lugar às expansões do auditório, o qual desfazia-se em re-
criminações contra algum mau personagem ou acompanhava de
seus votos e simpatias o herói perseguido (ALENCAR, In: DE MAR-
CO, 1983, p. 6).

José de Alencar e outros românticos vão nos mostrar os pri-


meiros passos do nosso leitor que entra em cena só por volta de
1840, quando o Rio de Janeiro se transforma em sede da monar-
quia. Primeiros livros, primeiras tipografias, bibliotecas e livrarias
e primeiros leitores. E, tal qual se guia uma criança que começa a
andar, o escritor ampara seu leitor, buscando seduzi-lo, orientá-lo,
norteá-lo. A ajuda se faz, muitas vezes, dentro do próprio texto
com a conversa que o narrador estabelece com o possível leitor.
Lajolo e Zilberman (2003) mostram que, no início de nossa
história literária, as obras buscam o leitor, incluindo-o na narrativa
a fim de esclarecê-lo sobre alguns aspectos da narrativa. As educa-
doras afirmam que, diante de um leitor principiante, os narradores
se posicionam como permissivos e tolerantes. Para isso, eles reto-
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 33

mam eventos apresentados em capítulos anteriores, explicam o


aparecimento de novos personagens, resumem assuntos tratados
no início de capítulos etc. Enfim, abrem um diálogo com o leitor.
Veja este exemplo citado pelas autoras, retirado da obra
Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Al-
meida, em que o narrador chama o leitor para compreensão de
determinados aspectos da narrativa:
Os leitores estão lembrados do que o compadre dissera quando
estava a fazer castelos no ar a respeito do afilhado e pensando em
dar-lhe o mesmo ofício que exercia, isto é, daquele arranjei-me,
cuja explicação prometemos dar. Vamos agora cumprir a promes-
sa.
Os leitores terão talvez estranhado que em tudo que se tem pas-
sado na casa de Vidinha não tenhamos falado nesta última perso-
nagem; temo-lo feito de propósito, para dar assim a entender que
em nada disso tem ele tomado parte alguma (ALMEIDA. In: LAJOLO
e ZILBERMAN, 2003, p. 19).

Em A Moreninha, Joaquim Manuel de Macedo assume um


tom didático e esclarece seu leitor sobre a constituição de um sa-
rau. Ele procura informar o que é um sarau, posto que pressupõe
um leitor pouco participante dessa atividade cultural:
Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhados abaixo.
Em um sarau todo mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com
o copo de campanha na mão, os mais intrincados negócios; todos
murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lem-
bra-se dos minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza
dos regalos de sua época; as moças são no sarau como as estrelas
do céu: estão no seu elemento... (MACEDO, 1979, p. 80).

Mais adiante em nosso processo de formação do leitor, Ma-


chado de Assis, por meio das simulações das reações do leitor, vai
estabelecendo um diálogo de cumplicidade com este. Em suas pri-
meiras publicações, Machado de Assis dialoga com o leitor, como
se pode ver no conto "Questão de Vaidade". Conforme Lajolo e
Zilberman (2003, p. 20), ele "constrói um cenário em que o autor e
o leitor compartilham um ambiente comum, íntimo e propício ao
desfiar de histórias ficcionais e verídicas":

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34 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Suponha leitor que somos conhecidos velhos. Estamos ambos


entre as quatro paredes de uma sala; o leitor assentado em uma
cadeira com as pernas sobre a mesa, à moda americana, eu a fio
comprido em uma rede do Pará que se balouça voluptosamente, à
moda brasileira, ambos enchendo o ar de leves e caprichosas fuma-
ças, à moda de toda gente.
[...] Então o leitor que é perspicaz e apto para sofrer uma narrativa
de princípio a fim, descobre que eu também me entrego aos contos
e novelas, e pede que lhe forje alguma coisa do gênero.
[...] O leitor arranja sua pernas, muda de charuto, e tira da algibeira
um lenço para o caso de ser preciso derramar algumas lágrimas. E,
feito isto, ouve as minhas cartas e a minha narrativa.
Suponha o leitor tudo isso e tome as páginas que vai ler como uma
conversa à noite, sem pretensão nem desejo de publicidade (ASSIS.
In: LAJOLO e ZILBERMAN, 2003, p. 20-21).

Mas nem sempre o leitor construído pela ficção é um leitor


exemplar. Em outras obras, Machado deixa de lado o(a) leitor(a)
amigo(a) para substituir a identificação e a cumplicidade por uma
postura pedagógica bem acentuada. O leitor torna-se um bom alu-
no, um aprendiz. Este autor assume um tom professoral de quem
tem algo a ensinar:
Tudo esperava o outro, menos isto. Daí o espanto em que dissolveu
a cólera; daí também uma sombrinha de pesar, que é o que o leitor
menos espera. No capítulo X deste livro ficou escrito que os remor-
sos deste homem eram fáceis, mas de pouca dura; faltou explicar
a natureza das ações que os podiam fazer curtos ou compridos
(ASSIS. In: LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, 2003, p. 34).

Estes são os primeiros passos de um leitor que precisa se


firmar para poder caminhar sozinho. E ele vai amparado pela
benevolência do narrador, mas uma benevolência que tem seus
interesses na conquista do público para as obras. Os autores ro-
mânticos e realistas tinham consciência de que um sistema literá-
rio pressupõe a existência da tríade: autor, obra e leitor. Por isso
procuram envolver o leitor em suas narrativas, pois sabem que ele
não está preparado, e sim em formação.
Já no modernismo, segundo as autoras supracitadas, Má-
rio de Andrade apequena intelectual e socialmente o leitor que
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 35

permanece à espera do diálogo que não acontece nesta geração,


embora em certas passagens chame atenção do leitor ou contrarie
suas expectativas. Diz claramente que não vai atender às exigên-
cias do leitor:
Aqui leitor recomeça a ler este fim de capítulo do lugar em que
a frase do etc. principia. E assim continuará repetindo o cânone
infinito até que se convença do que afirmo. Se não se convencer,
ao menos convenha comigo que todos esses europeus foram uns
grandessíssimos canalhões.
[...] Não me amolem com histórias de concordância psicológica. Vo-
cês se esquecem do deus encarcerado?
(ANDRADE. M. Amar, verbo intransitivo. In: LAJOLO e ZILBERMAN,
2003, p. 43).

Ainda Lajolo e Zilberman (2003) afirmam que Graciliano Ra-


mos é o escritor que muda o patamar do leitor brasileiro, conferin-
do-lhe maturidade. Em sua obra São Bernardo estabelece-se um
verdadeiro diálogo entre o narrador (Paulo Honório) e o leitor. O
narrador (Paulo Honório), ao escrever sua história depois da morte
de sua esposa, faz uma autoavaliação de sua vida e a compartilha
com o leitor que, embora não seja nominado (está indeterminado
na terceira pessoa do plural), faz o papel de dublê de analista. A
tragédia do narrador é contada e este apela para o leitor como
uma forma de acreditar em si mesmo. Ele questiona ao leitor as-
sim como questiona a si mesmo. Observe sua conversa interroga-
tiva que inclui o leitor:
Já viram como perdemos tempo em padecimentos inúteis? Não era
melhor que fôssemos como os bois? Bois com inteligência. Haverá
estupidez maior que atormentar-se um vivente por gosto? Será?
Não será? Para que isso? Procurar dissabores? Será não será? (RA-
MOS. In: LAJOLO e ZILBERMAN, 2003, p. 51).

Como pudemos ver os escritores se dobram ao leitor e às


suas condições. A emancipação do leitor, ainda que tenha cami-
nhado, é inconclusa, na expressão de Lajolo e Zilberman (2003). A
história da leitura, vista pelos textos literários, narra o processo de
nascimento, desenvolvimento e emancipação do leitor que acom-
panha a modernização de nossa história.

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36 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

8. O PROJETO DE LOBATO NA BUSCA DO LEITOR


Agora vamos falar de alguém que lutou pela leitura no Brasil
e, por isso, merece destaque. Monteiro Lobato foi escritor, editor e
dono de livraria. Contudo, essas dimensões de sua atividade estão
todas ligadas ao seu objetivo maior: ampliar a massa de leitores no
Brasil. Lobato queria produzir conhecimento e torná-lo acessível a
um público sempre maior.
Em carta de 11 de janeiro de 1925, dirigida ao seu amigo
Rangel, ele diz: "estou a examinar os contos de Grimm dados pela
Garnier. Pobres crianças brasileiras! Que traduções galegais! Te-
nho de refazer tudo isso — abrasileirar a linguagem." (LOBATO,
1944, p. 453).
Lobato propõe mudanças tanto em relação ao conteúdo
quanto à forma para aproximar seus textos dos leitores: abordava
os temas que lhe interessavam e se utilizava de certos recursos es-
tilísticos que permitiam uma fácil apreensão por parte do público.
Como escritor renovou a linguagem, trouxe inovações estéti-
cas para o texto. Cultivou um estilo capaz de refletir uma oralidade
tipicamente nacional, livre das imitações e da erudição que predo-
minava até então. Simplificou a linguagem retirando os excessos
de ornamentos a fim de atingir diretamente o leitor.
Além da renovação estilística, sua literatura militante procu-
rava não só conquistar um público cada vez mais amplo, mas tam-
bém apontar para seus leitores os problemas do país e convidá-los
para a ação; Lobato preocupava-se com os destinos do seu país. E
isso já aparece no seu primeiro livro de contos, Urupês. Nele, Lo-
bato mostra a vida cotidiana do caboclo do interior de São Paulo,
com suas crenças, costumes e tradições.
Na linguagem, para aproximar o texto do leitor, ele cria ne-
ologismos, sobretudo, em sua extensa obra infantil. As onomato-
péias também preenchem esse universo de um jogo lúdico bem
ao gosto da criança. Faz a modernização das fábulas. Enfim, sua
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 37

maneira clara e direta de escrever tinha por objetivo ampliar o nú-


mero de leitores:
A literatura lobatiana valorizava os traços orais da linguagem, incor-
porando um cem número de expressões regionais, os coloquialis-
mos e brasileirismos típicos da fala popular – além dos neologismos
freqüentemente utilizados pelo escritor, negava veementemente o
rebuscamento exagerado, rompendo com a rigidez gramatical e a
fixidez da linguagem, e combatia a literatice que afastava os leito-
res dos livros. E é aqui que encontramos a contribuição lobatiana:
pela primeira vez, o público passava a ser parte integrante da obra
literária (PASSIANI, Enio. Na trilha do Jeca: Monteiro Lobato e a for-
mação do campo literário no Brasil, Disponível em: <http://www.
unicamp.br/iel/memoria/projetos/teses/tese9.doc>. Acesso em:
15 jul. 2008).

Lobato preocupou-se com o público, com aqueles que esta-


vam isolados da leitura, tornando-os parte do processo de produ-
ção literária como leitores-participantes. Além disso, seu projeto
de aproximação do leitor também previa as condições necessárias
para a aproximação do público e do livro, por isso abraçou a ativi-
dade no ramo editorial.
Antes de Lobato, livreiros, importadores e editores eram em
sua grande maioria filiais de grandes casas editoriais européias.
Lobato tinha consciência das deficiências de nosso país e escreve a
seu amigo Godofredo Rangel, em 1915: "não há livros, Rangel, afo-
ra os franceses. Nós precisamos entupir este país com uma chuva
de livros". (LOBATO, 1951, p. 420).
Lobato inicia uma revolução editorial. O primeiro passo dado
foi a compra da Revista do Brasil junto ao Estado de S. Paulo, em
1918, a qual vai utilizar como veículo de propaganda para os livros
que editava, e que acaba por se transformar num periódico im-
portante na medida em que reunia intelectuais de peso e debates
sobre assuntos brasileiros.
Segundo Koshiyama (1982, p. 72-73), "para aumentar a rede
de distribuidores, ele enviou cartas a cerca de 1200 endereços de
comerciantes propondo que aceitassem livros em consignação".
Para os livros vendidos, os comerciantes teriam 30% de comissão

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38 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

e se não, dentro de um prazo determinado, poderiam devolver a


mercadoria, sendo o frete pago pelo editor.
O sucesso da revista permitiu a Lobato, em meados de 1920, jun-
to com Marcondes Octalles Ferreira, fundar a Monteiro Lobato &
Cia. E, mais uma vez, Monteiro Lobato sacode o mercado edito-
rial. Disposto a transformar o livro numa mercadoria atraente, que
chamasse a atenção dos potenciais consumidores, ele é responsá-
vel por uma inovação sem precedentes dos seus aspectos gráficos
(PASSIANI. Disponível em: <http://www.ifcs.ufrj.br/~nusc/enio.pdf
>. Acesso em: 14 jul. 2008).

Ainda segundo Passiani (2008), Lobato tornou o livro uma


mercadoria de primeira necessidade, ampliando o público e fazen-
do com que este deixasse de ser um artigo de luxo, restrito a uma
pequena parcela da população. Ele desejava que o livro estivesse à
mesa e fosse consumido pelo maior número possível de brasileiros.
A originalidade do projeto literário lobatiano devia-se não só a sua
preocupação em aproximar público e obra, mas em criar canais
que possibilitassem o encontro entre o livro e o leitor, ampliando,
assim, o mercado consumidor de livros. Monteiro Lobato foi o es-
critor e o editor que pôs em prática uma concepção moderna de
literatura, que incluía o leitor como virtualidade presente no texto
(LAJOLO, 1983, p. 43).

Sua atuação literária e editorial tratou o bem cultural "litera-


tura" como algo que só ganha sentido à medida que é aceita e con-
sumida pelo público. Daí decorre sua intenção de fazer a literatura
responder às necessidades e desejos do público leitor. A recepção
do texto constituía uma preocupação importante quer em sua atu-
ação editorial quer em sua escrita.
Lobato, o editor, sabia que não havia apenas um público,
mas vários. Por isso, publicou livros didáticos, ensaios sociológi-
cos, romance, poesia, contos, novelas. Também como escritor leva
esse aspecto em consideração, dedicando-se aos contos, à litera-
tura infantil, à crítica literária e de arte, à crônica, ao ensaio e até
ao panfleto de cunho político.
Enfim, ele desejava atingir aquela massa de não leitores,
aqueles que estavam distantes dos livros. Tinha por meta a for-
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 39

mação e ampliação de um público leitor ainda inexistente no Bra-


sil. Sabia que a formação de um público leitor envolve mais que
intenções, envolve escritores e editores, além de outros agentes
sociais, tais como distribuidores, livreiros, políticas educacionais,
bibliotecas etc.
Desse modo, podemos concluir que Lobato foi duplamen-
te importante na formação do leitor brasileiro. Se de um lado,
preocupou-se com a renovação da linguagem, com a inclusão da
oralidade na escrita, com a criação de um universo infantil brasi-
leiro, com a relação contador e ouvintes na performance da voz e
conquista do leitor; por outro, preocupou-se também em ter uma
ação editorial revolucionária com a melhoria na distribuição dos
livros, a criação de uma editora nacional, e a publicação de obras
de escritores nacionais.

Para você refletir:–––––––––––––––––––––––––––––––––––––


Fundamentados nas atitudes de Lobato, em sua determinação e perseverança
para ampliar e propagar a leitura no Brasil, perguntamos: Como andam as po-
líticas governamentais e editoriais na conquista e na formação do leitor? Para
formar leitores precisamos da aproximação destes com os livros. Que projetos
temos nesse sentido? O livro é caro ou barato no Brasil? A população tem acesso
aos livros? Há um número suficiente de bibliotecas?
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

9. A LEITURA NO BRASIL ATUAL: RETRATO EM PRETO


E BRANCO
Ninguém expressa melhor a situação de grande parte dos
leitores brasileiros que a escritora Clarice Lispector em sua obra A
Hora da Estrela, por meio da personagem central Macabéa. Essa
mulher alagoana chega ao Rio, onde aluga um apartamento, se
emprega como datilógrafa e gasta suas horas ouvindo a Rádio Re-
lógio. É uma personagem cativa da voz que permanece alheia à
linguagem escrita, situação vivenciada ainda na atualidade por
grande parcela da população brasileira.

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40 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Macabéa ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Clarice narra que Macabéa ao acordar não sabia mais quem era. Sentia-se uma
"cadela" toda vadia numa cidade toda feita contra ela. Uma cidade que a ignora-
va. "Ninguém olhava para ela na rua, ela era café frio. Assoava o nariz na barra
da combinação. Não tinha aquela coisa delicada que se chama encanto. Só eu a
vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela."
O que cabe a esta datilógrafa que não entende o que datilografa? A tia lhe dera
um curso rápido de como bater à máquina e ela copia lentamente letra por letra,
numa simples atividade mecânica de datilografar. O que cabe a essa mulher que
depende do rádio para sua ligação com o mundo? Sua simplicidade faz com que
se encante com a da palavra "efemérides", palavra esta que também não enten-
de. A audição freqüente da Rádio Relógio tem por objetivo não só para saber as
horas, mas aprender curiosidades que acham lindas.
A falta de consciência de sua situação física ou psicológica faz com que seja
consumida pela sociedade moderna: gosta de colecionar anúncios; ouve rádio,
gosta de cachorro-quente e coca-cola. Observe que aí estão todos os elementos
da modernidade que a personagem consome inconscientemente. Cabia-lhe ape-
nas aceitar a existência sem a possibilidade de entendê-la.
Como diz o narrador do livro: "Não se tratava de uma idiota, mas tinha a felicida-
de pura dos idiotas. (...) Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto:
ela era capim". Nesse contexto de exclusão, ela não tinha a mínima possibilidade
de dignidade. Ela é "a vida que grita por si mesma, independente da opressão
e da marginalização social." (Disponível em: <http://www.livrosparatodos.net/
livros-resumos/a-hora-da-estrela.html>. Acesso em: 15 jul. 2008).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Vamos refletir um pouco sobre Macabéa e transpô-la para
os dias atuais:

Reflexão sobre Macabéa na atualidade––––––––––––––––––––


Como não associar tal personagem aos muitos outros personagens-vivos de
nossa realidade? Quantas pessoas no Brasil ainda não floresceram? Quantas
ainda são capim? Quantas ainda não dependem da oralidade do rádio e da
televisão? Quantas ainda são analfabetas funcionais que "lêem sem ler" assim
como Macabéa datilografava sem entender? Quantas ainda não estão alijadas
da internet? Quantas ainda não possuem acesso ao livro?
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O que se pode dizer é que a modernidade brasileira não che-


gou a todos e que o nosso processo de formação do leitor é desi-
gual e inconcluso. Mesmo em nossas "ilhas de prosperidade" ur-
banas, há toda uma periferia excluída de formação suficiente para
tornar seus habitantes em leitores.
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 41

Ainda em relação à não leitura de nossa literatura escrita,


Lajolo e Zilberman (2003) nos questionam se os escritores não es-
tariam participando de um sonho impossível diante do processo
de formação de nossos leitores e de nossa literatura criada antes
da letra e, por isso, contra a letra.
Segundo Condini (2008, p. 115), o Brasil "ostenta respeitável
posição na lista dos grandes produtores de papel impresso", mas
este é um número enganador, pois a quantidade de exemplares
publicados não corresponde nem a dois livros por habitante ao
ano. Apresenta-nos ainda um agravante para esta situação:
Objetivamente, o país carece de distribuidores — mais de setenta
por cento dos livros publicados ao ano são didáticos e sua distri-
buição ocorre basicamente entre janeiro e março —; o diminuto
número de livrarias, menos de 1.500 em toda a nação, tende a
diminuir; a ínfima quantidade de bibliotecas, aproximadamente
3.000 no Brasil inteiro, e todas elas sem verbas para a aquisição
e ampliação do acervo, tende agora a aumentar por força de um
programa governamental, o que, esperamos, dê certo; as tiragens,
com raras exceções, caíram progressivamente — em 1981 um livro
infantil tinha, em sua primeira edição, tiragens de 3 a 5 mil exem-
plares. Hoje, variam de 1,5 a 2 mil exemplares —, para uma popu-
lação que cresceu mais de 30 milhões de almas no mesmo período
(CONDINI, 2008, p. 116).

Como se pode perceber, o livro didático, distribuído gratui-


tamente pelo governo federal, é aquele que representa o maior
número nos dados de consumo, o que mostra que o povo brasi-
leiro tem a leitura vinculada ao sistema escolar. Se as publicações
infantis cresceram (não em tiragens, mas em número de títulos
publicados) é porque também estão vinculadas à escola. E o pior é
como a escola desenvolve essa leitura.
Enfim, a população brasileira pouco compra livros esponta-
neamente. Alguns autores nos apresentam um quadro pessimista,
tais como este de Silva:
A leitura vai mal porque a escola está indo muito mal... e a socieda-
de está pior ainda: desemprego, dependência, criminalidade cres-
cente, corrupção, miséria e fome. Nestes termos, a promoção da
leitura, com infra-estrutura coerente, e a formação de leitores, com
pedagogias adequadas, são apenas grãos de areia dentro de um

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42 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

vasto deserto que aumenta em expansão a cada ano que passa. O


redemoinho da esperança de alguns continua a varrer esse deser-
to, porém apenas deslocando a areia, sem alterações significativas
ou duradouras no árido cenário (SILVA, 2008, p. 51).

Se muitos brasileiros ainda dependem da oralidade, este fato


não é sem motivo. Veja o que dizem os estudos globais encomen-
dados pela UNESCO como importantes para o hábito de leitura de
um povo:
Ter nascido numa família de leitores; ter passado a juventude num
sistema escolar preocupado com o estabelecimento do hábito da
leitura; o preço do livro; o acesso ao livro e o valor simbólico que a
população lhe atribui (UNESCO, cf. FIORE, 2008, p. 106).

Essas são condições que precisam ser atacadas em conjunto


para a formação de uma massa crítica de leitores. Isso, se nossa
sociedade não quiser continuar a permitir a existência de muitas
"macabéas". Em que pese nossa simpatia e carinho por tão como-
vente personagem, não desejamos a sua situação a nenhuma de
nossas crianças e jovens.
A imprensa excluiu a performance da voz com seus gestos,
entonações e intensidades. Essa substituição do corpo (da pre-
sença física de um oralizador) pelos tipos impressos estabeleceu
o leitor individualizado como o conhecemos nas sociedades mo-
dernas. Mas o leitor enquanto sujeito de um ato de leitura com-
preensiva e crítica ainda precisa ser formado na sociedade brasi-
leira, pois muitos ainda não chegaram a experimentar o prazer da
leitura silenciosa e solitária. Ainda há espaço para a existência de
personagens tais como a "Dora" do filme Central do Brasil.

10. TEXTO COMPLEMENTAR


Em relação ao processo inconcluso de formação do leitor no
Brasil, percebemos que ainda temos um longo caminho a percor-
rer. Pesquisas recentes têm mostrado uma melhora na situação
referente à leitura, mas ainda constatam "a situação precária das
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 43

bibliotecas públicas e o baixo índice de leitura dos brasileiros1 [...]"


(FOLHA ONLINE, 2010). Muitos ainda se referem ao Brasil como
um país de não leitores, com grande parte da população consti-
tuída de analfabetos funcionais. Sobre esse aspecto, destaca Fou-
cambert (1994, p.14):
As pessoas dizem "Eu sei ler, mas me dá dor de cabeça quando leio
por muito tempo". [...] Hoje, portanto, as pessoas não são iguais
diante da escrita. Trinta por cento delas são leitoras e 70% (até me-
nos, já que 10 a 15% das pessoas voltaram a ser analfabetas) são
capazes de entender a escrita, mas despendendo esforços tão pe-
nosos que não recorrerão a qualquer texto se puderem encontrar
outros meios de informação. É mais ou menos como se comparás-
semos uma pessoa que aprendeu uma língua estrangeira morando
no país em que se fala aquela língua e quem a aprendeu na escola.
A convivência estreita com livros, o fato de retirá-los em bibliote-
cas, é atividade normal para quem é leitor; mas é uma atividade
necessariamente difícil para quem é decifrador. [...] O não leitor,
diante de um texto escrito, não o compreende diretamente. Vê-
-se obrigado a transformá-lo em mensagem oral; é essa mensagem
que ele entenderá. Este trabalho de transformação é extremamen-
te demorado e difícil, e não é possível, portanto, abordar dessa ma-
neira um livro de trezentas páginas.

Segundo um artigo da Folha de São Paulo, 18 jun. 2009:


Em uma pesquisa recente sobre hábitos de leitura, os brasileiros
ficaram em 27º em um ranking de 30 países, gastando 5,2 horas
por semana com um livro. Os argentinos, vizinhos, ficaram em 18º
(FOLHA ONLINE, 2010).

Ainda que essa situação seja constatada, percebemos que


há um esforço em estabelecer políticas públicas para um avanço
na competência leitora dos brasileiros, no entanto, entende-se
que "a indiferença dos brasileiros pelos livros tem raízes mais pro-
fundas", tais como os "séculos de escravidão que levaram os líde-
res do país a negligenciar a educação" (FOLHA ONLINE, 2010). Diz,
o artigo supracitado, que "a escola primária só se tornou universal
na década de 90" e que o rádio, veículo de comunicação oral, teve
uma presença constante na vida brasileira desde 1930. Chama,
também, a atenção para o fato de as bibliotecas e as livrarias ain-
da não terem conseguido emplacar, sem contar que a experiência
eletrônica chegou antes da experiência escrita.

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44 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Sugerimos que você acesse os dados de uma minuciosa pes-


quisa, realizada pelo instituto pró-livro, no site <http://www.pro-
livro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=48>. Acesso em: 27 jul.
2010. Clique em Pesquisa/ Retratos da Leitura no Brasil.
Você terá uma visão ampla de diversos aspectos relativos
à leitura e ao leitor no Brasil, tais como: quem mais influenciou
os leitores a ler; as motivações dos leitores para ler um livro; os
escritores brasileiros mais admirados pelos leitores; os gêneros
mais lidos; o que os brasileiros estão lendo etc.
Ressaltamos, aqui, alguns pontos da conclusão dessa pesqui-
sa:
• 1º ponto: o acesso é importante, mas não suficiente.
Os dados revelam que mesmo acontecendo o acesso ao livro, há
a necessidade de mediação, pois grande parte da população não
tem a "chave" para realizar uma leitura significativa que lhe pro-
porcione o prazer de ler, ou seja, não foi capturado pela leitura.
Há uma grande, enorme fatia da população que não conhece os
materiais de leitura, ou conhece muito mal. Há um claríssimo pro-
blema de acesso aos materiais de leitura, especialmente ao livro.
Mesmo tendo-os por perto, falta a descoberta, a volta na chave
que faz a súbita ligação e torna o sujeito capturado para a leitura.
Ele não descobriu a senha. Por isso mesmo, à frente da leitura (5º
ou 4º lugar, conforme o enfoque), depois apenas de ver televisão,
ouvir música e (às vezes) ouvir rádio, os entrevistados (mesmo os
mais novos) afirmam preferir ocupar seu tempo livre... descansan-
do!!! Ao mesmo tempo, a falta de tempo (com índices de às ve-
zes mais de 50%) é a alegação mais comum dos entrevistados, em
várias respostas, para tentar justificar o não envolvimento com a
leitura. Voltarei a esse dado mais adiante (INSTITUTO PRÓ-LIVRO.
Retratos da leitura no Brasil. Disponível em: <www.prolivro.org.br/
ipl/publier4.0/dados/anexos/48.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2010).

• 2º ponto: a família brasileira não é uma família leitora.


Tais informações parecem configurar um ambiente em que
a leitura não é socialmente valorizada, em que o livro não tem um
lugar assegurado. Tanto é que 86% dos não leitores nunca foram
presenteados com livros na infância, enquanto, no universo dos
considerados leitores, esse índice cai para 48%. Outra informação
importante diz respeito às práticas familiares de leitura. Nos lares
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 45

dos não leitores, 55% nunca viram os pais lendo. Se considerarmos


que a maior influência para a formação da leitura vem dos pais
(especialmente das mães). No entanto, dado o quadro de que os
pais dos entrevistados não têm instrução alguma (23%), cursaram
até a 4ª série do ensino fundamental (23%) ou têm fundamental
incompleto (15%), enquanto as mães sem qualquer escolaridade
são 26%, 22% fizeram até a 4ª série e 16% têm fundamental in-
completo, torna-se muito difícil a inculcação, pela família, do valor
da leitura.
Os dados da pesquisa confirmam a necessária e estreita relação
entre leitura e educação e, objetivamente, com a escola, primeira
encarregada da alfabetização e do letramento. Esse vínculo natu-
ral torna-se imperativo num país com as desigualdades sociais nos
níveis existentes em nosso país, onde a família não exerce o papel
de primeira e mais importante definidora do valor da leitura (INSTI-
TUTO PRÓ-LIVRO, 2010).

• 3º ponto: O papel da escola.


A escola tem um papel fundamental na formação do leitor,
sobretudo, no desenvolvimento da competência leitora e escritora
do aluno,pois sem as habilidades necessárias este não consegue
fazer uma leitura compreensiva e o ato de ler torna-se cansativo
e difícil.
Por isso, apesar de não ter um enfoque específico, a escola é ele-
mento constante, às vezes apenas subjacente, ao longo da pesqui-
sa e confirma a responsabilidade que recai sobre a escola (embora
não só sobre ela) na tarefa de reverter o índice de não-leitores no
Brasil, por meio de programas de alfabetização de jovens e adultos,
e pelo investimento em curto prazo e maior na valorização social
da leitura e do livro e no aperfeiçoamento do processo educacional
(INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2010).
As dificuldades de leitura declaradas configuram um quadro de má
formação das habilidades necessárias à leitura, o que pode decorrer
da fragilidade do processo educacional: lêem muito devagar: 17%,
não compreendem o que lêem: 7%, não têm paciência para ler: 11%,
não têm concentração: 7%. Todos esses problemas dizem respeito a
habilidades que são formadas no processo educacional. Esses dados
somam 42% do universo pesquisado. Para superar essas dificuldades,
seria necessário um esforço significativo por parte do poder público
na formação e aperfeiçoamento de professores de língua portuguesa
e mediadores de leitura (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2010).

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46 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

• 4º ponto: O papel das mídias.


Como ações que, com boa vontade, poderiam ser implanta-
das rapidamente e ajudar a melhorar o reconhecimento da leitura,
sempre levando os dados fornecidos pela pesquisa, seria interes-
sante propor:
a) Como a televisão (1º lugar, com a média de 78%) e o rádio (4º lugar,
média de 39%) são atividades muito freqüentes na vida do brasi-
leiro, seria importante, a curto prazo, multiplicar, nos veículos do
poder público, e apoiar (com incentivos fiscais, mesmo!), nos pri-
vados, bons programas de promoção de leitura, dos mais variados
formatos. Nesses programas, um enfoque importante seria a per-
cepção da leitura como lazer (ou "descanso").
b) Um dado que não me parece desprezível é o fato de que um núme-
ro razoável dos entrevistados se diz sensível, na escolha da leitura, a
influências. Um dos fatores que mais os influenciam nessa escolha
é a "dica" de alguém, além de levarem em conta críticas e resenhas
e a publicidade. Parece-me que teriam bom resultado publicidades
e campanhas que, ao invés de apresentar idéias "generalistas" e
abstratas sobre a leitura (Ler é a melhor das viagens, Ler é saber e
outras que tais), enfocassem obras e seus autores. (Lembre-se que
o tema, o título, a capa e os autores, nessa ordem, são poderosos
vendedores de livro) (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2010).

Como você pode ver, cada parcela da sociedade tem seu pa-
pel na formação de leitores. É interessante ler as conclusões e ob-
servar alguns gráficos, pois eles nos ajudam a enxergar melhor a
realidade. Não deixe de acessar o site!

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade, ou seja, da história da leitura. A autoavaliação pode ser
uma ferramenta importante para você refletir sobre sua apren-
dizagem. Se você encontrar dificuldade em respondê-las, procu-
re revisar os conteúdos estudados no Caderno de Referência de
Conteúdo. Não deixe, também, de consultar o site indicado para
melhor conhecer os dados que configuram a situação da leitura e
do leitor no Brasil.
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 47

Diante dos dados levantados, reflita sobre:


1) Como se deu o processo de formação do leitor no Brasil?
É um processo concluso ou inconcluso?
2) Ainda que observemos um aumento de projetos e ações
de incentivo à leitura, que estratégias poderiam ser utili-
zadas para ampliar a inclusão de uma parcela significati-
va da população brasileira no mundo da leitura?
3) Como transformar o grande número de ledores em lei-
tores?
4) Que políticas públicas você considera importantes para
mudar o quadro da leitura no Brasil?
5) Depois de ler a pesquisa, relacione alguns dados que
você considera terem importância para sua atuação do-
cente.

12. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao término da primeira unidade de Fundamentos
e Métodos de Ensino I: Formação do Leitor! Nesta unidade, co-
nhecemos alguns pontos da história da leitura.
A situação da leitura no Brasil enfrentou e enfrenta proble-
mas decorrentes do processo sócio-cultural: a tardia introdução da
imprensa no Brasil, a nossa tradição oral, a valorização dos livros
didáticos pelo mercado, a insuficiente preparação dos professores,
o pouco acesso dos alunos aos livros de ficção etc.
Ainda não fomos capazes de formar uma massa crítica de
leitores. Ainda temos que enfrentar a rejeição à leitura diante
de ideias preconceituosas de que ler é para pessoas diferentes e
talvez problemáticas. Ainda não aceitamos e incluímos a escrita e
seus diferentes suportes informatizados. Ainda não conseguimos
vencer a leitura escolarizada tão distante da vida em seus gestos e
imagens. Ainda lutamos pela conquista do leitor que tem que ser
guiado pelos narradores nas obras literárias. Ainda precisamos de
políticas governamentais que levem a cultura e a leitura a todos os
segmentos sociais. Ainda ... e ainda ...

Claretiano - Centro Universitário


48 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Pensando nestes aspectos é que fizemos esta retrospectiva


pouco convencional. Na próxima unidade discutiremos as concep-
ções de leitura e suas implicações pedagógicas. Nosso objetivo
não é lhe oferecer uma receita de atuação, mas sim, fazê-lo refle-
tir sobre aspectos importantes para sua atuação na sala de aula.
Fazê-lo sujeito de sua ação.

13. E-REFERÊNCIAS
ABRAMOVICH, F. Formação do leitor. Disponível em: <http://www.leiabrasil.org.br/pdf/
material_apoio/FannyAbramovich.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2010.
CONDINI, P. Afinal, a formação de que leitor? Disponível em: < http://www.leiabrasil.org.
br/pdf/material_apoio/paulocondinni.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2010.
FIORE, O. de. A formação do leitor: uma tarefa. Disponível em: <http://www.leiabrasil.
org.br/pdf/material_apoio/OttavianoFiore.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2010.
FOLHA ONLINE/ 2009. Retratos da leitura no Brasil vira livro. Disponível em: <http://
www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u58816.shtml>. Acesso em: 18 jun. 2009.
INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da leitura no Brasil. Disponível em: <www.prolivro.org.
br/ipl/publier4.0/dados/anexos/48.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2010.
LISPECTOR, C. A hora da estrela. Disponível em: <http://www.livrosparatodos.net/livros-
resumos/a-hora-da-estrela.html>. Acesso em: 15 jul. 2008.
PASCHOAL E. J. Carta maior: arte & cultura. Disponível em: <http://www.ndc.uff.br/
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PASSIANI, E. Na trilha do Jeca: Monteiro Lobato e a formação do campo literário no Brasil.
Disponível em: <http://www.ifcs.ufrj.br/~nusc/enio.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2010.
Sant’Ana, A. de R. Leitura: das armadilhas do óbvio ao discurso duplo/2006. Disponível
em: <http://www.gargantadaserpente.com/artigos / affonsoromano9.shtml>. Acesso
em: 14 jul. 2008.
SILVA, E. T. A formação do leitor no Brasil: novo/velho desafio. Disponível em: <http://
www.leiabrasil.org.br/pdf/material_apoio/ezequiel.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2010.

Chamada numérica
1 – FOLHA ONLINE. Leitura no Brasil é uma "vergonha", diz "The Economist". Disponível
em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u58816.shtml>. Acesso em: 1
jul. 2010.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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1959, vol. I, pp. 131 e 133. In: DE MARCO, Valéria. O império da cortesã. São Paulo:
Martins Fontes, 1983, p. 6.
© U1 – Fragmentos de uma história da leitura 49

ALMEIDA, M. A. de. Memórias de um sargento de milícias. Brasília: Editora Universidade


de Brasília, 1963, p. 37. In: LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura
no Brasil. São Paulo: Ática, 2003, p. 19.
ANDRADE, M. de. Amar, verbo intransitivo. Idílio 19. ed. BH e RJ: Vila Rica, 1993, pp. 61 e
100. In: LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática,
2003.
ASSIS, M. de. Histórias românticas: questão de vaidade. São Paulo: Mérito, 1959, pp. 7
– 9. In: LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática,
2003, pp. 20-21.
FOUCAMBERT, Jean. Leitura em questão. Tradução de Bruno Charles Magn. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994.
KOSHIYAMA, A. M. Monteiro Lobato: intelectual, empresário, editor. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1982.
LOBATO, M. A barca de Gleyre. São Paulo, Nacional, 1944.
_________. A barca de Gleyre. São Paulo: Brasiliense, 1. tomo, 1951.
MACEDO, J. M. de. A moreninha. São Paulo: Ática, 1979, p. 80.
MANGUEL, A. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
PEREIRA, V. W. (Org.). Aprendizado da leitura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
PLATÃO. "Fedro": diálogos. Vol.1. Tradução de Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Tecnoprint,
1966, p.262. In: PEREIRA, V.W. (Org.). Aprendizado da Leitura. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2002, p. 15
RAMOS, G. São Bernardo. São Paulo: Record, 1981, p. 206. In: LAJOLO, Marisa e
ZILBERMAN. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 2003, p. 51.
Schopenhauer, A. Sobre livros e leitura. Tradução de Philippe Humblé e Walter Carlos
Costa. Porto Alegre: Paraula, s.d. [1994] p.17-19. In: PERREIRA, Vera Wannamacher
(Org.). Aprendizado da Leitura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 16.
Zilberman, R. apud PEREIRA, 2002, p. 15. Platão. "Fedro"/ Diálogos. Vol.1. Tradução de
Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1966, p. 262. In: PERREIRA, Vera Wannamacher
(Org.) Aprendizado da Leitura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 15.
ZILBERMAN, R. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 2003.

Lista de figuras
Figura 1 – Dois estudantes islâmicos por um ilustrador anônimo. In: MANGUEL, 1997, p.
13.
Figura 2 – Menino Jesus pregando no templo por discípulos de Martin Achongauer. In:
MANGUEL, 1997, p. 14.
Figura 3 – Uma cena na floresta por Hans Toma. In: MANGUEL, 1997, p. 17.
Figura 4 – Jorge Luís Borges por Eduardo Comesafia. In: MANGUEL, 1997, p.

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EAD
Concepções: leitura e
leitor

2
1. OBJETIVOS
• Identificar as concepções de leitura e suas implicações na
prática pedagógica.
• Compreender a importância do leitor na construção do
sentido.
• Reconhecer o papel mediador do professor na formação
da capacidade leitora.
• Refletir sobre aspectos da leitura como objeto de ensino
e aprendizagem.

2. CONTEÚDOS
• Concepções de Leitura.
• A Leitura e o processo interativo: autor-texto-leitor- con-
texto.
• Reflexões sobre a Leitura como objeto de ensino.
52 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Esta unidade de estudo tem como propósito colocar você
frente a muitas indagações e reflexões a respeito da leitura. Ape-
sar da complexidade desta tarefa, consideramos importante o de-
bruçar sobre este tema, pois sabemos que a leitura ainda não é
vista em nosso país como uma prática social importante.
Você verá que conceituar ou definir leitura implica assumir
posições teóricas que precisamos conhecer para fundamentar
nossa prática educativa. Assim, propomos a você que:
1) Fique atento às concepções de leitura, como decodifica-
ção, interação texto-leitor e como atividade discursiva.
2) Procure resumir as ideias básicas de cada concepção
de leitura, percebendo as implicações pedagógicas que
acarretam no ensino dessa competência.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Só aprendi a escrever muito tempo depois, aos sete anos de idade.
Talvez pudesse viver sem escrever, mas não creio que pudesse viver
sem ler. Ler — descobri — vem antes de escrever (MANGUEL, 1997,
p. 20).

A revolução tecnológica e informacional tem modificado o


suporte das linguagens, mas ainda podemos afirmar que nada foi
criado até o momento capaz de substituir a "palavra escrita". Ela
ainda é a fonte principal de acesso ao conhecimento acumulado
historicamente pela humanidade.
Se freqüentemente ouvimos que o nosso subdesenvolvi-
mento deve-se à ignorância da população em geral, temos que
reconhecer que o domínio da leitura e a formação de um leitor
competente e crítico é um objetivo a ser perseguido por nossa
sociedade. É fundamental a transformação de grande parcela de
"ledores" em leitores competentes, capazes de ler criticamente a
realidade, as diferentes linguagens e obviamente a palavra escrita.
© U2 – Concepções: leitura e leitor 53

Ler, nesta perspectiva, exige capacidade de reflexão, argu-


mentação, e posicionamento diante do objeto de leitura. E é, so-
mente essa, a leitura que capacita a população para a produção
de bens, sobretudo, bens culturais. No entanto, como veremos ao
longo desse nosso diálogo, atingi-la envolve o desenvolvimento de
outras e fundamentais "leituras".

5. O QUE É LEITURA?
Ler é uma palavra que tem origem no latim "legere". Segun-
do Graça Paulino (2001, p. 11-12), há três maneiras de defini-la: a
primeira significa "contar", "enumerar as letras", a segunda "co-
lher" e a terceira "roubar".
Na primeira, soletramos, repetimos os fonemas agrupando-
os em sílabas, palavras e frases. É o ato primeiro da leitura, o pri-
meiro estágio.
Na segunda, "colher" implica na ideia de algo já pronto, com-
preendendo a tradicional interpretação de texto em que se busca
um sentido determinado.
Na terceira, há uma ideia de subversão, não se rouba com o
conhecimento do proprietário, logo essa leitura se faz à revelia do
autor, ou seja, acrescenta aos textos novos sentidos, a partir das
marcas presentes nele. O leitor constrói o seu próprio caminho.
Segundo Koch e Elias (2006), a concepção de leitura decorre
da concepção de sujeito, de língua, de texto e de sentido. É por
meio da consideração de um elemento ou outro que damos res-
postas diferentes a questões básicas relacionadas à leitura: O que
é ler? Para que ler? Como ler?
Os autores nos apresentam três focos principais que revelam
diferentes concepções de leitura: foco no autor, no texto e na inte-
ração texto-autor-leitor.

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54 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Foco no autor
Nesta abordagem o sujeito-autor é visto como um ego que
constrói uma representação mental e deseja que essa representa-
ção seja captada pelo interlocutor da maneira como foi mentaliza-
da. Assim, temos uma concepção de língua como representação
do pensamento de quem escreve e de texto como um produto
lógico do pensamento do autor. Diante desse entendimento, cabe
ao leitor captar passivamente essa representação mental, sem se
levar em conta as suas experiências e os seus conhecimentos, a
interação autor-texto-leitor com propósitos constituídos sócio-
cognitivo-interacionalmente. O leitor é um captador das intenções
do autor.

Foco no texto
Se partirmos de uma concepção de língua como código pré-
determinado a que os leitores se sujeitam, o texto é visto como
simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado
pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento
do código utilizado. Ler, nesta perspectiva, é reconhecer o que está
dito no texto, o sentido das palavras e a estrutura do texto. Tanto
nessa perspectiva, quanto na primeira, a leitura é uma atividade
de reconhecimento e reprodução.

Foco na interação autor-texto-leitor-contexto


Nesta perspectiva, temos uma concepção dialógica na qual
a construção do sentido acontece pela interação dos diversos ele-
mentos que participantes do processo. A leitura de um texto per-
mite ou dá lugar a toda uma gama de implícitos, deixando de ser o
sentido algo pré-existente a essa interação. A produção de sentido
leva em conta não somente os elementos linguísticos e textuais,
mas também a mobilização de saberes dos sujeitos. Conforme ex-
põem os autores citados no item anterior a leitura é, pois, uma
atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos,
© U2 – Concepções: leitura e leitor 55

que se baseia nos elementos linguísticos da organização da estru-


tura textual que requer também a mobilização dos saberes dos
sujeitos ativos e participantes.
Essas concepções de leitura têm influência direta na prática
pedagógica. Adotar uma ou outra concepção implica em assumir
uma posição metodológica que interfere na mediação que o pro-
fessor exerce entre o texto e o leitor.
Quando o professor opta por um trabalho pautado no reco-
nhecimento do conteúdo do texto, ele desenvolve atividades de
compreensão com questões que buscam as ideias expressas "no
texto".
Quando o professor opta por um enfoque estruturalista, ele
trabalha o código lingüístico de forma a revelar a organização in-
terna de um texto, como, por exemplo, a elaboração de questões
sobre aspectos de uma narrativa (personagens, ambiente, clímax
e desfecho).
Quando opta por um enfoque discursivo, sua proposta de
trabalho abre espaço para contribuições do leitor, elaborando
questões que levam em consideração diversos processos cogniti-
vos, tais como: antecipação, transformação, inferência, crítica, ex-
trapolação.
Os três principais enfoques têm relevância na construção do
sentido, mas é o enfoque discursivo centrado na interação do au-
tor-texto-leitor que é capaz de proporcionar uma leitura que leva
em conta as experiências e os conhecimentos do leitor e as condi-
ções sociais de produção e recepção. Se por um lado a interação
parte da materialidade linguística do texto, por outro, outros co-
nhecimentos são fundamentais para uma interação de qualidade.
Como nos diz o trecho a seguir, extraído dos Parâmetros Cur-
riculares de Língua Portuguesa:
A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de
compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos,
de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o

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56 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informa-


ção, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de
uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, in-
ferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o
uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo
lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compre-
ensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto su-
posições feitas. (Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º ciclos
do ensino fundamental: Língua Portuguesa/SEF-Brasília MEC/SEF,
1998, p. 69-70).

Por isso, não podemos desconhecer que a leitura é um pro-


cesso que se estende ao longo da vida, é inerente ao ser humano.
Vive-se lendo, recolhendo em nós os "sinais" que nos cercam. Le-
mos o mundo desde que nascemos. Estamos em constante pro-
cesso de descoberta e conhecimento, estabelecendo relações com
o mundo interior e exterior. E esse saber interage com o texto. A
leitura a seguir revela a diversidade de leituras do mundo que po-
demos realizar:

Leituras de Mundo–––––––––––––––––––––––––––––––––––––
"Ler as letras de uma página é apenas um de seus muitos disfarces. O astrôno-
mo lendo um mapa de estrelas que não existem mais; o arquiteto japonês lendo a
terra sobre a qual será erguida uma casa, de modo a protegê-la de forças malig-
nas; o zoólogo lendo os rastros de animais na floresta; o jogador lendo os gestos
do parceiro antes de jogar a carta vencedora; a dançarina lendo as notações do
coreógrafo e o público lendo os movimentos da dançarina no palco; o tecelão
lendo o desenho intrincado de um tapete sendo tecido; o organista lendo várias
linhas musicais simultâneas orquestradas na página; os pais vendo no rosto do
bebê sinais de alegria, medo ou admiração; o adivinho chinês lendo as marcas
antigas na carapaça de uma tartaruga; o amante lendo cegamente o corpo ama-
do à noite, sob os lençóis; o psiquiatra ajudando os pacientes a ler seus sonhos
perturbadores; o pescador havaiano lendo as correntes do oceano ao mergulhar
a mão na água; o agricultor lendo o tempo no céu — todos eles compartilham
com os leitores de livros a arte de decifrar e traduzir signos.
"[...] Todos lemos a nós e ao mundo a nossa volta para vislumbrar o que somos
e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender.
Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial.
Só aprendi a escrever, muito tempo depois, aos sete anos de idade. Talvez pu-
desse viver sem escrever, mas não creio que pudesse viver sem ler. Ler — des-
cobri — vem antes de escrever."
(MANGUEL, 1997, p. 19-20, grifo nosso).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U2 – Concepções: leitura e leitor 57

Todas essas experiências de leitura não são simplesmente


somadas às demais existentes, na verdade, obrigam todo o siste-
ma a se reorganizar, a reelaborar as experiências leitoras, os ques-
tionamentos e os conflitos despertados por elas. O leitor constrói
um sistema que explica, teoriza e organiza suas práticas.
Foucambert (1994, p. 5), um estudioso francês, diz que:
Ler significa ser questionado pelo mundo e por isso mesmo, signifi-
ca que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa
ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que inte-
gra parte das novas informações ao que já se é.

Podemos concluir que para a formação de um leitor que não


abandone a leitura ao sair da escola é fundamental a adoção de
uma concepção sócio-cognitivo-interacional de língua que privile-
gia os sujeitos e seus conhecimentos em processo de interação. A
compreensão é sempre, em certa medida, dialógica, pois, como
nos diz Bakhtin (1997, p. 338), a compreensão implica duas cons-
ciências, dois sujeitos: a consciência do outro e seu universo em
relação a minha consciência. Toda compreensão implica numa
relação interindividual capaz de produzir responsividade, ou seja,
um juízo de valor.
Koch e Elias (2006, p. 12), explicando essa visão de Bakhtin,
dizem que o lugar da interação é o texto, mas que o sentido não
está lá. O sentido é construído de acordo com as sinalizações tex-
tuais dadas pelo autor e os conhecimentos do leitor que deve assu-
mir uma atitude "responsiva ativa". "Em outras palavras, espera-se
que o leitor concorde ou não com as idéias do autor, complete-as,
adapte-as etc.".
Dessa forma, a leitura dialógica (aquela que capacita o lei-
tor a assumir um posicionamento diante do que lê mediante uma
postura "compreendente") envolve toda a complexidade de um
sujeito-leitor concreto e contextualizado, pois é ela que promove
novos saberes a partir do encontro do sujeito-leitor com o texto e
a pluralidade de vozes sociais que este detém.

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58 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

6. A LEITURA E A INTERAÇÃO TEXTO-LEITOR-AUTOR


Como já afirmamos, apesar da escrita estar sempre materia-
lizada num suporte (papel, tela de computador, out-door), o texto
inexiste sem a presença do leitor. É o leitor que constrói o significa-
do do texto, seja ele um texto literário ou informativo. Entre o que
o escritor pretendeu dizer e o que o leitor compreendeu, há um
entrecruzamento de vozes. O sentido de um texto constitui-se não
apenas no seu espaço fechado, mas nas suas correlações com ou-
tras leituras ou outros textos, tanto das vivências coletivas quanto
pessoais do autor e do leitor.
A experiência é, inegavelmente, a grande configuradora do
sentido. Todo texto dialoga com a cultura de sua época e de outras
épocas. Assim, a construção de seu sentido se dá pela experiência
do indivíduo com o contexto sócio-histórico-cultural sobre o qual o
texto se inscreve; como vamos ver no relato a seguir.

A construção do sentido por meio da experiência ––––––––––


"Tal como meu nebuloso ancestral sumério lendo as duas pequenas placas na-
quela tarde inconcebivelmente remota, eu também estou lendo, aqui na minha
sala, através dos séculos e mares. Sentado à minha escrivaninha, cotovelos so-
bre a página, queixo nas mãos, abstraído por um movimento da luz lá fora e dos
sons que se elevam da rua, estou vendo, ouvindo, seguindo (mas essas palavras
não fazem justiça ao que está acontecendo dentro de mim) uma história, uma
descrição, um argumento. Nada se move, exceto meus olhos e a minha mão que
vira ocasionalmente a página, e contudo algo não exatamente definido pela pa-
lavra texto desdobra-se, progride, cresce e deita raízes enquanto leio. Mas como
acontece esse processo?
A leitura começa com os olhos. ‘o mais agudo dos nossos sentidos é a visão’,
escreveu Cícero, observando que quando vemos um texto lembramo-nos melhor
dele do que quando apenas ouvimos. Santo Agostinho louvou (e depois con-
denou) os olhos como ponto de entrada do mundo, e Santo Tomás de Aquino
chamou a visão de o ‘maior dos sentidos pelo qual adquirimos conhecimento’.
Até aqui está óbvio para qualquer leitor: as letras são apreendidas pela visão.
Mas por meio de qual alquimia essas letras se tornam palavras inteligíveis? O
que acontece dentro de nós quando nos defrontamos com um texto? De que
forma as coisas vistas, as ‘substâncias’ que chegam através dos olhos ao nosso
laboratório interno, as cores, as formas dos objetos e das letras se tornam legí-
veis? O que é, na verdade, o ato que chamamos de ler?" (MANGUEL, 1997, p.
42, grifo nosso).
(...) O que tudo isso parece implicar é que, sentado diante do meu livro, eu, tal
como al-Haytham antes de mim, percebo não apenas as letras e os espaços
© U2 – Concepções: leitura e leitor 59

em branco entre as palavras que compõem o texto. Para extrair uma mensa-
gem desse sistema de sinais brancos e pretos, apreendo primeiro o sistema de
uma maneira aparentemente errática, com olhos volúveis, e depois reconstruo
o código de sinais mediante uma cadeia conectiva de neurônios processadores
em meu cérebro, cadeia que varia de acordo com a natureza do texto que estou
lendo e impregna o texto com algo – emoção, sensibilidade física, intuição, co-
nhecimento, alma — que depende de quem sou eu e de como me tornei o que
sou. ‘Para compreender um texto’, escreveu dr. Merlin C. Wittrock na década de
1980, ‘nós não apenas o lemos, no sentido estrito da palavra: nós construímos
um significado para ele’. Nesse processo complexo, ‘os leitores cuidam do texto’.
Criam imagens e transformações verbais para representar seu significado. E o
que é mais impressionante: eles geram significado à medida que lêem, construin-
do relações entre seu conhecimento, sua memória da experiência, e as frases,
parágrafos e textos escritos’. Ler, então, não é um processo automático de cap-
turar um texto como um papel fotossensível captura a luz, mas um processo de
reconstrução desconcertante, labiríntico, comum e, contudo, pessoal."
(MANGUEL, 1997, p. 53-54, grifo nosso).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

As pistas deixadas pelo escritor na trilha marcada pela mate-


rialidade do texto vão sendo desvendadas pelo leitor. O leitor, seja
iniciante ou experiente, encontra no texto marcas que o orientam
a uma leitura que se entrecruza com saberes oriundos de vários
lugares: do autor, de outros textos, do conhecimento da língua, de
mundo, de suas histórias de leitura, de suas experiências de vida.
São os chamados conhecimentos prévios. Tanto valem para o lei-
tor, como para o escritor.
Muito está inscrito nas obras, mas a forma como lemos e
o sentido que damos ao que lemos não estão a priori no texto.
O sentido não se produz automaticamente. Não há transferência
direta do conteúdo do texto ao leitor. O leitor faz seus próprios
movimentos, joga com as cartas que estão dadas na obra. A inter-
pretação não é arbitrária ou está totalmente dada na obra. Ela está
neste confronto, podendo ser atualizada dependendo do momen-
to histórico, diferenciando-se do momento de sua criação e das in-
tenções do autor, pois o leitor participa da construção do sentido.
Conforme Orlandi (1999, p. 25), "não há uma única forma de
leitor, mas uma variedade de leitores e, além disso, o próprio leitor
muda conforme as situações de linguagem".

Claretiano - Centro Universitário


60 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Diante desses aspectos teóricos quebra-se a tradicional pos-


tura da escola em que mediar a leitura centra-se numa concepção
neutra, numa visão de que todo o texto diz as mesmas coisas a
todos os alunos. Nesta concepção que trata "o texto em si mesmo"
e sem correlação com outros textos e contextos, o aluno é alguém
que vai recebendo e acumulando informações de diferentes frag-
mentos textuais para, posteriormente, desenvolver uma leitura
compreensiva e crítica.
Assim, a apresentação da leitura distancia-se da realidade e
do contexto cultural dos leitores, aparecendo como uma atividade
gratuita cujo único objetivo é ler por ler ou para aprender a ler. A
compreensão do texto é automatizada, sem espaços para questio-
namentos ou posicionamentos subjetivos.
As situações de aprendizagem, nesta visão, desconhecem
que é o leitor que atribui significado a um sistema de signos e que,
portanto, é preciso considerá-lo no processo de aprendizagem.
Ensina-se uma única maneira de ler e espera-se que a leitura re-
produza literalmente o que está escrito, acreditando-se que exista
uma só interpretação correta para textos.
A criança já é um leitor antes de seu processo de escolariza-
ção. Traz conhecimentos sobre código lingüístico, sendo sujeito e
protagonista de seu próprio processo de aprendizagem. Muitos são
os relatos de escritores que descobriram a palavra escrita num pro-
cesso de interação com os livros. Veja a experiência vivida pelo es-
critor Alberto Manguel nos seus primeiros contatos com a leitura.

A descoberta da leitura–––––––––––––––––––––––––––––––––
"Aos quatro anos de idade descobri pela primeira vez que podia ler. Eu tinha vis-
to uma infinidade de vezes as letras que sabia (porque tinham me dito) serem os
nomes das figuras colocadas sob elas. O menino desenhado em grossas linhas
pretas, vestido com calção vermelho e camisa verde (o mesmo tecido vermelho
e verde de todas as outras imagens do livro, cachorros, gatos, árvores, mães
altas e magras), era também, de algum modo, eu percebia, as formas pretas e
rígidas embaixo dele, como se o corpo do menino tivesse sido desmembrado
em três figuras distintas: um braço e o torso, b; a cabeça isolada, perfeitamente
redonda, o; e as pernas bambas e caídas, y. Desenhei os olhos e um sorriso no
rosto redondo e preenchi o vazio do círculo do torso. Mas havia mais: eu sabia
© U2 – Concepções: leitura e leitor 61

que essas formas não apenas espelhava o menino acima delas, mas também
podiam me dizer exatamente o que o menino estava fazendo com os braços e as
pernas abertas. O menino corre, diziam as formas. Ele não estava pulando, como
eu poderia ter pensado, nem fingindo estar congelado no lugar, ou jogando um
jogo cujas regras e objetivos me eram desconhecidos. O menino corre.
E contudo essas percepções eram atos que podiam acontecer com um estalar
de dedos — menos interessantes porque alguém os havia realizado para mim.
Outro leitor — minha babá, provavelmente — tinha explicado as formas, e, ago-
ra, cada vez que as páginas revelavam a imagem daquele menino exuberante,
eu sabia o que significava as formas embaixo dele. Havia um prazer nisso, mas
cansou. Não havia nenhuma surpresa.
Então, um dia, da janela de um carro (o destino daquela viagem está agora es-
quecido), vi um cartaz na beira da estrada. A visão não pode ter durado muito;
talvez o carro tenha parado por um instante, talvez tenha apenas diminuído a
marcha, o suficiente para que eu lesse grandes, gigantescas, certas formas se-
melhantes as do meu livro, mas formas que eu nunca vira antes. E, contudo, de
repente eu sabia o que eram elas; escutei-as em minha cabeça, elas se meta-
morfosearam, passando de linhas pretas e espaços brancos a uma realidade só-
lida, sonora, significante. Eu tinha feito tudo aquilo sozinho. Ninguém realizara a
mágica para mim. Eu e as formas estávamos sozinhos juntos, revelando-nos em
um diálogo silencioso e respeitoso. Como conseguia transformar meras linhas
em realidade viva eu era todo-poderoso. Eu podia ler"
(MANGUEL, 1997, p. 17-18).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

No relato de Manguel, o ato de ler envolve uma complexi-


dade de pensamento que vai além do decifrar as letras. Embora
possa parecer que a leitura aconteceu de forma natural, o contex-
to cultural favoreceu a descoberta: ele tinha um livro e modelo de
leitura (um outro leitor). Logo, sobressaem-se dois aspectos im-
portantes neste processo: a construção individual e a importância
da mediação. O acesso ao livro e a leitura da babá favoreceram a
descoberta da leitura.
No espaço escolar, é importante que o professor perceba
que "a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a
posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da lei-
tura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente.
A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica im-
plica a percepção das relações entre o texto e o contexto". (FREI-
RE, 2000, p. 11)

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62 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Muitas vezes, a escola desconhece o percurso anterior do


aluno e parte do nada, impondo a aprendizagem do código linguís-
tico de forma desvinculada da leitura da realidade e da experiência
do leitor. Mas, a significação e ressignificação da palavra e do texto
fazem parte do processo de construção e reconstrução contínuo
de nossa capacidade leitora que ultrapassa em muito a habilidade
de decifração de sinais.
Lemos diferentemente um mesmo texto em situações ou
momentos diferentes. Não somos os mesmos nem a realidade é a
mesma. Também lemos por muitas e diferentes razões, dependen-
do de nossos objetivos e necessidades, tais como as razões que
enumera Cordeiro:
(...) para se obter informações, seguir instruções, aprender ou res-
significar conteúdos, navegar na Internet, planejar uma aula ou
proferir uma conferência, produzir um texto, desenvolver o gosto
pela leitura, entreter-se, transitar por outros tempos e lugares reais
ou imaginários, escapar à realidade, ou por prazer estético, dentre
tantas razões que mobilizam o leitor, conforme seus múltiplos de-
sejos e as diferentes situações de comunicação impostas por um
dado contexto sócio-histórico-cultural (2004, p. 98).

Logo, o leitor recorre a muitas estratégias para construir o sig-


nificado de um texto, e o mediador deve estar atento a tais procedi-
mentos com a compreensão de que os processos cognitivos, sociais,
culturais e afetivos de cada leitor são acionados no ato de ler, de-
sempenhando um papel fundamental na sua formação leitora.
E aqui cabe destacar a distinção entre ledor e leitor, feita
por Perrotti (1999). Para ele, existe uma grande diferença entre os
dois. O primeiro pressupõe um ser passivo, imobilizado, que pouco
ou nada acrescenta ao ato de ler. O segundo participa da constru-
ção do sentido do texto e tem a possibilidade de ler as linhas e
entrelinhas, desvelando não apenas os sinais visuais, mas também
os sinais invisíveis que estão subentendidos ao texto.
Assim:
O ledor decifra mecanicamente os sinais, fazendo da leitura
um ato sem mistério ou criação e da compreensão do texto algo
© U2 – Concepções: leitura e leitor 63

definitivo e único. O leitor age e interage como sujeito capaz de se


posicionar diante de suas leituras, aspecto este que o ledor não
se arrisca a fazer. A subjetividade não pode ser excluída como nos
afirma a citação a seguir:
Pensar a leitura como formação implica pensá-la como uma ativi-
dade que tem a ver com a subjetividade do leitor: não somente
com aquilo que o leitor sabe, mas também com aquilo que ele é.
Trata-se de pensar a leitura como algo que nos forma (ou nos de-
forma ou nos trans-forma), como algo que nos constitui ou nos
põe em questão frente aquilo que somos (...) como algo que tem a
ver com aquilo que nos faz ser o que somos (LARROSA apud SILVA,
2007, p. 51).

Portanto, ler um texto impõe caminhos imprevistos ou não,


reveladores ou não, emancipatórios ou não, vindos de um outro
olhar ou lugar, às vezes, perigoso por distanciar-se da realidade, do
lugar social e da sensibilidade do leitor (PERROTTI, 2007). Assim,
é necessário que o professor conheça as possibilidades conceitu-
ais e metodológicas sobre a leitura para uma postura consciente
diante de sua prática fora das receitas limitadoras. Não se pode
esquecer que aluno e professor têm um percurso acumulado de
experiências que conformam suas subjetividades. E nem um nem
outro podem descartar o já vivenciado.
É a partir de seu saber que o professor vai, com múltiplos e
diversos olhares, ressignificando conceitos, reelaborando ou reor-
ganizando suas práticas de leitura e de escrita. É a partir dos atos
de leitura vivenciados pelo aluno que este progride na sua capaci-
dade leitora, pois ler é cumulativo e cada leitura nova baseia-se no
que o leitor leu antes.

7. IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS DAS CONCEPÇÕES


DE LEITURA
Assumir uma ou outra concepção de leitura implica adotar
essa ou aquela prática, mesmo que não se tenha consciência da
teoria que a sustenta. Nesse sentido, é preciso repensar o ensi-

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64 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

no da leitura nas escolas. As atividades escolares de leitura não


podem ter como base a simples decodificação, mas precisam ser
objetivadas tendo como foco uma leitura significativa.
Solé (2001, p.23) distingue dois processos básicos de proces-
samento da leitura: os "modelos hierárquicos ascendente – but-
tom up – e descendente – top down". O processo ascendente (but-
tom up) parte da menor unidade para a maior a fim de se construir
o significado por meio de um processo de análise e síntese das
partes presentes no texto.
O primeiro modelo ascendente – ou buttom up – exige que
o leitor leia, em primeiro lugar, as sílabas, depois, as palavras e,
em seguida, as frases para, mais tarde, completar com a leitura
do texto. E somente quando acontece todo esse processo o leitor
é capaz de compreender a escrita. As propostas de ensino basea-
das neste modelo atribuem grande importância às habilidades de
decodificação, pois consideram que o leitor pode compreender o
texto quando o pode decodificar totalmente. Essa concepção lei-
tora vigorou por séculos até que os novos avanços teóricos ques-
tionaram essas posturas. Camps e Colomer consideram que:
[...] apesar do reconhecimento espontâneo da afirmação ler é en-
tender um texto, a escola contradiz, com certa freqüência, tal afir-
mação ao basear o ensino da leitura em uma série de atividades
que se supõe que mostrarão aos meninos e às meninas como se
lê, mas nas quais, paradoxalmente, nunca é prioritário o desejo de
que entendam o que diz o texto. É muito comum, por exemplo,
escolherem como materiais de leitura pequenos fragmentos de
textos ou palavras soltas em função das letras que as compõem,
estudarem-se as letras isoladas e segundo uma ordem de aparição
preestabelecida, ou se mandar ler em voz alta com a atenção cen-
trada naqueles aspectos que serão valorizados e corrigidos priorita-
riamente: a precisão na soletração, a pronúncia correta, a velocida-
de de ‘fusão’ dos sons pronunciados, etc. (2002, p. 29).

Tal concepção centra-se num modelo ascendente, supondo


que o leitor começa seu processo leitor pelos níveis inferiores do
texto (sinais gráficos, palavras) para formar, sucessivamente, as di-
ferentes unidades linguísticas (frases, períodos) até chegar ao tex-
© U2 – Concepções: leitura e leitor 65

to. Assim, o aluno deve decifrar os signos, oralizá-los num processo


de constituição do significado que se faz pela soma das partes.
Esse processo revela uma recepção passiva do texto que não
considera os múltiplos aspectos da construção de um significado
para ele, pois se acredita que ler é um simples ato de tradução
dos grafemas em fonemas e que a compreensão advém da orali-
zação das unidades linguísticas das quais o leitor retira um signi-
ficado posteriormente. Essa concepção traz sérias implicações no
ensino da leitura. O professor acredita que a leitura oral carrega
o significado na medida em que se ganha velocidade e essa ativi-
dade amplia a compreensão. Decorrem dessa visão a insistência
em cartilhas e processos de silabação na alfabetização das crianças
pequenas ou da insistência na leitura oral de textos mais longos na
educação fundamental como forma de compreensão.
É muito comum, também, adotarem-se abordagens estrutu-
rais do texto que propõem exercícios minuciosos de entendimento
de pequenas partes dele, como se o aluno tivesse desenvolven-
do um processo de tradução na própria língua. Os livros didáticos,
normalmente, trazem um grande número de questões que envol-
vem simplesmente copiar, transcrever, citar alguma parte do tex-
to, ou que questionam a técnica de tratamento formal do texto.
Esses são pedidos de simples transcrição sob o pretexto de serem
atividades de interpretação.
Kleiman (2004, p. 20) pondera que atividades dentro dessa
concepção produzem leituras dispensáveis, uma vez que em nada
"modificam a visão de mundo do aluno". Alerta para a pouca signi-
ficância de atividades de leitura compostas de perguntas sobre al-
guma informação do texto, facilmente identificável numa passada
de olhos. Nesse sentido, aparecem as transcrições dos fragmentos
na medida em que estão lá para serem copiados como respostas
aos questionamentos.
O segundo modelo descendente – ou "top down" – par-
te do contrário: os elementos do texto são integrados da maior

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66 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

para a menor unidade. O conhecimento prévio e sua interação no


processo de leitura e compreensão do texto são enfatizados, sen-
do usados poucos detalhes do texto para construir o significado.
"Esse processamento é responsável pela formulação de hipóteses
de acordo com as expectativas do leitor, seu conhecimento prévio
e o contexto" (PEREIRA. Discutindo a leitura de alunos surdos. Dis-
ponível em: <http://cape.edunet.sp.gov.br/textos/textos/4.doc>.
Acesso em: 1 jun. 2010).
Podemos dizer que, nesse processo, o leitor não faz a leitura
de letra por letra, mas, sim, aciona seus conhecimentos prévios
para estabelecer antecipações sobre o conteúdo do texto. A par-
tir daí, confirma ou não essas hipóteses na verificação do texto.
Conforme Solé (2001, p. 24), quanto mais informação possuir um
leitor sobre o texto que vai ler, "menos precisará se fixar nele para
construir uma interpretação". Desse modo, "o processo de leitura
também é sequencial e hierárquico, mas, descendente, ou seja, a
partir das hipóteses e antecipações prévias, o texto é processado
para sua verificaçãoAs vantagens do processamento descendente
(que vai do leitor ao texto) são ressaltadas por Camps e Colomer
(2002, p. 30):
A intervenção do processamento descendente, o de cima para bai-
xo, é um componente necessário da leitura corrente. Permite ao
leitor resolver as ambigüidades e escolher entre as interpretações
possíveis do texto. É o conhecimento do contexto, nesse caso do
texto escrito, o que torna possível, por exemplo, decidir se uma fra-
se como "Já nos veremos!" contém uma ameaça ou uma expressão
de esperança. O conhecimento contextual incide também no trata-
mento outorgado aos elementos dos níveis inferiores.

No entanto, assim como não lemos palavras soltas, o ato de


leitura também não é um ato que desconhece as pistas deixadas
pelo texto. Um dos desvios dessa visão descendente, na escola,
é a consideração da decodificação ou da voz do autor como dis-
pensáveis, deixando de lado o trabalho com a alfabetização (nos
primeiros anos de escolaridade) ou a compreensão do texto (nos
anos que se seguem na educação fundamental). Assim, passa-se
© U2 – Concepções: leitura e leitor 67

a solicitar ao aluno que emita opiniões sobre o texto com apenas


uma leitura superficial, sem discutir e analisar as formas como o
autor tratou o assunto. É muito comum encontrarmos exercícios
em livros didáticos de opiniões pessoais e subjetivas que ignoram
o texto.
Kleiman (2004, p. 21) argumenta que, nessa prática, a ativi-
dade de "interpretação" precede à leitura, deixando de perguntar
a "opinião do autor" para perguntar a "opinião do aluno", subs-
tituindo questões como "o que o autor acha", "você acha que o
autor está certo", "você discorda ou está de acordo com o leitor"
por um simples "o que você acha".
A leitura interativa envolve esses dois processos. Os dois
processos são simultâneos na medida em que, quando uma pessoa
lê, parte de hipóteses sobre o significado do texto, mas busca-o nos
indícios visuais que ativam uma série de mecanismos mentais.
Em suma, ler, mais do que um simples ato mecânico de decifração
de signos gráficos, é antes de tudo um ato de raciocínio, já que se
trata de saber orientar uma série de raciocínios no sentido de uma
construção de uma interpretação da mensagem escrita a partir da
informação proporcionada pelo texto e pelos conhecimentos do
leitor e, ao mesmo tempo, iniciar uma série de raciocínios para con-
trolar o progresso dessa interpretação de tal forma que se possam
detectar as possíveis incompreensões produzidas durante a leitura
(CAMPS; COLOMER, 2002, p. 32).

Como podemos ver, não há como dicotomizar a leitura, já


que esses dois processos acontecem em interação. No entanto,
esse processo de interação autor-texto- leitor ainda desconhe-
ce outros aspectos da atividade discursiva que entram na leitura
compreensiva. Kleiman (2001) destaca, ainda, a importância de
acontecer um processo interativo, ou seja,
ambos os tipos de processamento interrelacionam-se no processo
de acesso ao sentido do texto. As diversas modalidades de conhe-
cimento (lingüístico, textual e de mundo) têm igual importância
na compreensão da leitura (PEREIRA. Discutindo a leitura de alu-
nos surdos. Disponível em: <http://cape.edunet.sp.gov.br/textos/
textos/4.doc>. Acesso em: 1 jun. 2010).

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68 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

A leitura pode ser desenvolvida como uma atividade discur-


siva. Nesta perspectiva, compreender um texto como um discurso
implica entender que, se o sentido está no texto, não está somente
nele. Lê-lo implica colocá-lo em relação a outros textos, outros dis-
cursos, e ainda, em relação a um contexto discursivo que envolve
"uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva,
sociocultural e interacional", capazes de possibilitar a construção
de um determinado sentido. Portanto, nesta perspectiva, "o sen-
tido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso de
uma interação" (KOCH, 2007, p. 30).
Ainda, segundo Koch apud Silva (2010) a leitura
[...] se realiza evidentemente com base nos elementos lingüísticos
presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas
requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior
do evento comunicativo (SILVA. Resenha. Disponível em: <www.
abralin.org/revista/RV6N2/13_resenha_wagner.pdf>. Acesso em:
2 jul. 2010).

Assim, o ato de ler extrapola o texto, implicando não só "ler"


as palavras do texto, mas também o contexto, o autor, as vivências
e os conhecimentos prévios do leitor, enfim, uma série de saberes
que envolvem esse evento comunicativo.
Dessa forma, a atividade de compreensão não decorre da
decodificação de estímulos visuais, ideológicos dentre outros,
mas implica um movimento de deslocamento do sujeito leitor.
Este deve, gradativamente, ultrapassar a camada mais aparente
do texto (aspectos temático-conteudísticos e estruturais-formais)
para estabelecer uma atividade de interlocução. Nessa interação,
a compreensão não advém do que está no texto ou do que o leitor
reflete no texto, mas do atrito da atividade de interlocução.
Vejamos o que diz Mortatti sobre a leitura como atividade
discursiva:
Por leitura, entendo uma atividade discursiva que envolve compre-
ensão como uma forma de diálogo entre leitor e autor, por meio do
texto; um processo de autoria de segunda ordem, que supõe um
texto já escrito para se produzirem sentidos e que envolve ainda a
© U2 – Concepções: leitura e leitor 69

história de leitura do leitor e do texto e demanda produção de sen-


tidos, que remetem a um sistema de referências e uma determi-
nada formação discursiva. Como lugar da enunciação e produto da
interação verbal, o texto é o objeto da leitura. E no texto — produto
de trabalho discursivo e intersubjetivo no nível simbólico — que a
língua se configura em sua "concretude". É o texto o "território co-
mum do leitor e do interlocutor (MORTATTI. Disponível em: <www.
alb.com.br/anais16/conferencias/07mariadorosariomortatti.pdf>.
Acesso em: 3 jul.2010).

Ensinar a ler, nesta perspectiva, envolve a possibilidade de


"transformar também os modos e conteúdos de pensar, sentir,
querer e agir dos sujeitos e sua capacidade de exercer a razão críti-
ca". Nem uma repetição parafrástica, nem uma extração de precei-
tos de autoajuda ou de receitas para o exercício de uma profissão
ou atividade cotidiana (MORTATTI, 2007, p.9). "Assim trabalhar a
leitura na escola, não significa ensinar a responder a perguntas
de um questionário, ou preencher ‘fichas de leitura’, ou ensinar
a fazer paráfrase/reescrita e resumo/colagem do conteúdo de um
escrito", conforme nos esclarece Mortatti (2007, p. 11, item 10):
[...] a opção por uma perspectiva interacionista de linguagem pro-
picia compreender que ensinar e aprender a ler não se justifica
apenas por finalidades pragmáticas e adaptativas. Essa perspectiva
teórica propicia ousarmos pensar em transformar/ampliar as pos-
sibilidades de uso e funções sociais do ler (e escrever), porque nos
propicia pensar na contribuição dessas atividades especificamente
humanas para o processo de constituição do sujeito que se consti-
tuem também como leitores de textos como quem busca atribuir
sentidos para a vida.

O que podemos concluir é que, nessa perspectiva, ensinar a


ler exige mobilizar os alunos internamente a fim de desafiá-los na
produção de um sentido para um texto, considerando informações
e mediações do professor em relação aos diferentes aspectos que
envolvem uma enunciação: o autor e seus objetivos e intenções, o
contexto do autor e da obra, a relação com outros textos, a situa-
ção sociocomunicativa, os objetivos do leitor, os aspectos formais
e temáticos do texto etc.

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70 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Para tanto, o professor deve estar atento às causas de uma


compreensão expressa pelo aluno que pode lhe parecer estranha:
o autor quis que seu texto abrisse um leque amplo de interpreta-
ções? O leitor tem pouco conhecimento sobre o assunto tratado?
Há elementos linguísticos desconhecidos pelos alunos que impe-
dem uma compreensão mais coerente? O aluno desconhece as-
pectos do autor que o ajudariam a desvelar sentidos possíveis para
aquele texto?
Dessa forma, se entendemos a leitura como um ato de apro-
priação, invenção, produção de significados, não podemos limitar,
mas, sim, ampliar possibilidades de leitura, pois, como nos diz Mi-
chel Certeau, "O leitor é um caçador que percorre terras alheias"
( CERTEAU, apud CHARTIER, 1999, p. 77). Nesse caminhar pelo
desconhecido, a melhor postura do professor é a dialógica, a fim
de entender as opções dos alunos.

8. LEITURA COMO OBJETO DE ENSINO


Acreditamos que as ações da escola em relação à leitura não
devem ter apenas o caráter utilitarista de simples aquisição de co-
nhecimento, mas serem direcionadas para o objetivo de capacitar
o leitor para utilizar textos, quer em benefício próprio, quer para
receber informações, quer por motivação estética, quer como ins-
trumento para ampliar sua visão de mundo, quer por puro e sim-
ples entretenimento.
Para tal, a mediação da escola, por se constituir o espaço
mais importante e formalizado, precisa encontrar meios de opor-
tunizar o acesso a diferentes tipologias e linguagens, permitindo
ao aluno diferenciar uma obra literária de um texto informativo;
apreciar tanto jornais quanto poesias; distinguir as diferentes fun-
ções da linguagem em uma pintura ou foto etc.
Formar esse leitor requer da escola e dos professores de Lín-
gua Portuguesa uma atuação que extrapole a leitura mecanizada e
© U2 – Concepções: leitura e leitor 71

escolarizada. Não basta apenas reconhecer letras e juntá-las, dan-


do significado à palavra. Também não basta entender as estruturas
de um texto. É preciso ir além. Para aprender a ler criticamente é
preciso aperfeiçoar o sistema de interrogação dos textos de que
precisamos, mobilizar o conhecido para reduzir o desconhecido,
ou seja, praticar atos de leitura dialógica.
Conforme Foucambert (1994, p. 30), para aprender a ler é
preciso estar envolvido num contexto em que a leitura esteja pre-
sente, em que se encontrem vários escritos (textos escolares, do
ambiente, da imprensa, dos documentários, das obras de ficção),
pois o leitor precisa ser testemunha e associar-se a utilização que
os outros fazem desses escritos. Afirma o autor: "é impossível
tornar-se leitor sem essa contínua interação com um lugar onde
as razões para ler são intensamente vividas — mas é possível ser
alfabetizado sem isso ...".
Um dos primeiros espaços de leiturização da criança é o
que a professora e autora Maria Helena Martins (1988) chama de
contato sensorial da criança com o objeto livro, que, segundo ela,
revela "um prazer singular". Na leitura, por meio dos sentidos, a
criança é atraída pela curiosidade, pelo formato, pelo manuseio
fácil e pelas possibilidades emotivas que o livro pode conter. É uti-
lizando "esse jogo com o universo escondido no livro" que se pode
estimular no pequeno leitor a descoberta e o aprimoramento da
linguagem, desenvolvendo sua capacidade de comunicação com o
mundo.
A leitura pode ser em qualquer idade uma ferramenta apro-
priada para construir-se a si mesmo, para dar sentido à própria
vida. Conhecer-se melhor, pensar na sua subjetividade e preservar
um sentimento de interioridade é uma tarefa que sugere intros-
pecção.
Eis um conto de Clarice que nos mostra toda a sua paixão
pelos livros, paixão esta que gostaríamos que todos vivenciassem,
sobretudo, nossos alunos.

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72 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Felicidade Clandestina–––––––––––––––––––––––––––––––––
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio ar-
ruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas.
Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com
balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de
ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo me-
nos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do
pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com
suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras
como "data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando
balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imper-
doavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu
com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as
humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os
livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura
chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Nari-
zinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para
se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de
minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que
ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não
vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num so-
brado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para
meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu
voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve
a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando,
que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem
caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam
mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando
pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria
era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com
um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não
estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais
tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com
meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido,
enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adi-
vinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando
mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando
danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes
ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã,
de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras,
sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
© U2 – Concepções: leitura e leitor 73

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silen-
ciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição
muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós
duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidati-
vas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo.
Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa
exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a
descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potên-
cia de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta,
exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo,
disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para
mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais
do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa,
grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na
mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como
sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas
mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa,
também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois
ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o
de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga,
fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instan-
tes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a
felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já
pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu
era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem
tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. In: "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro,
1998.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Tradicionalmente, em nossa sociedade a escola é moldada


para ensinar conteúdos acadêmicos, sem ter a preocupação de en-
sinar a ler e a escrever a partir do contexto cotidiano dos alunos.
Monteiro Lobato, um dos primeiros a buscar o lúdico na lite-
ratura, relembra que aprendeu muito mais geografia na leitura de
Daniel Defoe (Robinson Crusoé) e Júlio Verne (A volta ao mundo
em oitenta dias, Vinte mil Léguas submarinas) que em sua forma-
ção escolar:

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74 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Monteiro Lobato e o lúdico na literatura ––––––––––––––––––


Recordando minha vida colegial vejo quão pouco os mestres contribuíram para a
formação de meu espírito. No entanto, a Júlio Verne todo um mundo de coisas eu
devo! E a Robinson? Falaram-me à imaginação, despertaram-me a curiosidade
– e o resto se fez por si. Júlio Verne levou-me a Humboldt, e depois a geografia
e as demais ciências físicas e sociais. (...) entreabriu-me as cortinas do mundo
como coisa viva, pitoresca, composta de paisagens e dramas. De posse dessa
visão, e esporeada pela imaginativa, a inteligência ‘compreendeu e quis saber’
(...) A inteligência só entra a funcionar com prazer, eficientemente, quando a ima-
ginação lhe serve de guia. A bagagem de Júlio Verne, amontoada na memória
faz nascer o desejo de estudo. Suportamos e compreendemos o abstrato só
quando já existe material concreto na memória. Mas pegar uma pobre criança
e pô-la a decorar nomes de rios, cidades, golfos, mares, como se faz hoje, sem
intermédio da imaginação, chega a ser criminoso. É, no entanto, o que se faz!...
A arte abrindo caminho à ciência: quando compreenderão os professores que o
segredo de tudo está aqui?
(LOBATO, Monteiro. Recordando. In: Mundo da Lua. São Paulo: Brasiliense,
1959, p. 8-9. PEREIRA, Vera Wannmacher (Org.). Porto Alegre: EDIPUCRS,
2002, p. 18).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Pois é! Apesar de Monteiro ainda evidenciar uma concepção


de leitura que inclui o aprender, ele já sabe que esta não pode
ser uma aprendizagem mecânica na qual a simples informação é
a base para a memorização. Como diz ele: a inteligência só entra
a funcionar com prazer e quando a imaginação lhe serve de guia.
Mas como fazer para que nossas crianças se apaixonem por livros?
Como vivenciar a leitura como algo mágico?
A educação escolar pressupõe um desenvolvimento lingüís-
tico e uma exposição à leitura e à escrita que muitas vezes os alu-
nos não têm em sua prática cotidiana, o que torna o ensino escolar
descontextualizado e sem função social para o aluno.
A leitura tem uma função social e a escola tem como desafio
a construção da capacidade leitora. E isso acontece à medida que se
vive num meio sobre o qual é possível agir, discutir, decidir, realizar,
avaliar junto com os outros. O leitor tem a chance de se capacitar
para as práticas sociais e atuar de forma cidadã na sociedade.
Assim como o aluno, o professor também tem-se pautado
por uma prática de leitura pouco significativa ou, muitas vezes, por
© U2 – Concepções: leitura e leitor 75

uma não prática de leitura, dada as suas condições concretas de


trabalho. Mas fato é que para poder desafiar o aluno a ler é neces-
sário que o professor seja um bom leitor e que se inclua num uni-
verso social mais amplo. Sem um repertório diversificado de textos
dificilmente conseguirá fazer indicações de leitura a seus alunos.
Dessa forma, considerando que a formação de leitores é um
processo que se encontra em constante movimento de constru-
ção e reconstrução, precisamos enfatizar que os "atos de leitura"
têm um grande valor cultural, e praticá-los de forma envolvente
é apropriar-se de conhecimento, é desenvolver o senso crítico e
aprimorar a capacidade intelectual.
Por isso, a leitura deve ser vista e trabalhada pela escola
como um objeto de ensino e, para que se constitua também em
objeto de aprendizagem, é necessário que faça sentido do para
o aluno, isto significa, entre outras coisas, que esta deve cumprir
uma função que esteja de acordo com o propósito que ele conhe-
ce e valoriza.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você organize um quadro no qual registre as
principais ideias que foram discutidas nesta unidade:
Concepção de Leitura Fundamentos teóricos Implicação pedagógica
Modelo ascendente/ decodificação
Modelo descendente/leitor-texto
Interação autor-texto-leitor-
contexto
Leitura: atividade discursiva

Seu tutor não irá corrigir essa atividade, será apenas uma
forma de você sistematizar o que estudou. A autoavaliação pode
ser uma ferramenta importante para você refletir sobre seu pró-
prio processo de aprendizagem.

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76 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

10. CONSIDERAÇÕES
Neste nosso percurso, destacamos a importância da leitu-
ra como uma atividade que solicita a intensa participação do lei-
tor na construção do sentido, ou seja, que pressupõe a interação
autor-texto-leitor-contexto. Contudo, compreender não precisa,
necessariamente, ser um ato em que os conhecimentos do texto
e do leitor coincidam, mas, sim, um ato no qual possam interagir
dinamicamente.
A leitura não acontece fora da realidade social do leitor, pois,
como vimos na unidade anterior, ler possui diferentes concepções
de acordo com o contexto cultural e histórico no qual este ato está
envolvido, pois os elementos envolvidos na leitura (autor-texto-
-leitor-contexto) estão contextualizados numa determinada situa-
ção, momento histórico, campo ideológico e crença etc. Num ato
de leitura, uma pessoa pode entender mais do que outra, já que a
compreensão dependerá também dos conhecimentos individuais
que cada sujeito construiu ao longo de sua história de vida.
Desse modo, é abrindo espaços para uma leitura interativa e
discursiva que a escola pode formar leitores capazes de "atos de lei-
tura", e não simplesmente leitores com "hábitos de leitura" que, por
serem mecanizados, são abandonados logo que deixam a escola.

11. E-REFERÊNCIAS
LARROSA, Jorge. La Experiência de La Lectura. Barcelona: Laertes, 1996, p. 16. In: SILVA,
Ezequiel T. A formação do leitor no Brasil: o novo/velho desafio. Disponível em: <http://
www.leiabrasil.org.br/doc/doc_suporte/doc_simposio/defesa_soledad.doc>. Acesso
em: 24 jun. 2010.
MORTATTI, M. R. L. Armadilhas discursivas da leitura: contra a ditadura da idiotia.
Disponível em: <www.alb.com.br/anais16/conferencias/07mariadorosariomortatti.
pdf>. Acesso em: 24 jun. 2010.
PEREIRA. Discutindo a leitura de alunos surdos. Disponível em: <http://cape.edunet.
sp.gov.br/textos/textos/4.doc>. Acesso em: 1 jun. 2010.
SILVA. Wagner Rodrigues. Resenha. Disponível em: <www.abralin.org/revista/RV6N2/13_
resenha_wagner.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2010
© U2 – Concepções: leitura e leitor 77

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º ciclos do ensino fundamental: Língua
Portuguesa/SEF-Brasília MEC/SEF, 1998, p. 69-70.
CAMPS, Anna; COLOMER, Teresa. Ensinar a ler - Ensinar a compreender. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
CORDEIRO, Verbena Maria Rocha. Itinerários de leitura no espaço escolar. In: Revista da
FAEEBA/ Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I – v.I, nº I, pp.
95-102, jan./jun., 2004.
FOUCAMBERT, Jean. Leitura em questão. Tradução de Bruno Charles Magn. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994.
FREIRE, Paulo Freire. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2000.
KLEIMAN, A. Texto e Leitor - aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 2004.
KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2007.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2006.
LISPECTOR, Clarice. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
LOBATO, Monteiro. Recordando.In: Mundo da Lua. São Paulo: Brasiliense, 1959, pp. 8 e
9. PEREIRA, Vera Wannmacher (Org.). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.MANGUEL, Alberto.
Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura? São Paulo: Brasiliense, 1988.
Orlandi, Eni Puccinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1999.
PAULINO, Graça et al. Tipos de texto e modos de leitura. Belo Horizonte: Formato Editorial,
2001.
PERROTTI, E. Leitores, ledores e outros afins (apontamentos sobre a formação do leitor).
In: PRADO, J; CONDINI, P. (Org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro:
Argus, 1999, p. 31-40.
ROCCO, M. T. F. A importância da leitura na sociedade contemporânea e o papel da escola
nesse contexto. Série Idéias, nº 13. São Paulo: FDE, 1994, p. 37-42.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Editora Artmed, 2001.

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EAD
Formação da
capacidade leitora:
família e escola
3
1. OBJETIVOS
• Reconhecer a importância do papel mediador da família e
da escola na interação leitor-texto.
• Compreender o papel da família como primeira e princi-
pal mediadora da leitura afetiva.
• Analisar as práticas desenvolvidas na sala de aula e suas
implicações na formação do leitor.
• Identificar as possibilidades de atuação capazes de rom-
per com as práticas utilitaristas de leitura.

2. CONTEÚDOS
• Importância da leitura no contexto familiar.
• Análises práticas de leituras desenvolvidas em sala de
aula.
• Possibilidades de atuação docente na mediação da leitura.
80 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


O modo como cada um lê depende da sua finalidade. Um
dos objetivos de uma leitura para se apropriar de um conhecimen-
to é buscar suas ideias centrais. Assim, orientamos você a realizar
a leitura desta unidade com foco nos itens a seguir. Anote-os numa
folha ou num arquivo e, durante a leitura, vá registrando aspectos
que considere relevantes dentro de cada um deles.
1) A família e a formação de leitores.
2) A importância da leitura afetiva no meio familiar.
3) Problemas nas práticas de leitura na escola.
4) Possibilidades de atuação do professor na formação do
leitor.
Ao final, escreva um parágrafo no qual expresse sua visão
pessoal do assunto. Boa leitura!

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
[...] o leitor é caçador que efetua saques em campos alheios, ten-
tando assim acalmar sua fonte de sentidos e significações. A errân-
cia é seu destino já que onde vislumbra novos sentidos lá está ele
pronto para um novo saque. (CERTEAU; PERROTTI, 1999, p. 32).

Na unidade anterior, identificamos as concepções de leitura


e suas implicações na prática pedagógica. Conhecemos, ainda, a
importância do leitor e o papel mediador do professor na forma-
ção da capacidade leitora.
Os mediadores de leitura podem ou não desencadear o di-
álogo entre autor/obra/leitor/contexto. Ler compreensivamente
acontece em uma relação dialética na medida em que o leitor dei-
xa de ter uma atitude passiva e assume uma postura de interlocu-
tor que responde e reage diante de uma representação de uma
outra subjetividade, a do autor.
Nesse sentido, o desempenho da família e da escola (primei-
ros e principais mediadores da leitura) é de suma importância na
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 81

constituição do leitor, pois são os grandes responsáveis pelo início


dessa interlocução, pela abertura a posicionamentos diante do ob-
jeto livro. Mas como ensinar a ler sem ser um leitor?
Sabemos que esses mediadores também precisam descobrir
a paixão de ler, experimentando e participando de "atos de leitu-
ra". As famílias brasileiras não leem e os professores leem muito
pouco. Pais e professores precisam se apropriar do ato de ler.
A leitura só se torna prazer quando nos oferece possibilidade
de exercer nossa capacidade de pensar e sentir. E isso parece im-
possível com tantos roteiros, perguntas e respostas, testes e exer-
cícios que fecham e direcionam a compreensão.
Observamos, em nossa prática de professoras, que em nos-
sas salas de aula sobressai-se a leitura informativa, motivada por
exigências pragmáticas e sem motivação ou significado para uma
subjetividade. A leitura, como fruição e prazer, anda longe do con-
texto escolar. Raramente as salas de aula provocam lembranças
agradáveis de leitura.
Entretanto, é inegável que a escola é para as crianças e jo-
vens a grande referência em relação à leitura. Esta pode assumir
um papel maior ou menor na formação do leitor, dependendo de
como se transforma em um espaço de leiturização, oferecendo
oportunidade às crianças e jovens de contato com o livro e demais
suportes de escrita.
Nesta terceira unidade, abordaremos o quanto a família e a
escola influenciam na formação do leitor. Partimos das premissas
de que os precisam ser estimulados a conviverem com a leitura e,
os professores, independentemente da disciplina com a qual tra-
balham, precisam ser professores de leitura.

5. FAMÍLIA E LEITURA
Sabemos que é primordial a influência da família na aprendi-
zagem e na formação do indivíduo como ser social. A família exer-

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82 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

ce influência sobre o comportamento infantil, expresso nos valores


pessoais, nas atitudes sociais e na conduta da criança. Uma família
pode despertar para o desejo de aprender ou para o desinteresse,
a apatia. Crianças isoladas, com pouca oportunidade de interação
de verem e ouvirem pessoas falando com elas, podem ter seu de-
senvolvimento prejudicado.
Outro fator importante é a afetividade. A aprendizagem não
se dá apenas no plano cognitivo, envolve, além da inteligência,
aspectos orgânicos, corporais, afetivos e emocionais. Segundo o
estudioso da afetividade humana Wallon (1971), a emoção é o
primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos. É fundamental
observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois são
constitutivos da atividade emocional. Vejamos o que ele afirma:
[...] meios de ação sobre as coisas circundantes, razão porque a sa-
tisfação das suas necessidades e desejos tem de ser realizada por
intermédio das pessoas adultas que a rodeiam. Por isso, os pri-
meiros sistemas de reação que se organizam sob a influência do
ambiente, as emoções, tendem a realizar, por meio de manifesta-
ções consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o
indivíduo e seu entourage (WALLON, 1971, p. 262, grifos nossos).

Entourage––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Entourage: as pessoas que nos rodeiam, com quem convivemos; esfera ou meio
em que se vive; roda (Cf. Aurélio, 2004).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Todas essas funções precisam ser consideradas no processo


de aquisição de qualquer aprendizagem. A aquisição da leitura
não foge a estes princípios. Assim, o contexto familiar é o espa-
ço privilegiado de iniciação da formação do leitor. Muitos autores
acreditam que um leitor se forma em casa.
Um outro estudioso dos processos de aprendizagem,
Vygotsky, (apud OLIVEIRA, 1992) entende que o conhecimento do
mundo objetivo ocorre quando desejos, interesses e motivações
aliam-se à percepção, memória, pensamento, imaginação e vonta-
de, em uma atividade cotidiana dinâmica entre parceiros.
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 83

Estes dois teóricos têm em comum um ponto: demonstram,


cada um a sua maneira, que as manifestações emocionais de ca-
ráter orgânico vão ganhando complexidade, passando a atuar no
universo simbólico. E essa ampliação de uma emoção orgânica
para uma emoção simbólica é a base dos fenômenos afetivos. Da
mesma forma, defendem a íntima relação que há entre o ambien-
te cultural/social e os processos afetivos e cognitivos, além de afir-
marem que ambos se inter-relacionam e se influenciam mutua-
mente. Assim, a afetividade tem um papel fundamental para que a
criança acesse o mundo simbólico.
Desses pressupostos podemos inferir que é na família que
se pode privilegiar a leitura afetiva. Experiências de adormecer no
colo da mãe ouvindo cantigas e acalantos, experiências de ouvir
histórias de fadas e contos maravilhosos na voz carinhosa de um
dos familiares, experiências de folhear livros coloridos com ilustra-
ções divertidas, todas essas e muitas outras fazem a diferença na
formação de um leitor. Todas essas lembranças infantis perduram
como momentos concentrados de emoção. O poeta Ezra Pound
nos diz que "só a emoção perdura". E Fanny Abramovich nos fala
dessa emoção inicial:
A iniciação com as maravilhanças de uma história acontece, em ge-
ral, adentrando pelos ouvidos da criancinha. É a voz da mãe, do
avô, do tio visitante, da primeira professora que chama sussurrante
para a gostosura de se embalar na lindura dum conto de fadas, num
episódio da Bíblia ou na magia duma lenda, dum poema brincante,
na aventura de outra criança parecida com ela... Se a história for
acalentadamente contada o encanto envolve abraçante e o gosti-
nho de quero mais e mais... permanece marcadamente e marcado
(ABRAMOVICH, 2007, p. 53 ).

É também quase que unânime a aceitação de que crianças e


jovens em contato com adultos-leitores (e não simplesmente ledo-
res) têm muito mais chances de se tornarem leitores. Aqui, vamos
transcrever o depoimento de Ana Maria Machado (2002, p. 10) de
como aprendeu a amar os clássicos.

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84 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

O amor pelos clássicos––––––––––––––––––––––––––––––––


Não sei direito com que idade eu estava, mas era bem pequena. Mal tinha altura
bastante para poder apoiar o queixo em cima da escrivaninha do meu pai. Diante
dele sentado escrevendo, eu vinha pelo outro lado, levantava os braços até a
altura dos ombros, pousava as mãos uma por cima da outra no tampo da mesa,
erguia de leve o pescoço e apoiava a cabeça sobre elas. A idéia era ficar embe-
vecida, contemplando de frente o trabalho paterno. Bem apaixonadinha por ele,
como já explicava Freud, mas eu só descobria anos depois.
Só que no meio do caminho tinha outra coisa. Bem diante dos meus olhos, na
beirada da mesa. Uma pequena escultura de bronze, esverdeada e pesada,
numa base de pedra preta e lustrosa. Dois cavalos. Mais exatamente, um cavalo
esquelético seguido por um burrico roliço. Montado no primeiro, e ainda mais
magrelo, um tristonho cavaleiro de barbicha segurava uma lança numa mão e um
escudo na outra. Escarrapachado no jumento, um gorducho risonho, de braço
estendido para o alto, erguia o chapéu como quem dá vivas.
Um dia perguntei quem eram.
- O da frente se chama Dom Quixote. O outro, Sancho Pança.
- Quem são eles?
- Ih, é uma história comprida... Um dia eu conto.
Em seguida, eu quis saber onde eles moravam. Se era ali perto de casa, em
Santa Teresa, no Centro do Rio. Ou em Petrópolis, onde moravam meus avós
e a gente às vezes passava uns dias, depois de uma viagem de trem. Ou mais
longe ainda, em Vitória, onde viviam os outros avós. Eram essas as referências
de minha geografia infantil – só aos seis anos esse mundo se alargaria, quando
nos mudamos para a Argentina.
- É na Espanha, muito longe daqui – disse meu pai.
Fez uma pausa e completou:
- Mas também moram aqui pertinho, quer ver? Dentro de um livro.
Levantou-se, foi até a estante, pegou um livro grandalhão, sentou-se numa pol-
trona e me mostrou. Lá estavam várias figuras dos dois, em preto-e-branco.
- Outra hora eu conto, agora vá brincar...
Saí de perto, porque ele tinha de trabalhar. Mas eu sabia que depois ia ter a his-
tória. E isso já me deixava feliz.
Não recordo bem o que pensei. Posso ter me distraído com outras coisas. Posso
ter lembrado da cantiga de roda que dizia: "Fui na Espanha/ Buscar o meu cha-
péu/ Azul e branco/ Da cor daquele céu..."
Afinal, era pra lá que eu iria quando chegasse a hora de ouvir a história prome-
tida. A verdade é que não faço a menor idéia. Não sei, há coisas que a memória
da gente não guarda. Mas nunca vou esquecer as aventuras de Dom Quixote
que meu pai foi me contando aos poucos, com suas próprias palavras, enquanto
me mostrava ilustrações.
Só algum tempo depois eu as reconheceria como bicos-de-pena de Gustavo
Doré, ao ler aquelas aventuras por conta própria em outra edição – o Dom Qui-
xote das Crianças, na adaptação de Monteiro Lobato. Lembro dos moinhos de
vento, dos rebanhos de carneiros, de Sancho sendo jogado para o alto a partir
de uma manta estendida como cama elástica, das surras que o pobre cavaleiro
levava, de sua prisão numa jaula transportada por uma carroça... Mas lembro,
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 85

sobretudo e para sempre, de como eu torcia por aquele herói que queria conser-
tar todos os erros do mundo, ajudar todos os sofredores, defender todos os opri-
midos. Em seu esforço para lutar pela justiça e garantir a liberdade, o fidalgo não
hesitava em enfrentar os mais tremendos monstros, os mais pérfidos feiticeiros
e os mais poderosos encantamentos. Nunca desanimava, mesmo tomando cada
surra terrível, quando esses perigos ameaçadores se revelavam apenas alguma
coisa comum, dessas que a gente encontra a toda hora no mundo. E então as
pessoas achavam que Dom Quixote era maluco, riam dele...
Eu não ria. Metade de mim queria avisar o cavaleiro: "Fique quieto no seu canto,
não vá lá não, não, porque não é nada disso que você está pensando..." A outra
metade queria ser igual a ele. Até hoje.
(MACHADO, 2002, p. 7-10)
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Mas poucas são as nossas crianças que tiveram acesso a essa


leitura afetiva ou mesmo a qualquer tipo de leitura. No Brasil, nas-
cer numa família de leitores é um privilégio de poucos. A grande
maioria chega às escolas sem nenhum ou muito pouco contato
com livros, mesmo os oriundos de famílias com alto poder aqui-
sitivo.
Historicamente, nossa sociedade, independentemente da
classe social, pouco valoriza o ato de ler. Compra-se muito pouco
livro no Brasil. A leitura é vista como algo para os "diferentes", ou
seja, como algo para os privilegiados intelectual, cultural e eco-
nomicamente. Ler é para alguns. Esses aspectos fazem com que
muitas crianças cheguem até nossas escolas sem experiências que
favoreceriam em muito a formação do leitor.
Por outro ângulo, outras dificuldades para que a família de-
senvolva a leitura podem ser constatadas:
a) A escolaridade dos pais de nossas crianças é pequena e poucos
saem do analfabetismo funcional.
b) Muitas famílias dependem do trabalho infantil para sobreviver,
agregam muitas pessoas morando em casas pequenas que não
possuem espaço e iluminação adequados para a leitura.
c) A televisão reina absoluta como forma de entretenimento.
d) O preço do livro é alto para a renda da população.
e) Raras são as bibliotecas e livrarias fora dos grandes centros urba-
nos etc.

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86 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Saindo das constatações, que servem apenas para embasar


nossas ações, poderíamos refletir: O que fazer diante de tal situa-
ção? Recriminar a família? Responsabilizá-la pela situação? Pare-
ce-nos que tal atitude pouco adiantaria para a quebra do círculo
vicioso que impede a formação de leitores em nossa sociedade.
Uma possibilidade talvez seja a escola sair de seus muros e
procurar meios para a inclusão das famílias em projetos pedagógi-
cos. O professor Perrotti (2006) relata uma experiência de inclusão
bem-sucedida do Departamento de Biblioteconomia da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, o qual coor-
dena. Buscou-se fazer uma aproximação entre biblioteca, família
e escola.
Assim, foi criada uma biblioteca-laboratório em uma cre-
che do campus que atende crianças de zero a seis anos, dentro do
pressuposto de que a criança é um ser cultural que se constrói na
relação com o outro. Isso resultou na programação não só de ativi-
dades para as crianças, mas também para os familiares. A "oficina
da informação" conta com momentos para rodas de histórias das
quais participam pais e filhos, com momentos para escolhas con-
juntas de livros para levarem para casa, com momentos informais
de trocas entre os mediadores da oficina e os pais sobre o papel
da leitura.
Para o desenvolvimento dessas atividades, são aproveitados
os momentos em que os pais levam ou buscam os filhos na es-
cola. Perrotti (2006, p. 31) afirma que "os pais não vão à creche
para simplesmente deixar os filhos ou para reuniões pedagógicas.
Vão também para viver experiências culturais, para apropriar-se
de instrumentos e participar de atividades que até o momento da
intervenção da oficina não faziam parte do repertório da maioria
das casas e que pouco a pouco começaram a fazer".
Muitas são as possibilidades, mas temos que transformá-las
em ações concretas. Sob um outro ângulo, a questão traz muitas
esperanças, pois a população mais carente sabe do valor da lei-
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 87

tura como fator de ascensão social. Em um esforço de cidadania,


muitos projetos buscam favorecer a leitura na atualidade a fim de
quebrar o pouco acesso ao livro dos mais carentes. Ouvimos no-
tícias de pessoas simples desenvolvendo bibliotecas comunitárias
em favelas, por exemplo. Há também o esforço das famílias mais
simples para comprar coleções e fascículos vendidos em bancas ou
por ambulantes. Veem nesses livros (comprados com muito sacri-
fício) uma forma de financiar a ascensão social de seus filhos.
Essa característica é observada quando o poeta Carlos Drum-
mond de Andrade recorda a sua insistência para o pai comprar os
livros pertencentes à Biblioteca Internacional de Obras Célebres,
coleção de prestígio distribuída no Brasil no começo do século 20.
Eis seu belíssimo poema em que mostra o esforço para a compra e
o seu prazer de possuir a coleção.

Biblioteca Verde–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Papai, me compra a Biblioteca Internacional
de Obras Célebres
São só 24 volumes encadernados
em percalina verde.
Meu filho, é livro demais para uma criança-
Compra assim mesmo, pai, eu cresço logo.
Quando crescer eu compro. Agora não.
Papai, me compra agora. É em percalina verde,
só 24 volumes. Compra, compra, compra.
Fica quieto, menino, eu vou comprar.

Rio de Janeiro? Aqui é o Coronel.


Me mande urgente sua Biblioteca
bem acondicionada, não quero defeito.
Se vier com arranhão recuso, já sabe:
quero devolução de meu dinheiro.
Está bem, Coronel, ordens são ordens.
Segue a Biblioteca pelo trem-de-ferro,
fino caixote de alumínio e pinho.
Termina o ramal, o burro de carga
vai levando tamanho universo.

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88 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Chega cheirando a papel novo, mata


de pinheiros toda verde. Sou
o mais rico menino destas redondezas.
(Orgulho, não: inveja de mim mesmo.)
Ninguém mais aqui possui a coleção
das Obras Célebres. Tenho de ler tudo.
Antes de ler, que bom passar a mão
no som da percalina, esse cristal
de fluída transparência: verde, verde.
Amanhã começo a ler. Agora não.

Agora quero ver figuras. Todas.


Templo de Tebas, Osíris, Medusa,
Apolo nu, Vênus nua... Nossa
Senhora, tem disso tudo nos livros?
Depressa, as letras. Careço ler tudo.
A mãe se queixa. Não dorme este menino.

O irmão reclama: apaga a luz, cretino!


Espermacete2 cai na cama, queima
a perna, o sono. Olha que eu tomo e rasgo
essa Biblioteca antes que peque fogo
na casa. Vai dormir, menino, antes que eu perca
a paciência e te dê uma sova. Dorme,
filhinho meu, tão fraquinho.

Mas leio. Em filosofias


tropeço e caio, cavalgo de novo
meu verde livro, em cavalarias
me perco, medievo; em contos, poemas
me vejo viver. Como te devoro,
verde pastagem. Ou antes carruagem
de fugir de mim e me trazer de volta
à casa a qualquer hora num fechar
de páginas?

Tudo o que sei é ela que me ensina.


O que saberei, o que não saberei nunca,
está na Biblioteca em verde murmúrio
de flauta-percalina eternamente.
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 89

2) Espermacete: material de que se fazem as velas.


ANDRADE, Carlos Drummond de. Disponível em: <http://br.geocities.com/poe-
siaeterna/poetas/brasil/ carlosdrummonddeandrade.htm#Biblioteca%20Verde>.
Acesso em: 4 nov. 2007.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Talvez muitas de nossas crianças tenham esse desejo de pos-


suir livros. De saborear belos livros! Que criança não se encanta
com as imagens coloridas de uma capa? Nós, adultos, também nos
encantamos com uma bela edição.
Sobre a família e leitura podemos afirmar que ela é a mais
importante instituição educadora na vida da criança. Por isso, é
fundamental que os pais desenvolvam dentro de casa "atos de lei-
tura", pois a criança aprende com seus familiares de forma des-
contraída, espontânea, livre, significativa e afetiva.
Podemos nos perguntar: que atitudes da família podem au-
xiliar significativamente na formação leitora das crianças? Vejamos
algumas possibilidades.
Uma delas é proporcionar à criança sua própria biblioteca
particular. Para isso, a família pode acompanhá-la a livrarias e bi-
bliotecas, auxiliando-a a escolher livros de acordo com seu inte-
resse. Ter uma biblioteca pessoal, por menor que seja, com livros
sempre presentes, permite à criança uma relação mais íntima com
estes, que passam a se constituir em convites tanto à leitura quan-
to à releitura.
A família pode, também, acompanhar, de forma interessada,
as experiências leitoras de seus filhos, conversando sobre o que
estão lendo, sobre suas impressões. Como já foi mencionado, o
exemplo é fundamental, logo, desenvolver atividades cotidianas
de leitura no ambiente familiar é uma atitude importante dos pais.
Se essas leituras forem conjuntas, pode-se trazer para junto da
criança não somente livros de seu interesse, mas também livros
de qualidade que ampliem suas possibilidades.

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90 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Outro comportamento da família que pode auxiliar muito é


trabalhar conjuntamente com a escola, acompanhando e colabo-
rando com os professores em atividades que estimulem o gosto
pela leitura. A recíproca também é verdadeira, por isso, os edu-
cadores têm a função de ajudar a família na seleção de livros ade-
quados às crianças, orientando os pais a lê-los em casa com os
seus filhos.
Mas, por sabermos que essas práticas não fazem parte da
maioria dos lares brasileiros, é que a escola deve estar em cons-
tante interação com a família, buscando colaborar para que essas
práticas passem a existir, pois isso permitirá à criança um desen-
volvimento cognitivo maior e um ajustamento social, cultural e
emocional mais adequado.
A escrita não é um produto escolar, mas um produto do es-
forço coletivo da humanidade para representar a linguagem. Se
sabemos que o domínio da leitura e da escrita pode ser facilitado
pela família, cabe à escola apoiá-la. Muito se pode encurtar do
caminho que será percorrido pela criança que pode avançar mais
rapidamente neste processo se lhe forem dados tempos e condi-
ções para tal.

6. LEITURA NA SALA DE AULA


Como anda a leitura na sala de aula? Qual sua experiência
como aluno ou como professor em relação ao que acontece nesse
espaço? Você sabe como se estruturam as aulas de leitura? Será
que há planejamento? Quais crenças sobre o leitor, o texto e a lei-
tura estão subjacentes nas práticas de leitura?
Se pensarmos que a leitura para nossos jovens e crianças
frequentemente não está presente no círculo familiar, no espaço
de convivência com os amigos ou no seu âmbito de circulação cul-
tural, as atividades escolares de formação do leitor ganham rele-
vância. E se pensarmos que é preciso também ligar o vivenciado
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 91

no espaço da sala de aula ao mundo social e cultural, o problema


ganha complexidade.
Basicamente, as atividades de leitura na sala de aula devem
considerar dois aspectos:
• A aprendizagem da leitura.
• A mobilização do desejo de ler.
Contudo, as atividades de leitura desenvolvidas na sala de
aula deixam transparecer que estamos muito longe de formar lei-
tores competentes e de despertar o prazer da leitura pela ludici-
dade.
As concepções que embasam as atividades não fogem muito
às orientações do início do século passado. Observe as orientações
a seguir, apresentadas no livro didático Língua Pátria, de Joviano,
publicado em 1923.

A assimilação das formas literárias––––––––––––––––––––––


"O trabalho de assimilação das formas literárias pelo aluno se operará nas se-
guintes condições:
a) Imitando ele a leitura expressiva da professora.
b) Lendo, por sua vez, a interpretação do texto literário.
c) Respondendo ao questionário que esclarece e confirma a interpretação feita
e, mais tarde, lendo o comentário e tomando parte na conversação.
d) Copiando o trecho literário, cuja ortografia e pontuação vão ser imitadas.
e) Lendo, aplicadas desde logo em frases e sentenças usuais, as expressões
literárias que vão fazer parte de seu vocabulário.
f) Lendo em manuscrito e escrevendo ditado da reprodução do texto original."
(Joviano, A. Língua Pátria. 2. ed. aumentada. Rio de Janeiro: Papelaria e Tipo-
grafia Oriente, 1923, apud Regina Zilberman. In: PEREIRA, Vera Wannmacher
(Org.). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 18).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Parece-nos que nem sequer chegamos a efetivá-las em nos-


sas escolas ou a sair delas. E esperamos que você tenha percebido
o caráter mecânico atribuído ao ato de ler como uma forma de as-
similação e uso da língua, mas sem abertura para posicionamentos
subjetivos do leitor.

Claretiano - Centro Universitário


92 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Nessa época, mesmo a leitura de textos literários tinha uma


finalidade propedêutica, com o objetivo de preparar o estudante
para a aquisição efetiva da língua portuguesa, habilitando-o a ex-
primir-se corretamente e a adquirir conhecimento sobre o código.
O que podemos concluir dessa visão de leitura é que o estudo do
texto mal chega a ter como objetivo a aquisição de novas habilida-
des e conhecimentos.
A escola atual foge dessa visão mecânica de leitura? Essa con-
cepção forma leitores autônomos? Lemos somente para aprender
algo? Em seguida, continue refletindo por meio da leitura do texto
"Passos para a Leitura", de Silva (2004, p. 11). Nesse texto, você
tem uma contextualização de como a leitura pode acontecer nas
salas de aula de nossas escolas.

Passos para a Leitura––––––––––––––––––––––––––––––––––


Passo de ganso
Passo de ganso é o movimento sincronizado executado por pelotões da guarda
real inglesa e por alguns outros exércitos. Todos os soldados juntos, à moda de
robôs mecanizados — pois que bem adestrados e cronometrados nos seus mo-
vimentos — marcham pelas ruas nas datas comemorativas, arrancando aplau-
sos da população e, ao mesmo tempo, o êxtase da aristocracia inglesa. Passo de
ganso é o retrato típico do ensino de leitura em nossas escolas. É o movimento
mecanizado e sincronizado, executado da mesma maneira de ano para ano e,
quase sempre, teatralizado nos palcos da mentira, em que os atores apenas
fingem que leem para contentar a instituição. Passo de ganso: 1. abrir o livro e
2. ler a lição. Passo de ganso: 1. responder a questões e 2. repassar a gramá-
tica. Passo de ganso: 1. redigir trinta linhas e 2. entregar ao professor. Passo
de ganso: repetir exatamente ou redundantemente esse movimento nas aulas
subseqüentes. Passo de ganso: passo ordinário!

Passo de cágado
Vagarosamente, a passo de cágado, vão sendo instaladas as condutas reprodu-
toras da leitura: a imitação, a contemplação passiva, a cópia, o recolhimento na
solidão, o ócio descompromissado, a ficha padronizada, a resposta ao questio-
nário (igual à do livro didático). A passo de cágado e na tortura da redundância,
os estudantes passam a detestar qualquer tipo de leitura. O retalho de texto, o
texto sem contexto, só um tipo de texto, o texto e o teste, a lição sem o texto ou
só com gravura, o texto fino, o texto curto, tudo isso como pretexto para o consu-
mo rápido, acrítico e asséptico de doses homeopáticas de informações. A leitura
sem substância, sem significado, sem seqüência, sem unidade e sem aprofunda-
mento. A passo de cágado, o leitor fornece passivamente respostas a estímulos
a fim de contentar as exigências das provas bimestrais e "ai de quem não ler!". A
passo de cágado, de série para série, de ano para ano, e na monotonia curricular
cotidiana, irrompe paulatinamente e a pauladas a morte da curiosidade do leitor.
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 93

Passo incerto
Se não se estriba na muleta chamada livro didático, não sabe o que fazer na
sala de aula. Se não se repete sempre as mesmas ladainhas ou mazelas peda-
gógicas, as gramatiquices, as fichas padronizadas de leitura, as interpretações
cristalizadas no tempo, os protocolos autoritários da leitura escolar, não sabe o
que colocar no lugar. Algumas reflexões recentes apontam para o fato de que
o professor lê muito menos do que os alunos. Passo incerto... O repertório de
leitura do professor ou parou no tempo por falta de condições de atualização,
ou nunca se formou ao longo de sua própria escolaridade. Passo incerto... Em
uma visita que fiz recentemente ao curso noturno de uma faculdade particular,
o professor responsável me perguntou se existia um método milagroso para dar
aula prática de língua portuguesa a uma classe de "apenas" 130 alunos. Passo
incerto: a leitura escolar oscila entre nada e coisa nenhuma, institucionalizando a
ignorância — os cursinhos que o digam! Daí talvez o grande sucesso da Editora
Brasiliense ao lançar aquela coleção chamada Primeiros passos... dos passos
incertos, cegos e ignorantes, aos primeiros passos — isso parece um bom mo-
vimento na medida em que já aponta para a superação do passo de ganso e do
passo de cágado, mencionados anteriormente.

Passos largos
Outros propósitos devem orientar a leitura no contexto escolar: parar de ler para
memorizar normas gramaticais ou conteúdos cristalizados ou superficializantes
e, a passos largos, começar a ler para compreender esta nossa sociedade e para
nos compreendermos criticamente dentro dela; parar de ler somente às vésperas
de exames ou datas comemorativas a fim de reproduzir comportamentos fecha-
dos e não criativos e, a passos largos, começar a ler para descobrir os porquês
dos diferentes aspectos da vida. A passos largos, ir desautomatizando, ir desro-
tinizando os protocolos conservadores que regem a leitura em todos os graus de
ensino deste país. E tudo isso deve estar ancorado numa concepção de leitura
que não veja como simples resposta passiva e mecânica, bem à moda behavio-
rista, mas, a passos largos, considere-a enquanto um processo dinamizador da
produção de sentidos por um grupo de pessoas, enquanto transação ou intera-
ção entre leitor e diferentes tipos de texto. A passos largos é preciso que se saiba
traduzir essa concepção de leitura em programas significativos de ensino, que
resultem na transformação, na emancipação, na libertação dos leitores. A passos
largos devem-se combater com todas as forças a tendência corrente de entender
o ato pedagógico unicamente como sinônimo de leitura. O ato pedagógico envol-
ve, sim, leitura da realidade e de textos que expressam a realidade, mas esse ato
não pode ser entendido de forma tão mesquinha ou estreita. O ato pedagógico
é muito mais abrangente e complexo. Tem, na base, o diálogo entre professor e
aluno e, no horizonte, os vários campos da cultura e do conhecimento. A leitura,
sem dúvida, ajuda nas caminhadas em direção àquele horizonte, mas leitura não
é tudo. A passos largos, temos de imediatamente construir uma atmosfera de
interlocução nas salas de aula, para que as atividades de ler não ofusquem as
atividades de falar, discutir, contar, debater, ouvir, escrever, etc. Atividades que,
frontalmente e a passos largos, podem destruir a pedagogia do silêncio em nos-
sas escolas e permitir que as vozes dos sujeitos estudantes possam ser cruza-
das, intercambiadas em esquemas de comunicação autêntica, menos artificiais,
postiços, conservadores e autoritários."

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94 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

(SILVA, Ezequiel Theodoro da. Produção da Leitura na Escola. São Paulo: Ática,
2004, pp. 11 a 14. Palestra apresentada na I Jornada Estadual de Educação,
promovida pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição.
Santa Maria (RS), 27-10-1989. ).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Que concepções do ato de ler as ações docentes dentro dos


passos de ganso, de cágado e incertos deixam implícitas?
Martins (1988, p. 12) fala que os alunos aprendem a ler ape-
sar dos professores. Comenta também que, no processo de leitura,
o aluno não está tão desamparado quanto pensamos. Argumen-
ta que ele tem condições de fazer sozinho algumas coisas e para
outras necessita da orientação do professor. Além disso, a autora
salienta que, se as orientações forem padronizadas, elas causam
mais confusão do que auxílio.
Como nos diz Quintana (1977, p. 23), "sim, havia aulas de
leitura naquele tempo. A classe toda abria o livro na página indi-
cada, o primeiro da fila começava a ler e, quando o professor dizia
’adiante!’ ai do que estivesse distraído, sem atinar o local do texto!
Essa leitura atenta e compulsória seguia assim, banco por banco,
do princípio ao fim da turma".
A leitura no espaço da sala de aula precisa vencer práticas
tradicionais e fechadas em uma compreensão literal do texto. O
verdadeiro ato de compreender fundamenta-se em uma ativida-
de de seleção, reordenação e reconstrução, em que certa margem
de criatividade é permitida. A compreensão é, além de tudo, uma
atividade dialógica que se dá na relação com o outro: autor-leitor,
texto-contexto, texto-leitor, texto-leitor-professor etc.
As atividades escolares devem ter por objetivos diferentes
"atos de ler":
a) Ler para resolver problemas cotidianos, como, por exem-
plo, a leitura de manuais de equipamentos.
b) Ler para se informar sobre um assunto de interesse pes-
soal, científico ou cultural.
c) Ler para escrever.
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 95

d) Ler para aperfeiçoar-se na comunicação oral e escrita.


e) Ler pelo prazer de ingressar em outro mundo possível
por meio da ficção.
São muitos os propósitos e modalidades de leitura, assim
como são muitas as diversidades de textos e combinações entre
eles. A prática envolvendo todos esses elementos de forma ar-
ticulada é que torna a atividade didática complexa e necessária
quando se opta por formar leitores capazes de utilizar a leitura em
todas as situações de vida. O professor precisa explorar todas es-
sas possibilidades. Não pode restringir seu trabalho a uma simples
decodificação ou compreensão literal do texto.
Atividades de consideração de inferências, levantamento de
hipóteses, checagem das ideias pressupostas, extrapolação para
temas relacionados, observações de intertextualidade, diálogos
e confrontos de diversas linguagens no livro (verbal e fotografia,
verbal e pintura, verbal e dança, verbal e artes plásticas, ilustração
e texto) dão um novo e vivo sentido à leitura. É urgente a criação
de estratégias que rompam com a leitura centrada em perguntas e
respostas, em roteiros, em fichas etc.

7. O PROFESSOR E A MEDIAÇÃO TEXTO-LEITOR


Cabem aqui alguns questionamentos: Qual o nosso papel no
processo de formação do aluno-leitor? Como facilitar a formação
de leitores para que o prazer desse ato perdure até a maturidade
do indivíduo?
Esses talvez sejam os grandes desafios do professor: não ser
um mero transmissor de conhecimentos apenas; organizar progra-
mas pedagógicos que possibilitem o diálogo e interação com seus
alunos; ajudar a criança a tornar-se leitora de todos os escritos que
circulam no social e não limitá-la à leitura de textos pedagógicos.
A escola precisa ampliar o universo cultural do aluno. Mas como
fazer isso sem imposição da leitura ao aluno?

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96 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

O autor francês Daniel Pennac nos diz que o verbo LER não
suporta imperativos, ou seja, é impossível obrigar alguém a ler. Ele
levanta um questionamento básico para o professor: "Como é que
a gente obriga alguém a amar, a gostar?".
Dentro dessa visão, ele nos apresenta os direitos imprescri-
tíveis do leitor:

Os direitos do leitor––––––––––––––––––––––––––––––––––––
"Em matéria de leitura, nós, os leitores, nos concedemos todos os direitos, a
começar pelos que recusamos a essa gente jovem que pretendemos iniciar na
leitura:
O direito de não ler.
O direito de pular páginas.
O direito de não terminar um livro.
O direito de reler.
O direito de ler qualquer coisa.
O direito ao bovarismo.
O direito de ler em qualquer lugar.
O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
O direito de ler em voz alta.
O direito de calar. (...)
Porque, se quisermos que um filho ou uma filha ou que os jovens leiam, é urgen-
te lhes conceder os direitos que proporcionamos a nós mesmos.
O direito de não ler
Como toda enumeração de "direitos" que se preze, esta dos direitos a leitura
deveria começar pelo direito de não ser usado — no caso, o direito de não ler —,
sem o que não se trataria de uma lista de direitos, mas uma viciosa armadilha.
A maior parte dos leitores se concede cotidianamente o direito de não ler.
Sem macular nossa reputação, entre um bom livro e um telefilme ruim, o segun-
do muitas vezes ganha, mesmo que preferíssemos confessar ser o primeiro.
Além disso, não lemos continuamente. Nossos períodos de leitura se alternam
muitas vezes com longas dietas, em que até a visão de um livro desperta os
miasmas da indigestão."
(PENNAC. In: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, 2003,
Módulo I, M1U4T6).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Considerando também a leitura como um direito e não um


dever, Machado (2002, p. 14) cita uma afirmação de Lobato na qual
ele expressa a ideia de que "obrigar alguém a ler um livro, mesmo
que seja pelas melhores razões do mundo, só serve para vacinar o
sujeito para sempre contra a leitura". E continua a autora:
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 97

Ninguém tem obrigação de ler nada. Ler é um direito de cada cida-


dão, não é um dever. É alimento do espírito. Igualzinho à comida.
Todo mundo precisa, todo mundo deve ter à sua disposição comida
de boa qualidade, variada em quantidades que saciem a fome. Mas
é um absurdo impingir um prato cheio pela goela abaixo de qual-
quer pessoa. Mesmo que se ache que o que contém o prato é a
iguaria mais deliciosa do mundo (MACHADO, 2002, p. 15).

É importante que o interesse do aluno seja considerado pelo


professor que deve descobrir as preferências, os gostos, os as-
suntos, os tipos de leituras que mais o atraem. Assim, o dever de
educar consiste, fundamentalmente, no ato de ensinar as crianças
a ler, iniciando-as na Literatura, fornecendo-lhes meios de julgar
livremente se elas sentem ou não a "necessidade de livros".
No entanto, essa necessidade pode ser estimulada pela me-
diação e pelos recursos, porque, se cabe ao aluno o direito de re-
jeitar a leitura, é inadmissível que ele seja excluído do acesso a
livros, a espaços e a tempos de leitura.
O professor de Português deve ter um repertório de leitura
amplo e preparo teórico e metodológico para discernir procedimen-
tos pedagógicos adequados que realmente façam a aproximação do
aluno com o texto, sem barateamento. Embora o trabalho não pos-
sa se fechar no texto em si, o professor de Língua Portuguesa não
pode descartar o texto. Muitas vezes, atividades como, recitação
em jogral, dramatizações, júris simulados, reprodução visual ou oral
de narrativas, são realizadas sem que o aluno acesse o texto. Essas
atividades não podem ganhar mais relevância que o próprio texto.
Ainda que tenham valor motivacional e possam facilitar a compre-
ensão, o professor precisa ter clareza de que seu objetivo é a leitura
do texto, conforme observa Lajolo (1993, p. 14).
Técnicas milagrosas para convívio harmonioso com o texto não
existem, e as que assim se proclamam são mistificadoras, pois esta-
belecem uma harmonia só aparente, mantendo intacto – quando
já instalado – o desencontro entre leitor e texto.

Contudo, isso não significa a impossibilidade de trabalhar a


leitura do livro em sua intersecção com outras linguagens. A re-

Claretiano - Centro Universitário


98 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

lação com a palavra escrita e com o livro não acontece esponta-


neamente. O professor precisa orientar a escolha e direcionar o
trabalho com os muitos textos que circulam socialmente: textos
informativos ou literários. Ele deve estabelecer uma forte e indis-
solúvel relação com a palavra escrita, com o livro, mesmo quando
trabalha com outros materiais.
Se queremos leitores de livros, as relações devem ser de na-
tureza diferente e única, pois, como ensina Borges (1987, p. 11),
enquanto outros materiais "revistas, jornais – são lidos para serem
esquecidos, o livro é lido para eternizar a memória".
Segundo Silva (2006), as pessoas aprendem e ensinam mui-
tas coisas na trajetória de suas vidas. Ensinar, aprender e ler acon-
tece num continuum e sustentam o processo de conhecer. Portan-
to, a construção do conhecimento pelo aluno é um compromisso
do professor. Assim, podemos inferir que o professor deve se preo-
cupar em ensinar bem, e para isso ele deve aprender sempre e ler
continuamente ao longo da vida.
Mas para tal ele não precisa transformar o ato de leitura em
algo utilitarista, acreditando que se lê somente para se aprender,
pois, como nos diz Machado (2000, p. 100):
Em outras palavras: não há uma ética da leitura. A superação pes-
soal da mente e do espírito de cada um já constitui, por si só, um
projeto e tanto.
Não é preciso transformar a leitura num ato utilitário ou numa fer-
ramenta de ativismo. Leitores que melhorem a si mesmos já esta-
rão melhorando o país e o mundo. Não é preciso cair no fundamen-
talismo de sair por aí querendo converter os outros e suas leituras
ou suas opiniões. Ler bem é ficar mais tolerante e mais humilde,
aceitar a diversidade, dispor-se a tolerar a diferença e a divergên-
cia. Não o contrário.

Reforçamos que o bom professor é um bom leitor, alguém


que participa ativamente desse processo, alguém que estuda e
que expõe sua leitura e seu gosto, tendo para com o texto a mesma
postura, sensibilidade e atitude crítica que espera de seus alunos.
Se não possui um repertório de leitura, dificilmente conseguirá se-
lecionar textos para seus alunos em seu trabalho prático.
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 99

Para formar leitores críticos capazes de interferir na própria


realidade, é preciso, acima de tudo, ser um leitor experiente, apai-
xonado, capaz de compreender também que a leitura é fator de
ascensão social, principalmente para as classes economicamente
desfavorecidas. O professor precisa também ser "formado" em lei-
tura.
Segundo Rocco, para que o professor desenvolva um projeto
ambicioso de leitura para qualquer faixa etária em nível de escola-
ridade, é necessário:

Competências necessárias à elaboração de um projeto de


leitura–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Que o professor seja, antes de tudo, um leitor. O professor que não lê nunca terá
a memória povoada pelas ricas e inesquecíveis imagens fornecidas pelas dife-
rentes formas de textos de arte, principalmente pelos textos literários. Se assim
for, se o professor não se revelar um leitor, ele jamais conseguirá trabalhar com
a leitura.
Que o professor conheça e avalie criticamente os conceitos de leitura, a natu-
reza da leitura e que analise as linhas teórico-metodológicas que procuram dar
conta de um sério trabalho docente, com a leitura. Que esse professor conheça
a carpintaria dos diferentes tipos de textos e saiba avaliá-los em seus suportes,
naturezas e inter-relações, explorando-os interativamente com os estudantes;
Que o professor se posicione com firmeza e segurança diante de certas práti-
cas diluidoras de análise textual e de leitura. São práticas muito comuns que,
tentando facilitar o trabalho com os alunos, acabam por antes descaracterizar
as relações sociais fundadoras da leitura na escola; relações que se constroem
e se sustentam com base em leituras partilhadas, de textos, pelos seus leitores.
Essa facilitação excessiva gera simulacros, impede o contato efetivo dos alunos
com os textos de arte e cria um obstáculo perene para que, na escola, se atinja
o real prazer de ler.
Que o professor saiba escolher bons textos e de várias naturezas. E que, para
explorá-los, esse professor crie exercícios inventivos que levem seus alunos a
liberação do imaginário, ao invés de aprisionar a capacidade de devanear e so-
nhar dos estudantes na camisa de força tecidas pelas perguntas banais que
já pressupõem respostas pré-fabricadas, e que, além de serem um mal em si,
acabam por estilhaçar a integridade dos bons textos.
(ROCCO, Thereza F. Leitor, leitura, escola: uma trama plural. Disponível em:
<www.leiabrasil.org.br/index.aspx?leia=publicacoes_livros>. Acesso em: 28 nov.
2007).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Mesmo que minimizemos a afirmação de que o professor é


um mediador de leitura que interfere na formação de novos lei-
Claretiano - Centro Universitário
100 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

tores, sabemos da importância de sua atuação na relação aluno-


-texto. Para que possa desenvolver sua competência de mediação
é importante que tome consciência de como se lê e de que, ao
se tornar um leitor, desenvolve sua capacidade de entender como
os alunos leem. Juntos, professor e alunos podem ser capazes de
entender e interagir melhor uns com os outros e com o mundo.
No entanto, desenvolver estratégias de leitura implica em
planejamento. Não é apenas com imaginação e criatividade que
se formam leitores. Embora essas características sejam importan-
tes, é necessário pensar em atividades de leitura que coloquem os
jovens em contato direto ou indireto com o livro.
Uma das estratégias que levam a indução da leitura indivi-
dualizada é iniciar esse processo lendo em voz alta histórias até
determinado ponto que desperte a expectativa da criança ou do
jovem fazendo com que eles queiram continuar por conta própria.
Variações deste "contar" também são importantes:
a) A exploração do título ou de determinados pontos na
história.
b) O levantamento e a checagem de hipóteses diante do
que está sendo lido.
c) O recontar individualizado ou coletivo.
d) A extrapolação para situações semelhantes e produção
de réplicas.
O professor pode planejar situações de apresentação do
livro à criança:
a) Visitas regulares a biblioteca da escola ou do bairro.
b) Mostra de livros com discussões.
c) Espaço para os leitores apresentarem livros aos colegas.
d) Feiras do livro.
e) Palestras com autores.
Há, também, possibilidades metodológicas de exploração
criativa do texto, capazes de encaminhar as crianças para os livros:
estímulo à expressão da imaginação por meio de experiência de
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 101

contar, conversar, dançar, desenhar, desempenhar papéis median-


te experiências teatrais e saraus literários.
Sem um trabalho com a diversidade textual, certamente não é pos-
sível formar leitores competentes, ou seja, pessoas que, por inicia-
tiva própria, são capazes de selecionar, dentre os textos que circu-
lam socialmente, aqueles que podem atender às suas necessidades
e que são capazes de utilizar procedimentos adequados para ler
(GLÓRIA, 2007, p. 72).

O professor deve oferecer livros e textos de qualidade, ser


um modelo de leitor para os seus alunos, permitir que as crianças
interajam com os colegas por meio de suas leituras criando prá-
ticas de leitura eficazes. As situações de mediação devem opor-
tunizar aos alunos interagirem significativamente com textos cuja
finalidade não seja apenas a resolução de pequenos problemas do
cotidiano, pois não se formam bons leitores solicitando aos alunos
que leiam apenas durante as atividades na sala de aula, apenas no
livro didático, apenas porque o professor pede.

8. ALGUMAS CONCLUSÕES SOBRE A LEITURA NA ES-


COLA
As escolas ainda consideram como objeto de ensino a língua,
o que torna a leitura uma atividade gratuita, com uma única fina-
lidade, aprender a ler. A leitura aparece desligada dos propósitos
que lhe dão sentido no uso social. Ensina-se uma única maneira
de ler quando a experiência de todo leitor mostra que discussões
são possíveis, bem como as interpretações. Podemos dizer que a
leitura, vista dessa forma, se reduz, em princípio, a seus elementos
mais simples: primeiro, a leitura mecânica; depois, a compreen-
siva; e apenas ao final da escolaridade é que acontece a leitura
crítica, isso quando acontece.
Quando a leitura é apresentada como objeto de ensino, a
língua passa a ser incluída num contexto maior, ensinar e aprender
a prática social da leitura.

Claretiano - Centro Universitário


102 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

A escola deve começar a ler para os alunos o mais cedo pos-


sível. Diferentes modalidades de leitura podem ser utilizadas, em
diferentes situações, diante de um mesmo tipo de texto. A diver-
sidade de textos é um dos elementos da "complexidade didática
necessária quando se opta por apresentar a leitura na escola sem
simplificações1" (BRASIL, 2010) e quando se pretende despertar
em nossas crianças comportamentos típicos de um leitor: comen-
tar, discutir, interpretar, indicar livros etc. "A leitura implica numa
construção de significados e que eles não estão no texto, mas são
construídos pelo leitor" (FERRARI, M. É preciso dar sentido à lei-
tura. Disponível em: <http://www.call.org.br/reportagem_senti-
do_leitura.asp.>. Acesso em: 2 jul. 2010).
A formação do leitor, longe de ser específica de determina-
das séries, é comum a toda instituição escolar, portanto, todos os
integrantes que dela fazem parte devem elaborar e pôr em prática
situações efetivas de aprendizagem da leitura.
"Aprende-se a ler por meio de muitas leituras, do conhe-
cimento de diversos autores, de vários setores da cultura escrita
etc." (FERRARI, 2010). Portanto, é um processo longo que exige
diferentes situações didáticas. O professor, neste caso, tem um pa-
pel fundamental, assumir um comportamento típico de leitor, ofe-
recer às crianças a oportunidade de participar, discutindo e inter-
pretando atos de leitura que ele próprio está realizando, pois, com
isso, o professor ensina como se faz para ler. Mostrar o objetivo da
leitura, quais textos parecem interessantes, quais são mais úteis
para atender outras necessidades, o que se sabe sobre o autor ou
o tema tratado pode, certamente, contribuir para a compreensão
de um texto, já que as crianças precisam ver a linguagem escrita
empregada de maneiras diferentes, úteis e significativas.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Como vimos, ler exige posicionar-se sobre o lido numa pos-
tura compreensiva e responsiva. Utilize suas anotações (de acordo
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 103

com as orientações iniciais) e crie um texto no qual expresse seu


posicionamento sobre a importância da família e da escola na for-
mação do leitor. São duas as perguntas-chave que podem servir de
roteiro para seu texto:
1) Com base na afirmação de Bacichette2 (2010): "Se os ali-
cerces da casa da leitura que ajudamos a construir têm
uma boa fundação fica mais fácil". Responda:
Que tijolos a família pode pôr nesse alicerce?
2) A escola pode e precisa ser um ambiente de leitura. O
professor pode e precisa ser este leitor maduro. Até que
ponto é real a afirmação de que o professor mediador de
leitura interfere na formação de novos leitores? Como
deve acontecer essa intervenção?

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, compreendemos como o papel da família e do
professor são de fundamental importância na formação do leitor.
Pais e filhos podem partilhar experiências afetivas em rela-
ção à descoberta do mundo dos livros. Por meio de atividades lú-
dicas de folhear livros, ouvir e contar histórias, a criança percebe
desde muito cedo que o livro é uma coisa boa e que dá prazer. O
partilhar experiências de leitura no contexto familiar pode fazer
parte de momentos especiais em que a fantasia de "curtir juntos"
uma história desperte um prazer de ler duradouro e significativo.
Em contrapartida, pais que, às vezes, não têm condições de
desfrutar o prazer da leitura com seus filhos podem mudar seu
comportamento se forem apoiados e incentivados pela escola, por
projetos sociais e governamentais.
A escola, embora tenha dentre as suas funções a de capaci-
tar o aluno para a leitura e de transmitir conhecimento, precisa ul-
trapassar a leitura escolarizada em que o texto é entendido como
possuidor de um sentido único e considerar outras possibilidades

Claretiano - Centro Universitário


104 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

de leitura para que o domínio dessa habilidade seja um instrumen-


to de libertação e promoção da dignidade humana.
Mas sabemos que formar leitores não é uma tarefa fácil, exi-
ge a mobilização de toda a sociedade e não só da família e da es-
cola. Construir uma escola de qualidade pode ampliar o universo
cultural do aluno e ser uma forma de inclusão social.
Na próxima unidade abordaremos a importância de se de-
senvolver estratégias cognitivas e metacognitivas na abordagem
do texto escrito. Vamos aprofundar e concretizar alguns conceitos
já expostos.

11. E-REFERÊNCIAS
ABRAMOVICH, F. Formação do Leitor. Disponível em: <http://www.leiabrasil.org.br/
index.aspx?leia=publicações_livros>. Acesso em: 23 nov. 2007.
ANDRADE, C. D. Disponível em: <http://br.geocities.com/ poesiaeterna/poetas/brasil/
carlosdrummonddeandrade.htm#Biblioteca%20Verde>. Acesso em: 4 nov. 2007.
PRADO, I. G. A. Para formar leitores na escola. Disponível em: <www.leiabrasil.org.br/
index.aspx?leia=publicacoes_livros>. Acesso em: 28 nov. 2007.
ROCCO, M. T. Leitor, leitura, escola: uma trama plural. Disponível em: <www.leiabrasil.
org.br/index.aspx?leia=publicacoes_livros>. Acesso em: 28 nov. 2007.

Chamada numérica
1 – BRASIL. Programa de formação de professores alfabetizadores. Disponível em: 2 jul.
2010.
2 – BACICHETTE, H. C. C. A importância do professor-leitor na formação do aluno-leitor .
Disponível em: <www.caxias.rs.gov.br/_uploads/educacao/midiateca_523.pdf>. Acesso
em: 2 jul. 2010.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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CHARTIER, R. et al. (Orgs.). Práticas de leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. 2. ed.
São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Ver. Atual.
Curitiba: Positivo, 2004.
© U3 – Formação da capacidade leitora: família e escola 105

JOVIANO, A. Língua Pátria. 2. ed. aumentada. Rio de Janeiro: Papelaria e Tipografia


Oriente, 1923, apud Regina Zilberman. In: PEREIRA, V. W. (Org.). Porto Alegre: Edipucrs,
2002, p. 18.
LAJOLO, M. Meus alunos não gostam de ler: o que eu faço? Brasília: MEC, 2005.
LAJOLO, M.; ZILBERMAN, R. A formação da leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Ática, 1999.
MACHADO, A. M. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002.
MARTINS, M. H. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1982.
OLIVEIRA, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São
Paulo: Summus, 1992.
PENNAC, D. In: Programa de formação de professores alfabetizadores, 2003, Módulo I,
M1U4T6.
PERROTTI, E. Leitores, ledores e outros afins: apontamentos sobre a formação do leitor.
In: PRADO, J; CONDINI, P.(Org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro:
Argus, 1999. p. 31-40.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras,
2002.
QUINTANA, Mário. A vaca e o hipogrifo. Porto Alegre: Garatuja, 1977.
SILVA, E. T. da. Produção da leitura na escola. São Paulo: Ática, 2004. (Palestra apresentada
na I Jornada Estadual de Educação, promovida pela Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras Imaculada Conceição, Santa Maria /RS, 27-10-1989).
______. Leitura e realidade brasileira: escola e família – elementos fundamentais para o
processo de formação do leitor. (In: SEMINÁRIO REGIONAL DELITERATURA UNESP, 3. ed.,
1982, São José do Rio Preto).
WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
ZILBERMAN, R. A leitura na escola. In: Leitura em crise na escola: as alternativas do
professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, pp.9-22.

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EAD
Aspectos envolvidos na
compreensão do
texto escrito
4
1. OBJETIVOS
• Refletir sobre as práticas de leitura.
• Compreender a importância da mediação no desenvolvi-
mento das capacidades cognitivas envolvidas no processo
de leitura.
• Aplicar aspectos teóricos do processo cognitivo de apren-
dizagem da leitura.

2. CONTEÚDOS
• A leitura do texto escrito e sua mediação.
• Objetivos da leitura.
• Estratégias de leitura.
108 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

Esta unidade aprofunda alguns conceitos já mencionados


anteriormente, lança alguns questionamentos fundamentais e
busca mostrar como estes podem ser aplicados na leitura do texto
escrito. Logo, leia a unidade, buscando respostas para: Podemos
ensinar a leitura? Que processos cognitivos são utilizados por um
leitor autônomo em sua atividade leitora? Estes processos podem
ser ensinados?
Caso sinta dificuldade com a terminologia mais específica
dessa unidade, recorra ao glossário de termos. Ele pode auxiliar
na compreensão dos conceitos envolvidos nessa unidade.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Eu começaria a dizer que o texto é uma "peça" de linguagem, uma
peça que representa uma unidade significativa (ORLANDI, 1996, p.
52).

Não há como negar que o processo de aprendizagem está


fundamentado na leitura, pois esta permite que os alunos tenham
acesso aos conhecimentos acumulados historicamente sem que
seja necessária a experiência direta com o real. No entanto, grande
parte de nossas crianças tem no não domínio competente dessa
habilidade o grande obstáculo para efetivar essa aquisição de co-
nhecimentos, o que as conduz, frequentemente, ao fracasso esco-
lar.
Kleiman (2004, p. 7) coloca-nos um questionamento funda-
mental no exercício da docência: "Podemos ensinar a compreen-
são? Podemos ensinar o processo cognitivo?" Ao qual ela respon-
de: "Evidentemente, não." No entanto, ela nos abre o caminho
ao considerar que podemos criar oportunidades que permitam o
desenvolvimento do processo cognitivo e da compreensão, des-
tacando que as situações de ensino e aprendizagem podem ser
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 109

melhor elaboradas se o professor tem conhecimento dos aspectos


envolvidos na compreensão e das diversas estratégias que com-
põem os processos cognitivos.
Nesta unidade, vamos abordar a compreensão de textos es-
critos na busca de oferecer subsídios que fundamentem práticas
de leitura mais apropriadas à formação do leitor, pois um profes-
sor que conhece as características e as dimensões do ato de ler é
capaz de inserir a leitura em situações sociocomunicativas mais
amplas.

5. OS ASPECTOS EXTRALINGUÍSTICOS E A COMPRE-


ENSÃO TEXTUAL
Compreender é a finalidade de qualquer ato de leitura. No
entanto, como em qualquer processo de comunicação, não há
uma única possibilidade de compreensão, assim, como também,
não há infinitas possibilidades. Ainda que um texto possa admitir
várias interpretações do(s) leitor(es), existe um limite que é dado
pelo próprio texto. O texto não é um produto acabado que traz
tudo pronto para o leitor receber ou decodificar passivamente. "O
leitor realiza uma interpretação determinada da mensagem que se
ajusta mais ou menos à intenção do escritor"1 (ARTIGONAL, 2010),
já que este processo envolve, pelo menos, a interação de dois ele-
mentos fundamentais: o leitor e o texto. Podemos, ainda, consi-
derar o contexto do autor e do leitor, presentes em toda atividade
discursiva.
Logo, é fundamental que o mediador (professor) observe
os diferentes fatores que entram no processo compreensivo de
um texto a fim de que, em seu planejamento de uma atividade
de leitura, explore-os adequadamente. Uma leitura compreensiva
envolve a consideração de diversos aspectos, tais como: os conhe-
cimentos prévios, os objetivos e as expectativas e a formulação de
hipóteses do leitor. Esses são aspectos que não estão expressos no

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110 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

texto, mas que interferem de forma relevante na compreensão.


Vamos entendê-los um pouco melhor.
A concepção de leitura como atividade baseada na intera-
ção autor-texto-leitor-contexto exige considerar a materialidade
linguística do texto (elemento sobre o qual e a partir do qual se
constitui a interação), no entanto, é preciso também levar em con-
ta os conhecimentos do leitor como condição fundamental para o
estabelecimento da interação, com maior ou menor intensidade,
durabilidade, qualidade. É por essa razão que se fala de um senti-
do para o texto, e não do sentido, como se este permitisse apenas
uma leitura.

O conhecimento prévio
Para que tenha êxito na leitura, o leitor deve acionar todos
os esquemas de conhecimento pertinentes a um texto concreto:
seu conhecimento do assunto, da situação comunicativa (interlo-
cutores, canais, objetivos, finalidades etc.), da organização do gê-
nero, da estrutura linguística etc. Um dos primeiros aspectos en-
volvidos na compreensão de um texto é o "conhecimento prévio"
do leitor, tanto sobre o escrito quanto sobre o mundo. Kleiman
(2004) define-o como todo o conhecimento adquirido ao longo da
vida, especificando-o em:
• Conhecimento linguístico
O conhecimento linguístico tem um papel fundamental na
compreensão de um texto. Embora implícito, pode ser aquele que
temos como falantes nativos de uma língua, abrangendo desde "o
conhecimento sobre como pronunciar o português, passando pelo
conhecimento de vocabulário de regras da língua, chegando até o
conhecimento sobre o uso da língua" (KLEIMAN, 2004, p. 13). Co-
lomer e Camps (2002) especificam esses conhecimentos como: o
conhecimento sobre a situação comunicativa, sobre o texto escrito
(paralinguísticos; das relações grafofônicas; morfológicos, sintáti-
cos e semânticos; textuais).
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 111

Muitas das dificuldades dos alunos podem estar num conhe-


cimento linguístico insuficiente (de termos, de estruturas sintag-
máticas e de agrupamento de frases etc.). O professor precisa es-
tar atento à competência linguística do aluno a fim de realizar uma
seleção de material adequada para a leitura, levando em conside-
ração também a turma, ciclo/ano com o qual trabalha. O texto não
deve se constituir numa barreira intransponível para o aluno nem
numa facilidade absoluta que não lhe traga nenhum desafio. É a
chamada zona proximal de Vigotsky, área de intervenção docente,
ou seja, aquela área na qual o aluno não pode realizar a atividade
sozinho, mas pode realizá-la com a cooperação de colegas ou pro-
fessores. Vejamos esses aspectos, segundo Kleiman (2004).
• Conhecimento textual
O conhecimento textual pode ser definido como aquele que
está relacionado às diversas tipologias e gêneros, aos diferentes
níveis estruturais de um texto, sobretudo, à unidade mais global
do texto como fonte de estudo. Colomer e Camps destacam que,
neste nível:
[...] o leitor deverá "detectar o grau de coesão, as relações entre os
diferentes níveis da estrutura do texto, os sistemas de referência
etc e terá de saber interpretar, por exemplo, relações tão complexas
como a expressão de relações temporais não-sucessivas, a interde-
pendência de relações de causa e conseqüência, a relação entre o
tema e os argumentos usados, a exemplaridade ou excepcionalida-
de de uma afirmação com relação à anterior, a contradição entre
uma nova informação e uma opinião sugerida anteriormente, etc"
(COLOMER; CAMPS, 2002, p. 52).

Kleiman (2004) observa a necessidade de o aluno ter conhe-


cimento dos diversos tipos de textos narrativos, descritivos, argu-
mentativos e expositivos, observando as características específicas
dessas estruturas. O conhecimento dessas estruturas mais tipifi-
cadas permite uma visão antecipada das ideias fundamentais do
texto e facilita sua compreensão.
O conhecimento da gramática da narração, de seus traços
básicos (sucessão temporal de acontecimentos, personagens in-

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112 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

ter-relacionados, apresentação de um conflito central e sua solu-


ção) permite, mesmo a alunos pequenos, inferir fatos, motivações
e sentimentos de personagens. A interpretação de narrações li-
terárias exige essa familiaridade com a estrutura narrativa, pois,
na medida em que o autor faz propositadamente alterações no
paradigma, cabe ao leitor identificar as modificações no esquema
base, sobretudo aquelas que se relacionam à intenção de causar
surpresa.
As várias estruturas do texto expositivo (compilação, se-
quência, enumeração, causalidade, comparação/contraste, pro-
blema/solução, descrição) são mais complexas e, por terem uma
variedade de relações lógicas, exigem uma aprendizagem mais sis-
temática, já que se distanciam das formas de conversação. Assim,
a dificuldade da leitura de um texto expositivo variará conforme os
conhecimentos prévios do leitor que lhe permitirão identificar as
pistas textuais (o tópico frasal com a ideia principal, as intenções
do autor, a explanação dos passos expositivos etc.).
Outro aspecto importante é o contato com os diversos gêne-
ros discursivos que circulam socialmente. Kleiman (2004) conside-
ra que quanto mais exposição do aluno à diversidade textual, mais
fácil será para ele elaborar uma compreensão. As expectativas do
leitor em relação aos tipos de textos têm um papel fundamental
na leitura. Ao ler uma notícia, o leitor que já conhece esse gêne-
ro infere alguns aspectos e levanta expectativas, tais como: o que
aconteceu, com quem e onde.
Daí decorre a importância não só do trabalho com os gêne-
ros do cotidiano, mas também com os gêneros literários. A leitura
de um conto, por exemplo, implica conhecer as estruturas compo-
sicionais, temáticas e estilísticas desse gênero e, para isso, o aluno
precisa da ajuda inicial do mediador. Ler um conto é diferente de
ler um manual de uma televisão, pois são atividades que envolvem
conhecimentos, experiências e objetivos diferentes. Ainda que
uma leitura possa parecer não ter um objetivo claramente defini-
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 113

do, este existe. Por exemplo, a leitura de um poema pode ter como
objetivo simplesmente o prazer estético.
• Conhecimento de mundo
O conhecimento de mundo pode tanto ser adquirido infor-
malmente quanto formalmente. Se um aluno já possui vivências
ou informações sobre um determinado assunto tratado em um
texto, sua compreensão fica facilitada. Kleiman (2004, p. 23) afir-
ma que "O conhecimento parcial, estruturado que temos na me-
mória sobre assuntos, situações, eventos típicos de nossa cultura
é chamado de esquema". Essa autora observa que a existência
desse esquema influencia diretamente em nossa compreensão,
exemplificando que já sabemos o que vamos encontrar em um su-
permercado ou em um livro de suspense.
Afirmam Schank e Abelson (1977) apud Colomer e Camps
(2002, p. 54):
As pessoas necessitam de uma grande quantidade de conhecimen-
tos para poder compreender. [A compreensão é] um processo pelo
qual as pessoas relacionam o que vêem ou ouvem [ou leem] com
grupos de ações pré-armazenadas que experimentam previamen-
te. [...] A nova informação é entendida nos termos da antiga.

O partilhamento de informações entre o autor e o leitor é


um dos pontos de referência para a escolha do material a ser lido
nas atividades escolares, dentre os anteriormente levantados (o
conhecimento linguístico e textual). Se a informação for totalmen-
te desconhecida para o leitor, este não pode seguir os passos e as
inferências que o autor previu. Em contrapartida, se a leitura não
traz nada de novo, o leitor se desinteressa, pois já conhece todas
as informações. Portanto, o professor deve fugir dos extremos:
textos cuja leitura é irrealizável, porque os alunos não possuem
nenhum conhecimento sobre o tema (assim, não podem relacio-
nar a informação do texto a nenhum esquema conceitual prévio)
ou textos usados para ensinar a ler que não despertam o menor
interesse porque não trazem nada de novo.

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114 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Nesse sentido, deve haver pelo menos um mínimo partilha-


mento cultural entre o autor e o leitor, o que não impede ao me-
diador da leitura enriquecer as experiências culturais dos alunos.
Experiências como assistir a um teatro ou a um filme, ouvir uma
música e participar de saraus são estratégias, dentre tantas outras,
que fazem parte da interferência do professor.
O que podemos concluir? O conhecimento prévio é essencial
à compreensão na medida em que permite ao leitor fazer inferên-
cias necessárias para a compreensão do texto. Normalmente, o
levantamento de hipóteses e inferências é um processo incons-
ciente no leitor proficiente, pois, ao ler, este cria mentalmente um
subtexto. Como nos diz Orlandi (1996, p. 14), o texto não é um
sistema fechado, mas um "bólido de sentidos". A autora considera
a interpretação como o "vestígio do possível".
Qual o papel do professor diante dessas considerações? Cabe
ao mediador utilizar estratégias de leitura capazes de movimentar
os conhecimentos prévios do leitor para facilitar a compreensão. O
ato de ler implica que o leitor interprete as pistas deixadas no texto,
ativando memórias, lembranças, conhecimentos, vivências etc.

Objetivos e expectativas do leitor


Como já comentamos em unidades anteriores, a leitura na
escola é, muitas vezes, destituída de significado, tornando-se uma
atividade rotineira e mecanizada. Outras vezes, torna-se um pre-
texto para a exploração de aspectos gramaticais. Em contraparti-
da, para buscar uma leitura significativa, há necessidade de que o
leitor recrie o sentido do texto e isso só acontece de forma indivi-
dual diante dos objetivos e propósitos de um leitor-sujeito.
São múltiplos os motivos para ler: reter uma informação,
aprender sobre um assunto, ler para aprofundar um conhecimen-
to, ler para formar uma ideia geral, ler para saber do que trata um
livro, ler por prazer, ler como lazer etc. Foucambert (1976) apud
Colomer e Campos (2002, p. 48) caracteriza as diferentes maneiras
de ler, dividindo-as em:
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 115

1. leitura silenciosa integral, quando se lê um texto inteiro com o


mesmo tipo básico de atitude leitora, por exemplo, a leitura de um
romance ou um livro de ensaio;
2. leitura seletiva, orientada por um propósito de ordenação ou para
extrair uma vaga idéia global. Caracteriza-se pela combinação de
leitura rápida de algumas passagens e de leitura atenta de outras;
3. leitura exploratória, produzida em saltos, para encontrar uma pas-
sagem, uma informação determinada;
4. leitura lenta, para desfrutar dos aspectos formais do texto, para re-
criar suas características, inclusive fônicas, ainda que seja interior-
mente, e
5. leitura informativa, de busca rápida de uma informação pontual,
como um telefone em uma lista, um ato de um programa, uma pa-
lavra em um dicionário, etc.

Acerca dos objetivos de leitura, afirma a Universidade Tira-


dentes (2010):
É claro que não devemos nos esquecer de que a constante intera-
ção entre o conteúdo do texto e o leitor é regulada também pela
intenção com que lemos o texto, ou seja, pêlos objetivos da leitura.
De modo geral, podemos dizer que há textos que lemos porque
queremos nos manter informados (jornais, revistas); há outros
textos que lemos para realizar trabalhos acadêmicos (dissertações,
teses, periódicos científicos); há, ainda, outros textos cuja leitura é
realizada por prazer, puro deleite (poemas, contos, romances); e,
nessa lista, não podemos nos esquecer dos textos que lemos para
consulta (dicionários, catálogos), dos que somos "obrigados" a ler
de vez em quando (manuais, bulas), dos que nos caem em mãos
(panfletos) ou nos são apresentados aos olhos (outdoors, cartazes,
faixas).
São os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em
mais tempo ou menos tempo; com mais atenção ou menos aten-
ção; com maior interação ou menor interação, enfim .

É a intenção do leitor aliada à característica do texto que, de


certa forma, determina o tipo de leitura que este vai desenvolver.
Como implicação pedagógica dessa variedade de modos de
ler, podemos deduzir que o objetivo de uma leitura exige diferen-
tes estratégias, tanto do leitor quanto do mediador. Por exemplo,
textos poéticos são mais propícios a atividades sensibilizadoras

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116 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

que textos informativos. O professor precisa estar atento às pos-


sibilidades de leitura que cada texto oferece para não padronizar
atividades de leitura em relação a objetivos diversos. Quando le-
mos um texto poético, nosso objetivo se relaciona com o desejo
de uma experiência estética e subjetiva. Em contrapartida, quando
lemos um texto informativo, nosso objetivo pode ser o de colher
dados sobre um assunto, o que exige uma postura mais objetiva e
lógica.
Sabemos, também, que o suporte determina, ainda que
parcialmente, os objetivos de uma leitura. Uma revista científica
pré-determina um objetivo de leitura diferente de um livro de ro-
mance. Esses materiais conformam objetivos diferentes no leitor
em decorrência do seu conteúdo, previamente estabelecido. A
leitura de textos mais previsíveis como uma revista científica na
área de medicina permite um rol mais limitado de objetivos (bus-
car informações, inteirar-se de pesquisas etc.). No entanto, outros,
tais como um romance, abrem possibilidades para objetivos diver-
sos que podem ir do lazer à análise, abrindo-se, a partir daí, uma
imensa gama de possibilidades entre esses dois polos.
Estudiosos afirmam que nossa capacidade de compreensão
e memória melhora muito se existe um objetivo para ler. Observe-
mos o que afirma Kleiman (2004, p.34):
Cabe notar que a leitura que não surge de uma necessidade para
chegar a um propósito não é propriamente leitura; quando lemos
porque outra pessoa nos manda ler, como acontece frequente-
mente na escola, estamos apenas exercendo atividades mecânicas
que pouco têm a ver com o significado e sentido. Aliás, essa leitura
desmotivada não conduz à aprendizagem.

Como vimos anteriormente, material irrelevante para um


interesse ou propósito passa despercebido e é prontamente es-
quecido.
A pré-determinação de objetivos por outrem não é, contudo,
necessariamente um mal. Se o leitor menos experiente foi desa-
costumado, pela própria escola, a pensar e decidir por si mesmo
sobre aquilo que ele lê, então o adulto pode, provisoriamente, su-
perimpor objetivos artificialmente criados para realizar uma tarefa
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 117

interessante e significativa para o desenvolvimento do aluno (por


exemplo, para se preparar para um debate representando pró e
antiabolicionista durante o Império). Assim, indiretamente, através
do modelo que o adulto lhe fornece, esse leitor estabelecerá even-
tualmente seus próprios objetivos, isto é, desenvolverá estratégias
metacognitivas necessárias e adequadas para a atividade de ler.
(KLEIMAN, 2004, p. 35)

As experiências demonstram que os leitores que se guiam


por objetivos específicos durante a leitura lembram mais facil-
mente de detalhes do texto, sobretudo aqueles relacionados ao
propósito pré-determinado pelo leitor. Kleiman (2004, p. 31 e 32)
relata uma experiência realizada por psicólogos americanos sobre
a leitura de um texto diante de focos diferentes. Vamos apresentar
a você o texto da pesquisa e propor que o leia de três maneiras (tal
como foi proposto aos diferentes grupos durante a pesquisa). Em
seguida, pense sobre como os objetivos de uma leitura modificam
seu olhar sobre o texto.
• 1ª Proposta: simplesmente leia uma vez o texto a seguir:

Texto proposto––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Os dois garotos correram até a entrada da casa.
—- Veja, eu disse a você que hoje era um bom dia para brincar aqui – disse
Eduardo. — Mamãe nunca está em casa na quinta-feira — ele acrescentou.
Altos arbustos escondiam a entrada da casa; os meninos podiam correr no
jardim extremamente bem cuidado.
— Eu não sabia que sua casa era tão grande – disse Marcos.
— É, mas ela está mais bonita agora, desde que meu pai mandou revestir com
pedras essa parede lateral e colocou a lareira.
Havia portas na frente e atrás e uma porta lateral que levava à garagem, que
estava vazia, exceto pelas três bicicletas com marchas, guardadas ali. Eles
entraram pela porta lateral. Eduardo explicou que a porta sempre ficava aberta
para suas irmãs mais novas entrarem e saírem sem dificuldade.
Marcos queria ver a casa, então Eduardo começou a mostrá-la pela sala de
estar. Estava recém-pintada, como o resto do primeiro andar. Eduardo ligou o
som. O barulho preocupou Marcos.
— Não se preocupe, a casa mais próxima está a meio quilômetro daqui.
Marcos se sentiu mais confortável ao observar que nenhuma casa podia ser
vista em qualquer direção, além do enorme jardim.
A sala de jantar, com toda a porcelana, prata e cristais, não era lugar para
brincar; os garotos foram para a cozinha onde fizeram um lanche.

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118 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Eduardo disse que não era para usar o lavabo porque estava úmido e mofado,
uma vez que o encanamento arrebentara.
— Aqui é onde meu pai guarda suas coleções de selos e moedas raras — disse
Eduardo enquanto eles davam uma olhada no escritório. Além do escritório,
havia três quartos no andar superior da casa.
Eduardo mostrou a Marcos o closet de sua mãe cheio de roupas e o cofre
trancado onde havia jóias. O quarto de suas irmãs não era tão interessante,
exceto pela televisão e o Atari. Eduardo comentou que o melhor de tudo era que
o banheiro do corredor era seu desde que um outro foi construído no quarto
de suas irmãs. Não era tão bonito como o de seus pais que era revestido de
mármore, mas para ele era a melhor coisa do mundo.
Extraído do livro:
KLEIMAN, Ângela. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas/ SP:
Pontes, 2004, p. 31 e 32.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Agora procure lembrar-se do que leu. Do que conseguiu lem-
brar-se? Nada? Alguns aspectos relevantes do texto? Você deve
ter se lembrado de poucos detalhes do texto. Essa proposta de
leitura sem objetivo, descompromissada foi de propósito para que
perceba a importância de uma leitura guiada por um objetivo. Va-
mos propor a você uma outra forma de leitura.
• 2ª Proposta: faça uma leitura do mesmo texto, posicio-
nando-se como um possível comprador da casa descrita.
O texto é uma descrição da casa que pretende comprar,
enviada a você pelo seu corretor. Retorne ao texto e faça
uma nova leitura. Procure identificar e guardar na memó-
ria o que seria relevante para a compra da casa. Não con-
tinue seus estudos sem antes realizar essa tarefa.
Que dados observou? Na pesquisa, observa-se que o grupo
que leu o texto com esse objetivo conseguiu lembrar-se do tama-
nho da casa, do número de cômodos, do tamanho do jardim, do
revestimento de pedra, da lareira, da pintura nova, do número de
banheiros, do mármore no banheiro, do closet no quarto do casal,
da garagem etc. Como deve ter percebido, lembrou-se de muitos
mais dados que na leitura sem objetivo.
• 3ª Proposta: agora, leia o texto colocando-se no lugar de
uma pessoa que tem interesse em assaltar a residência.
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 119

Leia a descrição da casa, procure identificar e guardar


tudo que seria interessante para um ladrão que estivesse
planejando assaltar a casa. Não prossiga sem antes ler o
texto com esse objetivo.
Os dados que guardou e selecionou são os mesmos da
leitura anterior? Provavelmente, não. Você deve ter se lembrado
de fatos como: a mãe não fica em casa nas quintas-feiras, há
arbustos que isolam a casa, há uma distância de meio quilômetro
de uma casa até a outra, uma porta lateral que leva à garagem
onde há três bicicletas, um aparelho de som, televisão com Atari,
coleção de moedas e selos, roupas, joias etc.
Podemos tirar algumas conclusões dessas diferentes leituras:
• As leituras realizadas com alguma finalidade foram as
mais significativas. Estudos comprovam que nossas ca-
pacidades de processamento e de memória melhoram
significativamente quando temos um objetivo para uma
tarefa, isto é, compreendemos e lembramos significativa-
mente aquela informação que é importante para o nosso
propósito.
• Os dados relembrados na segunda e na terceira proposta
são bem diferentes diante dos objetivos propostos.
Somos leitores competentes quando, por iniciativa própria,
somos capazes de selecionar, dentre os textos que circulam so-
cialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade nos-
sa; quando conseguimos utilizar estratégias de leitura adequadas
para abordar as informações que atendam aos nossos intentos. No
entanto, leitores com pouca experiência de leitura precisam que o
professor os ajude a criar objetivos para suas leituras. A mediação
não pode ser comandada apenas com uma ordem ou sugestão de
"ler".
Muitos autores consideram que a leitura que não surge de
uma necessidade e não se guia por um objetivo não é uma leitu-
ra significativa. Assim, quando o professor "manda ler", os alunos

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120 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

exercem apenas uma atividade mecânica e não muito significativa


que pouco leva a uma aprendizagem efetiva. O ideal é que o leitor
consiga, por si só, delimitar seus objetivos diante de um texto, mas
para um leitor desmotivado ou inexperiente, a pré-determinação
ou construção de objetivos junto ao mediador é importante e pode
ajudá-lo a construir mais facilmente a compreensão.

6. ESTRATÉGIAS: A FORMULAÇÃO DE HIPÓTESES


Outro aspecto importante para a compreensão é a formula-
ção de hipóteses. No início e durante a leitura, o aluno vai formu-
lando hipóteses que confirma ou não no decorrer do ato de ler. A
formulação de hipóteses é fortemente determinada pelos objeti-
vos do leitor. Ainda que no início do processo de alfabetização a
criança faça uma decodificação (associação de grafema e fonema),
ler vai além, pois implica um processamento que envolve a per-
cepção global de palavras e a adivinhação de muitas outras tanto
em decorrência do conhecimento prévio quanto pelas hipóteses
de leitura.
Segundo Godman (1967) e Smith (1979) apud Kato (1999),
a estratégia de predição ou adivinhação é fundamental para uma
leitura significativa, sobretudo porque envolve não apenas o input
visual, mas também o universo cognitivo do aluno. Vários fatos
podem ser extraídos (inferidos, deduzidos) de um texto, sem que
estejam nele expressos.
Quando lemos um texto, temos expectativas e alguns dados
podem nos levar a formular hipóteses corretas ou não. Para uma
receita de "bolo de cenoura", o leitor já deduz que, pelo assunto,
haverá necessidade de cenoura, ovos e farinha. Em contrapartida,
seu conhecimento do gênero "receita" já faz que formule a hipóte-
se de que haverá uma descrição inicial dos ingredientes para uma
estrutura posterior na qual aparecerá o "modo de fazer".
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 121

No entanto, diversos textos literários exploram esse olhar


pré-determinado do leitor e buscam formas de "quebrar" as hipó-
teses rotineiras, criam suspense, causam estranhamento e surpre-
endem o leitor, o que não significa que o leitor não vá levantando
hipóteses durante a leitura. Como a compreensão é uma atividade
que resulta de uma intensa atividade interativa, é importante que
o mediador explore as estratégias de leitura: seleção, antecipa-
ção, inferência, verificação.

Estratégias cognitivas e estratégias metacognitivas––––––––


Segundo Kato (1999, p. 24), "Estratégias cognitivas em leitura desig-
narão, portanto, os princípios que regem o comportamento automático
e inconsciente do leitor, enquanto estratégias metacognitivas em leitura
designarão os princípios que regulam a desautomatização consciente
das estratégias cognitivas".
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Na atividade de compreensão, leitores ativos estabelecem re-
lações entre seus conhecimentos anteriormente constituídos e as
novas informações contidas no texto; fazemos inferências, compa-
rações, formulamos perguntas relacionadas com seu conteúdo.
Mais ainda: processamos, criticamos, contrastamos e avaliamos as
informações que nos são apresentadas, produzindo sentido para
o que lemos. Em outras palavras, agimos estrategicamente, o que
nos permite dirigir e auto-regular nosso próprio processo de leitura
(UNIVERSIDADE TIRADENTES, 2010).

É essa reelaboração mental que caracteriza o leitor autônomo.


Vamos a um exemplo de como levantamos e confirmamos
ou não nossas hipóteses, antecipamos e inferimos fatos, verifica-
mos se nosso pensamento está correto ou errado etc.

7. SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Passeio Noturno, de Rubem Fonseca.


Diferentemente dos projetos, que convergem para um pro-
duto, as sequências didáticas permitem que os alunos leiam textos

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122 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

relacionados a um mesmo tema, ou textos de um mesmo autor, ou


textos que pertençam a um mesmo gênero.

Antes da Leitura:

Ao ler literatura, mobilizamos nossas experiências para desfrutar-


mos o texto e apreciarmos os recursos estilísticos selecionados
pelo autor.
Observando um livro, numa rápida leitura "inspecional", podemos
antecipar algumas das informações que iremos encontrar2 (RASGA,
2010).

Esta é uma etapa importante na qual o leitor, a partir de al-


guns índices textuais (por exemplo, o título, a ilustração etc.) ou
extratextuais (conhecimento do autor, do gênero etc.), levanta hi-
póteses sobre o que irá ler bem como utiliza também suas vivên-
cias, seus valores culturais, suas experiências para levantar suas
"predições" sobre o texto. Imediatamente, mesmo sem consciên-
cia dessa formulação de hipóteses, o leitor imagina inúmeras pos-
sibilidades que confirma ou não no decorrer da leitura. É dentro
de seu repertório cultural e referências que o leitor interpreta o
sentido do texto.
Assim, antes da leitura, o mediador deve incentivar os alunos
a observarem indicadores como título, capas, ilustração, sumário,
autor, gênero etc.
Rasga (2010) menciona que se deve também:
Apresentar informações que o autor do texto pressupõe que os
leitores virtuais tenham, mas que supomos que nossos alunos ig-
norem.
Estimular os alunos a explicitar os conteúdos que esperam encon-
trar no texto a partir dos índices levantados.
a) Quanto aos índices extratextuais:
• Qual o gênero desse texto? Ao encontrá-lo no livro Os
cem melhores contos do século, fica óbvio que se trata de
um "conto". O que é um conto? Seria uma narrativa longa
ou curta? Que estruturas encontramos num conto? Que
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 123

tipos de contos vocês conhecem? Quem conhece um con-


to folclórico? E um de suspense? E um de humor? E um de
amor? (Permita que os alunos falem sobre outros contos
que já leram ou ouviram).
• Alguém sabe algo sobre o autor Rubem Fonseca? Sobre
qual temática esse autor escreve?
• Como o aluno já deve ter ouvido muitos contos em sua
vida, ele já cria uma expectativa e formula algumas hipó-
teses. Haverá uma sequência de fatos que se constituirão
em uma "história" (efabulação). Daí, surgem as antecipa-
ções: quem estaria indo passear? O que deve ter acon-
tecido nesse passeio? Onde será esse passeio noturno?
O que diz o título? Seria um passeio individual ou em
grupo? Algo agradável ou desagradável? Onde os perso-
nagens passeariam? Numa praia/num bosque/numa rua
tranquila?
b) Objetivos da leitura:
É importante colocar um objetivo de leitura, por exemplo:
vamos ler o conto em fragmentos para ver se adivinhamos seu fi-
nal. Vamos fazer um jogo de adivinhação.

c) Durante a leitura:
Os objetivos que o leitor tem com a leitura mobilizam diferentes
estratégias de abordagem do texto.
Algumas "dicas" de um leitor mais experiente podem ser valiosas
para ajudar um leitor iniciante a construir os sentidos do texto.
Estimular a compreensão global do texto em contextos de leitura
autônoma ou compartilhada, a partir da observação de indicadores
como o léxico, a situação enunciativa, as conexões entre os enun-
ciados, as relações intertextuais etc.
Identificar a organização composicional do gênero a que pertence
o texto (RASGA, 2010).

Vamos aplicar as estratégias de leitura para exemplificar


como um real diálogo sobre uma leitura favorece que o aluno crie
competências leitoras de levantamento e verificação de hipóteses,

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124 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

de pensar o texto, inferindo fatos e ações; deduzindo aspectos por


meio de pistas deixadas pelo autor etc. Essas estratégias cogniti-
vas, com o passar das experiências leitoras, transformam-se em
estratégias metacognitivas, ou seja, processos mentais inconscien-
tes que o leitor faz sem o apoio de questionamentos que o levem
a pensar sobre o que lê.
Vamos aos procedimentos:

1º momento: –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pes-
quisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, com um
copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você
está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando
impostação de voz, a música quadrifônica do quarto do meu filho. Você não vai
largar essa mala?, perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho,
você precisa aprender a relaxar.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Antecipações e inferências:
• Você pode deduzir a classe social dessa família?
• Como você acha que o pai se relaciona com a mulher? E
com os filhos?
• Observe que o homem vem carregado de papéis e a mu-
lher está jogando paciência. O que você pensa disso?
• As pessoas estão cada uma num espaço da casa. Como
você imagina que seja o relacionamento da família?

2º momento––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sem-
pre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e os
números, eu esperava apenas. Você não para de trabalhar, aposto que os teus
sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou minha
mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar?
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Verificando as hipóteses anteriores e levantando novas hipóteses:
• E aí? Que ideia sua se confirmou?
• Já é a terceira vez que o autor cita a bebida e o copo na
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 125

mão da mulher. Por que será que o autor continua insis-


tindo no copo de uísque? Uísque é bebida de pobre ou
rico? A mulher dele seria alcoólatra?
• Em que classe social você imagina que a dona da casa
pede para servir o jantar?
• O que vocês estão sentindo em relação a esse homem?
• Será que ele vai convidar a mulher para um passeio? E os
filhos?
• Que passeio vocês acham que ele vai fazer? Aonde irão?

3º momento––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e minha mulher es-
távamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer.
Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me
pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada me pediu, nós tínhamos conta
bancária conjunta. Vamos dar uma volta de carro?, convidei.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Checando as hipóteses anteriores e levantando novas:
• Acertou ou errou o que estava pensando?
• O que é servir à francesa? Essa expressão já nos permite
dizer que se trata de uma família de classe alta?
• Que dados do texto nos permitem dizer que os membros
da família não se relacionam afetivamente?
• O marido convida a mulher para um passeio. Será que a
mulher vai passear com ele? Será que vão discutir sobre
onde passear? Será que ela vai querer ir a um bar? O que
acham?

4º momento––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça acha em passear
de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser
usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher
respondeu.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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126 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Fazendo inferências e levantando hipóteses:


• Quem acertou que a mulher não ia?
• O que acham do motivo da mulher para não passear com
ele?
• E aí? O homem passeia todas as noites, sozinho, sem a
mulher. Aonde ele vai? Para onde pode ir um homem
toda noite e sozinho? O que vocês acham que ele faz?
• A mulher diz que cada vez mais se desapega dos bens ma-
teriais. Será que essa mulher é mesmo desapegada dos
bens materiais?
• O carro custou uma fortuna. Que tipo de carro vocês ima-
ginam que seja? O que ele teria de especial?

5º momento––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tiras-
se o meu. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei
os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas
me deixaram levemente irritado, mas ao ver os para-choques salientes do meu
carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado
de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua
força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Checando hipóteses e levantando novas hipóteses:
• Parece que esse carro tem um para-choques bem resis-
tente e um motor potente. Por que seu para-choques tem
um reforço especial de aço cromado? Para que ele precisa
de um carro com o motor poderoso? Será que ele é um
corredor?
• O narrador parece ter adoração pelo carro. Por que será
que ele está tão eufórico? Aonde vai esse homem, depois
de um dia de trabalho, com um carro tão poderoso? E o
capô aerodinâmico?

6º momento––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta
cidade que tem mais gente que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia ser,
muito movimento.
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 127

Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem
ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém
em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o
alívio é maior.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Levantando hipóteses e inferências:
• Homem ou mulher? O que vocês estão pensando? Seria
ele um homossexual?
• Você sabe onde fica a Avenida Brasil?
• Por que o que ele vai fazer não pode ser em lugar movi-
mentado? Por que uma rua mal iluminada seria o ideal?
• O que seria uma pessoa em condições? Condições de
quê? Por que será que ele está tenso?

7º momento––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante
por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de
papel ordinário, coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava
depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante
problema a exigir uma dose de perícia.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Sem esclarecimentos ainda dos fatos, vamos a reformulações de
hipóteses e inferências:
• E agora? O que pensam que este homem vai fazer? Por
que mulher é mais fácil?
• É uma mulher fina? Observem que ela carrega embrulho
de papel ordinário, coisas de padaria.
• Por que as árvores de 20 em 20 metros seriam um pro-
blema? Que perícia seria essa que essa distância entre as
árvores exige? Será que ele vai convidar a mulher para
entrar no carro? Vocês acham que ela aceita?

8º momento––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Apaguei a luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela
quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no meio-fio. Pequei a mu-
lher bem acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais
sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois
ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente

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128 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto.
Motor bom o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu
para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de
sangue, em cima do muro, desses baixinhos de casa de subúrbio.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Confirmando ou não as hipóteses:


• O que pensou sobre o final? Como se sentiu diante de
tamanha violência?
• Há muitas pessoas em nosso cotidiano que despejam sua
violência no trânsito?
• Por que será que o autor deu esse desfecho ao passeio?
• Não lhes parece que o autor quis nos enganar desde o iní-
cio, despistando-nos do que o homem realmente queria
fazer?

9º momento: –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos parala-
mas, os parachoques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam
minha habilidade no uso daquelas máquinas, A família estava vendo televisão.
Deu sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no
sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite a todos, respondi, ama-
nhã vou ter um dia terrível na companhia.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

• Existem pessoas assim? A frieza e a calma do homem não


agravam o que fez? Será que ele mata uma pessoa em
cada um de seus passeios noturnos?
Depois da Leitura:
Pode-se ou não se emocionar com um texto; pode-se ou não gostar
de um texto; pode-se ou não concordar com o quadro de valores
sustentados ou sugeridos pelo texto ou por suas leituras (RASGA,
2010).

O desenlace do conto é inimaginável de tanta crueldade e


cinismo do narrador com o qual nos solidarizamos no início do tex-
to. A partir dele, podemos abrir espaço para uma discussão sobre
a violência no trânsito, por exemplo. Podemos, também, discutir
que índices textuais o autor utiliza para nos despistar do final.
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 129

Aprendizagens podem ser estimuladas. Se contextualizar-


mos esse autor dentro da corrente atual da literatura brutalista,
esta informação permitirá aos alunos que analisem outro conto
deste autor sob uma nova perspectiva, acionando novas expectati-
vas. Podemos solicitar que leiam o Passeio Noturno II. Vale lembrar
que o professor pode sempre
- Ampliar as referências dos leitores estimulando a pesquisa de in-
formações complementares, a produção de outros textos ou, ain-
da, outras produções criativas que contemplem as múltiplas lingua-
gens artísticas (RASGA, 2010).

É importante mencionar que muitas são as atividades que


podem ser desenvolvidas.
Kleiman (2004, p. 36 a 46) relata em seu livro diversas experi-
ências sobre a interferência na compreensão de um texto quando
este aparece descontextualizado, como, por exemplo, sem título,
sem referências sobre o autor e a obra, sem data ou local de pro-
dução, sem fonte etc. Nessas situações, o leitor pode ser levado a
interpretações errôneas, pois suas pistas se resumem a aspectos
intratextuais (o que está no texto).
Leia o texto a seguir e observe como a ausência do título,
uma referência intratextual, e outras referências extratextuais po-
dem nos levar a uma compreensão que foge ao real sentido.
(título)
Quando percebi, tudo já havia acontecido. O rádio ficou mudo e,
apesar de mais pessoas estarem por perto, lá estava eu, sozinho
com meus pensamentos...
O frio que eu sentia era diferente. Entrava pela pele e doía nos os-
sos, fazendo meu corpo todo tremer. Desapertei a gravata e tirei
o paletó. Tentei manter a calma e abri lentamente a janela. Com
muito esforço, saí, mas não conseguia perceber exatamente onde
eu estava. Meus movimentos eram lentos e desajeitados.
Já não me importava com coisas materiais... meus documentos,
dinheiro, meu carro ou qualquer coisa assim. Consegui tirar os sa-
patos, que me incomodavam muito, e tentei me dirigir para a única
direção onde provavelmente encontraria um poste. Foi quando vi a
mulher tentando pegar o cachorro: comecei a rir sem parar e apoiei
meu corpo cansado em cima de um muro. Passou por mim um ga-

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130 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

roto assustado puxado por seu pai, um guarda com uma velhinha e
um rapaz tranquilo que aparentemente me conhecia, pois disse um
"oi, tudo sob controle aí?" e foi embora.
Nesse momento, comecei a entender como o trágico mora perto
do cômico! Aos poucos, consegui chegar a uma padaria que rece-
bia quase todo mundo que escapava. Tomei um conhaque e, como
bom brasileiro, fiquei trocando idéias e procurando soluções para
os problemas do mundo com meus novos amigos...
(HAILER. In: CÓCCO;1995, p. 38).

Este é um texto produzido propositadamente sem muitos


dados situacionais, a fim de fundamentar a importância do título
enquanto delimitação de um campo semântico. Os autores forne-
cem no corpo do texto poucas referências ao leitor, o que faz com
seu título se torne fundamental na produção de sentido. Se traba-
lhado dessa forma com o aluno (sem o título), este tentará dar um
sentido aos fatos narrados, mas pouco conseguirá relacionar os
elementos intratextuais ao contexto do texto.
Por exemplo, como compreender alguns dados citados: Por
que saiu pela janela? Por que os sapatos o incomodavam? Por que
precisaria se dirigir até um poste? Etc.
Teremos instalada a ambiguidade dos fatos narrados que
remetem o aluno a um levantamento de inferências e hipóteses
sobre um incidente catastrófico, mas sem conseguir precisá-lo.
A ausência do título e das referências situacionais (local, tempo)
levam o leitor a uma compreensão imprecisa. No entanto, se in-
serirmos o titulo A enchente, o texto ganha novos significados,
inclusive uma delimitação mais clara do gênero. O título retira a
ambiguidade dos fatos narrados, esclarecendo o leitor. Este agora
sabe de qual catástrofe fala o texto, pois localiza os fatos dentro de
um campo semântico. Sabe o porquê dos dados narrados.
Sugerimos a você que faça a experiência: volte ao texto e
leia-o novamente, inserindo o título A enchente. Você perceberá
que muitos dos fatos ganham clareza.
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 131

Essa experiência mostra que é a partir de seu conhecimento


prévio e de informações expressas (título, subtítulo, datas, fontes,
ilustrações, mídia, gênero, autor etc.) que o leitor passa a levantar
hipóteses que confirmará, revisará ou refutará no processamento
da leitura. Predizer e testar leva o leitor a utilizar estratégias me-
tacognitivas de monitoração de seu processo cognitivo de com-
preensão. Qual a importância desse aspecto no ensino da leitura?
Esse jogo de adivinhação ou indagação pode ser dirigido por um
adulto e ser o ponto de partida para o desenvolvimento de estra-
tégias metacognitivas do leitor. Estas pressupõem reflexão e con-
trole consciente sobre o próprio conhecimento, sobre o próprio
ato de ler e sobre a própria capacidade.
O texto é considerado por muitas correntes como uma uni-
dade semântica que se concretiza por meio de categorias lexicais,
sintáticas, semânticas, estruturais. Diante dele, num processo in-
consciente e automático, o leitor interpreta as marcas formais do
texto.
[...] processo através do qual utilizamos elementos formais do tex-
to para fazer as ligações necessárias à construção de um contexto
é um processo inferencial de natureza inconsciente, sendo, então,
considerado um processo inferencial de natureza cognitiva da leitu-
ra. As estratégias cognitivas regem comportamentos automáticos,
inconscientes do leitor, e o seu conjunto serve essencialmente para
construir a coerência local do texto, isto é, aquelas relações coesi-
vas que se estabelecem entre elementos sucessivos, seqüenciais
do texto". (KLEIMAN, 2004, p. 50).

Essas são pistas nas quais a intenção do autor se materializa


tanto em elementos linguísticos como gráficos. Essas microestru-
turas (coerência local) interpretadas levam a uma interpretação da
macroestrutura textual (coerência temática).
Na leitura há uma constante interação de diversos níveis de conhe-
cimento, de nível sintático, semântico e extralingüístico a fim de
construir a coerência tanto local (mediante a construção de laços
coesivos entre seqüências) como temática (mediante a construção
de um sentido único para essa sequência de elementos). O proces-
samento do texto, isto é, o agrupamento e transformação de unida-
des de um nível (por exemplo, letras) em unidades significativas de
outro nível (por exemplo, palavras) se faz tanto a partir do conhe-

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132 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

cimento prévio e das expectativas e objetivos do leitor (chama-se


a esse tipo de processamento descendente ou de cima-para-baixo)
quanto a partir de elementos formais do texto a medida que o lei-
tor os vai percebendo (chama-se esse tipo de processamento as-
cendente, ou de-baixo-para-cima) (KLEIMAN, 2004, p. 55).

As relações da macroestrutura também podem intervir na


compreensão. Vejamos um exemplo apresentado por Kleiman
(2004) no qual ela mostra a importância da organização dos pará-
grafos na construção do sentido pelo leitor. Ela ressalta que pará-
grafos que não começam com o tema ou o tópico frasal apresen-
tam mais dificuldade de compreensão. Os "três textos" a seguir
foram dados a diversos leitores proficientes que deviam responder
à seguinte questão: "Você acha que os três trechos são de um mes-
mo texto, de dois textos diferentes ou de três textos diferentes?"
(KLEIMAN, 2004, p. 57).
Leia os textos e vamos ver qual é o seu posicionamento.

Fragmentos textuais–––––––––––––––––––––––––––––––––––
(10) "Para não carregar nas tintas do pessimismo, dizendo que este País é, ou
está, inteiramente desacreditado, convém dizer, simplesmente, que se trata de
um País incrível. Em termos freudianos, o oswaldiano país sem pecado deliberou
reger-se pelo princípio do prazer, arredando a todo custo e preço as interferên-
cias do princípio da realidade. O único mal é que há limite para esse bovarismo,
para a abertura do ângulo entre o sonho e a realidade: Além dele, corre-se o risco
de mergulhar nos terrores da esquizofrenia e da alienação".
(11) "É uma miniatura urbanística: a rua, a praça, os edifícios. Rígida ossada
alvacenta de concreto, ruínas cenográficas construídas para o presente, certa-
mente servirá de cenário para muito filme. D. W. Griffith o teria adorado, para ele
rodar, de um balão cativo, as cenas babilônicas de seu "Intolerância"; e Wyler
não teria hesitado em transformá-lo naquele Circo Máximo romano, onde Charl-
ton Heston/Bem Hur se celebrizou numa emocionante corrida de quadrigas.
(12) Trata-se de uma arquitetura nostálgica, dos anos 50, especialmente o seu
repuxo congelado, de gosto duvidoso, nascido dos muitos arcos que naquele
período enfeitaram, ou enfeiaram, cidades e feiras internacionais. Uma obra cuja
concepção estática do espaço físico, escultura útil-urbanística, ignora a dinâmica
do espaço atual, estruturado mais segundo vetores de natureza eletrônica, do
que segundo nervuramentos sólidos."
KLEIMAN (2004, p. 57)
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 133

Relata Kleiman (2004, p. 57-58) que a maioria dos leitores


considerou se tratar de dois ou três textos diferentes, pois estabe-
leceram uma relação entre o texto 11 e 12, mas não conseguiram
relacionar ao texto 10 a nenhum dos demais parágrafos. Esclarece
a autora que os três fragmentos (10, 11, 12) se constituem nos
três primeiros parágrafos de um texto de D. Pignatari, publicado
na Folha de São Paulo como uma crítica à inauguração do Sambó-
dromo do Rio de Janeiro. É essa contextualização que faz com que
possamos relacioná-los como parágrafos de um mesmo texto. Se
voltarmos a eles e os lermos como uma crítica sobre a construção
do Sambódromo do Rio de Janeiro, vamos conseguir estabelecer
as relações semânticas entre os parágrafos.
É evidente, no entanto, que o leitor precisa de outros re-
ferenciais para um aprofundamento da compreensão, como por
exemplo, conhecer as teorias mencionadas (o freudiano, oswaldia-
no, bovarismo) e, ainda, contextualizar os cineastas citados e suas
obras (D. W. Griffith e Intolerância, Wyler e Charlton Heston/Bem
Hur). Elementos intratextuais, mas que nos remetem a contextos
extratextuais.
O que se destaca nesse exemplo é que sem a consideração
das macroestruturas (o tema), os blocos de informação parecem
desconexos, o que dificulta a compreensão.
A autora comenta que a temática, identificada pelo título ou
pelo tópico frasal, pode favorecer a compreensão, por isso, títulos
que despistam podem fazer o leitor inexperiente fracassar na in-
terpretação do texto. Muitas vezes, é necessário que o leitor faça
um monitoramento consciente de suas estratégias cognitivas para
compreender um texto que não traz de forma mais explícita sua
temática.
Esclarece, ainda, que a reconstrução das relações lógicas
também é um aspecto que facilita a compreensão. Por exemplo, a
identificação dos eventos na narração em algumas marcas formais
deixadas no texto (apresentação, complicação, climas, desfecho)

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134 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

dos aspectos argumentativos numa exposição (analogia, contraste,


comparação, causas, provas etc.). Mostra que é, ainda, importante
que o leitor aprenda a prestar atenção às expressões modalizado-
ras, tais como: talvez, pode ser, evidentemente, com certeza, não
há dúvida, nas expressões qualificadoras (negativas ou positivas).
Estas últimas podem explicitar um posicionamento do autor dian-
te de um fato ou argumento (aceitação, rejeição, dúvida, certeza
etc.) ou apelos emocionais.
Concluindo: é importantíssima a mediação docente na for-
mação de um leitor capaz de estabelecer relações intratextuais
e extratextuais. Sem essa aprendizagem, fica mais difícil ao leitor
desenvolver sua competência leitora. O que cabe ao docente dian-
te dessas considerações? Ajudar o aluno a monitorar esses aspec-
tos.
O trabalho com as várias estratégias de seleção, antecipa-
ção, inferência e verificação pode favorecer que o aluno possa
controlar o que vai sendo lido, tomar decisões diante de dificulda-
des de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos e vali-
dar no texto as suposições feitas. Essas estratégias podem, ainda,
favorecer no desenvolvimento da competência de ler as linhas e
as entrelinhas, ou seja, identificar, a partir do que está escrito, ele-
mentos implícitos, de forma que estabeleça relações entre o texto
e seus conhecimentos prévios e/ou entre o texto e outros textos
já lidos.

8. A INTERAÇÃO TEXTO, LEITOR, AUTOR NA COM-


PREENSÃO DO TEXTO:
A atividade de leitura constitui-se num processo interativo
entre leitor e autor mediados pelo texto escrito. Como já afirmado
em diversos pontos deste Caderno de Referência de Conteúdo, o
leitor não é um ser passivo, mas um ser que constrói um signifi-
cado para o texto, de acordo com as pistas que identifica, com as
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 135

hipóteses que formula, com as inferências que é capaz de estabe-


lecer. O autor, em contrapartida, não é indiferente ao leitor, pois
procura sua adesão buscando uma forma mais clara e convincente
a fim de conseguir a reação do leitor.
Daí que na leitura tanto a responsabilidade do autor como a do
leitor sejam consideradas maiores: o autor, que detém a palavra,
por assim dizer, por um turno extenso, como num monólogo, deve
ser informativo, claro e relevante. Ele deve deixar suficientes pistas
no seu texto a fim de possibilitar ao leitor uma reconstrução do
caminho que ele percorreu. Isso não quer dizer que sempre haja
necessidade de explicitação, mas que o implícito possa ser inferido,
ou por apelo ao texto ou por apelo a outras fontes de conhecimen-
to. Já o leitor deve acreditar que o autor tem algo relevante a dizer
no texto, e que o dirá clara e coerentemente. Quando obscuridades
e inconsistências aparecem, o leitor deverá tentar resolvê-las, ape-
lando ao seu conhecimento prévio de mundo, lingüístico, textual,
devido a essa convicção de que deve fazer parte da atividade de lei-
tura que o conjunto de palavras discretas forma um texto coerente,
isto é, tem uma unidade que faz com que as partes se encaixem
umas nas outras para fazer um todo. Isso implica atender às pistas
textuais, ao invés de ignorá-las, porque não correspondem às nos-
sas pré-concepções (KLEIMAN, 2004, p. 66).

Uma das grandes dificuldades de leitura é o leitor buscar a


compreensão apenas nas palavras em si mesmas, tendo uma vi-
são fragmentada da leitura. A leitura não pode deixar de ser uma
interação de inter-subjetividades. O aluno deve escutar o autor e
depois se posicionar diante do que foi lido apresentando uma ati-
tude responsiva. O leitor deve dissociar sua atitude da do autor,
posto que, ainda que reconstrua a argumentação do texto com
base nas pistas objetivas, é fundamental que chegue a uma inter-
pretação crítica da intenção argumentativa do autor. A capacidade
de analisar as pistas formais que configuram uma postura do autor
é um pré-requisito para posicionamento crítico do leitor diante do
texto.

9. A LEITURA NOS PCNS:


O tratamento didático no ensino da Língua Portuguesa, pro-
posto pelos PCNs, pode ser assim esquematizado:

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136 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

uso reflexão uso


Pode-se dizer que hoje é praticamente consensual que as práticas
devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista
de novas habilidades lingüísticas, particularmente daquelas asso-
ciadas aos padrões da escrita, sempre considerando que:
a razão de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão
ativa e não a decodificação e o silêncio (BRASIL. Parâmetros curri-
culares nacionais. Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental –
Língua Portuguesa. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/
arquivos/pdf/portugues.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2010.

Segundo Foucambert (1994), a formação de leitores exige


um contexto de leiturização, ou seja, a leitura deve estar presente
no contexto em que o aluno circula. Assim, o papel da escola e
do professor é criar estes espaços nos quais a leitura esteja pre-
sente. É necessário que se faça leitura diária, leitura colaborativa,
leitura autônoma, leitura em grupo, leitura compartilhada, enfim,
atividades permanentes de leitura, envolvendo diferentes gêneros
textuais.
Observem o que traz este documento do MEC em relação à
formação do leitor:
Assumir a tarefa de formar leitores impõe à escola a responsabilida-
de de organizar-se em torno de um projeto educativo comprometi-
do com a intermediação da passagem do leitor de textos facilitados
(infantis ou infanto-juvenis) para o leitor de textos de complexidade
real, tal como circulam socialmente na literatura e nos jornais; do
leitor de adaptações ou de fragmentos para o leitor de textos origi-
nais e integrais (BRASIL, 1998, p. 70).

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, o trabalho


com a leitura na escola deve focar na diversidade de gêneros tex-
tuais. O texto, enquanto resultado de uma atividade discursiva
(oral ou escrita), que forma um todo de sentido, concretiza-se num
gênero: uma carta, um relatório, um conto, um romance, um e-
mail etc.
Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função
das intenções comunicativas, como parte das condições de produ-
ção dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam.
Os gêneros são, portanto, determinados historicamente, consti-
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 137

tuindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na


cultura. São caracterizados por três elementos: conteúdo temático:
o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero; construção
composicional: estrutura particular dos textos pertencentes ao gê-
nero; estilo: configurações específicas das unidades de linguagem
derivadas, sobretudo, da posição enunciativa do locutor; conjuntos
particulares de seqüências que compõem o texto etc. A noção de
gênero refere-se, assim, a famílias de textos que compartilham ca-
racterísticas comuns, embora heterogêneas, como visão geral da
ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, ex-
tensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número
quase ilimitado (PCN, 1998, p. 21-22, grifos nossos).

É comum livros didáticos trazerem textos de diversos gêne-


ros, mas, muitas vezes, ignorarem essa diversidade e submeterem
todos os textos a um tratamento uniforme, como se cada um não
tivesse a sua especificidade. É preciso mostrar ao aluno que ler
uma notícia é diferente de ler um diário; ler um conto; uma receita
de bolo. Ler um manual de instruções é diferente de ler uma carta
argumentativa.
Formar leitores é algo que requer, portanto, condições favoráveis
para a prática de leitura, que não se restrinjam apenas aos recursos
materiais disponíveis, pois, na verdade o uso que se faz dos livros e
demais materiais impressos é o aspecto mais determinante para o
desenvolvimento da prática e do gosto pela leitura (MELENDES, M.
F; SILVA, R. J. A formação do leitor no ensino fundamental: os parâ-
metros curriculares nacionais e o cotidiano das escolas. Disponível
em: <http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/educacao3/Arti-
go5.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2010).

Como a leitura deve ser uma constante na sala de aula, o


documento apresenta algumas possibilidades para essa prática.
Vejamos o texto na íntegra:

Possibilidades para a prática da leitura:–––––––––––––––––––


Leitura autônoma
A leitura autônoma envolve a oportunidade de o aluno poder ler, de preferência
silenciosamente, textos para os quais já tenha desenvolvido uma certa profici-
ência.
Vivenciando situações de leitura com crescente independência da mediação do
professor, o aluno aumenta a confiança que tem em si como leitor, encorajando-
se para aceitar desafios mais complexos.

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138 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Leitura colaborativa
A leitura colaborativa é uma atividade em que o professor lê um texto com a clas-
se e, durante a leitura, questiona os alunos sobre os índices lingüísticos que dão
sustentação aos sentidos atribuídos. É uma excelente estratégia didática para
o trabalho de formação de leitores, principalmente para o tratamento dos textos
que se distanciem muito do nível de autonomia dos alunos. É particularmente
importante que os alunos envolvidos na atividade possam explicitar os procedi-
mentos que utilizam para atribuir sentido ao texto: como e por quais pistas lingü-
ísticas lhes foi possível realizar tais ou quais inferências, antecipar determinados
acontecimentos, validar antecipações feitas etc. A possibilidade de interrogar o
texto, a diferenciação entre realidade e ficção, a identificação de elementos que
veiculem preconceitos e de recursos persuasivos, a interpretação de sentido fi-
gurado, a inferência sobre a intenção do autor, são alguns dos aspectos dos
conteúdos relacionados à compreensão de textos, para os quais a leitura colabo-
rativa tem muito a contribuir. A compreensão crítica depende em grande medida
desses procedimentos.
Leitura em voz alta pelo professor
Além das atividades de leitura realizadas pelos alunos e coordenadas pelo pro-
fessor, há as que podem ser realizadas basicamente pelo professor. É o caso da
leitura compartilhada de livros em capítulos que possibilita ao aluno o acesso a
textos longos (e às vezes difíceis) que, por sua qualidade e beleza, podem vir a
encantá-lo, mas que, talvez, sozinho não o fizesse.
A leitura em voz alta feita pelo professor não é prática comum na escola. E, quan-
to mais avançam as séries, mais incomum se torna, o que não deveria acontecer,
pois, muitas vezes, são os alunos maiores que mais precisam de bons modelos
de leitores.
Leitura programada
A leitura programada é uma situação didática adequada para discutir coletiva-
mente um título considerado difícil para a condição atual dos alunos, pois permite
reduzir parte da complexidade da tarefa, compartilhando a responsabilidade. O
professor segmenta a obra em partes em função de algum critério, propondo a
leitura seqüenciada de cada uma delas. Os alunos realizam a leitura do trecho
combinado, para discuti-lo posteriormente em classe com a mediação do pro-
fessor. Durante a discussão, além da compreensão e análise do trecho lido, que
poderá facilitar a leitura dos trechos seguintes, os alunos podem ser estimulados
a antecipar eventuais rumos que a narrativa possa tomar, criando expectativas
para a leitura dos segmentos seguintes. Também durante a discussão, o pro-
fessor pode introduzir informações a respeito da obra, do contexto em que foi
produzida, da articulação que estabelece com outras, dados que possam con-
tribuir para a realização de uma leitura que não se detenha apenas no plano do
enunciado, mas que articule elementos do plano expressivo e estético.
Leitura de escolha pessoal
São situações didáticas, propostas com regularidade, adequadas para desenvol-
ver o comportamento do leitor, ou seja, atitudes e procedimentos que os leitores
assíduos desenvolvem a partir da prática de leitura: formação de critérios para
selecionar o material a ser lido, rastreamento da obra de escritores preferidos
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 139

etc. Neste caso, o objetivo explícito é a leitura em si, é a criação de oportuni-


dades para a constituição de padrões de gosto pessoal. Nessas atividades de
leitura, pode-se, temporariamente, eleger um gênero específico, um determinado
autor ou um tema de interesse. A partir daí, os alunos escolhem o que desejam
ler, tomam emprestado o livro (do acervo de classe ou da biblioteca da escola)
para ler em casa e, no dia combinado, parte deles relata suas impressões, co-
menta o que gostou ou não, o que pensou, sugere outros títulos do mesmo autor,
tema ou tipo.
Dependendo do gênero selecionado, alguns alunos podem preparar, com ante-
cedência, a leitura em voz alta dos textos escolhidos.
(BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998, vol. II, p. 73 e 74,).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Vejamos algumas formas de organização das atividades de


leitura previstas nos PCNs:

Projetos
O trabalho com projetos possibilita a inclusão da leitura num
contexto mais amplo e permite uma contextualização dessa prá-
tica numa atividade sociocomunicativa significativa para o aluno.
Traz como vantagens: ter um objetivo compartilhado por todos os
envolvidos, que se expressa num produto final em função do qual
todos trabalham; permitir dispor do tempo de uma forma flexível;
permitir o planejamento de suas etapas com os alunos. Ressalta-
se que este planejamento permite que a leitura se constitua em
situações linguisticamente significativas, nas quais faz sentido, por
exemplo, ler para escrever, escrever para ler, ler para decorar, es-
crever para não esquecer, ler em voz alta em tom adequado.
O documento cita, também, alguns exemplos de projetos de
leitura:
[...] produção de fita cassete de contos ou poemas lidos para a bi-
blioteca escolar ou para enviar a outras instituições; produção de
vídeos (ou fitas cassete) de curiosidades gerais sobre assuntos estu-
dados ou de interesse; promoção de eventos de leitura numa feira
cultural ou exposição de trabalhos (CONSTRUIR NOTÍCIAS. Projetos
de leitura. Disponível em: <http://www.construirnoticias.com.br/
asp/materia.asp?id=1212>. Acesso em: 3 jul. 2010).

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140 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Atividades sequenciadas de leitura


As atividades sequenciadas de leitura promovem o gosto de
ler na medida em que permitem que se faça a seleção dos textos
para a leitura.
Funcionam de forma parecida com os projetos — e podem integrá-
-los, inclusive —, mas não têm um produto final predeterminado:
nesse caso, o objetivo explícito é a leitura em si. Nas atividades se-
qüenciadas de leitura, pode-se, temporariamente, eleger um gê-
nero específico, um determinado autor ou um tema de interesse
(CONSTRUIR NOTÍCIAS, 2010).

Como exemplo de tais atividades, pode-se citar: "este mês,


leremos poemas que falam da natureza" ou "este mês, leremos
poemas de José Paulo Paes".

Atividades permanentes de leitura


Atividades permanentes de leitura são situações didáticas
que promovem a leitura, tais como: "Hora de..." (histórias, curio-
sidades científicas, notícias etc.). Essas atividades permitem que o
aluno ou o professor selecionem textos que desejam ler. Os alunos
podem levar o material para casa por um tempo para prepararem
a leitura em voz alta, na classe. Podem ser atividades semanais ou
quinzenais. Quando for pertinente, pode incluir também uma bre-
ve caracterização da obra do autor ou curiosidades sobre sua vida.
Essa atividade pode relacionar-se a Roda de Leitores: os alunos to-
mam emprestado um livro (do acervo de classe ou da biblioteca
da escola) para ler em casa. No dia combinado, estes relatam suas
impressões, comentam o que gostaram, fazem sugestões aos co-
legas etc. Em algumas escolas os alunos têm disponibilizado suas
impressões em blogs.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Como vimos, as estratégias de predição ou adivinhação são
importantes para uma leitura significativa, pois ler envolve proces-
© U4 – Aspectos envolvidos na compreensão do texto escrito 141

sos cognitivos que o leitor iniciante precisa aprender. Agora, faça


uma revisão de sua leitura:
1) O que são estratégias cognitivas e metacognitivas? Como
utilizá-las em favor de uma leitura compreensiva?
2) Qual a importância de se realizar uma leitura com obje-
tivos?
3) Como os conhecimentos prévios do leitor podem inter-
ferir na compreensão?
4) Qual a importância do professor explorar os aspectos ex-
tralinguísticos e intralinguísticos no trabalho com o texto
escrito?
5) Que considerações você pode fazer sobre as orientações
dos PCNs? Viáveis ou inviáveis? Coerentes ou incoeren-
tes?

11. CONSIDERAÇÕES
Se o objetivo da escola é formar leitores capazes de com-
preender a diversidade de gêneros que circulam socialmente, faz-
se necessário que o aluno tenha a possibilidade de, na escola, ter
contato com materiais de leitura e com professores leitores capa-
zes de desenvolver estratégias adequadas que promovam o cida-
dão leitor, e, não, o ledor.
A escola pode ser a única oportunidade de grande parte dos
alunos terem contato com uma leitura mais subjetiva que não seja
apenas a leitura para a resolução de pequenos problemas do coti-
diano. Assim, o texto literário não pode ser esquecido. Não se for-
mam bons leitores solicitando aos alunos que leiam apenas textos
informativos, ainda que eles devam estar presentes nas atividades
de leitura. É por meio da diversidade textual e da exploração das
inúmeras funções da leitura que se pode formar a competência
leitora.

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142 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

12. E-REFERÊNCIAS
CONSTRUIR NOTÍCIAS. Projetos de leitura. Disponível em: <http://www.construirnoticias.
com.br/asp/materia.asp?id=1212>. Acesso em: 3 jul. 2010.
MELENDES, M. F; SILVA, R. J. A formação do leitor no ensino fundamental: os parâmetros
curriculares nacionais e o cotidiano das escolas. Disponível em: <http://web.unifil.br/
docs/revista_eletronica/educacao3/Artigo5.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2010.
UNIVERSIDADE TIRADENTES. Leitura, texto e sentido. Disponível em: <http://www.
proead.unit.br/professor/linguaportuguesa/arquivos/textos/Leitura.doc>. Acesso em: 2
jul. 2010.
YOUNG, Fernanda. Revista Cláudia, julho de 2007. (In: Kuhn, T. Z. & Flores, V. N. Letras de
Hoje, Porto Alegre, v. 43, n. 1, p. 69-76, jan./mar. 2008).

Chamadas numéricas
1 – ARTIGONAL. Concepções de leitura. Disponível em: <http://www.artigonal.com/
educacao-artigos/concepcoes-de-leitura-1863644.html>. Acesso em: 2 jul. 2010.
2 – RASGA, K. Tecendo leituras, primeiros fios... Disponível em: <http://sites.google.com/
site/kattyrasga07/tecendoleitura>. Acesso em: 2 jul. 2010.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/ SEF, 1998, vol. II, p. 73 e 74.
CAMPS, Anna; COLOMER, Teresa. Ensinar a ler, ensinar a compreender. TRD. Fátima
Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.
KATO, Mary. O Aprendizado da Leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas/ SP: Pontes,
2004.
KAUFMAN, Ana M.; RODRIGUES, Maria H. Escola, leitura e Produção de Textos. Porto
Alegre: Artmed, 1995.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria & prática. Campinas/ SP: Pontes, 2004.
Orlandi, Eni Puccinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1999.
EAD
Suportes, espaços e
tempos de leitura

5
1. OBJETIVOS
• Refletir sobre o uso do livro didático nas práticas de lei-
tura.
• Reconhecer as possibilidades de trabalho com o texto li-
terário na formação do leitor.
• Perceber a importância de se ler as mídias audiovisuais,
sem excluir o trabalho com o livro impresso.
• Reconhecer as características do texto eletrônico e suas
implicações na leitura.

2. CONTEÚDOS
• Leitura no livro didático.
• Espaço da literatura na sala de aula.
• Implicações das mídias audiovisuais na leitura.
• Leitura virtual.
144 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Esta é uma unidade que pensa formas de implementar an-
tigos suportes e espaços de leitura e lança novas perspectivas
diante das novas tecnologias. Assim, você deve lê-la pensando e
repensando se algumas das considerações despertam você para
uma mudança de suas representações em relação a suportes e es-
paços de leitura tradicionalmente presentes na escola. Esse é o
objetivo que propomos a você.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Minhas mãos, escolhendo um livro que quero levar para cama ou
para a mesa de leitura, para o trem ou para dar de presente, exa-
mina a forma tanto quanto o conteúdo. Dependendo da ocasião e
do lugar que escolhi para ler, prefiro algo pequeno e cômodo, ou
amplo e substancial. Os livros declaram-se por meio de seus títulos,
seus autores, seus lugares num catálogo ou numa estante, pelas
ilustrações em suas capas; declaram-se também pelo tamanho
(MANGUEL, 1997, p. 149).

No estudo da unidade anterior, você teve algumas sugestões


didáticas de exploração da leitura do texto escrito, refletindo so-
bre a importância da mediação docente na formação de um leitor
capaz de estabelecer relações intratextuais e extratextuais.
No entanto, outras ações para promover a leitura são ne-
cessárias. Para que elas se efetivem de forma adequada, é preciso
discutir os suportes tradicionais dos objetos de leitura, dinamizar
os espaços nos quais ela se realiza e organizar os tempos de forma
produtiva e criativa. Sem planejamento, fica inviável desenvolver
projetos que facilitem a formação do leitor que a sociedade dese-
ja. Esses projetos são imprescindíveis para que a leitura prazerosa
e de fruição adentre nas salas, nas bibliotecas, nos pátios, nos cor-
redores das escolas.
Sabemos que são diversas as motivações para a leitura e que
estas mudam de acordo com a faixa etária, as experiências leito-
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 145

ras e, também, com o contexto cultural. O livro, no seu espaço


de circulação atual, concorre ou corre em paralelo a outras mídias
que têm uma influência maior na faixa em que crianças e jovens
estão na escola. Nesse sentido, precisamos repensar a internet e
a televisão não como entraves à leitura, mas como recursos de
aprendizagem.
Dentro dessa perspectiva, convidamos você a refletir sobre
o uso do livro didático, o espaço da literatura na sala de aula e
a importância de se ler as mídias audiovisuais e os textos eletrô-
nicos. Refletimos, também, sobre a importância dos espaços de
circulação da leitura, dada a necessidade de serem criados ou im-
plementados ambientes que deem condições de ler, que possam
despertar os alunos para as possibilidades da escrita e prepará-los
para as competências leitoras. Especificamente à escola cabe pla-
nejar suas atividades, sem desconhecer os suportes e os espaços
nos quais se constituem no arcabouço que sustenta o ato de ler.

5. O LUGAR DO LIVRO DIDÁTICO NA SALA DE AULA


A relação livro didático, professor e aluno nem sempre se
configura como um "triângulo amoroso". Em diversas situações,
o livro didático parece substituir o papel mediador do professor.
Em outras, o livro impõe-se ao aluno. Em outras ainda, pode ser
reclamado pelos pais. Contudo, o ideal é que ele seja um recurso
didático valioso na mão de um bom professor.
O livro didático é um dos materiais escolares mais utiliza-
dos nas aulas de Língua Portuguesa, exercendo influência direta na
organização das situações educativas relacionadas à leitura. Sua
tradição é tão forte no contexto escolar brasileiro que muitos pais
reclamam seu uso, mesmo à revelia da vontade e da decisão dos
professores. Os pais veem, equivocadamente, esse material como
uma garantia da aprendizagem.
A organização escolar e as condições de trabalho dos profes-
sores demandam-no como um recurso fundamental. Além disso,

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146 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

temos as editoras que seduzem os professores para sua adoção e


ditam orientações que pretendem substituir o específico da ação
docente: o planejamento das atividades para seus alunos. Obser-
vamos que nem sempre a relação do professor com o livro didático
se faz pela competência e autonomia. Vários desacertos podem
ser constatados em apenas uma visita em sala de aula. Há muitos
casos de professores que apagam sua criatividade e deixam que o
livro didático assuma a direção de suas aulas.
A imposição metodológica prevista nos livros didáticos acar-
reta uma uniformização das estratégias de leitura na escola que se
fecham no estudo do texto. Conforme alerta o professor Luís An-
tônio Marcuschi (1996), em seu texto Exercícios de Compreensão
ou Copiação nos Manuais de Ensino de Língua, a maioria dos exer-
cícios de compreensão dos manuais escolares resume-se a testes,
perguntas e respostas e, raramente, são sugeridas atividades de
reflexão e de extrapolação.
Apesar desta observação negativa inicial, é bom lembrar que esses
exercícios não são inúteis. Eles podem ser feitos, e talvez sejam ne-
cessários, mas eles não são exercícios de compreensão, pois eles se
preocupam apenas com aspectos formais ou então reduzem todo o
trabalho de compreensão à identificação de informações objetivas
e superficiais. Esta é uma forma muito restrita e pobre de ver o
funcionamento da língua e não é assim que as coisas acontecem no
dia-a-dia (MARCUSCHI, In: INEP/Revista Aberto, 1996, p. 82).

Dentre os problemas que Marcuschi (1996) levanta, estão as


perguntas que tratam de aspectos formais do texto sem uma análi-
se mais reflexiva (autor, verso, parágrafo etc.), as perguntas de sim-
ples transcrição (copiar, completar, transcrever), as perguntas sem
respostas, as perguntas que aceitam qualquer resposta e aquelas
em que o aluno não precisa ler o texto para responder. Outro as-
pecto levantado pelo autor é a pobreza dos textos selecionados,
que são pouco desafiadores e críticos. Comenta Marcuschi:
O primeiro aspecto importante numa teoria da compreensão de
texto é a noção de língua que se adota. Os manuais escolares anali-
sados concebem a língua simplesmente como um código ou um sis-
tema de sinais autônomo, totalmente transparente, sem história, e
fora da realidade social dos falantes. Mas a língua é muito mais do
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 147

que um sistema de estruturas fonológicas, sintáticas e lexicais. A ri-


gor, a língua não é sequer uma estrutura; ela é estruturada simulta-
neamente em vários planos, seja o fonológico, sintático, semântico
e cognitivo no processo de enunciação. A língua é um fenômeno
cultural, histórico, social e cognitivo que varia ao longo do tempo e
de acordo com os falantes: ela se manifesta no uso e é sensível ao
uso. A língua não é um sistema monolítico e transparente, mas é
variável, heterogênea e sempre situada em contextos de uso. Não
pode ser vista e tratada simplesmente como um código (MARCUS-
CHI, In: INEP/Revista Aberto, 1996, p. 84).

Vale ressaltar, também, que os textos trabalhados nos ma-


nuais escolares são pouco representativos da diversidade textual
encontrada no dia-a-dia ou são recortes diminutos que não permi-
tem a contextualização do tema neles apresentado.
Como vimos nas unidades anteriores, ainda que determi-
nadas leituras possam levar o aluno a produzir, alterar, ampliar
significados, há um tipo especial de leitura que promove esses
objetivos e ainda facilita o envolvimento afetivo e a experiência
estética. Mas, normalmente, o livro didático se restringe aos pri-
meiros aspectos, dispensando a leitura mais significativa do ponto
de vista subjetivo. E esta não pode ser relegada a segundo plano,
para quando "sobrar" tempo em relação ao domínio do conheci-
mento prático.
Um professor criativo percebe que um bom livro didático
também possibilita desenvolver todas as modalidades de leitura.
É o professor quem planeja o uso desse recurso e um bom livro
didático, na mão de um professor incompetente, pode ser um de-
sastre. No entanto, o melhor dos livros didáticos não substitui a
competência de um professor. Um bom professor considera em
sua mediação os conhecimentos e a realidade dos alunos e sabe
que atividades são mais adequadas à sua turma.
Zilberman (1982) pondera que muito da crise da leitura na
escola se deve ao fato de as atividades de leitura propostas aos
alunos serem completamente destituídas de sentido para eles.
Os textos não são devidamente contextualizados, a leitura deles

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148 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

acontece sem as prévias explicações por parte do professor. Assim,


eles soam artificiais e de uso tão restrito que parecem feitos ape-
nas para dar conta do tempo da aula, e não para cumprir funções
sociais específicas.
Lajolo (2005) propõe que a leitura na escola seja mais signi-
ficativa a fim de "simular a leitura na vida real". Em nosso cotidia-
no, a leitura tem a função de objetivar a busca de informações, a
satisfação de uma curiosidade, a compreensão de dados, o lazer.
Portanto, cabe ao professor prever essas expectativas na
organização das atividades de leitura para que os alunos possam
tomar contato com a imensa diversidade de textos que circulam
no mundo contemporâneo: revistas, jornais, folders, campanhas
publicitárias, letras de músicas, peças teatrais, enciclopédias ele-
trônicas, livros de literatura etc. Quanto maior a diversidade de
textos com as quais os alunos entrarem em contato, maiores as
chances de compreenderem os gêneros e tipologias textuais e a
função comunicativa destes.
Lajolo (2008) orienta para que as atividades de leitura se as-
sociem às atividades de escrita:
Para nós, qualquer atividade de leitura, com seu caráter de inter-
pretação crítica do que se leu, deve acompanhar também as ativi-
dades de produção de textos. Reescrever o texto, fazer paráfrases,
elaborar resumos e escrever alguma crítica ao texto (um parágrafo
talvez seja suficiente) podem auxiliar o aluno a exercitar as compe-
tências da escrita e da leitura de modo coordenado. Não queremos
dizer que saber ler é saber escrever, mas que, ao tratar ambas as
questões conjuntamente, uma pode ajudar a outra, obtendo re-
sultados bem mais satisfatórios do que hoje em dia se consegue.
(LAJOLO, 2008, p. 32)

Todo livro didático, por melhor que seja, deve ser comple-
mentado. Por ser um material padronizado, ele limita o atendi-
mento às diferenças e diversidades de interesses dos alunos, o
professor precisa preparar com cuidado seus modos de utilização.
Ainda segundo Lajolo (2008), o problema é que não há livro que
seja à prova de professor: o pior livro pode ficar bom na sala de
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 149

um bom professor e o melhor livro desanda na sala de um mau


professor. Pois o melhor livro repita-se mais uma vez, é apenas um
livro, instrumento auxiliar da aprendizagem.
Enfim, é importante que percebamos que livros didáticos
são auxiliares do ensino e da aprendizagem. Porém, livros didáti-
cos por si só não educam!

É importante pensar sobre o livro didático e, para instigar sua re-


flexão, leia a ironia proposta por Ezequiel T. da Silva: Antes de
adotar um livro didático, pergunte criticamente se não vais ser um
professor apático! (SILVA. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/
download/cibec/1996/periodicos/em_aberto_69.doc>. Acesso em:
3 jul. 2010).

6. O LUGAR DO LIVRO LITERÁRIO NA SALA DE AULA


O uso de livros não didáticos em sala de aula está em deca-
dência? Qual é o espaço para a leitura literária na sala de aula?
Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio
(2006, p. 53), o ensino de Literatura e de todas as demais artes,
deve atender ao inciso III dos objetivos da LDBN/96 que diz: "apri-
moramento do educando como pessoa humana, incluindo a for-
mação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e o
pensamento crítico".
Para cumprir esse objetivo o documento orienta para o "le-
tramento literário", ou seja, empreender esforços no sentido de
dotar o aluno da capacidade de se apropriar da literatura, saindo
de um ensino que sobrecarrega o aluno com informações sobre
estilos, épocas e características de escolas literárias.
As orientações alertam o professor para o exagero de ativi-
dades de metaleitura (falar sobre o texto, estudo do texto, ainda
que a leitura não tenha ocorrido), deixando de lado o mais impor-
tante, a leitura como fruição. É comum os alunos saberem muito
sobre uma obra sem nunca a terem lido.

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150 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

O conceito de "fruição", ainda que comporte diversas in-


terpretações, deve ser entendido como uma apropriação estética
de um texto, ou seja, "quanto mais profundamente o receptor se
apropriar do texto e a ele se entregar, mais rica será a experiência
estética" ( BRASIL, 2006, p. 60).
O documento alerta, ainda, para o fato de a escola ter sis-
tematicamente desconsiderado as práticas sociais de leitura, con-
seguindo um efeito contrário aos seus objetivos e uma rejeição
do aluno ao texto literário, o que é um desserviço à formação do
leitor.
Se o objetivo é, pois, motivar para a leitura literária, é preciso con-
siderar a natureza dos textos e propor atividades que não sejam
arbitrárias a essa mesma natureza (BRASIL, 2006, p. 71).

Como vimos na unidade anterior, os fragmentos de textos


literários presentes nos livros didáticos sofrem com o enfoque es-
colarizado das atividades de compreensão. Aí entram em jogo as
leituras extraclasse muito aquém do que gostaríamos e do que se-
ria necessário para a formação da competência leitora dos alunos,
mesmo com o incentivo de distribuições do MEC e secretarias es-
taduais e municipais.
Ainda que adotadas como leituras extraclasse ou como leitu-
ras a serem desenvolvidas no cotidiano da sala de aula, o problema
maior é o de mau uso desses livros, com estratégias impositivas de
leitura. Muitas vezes, falta penetrar no "avesso dos textos literá-
rios" e realmente mergulhar em uma viagem de conhecimento e
de imaginação junto com as crianças e jovens.
Se a escola não pode impor a leitura, pode criar espaços e
tempos adequados para desenvolvê-la. Precisa também se per-
guntar o porquê dos alunos não gostarem de ler, precisa refletir
sobre as relações negativas ou positivas que os alunos têm com
a leitura. Muitas são as perguntas em relação às experiências dos
alunos: as pessoas da família leem? Os alunos dominam o código
escrito? Ou dominam mal este código?
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 151

Essas são perguntas, dentre muitas outras, que a escola e o


professor precisam se fazer para encontrar caminhos de atuação.
Como diz Perrotti (2008) "agora, se ele teve apoio para experimen-
tar a prática da leitura e prefere fazer outras coisas, não adianta
forçar. É claro que não estou falando da leitura funcional, indispen-
sável para a vida diária. Nesse caso, é obrigatório negociar com a
criança o ‘não querer ler’".
É importante considerar o livro de literatura como um objeto
estético, reconhecendo-lhe o estatuto de arte e não de obra para-
didática, percebendo sua capacidade de construir um espaço tex-
tual plurissignificativo que abre possibilidades para o diálogo do
ser humano com seus conflitos e com seu "estar no mundo". Evitar
o pedagogismo e o moralismo e acentuar o olhar sobre o estético
é um caminho, pois a emoção que a arte provoca é muito mais
educativa que qualquer "sermão". A educação da sensibilidade é
um paradigma muito mais eficaz para o desenvolvimento da ética.
As práticas literárias devem desenvolver ações que fazem
coisas acontecerem sem imposições, moldando a consciência psí-
quica e ética dos jovens leitores. A fantasia é um dos elementos do
processo de emancipação, o que faz com que a obra literária tenha
uma importante contribuição para o desenvolvimento cognitivo,
afetivo e emocional da criança e do jovem, posto que lhes possibi-
litem a compreensão de si mesmos.
Muitas histórias, carregadas de fantasia, estão permeadas
de situações simbólicas, oportunizando a crianças e jovens viven-
ciarem, no espaço ficcional, situações que jamais fariam parte do
universo real de suas existências. O prazer estético da identifica-
ção permite que o leitor participe de experiências alheias, o que
não seria possível na realidade.
Machado (2001, p. 88), em uma palestra publicada no livro
Texturas: sobre leituras e escritos, observa que a literatura, por ex-
plorar o uso estético da palavra, "experimenta o que ainda não foi
dito, inventa algo novo, propõe protótipos, enquanto o texto da cul-

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152 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

tura de massa vem carregado de estereótipos, trazendo apenas re-


dundância e repetição do já existente, consolidação do status quo".
O professor precisa sair dos estereótipos e atentar-se para
os protótipos. Estes últimos são textos que convidam à decifração,
desafiam o pensar e o sentir, provocam o encantamento do leitor.
Como nos dizem Kaufaman e Rodríguez (1995, p. 20-21):
Diferentemente dos textos informativos nos quais o referente é
transparente, os textos literários são textos opacos, não explícitos,
com muitos vazios ou espaços em branco, indeterminados. Os lei-
tores, então, devem unir todas as peças de um jogo: a trama, as
personagens, a linguagem; têm que preencher a informação que
falta para construir o sentido, fazendo interpretações congruentes
com o texto e seus conhecimentos prévios do mundo. Os textos li-
terários exigem que o leitor compartilhe o jogo da imaginação para
captar o sentido de coisas não ditas, de ações inexplicáveis, de sen-
timentos não expressos.

Se nos textos literários os processos criativos e estéticos de


elaboração da linguagem são o mais importante, a leitura como
fruição é o mais importante, o ler para nada ou o ler para observar
as estratégias do autor para produzir a beleza.
Os meios eletrônicos trouxeram, aparentemente, uma pre-
sença maior da escrita, mas o uso que se faz dela é, cada vez mais,
padronizado e abreviado em mensagens mínimas e totalmente
utilitárias. E reafirmamos que precisamos formar pessoas que, ao
fim de um período de escolaridade, sejam capazes de se relacionar
com a escrita como uma ferramenta de conhecimento e de experi-
ências estéticas, e não somente numa dimensão pragmática.
Assim, os professores não podem restringir as ferramentas e
atividades de linguagem à sua função utilitária, pois isso é retirar
de nós mesmos aquilo que nos humaniza, ou seja, a nossa capaci-
dade de dizer de uma forma articulada o pensar e o sentir que nos
caracteriza.
Agora, vejamos o que nos fala o escritor de Literatura infantil
e juvenil Ricardo Azevedo sobre a leitura, com destaque para a
leitura do texto literário.
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 153

A leitura do texto literário–––––––––––––––––––––––––––––––


A nosso ver, textos didáticos são essenciais para a formação das pessoas, têm
seu sentido e seu lugar, mas não formam leitores. É preciso que, concomitante-
mente, haja acesso à leitura de ficção, ao discurso poético, à leitura prazerosa e
emotiva. É necessário que alguém chore, sonhe, dê risada, fique emocionado,
fique identificado, comungue, enfim, com o texto, para que ocorra a formação
do leitor. Falar em literatura, como sabemos, significa falar em ficção e discurso
poético, mas muito mais do que isso. Significa abordar assuntos vistos, inva-
riavelmente, do ponto de vista da subjetividade. Significa a motivação estética.
Significa remeter ao imaginário. Significa entrar em contato com especulações
e não com lições. Significa o uso livre da fantasia como forma de experimentar
a verdade. Significa a utilização de recursos como a linguagem metafórica. Sig-
nifica o uso criativo e até transgressivo da Língua. Significa discutir verdades
estabelecidas, abordar conflitos, paradoxos e ambigüidades (um príncipe trans-
formado em sapo ou uma menina, Raquel, que em sua vontade de crescer e de
ser um menino ou uma personagem, Peter Pan, que se recusa a crescer).
Significa, enfim, tratar de assuntos tais como a busca do autoconhecimento, as
iniciações, a construção da voz pessoal, os conflitos entre gerações, os conflitos
éticos, a passagem inexorável do tempo, as transgressões, a luta entre o caos e
a ordem, a confusão entre a realidade e a fantasia, a inseparabilidade do prazer
e da dor (um configura o outro), a existência da morte, as utopias sociais e pes-
soais entre outros.
São assuntos, note-se, sobre os quais não há o que "ensinar". Não são constitu-
ídos por informações atualizáveis ou mensuráveis. São temas, isso sim, diante
dos quais adultos e crianças podem apenas compartilhar impressões, sentimen-
tos, dúvidas e experiências".
(AZEVEDO, R. Disponível em: <http://www.docedeletra.com.br/dl/0203fatores.
shtml>. Acesso em: 14 jul. 2008, grifos nossos).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Como se pode perceber, a leitura do texto literário implica


na tomada de consciência de mundo ali presente, consciência esta
que se vai formando paulatinamente, por meio de mediações que
sejam capazes de respeitar o princípio de que a arte exige o es-
tabelecimento de relações entre o universo literário e o mundo
interior. Essas relações somente se estabelecem se o professor as-
sumir uma postura dialógica com seus alunos, abrindo o espaço
da sala de aula para o posicionamento pessoal e subjetivo diante
do lido.
Machado (2001) nos fala da importância de conhecer os
clássicos, mesmo que seja uma adaptação ou uma pequena parte
da história. Ela os considera não como livros velhos, mas como

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154 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

tesouros guardados em uma arca. Calvino (2005) afirma que um


clássico é para se reler, mais que para ler.
Vejamos o que eles nos dizem sobre os clássicos e a leitura.

Sobre a leitura dos clássicos––––––––––––––––––––––––––––


Outra coisa muito prazerosa que encontramos num bom livro, é o prazer de de-
cifração, de exploração daquilo que é tão novo que parece difícil e, por isso
mesmo, oferece obstáculos e atrai com intensidade. Como quem se apaixona.
É uma delícia irresistível: ir se deixando fascinar, se permitindo ser conquistado
por aquelas palavras e idéias, tentando ao mesmo tempo conquistar e vencer
as dificuldades da leitura. [...] Algo tão forte que hoje em dia se fala mais na
leitura como uma atividade, não apenas como um recebimento ou um consumo
passivo.
Essa atividade é feita da busca de um prazer sempre crescente, num patamar
cada vez mais alto, lentamente construído com delicadeza, sensibilidade e empe-
nho. Instala-se, entre o leitor e o texto, uma troca interativa, num jogo sedutor.
(MACHADO, 2002, p. 21).
"Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.
Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.
Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas
da leitura que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cul-
tura ou nas culturas que atravessaram (ou simplesmente na linguagem ou nos
costumes)"
(CALVINO, 2005, p. 11).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Embora os clássicos sofram uma propaganda de desvaloriza-


ção, eles sempre nos ensinam algo que não sabíamos ou algo que
nos surpreendem com aquilo que pensávamos que nunca alguém
o dissera antes. Os clássicos também podem e devem fazer parte
das leituras escolhidas ou indicadas.
Para as indicações, os professores precisam perceber que os
leitores podem ser formados de diferentes maneiras, conforme
nos propõem Ribeiro e Sevidoni, no artigo em busca de experiên-
cias de leitura:
Assim os leitores podem ser formados de diferentes maneiras: his-
tórias em quadrinhos, chiste, entre outros...; uma leitura completa
a outra; aprender a pensar a literatura dando voz ao outro; grande
alegria em ver o aluno entrar no canal da leitura, captando o que
está por trás; devemos quebrar a hierarquia no momento de cons-
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 155

truir o leitor; deve-se olhar para cada leitor de uma forma diferente,
considerando o que cada um coloca. As leituras são diferentes por-
que nós, leitores, somos diferentes (CECCANTINI, 2004, p. 322).

Contudo, essa postura somente atingirá seus objetivos se as


crianças e os jovens puderem ter acesso à qualidade literária e aos
valores éticos por meio da leitura dos livros. Sem um planejamento
que os inclua, inexiste esta possibilidade. É preciso colocar obras
de valor estético nas mãos de crianças e jovens, especialmente da-
queles que não têm acesso ao livro fora do ambiente escolar.
Se nos fizermos a pergunta sobre que livros eles gostam de
ler, já estaremos dando o primeiro passo para a proposição de prá-
ticas leitoras que pensam o leitor como sujeito dos atos de leitura,
como construtor do sentido do texto. Se abrirmos espaços para
que comentem, divulguem e discutam sobre o que leram, já de-
mos um segundo passo. Se interligamos suas leituras com as prá-
ticas de sala de aula e com o contexto já caminhamos um pouco
mais. E assim por diante. Muito mais fica para você inventar junto
com seus alunos!

7. BIBLIOTECA COMO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA


Nos dados apresentados anteriormente, percebemos que
bibliotecas são espaços raros, tanto nas escolas como na comuni-
dade, embora sejam imprescindíveis para a produção da leitura e
formação do leitor. A concretização desse espaço sempre fica para
segundo plano nas decisões das instâncias superiores e pedagó-
gicas. "O ensino brasileiro é livresco dentro de uma escola sem
livros" (SILVA, 2008).
No entanto, quando elas existem, normalmente, não cum-
prem seu papel de fazer circular o livro e desenvolver a leitura.
Perrotti (2008) afirma que biblioteca não é depósito de livros. Bi-
blioteca deve ser um espaço que convida as crianças a descobrir
e aprofundar o prazer com a leitura, um espaço em que os livros
convivam com outras linguagens, tais como a linguagem teatral,
cinematográfica, da dança, da música etc.

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156 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Uma pergunta a ser feita por nós educadores é: até que pon-
to as bibliotecas levam ao hábito da leitura?
Em uma entrevista, Perrotti (2008) responde a esse questio-
namento:
Eu participei de uma pesquisa feita com as crianças usuárias das
redes de biblioteca que ajudei a implantar no estado de São Paulo.
Queríamos saber se elas estão incorporando a leitura a sua prática
de vida e não apenas como lição de casa. Qual é a constatação?
Houve um grande avanço e as crianças se mostram muito mais
familiarizadas com os livros, mas infelizmente ainda não usam as
novas competências para trocas culturais. Por exemplo: não têm
o hábito de comprar e emprestar livros. A prática escolar não se
transferiu para a prática cultural (PERROTTI. Disponível em: < www.
leiabrasil.org.br/index.aspx?leia=publicacoes_livros>. Acesso em:
28 nov. 2007).

A nova concepção de biblioteca escolar ––––––––––––––––––


Desafios como a criação do hábito da leitura entre crianças
e adolescentes, as novidades tecnológicas, a ampliação do aces-
so ao ensino e a sofisticação do mercado editorial levaram o pro-
fessor Edmir Perrotti a uma nova concepção de biblioteca escolar
e de seu papel pedagógico. Com formação em Biblioteconomia
— área que combinou com seu interesse em Educação —, ele é
docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo, conselheiro do Ministério da Educação para a política
de formação de leitores e autor de livros infantis. Perrotti orien-
tou a implantação de redes de bibliotecas inovadoras nas escolas
municipais de São Bernardo do Campo, Diadema e Jaguariúna, no
estado de São Paulo. Nessas estações de conhecimento, como ele
prefere chamá-las, a aprendizagem é estimulada pela presença de
suportes tecnológicos, como o computador e a televisão (Disponí-
vel em: <http://revistaescola.abril.uol.com.br/edicoes/0193/aber-
to/mt_139439.shtml>. Acesso em: 10 jul. 2008).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O que percebemos é que, apesar do avanço, o livro ainda


não está incorporado nas práticas sociais. Compra-se muito pou-
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 157

co livro no Brasil, assim como também se frequenta muito pouco


bibliotecas. Daí a importância da biblioteca não se constituir num
simples apoio didático-pedagógico a professores.
Embora tenha também esse papel, ela deve ser organizada
para extrapolar esse objetivo, desenvolvendo atividades culturais,
tais como:
a) Convites e conversas com escritores.
b) Discussão sobre livros.
c) Palestras.
d) Organização de grupos de leitores em torno de persona-
gens, temas, autores.
Segundo Colomer e Camps (2002, p. 95 a 98), a biblioteca
escolar tende a ampliar as funções que, até hoje, teve de espaço
para a reunião de material informativo e didático, fonte de consul-
ta e preparação para a atividade docente e a difusão de atividades
de promoção da leitura. Consideram que sua função menos poten-
cializada é a de ser fonte de informação e consulta para os próprios
alunos. Propõem que as bibliotecas escolares sejam convertidas
em midiatecas, capazes de promover mudanças na organização
do trabalho pedagógico e capazes de criarem situações reais de
leitura.
As autoras expõem aspectos importantes a serem conside-
rados em relação ao conhecimento e à difusão dos materiais e à
criação de hábitos permanentes de leitura. Em relação ao primeiro
aspecto, consideram ser importante que neste espaço se desen-
volvam atividades nas quais se divulgue os diversos tipos de textos
do acervo por meio de diferentes estratégias, tais como: exposi-
ções de livros em relação aos centros de interesses dos alunos, im-
plementação da hora do conto, dia do livro e outras atividades de
fomento da leitura no campo da leitura imaginativa para crianças
e jovens. Em relação ao segundo aspecto, criação de hábitos de
leitura, propõem que o professor ajude os alunos a aprenderem
a utilizar esse espaço, ajudando-os nas consultas, implementando

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158 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

leituras literárias periódicas na biblioteca e atividades de recorda-


ção, releituras e comentários sobre essas.
Enfim, deve ser um espaço dinâmico que dialogue com a cul-
tura. A biblioteca deve funcionar como uma ponte entre o ambien-
te escolar e o mundo externo.
Há uma série de estratégias possíveis para inserir a criança
em um contexto letrado e a biblioteca é um deles. "A biblioteca
precisa ter outra finalidade que não seja simplesmente a de um
depósito de onde se retiram livros que depois são devolvidos"
(PERROTTI. Entrevista à Revista Nova Escola, junho 2006 Disponí-
vel em: <http://revistaescola.abril.uol.com.br/edicoes/0193/aber-
to/mt_139439.shtml>. Acesso em: 28 jun. 2008).
A biblioteca escolar deve ter por objetivo a apropriação do
saber, mas, diante do excesso de informações e a multiplicação
de suportes, a escola precisa ter uma atuação muito mais que dar
acesso ao acervo. Somente o acesso não é suficiente para que o
aluno aprenda a selecionar e transformar as informações em co-
nhecimento.
Perrotti (2008) considera que:
É preciso desenvolver programas para construir competências in-
formacionais. Isso inclui desde ensinar a folhear um livro — para
crianças bem pequenas — até manejar um computador. Antiga-
mente imperava a idéia de que os adultos é que deveriam mexer
nas máquinas e pegar os livros na estante. Hoje deve-se formar
pessoas que tenham uma atitude desenvolvida, não só de curiosi-
dade intelectual mas de domínio dos recursos de informação. Essa
é uma questão essencial da nossa época. (PERROTTI, Entrevista à
Revista Nova Escola, junho 2006. Disponível em: <http://revista-
escola.abril.uol.com.br/edicoes/0193/aberto/mt_139439.shtml>.
Acesso em: 28 jun. 2008).

Assim como escolarizar as crianças não é suficiente para


formar leitores, o simples acesso aos livros também não dá con-
ta desse objetivo. A atitude leitora se constrói não só no acesso,
mas também por meio de um trabalho sério, competente e bem
planejado. A criança e o jovem precisam participar de momentos
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 159

de diálogo sobre as suas leituras, pois muitas vezes não têm com
quem trocar suas experiências leitoras.
É preciso que se formem "círculos de leitura" nos quais haja
troca harmoniosa de ideias entre os leitores depois de saborearem
textos. Perguntar, comentar, lembrar vivências, associar textos e
contar seus próprios casos, são experiências importantes para en-
tender a leitura como forma de compreensão de si, do outro e da
realidade que o cerca. Os leitores tornam-se coautores na constru-
ção do sentido.
Esses círculos não só preenchem as lacunas encontradas nos
textos, mas também dão oportunidade de desenvolver uma prá-
tica leitora que privilegia a "inscrição do leitor no texto, promo-
vendo sua projeção como agente no ato de ler e no processo de
valorização das diferentes linguagens" (GURGEL. In: CECCANTINI,
2004, p. 209).
Os PCNs de Língua Portuguesa sugerem para a formação de
um acervo para o início de uma biblioteca de sala de aula o seguin-
te:
[...] quando houver oportunidade de sugerir títulos para serem ad-
quiridos pelos alunos, optar sempre pela variedade: é infinitamen-
te mais interessante que haja na classe, por exemplo, trinta e cinco
diferentes livros — o que já compõe uma biblioteca de classe — do
que trinta e cinco livros iguais. No primeiro caso, o aluno tem opor-
tunidade de ler trinta e cinco títulos, no segundo apenas um (PCN,
1997, p. 59).

No entanto, nossa experiência como professoras nos leva


a considerar também a possibilidade de a biblioteca escolar pos-
suir um acervo com um maior número de exemplares de algumas
obras. Elas podem ser importantes para uma leitura verticalizada
em sala de aula. O professor pode aprofundar alguns aspectos re-
levantes da língua e da literatura, como, por exemplo, desencade-
ar atividades interativas sobre aspectos estilísticos.
Enfim, a biblioteca precisa ser um local acolhedor, mas que
empurre rumo à aventura, porque conhecer é sempre se deslocar.

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160 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Precisa, antes de tudo, ser um espaço de convivência, pois é im-


portante na formação dos leitores a "intereducação" e "intergera-
ção" de ideias.

8. LINGUAGENS AUDIOVISUAIS E LEITURA


Vivemos num viveiro de "signos", num meio repleto de dife-
rentes linguagens. O livro não é o único suporte da palavra. Muitos
outros suportes culturais nos trazem mensagens diversas. Lingua-
gens correm em paralelo, se juntam, se inter-relacionam e muitas
vezes se confrontam. Um conto pode ser lido em um livro, pode
ser visto na TV, ouvido em CD, ou até mesmo ouvido na voz de um
contador. Vários são os suportes da palavra e a escola não pode
desconhecer as formas como as linguagens se entrecruzam nesses
suportes.
A cultura contemporânea se manifesta muito pela visuali-
dade: videogames, videoclipes, cinema, telenovela, propaganda e
histórias em quadrinhos. O mundo atual está permeado de men-
sagens visuais, o que traz um sentimento de declínio da palavra,
sobretudo da palavra escrita. Esse declínio é real? Até que ponto
essas novas linguagens centradas na imagem influenciam positi-
va ou negativamente na aproximação do homem atual com os li-
vros?
Comenta-se muito sobre a interferência do abandono da
leitura em decorrência dessas mídias audiovisuais. Por exemplo,
desde o surgimento da televisão, essa mídia vem sendo motivo de
discussão entre os educadores em relação ao seu conteúdo, ade-
quado ou não às crianças e jovens. Discute-se, também, a passivi-
dade do telespectador diante dessa mídia. Mas, pouca discussão
há de como integrá-la nas atividades pedagógicas.
Os professores julgam ser desleais a concorrência da televi-
são, do cinema, dos videogames, da internet em relação à literatu-
ra e ao livro. Julgam que as mídias que envolvem as imagens fazem
diminuir o número de leitores.
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 161

Mas podemos indagar:


Como a educação pode se apropriar dessa cultura visual para
desenvolver o leitor? Essa cultura visual estaria impedindo a apro-
ximação de crianças e jovens com os livros? Como fazer das novas
mídias audiovisuais aliadas da educação? Como torná-las capazes
de estimular a formação de novos públicos leitores? Seriam os fil-
mes, os vídeos, os CDS e muitos programas de rádio e televisão os
"livros" de nosso tempo?
O senso comum diz erroneamente para evitá-las, porém isso
nada ajudaria ou seria inviável. É necessário buscar possibilidades
de colaboração entre elas. Elas podem aproximar crianças e jovens
da linguagem verbal e da literatura. Um exemplo de que proibi-
ções de nada adiantam foi o surgimento das histórias em quadri-
nhos nos anos de 1950. Essas histórias chegaram a ser proibidas
em alguns países, acusadas de promoverem a delinqüência juve-
nil, a alienação e o homossexualismo e de apresentarem valores e
comportamentos indevidos para crianças e jovens.
Entretanto, se pensarmos bem, os quadrinhos aproximam-
se em muito da literatura, pois se subdividem em gêneros tal qual
o texto literário: terror, ficção-científica, ficção infantil, policial,
underground erótico etc. A diferença dos quadrinhos para a lite-
ratura é que o seu sentido se dá entre desenho e texto, com a cor
e o traço das imagens facilitando a compreensão da mensagem. A
palavra deixa de ser a única forma de ligação entre autor e leitor.
Há necessidade de se ler as duas linguagens.

Os clássicos adaptados para a linguagem de quadrinhos––––


Felipe Muanis cita muito os exemplos de adaptações de
grandes clássicos para a linguagem dos quadrinhos, tais como: Em
busca do tempo perdido, de Proust; O morro dos ventos uivantes;
Moby Dick. Cita também que, no Brasil, na década de 1940, a edi-
tora EBAL publicava a série Edição Maravilhosa com adaptações

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162 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

feitas por André Le Blanc, de romances clássicos brasileiros. Na


literatura infantil atual há inúmeros exemplos de livros construídos
com a estrutura das histórias em quadrinhos. Como exemplo, po-
demos citar as obras de Eva Furnari (Disponível em: <http://www.
letras.ufmg.br/atelaeotexto/revistatxt/felipe2.html>. Acesso em:
10 jul. 2008).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Já de algum tempo as linguagens se encontram e se confron-


tam num mesmo espaço e de diferentes formas. Essa interligação
quebra os contornos de uma linguagem para outra. Como pode-
mos ver a palavra passou a freqüentar e a se relacionar com as
mídias audiovisuais.
Enganou-se quem pensou que as obras literárias permane-
ceriam, dadas a sua complexidade, isoladas desse mundo de ima-
gens. Encontramos inúmeras adaptações para o cinema e a tele-
visão de livros literários ou jornalísticos, o que na teoria se chama
tradução intersemiótica. O limite entre as artes é bastante tênue
na atualidade.
Outro confronto sempre presente nas discussões é: o que é
melhor, o livro ou o filme? As adaptações literárias atuais podem
levar o leitor por dois caminhos: ler o livro para depois ver o filme
e fazer suas considerações, ou ver o filme e essa experiência levá-
-lo a ler o livro.
Mas gostaríamos de ressaltar que cabe ao professor de Lín-
gua Portuguesa discernir que a palavra deve ter seu espaço garan-
tido na sala de aula. De forma alguma ele pode dispensar o livro.
Mesmo que utilize um filme, ele não pode descartar a leitura da
obra, nem que seja parte dela.
É um equívoco pensar que a leitura em um suporte substitui
a leitura em outro. O suporte altera o conteúdo. Assim, o fato de
se ter assistido a um filme no cinema ou uma minissérie na televi-
são, baseados em uma obra literária, não substitui ou dispensa a
leitura dessa obra literária.
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 163

O professor pode aproveitar os audiovisuais de qualidade


que existem em circulação, tais como: o infantil Castelo Rá-Tim-
Bum, o Sítio do Picapau Amarelo, Dom (Casmurro), O Primo Basílio
e alguns programas que têm uma ligação com a literatura, pois re-
vitalizam e atualizam os textos para as novas gerações, habituadas
aos novos meios de circulação da palavra com a imagem.
Machado (1999) cita um texto de Doris Lessing, que ironica-
mente mostra como tem acontecido a substituição da leitura do
livro por outras atividades no contexto atual:

A leitura do livro na atualidade––––––––––––––––––––––––––


... em que pessoas que se consideram educadas e até superiores e mais refina-
das do que gente comum que não lê, chegam junto a um escritor e lhe dão os
parabéns por terem tido uma boa resenha, mas não consideram necessário ler
o livro em questão e nem ao menos percebem que o que está lhes interessando
é só o sucesso...
... em que quando um livro toca em certo assunto, digamos astronomia, logo
uma dúzia de faculdades, instituições, programas de televisão vêm convidar o
autor para falar sobre astronomia. A última coisa que lhes ocorre é ler o livro. E
considera-se que esse procedimento é bastante normal, sem nada de ridículo...
... em que um jovem resenhista ou crítico, que não leu de um determinado escri-
tor nada além daquele livro que está diante de si, pode escrever de forma pater-
nalista e condescendente (como se estivesse meio entediado com tudo, ou se
considerasse que nota dar a um trabalho escolar) sobre o autor em questão, que
pode ter escrito quinze livros, e estar escrevendo a vinte ou trinta anos...e ainda
se acha em condições de dar a esse escritor sugestões e conselhos sobre o que
deve escrever em seguida, e de que modo. E ninguém acha isso absurdo...
etc etc etc... (MACHADO, 1999, p. 121).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

É importante ressaltar que a imagem tem seus próprios códi-


gos de interação com o espectador, diversos da palavra escrita. Por
exemplo, na televisão há todo um contexto que traz significados e
que é captado em primeiro lugar pelo telespectador bem antes do
código verbal: gestos e expressões faciais, trilha sonora, cenários,
vestimentas. É comum que a palavra passe tão despercebida que,
muitas vezes, temos a sensação de que a televisão é só imagem.
A leitura de um livro exige uma compreensão mais aprofun-
dada e um esforço do leitor. É uma leitura que exige tempo e au-
toconhecimento para um posicionamento diante do texto. A vida

Claretiano - Centro Universitário


164 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

moderna diminuiu consideravelmente o tempo para a leitura pra-


zerosa. Cada vez mais pessoas trocam a leitura do livro, que exige
reflexão, pela televisão, que traz um conhecimento mais imediato
e superficial. Um exemplo claro dessa tendência é a preferência
pelos telejornais em detrimento dos jornais impressos.
No entanto, para que haja uma procura pela qualidade, a
escola deve atuar como mediadora, proporcionando ao aluno o
conhecimento mais específico da forma e da estruturação dessas
mídias, pois assim ele será capaz de entendê-las mais profunda-
mente, desenvolvendo o olhar crítico sobre a qualidade dessas
mídias. Não adianta ignorá-las. Elas fazem parte da realidade dos
alunos.
Temos um imenso desafio de trabalhar a palavra em todos
seus contextos e em todas as mídias. Sem rejeição a nenhuma de-
las, temos que direcionar nosso trabalho para a reversão da pes-
quisa citada a seguir:
Segundo uma pesquisa publicada no jornal Folha de São Paulo (7),
57% das crianças e adolescentes de 2 a 17 anos vêem, todo dia no
Brasil, pelo menos três horas de televisão. Somente 5% não vêem
TV. O contraponto com o livro é assustador: 43% das crianças não
lêem livros em hora nenhuma no Brasil, o pior resultado entre os
países analisados, enquanto que nos Estados Unidos 52% lêem de
uma a duas horas por dia e na China 45% lêem a mesma quantida-
de: Em contraponto à televisão, 43% dos pais brasileiros ouvidos
disseram que seus filhos não ocupam nada de seu tempo lendo
livros ou brincando com os amigos; 79% disseram que seus her-
deiros não praticam esportes coletivos; 69% afirmam que eles não
usam computadores. O resultado é preocupante. Quando há mais
TV do que leitura, há um empobrecimento do país. Não brincar
também é perigoso. A criança que não brinca não conversa, fica
isolada", diz Ana Bock, presidente eleita do Conselho Federal de
Psicologia (CFP) e professora da PUC-SP. (8) (MUANIS, disponível
em: <http://www.letras.ufmg.br/atelaeotexto/revistatxt/felipe2.
html>. Acesso em: 24 jun. 2010).

De acordo com Muanis (2008), é preciso transformar as


crianças de esponjas em filtros, para isso a presença do adulto ou
educador é importante. Assim como também é importante que
o jovem conheça como se organizam as linguagens audiovisuais,
seja alfabetizado audiovisualmente, que entenda a gramática e a
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 165

sintaxe da imagem para criar referenciais e ter uma maior possibi-


lidade de fazer uma separação entre o programa bom e o ruim.
Há necessidade do ensino da leitura da linguagem audiovi-
sual nas escolas. Não basta rejeitar ou excluí-las do trabalho peda-
gógico. Também não é solução proibi-las. O aluno precisa e deve
aprender a lê-las competente e criticamente.

9. LEITURA, INTERNET E NOVAS TECNOLOGIAS


Ler no computador tem sido uma prática do nosso cotidiano.
Abrimos nossos e-mails, fazemos operações bancárias, pesquisa-
mos em dicionários eletrônicos, conversamos em salas de bate-
papo, estudamos no EAD e até arrumamos namorado. Sabemos,
porém, que essa prática de leitura atinge apenas uma parcela da
população brasileira, já que é grande a exclusão social. Poucos alu-
nos têm acesso ao texto digital.
No entanto, não podemos negar a importância da rede mun-
dial de computadores como "veículo de disseminação, socialização
e democratização de informações". O hipertexto se faz presente a
todos que têm acesso à internet. Embora seja um texto virtual, ain-
da é "escrita" e, como tal, exige leitura. Por isso, essa modalidade
de leitura não pode ser ignorada pela escola.
Segundo Ezequiel Theodoro (2007), autor do livro A leitura
nos oceanos da internet, a internet é um instrumento que deve ser
incorporado no cotidiano de alunos e educadores. Ele afirma que,
ao lado das bibliotecas e livrarias, a internet é uma das melhores
companheiras dos professores na atualidade.
O fato de a internet ser uma fonte imensa de informação a
qual todos podem ter acesso impõe às escolas novos paradigmas
de leitura. O professor se vê obrigado a incorporá-la nas situações
didáticas e a ressignificar seu papel de detentor de conhecimento.
O reconhecimento de que não é possível simplesmente transmitir
informações com a mesma velocidade e atratividade da multimí-

Claretiano - Centro Universitário


166 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

dia, leva-o a rever sua prática em relação à leitura, pelo menos em


relação à leitura como forma de buscar o conhecimento.
A transformação da informação disponibilizada na rede em
conhecimento deve ser o objetivo fundamental da escola. O co-
nhecimento a que o aluno tem acesso fora do contexto escolar
passa a ser um dado importante a ser considerado tanto no currí-
culo quanto nas formas de atuação do professor.
A preocupação com a formação do leitor nos leva, em pri-
meiro lugar, a nos questionarmos: qual a diferença entre a leitura
na internet e a leitura convencional nos demais suportes (livros,
jornais, revistas)? Assim como o livro exige determinadas compe-
tências leitoras, o texto digital também exige de quem o lê: "esca-
near" em várias direções, "hiperlinkar" novos espaços, minimizar
e selecionar páginas, navegar em vários sites, comunicar-se com as
diversas comunidades, criar páginas, blogs etc.
Duas são as principais características da leitura na internet: a
quase ilimitada possibilidade de navegação e a falta de seleção da
informação. As informações são simplesmente disponibilizadas,
sem qualquer seleção. Não há barreiras para erros, conteúdos,
qualidade da informação.
Apesar da quantidade e da agilidade no acesso, ela tem seus
limites. Por exemplo, a leitura de um livro pela internet é bastante
inviável pelo cansaço que provoca (ou provocava) no leitor. Mas,
se não aguentamos ler livros neste suporte, podemos encontrar
inúmeros deles para a impressão. E ainda encontramos inúmeros
resumos! Resumo do resumo do resumo. Peça no google um resu-
mo de um livro qualquer que, provavelmente, o encontrará.
A inserção de um outro tempo verbal na nossa afirmação
anterior (provocava) vem do aparecimento de novos equipamen-
tos eletrônicos que nós, brasileiros, mal conhecemos e que, por te-
rem novos formatos, podem também despertar para uma leitura
cheia de interesse e fruição. Se hoje muitos leitores infantis já têm
acesso a sites de histórias tradicionais e modernas traduzidas para
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 167

a especificidade da linguagem neste meio, logo terão acesso aos


e-books em seus suportes móveis tal qual um livro em papel.
O livro digital ou o anglicismo e-book
é um livro em formato digital que pode ser lido em equipamentos
eletrônicos tais como computadores, PDAs ou até mesmo celulares
que suportem esse recurso.
Os formatos mais comuns de E-books são PDF e HTML. O primeiro
necessita do conhecido leitor de arquivos Acrobat Reader ou outro
programa compatível, enquanto que o segundo formato precisa de
um navegador de Internet para ser aberto (WIKIPEDIA, 2010).

No entanto, a maior novidade não é podermos baixar na in-


ternet um e-book, e, sim, o fato de que este poderá ser lido nos
leitores eletrônicos portáteis. Vários são os modelos e as empresas
que desenvolveram e estão aperfeiçoando o portador móvel de
textos.
Neste ponto, a polêmica se complexifica sobre o tão anun-
ciado "fim do livro".
O suporte de papel, segundo especialistas, será gradativamente
abandonado em favor de e-books, telas nas quais o conteúdo será
carregado a preços módicos [...]. Assim como já acontece com a
música, a literatura será desmaterializada sobrevivendo no etéreo
mundo da informação digital. [...] Há quem defenda a tese de que
as mudanças de suporte pouco afetarão a obra literária (PENZ.
The e-book is on the table. Disponível em: <http://www.comuni-
dadenews.com/colunista/rubem-penz/the-e-book-is-on-the-table-
5292> . Acesso em: 3 jul. 2010).

Contudo, devemos pensar sempre que o suporte altera sim


formas tanto de escrita quanto de leitura.
Se a leitura em PDF é cansativa e mais lenta, tornando a lei-
tura na tela um suplício, novos equipamentos e programas estão
resolvendo este problema. Já é possível ler com qualidade no com-
putador sem ser no PDF e com qualidade de imagens.
Para tanto, surge uma nova geração de equipamentos, lei-
tores de e-books portáteis, que disponibilizarão a leitura não em
computadores ou notebooks, mas em aparelhos móveis que pode-

Claretiano - Centro Universitário


168 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

rão ser lidos ao sol como um jornal, na escuridão com uma peque-
na luz USB, tal como se portássemos um livro de papel.
Essa nova geração de equipamentos oferece vantagens mil,
segundo diversos sites da internet e alguns programas de televisão,
pois esses novos leitores portáteis não fazem barulho, ligam-se à
internet, têm WiFi, possuem portas USB e  Ethernet (redes locais);
"podem descarregar e enviar virtualmente qualquer ficheiro; têm
uma grande capacidade de memória, permitindo o armazenamen-
to de centenas de e-books no leitor portátil". E, ainda mais: "os
textos dos e-books podem ser comentados, sublinhados, anota-
dos" com uma caneta digital. Pode-se até "preencher formulário,
responder a questionários assim como tomar notas e guardá-las
juntas com o texto" que se está lendo1 (ROBIN GOODS MASTER
NEW MEDIA, 2010).
E nós cá pensando: ainda não tivemos acesso a nenhum des-
ses brilhantes equipamentos que têm produzido filas imensas pela
Europa para comprá-los!
Nesse contexto, cai por terra a ideia de que o livro eletrôni-
co não pode ser carregado numa viagem, não pode ser lido num
ônibus, não pode ser levado para a cama e de que é difícil ler na
tela. Diante dessa nova tecnologia, não vale mais a afirmação tão
linda da escritora Ruth Rocha, ou melhor, não vale para alguns pri-
vilegiados, mas valerá para muitos de nossos alunos durante um
bom tempo.

Leitura e tecnologia––––––––––––––––––––––––––––––––––––
"Computador é bom. É. Faz coisas fantásticas!
Mas não faz as coisas que um livro faz.
E depois, livro não enguiça, como disse o Millôr Fernandes.
E computador, como disse o Ziraldo, não se leva pra cama. E não se põe uma
violeta dentro dele.
O livro guarda tesouros!
E o computador, não guarda?
Ah, guarda.
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 169

Mas, acontece que os tesouros que o livro guarda são complementares com a
nossa fantasia. E o processo de leitura possibilita essa operação maravilhosa
que é o encontro do que está dentro do livro com o que está guardado na nossa
cabeça."

(ROCHA, Ruth. Disponível em: <http://www.leiabrasil.org.br/index


aspx?leia=publicacoes_livros>. Acesso em: 10 jul. 2008, p. 147).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O que podemos deduzir é que a internet ou a nova tecnolo-
gia não irá impedir ou estimular a leitura de livros, jornais e revis-
tas, mas correrá em paralelo com elas ou será seu suporte básico.
Como discutimos anteriormente, as mídias não estão isoladas,
elas dialogam entre si e podem uma reforçar a leitura da outra. Se-
gundo a semioticista Santaella (1996), o surgimento de uma nova
mídia não provoca o desaparecimento da anterior, mas sim sua
esteticização.
No entanto, temos que perceber que, embora livros, escritos
para serem impressos também estão e estarão em novos suportes,
em novas mídias de linguagem virtual, o nosso trabalho deve focar
a tecnologia básica, a escrita. É a leitura da escrita que o aluno
precisa desvendar com competência.
Uma preocupação dos educadores é a absorção pelos alu-
nos da escrita abreviada que não respeita a ortografia oficial, da
assimilação dos estrangeirismos e neologismos. Diante desse ar-
gumento, o que se pode afirmar é que a língua é um elemento
vivo, sempre em transformação. Uma interpenetração de formas
lingüísticas é inevitável, pois é impossível separá-la do contexto
social e tecnológico e das situações de uso. Silva (2008), em uma
entrevista à revista eletrônica Leia Brasil, assim fala:

O uso da internet por professores e estudantes––––––––––––


LB: Como a internet pode ser aproveitada por professores e outros agentes de
leitura?
ETS: Como uma das maiores e melhores fontes de informação do mundo con-
temporâneo. Além disso, por meio dos provedores de busca, como uma "bibliote-
cária" super atualizada e acionada ao clique do mouse, para buscar milhares de
referências para a composição das aulas. Ao lado das bibliotecas e livrarias, vejo
a Internet como uma das melhores companheiras dos professores na atualidade.

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170 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

LB: Que sites de leitura o senhor sugere para estudantes e educadores?


ETS: Sugiro que eles próprios decidam por si, entrando com a palavra "leitura"
no site www.google.com.br. Agorinha pouco entrei, fiz esse trabalho e encontrei
a bagatela de "556.000" referências sobre o tópico leitura - eis aqui uma outra
característica do leitor da Internet: saber buscar e selecionar as informações nos
oceanos virtuais.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Entrevista. Disponível em: <http://www.leiabra-
sil.org.br/index.aspx?leia=conteudo/entrevistas_ezequiel>. Acesso em: 14 jul.
2008.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Embora o acesso seja livre e individual, a construção de sen-


tidos só acontece na interação. Aí destacamos a importância do
outro: familiares, amigos, professores ou interlocutores anônimos
dos textos e dos meios de comunicação.
A escola precisa estar atenta ao fato de que toda a constru-
ção de conhecimentos envolve valores. As novas tecnologias da
informação e da comunicação não dispensam a educação escolar.
Espera-se que esta seja capaz de analisar junto ao aluno os signi-
ficados veiculados pela mídia. A memorização está descartada e o
trabalho deve centrar-se nas "capacidades necessárias ao exercí-
cio de dar sentido ao mundo: analisar, inferir, prever, resolver pro-
blemas, continuar a aprender, adaptar-se às mudanças, trabalhar
em equipe, intervir solidariamente na realidade".
Maria Lúcia Santaella apresenta em seu livro Navegar no ci-
berespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo uma nova classifi-
cação do leitor, com base em seu projeto desenvolvido de 1999
a 2001 pelo CNPQ. Para essa autora, temos três tipos de leitores
que não se excluem.
Percebi que por trás dessa multiplicidade, há três tipos ou modelos
de leitores. Trata-se de uma tipologia que não se baseia na dife-
renciação dos processos de leitura em função das distinções entre
classes de signos ou espécies de suporte desses signos, mas toma
por base os tipos de habilidades sensoriais, perceptivas e cognitivas
que estão envolvidas nos processos e no ato de ler, de modo a con-
figurar modelos de leitor, como se segue:
1. O primeiro é o leitor contemplativo, meditativo da era pré-in-
dustrial, o leitor da era do livro e da imagem expositiva. Esse tipo
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 171

de leitor nasce no Renascimento e perdura hegemonicamente até


meados do século XIX.
2. O segundo é o leitor [fragmentado, movente] do mundo em
movimento, dinâmico, mundo híbrido, de misturas sígnicas, um
leitor filho da revolução industrial e do aparecimento dos grandes
centros urbanos, o homem na multidão. Esse leitor, que nasce com
a explosão do jornal e com o universo reprodutivo da fotografia e
cinema, atravessa não só a era industrial, mas mantém suas carac-
terísticas básicas quando se dá o advento da revolução eletrônica,
era do apogeu da televisão.
3. O terceiro tipo de leitor [virtual, imersivo] é aquele que come-
ça a emergir nos novos espaços incorpóreos da virtualidade. (...)
Não mais um leitor que tropeça, esbarra em signos físicos, mate-
riais, como era o caso do leitor movente, mas um leitor que navega
numa tela, programando leituras, num universo de signos evanes-
centes, mas eternamente disponíveis, contanto que não se perca a
rota que leva a eles. Não mais um leitor que segue as seqüências
de um texto, virando páginas, manuseando volumes, percorrendo
com seus passos a biblioteca, mas um leitor em estado de pron-
tidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear,
multi-seqüencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao
interagir com os nós entre palavras, imagens, documentação, mú-
sicas, vídeo etc. (SANTAELLA. Leitura fora do livro. Disponível em:
<http://www.pucsp.br/pos/cos/epe/mostra/santaell.htm>. Acesso
em: 24 jun. 2010).

Pensamos que estamos, enquanto educadores, um pouco


distantes de entender os processos cognitivos desse último leitor,
o leitor das "das arquiteturas líquidas da hipermídia, navegando
no ciberespaço" e precisamos aprofundar nossos estudos sem
ideias pré-concebidas ou preconceituosas.
No entanto, em que pesem as especificidades da linguagem
virtual, não podemos negar que esta criou um contexto no qual é
preciso saber manejar competentemente a leitura e a escrita para
acessar blogs, para responder e-mails, para criar páginas, para se
comunicar em orkutetc.
A necessidade de formação traz a questão da leitura de volta
ao centro do problema. A escrita é, na verdade, a tecnologia bási-
ca e a leitura dessa é a competência fundamental para a inserção
nesse novo contexto.

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172 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

Informação sobre Affonso Romano de Sant’Anna–––––––––––


Affonso Romano de Sant’Anna é poeta, cronista e professor universitário. Foi
presidente da Biblioteca Nacional de 1990 a 1996, onde criou o Sistema Nacio-
nal de Bibliotecas e o PROLER. Foi secretário das Bibliotecas Nacionais Ibero-
-Americanas e Presidente do Conselho do Centro Regional para o Fomento do
Livro na América Latina e no Caribe (CERLALC). Disponível em: <http://www.
leiabrasil.org.br/index.aspx?leia=conteudo>. Acesso em: 14 jul. 2008.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O importante é que nada substituiu a leitura e a escrita, tec-


nologias básicas para o acesso e a utilização de qualquer outra
tecnologia. É a leitura que dá acesso ao conhecimento acumulado
pela humanidade. Nossa capacidade de ler e de entender o que
está escrito, de argumentar criticamente, de nos posicionarmos
diante das ideias expostas nos textos é a base para toda e qualquer
outra leitura no meio virtual.

Estímulo à leitura––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Você talvez conheça um adolescente que não se "amarre" muito em livro didá-
tico, mas curta vídeo, videogame e livros do Marcos Rey. Quando se fala em
estímulo à leitura, fico com vontade de contar experiências que deram certo.
Mas, infelizmente, não há fórmulas mágicas: os interesses de leitura variam com
o tempo e o próprio interesse pela leitura. Já li fotonovelas e histórias de faroeste,
como já iniciei a leitura de clássicos, sem terminar...
Nenhuma leitura é descartável: quando a gente se cansa, percebe a redundân-
cia de certos textos, busca novos desafios. Mas, seguramente, não dá para de-
senvolver o gosto pela leitura tentando enfiar os autores goela abaixo. Nunca
ninguém me obrigou a ler Horácio. Um dia, quando senti interesse, procurei uma
tradução em português e, como gostei, procurei outras traduções em português,
e também traduções em francês e espanhol e – imagine! –confrontei as tradu-
ções com o original em latim (e eu não sei latim).
SANT’ANNA, Affonso de Romano.IN: LAJOLO, Marisa. LIVRO DIDÁTICO: um
(quase) manual de usuário. In: disponível em: <http://www.inep.gov.br/download/
cibec/1996/periodicos/ em_aberto 69.doc>. Acesso em: 14 jul. 2008).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Concluindo, diríamos que é muito comum a escola e a família


culparem a mídia eletrônica pela falta de leitura constatada entre
as crianças e jovens. Mas estas instituições não podem abdicar de
suas responsabilidades diante da formação do leitor. É preciso as-
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 173

sumir o desafio de fazê-los ler, seja em que mídia for. Ainda temos
que construir nossa tradição de leitura.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Diante do objetivo proposto inicialmente, solicitamos a você
que relacione aspectos da unidade que mudaram seus posiciona-
mentos diante:
1) do livro didático;
2) da leitura literária na escola;
3) da importância das bibliotecas na escola;
4) do leitor diante da internet e das novas tecnologias.

11. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade procuramos dar uma visão geral da leitura
nos diversos espaços e tempos que permeiam nossa atualidade e
interferem, queiramos ou não, no trabalho pedagógico. Uma visão
mais ampla da leitura é fundamental para que o professor que en-
sina Português possa atuar na convergência das linguagens e seus
suportes, sem desconsiderar os textos escritos no suporte conven-
cional que é o livro.
O suporte da leitura vem mudando através dos tempos, mas
a palavra sobrevive com sua capacidade narrativa e condutora do
pensamento, assim como também sobrevive a leitura da literatura
que se cria por meio dessa linguagem. Historicamente, partimos
da oralidade para a visualidade da imprensa e hoje para a sineste-
sia das novas tecnologias. No entanto, a leitura permanece. Mu-
dou apenas a forma de se ler: a leitura memorizada do contador,
a leitura dos sinais impressos no papel e a leitura nos ambientes
virtuais.
Procuramos, ao longo do desenvolvimento das unidades,
contextualizar e inserir posicionamentos de diversos autores, com
o intuito de trazer até você outras "falas", pois, para a formação

Claretiano - Centro Universitário


174 © Metodologia do Ensino: Formação do Leitor

do leitor, nada é tão importante como o contato com a "expressão


viva" da linguagem de cada um dos sujeitos. E finalizamos com a
fala da escritora Ana Maria Machado, que expressa tão bem o que
gostaríamos de deixar como mensagem a você:
Quero só dizer que, apesar de todos os problemas, acredito na so-
brevivência da leitura e do livro — embora admita que ele possa
até mudar de forma e de suporte —, porque acredito no poder cria-
dor do homem manifestado através da palavra. E na sua perma-
nência através da escrita. E acredito num leitor que vai continuar
lendo, um leitor que existe há séculos, sendo atraído para os livros
por uma curiosidade irresistível, pela paixão do mistério e da comu-
nhão. (MACHADO, 1999, p. 121).

12. E-REFERÊNCIAS
LAJOLO, M. Livro didático: um (quase) manual de usuário. In: disponível em: <http://
www.inep.gov.br/download/cibec/1996/periodicos/em_aberto_69.doc>. Acesso em: 24
jun. 2010.
MARCUSCHI, Luís Antônio. Exercícios de Compreensão ou Copiação nos Manuais de
Ensino deLíngua? In: Revista Em aberto. Brasília, ano 16, jan/marc, 1996. Disponível
em: www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%257B5F8D6FDF-2BF0-476F-9271-
88ADE36BAD1A%257D_Em_Aberto_69.pdf. Acesso em: 10 jul. 2008.
MUANIS, F. Televisão. Texto publicado originalmente na revista TXT – Leituras
Transdisciplinares de telas e textos – da UFMG. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.
br/atelaeotexto/revistatxt/felipe2.html>. Acesso em: 10 jul. 2008.
PENZ, R. The e-book is on the table. Disponível em: <http://www.comunidadenews.com/
colunista/rubem-penz/the-e-book-is-on-the-table-5292> . Acesso em: 3 jul. 2010.
PERROTTI, E. Leitores, ledores e outros afins (apontamentos sobre a formação do
leitor). In: PRADO, J; CONDINI, P. (Org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio
de Janeiro: Argus, 1999. p.31-40. Disponível em: <www.leiabrasil.org.br/index.
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ROCCO, M. T. Leitor, leitura, escola: uma trama plural. Disponível em: <www.leiabrasil.
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ROCHA, R. Livros x computador. Disponível em: <http://www.leiabrasil.org.br /index.
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SANTAELLA, Maria Lúcia. Leitura fora do livro. Disponível em: <http://www.pucsp.br/
pos/cos/epe/mostra/santaell.htm>. Acesso em: 24 jun. 2010.
© U5 – Suportes, espaços e tempos de leitura 175

SANT’ANNA, A. de R. In: LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário.


In: disponível em: <http://www.inep.gov.br/download/ cibec/1996/periodicos/em_
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______. A formação do leitor no Brasil: o novo/velho desafio. Disponível em: <http://
www.inep.gov.br/download/cibec/1996/ periodicos/em_aberto_69.doc>. Acesso em:
14 jul. 2008.

Chamada numérica
1 – ROBIN GOODS MASTER NEW MEDIA. Adeus PDF: a próxima revolução nos e-books
– uma entrevista com Antonio Tomboli. Disponível em: <http://www.masternewmedia.
org/pt/entrega_e_distribuicao_de_conteudos/leitor-e-book/adeus-pdf-proxima-
revolucao-nos-e-books-uma-entrevista-com-antonio-tombolini-20070406.htm>. Acesso
em: 3 jul. 2010.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Portuguesa/SEF-Brasília MEC/SEF, 1998, p. 69-70.
BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio: Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias. Brasília: MEC/SEB, 2006.
CALVINO, Í. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
CECCANTINI, J. L. C. T. (Org.). Leitura e literatura infanto-juvenil. São Paulo: Cultura
Acadêmica: ANEP, 2004.
CÓCCO, M. F.; HAILER, M. A. Análise, linguagem e pensamento. São Paulo: FTD, 1995.
KAUFAMAN, Ana Maria; RODRÍGUEZ, Maria Helena. Escola, leitura e produção de textos.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
LAJOLO, M. Meus alunos não gostam de ler: o que eu faço? Brasília: MEC, 2005.
MACHADO, A. M. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002.
______. Conversas sobre leitura e política. São Paulo: Ática, 1999.
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Claretiano - Centro Universitário


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