Anda di halaman 1dari 141

FACULDADE MARIA MILZA - FAMAM

REVISTA N.° 01 JANEIRO DE 2006

DIRETOR DA FAMAM

Weliton Antônio Bastos de Almeida

DIRETORAS DO CEMAM (Instituição mantenedora da FAMAM)

Jucinalva Bastos de Almeida Costa


Janelara Bastos de Almeida Silva

EDITOR

Maria José Lima Lordelo

CAPA

Nelson Magalhães Filho

CRUZ DAS ALMAS


2006

Gráfica e Editora Nova Civilização Ltda.


Rua J. B. da Fonseca, 280 - 1º Andar - Centro
Tel.: (75) 3621-1031 - E-mail: gnc@cruz.mma.com.br
CEP: 44.380-000 - Cruz das Almas - Bahia
CRUZ DAS ALMAS
2006
Conselho Editorial

Edmar José Borges de Santana - FAMAM/UFBA


Elizabete Rodrigues da Silva - FAMAM
José Fernandes de Melo Filho - FAMAM/UFBA
Maria Angélica Pereira de Carvalho Costa - FAMAM/UFBA
Sérgio Roberto Lemos de Carvalho - FAMAM/EBDA

Ficha Catalográfica

TEXTUTA. Faculdade Maria Milza. - v. 1, n. 1. (jan. - jun. 2006) - Cruz das


Almas, BA.: Faculdade Maria Milza, 2006.

Semestral

1. Educação 2. Ciências Agrárias 3. Saúde I. Faculdade Maria Milza


O saber científico não pode saber e fazer saber que
ele é o verdadeiro saber sem recorrer ao outro
saber, o relato, que é para ele o não-saber, sem o
que é obrigado a pressupor a si mesmo e cai assim
no que ele condena, a petição de princípio, o
preconceito.

Lyotard
SUMÁRIO

Apresentação.....................................................................................................09

PRIMEIRA PARTE - EDUCAÇÃO

A crise da cidadania da leitura


Maria José Lordelo ................................................................................................13

Educação emocional na escola fazer do homem um ser humano


Maria José Etelvina dos Santos ...............................................................................18

Mulher: Uma construção social e cultural


Elizabete Rodrigues das Silva .................................................................................33

Letramento: concepções e práticas de sala de aula de alfabetização


Celidalva Sousa Reis .............................................................................................39

Território, Identidade e movimento


Márcio Emanuel Dantas Estevam ............................................................................49

Internet: Um canal aberto para viabilizar o processo de construção


do conhecimento nas escolas
Antonio Wellington Melo Souza ...............................................................................56

O ensino aprendizagem da geografia frente às transformações contemporâneas


Cláudio Ressurreição dos Santos; Edney Conceição..................................................66

Geografia mítica: Reflexões sobre lugar sagrado e espaço devocional


Jânio Roque Barros de Castro .................................................................................76

A transposição da problemática da ideologia para práxis do ensino


de história e geografia do Brasil
Joélio Barros de Oliveira .........................................................................................90

A importância do estudo de história regional e local no ensino fundamental


Luis Carlos Borges da Silva .....................................................................................95

O estudo da paisagem: Uma proposta metodológica para a compreensão


da dinâmica ambiental
Maria da Glória Figueiredo Rodrigues ....................................................................101

Introdução à lógica da teoria construtivista


José Henrique Oliveira Santos ...............................................................................112
O livro didático de geografia no ensino fundamental e o papel do professor
Luis Antonio Pereira Lima .....................................................................................117

SEGUNDA PARTE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E SAÚDE

Regeneração de plantas In Vitro de limão 'cravo' (Citrus Limonia L. Osbeck),


Via Organogênese
Fabíola Santana Rebouças, Elma dos Santos Souza, Rosely Pereira da Silva,
Maria Angélica Pereira de Carvalho Costa, Weliton Antônio Bastos de Almeida ...........131

Políticas de saúde e controle da tuberculose no Brasil


Pedro Ricardo da Silva Biscarde; Daniela Gomes dos Santos Biscarde .......................139
APRESENTAÇÃO

Textura, [tekistura] conforme o dicionário latino-português organizado por


Ernesto Faria e revisado por Ruth Faria (1975), significa tecido, encadeamento,
contextura, ligação. Por conseguinte, a escolha do nome Textura para a revista da
Faculdade Maria Milza - FAMAM, Cruz das Almas, Bahia, não foi por acaso. Mas,
sobretudo, porque essa palavra traduz a filosofia da Instituição, a qual se funda na
democratização e atualização do conhecimento.
Assim, a matéria distribui-se em três áreas do conhecimento: Ciências Agrá-
rias, Educação e Saúde. Embora não haja equivalência entre o número de traba-
lho nas citadas áreas, consideramos expressivo o total de trabalhos selecionados
para o primeiro número da Textura, que surge como uma nova opção de divulga-
ção dos trabalhos acadêmicos para o Recôncavo.
Esperamos que a Textura possa chegar a cada leitor para contribuir na for-
mação científica e acadêmica. Neste sentido, aguardamos, também, sugestões e
críticas para que possamos melhorar sempre.
Os trabalhos assinados são de total responsabilidade dos respectivos auto-
res. E a reprodução dos textos não é proibida desde que haja indicação da fonte.

Weliton Antônio Bastos de Almeida


Diretor da FAMAM

Maria José Lordelo


Editora da Textura
I - PRIMEIRA PARTE
EDUCAÇÃO
A CRISE DA CIDADANIA DA LEITURA

Maria José Lordelo*

RESUMO: Este estudo analisa a supervalorização da cultura cibernética e a mar-


cante tendência de desvalorização do livro. Esta concepção construiu-se no exer-
cício das próprias aulas, cujos estudantes evidenciam dificuldades em atribuir sen-
tidos à leitura, bem como de estabelecer uma ordem ao discurso. Por conseguin-
te, a Escola precisa repensar o seu papel enquanto espaço de apropriação de
novos saberes. Dentre esses, incluem-se as novas tecnologias como necessida-
de de atualização e a leitura como condição para a formação discursiva e de leito-
res críticos, capazes de subverter a linguagem que sustenta o poder de domina-
ção.

PALAVRAS-CHAVE: Cibercultura; linguagem; poder.

ABSTRACT: This study analyses the overvaluation of the cybernetic culture and
the remarkable tendency to undervalue the book. This concept was built in the
class room where the students demonstrated difficulties to give sense to the lectu-
re as well as to establish order into the speech. Consequently, the educational
system needs to re-evaluate its role as the locus for the appropriation of new know-
ledgements. Among these, the new technologies as needs for actualization and
reading as a condition for discursive capacity and of critical readers, capable of sub-
verting the language that sustains power and domination.

KEY WORDS: Cyber culture; language; power.

A teoria quântica e a microfísica obrigam a


uma revisão muito radical da idéia de
trajetória contínua e previsível.

(Lyotard)

*
Professora do curso de Normal Superior da Faculdade Maria Milza-FAMAM, licenciada em Letras
pela Universidade Federal da Bahia-UFBA, pós-graduada em Estudos Literários pela Universidade
Estadual de Feira de Santana-UEFS, mestra em Ciências da Educação pela Universidade Internacio-
nal, Lisboa-Portugal.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 13-17, janeiro, 2006.


14 Maria José Lordelo

No momento em que novas tecnologias constituem-se num dos grupos


mais dinâmicos da contemporaneidade, numa espécie de alumbramento, o livro
está sendo ameaçado pela supervalorização do mundo digital.
Diante desta ambivalência de sentido, a Escola precisa restituir à socieda-
de a sua função, que é a de re-significar o seu projeto político-pedagógico. Este
novo sentido desloca-se para a superação das antinomias entre o tradicional e o
moderno. Ou seja, ver as novas tecnologias como uma trajetória de atualização e
a leitura como condição para a construção do sujeito enquanto cidadão.
Por isso, vê-se a linguagem como a base para a sobrevivência, como cons-
trutora do saber e não como instrumento deste. Assim, o computador deve ser
visto como uma máquina com um vasto banco de dados a qual exige a capacidade
de cada usuário que precisa saber utilizar novas linguagens, ou seja, quais os
seus efeitos.
Então, o novo caminho tomado para a construção do saber é a leitura, que
não irá prosseguir sem conflitos por conta de equívocos cometidos em relação às
máquinas. Estas chegaram a tal evolução graças ao desenvolvimento da lingua-
gem. Esta mesma linguagem que sustenta o poder da sociedade do conhecimen-
to, também manteve o poder da evolução industrial que assegurava o rápido aces-
so a padrões de bem-estar, mas também provocou o aumento de desigualdades
entre os povos.
Neste novo contexto, repleto de ambigüidade, a informação emerge como
um bem estratégico, talvez o mais valioso de todos os tempos. Um mecanismo de
produção que mascara a competitividade das indústrias e das empresas. A partir
desse novo cenário, o livro perde em relação à cultura essencialmente visual.
Com isso, a escrita fica comprometida. Embora não corra risco de desapa-
recer porque a linguagem do computador também comporta a linguagem escrita.
Todavia cada vez mais se criam novos códigos simplificados que só são compre-
endidos por um leitor familiarizado com esta nova linguagem.
No entanto, para os tecnicistas, as novas tecnologias são a infra-estrutura
fundamental para a resolução da crise do ensino. Por trás dessa ênfase à aplica-
ção da técnica “(...) houve as pequenas técnicas de vigilâncias múltiplas (...) que
prepara um novo saber sobre o homem, através de técnicas para sujeitá-lo e pro-
cessos para utilizá-los”.(FOUCAULT, 2004, p.144).
Dentro desse raciocínio, pergunta-se: a quem interessa tanto destaque à lin-
guagem da máquina? O rompimento dos limites da fronteira se dá realmente, ou
apenas no sistema da comunicação virtual? As interações com outros países se
dão assim mesmo? Lá fora, tudo acontece como na internet cujos mundos estão
interligados? Quem produz as tecnologias de ponta? Quem é o consumidor?
Todos esses questionamentos podem encontrar respostas nas idéias implícitas,
cujo leitor ingênuo não percebe.
Contudo, entende-se a necessidade de atualização uma vez que as novas
tecnologias de informação fazem parte do desenvolvimento pessoal, ligados a
novas situações sócio-culturais, dentre estas o mundo da cultura digital. O que

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 13-17, janeiro, 2006.


A crise da cidadania da leitura 15

não se concebe é que a máquina veio para solucionar os problemas do ensino.


Um pensamento dessa natureza não dá conta da complexidade da época vigente.
Mesmo porque o computador surgiu como um recurso para a educação, mas não
como precursor desta.
Em cada época, descobre-se um instrumento que se superpõe aos já exis-
tentes, como aconteceu com a caneta-tinteiro substituída pela esferográfica e
com a máquina de datilografia, primeiro pelas manuais, depois pelas elétricas.
Entretanto, até hoje, a caneta esferográfica permanece no mercado porque está
ao alcance de todos, mas o computador continua elitizado.
Ele representa, nesta sociedade, o mesmo poder hegemônico da era da
escrita que possibilitou o progresso e desenvolvimento da cultura ocidental, da
mesma maneira que a caneta-tinteiro era privilégio de poucos. Portanto, o fato
repete-se através dos tempos, isto é, esse mesmo poder é reproduzido pelas
novas tecnologias sob a máscara de um discurso de desenvolvimento para todos.
“A verdade está circularmente ligada a sistemas de poder que a reproduzem e a
apóiam e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem”.(FOUCAULT,
1998, p.14).
Semelhante raciocínio apresenta Roland Barthes (1989) que diz que o
poder não é tão simples de entendê-lo, podendo percebê-lo como algo divisório,
de um lado os que o têm e do outro os que não o têm. O poder não é uno, mas plu-
ral e presentifica-se em todas as relações sociais das mais simples, as familiares,
das mais complexas, o Estado. Neste entendimento, o poder funciona em cadeia,
como algo que se situa de cima para baixo e, por isso mesmo, emerge em todos os
lugares como um organismo vivo, sendo impossível erradicá-lo.
O mais curioso é que não importa a natureza do poder, este é sempre veicu-
lado pela linguagem. Daí a importância de se investir na qualidade da leitura que
irá permitir aos sujeitos uma melhor percepção das verdades ocultadas pelos
jogos de linguagem. “(...) todo enunciado deve ser considerado como um lance
feito num jogo”. (LYOTARD, 1997, p.17).
Tal pensamento revela que falar ou escrever é como num jogo, ganha o
melhor adversário, quer dizer, aquele que estiver em melhor posição de combate,
de contra-argumentar. Logo, qualquer vínculo social é realizado por atos de lin-
guagem, por isso mesmo devem ser observados e analisados.
Conseqüentemente, o leitor crítico tem o poder de perceber e entender o
porquê de não poder viver com dignidade, de ter consciência de que é oprimido.
Da mesma forma que é capaz de impedir que uma lei injusta seja aprovada, ou
ainda pressionar o Estado para cobrar os seus direitos. Sobreviver na dependên-
cia política é pior que a econômica porque a primeira determina a segunda.
O grande problema é que a escola está deixando de cumprir a sua função,
principalmente quando se trata do ensino oferecido à pobreza. Os alunos lêem
pouco e quando o fazem são capítulos de livros ou fragmentos destes. As escolas
não possuem bibliotecas, na sua maioria. Os livros bons custam caro e até mesmo
os mais baratos não alcançam o poder aquisitivo das famílias pauperizadas.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 13-17, janeiro, 2006.


16 Maria José Lordelo

E o mais grave é que a prática da leitura em sala de aula não cria um espaço
para a produção do conhecimento. As questões propostas para a compreensão
do texto, em geral, são direcionadas para as respostas. Então a leitura mecaniza-
da não é só uma característica da pedagogia clássica, mas de qualquer atividade
pedagógica, inclusive a do computador quando o leitor reproduz o que nele está
depositado.
Mas o que vem ocorrendo é que muitos professores acreditam que somen-
te as teorias modernas da aprendizagem possibilitam uma formação discursiva
própria. Daí criarem uma concepção pejorativa para o ensino tradicional, de mane-
ira equivocada. Esse equívoco tem sua origem na confusão de sentidos entre con-
servador e tradicional. Ser tradicional ainda é privilégio de poucos. Ser conserva-
dor é um mal para a educação. Nesse sentido, há tradicionais modernos e moder-
nos que são conservadores.
Logo, o que se põe em questão é a competência do professor em fazer com
que os estudantes problematizem as discussões e busquem constantemente reor-
dená-las e atualizá-las em respostas que justifiquem o entendimento daquilo que
lêem. Mas a prática comum evidenciada nos trabalhos apresentados, por uma
parte considerável dos estudantes, é que o computador está sendo usado como
lugar de apropriação indevida da linguagem. Aí, reside um grande problema: a des-
truição da autoria e um obstáculo à construção de novas linguagens porque não
são feitas inferências, que se constituem a base para a produção do conhecimen-
to epistemológico.
Estas reflexões valem para dizer que a criatividade e a capacidade de reor-
denar as informações traduzidas na linguagem das máquinas exigem um tipo de
leitor reflexivo, aquele que é capaz de filtrar as vantagens que lhe são oferecidas,
dentre essas, apropriar-se de novos signos e ampliar as informações com maior
rapidez.
Contudo, as vantagens que as máquinas propiciam estão-se convertendo
em prejuízos para a educação. Esta crise é visível na dificuldade de os estudantes
construírem um texto, oral ou escrito, com coerência. Essa fragmentação do pen-
samento é decorrente de uma cultura predominantemente visual, muito embora
não se possa afastar desta, uma vez que ela é conseqüência da força incoercível
do tempo.
Todavia, o que não cabe mais é um posicionamento radical diante dessas
mudanças. Desse ponto de vista, o antigo e o novo não podem ser compreendidos
como antíteses, mas como épocas em constante diálogo. Assim raciocina Gaillard
(1992) quando afirma que seja qual for o trabalho que ligue o homem ao passado
não é possível afastar-se de tal distância.
Desta forma, os clássicos e os modernos estão sempre em permanente
intercâmbio, aliás, esta é a filosofia da pós-modernidade, cujo discurso é eclético.
Se assim não fosse, não haveria distinção entre a modernidade e a pós-
modernidade. A falta de clareza desses dois pensamentos justifica o posiciona-
mento daqueles que rejeitam o tradicional, confundindo com o vetus que é anacrô-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 13-17, janeiro, 2006.


A crise da cidadania da leitura 17

nico. O antiquus pertence a uma outra época, mas pode e deve ser constantemen-
te atualizado, através de novas linguagens.
O livro e a cibercultura não se excluem. Mas a visão imediatista da socieda-
de deste tempo, provocada pela velocidade das informações, rejeita o antigo sem
entendê-lo como um conhecimento que se atualiza permanentemente. Por isso, o
novo leitor configura-se neste momento do provisório, o que lhe interessa é o aqui
e o agora. Por conseguinte, forma-se uma sociedade com o máximo de informa-
ção proporcionada pelas novas tecnologias, mas sem o devido preparo para o
acesso a essas novas linguagens. Com isso, o que se pretende dizer é que a soci-
edade da informação não é mais do que um instrumento da sociedade educativa
que depende da maior ou menor competência do orientador.
Se a educação contribuir para a formação de sujeitos críticos e construtores
de novos saberes, é possível acreditar-se numa mínima luz de utopia em que se
vislumbre uma esperança de sobrevivência aos processos excludentes. Devolver
aos estudantes o direito de sonhar é não brincar de educação, de forma que a lei-
tura seja priorizada, porque é através da linguagem que se mantém o poder. Quer
seja para sustentar uma ordem, quer seja para subvertê-la, para reprimir ou desre-
primir, as atitudes e ideologias são sempre mediatizadas pela linguagem. Nesta
acepção, inclui-se o mundo dos signos criados para o computador, os ritos sociais,
enfim, toda essa simbologia que traz um conteúdo velado, como por exemplo, o
poder hegemônico do hipertexto.
Por conseguinte, pensar a cidadania é, antes de tudo, ensinar a ler, notada-
mente os clássicos. Talvez seja a falta de leitura o maior problema que a educação
enfrenta. Neste tempo em que se destaca uma cultura aleatória e fragmentada,
quem está em crise é a cidadania da leitura, que se constitui, na sociedade pós-
moderna, uma condição para a sobrevivência.

REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro. Difel, 2003. 256p.

FOUCAULT, Michel. A microfisica do poder. 20ª edição. Rio de Janeiro. Graad,


1991. 125p.

_________ Vigiar e punir. 29ª edição. Petrópolis. Vozes, 2003. 277p.


GAILLARD, Jacques. Introdução à literatura latina. Edição nº821 010/1859.
Portugal. Editorial Inquérito, 1992. 162p.

LYOTARD, François. A condição pós-moderna. 5ª edição. Rio de Janeiro. José


Olympio, 1992. 131p.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 13-17, janeiro, 2006.


EDUCAÇÃO EMOCIONAL NA ESCOLA FAZER DO HOMEM
UM SER HUMANO

Maria José Etelvina dos Santos*

RESUMO: O artigo relata e analisa como a implantação de projetos sobre educa-


ção emocional nas escolas pode contemplar o desenvolvimento ou o despertar de
valores humanos e também contribuir para a promoção da paz nas escolas. Faz
uma análise através da explicação psicanalítica e paradigmática sobre comporta-
mento agressivo e inadequado em nossa sociedade e propõe através de vários
autores, dentre os quais Edgar Morin, Jacques Delors, Boaventura e outros uma
educação global, totalizante e que contemple o hemisfério direito, intuitivo e emo-
cional dos seres humanos.

PALAVRAS-CHAVE: Educação emocional; valores humanos; paz mundial; com-


portamento humano; não-violência; emoção.

ABSTRACT: The article relates and analyses how the establishment of projects
about emotional education in the school can contemplate the development or the
awakening of human values and peace promotion in the school. It makes an analy-
sis through psychoanalytic and paradigmatic explanations about aggression and
inadequate behavior in our society and proposes through several authors, among
which: Edgar Morin, Jacques Delors, Boaventura and other, a global, totalizing edu-
cation that contemplates the right, intuitive and emotional hemisphere of the
human beings.

KEY WORDS: Emotional education, human values, world peace, human behavi-
or, non violence, emotion.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por finalidade relatar uma experiência em educação emoci-
onal na escola e tecer considerações acerca dos impactos de uma educação que
contemple a razão e a emoção sobre os aprendizes, seus reflexos para a educa-
ção, para a sociedade e para o próprio meio circundante. Aborda a agressão huma-
na sob a ótica da psicanálise e do paradigma adotado pela sociedade e busca
meios de superá-la dentro das mudanças que se fazem presentes em nossa soci-
*
Maria Jose Etelvina dos Santos, Psicóloga, Psicopedagoga, Mestre em Educação (FACED-UFBA),
Docente da UNEB e FAMAM, Organizadora do livro jogos e exercícios vivenciais em educação
emocional.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


Educação emocional na escola fazer do... 19

edade, a partir das descobertas na física. Estaremos buscando apoio nos escritos
de Freud, Einstein, Morin, Delors, Doll, Crema e outros. Constituem nossas preo-
cupações o constante mal-estar de professores com relação ao que chamam de
comportamento inadequado de seus aprendizes, tais como: bater no colega, xin-
gar, humilhar, coagir, desrespeitar a todos e o constante enfrentamento do profes-
sor sem consideração e destemido das possíveis conseqüências dos seus atos.
Nossa intenção é apontar caminhos de superação deste mal-estar em sala de
aula através da inclusão no currículo escolar da educação emocional, visando con-
tribuir para uma aprendizagem satisfatória e o bem-estar de todos os envolvidos
com o processo ensino-aprendizagem.

UMA CONVERSA INICIAL

As emoções foram, há muito tempo, consideradas tão profundas e podero-


sas que, em latim, por exemplo, eram definidas como motus anima, que significa
literalmente “o espírito que nos move”. A palavra emoção pode ser simplesmente
definida como a aplicação de “movimento” tanto metafórica como literalmente aos
sentimentos fundamentais.
Analisando mais precisamente a palavra mover, no minidicionário da língua
portuguesa de Sérgio Ximenes (2000), está escrito que mover significa dar movi-
mento, movimentar, estar ou pôr em movimento, ou seja, a emoção dá vida, brilho
ao comportamento humano. Mas, por que precisamente fugimos dela e lutamos
contra qualquer expressividade emocional? Será que o que estamos vivenciando
hoje em nossos dias, como violência, agressão e indisciplina nas escolas, drogas,
separações, mortes de jovens por simples acontecimentos banais e tantos outros
comportamentos destrutivos têm a ver com emoções reprimidas ou desenfrea-
mento da mesma? O não saber lidar com suas próprias emoções? Por que a
nossa sociedade avançou tanto em tecnologia e na mesma proporção regrediu
nos valores humanos, principalmente em emoções básicas superiores, tais como
amor, solidariedade, empatia, etc, que o tornam verdadeiramente humanos? Por
que temos tanta dificuldade de nos expressar emocionalmente? O que houve com
a raça humana que a deixou fria, calculista, inepta em suas questões emocionais?
Constatamos com os acontecimentos atuais que ainda depois de 60
milhões de anos do surgimento da raça humana na terra, ainda estamos engati-
nhando nas relações humanas, na fraternidade, solidariedade, respeito, coopera-
ção e no amor ao próximo.
Podemos caminhar por várias áreas do conhecimento humano para encon-
trar algumas respostas aos questionamentos acima levantados.
Freud em seus estudos sobre a psique humana nos esclarece alguns pon-
tos chaves relativos à formação da personalidade e a aquisição de comportamen-
tos inadequados ou sociopatas dos seres humanos. (FREUD, 1915, p. 25).
Afirma: “Aos quatro ou cinco anos o pequeno sujeito já está completamente
formado, e depois disso se limita a manifestar o que até então se havia depositado

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


20 Maria José Etelvina dos Santos

nele”. (FREUD, p. 25). Fica claro que os primeiros anos de vida para Freud são fun-
damentais para a formação da personalidade da criança, e, a vivência neste perío-
do pelo sujeito leva-o a desenvolver-se sadiamente ou neuroticamente. Ainda
segundo o pai da Psicanálise. (FREUD, 1915, p. 41): “Pode-se até mesmo susten-
tar que os verdadeiros protótipos do ódio não provêm da vida sexual, e sim da luta
do Eu por sua conservação e afirmação”.
As pulsões do Eu podem visar à destruição do meio externo, mas o que ame-
aça o próprio Eu é a sexualidade. A sexualidade, neste sentido, é fundante nos
princípios da neurose e está na base dos distúrbios da personalidade, segundo a
abordagem psicanalítica.
Mas, Freud não chegou a falar explicitamente do caráter mortífero da sexu-
alidade para o sujeito, embora sua oposição entre pulsões sexuais e pulsões do
Eu pareça implicar isto. Mostrou-se mais inclinado a se referir às tendências des-
trutivas às pulsões do Eu, sob a forma de ódio: “O Eu odeia, detesta, persegue
com intenção de destruir todos os objetos que são para ele fonte de sensações de
desprazer, que significam uma frustração da satisfação sexual ou da satisfação
das necessidades de conservação” (FREUD, 1915, p.68)
O desprazer sob quaisquer circunstâncias seria o motor, o que movimenta
uma conduta destrutiva ou até mesmo autodestrutiva e levaria o sujeito a extermi-
nar ou danificar o(s) obstáculo(s) concernente(s) à satisfação de suas necessida-
des.
Enfim, Freud descreve a existência de dois impulsos, o sexual e o agressivo
que se encontram normalmente fundidos e caminhando juntos. A agressividade
tem uma origem biológica e social na teoria freudiana que faz parte das pulsões de
morte, mas não está ligada exclusivamente a thanatus. Está também ligada a Eros
fazendo parte das pulsões eróticas, isto acontece, por exemplo, quando tentamos
modificar o outro ou o mundo para torná-los mais compatíveis com nosso ideal de
ego. Toda civilização faz um pacto pelo qual se reprime grande parte da agressivi-
dade em troca das vantagens da convivência humana, mas o preço que pagamos
é o de um rebaixamento geral dos instintos de vida e o excesso de repressão pode
levar aos comportamentos agressivos, inadequados e a doença propriamente
dita, somatizando a energia represada no corpo. O ideal para Freud seria um equi-
líbrio entre a realidade psíquica do homem e as exigências da vida em sociedade.
A Psicanálise, numa visão psicológica do ser humano, esclarece então, que
as vivências infantis e a repressão sexual, a que foi submetido o ser humano, seri-
am a explicação psíquica para a formação de um caráter sociopata, levando o indi-
víduo a agir segundo suas interpretações do mundo e seu arcabouço inconscien-
te, embalado pelas pulsões de vida e morte, seus mecanismos de defesa, enfim,
por sua neurose, que emana de uma sociedade neurótica, repressora e moralista,
principalmente em termos sexuais, que é a energia básica da vida, segundo a abor-
dagem freudiana.
Outro aspecto que consideramos importante sinalizar nesta discussão é o
que hoje está sendo comum ouvirmos nas rodas de conversas acadêmicas sobre

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


Educação emocional na escola fazer do... 21

a crise que se faz presente em todas as áreas do conhecimento humano: crise


social, de valores, familiar, etc. A despeito da crise, muitos estudiosos, dentre os
quais, Fritjof Capra (1990), Roberto Crema (1989), Clotilde Tavares (1993), Maria
Cândido Moraes (1997) advogam que esta crise deve-se à mudança de paradig-
ma, do modelo de explicação da realidade.
Mas, o que é Paradigma? Thomas Kuhn (2003), esclarece que paradigma
(do grego parádigma) são realizações científicas, ou seja, é um conjunto de valo-
res, crenças e técnicas compartilhadas pelos membros de uma determinada
comunidade científica. Qualquer empreendimento científico sério tem como pré-
requisito a aceitação de um paradigma específico, que já fornece ao cientista leis,
teorias e técnicas comprovadas, a partir das quais ele pode iniciar o seu trabalho.
Sendo aceito, toda a sociedade passa a refletir e se adaptar ao paradigma adota-
do pela ciência.
No Ocidente, aceitamos e refletimos o Paradigma newto-cartesiano, que foi
sistematizado pelas teorias de René Descartes (1596 1650) e Isaac Newton
(1642 1727), que preconizam a quantificação, neutralidade, fragmentação, redu-
cionismo, racionalidade, linearidade e controle. O mundo passou a ser percebido
como uma máquina, gigantesca e maravilhosa.
O racionalismo científico foi gerado pelo triunfo da razão. O ideal da objetivi-
dade prevalecia em detrimento da subjetividade. A dimensão qualitativa e valorati-
va se perdeu em função da ênfase na quantificação. Reduziram-se o universo e as
pessoas ao comensurável, coisificando tudo e todos. A ciência desvinculou-se da
poesia, da ética, estética, da filosofia, do mistério e, de um certo modo, da própria
vida.
Analisando o paradigma adotado por nossa sociedade, observamos a
influência no fator humano e seu comportamento. O ser humano passa a ser visto
como uma máquina, dividido em corpo e mente que são independentes e funcio-
nando separados, sem inter-relacionar-se e que é possível compreender o seu fun-
cionamento pelo estudo isolado de cada parte. A trágica conseqüência disso é
que, como a medicina adotou essa concepção reducionista do ser humano, negli-
genciando o tratamento do paciente como uma pessoa total, os médicos atual-
mente não conseguem entender nem curar muita das doenças com que se defron-
tam no dia-a-dia. A história de vida do paciente, seu estado emocional, sua filoso-
fia de vida, suas carências, que não são poucas numa sociedade tão marcada
pelas injustiças sociais, não contam para o seu estado atual, os sintomas apresen-
tados ou sua doença propriamente dita, gerando uma imensa frustração no paci-
ente que é atendido como se fosse uma máquina e no médico que não consegue
“consertar” o “defeito” da máquina.
A medicina, refletindo o dualismo cartesiano, continua a se dividir em dois
setores estanques: a clínica, que cuida do corpo, e a psiquiatria, que cuida da men-
te, como se a mente e o corpo fossem coisas separadas, como se não fizessem
parte de um todo uno e indivisível.
A fragmentação, a racionalidade exacerbada dominou e domina ainda

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


22 Maria José Etelvina dos Santos

nosso cotidiano e sob o domínio da razão “esquecemos” que somos seres huma-
nos emocionais e nos tornamos humanóides em processo de humanização.
Todas as áreas do conhecimento adotaram a razão como princípio norteador do
comportamento, esmagando as emoções, esquecendo que existem e fazem
parte da condição humana. O resultado foi tenebroso e estamos colhendo os fru-
tos atualmente com tanta violência e manifestação de comportamentos destruti-
vos, indisciplinados, violentos e agressivos. A mais ameaçadora de todas as frag-
mentações, no entanto, foi a que dividiu os homens em corpo, razão e emoção,
porque ela nos impede de raciocinar com o coração e de sentir com o cérebro.
O que fazer diante destas constatações? Como resgatar a subjetividade
humana, os valores da subjetividade, como voltar a uma cultura em que o trabalho
e o pragmatismo cedam lugar à contemplação, à reflexão, à sabedoria, ao apro-
fundamento dos valores? Como restabelecer vínculos humanos que se estão per-
dendo com a aceleração da tecnologia? A resposta é única e sugere em unir razão
(por que somos seres racionais) e emoção (por que somos seres emocionais).
Mas, como fazer isso?
Longe de ser um luxo, uma nova educação uma educação da pessoa como
um todo para um mundo global é uma necessidade urgente, e nossa maior espe-
rança, pois todos os nossos problemas seriam totalmente simplificados se primei-
ro alcançássemos a verdadeira sanidade e a capacidade para amar que é uma
parte dela.
O paradigma newtoniano-cartesiano defendia um ideal de razão livre dos
sentimentos, da emoção. O novo, Relativista Holista, nos conclama a harmonizar
cabeça e coração, e, conseqüentemente todos os paradoxos. Estamos na era de
holos, da totalidade, da união dos paradoxos, da junção das partes com o todo.
Começamos a entender as inter-relações existentes entre tudo e todos, é o cha-
mado padrão que une todos os seres de todos os reinos. Uma nova cosmovisão
surge com um novo olhar sobre as coisas e as pessoas. Teorias mais globais, mais
respeitosas no que se refere ao ser humano, as suas raças, especificidades, dife-
renças e pluralidade. É um retorno ao que Heráclito sinalizava há dois mil anos
atrás: Somos todos um.
Autor da teoria da relatividade, o físico Albert Einstein demonstrou no início
do século que tudo no universo é formado pela mesma energia, do mesmo modo
que, embora vistos como diferentes, tudo é feito, composto da mesma matéria e
estamos todos e tudo interligados. Estas descobertas deram início a novas teori-
as, como a quântica, holográfica, matriz “s” e tantas outras que estão norteando
um novo olhar e uma nova cosmovisão de mundo e de ser humano, inaugurando
uma nova era, um novo porvir da raça humana, modificando a máxima de Descar-
tes do século XVII “Penso, logo existo”, para: Existo e Sinto, logo Penso, estabele-
cendo um novo paradigma: Relativista-Holista¹.

¹Paradigma inaugurado com as novas descobertas da Física, principalmente com a teoria da Relativi-
dade de Albert Einstein, que preconiza a interligação entre tudo e todos no universo e que tudo é relati-
vo.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


Educação emocional na escola fazer do... 23

NOVA SOCIEDADE, NOVAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS

Alguns autores, dentre os quais, Doll (1997), Boaventura (2000), Kumar


(1997) e estudiosos da sociedade e do contexto mundial apontam que vivemos
hoje a pós-modernidade. Mas, todos somos espectadores de um novo tempo,
cuja marca é a presença de grandes mudanças estruturais. Que mudanças são
estas, que sinais podemos focalizar para afirmar que realmente estamos passan-
do por um momento de transição em nosso planeta? No plano econômico, vive-
mos um mundo globalizado, com formação em blocos para vencer a concorrência.
A economia hoje é supranacional, comandada não mais pelos líderes das grandes
potências, mas pelas grandes corporações transnacionais, quebrando barreiras
econômicas e caindo as fronteiras entre países.
No plano político, há o desaparecimento dos grandes discursos filosóficos e
ideológicos que orientavam as ações e as práticas políticas. Para muitos, é o fim
das ideologias com grupos políticos antagônicos em seus ideais fazendo parceria
entre si e sendo mais flexíveis e abertos às propostas de seus membros.
Socialmente, ocorre uma necessidade de alcançar uma divisão mais justa
entre os seres, acabar com a violência, com o analfabetismo, fazer valer a declara-
ção de direitos humanos e melhorar a qualidade das gerações por meio da coope-
ração e da solidariedade. Assim, a focalização é no corpo, na emoção pura, na
razão, na intuição, no agrupamento das idéias diversificadas e nos consensos gru-
pais.
No plano cultural, temos uma mistura de tendências sem leis ou princípios,
e que não possuem, necessariamente, relação entre si. Desaparece o estilo pes-
soal para dar lugar a um jogo de estilos, que engloba tudo e todos. É a era do res-
peito pelo jeito de ser e de se expressar das pessoas.
O que marca de forma indelével nossa época é o relativismo dos conceitos.
Hoje, mais do que em qualquer outra fase da história, as “certezas” são colocadas
em questão, e tudo parece ser relativo. Já não predomina a dualidade, o absolutis-
mo, mas o mundo plural.
Nesse contexto de transformações, as novas tecnologias de informação e
comunicação tornaram-se a marca dos novos tempos com um extraordinário avan-
ço das tecnologias, num ritmo frenético e onde os computadores estão entrando
cada vez mais na nossa vida cotidiana. Mas talvez, uma das maiores marcas des-
ses novos tempos, seja o lugar da informação nessa nova “configuração” de soci-
edade, que passa a ser a marca de desenvolvimento de um povo junto com a cria-
tividade.
Vivemos a era da imagem, ou seja, a imagem produzida e veiculada através
de tecnologia cada vez mais avançada tornou-se preponderante sobre qualquer
outra forma de apreensão do mundo. Dentre os meios de comunicação, a televi-
são exerce hoje mais influência que qualquer outro. A TV tem o poder de transfor-
mar em espetáculo os acontecimentos do cotidiano. Agora, o chamado cidadão
comum pode perceber como sua vida não depende mais do universo local. Uma

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


24 Maria José Etelvina dos Santos

falência em Tóquio já não é mais um problema japonês, porque de alguma forma


atinge a todos.
Aqui cabe perguntar: qual a formação a ser oferecida pela escola nesse
cenário plural? Será na junção das partes com o todo, na união dos paradoxos? O
que deve ser priorizado nessa formação? Entendemos que a formação de um indi-
víduo consciente da realidade em que vive, deve contemplar uma leitura lúcida da
realidade, aliada ao domínio das linguagens e à capacidade de adequá-las a códi-
gos diversos.
Oferecer uma boa formação significa ter um educando capaz de utilizar seu
potencial criador em benefício da sociedade de forma crítica. Nesse sentido, a for-
mação decorre de um processo transdisciplinar que contemple o ser humano
como um todo para um mundo como todo: razão/cognição, emoção/intuição, soci-
al/histórico e espiritual/sensação.

EDUCAÇÃO X EMOÇÃO

Teóricos da educação apontam novos caminhos para uma educação plural,


global e totalizadora, como, por exemplo, Edvaldo Boaventura e Paulo Périssé
(2000), comentam que a educação, dentro de uma perspectiva planetária, deve
comportar três dimensões: uma dimensão intrapessoal, interpessoal e social. A
dimensão intrapessoal compreende o esforço pessoal interior que visa ao autoco-
nhecimento e à auto-afirmação, bem como o pleno desenvolvimento dos potenci-
ais individuais em harmonia interior. A dimensão interpessoal compreende o pro-
cesso de criação de relações igualitárias e de respeito mútuo, de apreciação pelas
diferenças e de cooperação. A dimensão social compreende o processo que con-
duz à compreensão internacional e ao engajamento no projeto de construção de
uma sociedade de paz e de solidariedade. A conseqüência dessa abordagem pla-
netária da educação é a adaptação dos currículos escolares às novas realidades
contemporâneas. Mas, parece que a escola continua fossilizada, em verdadeiro
descompasso com as novas descobertas e urgências do mundo atual, alheia às
mudanças planetárias, resistindo ao óbvio: mudar é a única certeza estável.
O relatório de Jacques Delors (2000) para a UNESCO preconiza quatro pila-
res para a educação do futuro que traz também esta dimensão humana em seus
princípios norteadores, tais como: Aprender a conhecer (o conteúdo, a compreen-
são do meio e dos conhecimentos acumulados pela humanidade são importantes,
continuam fazendo parte do currículo), aprender a fazer (a dimensão profissional
também continua sendo importante na escola), mas acrescentaram-se dois pila-
res extremamente importantes para a sobrevivência do ser humano no planeta
terra que são: o aprender a viver juntos (sair da fragmentação, do individualismo
tão pregado pelo antigo paradigma adotado pela sociedade e conviver com o
outro) e por fim, mas não menos importante, aprender a ser (as subjetividades
humanas passam a fazer parte das preocupações dos educadores, qualidade de
vida, autoconhecimento, levar em consideração as diversas dimensões huma-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


Educação emocional na escola fazer do... 25

nas).
Edgar Morin (2000) expõe o que ele considera essencial que a escola con-
temple em sua formação de cidadãos planetários e como os demais anteriormen-
te citados, enfatizam o ser humano na grade curricular da escola, como: ensinar a
identidade terrena (fazemos parte de uma mesma raça a raça humana), ensinar a
compreensão (Meio e fim da comunicação humana) e a ética do gênero humano
(Comunidade planetária organizada). Enfim, com estes princípios no âmbito das
escolas esperamos que nunca aconteça mais o extermínio de raças, guerras con-
tra princípios religiosos e crenças, campos de concentração como Awshewitz e
por fim acabemos com a indiferença humana sobre sua própria espécie, e, todos
comprometidos com a raça humana, vislumbrem um mundo melhor, de paz, har-
monia, bem-estar, solidariedade, não-violência e compreensão mútua, tentando
evitar o que Lévi-Strauss profetiza em seus escritos que o mundo começou sem o
homem e terminará sem ele.
Mudar os currículos, incluir a dimensão humana, trazer as emoções para
debate, discussão em sala de aula, falar em educação emocional na escola. Sim,
porque dimensão humana é sinônima de sentimentos, afeto, emoções, porque
são elas que dão um colorido todo especial à vida e que tornam o ser verdadeira-
mente humano. Sem querer fazer apologia das emoções, que, claro compreende-
mos faz parte do ser humano tanto quanto a razão, no entanto, este último preva-
leceu e foi exaltado por filósofos, cientistas e teóricos ao longo da história humana
e, em função deste “esquecimento”, estamos colhendo os frutos desta fragmenta-
ção com tanta violência e mal-estar social.
A emoção ganhou força e destaque com a publicação do livro Inteligência
emocional do Psicólogo, jornalista e PHD Daniel Goleman, (1995) aqui no Brasil.
Goleman preconiza também em seu livro a alfabetização emocional, um projeto
em larga escala nas escolas com crianças, jovens, professores e pais, fazendo-os
compreender seu comportamento emocional e juntar seus hemisférios cerebrais,
e adverte-nos, afirmando que o controle das emoções é fator essencial para o
desenvolvimento das inteligências dos indivíduos. Não há uma forma genética a
definir vitoriosos e fracassados no jogo da vida. Goleman prova em seus estudos
que embora haja pontos que determinam o temperamento, muitos dos circuitos
cerebrais da mente humana são maleáveis, podem ser trabalhados, e, portanto,
temperamento não é destino.
O termo Inteligência Emocional criado por Goleman para designar o coefici-
ente emocional dos seres humanos foi muito criticado por alguns pedagogos, psi-
cólogos, estudiosos do comportamento humano. Adquiriu adeptos e críticos ferre-
nhos. Dentre os vários adeptos de Goleman podemos citar Robert Cooper (1997
p. 23) que define Inteligência Emocional como a capacidade de sentir, entender e
aplicar eficazmente o poder e a perspicácia das emoções como uma fonte de ener-
gia, informação e influências humanas. As emoções são os domínios dos senti-
mentos, de reações viscerais e de sensações emocionais. Quando confiamos
nela e a respeitamos, a inteligência emocional permite uma compreensão mais

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


26 Maria José Etelvina dos Santos

profunda e completa de nós mesmos e dos que nos cercam.


Joseph Ledoux (1998) adverte-nos que os cientistas agora consideram o
QE (Quoeficiente Emocional) uma inteligência adquirível, que se pode desenvol-
ver e aumentar em qualquer tempo e qualquer idade, como também, tudo indica
que o caráter e os valores fundamentais de uma pessoa originam-se, sobretudo,
não do QI, mas de capacidades emocionais básicas. Antônio Damásio (1996)
explica que as pesquisas no campo da neurologia indicam que os cérebros huma-
nos podem criar novas sinapses¹ e tecidos nervosos ao longo de toda a vida adul-
ta. Em qualquer altura da vida, as sinapses nervosas utilizadas com grande fre-
qüência se fortalecem, ao passo que as mais ociosas vão-se enfraquecendo pau-
latinamente. Fica claro, pois, que o processo de aprendizagem é fundamental
para a estimulação de novas sinapses nervosas. Como concluíram os cientistas,
citado por Goleman (2002, p 104): “quando uma conexão límbica² estabelece um
padrão nervoso, é preciso outra conexão límbica para revertê-lo”. Concluímos
então, que podemos modificar um padrão de comportamento que consideramos
prejudiciais ou inadequados por outro que desejarmos, mudando nossa forma de
agir por outra forma mais gratificante e exercitando o novo padrão.
Celso Antunes (1999) sinaliza em seus estudos que à medida que os pro-
fessores estimulam a inteligência emocional dos alunos, cresce sua auto-estima,
sua auto-aceitação, sua automotivação, a confiança em si e naturalmente cres-
cem os seus resultados.
Esses estudiosos do comportamento humano acima citados, sinalizam em
suas teorias a inserção da subjetividade humana, dos valores e da educação emo-
cional nas escolas como parte integrante do currículo e da nova visão de mundo
onde se integra as partes ao todo, cabeça e coração, razão e emoção, corpo e
mente, fazer e sentir.
Mas não é nova esta idéia da educação emocional na escola, está tendo um
apoio e interesse por parte dos educadores agora, em função da explosão de mar-
keting do livro de Goleman, do relatório de Delors, dos estudos de Morin, dentre
outros. No entanto, já em 1934, Henri Wallon, debruçava-se com afinco ao seu
estudo e apontava como necessário para a formação integral do ser humano a
inclusão deste tema nos currículos escolares.
Para Wallon (1994), emoção e sentimento são conceitos distintos. A emo-
ção é a manifestação de um estado subjetivo com componentes fortemente orgâ-
nicos, mais precisamente tônicos, é a expressão própria da afetividade. O senti-
mento é psicológico, portanto revela um estado mais permanente, enquanto a
emoção, por ser mais orgânica, é efêmera. A afetividade, termo mais abrangente
inclui os sentimentos que são estados mais duradouros e menos orgânicos que as
emoções das quais se diferenciam nitidamente.

¹SINAPSE: Região de interligação das ramificações terminais de dois neurônios (Silva Júnior, 1996,
p.239)
²CONEXãO LíMBICA: (Cérebro emocional) apresenta uma organização mais primitiva de células que
as neocorticais (Cérebro racional). O cérebro límbico aprende muito devagar, principalmente hábitos
arraigados. (Goleman, 2002, p.102)

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


Educação emocional na escola fazer do... 27

A emoção é um fato fisiológico e, portanto, tem uma base orgânica ligada ao


sistema nervoso. Contudo, importa dizer que, para Wallon, a emoção tem também
um caráter social, que lhe é peculiar, pela função de apelo ao outro durante a fase
de inaptidão infantil. Assim, as emoções desempenham esse papel de suprir, pela
ação do outro, a imperícia dos primeiros anos de vida. As emoções são modifica-
das, transformadas nas relações sociais, isto é, nas trocas e interações que se
dão entre indivíduos. Mas, de que mecanismos a emoção dispõe para agir sobre o
mundo social? Wallon classifica-os em três: a contagiosidade, capacidade de con-
taminar o outro, de transmitir-lhe o seu prazer ou desprazer; a plasticidade, capa-
cidade de refletir no corpo os sinais da emoção, por exemplo, o rubor na face, a
contração do músculo; e a regressividade, que é a capacidade da emoção de
fazer regredir as atividades de raciocínio e é nesse mecanismo que se evidencia a
relação com o domínio funcional do conhecimento.
Wallon advoga que o professor necessita conhecer a linguagem das emo-
ções para poder administrá-las em sala de aula. Por desconhecer o seu mecanis-
mo de ação sobre o corpo e o meio social, o professor conserva-se alheio a sua
mais evidente expressão, deixando-se conduzir por ela e pelos apelos emocionais
de seus educandos, impedindo assim que a evolução psíquica se dê de forma efe-
tiva.
Assim, a abordagem psicogenética walloniana remete-nos à compreensão
do indivíduo como uma pessoa completa, concreta, em que os domínios afetivo,
cognitivo e motor abrangem todas as suas atividades. Seu desenvolvimento
depende não apenas do aspecto orgânico, mas principalmente, das qualidades
das interações que o indivíduo mantém com o meio onde vive.
Nesse contexto, o meio, tanto físico quanto social, onde vive uma criança é
muito importante, pois daquilo que esse meio for capaz de oferecer a ela depende-
rá grande parte de seu desenvolvimento, e conseqüentemente as manifestações
de seu comportamento.
Partindo destas reflexões acima levantadas, algumas escolas e estudiosos
na área de educação, começam a incluir as emoções em seus currículos, obtendo
assim experiências inovadoras e inusitadas, inaugurando a Era do ser integral,
inteiro, como a experiência que vivenciamos integrando cognição e emoção no
projeto REDE UNEB-2000.

EDUCAÇÃO EMOCIONAL NA ESCOLA: UMA EXPERIÊNCIA

A escola está em crise, porque nada é mais cartesiana e newtoniana do que


a escola. Se os paradigmas da modernidade entram em crise, a escola também
entra em crise. E por que a escola entra em crise? Por que continua a separar, a
fragmentar o ser humano e a privilegiar apenas a razão, o intelecto, promovendo
apenas a cultura do sujeito e não a do ser total. Separa a cabeça das mãos, a
razão da emoção, não nos abarca na totalidade, na formação do ser como tal para
a vida. Ela dá instrumentos de compreensão e modificação da natureza que cons-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


28 Maria José Etelvina dos Santos

tituem a cultura, mas não propriamente de uma interação com a natureza de uma
interdependência com o meio.
Há séculos, reproduzimos a mesma rígida organização, no agrupamento,
na seleção, na disposição do mobiliário, na seriação, na autoridade do professor,
na transmissão dos conteúdos. Como falar em valores humanos que passam pela
emoção, afetividade, sensibilidade, sentimentos, se na escola o educando é visto
apenas como um ser racional, um intelecto vestido de uniforme escolar, que pensa
aquilo que os outros querem que ele pense? Onde sua vida, seu sorriso, suas
lágrimas e dores não encontram ressonância?
Atenta aos apelos da nova LDB 9.394/96, que exige a graduação de nível
superior para todos os profissionais atuantes em educação, a Universidade do
Estado da Bahia UNEB, promove a implantação da REDE UNEB-2000, projeto
que em parceria com as prefeituras municipais, pretende graduar em um período
de dois anos e meio, os profissionais de educação da rede municipal de ensino
dos municípios baianos no curso de licenciatura plena.
Pelo seu caráter de pesquisa-ação, o programa possui como estrutura pro-
piciar a todos que nela se envolverem numa união integrada de conhecimentos e
práticas, que sejam relevantes para a sua atuação, em que o conhecimento seja
construído em conjunto com os professores-aluno e partindo de suas necessida-
des e vivências no contexto escolar. Ao ser convidada para lecionar a disciplina
Psicologia I e II pelo programa REDE UNEB-2000, fiquei surpresa ao saber que o
plano de curso deveria ser construído em conjunto com os professores-aluno¹, par-
tindo de suas necessidades e carências em sala de aula. Considerei a proposta
inusitada e aceitei o desafio com muitos questionamentos e inseguranças, mas
prossegui, no que considerei a princípio uma inovação sem proporções definidas.
O desconhecido, o medo do novo, nos causa estranheza, embaraços e também
vivências que podem modificar nossos conceitos tão arraigados e solidificados
pelos anos de atividades planejadas e resultados “objetivos”.
Preocupava-me com o conteúdo da disciplina e tinha receio de que este se
tornasse um emaranhado de recortes não significativos desse conjunto de conhe-
cimentos, com implicações indesejáveis para a prática pedagógica ou que a teoria
não se traduzisse em prática e não contribuísse efetivamente para mudanças sig-
nificativas no contexto escolar.
A princípio, fiz uma sondagem das necessidades e expectativas dos profes-
sores-aluno e não foi surpresa quando no levantamento das respostas todos soli-
citavam que a Psicologia estudada revelasse caminhos ou alternativas de como
lidar com o comportamento inadequado dos estudantes em sala de aula, como
rebeldia, agressão, xingamentos, falta de respeito com o outro, etc comportamen-
tos estes que impediam o processo ensino-aprendizagem e tornava a sala de aula
insuportável, segundo depoimento dos professores-aluno. Esta era a questão que
mais afligia a todos e gostariam de obter respostas e caminhos possíveis que os

¹Designa o professor que faz parte do projeto para diferenciar do professor-formador.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


Educação emocional na escola fazer do... 29

ajudassem a compreender o comportamento de seus educandos.


A busca de uma resposta levou-nos a pesquisar a teoria da Inteligência
Emocional de Daniel Goleman, a lermos tudo que se relacionava com desenvolvi-
mento emocional, como Piaget, Wallon, Vygotsky e os discípulos da Psicanálise,
como Melanie Klein, Aberastury, Winnicott e Bettelheim. Neste primeiro momento
de pesquisa e estudo das teorias referentes ao desenvolvimento emocional da cri-
ança, os professores-aluno relatavam que chegaram a compreender por que o
educando era tão agitado e se comportava de uma forma tão “inadequada” em
sala de aula, mas que ainda não sabia lidar com esse comportamento manifesto, o
que fazer então?
No segundo semestre, na disciplina Psicologia II, com mais 60 horas de ati-
vidades escolares, organizamos um projeto de intervenção intitulado: Educação
Emocional na Escola Fazer do Homem um Ser Humano. Foram pesquisadas
150 atividades lúdicas com o intuito de trabalhar emocionalmente os educandos
do ensino fundamental, trazendo a história de vida, o cotidiano de sua dinâmica
familiar para dentro do contexto escolar. Muitas músicas e atividades, os professo-
res-aluno já utilizavam em sala de aula apenas como descontração ou brincadei-
ra, cujos objetivos do projeto foram adaptados e redimensionados.
Durante a implantação do projeto, muitas questões surgiram, principalmen-
te a revolta dos professores-aluno com os pais de seus aprendizes por observa-
rem que os maiores agressores dos mesmos eram os próprios pais, quem deveria
proteger era quem mais agredia. Refletimos sobre esta situação que nos levou a
perceber o grito de socorro dos pais que já cansados em suas funções de pais e
provedores numa sociedade que não possibilita qualidade de vida, nem as míni-
mas condições de sobrevivência, solicitavam da escola que educasse seus filhos,
pois não sabiam mais o que fazer, pois já tinham tentado tudo: castigos, humilha-
ções, privações e nada tinham conseguido. Os filhos continuavam os mesmos,
até piores, não mudavam nada, como afirmavam nas reuniões e em depoimentos
particulares aos professores-aluno. Entendemos nesse momento, que a escola
enquanto instituição formadora e educadora deveria ajudar os pais a compreen-
derem melhor o que estava se passando com os seus filhos e organizamos um
segundo projeto de intervenção para trazermos os pais para a escola, com o intui-
to de estarmos dialogando e questionando sobre o comportamento das crianças e
ajudá-los a compreenderem o comportamento dos filhos.
A experiência deixou-nos marcas e questionamentos profundos. Percebe-
mos que as questões sociais subjacentes de desemprego, alcoolismo, sub-
empregos, analfabetismo, etc, estavam na base da desestruturação familiar e
intermediando as relações entre os pares. A escola recebe este aprendiz com toda
a sua história, ou seja, sentimento de abandono, rejeição, menos valia, baixa auto-
estima, angústias e vários medos não identificados, como também muitas vezes
agredido fisicamente e moralmente, e, se a escola não souber recepcioná-lo com
a aceitação e cumplicidade necessárias, então para ele não resta mais nada,
como a escola não o compreende, nada será compensador e talvez a rua seja o

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


30 Maria José Etelvina dos Santos

único lugar onde encontre aceitação e a acolhida que almeja tanto. Então, a eva-
são escolar torna-se a tônica da escola, como vem ocorrendo nas últimas déca-
das.
O projeto tem sido implantado em várias escolas do recôncavo com resulta-
dos bastante significativos, com professores mais compreensivos em relação à
dinâmica do comportamento de seus aprendizes e estudantes mais coesos, cal-
mos e centrados no processo de aprendizagem. Como também, os pais estão
mais comprometidos com a educação de seus filhos e menos punitivos em sua
forma de educar.
Há ainda resistências de algumas escolas em tratar desta questão emoci-
onal em seu currículo. Às vezes por se considerarem incapazes, não preparados,
ou por pensarem que é tarefa dos pais promoverem a educação emocional de
seus filhos. O que observamos na implantação do projeto foi realmente uma difi-
culdade dos professores em lidar com as emoções e histórias de vida de seus edu-
candos e de si próprios. Muitas vezes queriam resolver os problemas de seus
aprendizes penetrando na vida deles e frustrando-se por se sentirem impotentes.
Às vezes, ficavam com raiva dos pais por descobrirem que estes eram os maiores
agressores de seus educandos. Surgia uma revolta e um ódio dos mesmos, com-
prometendo a relação família escola. Por isso sugerimos que a escola ao absor-
ver a educação emocional em seu currículo, o corpo docente passe por uma pre-
paração e assessoria, até para aprender a lidar com sua própria emoção e possa
lidar com os sentimentos, raivas e revoltas do outro. Fela Moscovicci (1997, p.26),
nos adverte que: “Os professores, que não têm grande competência emocional,
não conseguem transmitir, ou seja, liderar o processo de educação emocional”.
Posteriormente a esta etapa, os pais também são incluídos e as reuniões transfor-
mam-se em debates, discussões, dramatizações e leituras específicas sobre rela-
cionamento pais e filhos, esclarecendo-os e trabalhando suas próprias dificulda-
des emocionais.
Elias (1999), citando Goleman, conclui que a vida familiar é nossa primeira
escola de aprendizado emocional; nesse caldeirão íntimo, aprendemos sobre os
nossos sentimentos e como as pessoas reagem a eles; como refletir sobre nossos
sentimentos e as escolhas que nossa reação permite; como ler e expressar espe-
ranças e temores. Essa escola emocional não só opera através das coisas que os
pais dizem e fazem diretamente com as crianças, mas também nos modelos que
eles oferecem ao lidar com seus próprios sentimentos e com os que perpassam a
relação marido-mulher.
Os pais não têm a quem recorrer, e só a escola sensível a esses apelos
pode fornecer o apoio necessário para que compreendam o comportamento de
seus filhos.
Assim sendo, escola deve priorizar o humano em sua abordagem curricu-
lar, pois as relações e vínculos estabelecidos são os fundamentos básicos de um
novo olhar sobre o futuro da escola nestes tempos de globalização, de defesa dos
direitos humanos, respeito e solidariedade.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


Educação emocional na escola fazer do... 31

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Celso. A construção do afeto. São Paulo: Augustus, 1999, p.157.

_________. Alfabetização emocional: Novas estratégias. Petrópolis: Vozes,


1999, p.108.

BOAVENTURA, Edvaldo; PÉRISSÉ, Paulo. Educação e Globalização: Uma


perspectiva planetária. Ensaio: Aberta, 2000, p. 03.

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo, Objetiva, 1990, p. 258.

CREMA, Roberto. Introdução à visão holística: breve relato de viagem do


velho ao novo paradigma. São Paulo: Summus, 1989, p.173.

COOPER, R. Inteligência emocional na empresa. Rio de Janeiro: Campus,


1997, p.188.

DAMÁSIO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São


Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.252.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez,


2001, p.288.

DOLL, W. E., JR. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Tradução: Maria


Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p.201.

ELIAS, Maurice J; TOBIAS, Steven E; FRIEDLANDER, Brian S. Pais e mães emo-


cionalmente inteligentes. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999, p.264.

FREUD, SIGMUND. O mal-estar na civilização. Tradução: José Octávio de Agui-


ar Abreu, Rio de Janeiro: Imago Editora, 1997, p.120.

_________________. Além do princípio do prazer. Tradução: Christiano Mon-


teiro Oiticica, Rio de Janeiro: Imago Editora, 1998, p. 133.

GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional A teoria revolucionária que rede-


fine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995, p. 375.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


32 Maria José Etelvina dos Santos

KHUN, THOMAS S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução: Beatriz


Vianna Boeira e Nelson Boeira, São Paulo: Editora Perspectiva, coleção debates,
2003, p.163.

KUMAR, KRISHAN. Da sociedade pós-industrial a pós-moderna: Novas teo-


rias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 1997,
p. 226.

LEDOUX, JOSEPH. O cérebro emocional: Os misteriosos alicerces da vida


emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.332.

LEVI-STRAUSS, C. Antropologia Estrutural dois. R.J.: Tempo Brasileiro, 1997,


p.154.

MILLOT, Catherine. Freud Antipedagogo, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.193.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. S.P.: Cor-


tez, 2001, p. 118.

MOSCOVICCI, Fela. Razão e emoção: A inteligência emocional em questão.


Salvador: Casa da Qualidade, 1997, p. 134.

PEDREIRA, Antônio. A hora e a vez da competência emocional. Salvador:


Casa da Qualidade, 1997, p. 133.

SANTOS, Maria José Etelvina. Jogos e Exercícios Vivenciais em Educação


Emocional. Salvador: Nova Civilização, 2000, p. 177.

SILVA JÚNIOR, César da. Biologia I. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 308.

XIMENES, S. Minidicionário da língua portuguesa. R. J.: Ediouro, 2000.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 18-32, janeiro, 2006.


SER MULHER: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL

Elizabete Rodrigues da Silva*

RESUMO: O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a construção social e


cultural do ser mulher na perspectiva das relações sociais de gênero e da diferen-
ciação dos sexos feminino e masculino, a partir de uma breve incursão pela histó-
ria. Ser mulher, assim como ser homem não significa o fato de nascer fêmea ou
macho naturalmente, mas o de assumir papéis socialmente estabelecidos e hie-
rarquizados. Homens e mulheres são categorias culturalmente construídas, histo-
ricamente impostas aos seres masculino e feminino.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero; sociedade; cultura.

ABSTRACT: A reflection about the social construction in the perspective of the soci-
al's relationships of the gender and the differentiation of the female and male
sexes, through of a brief incursion by the history. To be woman, as well to be a man,
do not mean the fact of to be born naturally female or male, but that to assume soci-
al papers established and nested. Men and women are categories built culturally,
historically imposed to the masculine and feminine beings.

KEY WORDS: Gender; society; culture.

Não se nasce mulher, torna-se mulher


Simone de Beauvoir

Ao longo da história da humanidade, mulher e homem são, simbolicamen-


te, a representação da diferença e da oposição entre dois sexos feminino e mas-
culino, cujos significados estão impregnados de valores que determinam o espaço
social de cada um como condição definidora de suas relações. Na realidade brasi-
leira, ser mulher revela os mais variados significados de uma cultura masculini-
zante e de uma história de lutas, sejam estas abertas ou camufladas, pela con-
quista de sua autonomia no campo das relações sociais e na construção de sua
cidadania.
Um estudo mais aprofundado dessa questão desperta, também, para o inte-
resse das categorias de classe, de raça e de gênero, pilares das desigualdades de

*SILVA, Elizabete Rodrigues da. Professora do Curso Normal Superior da Faculdade Maria Milza
FAMAM e Mestre em História pela Universidade Federal da Bahia. E-mail: betysilvaok@bol.com.br

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 33-38, janeiro, 2006.


34 Elizabete Rodrigues da Silva

poder; revela, ainda, uma posição e um compromisso do interessado com uma his-
tória que inclui desigualdades sociais e sexuais, diferenças raciais, lutas políticas,
resistências e estratégias de sobrevivência. A luta de classe e a dos sexos, especi-
ficamente, estão ambas presentes permanentemente na produção e na reprodu-
ção da vida e, dessa forma, nas práticas sociais como elementos simultâneos de
aliança e de oposição que podem, explicitamente, contribuir dentro da análise his-
tórica para a construção plural das identidades.
Neste sentido, as relações sociais entre os gêneros masculino e feminino
não devem ser reduzidas ao princípio apenas da diferenciação do sexo, mas dos
modelos culturais comuns aos dois sexos, uma vez que “relações sociais de gêne-
ro representam um modo particular, das relações sociais”.(VIEZZER, 1989. P. 109).
Ser mulher, assim como ser homem, não significa o fato de nascer fêmea ou
macho naturalmente, mas o de assumir papéis socialmente estabelecidos e hie-
rarquizados. Homens e mulheres são categorias culturalmente construídas, histo-
ricamente impostas aos seres masculino e feminino¹, posições normativas que
não são produtos de um consenso social, mas de um conflito. Essas categorias
inexistem sozinhas, uma explica a outra, ou seja, uma dá sentido a outra, embora
numa relação desigual, em que “o princípio da existência da masculinidade base-
ia-se na repressão necessária dos aspectos femininos”.(SCOTT, 1991, p.01).
Dessa forma, ainda configura-se que ser masculino é deter o controle e o poder
nos espaços públicos e privados; enquanto, ser feminino está intimamente ligado
à maternidade, à fragilidade e à submissão ao homem.
A distinção desses mundos, também, se configura pela defesa e pela distri-
buição dos lugares sociais, das normas de conduta moral e pela preservação dos
valores em oposição. A relevância maior, no entanto, está na concepção dessa
diferença sexual em termos de dominação e controle da mulher, promovendo uma
desigualdade que está integrada em todo o sistema de relações sociais, sob for-
mas diversas, desde tempos remotos, sendo sistematicamente apresentada
pelos patriarcas da Bíblia, pelos filósofos da antigüidade até os pensadores da
modernidade quando uma consciência reflexiva em torno do tema tem sido des-
pertada e ampliada².

¹Os vocábulos 'masculino' e 'feminino' colocam mulheres de um lado e homens do outro no


desempenho de funções e papéis distintos no conjunto das relações sociais, impondo a dominação
sexual masculina e a subordinação sexual feminina. Quanto ao vocábulo gênero, ainda há
possibilidades inexploradas por nossa gramática, pois em vários idiomas indo-europeus existe uma
terceira categoria o sexo indefinido ou neutro.
²Não se trata de uma subordinação de classe, mas de uma subordinação dentro de todas as classes
sem distinção. Viezzer, faz uma análise histórica da subordinação da mulher ao homem desde a sua
origem aos nossos dias, 1989, pp. 95-106; Del Priore, num trabalho recente, realizou um
rastreamento da história das mulheres, percorrendo a história ocidental desde a filosofia, a
antropologia e movimentos de renovação da história do pensamento e dos valores ocidentais, como
por exemplo, Humanismo e Iluminismo, chegando até o século XX com os cientistas sociais e os
historiadores. É uma discussão apreciável partindo das diversas concepções sobre as diferenças do
sexo na vida social e política e, posteriormente, as relações homem/mulher, as tensões e o mundo do
trabalho, onde as mulheres sempre estiveram presentes, apesar de silenciadas até pela
historiografia.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 33-38, janeiro, 2006.


Ser mulher: Uma construção social 35

Considerando, no entanto, o devir histórico, vale ressaltar brevemente que


com o advento do patriarcalismo e sob o seu signo instituiu-se a dominação do
homem sobre a mulher¹. No Brasil, segundo Nascimento (1994. Pp. 14-15), o pri-
meiro indício do patriarcalismo pode ser identificado no padrão português, a partir
do século XVI com a chegada das donzelas, as “órfãs da rainha”, moças pobres
e/ou com pequenos dotes que configuraram a importância social e econômica do
matrimônio, instalando o modelo da dependência da mulher ao poder masculino
na Colônia. A partir de então, o patriarcalismo organizou-se e consolidou-se com o
estabelecimento de uma estrutura econômica de base agrária, latifundiária e
escravocrata, que favoreceu a instalação de uma sociedade do tipo paternalista,
fazendo do norte do país seu espaço por excelência.(SAMARA, 1989, pp. 10).
Contudo, o patriarcalismo expressou-se conforme a organização social e o
processo de elaboração mental e cultural de homens e de mulheres em cada tem-
po, agindo como princípio ideológico norteador da família e da sociedade, à medi-
da que moldou-se aos processos de desenvolvimento político e econômico que
ofereceram maior ou menor respaldo as suas ações. O patriarcalismo, por sua
vez, não se desenvolveu do mesmo modo em todos os lugares e ao mesmo tem-
po, tampouco caracterizou, um sistema de dominação masculina tão fechado e
tão absoluto ou que as mulheres ao longo da história tenham sido tão apáticas e
incapazes a ponto de justificar a própria ação reguladora do patriarcalismo.
O patriarcado familiar não era uma regra geral, apenas um viés resultante
da ideologia elitista e dominante que predominou, principalmente, nas regiões dos
grandes latifúndios onde foram implantadas as grandes unidades agrárias de pro-
dução como os engenhos de açúcar, as fazendas de criação ou de plantação de
café, onde o patriarcalismo podia ser definido como “rude, indiscutível e primitivo”,
apresentando-se também como uma organização arcaica e intransigente que,
agindo em função do poder político e econômico difundia as regras da “boa moral”
e do “bem viver”.
Nos meios urbanos, no entanto, a autoridade do patriarca existia, mas de
forma mais atenuada em oposição aos rigores do aplicado no mundo rural, como
afirma Nascimento (1986, p. 112). Nos meios mais pobres e, sobretudo, no mundo
urbano os valores dominantes eram igualmente difundidos, porém aceitos confor-
me seus modos de vida e dentro das possibilidades culturais e materiais de sua
existência.
No transcorrer da história esses modelos de relações sociais vão se reela-
borando e tomando formas que atendem, tanto ao modelo econômico vigente em

¹O 'patriarcalismo', em sua primeira versão, consiste numa forma de organização social onde o homem
exerce domínio político, econômico, religioso, e detém o papel dominante na família em relação à
mulher e aos demais membros; Vainfas (1989, p. 111), afirma que a conversão de cada pai em monar-
ca e sacerdote doméstico fazia do patriarcalismo e da família conjugal uma só instituição. O estudo pio-
neiro sobre a Família Patriarcal Brasileira é de FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. Rio de
janeiro: José Olympio, 1977; Com a evolução do sistema capitalista no mundo, o patriarcalismo tende
a ser moldado para atender às exigências da necessária” divisão sexual do trabalho no sentido de
obter lucros cada vez maiores, assim a “ideologia patriarcal” “tem hoje no capitalismo a sua expressão
máxima (...)”.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 33-38, janeiro, 2006.


36 Elizabete Rodrigues da Silva

cada período como e, principalmente, aos modos culturais elaborados e reelabo-


rados em cada região do país. No percurso do século XX, os modelos de relações
sociais e, dentro destas, as relações de gênero, assumem novos formatos, inau-
gurando o fenômeno da mulher livre, trabalhadora e chefe de família, guardando
as devidas críticas no entendimento dessas categorias.
Desta forma, a mulher, considerada a maior responsável pela reprodução
da vida e da sobrevivência dos seres, não se curvou sempre de maneira inconsci-
ente à cultura masculinizante, apesar do rigor das práticas dos sistemas fundados
em teorias, tanto da Religião quanto da Ciência, que determinaram naturalmente
lugares sociais dicotomizados ao macho e à fêmea com prejuízos para esta últi-
ma¹.
Numa incursão pela história, com o olhar voltado para as mulheres em seus
diversos lugares e papéis, é possível perceber sua trajetória na luta aberta por dire-
itos civis e de cidadania, através dos movimentos sociais que reivindicam o direito
das mulheres em vários âmbitos da sua vida social, bem como se verifica, tam-
bém, com regularidade a luta sutil e dissimulada com que outras mulheres vence-
ram e vencem cotidianamente os diferentes tipos de dominação e exploração que
demarcam as relações no seu contexto mais amplo. (SILVA, 2001, P. 132)
As mulheres assim como os homens, ao longo do tempo, sempre buscaram
mecanismos que objetivassem solapar as normas estabelecidas, quando, muitas
vezes, elas reagiam e reagem às pressões masculinas das mais variadas formas.
Essas reações significaram e significam ainda o termômetro da ação patriarcal, ou
seja, se esta ação foi mais intensa em períodos anteriores e mais reelaborada cul-
turalmente no percurso da história até os dias atuais, é porque houve e há uma
resistência constante e ameaçadora por parte das mulheres, que nem sempre se
acomodaram aos modelos ditados pelos homens ou pelas elites dominantes
como modelos universais (VAINFAS, 1989, p. 109).
Assim, a conformação nítida de dois mundos socialmente sexualizados e
chefiados pelo gênero masculino, aparentemente presente no lar, na rua, no tra-
balho, como em toda a sociedade, desde a elite às classes populares, sofreu osci-
lações e quebra das possíveis arestas, a partir da elaboração mental das concep-
ções femininas, subjacentes a uma constante elaboração histórica e cultural.
Estas concepções, associadas ao lugar que as mulheres vêm ocupando no tecido
social, resultam numa expressão real de suas necessidades sociais quanto mate-
riais, tendendo a reverter, quase sempre de forma sutil, suas atitudes e, conse-
qüentemente, abalando os valores segregadores, abrindo novas possibilidades
para novas ações contrárias, e, tornando, pois, as relações sociais mais dinâmi-
cas, menos estáticas entre o que é subalterno e o que é hegemônico.
Observa-se, também, que não é apenas o viés das relações econômicas
que altera as relações de gênero, pois o fato de a mulher estar inserida no merca-
do de trabalho não conduz, por si só, à libertação no sentido da construção de sua

¹Segundo Viezzer (1989 p. 97), “a única diferença natural dentre os seres humanos é o fato biológico
de nascer fêmea ou macho da espécie humana”.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 33-38, janeiro, 2006.


Ser mulher: Uma construção social 37

identidade. Além da profissionalização e da inserção no mundo do trabalho, torna-


se relevante o fato de a mulher estar mais presente nas ruas, estar mais aberta ao
convívio social, ao lazer, de poder estabelecer relações autônomas e uma comu-
nicação mais dinâmica com toda a sociedade.
Também, as práticas e atitudes cotidianas de mulheres e homens, suas rela-
ções com a família, com os grupos de trabalho e com a sociedade, espelham cren-
ças, aspirações, valores morais e ideológicos e padrões de conduta próprios;
expressam, também, cada período histórico, além da formação sócio-econômica
específica de regiões diferentes. Expressam, sobretudo, uma história das rela-
ções de gênero.
Nesta perspectiva, os valores do ponto de vista mais amplo e as concep-
ções do que é superior ou inferior são reelaboradas conforme o lugar que cada um
ocupa na teia social dentro da história, levando em consideração não somente os
aspectos econômicos, mas com maior ênfase na cultura¹. Assim, compreende-se
que uma sociedade se completa e se ajusta não na conformação ou na diferencia-
ção estática de seus grupos sociais, mas no ponto em que os conflitos se encon-
tram e no entrelaçamento de sua diversidade cultural.
Desta forma, ser mulher não é uma condição natural, mas uma construção
social e cultural em constante reelaboração na dinâmica da sociedade. Portanto, a
mulher não pode ser compreendida a partir dos parâmetros morais, comporta-
mentais e das concepções generalizadoras, apenas. Ela deve ser concebida e
reconhecida no conjunto das condições econômicas, sociais e culturais em que
está inserida, ou seja, pela macro-estrutura e, sobretudo, pela micro-estrutura dos
sistemas que historicamente marcaram as relações sociais e de gênero.

REFERÊNCIAS

DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres: As Vozes do Silêncio. In FREITAS,


Marcos Cezar de. (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo:
Contexto, 1998.

NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. Patriarcado e Religião: As Enclausuradas


Clarissas do Convento do Desterro da Bahia, 1677-1890. Bahia: Conselho
Estadual de Cultura, 1994.

______ . Dez Freguesias da Cidade de Salvador. FCEB, 1986.

¹Thompson revela inadequadas as explicações materialistas e deterministas tradicionais para o


comportamento individual e coletivo, optando pela cultura como explicação total. apud BURKE, 1992,
p. 35.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 33-38, janeiro, 2006.


38 Elizabete Rodrigues da Silva

SAMARA, Eni Mesquita. Patriarcalismo, Família e Poder na Sociedade Brasileira


(Séculos XVI-XIX). In Revista Brasileira de História. São Paulo: v. 11, n.º 22.

SILVA, Elizabete Rodrigues da. Fazer Charutos: uma atividade feminina. Sal-
vador (Ba): UFBA), 2001.

______. As charuteiras no palco da vida. In: SARDENBERG, Cecília M.ª Bacellar


et all (Org.) Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Salvador/NEIM, pp. 161-
181, 2001.

SCOTT, Joan, Gênero: Uma categoria útil para análise histórica. Recife: 1991,
p.01. (Traduzido do original Gender: Na useful Category of Historical Analy-
ses. Gender and the Politcs of History. New York. Columbia University Press. 1989
por Cristine Rufino Debat e Maria Betânia Ávila).

SOIHET, Rachel. Mulheres Pobres e Violência no Brasil Urbano In DEL PRIORE,


Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.

VAINFAS, Ronaldo. Trópicos dos Pecados: Moral, Sexualidade e Inquisição


no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1989.

VIEZZER, Moema. O Problema Não Está Na Mulher. São Paulo: Cortez, 1989.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 33-38, janeiro, 2006.


LETRAMENTO: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE SALA DE
AULA DE ALFABETIZAÇÃO

Celidalva Sousa Reis*

RESUMO: No processo de alfabetização, é necessário proporcionar à criança a


oportunidade de envolver-se em práticas sociais de leitura e escrita, por meio de
atividades reais e significativas, a fim de desenvolver suas competências lingüísti-
cas e torná-la um ser alfabetizado. Para tanto, o professor alfabetizador deve pos-
suir conhecimento acerca desses processos, o que é adquirida através de sua for-
mação profissional, inicial ou continuada. Portanto, o objetivo desta pesquisa é
verificar como os professores compreendem a alfabetização. Desta forma, o que
se espera é que os professores reflitam sobre a sua própria prática pedagógica,
para que os alunos possam desenvolver-se enquanto cidadãos construtores de
conhecimento e capazes de transformar o mundo em que vivem.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento ; alfabetização ; formação do professor.

ABSTRACT: In the literacy process is necessary to provide to child the opportunity


to involve itself in socials practices of reading e write, by means of real and signifi-
cant activities, in order to develop its linguistics competences and to turn it an alp-
habetized being. For so much, the alphabetizer teacher has to possess knowledge
about these processes, what is acquired through his professional formation, initial
or continuous. Therefore, this research's objective is to verify how the teachers
comprehend the literacy. This way, what we wish is that the teachers to contempla-
te about his pedagogic practice, so that students can develop themselves while
building citizens of knowledge and capable to transform the world in that live.

KEY WORDS: Literacy; teacher's formation.

INTRODUÇÃO

A escrita, por ser um bem construída socialmente, está presente na vida


das pessoas desde cedo. Sabemos que as crianças vão formulando com regula-
ridade, suas próprias hipóteses sobre a natureza do sistema da escrita no mundo

*REIS, Celidalva Sousa. Professora de Alfabetização e Estágio Supervisionado da Faculdade Maria


Milza professora de Estágio Supervisionado das Redes UEFS e UNEB

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


40 Celidalva Sousa Reis

que as cerca. Desde a primeira infância a criança se aproxima naturalmente da


escrita. Da mesma forma que a criança aprende a falar, deveria aprender a ler e
escrever, ou seja, é preciso que as letras se convertam em elementos da vida das
crianças, assim como acontece com a linguagem.
Soares considera que (...) “ na escola, nós temos alfabetizado as crianças,
mas a maioria da população sai da escola dizendo que não sabe escrever.”
(SOARES, 2003, p. 33 ) Isso tem sido freqüente porque a escola alfabetiza mas
não letra, ela tem trabalhado apenas com as práticas escolares de leitura e escrita
que considera a aprendizagem da linguagem escrita como aquisição de um siste-
ma de codificação que transforma o som em unidades gráficas. Assim o professor
organiza as atividades para facilitar as aprendizagens das crianças, fundamenta-
das em aprendizagens do que é fácil ou difícil e não com as práticas sociais.
Em função dessa necessidade, esperamos com este trabalho contribuir
para uma melhor compreensão do letramento e identificar as estratégias que têm
sido utilizadas pelos professores alfabetizadores nas escolas. Para tanto, num pri-
meiro momento, fomos buscar um referencial teórico que elucida-se o conceito de
letramento. Falamos também da formação necessária aos professores alfabetiza-
dores que atuam na educação infantil e no primeiro ciclo do ensino fundamental.
Num segundo momento e com a intenção apenas de confrontar a teoria com a prá-
tica, foi realizada uma entrevista com 5 professoras alfabetizadoras da escola
pública para identificar as estratégias utilizadas por elas em sala de aula para
desenvolver atividade que propiciam o letramento.

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO

A Constituição Federal define que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança


e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saú-
de, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fami-
liar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência e opres-
são.(CONSTITUIÇÂO FEDERAL, 1988,art.227)

A Constituição garante ainda educação gratuita para filhos e dependentes


dos trabalhadores:
- atendimento em creche e Pré-Escola às crianças de zero a seis anos de
idade (art.208, inciso IV).
Assim sendo, tanto os pais como seus filhos têm direito a creches e Pré-
Escolas, e estas são instituições de caráter educacional e não apenas assistenci-
al. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96) define a educação
infantil como primeira etapa da educação básica, com a finalidade de desenvolver

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


Letramento: Concepções e práticas de... 41

integralmente a criança de até seis anos, em seu aspecto físico, psicológico, inte-
lectual e social.
Considerando estas questões, podemos afirmar que cabe à Educação
Infantil uma proposta pedagógica consistente pensando em um espaço que as cri-
anças possam desenvolver-se, brincar e preparar-se para a escola, promoven-
do um trabalho interativo com atividades em grupo, questionando acerca de suas
impressões sobre os fatos, levantando hipóteses a partir de seus conhecimentos
prévios e constituindo-se enquanto sujeitos cooperativos com a função de ser
alguém que constrói e transforma, deixando a sua marca.
A aprendizagem da linguagem é um dos elementos importantes para as cri-
anças ampliarem suas possibilidades de inserção e de participação nas diversas
práticas sociais, constituindo-se em um dos eixos básicos da Educação Infantil,
dada sua importância para a formação do sujeito, para a interação com as outras
pessoas, na orientação das ações das crianças, na construção de muitos conheci-
mentos e no desenvolvimento do pensamento.

Pesquisas realizadas nas últimas décadas, baseadas na análise


de produções das crianças e das práticas correntes, têm aponta-
do novas direções no que se refere ao ensino e à aprendizagem
da linguagem oral e escrita, considerando a perspectiva da crian-
ça que aprende. Ao considerar as crianças ativas na construção
de conhecimentos e não receptoras passivas de informações há
uma transformação substancial na forma de compreender como
elas aprendem a falar, a ler e a escrever. (BRASIL, 1998, p.120)

LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO

A palavra letramento começou a aparecer no discurso pedagógico na


segunda metade dos anos 80. A alfabetização é então definida como um processo
de aquisição de habilidades requeridas para a leitura e escrita, enquanto o letra-
mento é conhecer e fazer uso da função social da escrita.

( ... ) um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indiví-


duo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escre-
ver; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letra-
mento, é não só aquele que usa socialmente a leitura e a escrita,
responde adequadamente às demandas de leitura e de escrita.
(SOARES, 2003, p.39 e 40)

Segundo Kleiman (1995), o conceito de letramento surgiu justamente da


necessidade de separar os estudos sobre o impacto social da escrita desde o sécu-
lo XVI (como as mudanças políticas, sociais, econômicas e cognitivas relaciona-
das com o uso extensivo da escrita nas sociedades tecnológicas).

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


42 Celidalva Sousa Reis

A proposta para a Educação Infantil diz que “o processo de letramento


está associado tanto a construção do discurso oral como do discurso escrito.”As
crianças precisam de atividades significativas que envolvam o ler e o escrever. (
Brasil, 1998,p. 121 )
Vivemos numa interação constante em que as informações circulam atra-
vés da escrita. Fazer parte de uma cultura letrada, sem que a escola se compro-
meta com o processo de construção da leitura e escrita, não garante a apropriação
desse letramento. O papel da alfabetização é dar acesso a esse universo letrado,
proporcionando às crianças, contato com os mais variados portadores de texto,
como livros, jornais, rótulos, placas, cartazes, etc., uma vez que, para aprender a
ler e escrever, a criança precisa construir um conhecimento de natureza conceitu-
al: precisa resolver problemas de natureza lógica até compreender de que forma a
escrita alfabética em português representa a linguagem e assim poder escrever e
ler convencionalmente.
A alfabetização é vista mais comumente como um processo de aquisição
individual de habilidades requeridas para a leitura e escrita. Assim, concebe-se a
alfabetização como instrução formal, como prática escolar.
Nesse sentido, alfabetizar seria ensinar a pessoa a ler e escrever. A leitura e
a escrita são fundamentais para que possamos agir com autonomia na nossa soci-
edade. O significado da palavra “alfabetizado”, na atualidade é muito mais amplo,
não se limitando ao domínio da escrita. Um sujeito plenamente alfabetizado ou
letrado é aquele que, além de codificar e decodificar domina também as formas de
discurso, as condições e situações de uso do texto.

Para Soares (2003) a pessoa que aprende a ler e escrever que


se torna alfabetizada e que passa a fazer uso da leitura e da
escrita, torna-se também letrada. “Ter-se apropriado da escrita é
diferente de ter aprendido a ler e escrever: aprender a ler e escre-
ver significa adquirir uma tecnologia, a de codificar e decodificar a
língua escrita; apropriar-se da escrita é assumi-la como sua pro-
priedade” (SOARES, 2003, p.39)
A maioria das crianças , desde pequenas, estão em contato direto
com a linguagem escrita por meio de seus diferentes portadores
de texto, iniciando-se no conhecimento desses materiais mesmo
antes de freqüentarem a escola. A constatação de que as crian-
ças constroem conhecimentos sobre a escrita muito antes do que
se supunha e de que elaboram hipóteses originais na tentativa de
compreendê-la, amplia as possibilidades da alfabetização ser
enriquecida e dar continuidade a esse processo. (...) “é preciso
que as crianças encontrem seu lugar no mundo da escrita não
mais somente como leitoras e receptoras, mas como produtoras,
como editoras e como difusoras.” ( JOLIBERT, 1994, p. 22 ).

O letramento não está centrado na apropriação gradativa e constante de sig-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


Letramento: Concepções e práticas de... 43

nos. Mas que as crianças se relacionem com sua língua materna, uma vez que
acreditamos que o sujeito se constitui na interação com o meio. A apropriação do
conhecimento é fundamentalmente um meio e não um fim, visto que o objetivo é
orientar o aluno de modo que ele seja efetivamente um usuário da língua.
A função da escrita é comunicar, informar, expressar, exercendo diferentes
funções na vida social e cada grupo tem suas práticas de leitura e escrita. Os tex-
tos não devem aparecer apenas com a finalidade de ensinar a ler e escrever, mas
devem exercer função real que façam parte do dia a dia da escola e que ampliem
as práticas vividas pelas crianças. É preciso esquecer as frases ou palavras soltas
que não têm nada a ver com uma situação vivida pelo grupo. As letras, palavras e
frases dentro de um texto são diferentes de letras, palavras e frases tomadas de
maneira isolada, que nos faz lembrar das cartilhas.
Numerosas pesquisas evidenciam a importância da leitura compartilhada,
da contação de histórias; da participação em atividades de manipulação de mate-
rial, o registro coletivo de experiências, observações, passeios, etc., que sirvam
de referência para as crianças refletirem sobre a língua escrita. A alfabetização
constrói-se, assim, através de atividades de uso, contextualizadas e significativas
da linguagem oral e escrita, como forma de inserção na vida da criança e desta na
realidade letrada.
Nesse contexto o professor alfabetizador desempenha diversos papéis,
sendo que, os mais importantes são o papel de escriba e de leitor. Dessa forma,
faz-se necessário tecermos algumas considerações sobre a formação desse edu-
cador.

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96 afirma que:

a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á


em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,
em universidades e institutos superiores de educação, admitida,
como formação mínima para o exercício do magistério na Educa-
ção Infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental,
a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (Cap V, art.
62)

A UNESCO divulgou em 1998 o livro conhecido como “Relatório Jacques


Delors”, que revela as aprendizagens em “pilares” da educação para esse milênio:
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser.
Esses pilares redimensionam o papel do educador e enfatiza a relevância desse
educador na formação dos alunos. Avanços teóricos começam a ser feitos na dire-
ção de considerar sistematicamente os aspectos humanos na formação docente,
mostrando a importância do resgate das histórias de vida e da construção da iden-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


44 Celidalva Sousa Reis

tidade a partir dos saberes da docência. É urgente investir na formação adequada


do educador, e isto implica no domínio de tecnologias educacionais, conhecimen-
tos dos princípios, processos e mecanismos de integração esco-
la/família/comunidade, habilidades básicas para administração da sala de aula,
arranjos ambientais, além das características pessoais como criticidade, criativi-
dade, satisfação em trabalhar com crianças, competência, atualização permanen-
te, dedicação, habilidade para o trabalho interdisciplinar, entre outras.
É claro que existem professores leitores e pesquisadores, que investem
pessoalmente em seu desenvolvimento profissional, que exigem oportunidades
de formação, que trabalham em equipe, que participam do projeto político peda-
gógico de suas escolas, que estudam sobre a aprendizagem das crianças para
poder ensinar-lhes melhor. O aprender deve ser contínuo e concentrar-se no cres-
cimento profissional permanente.
Para Nóvoa: “O docente não define a prática, mas sim o papel que aí ocupa;
é através de sua actuação que se difundem e concretizam as múltiplas determina-
ções provenientes dos contextos em que participa.”(NÒVOA, 1999, p. 74 ) Para
esse educador, a formação continuada dá-se de forma coletiva e depende da expe-
riência e da reflexão como instrumentos contínuos de análise. É evidente a
necessidade da reflexão do professor sobre sua prática e direcioná-la segundo a
realidade em que atua, voltada aos interesses e às necessidades das crianças.
Nesse sentido, Freire, (1996, p.39) afirma que: “É pensando criticamente a prática
de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a próxima prática..” ( FREIRE, 1996,
p. 39 )
Os conhecimentos adquiridos, no curso de magistério ou graduação, não
são suficientes para instrumentalizar o professor para desenvolver seu trabalho
com as crianças que são, em sua essência, diferentes e em constante crescimen-
to e evolução. Não é possível conceber a formação profissional do educador como
finalizada. O processo de formação deve ser permanente, não envolvendo ape-
nas a formação inicial. A formação continuada cursos de aperfeiçoamento, capa-
citação, palestras, debates, mesa redonda, seminários, jornadas pedagógicas,
etc. - possibilita ao educador revigorar suas energias para a luta e nesta, criar
novas subjetividades, para produzir energias emancipatórias atualizando e enri-
quecendo sua prática.
Com esse intuito, ou seja, melhorar o trabalho docente, foi aplicada uma
entrevista a 5 professoras alfabetizadoras de 3 escolas do município (Y) exploran-
do as estratégias e metodologias utilizadas no desenvolvimento da alfabetização
e do letramento. Essas alfabetizadoras foram escolhidas por trabalharem há
algum tempo com classes de alfabetização e estarem no curso de Pedagogia
com habilitação para séries iniciais. Consideramos importante informações
como: idade,tempo de atuação do profissional, que será citado apenas como Pro-
fessor X e Z , Escola 1; Professor W e F, Escola 2; e Professor k, Escola 3. As entre-
vistas foram registradas e posteriormente consultadas para uso da pesquisa.
Estas entrevistas falam de suas concepções acerca de letramento e relatam a prá-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


Letramento: Concepções e práticas de... 45

tica pedagógica e as estratégias que utilizam para desenvolver a alfabetização e


ou letramento na sala de aula.

CONCEPÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ENSINO DAS PROFESSORAS


ALFABETIZADORAS ENTRAVISTADAS ACERCA DO LETRAMENTO

Professora X (Escola 1) Na minha sala de aula eu coloco o máxi-


mo possível as crianças em contato com letras e números, que eu
entendo por letramento uma criança desde pequenininha já
conhece isso, já vive num mundo letrado, porque letras e núme-
ros faz parte da vida. A estratégia que eu uso é de colocar eles em
contato com tudo, com letras, é contando histórias, ouvindo histó-
rias, é a gente recriando histórias, ou montando histórias novas a
partir de um tema que surgiu deles; letras de músicas, as músicas
que a gente trabalha eu trago escrita, com o nome do autor, de
uma forma bem organizada, quando é uma música de conheci-
mento popular eu falo que não se conhece o autor. Eu vou mos-
trando pra eles que aquela letra é a mesma que a gente estava
ouvindo no outro dia, a medida que o cantor cantava a gente
acompanha com o dedo, a gente canta, dança, cria coreografias,
desenha,fizemos uma roda com livrinhos de histórias infantis e
uma música baixinha. E a partir de estratégias assim: do nome
deles, aonde que tem; fazer lista de mercado pra lembrar; eu faço
o calendário com eles; os livrinhos que a gente lê, eu mostro as
páginas, que em tudo que é lugar a gente pode ter números. Na
minha sala de aula eu tenho os números e o alfabeto ( em cartoli-
na ), e dentro da sala são usadas diversas letras, não é só bastão,
tem a cursiva, pra eles terem a noção de que em outros lugares se
encontra outros tipos de letras.
Professora Z (Escola 1) Dentro da sala de aula a gente tem a níti-
da impressão de que tudo faz parte do letramento, porque todas
as atividades passam pelo letramento, onde a criança visualiza
as letras e tenta entender o que está ali, a partir do cabeçalho que
eles eu copiam eu já estou fazendo o letramento. Na minha pró-
pria fala, eu estou utilizando ele pra fazer a minha prática dentro
da sala de aula. Alfabetização e letramento estão muito próximos,
penso que a diferença é que quando você está alfabetizado você
pode ler e a escrever. Desde o momento que entra na sala, identi-
ficando o nome dos cantos da leitura, da fantasia, como ela sabe
que ali é o canto da fantasia?, é o letramento, pois ela sabe que ali
estão expostas as peças, os jogos. Isso faz com que eles tenham
o conhecimento das letras. Eu uso como estratégias: Um texto
coletivo construído na sala, eles tem a concepção que eles
estão fazendo, embora muitas vezes se diz : “Ah, mas ele não é
alfabetizado”, mas ele sabe ler, então ele tem um mundo visual

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


46 Celidalva Sousa Reis

muito à parte. Trava-línguas, músicas, livros de histórias que


temos na sala, o cartaz dos aniversariantes, tudo é letramento,
eles sabem á que está escrito, encontram seu nome e identificam
algumas palavras.
Professora W ( Escola 2) Letramento pra mim é tudo que traz
informação: textos, jornais, revistas, receitas que você pode tra-
balhar com as crianças. No letramento trabalhamos mais o con-
texto, não seria como na alfabetização que você pega o B mais A
e dá BA, vai unindo de maneira mais tradicional, pega partes pra
formar o todo; no letramento você já parte do texto completo, a
mensagem, e vai trabalhando a partir daí você retira as palavras
chaves pra utilizar na alfabetização.
Professora F (Escola 2) Eu entendo que letramento, em se tra-
tando de crianças pequenas, é orientar eles a se inserirem no
mundo das letras, preparar eles para entrar nesse mundo letrado,
interpretar o mundo das letras, através das letras. Eu nunca li um
conceito sobre letramento, então pra mim eu percebo assim.
Tenho uma turma misturada, por isso eu não posso desenvolver
um trabalho muito semelhante as outras turmas até se torna com-
plicado. Agora eu estou vendo que é muito bom, é complicado
mas é até interessante, eu não posso perder um minuto da manhã
deles, é desde a chegada, muito diálogo e jogos. O diálogo e os
jogos é um instrumento pedagógico que a gente tem de grande
valia e eu acredito muito nesse trabalho: a construção do conheci-
mento através do lúdico. Trabalho bingo de letras, bingo com o
nome deles, jogo de memória.
Professora K (Escola 3 ) Eu entendo por letramento tudo aquilo
que está em volta da criança, e também o conhecimento que ela
constrói através do letramento, e não é uma coisa assim total-
mente imposta. O letramento está em todas as letras, então em
todos os lugares, e tu começa a trabalhar com o nome deles,
então pelas letras do nome a gente vai trabalhando.
Eu gosto de iniciar trabalhando com o nome inicial, completo; poe-
sias; receitas; bilhetes, bilhetes que eles mandam para os pais,
que às vezes vinham perguntar se era verdade; músicas; os livros
infantis, clássicos, gibis e que eles manuseiem. A partir daí a
gente vai lendo junto, e o texto vai ficando ali na sala de aula, às
vezes a gente retoma, e as crianças já identificam as palavras e a
partir daí dá pra identificar as letras. Conforme vai se trabalhando
surge o assunto, por exemplo, a gente trabalhou com o folclore, aí
construímos uma listagem do folclore da comunidade. (entrevis-
tas das professoras reproduzidas fielmente).

Percebemos no depoimento das professoras uma certa insegurança ao


conceituar letramento, pois iniciam suas falas com as expressões “eu acho”, “eu

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


Letramento: Concepções e práticas de... 47

entendo”, “letramento pra mim é”. Essas alfabetizadoras consideram que letra-
mento é trabalhar as letras e reconhecer algumas palavras do universo da criança,
como o seu nome.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É verdade que a palavra letramento é recente no nosso vocabulário peda-


gógico que começou a ser mais difundida na década de 90. É importante salientar
que não basta estar estudando, mas é preciso fazer uma reflexão da prática
docente e um acompanhamento para as sinalizações e descobertas no campo de
formação de professores.
Apesar de as professoras entrevistadas não terem o conceito de letramento
seguramente definido, têm o conhecimento de que a formação de um leitor ativo e
de um competente autor de textos, ou seja, um indivíduo letrado, depende do
envolvimento real desses indivíduos com a leitura e a escrita de diferentes tipos ou
gêneros, como poemas, histórias infantis, músicas, trava-línguas, bilhetes, gibis,
entre outros citados nas entrevistas. Percebemos que as professoras alfabetiza-
doras estão comprometidas com o letramento de suas crianças, buscando estra-
tégias de ensino-aprendizagem que despertem o prazer de ler e escrever, o que
não minimiza a necessidade ou a importância de se ter um conceito definido acer-
ca de letramento.
Assim, focalizamos o papel fundamental do professor alfabetizador no pro-
cesso de estimulação da oralidade e da escrita. Apesar de a criança ser essencial-
mente ativa e curiosa, as situações de aprendizagem cuidadosamente planejadas
contribuem para que ela explore seu ambiente e cresça em termos das
representações simbólicas, na solução de problemas e no processo de cons-
trução da leitura e escrita.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. MEC / SEF,


Brasília: 1998.

_____. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. São Paulo: Reede l, 1998, 272p. .

_____. Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei n. 9394 de 20/12/1996.

COLOMER,T; TEBEROSKY, Ana. Aprender a ler e a escrever: uma proposta


construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003, 192 p.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez,

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


48 Celidalva Sousa Reis

1998, 291 p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.São Paulo: Paz e Terra, 1996, 216 p.

____________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática edu-


cativa. 28ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996, 152p.

KLEIMAN, Ângela. Os Significados do Letramento: uma nova perspectiva


sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2004, 296p.

NÓVOA, Antonio. (org.) Profissão Professor. Portugal: Porto Editora, 1999,


192p. .

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:


Autêntica, 2003,128p.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 39-48, janeiro, 2006.


TERRITÓRIO, IDENTIDADE E MOVIMENTO

Márcio Emanuel Dantas Estevam

RESUMO: O objetivo deste artigo é demonstrar a diversidade de analises que


podem ser feitas à cerca da temática territorial, considerando o território um con-
ceito complexo e polissêmico que deve ser utilizado ponderando, varias escalas
além da aquela proposta tradicional mono escalar, dos territórios nacionais. Neste
artigo há uma proposta ilustrativa de analise superficial, porém demonstrativa e
que merece ser aprofundada em estudos futuros sobre a construção dos territóri-
os ciganos.

PALAVRAS-CHAVE: Território; identidade; movimento; epistemologia.

ABSTRACT: This article's objective is to show the diversity of analyzes that can be
do about the territorial thematic, considering the territory a complex and polisence
concept. That must be used in a lot of scales beside that traditional proposed mono
scaler, of the national territories. In this there is in illustrative propose of a superfici-
al analyze, but demonstrative and beserve to be proposal in future studies about
the gypsies territories construction.

KEY WORDS: Territory; identity; moviment; epistemology.

TERRITÓRIO

Dentro do caminho epistemológico percorrido pela Geografia lidando com


um dos conceitos principais desta análise, o TERRITÓRIO, observaremos que
este foi utilizado pela primeira vez pelo alemão Fredrich Ratzel no final do século
XIX. Para ele, território seria uma "determinada porção da superfície terrestre apro-
priada por um grupo humano" (MORAES, 1990, p.23). Este conceito tomou como
base a definição utilizada pelas ciências naturais (Zoologia e Biologia), pois relaci-
ona a apropriação do espaço a uma forma de sobrevivência. Ratzel faz referência
à ligação do território com o Estado, este sendo criado como forma de um povo

*Mestrando em Geografia pela Universidade Federal da Bahia. Área de concentração: Análise do


espaço urbano e regional. Professor do nível médio e de Geografia Urbana da Faculdade Maria
Milza.BA. marcio.mano@hotmail.com

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 49-55, janeiro, 2006.


50 Márcio Emanuel Dantas Estevam

manter a sua defesa afirmando ainda que a única forma de uma sociedade alcan-
çar um nível de desenvolvimento superior seria conquistando novos territórios.
Outros teóricos como Camile Vallaux e Elisée Reclus foram importantes
para a reflexão sobre o conceito de território uma vez que estes levaram em consi-
deração as questões do poder e suas implicações com as ações políticas e econô-
micas.
Vallaux, “(...) reconhece como inevitável que a formação dos Estados passe
necessariamente pela definição de soberania de um povo sobre uma porção
determinada do solo, definindo aí um território, ou seja, um espaço de domínio polí-
tico” (COSTA, 1992, p.45).
Reclus, “(...) procurava estabelecer as relações entre as classes sociais e o
espaço ocupado e dominado” (ANDRADE, 1994, p.213). Tais autores levaram em
consideração o território dentro de uma perspectiva mono escalar (Estado-nação)
e sempre ligado à questão de dominação do espaço.
Raffestin trabalha com a relação espaço e poder, utilizando o conceito de
território mais como “(...) um espaço onde se projetou um trabalho seja energia e
informação, e que, por conseqüência revela relações marcadas pelo poder (...)”¹.
O autor distingue os conceitos de território e espaço, território seria “(...) a prisão
que os homens constroem para si”. Enquanto espaço seria "(...) a prisão original; o
espaço é, portanto anterior preexiste a qualquer ação (...)”². Para este autor, o ter-
ritório é compreendido através de códigos e sistemas sêmicos, e mostra que toda
forma de apropriação do espaço remete a uma representação dele. Assim sendo,
qualquer “projeto é sustentado por um conhecimento e uma prática, isto é, por
ações e/ou comportamentos que, é claro, supõem a posse de códigos, de siste-
mas sêmicos”, o projeto ao qual remete o autor refere-se a um projeto de territoria-
lização. (1993, pp. 143 e 144).
Para além de uma abordagem simplificadora do território baseada numa
perspectiva política e mono escalar (Estado-nação), muitos autores, além de utili-
zar a dimensão política priorizam também a dimensão simbólica, vendo o território
como fruto de uma apropriação simbólica, especialmente através das identidades
territoriais, como. Corrêa (1994), Souza (1995) e Haesbaert (1997). Souza (1995)
aborda territorialidade de uma forma crítica, para ele:

(...) o território será um campo de forças, uma teia ou rede de rela-


ções sociais que, a par de sua complexidade interna, define ao
mesmo tempo um limite, uma alteridade: a diferença entre 'nós'
(insiders) e os 'outros' (outsiders). (SOUZA, 1995, p.86).

O autor prioriza mais as relações projetadas no espaço do que propriamen-


te o espaço concreto. Para ele, o substrato referencial pode permanecer o mes-

¹Citação referente a obra de Raffestin, 1993, mesma edição. Ver bibliografia.


²Idem.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 49-55, janeiro, 2006.


Território, identidade e movimento 51

mo, porém as territorialidades sobre ele podem ser as mais diversas, construírem-
se e dissiparem-se rapidamente, com um caráter de estabilidade ou instabilidade,
regularidade ou apenas periodicidade.
Souza propõe ainda conectar escalas diferenciadas que procuram relacio-
nar os territórios descontínuos (rede) aos territórios contínuos (superfícies), assim
a realidade concreta abarca tanto as redes quanto os territórios. Haesbaert
(2002a) faz uma diferenciação entre as redes: as extrovertidas, que através de flu-
xos podem destruir territórios e as introvertidas, que podem estruturar novos terri-
tórios, existindo assim as redes desterritorializantes e as redes territorializantes.
Estas últimas são “(...) aquelas mais simbólicas ou de solidariedade, voltadas para
as territorialidades mais alternativas ao sistema dominante (...)”. (HAESBAERT,
2002b, p.123). As relações entre os vários territórios ciganos se enquadram nesta
perspectiva, são menos organizacionais e mais afetivas e solidárias baseadas
nos elos familiares e culturais.
Haesbaert (2002a) propõe uma nova determinação aos processos atuais
de territorialização, que atualmente passam por diversas escalas numa, segundo
o autor, “(...) simultaneidade de eventos, onde se vivenciam também, ao mesmo
tempo, múltiplos territórios (...)” onde “(...)ora somos requisitados a nos posicionar
perante uma determinada territorialidade, ora perante outra, como se nossos mar-
cos de referência e controle espacial fossem perpassados por múltiplas escalas
de poder e de identidade(...)”(p.140)¹, o que o autor virá a chamar de realidade mul-
titerritorial.

TERRITÓRIO E A IDENTIDADE

O território como um conceito polissêmico pode ser analisado de diversas


formas. Uma delas parte da identidade territorial e os símbolos que alicerçam tais
identidades, além da forma como se estruturam. Corrabora-se neste artigo com a
proposta de analisar o território partindo do princípio que, o (...) “território não é o
substrato, o espaço social em si, mais sim um campo de forças, as relações de
poder espacialmente delimitadas e operando, destarte sobre um substrato refe-
rencial” (SOUZA, 1995, p. 97). Assim, é importante destacar que os territórios são
relações de poder, construídas sobre um substrato material, que são refletidas no
espaço em forma de territorialidade. O processo territorializador parte da:

(...) apropriação e dominação do espaço (...), sendo que apro-


priação seria o processo efetivo de territorialização; que reúne
uma dimensão concreta de caráter predominantemente “fun-
cional” e uma dimensão simbólica afetiva; enquanto que domi-
nação tende a originar territórios puramente utilitários e funcio-

¹Citação referente a obra de Haesbaert, 20002a. Ver bibliografia.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 49-55, janeiro, 2006.


52 Márcio Emanuel Dantas Estevam

nais, sem um verdadeiro sentido compartilhado e/o uma rela-


ção de identidade com o espaço possa ser construída.
(LEFEBVRE In HAESBAERT, 1997, p.41).

Assim a dominação seria uma distorção da apropriação, a criação apenas


de territórios funcionais. Partindo da idéia de apropriação do espaço, esta dar-se-
á no processo de construção de uma identidade com uma porção do espaço geo-
gráfico (o território). Pois, “De uma forma muito genérica podemos afirmar que não
há território sem algum tipo de identificação e valoração simbólica (positiva ou
negativa) dos espaços pelos seus habitantes (...)” (HAESBAERT In CORRÊA,
1999, p.172). Desta forma, podemos perceber que a territorialização parte da apro-
priação de espaços e construção de identidades territoriais que permitirão delimi-
tar os contornos do território, “nossos espaços e os espaços dos outros”.
Muitas vezes ligadas ao processo identificatório, percebe-se uma hierarqui-
zação ou classificação das culturas, com a utilização de parâmetros de comparabi-
lidade transformando o que é apenas diferente em desigual. Como foi dito anterior-
mente por Haesbaert, a territorialidade é constituída de identificação e valorização
simbólica. A valorização simbólica ou a construção de símbolos indicam ações con-
cretas e a decodificação desses símbolos irá auxiliar no entendimento de como se
processa a territorialidade daquele grupo. Sobre o símbolo afirma se que:

Constituindo a base das representações que orientam as dire-


ções das ações dos homens sobre o espaço, o domínio do simbó-
lico possui um inegável valor explicativo. Mais do que fonte de
sobrevivência, a Terra é um registro simbólico por excelência e,
apesar de a racionalidade moderna ter conquistado os espaços
objetivos das relações sociais, as representações permanecem
nos dispositivos simbólicos, nas práticas codificadas e ritualiza-
das, no imaginário e em suas projeções. (CASTRO, 1997, p.156)

Como a territorialidade é um processo de criação de raízes culturais e iden-


tificatórias, o geógrafo Yi-Fu-Tuan (1983) demonstra a transformação do espaço,
aqui entendido como território, em lugar, quando aquele (espaço) passa a ter sig-
nificado para quem nele habita. A partir desta abordagem, pretende-se compreen-
der quais os elos afetivos entre as pessoas e o seu território, já que estes exercem
aparentemente uma territorialidade mais temporária que permanente qual arsenal
simbólico utilizado para a criação das identidades territoriais, se tais identidades
serão realmente afetivas e/ou funcionais.
Levando em consideração que territórios são relações de poder projetadas
no espaço, consideraremos também as relações entre poder e cultura.
(COSGROVE, 1998), quando analisa a relação da cultura e do poder, ressalta que
existem subculturas dentro de uma cultura dominante, que tem o objetivo de vali-
dar-se como hegemônica e assim legitimar sua posição em uma sociedade de

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 49-55, janeiro, 2006.


Território, identidade e movimento 53

classes. Quanto às subculturas ou culturas alternativas são menos visíveis e sub-


divididas em: Residuais - utilizadas para reconstrução de antigas geografias;
Emergentes - de caráter mais transitório e com baixo impacto sobre as paisagens.
Ainda segundo o autor “Está na natureza de uma cultura emergente oferecer um
desafio à cultura dominante existente, uma visão de futuros alternativos visíveis”
(p.53)¹, como os "hips". Excluídas - Paisagens excluídas de investigação ou com
estudos ocasionais, pertencentes a grupos excluídos, porem da mesma forma
que as demais paisagens urbanas repleta de significados simbólicos.

TERRITÓRIO, IDENTIDADE E MOVIMENTO

Como sugestão de análise no sentido de integrar território, identidade e


movimento, lançamos mão dos espaços ciganos, que são espaços apropriados
por estes agentes também através da identidade, porém ao mesmo tempo
demonstra-se uma territorialidade temporária, (movimento) graças as caracterís-
ticas nômades deste grupo. Assim, esta proposta não exige neste artigo uma
necessidade de aprofundamento das relações deste grupo com o espaço, mas o
usa apenas como um instrumento ilustrativo desta proposta de análise.
Bonnemaison em (CORRÊA & ROSENDHAL 2002) traz reflexões sobre o
território e o movimento a partir de análises de sociedades tradicionais; para ele, o
território teria um núcleo forte bem como uma periferia e seu entorno, mais os pon-
tos e os itinerários entre esses, que caracterizariam o espaço vivenciado definiri-
am uma real apropriação, gerando a verdadeira afetividade pelo território. Esta
visão sobre o território é importante, pois leva em conta a não fixação dos grupos
em pontos do espaço, mas também os movimentos como fatores identificatórios,
como exemplo, temos os grupos ciganos que, em sua maioria, partilham do noma-
dismo ou seminomadismo, desta forma, “A territorialidade se situa na junção des-
sas duas atitudes; ele engloba aquilo que é fixação dito de outra maneira, os itine-
rários e os lugares” (BONNEMAISON In CORREA & ROSENDHAL, 2002, p.99).
Apesar deste caráter fluido da identificação do espaço, para o autor existem luga-
res que possuem um significado maior, “pontos fortes” ou itinerários reconhecidos
que iram determinar os “territórios de errância”. Para ele a idéia de cultura está no
centro de seus estudos de forma indissociada ao território. Assim, “(...) é pela exis-
tência de uma cultura que se cria um território e é pelo território que se fortalece e
se exprime a relação simbólica existente entre cultura e espaço”
(BONNEMAISON In CORREA & ROSENDHAL, 2002, p.99), daí surgindo uma
forma de analisar o espaço, denominada de “geocultural”.
Bonnemaison (2002) nos lembra ainda que o território é, ao mesmo tempo,
“espaço social” e “espaço cultural”, o primeiro sendo relacionado à organização
social, às funções políticas, sociais e econômicas da sociedade e o segundo tanto
à função social quanto à simbólica. Para o autor, são dois aspectos complementa-
res não devendo haver o descuido de separá-los.

¹Citação referente a obra de Cosgrove, 1998. Ver bibliografia.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 49-55, janeiro, 2006.


54 Márcio Emanuel Dantas Estevam

Mais particularmente sobre a identidade cigana, a socióloga Maria Patrícia


L. Goldfarb, no seu artigo “Tempo e Espaço na Construção da identidade Cigana”
(2004), demonstra como as categorias tempo e espaço, influenciam na formação
da identidade cigana na cidade de Souza - PB. Utiliza os significados como forma
de compreender os grupos ciganos, prioriza a concepção de como as pessoas se
pensam, o “Ser cigano” em oposição com os “Não ciganos”.
Quanto à questão do tempo-espaço, relaciona-os às concepções de noma-
dismo e sedentarização. Na sua pesquisa, a autora percebeu que a base da identi-
dade deste grupo está situada em um passado um pouco distante, onde o noma-
dismo predominava nas relações dos ciganos com o espaço. O nomadismo, pre-
sente nas representações coletivas em torno do passado grupal, é o que irá permi-
tir uma identificação com uma historia em particular, esta continuidade do passado
é o que diferenciará os ciganos da população nacional. A autora constatou ainda a
partir de alguns discursos, que apesar das inovações trazidas pela sedentariza-
ção, o passado nômade é ainda valorizado positivamente.
Para concluir, território, identidade e movimento mesclam-se na tentati-
va científica de compreender uma realidade espacial através de um arcabouço teó-
rico conceitual de base geográfica contemporânea e crítica rompendo com con-
cepções tradicionais que envolvem o conceito de território. A proposta de análise
de espaços ciganos por si própria demonstra a tentativa deste autor em tornar
clara a aplicabilidade do conhecimento geográfico, não apenas em questões pura-
mente econômicas ou políticas, mas sim em uma realidade muito mais complexa
que não envolve apenas a racionalidade como também a subjetividade.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, M.C. Territorialidades, Desterritorialidades, Novas territorialidades os


limites do poder nacional In SANTOS, Milton (ORG.) Território, Globalização e
Fragmentação. São Paulo: HUCITEC, 1994. p.213.

BONNEMAISON, Joel. Viagem em torno do território In CORREA, Roberto L. &


Rosendhal, Zeny (Ufrgs.). Geografia cultural: um século (3). Rio de Janeiro.
EdUERJ, 2002.

CORRÊA, R. L. (ORGS.) Explorações Geográficas: percursos no fim de sécu-


lo. - Rio de Janeiro. Bertrand - Brasil, 1997. P. 155-196.

COSGROVE, D. A Geografia Está em Toda Parte: Cultura e Simbolismo nas Pai-


sagens Humanas In CORRÊA, R. L e ROSENDAHL, Z. (ORGS) Paisagem,
tempo e Cultura. Rio de Janeiro. EDUERJ, 1998.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 49-55, janeiro, 2006.


Território, identidade e movimento 55

GOLDFARB, Maria P. Lopes. Tempo e Espaço na construção da identidade


cigana. Revista Vivência, Natal RN, nº27, 2004. p 79 a 86.

HAESBAERT, R. Identidades Territoriais In CORRÊA, R. L. e ROSENDAHL, Z.


Manifestações da Cultura no Espaço. Rio de Janeiro. EDUERJ, 1999. P. 49-58.

______. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão


Desenvolvimento In CASTRO I.E de; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. (orgs.)
Geografia: CONCEITOS E TEMAS. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 1995.

______. Multiterritorialidade do Mundo o exemplo da Al Qaeda. São Paulo.


Rev. Terra Livre. Ano 18 vol. I jan- jun. / 2002 a. p37 46

______.Territórios Alternativos, São Paulo. EDUFF. 2002b.

______. O Mito da Desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritó-


rialidade. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2004.

RAFFESTIN. C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo. ed. Àtica, 1993.

SERPA, Angelo S. P. (org). Percepção e fenomenologia: Em busca de um méto-


do Humanístico para estudos e intervenções do / no lugar. OLAM. Revista de
Ciência e Tecnologia. Vol. 01, nº02. Rio Claro, 2001. p. 29 61.

SOUZA, Marcelo L. De. Sobre o espaço: Território Autonomia e Desenvolvimento


In CASTRO I.E de; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. (ORGS.) Geografia:
CONCEITOS E TEMAS. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar. São Paulo. DIFEL, 1983.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 49-55, janeiro, 2006.


INTERNET: UM CANAL ABERTO PARA VIABILIZAR O
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NAS
ESCOLAS

Antonio Wellington Melo Souza*

RESUMO: Este artigo discute a utilização da Informática nas escolas como uma
possível contribuição para a melhoria do processo ensino aprendizagem através
da Internet como uma ferramenta que pode promover novas formas de ensinar e
aprender nos seus aspectos positivos e negativos.

PALAVRAS CHAVE: Internet; ensino aprendizagem; tecnologias da informação e


comunicação (TICs), escolas.

ABSTRACT: This article argues the use of Computer science in the schools as a
possible contribution for the improvement of the teaching - learning through the
Internet as a tool that can promote new forms to teach and to learn in its positive
and negative aspects.

WORDS KEYS: Internet; education learning; technologies of the information and


communication (TICs); schools.

A Internet engloba muitas redes de comunicação diferentes, dirigidas e ope-


radas por uma grande quantidade de organizações que estão ligadas, interconec-
tadas coletivamente. Ela pode permitir a comunicação e o compartilhamento de
recursos e dados com pessoas dos mais variados lugares, o que favorece o aces-
so a uma gama muito grande de informações.
Ao conectar-se com a Internet, o indivíduo tem acesso a diversos meios de
informação. Isso constitui, para alunos e professores, um canal propício de cons-
trução do conhecimento. Com esse recurso, conforme Marques (2002, p. 158), “a
escola abre as portas de um universo mágico aos seus alunos, como também der-
ruba as fronteiras do tempo e do espaço”.
A escola, por sua vez, é um espaço privilegiado para a apropriação e cons-
trução de conhecimento. O seu papel fundamental é instrumentalizar os seus estu-
dantes e professores para pensar de forma criativa em soluções tanto para os anti-

*SOUZA, Antonio Wellington Melo. Mestre em Educação UFRGS; Especialista em Informática na


Educação - UFRGS; Especialista em Aplicações Pedagógicas dos Computadores - UCSal;
Coordenador do Núcleo de Tecnologia Educacional de Santo Antonio de Jesus NTE 04; Professor da
Faculdade Maria Milza FAMAM e da Faculdade de Ciências Empresariais FACEMP

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


Internet: um canal aberto para viabilizar o... 57

gos quanto para os novos desafios emergentes desta sociedade em constante


renovação. Para Moran:

Ensinar com as mídias será uma revolução se mudarmos simulta-


neamente os paradigmas convencionais de ensino, que mantêm
distantes professores e alunos. Caso contrário conseguirá dar um
verniz de modernidade, sem mexer no essencial. A Internet é um
novo meio de comunicação, ainda incipiente, mas que pode nos
ajudar a rever, ampliar e a modificar muitas formas atuais de ensi-
nar e aprender. (MORAN, 2000, p. 63).

Como forma de comunicação, a Internet tem a capacidade de democratizar


as informações, de atingir comunidades maiores e ainda possibilitar coordenação
e reflexão a partir das informações acessadas. Além disso, as tecnologias vêm
contribuindo a superação das distâncias geográficas do mundo, também aumen-
tando o interesse do aluno pelo conhecimento, não só por ser um meio atrativo e
atual, mas por proporcionar a interatividade com outros grupos, tornando o pro-
cesso de estudar mais agradável e dinâmico. De acordo com Behrens:

A Internet tem disponibilizado a tecnologia da informação a um


grupo imenso de pessoas, que podem conectar a rede, passando
a ser usuárias do universo de informações organizado no mundo
inteiro. A troca de informações entre usuários pode acontecer em
nível local, estadual, nacional e internacional. A pesquisa de
dados, assinatura de revistas eletrônicas e compartilhamento de
experiências em comum podem vir a anexar um novo significado
à prática docente. (BEHRENS, 2000 p. 99).

A Internet pode ser utilizada na educação como instrumento de comunica-


ção, de pesquisa e de produção de conhecimento. Segundo Marques e Caetano
(2002, p.161), “com a Internet, podemos renovar a forma como a pesquisa vem
sendo efetuada no sistema educacional, pois o caráter comunicativo da Internet
altera totalmente esse processo de descoberta”.
O uso das Tecnologias da Informação e Comunicação, em particular a Inter-
net, pode contribuir para ajudar e viabilizar o ensino, criando novas possibilidades
a toda a comunidade educativa.
O site do Programa Educar na Sociedade da Informação da USP, que se
constitui em um espaço de discussão para a formação de redes de contatos entre
profissionais que lideram iniciativas educacionais, projetos de pesquisa e ações
sociais que fazem uso inteligente das novas tecnologias de informação e comuni-
cação, aponta alguns bons motivos excepcionais para se usar a Internet na edu-
cação:
1. A Internet traz acesso a uma enorme quantidade de materiais, gratuitamente ou

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


58 Antonio Wellington Melo Souza

a custo baixo. Mapas, fotos, documentos, jornais, descrições sobre lugares e


épocas, textos políticos, enfim, uma vasta variedade de fontes. Isso multiplica o
material para atualização do professor e também para a utilização em aula.
2.A Internet não tem horário de visitação definido, como as bibliotecas da cidade, e
independe da disponibilidade de outro profissional para acompanhar sua visita.
Ela também supera a ausência de bibliotecas na cidade.
3. O isolamento do professor e da sala de aula chegou ao fim com a Internet. Com-
partilhar idéias, sugestões, problemas e êxitos, ficou extremamente fácil. A pos-
sibilidade de permitir aos alunos contato com realidades distintas das suas está
agora ao alcance de qualquer escola conectada.
4. Com o correio eletrônico, ousamos fazer contato com autores de livros e profes-
sores que não conhecemos.
5. O uso da Internet motiva os alunos. A possibilidade de publicar algo seu na Rede
faz com que alunos desmotivados muitas vezes se mobilizem para produzir algo
melhor.
6. O uso da Rede pode auxiliar o educador a propor atividades nas quais os alunos
"aprendam fazendo": pesquisar, ler, analisar, reorganizar idéias, sugerir uma
maneira de apresentar suas conclusões. O diálogo (virtual) com outros jovens,
com autoridades, com pesquisadores, pode ocorrer com mais facilidade. O
aluno pode tornar-se, ao final de um projeto, mais um colaborador para a cadeia
de produtores de conhecimento.
7. A Rede pode aproximar diversas escolas, comunidades, instituições. Grupos
com interesses comuns (religiosos, de mesmas proveniências nacionais, Edu-
cação Especial) podem trocar informações e compartilhar projetos independen-
tes da distância entre eles. A publicação do curriculum de história da minha esco-
la pode gerar uma nova discussão para os professores de outra.
8. Conhecer a Rede e saber utilizá-la valoriza o trabalho do educador, assim como
auxiliará o aluno em seu caminho futuro. É fundamental que o educador con-
quiste este espaço de aperfeiçoamento. Utilizar a Rede, inclusive publicando
seus trabalhos e suas idéias, é uma forma de divulgar os bons resultados de
suas propostas.
9. A Rede é um meio que possibilita a mobilização de pessoas, troca de informa-
ções e apoios inéditos. Tanto em esfera nacional quanto internacional, é muito
mais simples, neste momento, manifestar-se e organizar alguma forma de pres-
são sobre causas que nos mobilizem.
10. A Rede é, virtualmente, um espaço democrático. Ela é um meio de fácil acesso,
que permite receber conhecimento e oferecer novas interpretações. Todas as opi-
niões cabem nela, e a possibilidade de expressar-se e difundir suas idéias em
público em nenhum tempo foi tão simples (http://www.cidade.usp.br/educar2002)

De acordo com Behrens (2000), as atividades didáticas que contemplam a


tecnologia da informação permitem ao aluno ir além da tarefa proposta, em seu
ritmo próprio e estilo de aprendizagem. Nesse novo processo educativo, o aluno

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


Internet: um canal aberto para viabilizar o... 59

dispõe de recursos para avançar, parar, retroceder e rever o conhecimento. Esse


processo permite fazer anotações e investigações pessoais, consultar materiais
alternativos e complementares, bem como discutir com outros usuários ou com
seus próprios colegas suas produções. Os alunos são dotados de inteligências
múltiplas e podem despertar para colocar suas habilidades e competências a ser-
viço da produção do conhecimento individual e coletivo.
Para Nelson Pretto (2005), a presença da Internet na escola se constitui
numa oportunidade sem igual, uma possibilidade que é estruturante de uma nova
forma de pensar. É “uma outra lógica de raciocínio, simultânea, em diferentes fren-
tes ao mesmo tempo”.
Portanto, nota-se que as Tecnologias da Informação e Comunicação Inter-
net, multimídia, telemática, etc. trazem consigo novas formas de ler, escrever e,
dessa forma, também de pensar e de agir.
O quadro abaixo demonstra as mudanças que podem acontecer (e que
estão acontecendo) na relação professor/aluno com a inserção da Internet no
fazer pedagógico.

A sala de aula antes e depois da Internet

Na educação Tradicional Com a nova Tecnologia


O professor Um especialista Um facilitador
O aluno Um receptor passivo Um colaborador ativo
A ênfase educacional Memorização dos fatos Pensamento crítico
A avaliação Do que foi retirado Da interpretação
O método de ensino Repetição Interação
O acesso ao conhecimento Limitado ao conteúdo Sem limites
Fonte: Falzetta in Marques e Caetano (2002, p.161)

Como mostra o quadro, o uso da Internet na educação poderá mudar signi-


ficativamente a postura do professor, e a aula poderá se converter em um espaço
de interação e construção de conhecimentos. O professor deixa de ser o detentor
da verdade e passa ser o coordenador do processo ensino aprendizagem, aquele
que dinamiza as aulas, estimula, problematiza, acompanha e orienta a pesquisa e
o debate e conseqüentemente promove resultados.
Marques e Caetano (2002 p.162-163) enfatizam que, “o bom profissional
nos dias atuais define-se pela sua capacidade de encontrar e associar informa-
ções, de trabalhar em grupo e de se comunicar com desenvoltura: terão futuro os
alunos que souberem lidar com os imprevistos e se adaptarem rapidamente às
mudanças, fazer pesquisas e interpretar os dados”.
É certo que não basta ensinar os antigos conteúdos através das Tecnologi-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


60 Antonio Wellington Melo Souza

as da Informação e Comunicação numa aula fria e autoritária. É necessário muito


mais que isso. Para Almeida (1998, p. 50-51), “enfrentar essa nova realidade e ter
como perspectiva cidadãos abertos e conscientes que saibam tomar decisões e
trabalhar em equipe (...). A integração do computador ao processo educacional
depende da atuação do professor, que nada fará isoladamente”.
Na perspectiva transformadora de uso do computador em educação, a atua-
ção do professor não se limita a fornecer informações aos alunos. O aluno sozinho
pode adquirir informações de forma mais eficiente que o professor. Cabe a este,
nesse processo, mediar as interações professor-aluno-computador de modo que
o aluno possa construir o seu conhecimento em um ambiente desafiador, em que
o computador auxilie o professor a promover o desenvolvimento da autonomia, da
criatividade, da criticidade e da auto-estima do aluno.
Entretanto, a Internet, como meio poderoso de aquisição de informações,
proporciona a alunos e professores a oportunidade de complementar os seus
conhecimentos, tornando-os cada vez mais atuais, e ainda possibilita o confronto
de idéias em discussões diretas com os autores da informação disponibilizada, se
necessário. Como aponta França:

Na lista dos avanços que mais mudaram as feições da humanida-


de a Internet ocupa um lugar de destaque. No mundo todo, mais
de 600 milhões de pessoas já estão ligadas a ela, apenas 35 anos
depois de sua criação. Por sua capacidade de integrar, desenvol-
ver o conhecimento e o comércio, a rede virtual tornou-se um
poderoso instrumento de promoção de mudanças positivas do
planeta. (FRANÇA, 2004, p.160)

O acesso às informações na Rede Mundial dos Computadores ocorre de


maneira não-linear. Isso se deve ao fato de o modo de cada pessoa navegar na
rede ser único e peculiar, deixando assim cada internauta livre para construir o
seu conhecimento e navegar na Internet da maneira que lhe convier, tornando a
aprendizagem, num dado momento, individualizada.
É natural que o mar de possibilidades que a Internet oferece também traga
consigo os seus lados negativos ou perigosos. É claro que um recurso tão podero-
so e democrático desperta igualmente a atenção de coisas negativas, tais como a
criminalidade, o incentivo ao uso das drogas, das seitas religiosas, dos grupos de
preconceitos acentuados, da pornografia adulta e infantil, da pedofilia. Existem,
ainda, entre os perigos que poderíamos enumerar, as fontes de manipulação men-
tal, as tentativas de invasão, os crimes como roubo de número de cartão de crédito
ou uso indevido de contas bancárias de outras pessoas e até extorsão, para os
quais se deve estar permanentemente em alerta. De acordo com França (2004 p.
160), “a cada hora, registram-se, no mundo, nove tentativas de invasão remota de
sistemas de empresas ou de computadores pessoais”.
A Internet também produz muito “lixo virtual”, futilidades disponibilizadas na
Rede que não servem de referência para o crescimento das pessoas. Pois, como

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


Internet: um canal aberto para viabilizar o... 61

foi ressaltado acima, essa estrutura que produz e disponibiliza grandes volumes de
informações confiáveis, também é a mesma que produz e disponibiliza serviços
perfeitamente supérfluos, sem credibilidade, gerando uma gama de informações
banais e, muitas vezes, agressivas à conduta humana. Como alerta Falzetta:

No começo, entrar na Internet parece mágica. O mundo inteiro


está ali, à frente dos olhos. Pesquisar qualquer assunto parece
mágica. Mas, o excesso de informações pode ser o maior defeito
da Internet. As principais armadilhas: A Internet tem muito lixo,
muita informação repetida, banalidades e muito marketing; mui-
tos alunos têm o costume de tirar cópias de qualquer informação
que apareça, deixando de lado a avaliação do que estão pesqui-
sando; e na Internet qualquer informação pode entrar no compu-
tador do usuário mesmo que esteja totalmente incorreta
(FALZETTA apud MARQUES e CAETANO, p.158, 2002).

O uso da Internet como fonte de pesquisa estabelece uma dinâmica dife-


rente da dos livros didáticos na medida em que o aluno tem contato com outras rea-
lidades, outras abordagens do conteúdo ou tema trabalhado, outros atrativos. E
ainda proporciona maior versatilidade e agilidade à comunicação e à pesquisa.
Por esses motivos, a escola deve estar atenta para despertar no aluno o
senso crítico para que ele tenha a habilidade de saber discernir o que é bom e ruim
na rede e ainda atentar para os perigos reais e imaginários que ela oferece, pois
(Moran, 2000, p. 52) “ensinar utilizando a Internet exige uma forte dose de atenção
do professor”.
Nesse sentido, as escolas devem saber usar adequadamente a Internet, ou
melhor, empregá-la como apoio pedagógico para que não se torne apenas mais
um recurso sem valor ou distração para o aluno. Os alunos e professores devem
ter uma visão crítica da Rede e nela também participar, interagir, trocar informa-
ções, questionar a veracidade das informações contidas nos sites visitados, trocar
e-mail, participar dos Fóruns de debates e das listas de discussões e disponibilizar
as experiências e informações relevantes para outros povos, com isso dando uma
contribuição positiva.
Precebe-se então, que as TICs por si só não educam e não se pode pensar
que a Internet irá resolver de vez todos os problemas enfrentados pela educação
no Brasil. A Internet pode, sim, colaborar com o processo de ensino e aprendiza-
gem em sala de aula. Mas para isso é preciso distinguir o que seja conhecimento e
informação.
Desse modo, de nada adiantará muita informação sem que esta ganhe um
significado na vida de cada um, e o melhor meio para se fazer essa significação é
através da discussão. Numa sala de aula, não há ninguém melhor para provocar
uma discussão significativa que o professor. É ele, sem dúvida, a pessoa indicada
para ajudar o aluno a construir o seu conhecimento a partir das informações que já
possui e das diversas outras que poderá acessar nas mais diferentes fontes.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


62 Antonio Wellington Melo Souza

Contudo, é coerente lembrar que o professor, ao trabalhar com as Tecnolo-


gias da Informação e Comunicação em sala de aula, deve estar preparado para
saber conduzir o processo gerado pela motivação nos alunos ao trabalhar com as
tecnologias, assim como estar atento para não se desviar do seu objetivo com o
chamado “efeito dramático¹” produzido pelo encantamento e o fascínio que o
computador provoca nos alunos em caráter imediato , o que pode levá-los a dis-
persar-se diante de tantas conexões possíveis e a encarar o processo de ensino e
aprendizagem como uma brincadeira. O docente deve atentar para a importância
desse processo entre aqueles alunos que não estão preparados para trabalhar
com esse novo paradigma e sensibilizá-los, como afirma Moran:

Alguns alunos não aceitam facilmente essa mudança na forma de


ensinar e de aprender. Estão acostumados a receber tudo pronto
do professor e esperam que ele continue "dando aula", como sinô-
nimo de ele falar e os alunos escutarem. Alguns professores tam-
bém criticam essa nova forma, porque parece uma forma de não
dar aula, de ficar "brincando" de aula... (MORAN, 2000, p. 54).

Nesse processo, o professor deve ser um problematizador, que procura aju-


dar o aluno a avançar no processo de aprendizagem, mostrando sempre que pos-
sível a importância da construção do conceito na aprendizagem de cada um. É
comum que, num processo de ensino e aprendizagem em que o uso da Internet é
evidenciado, o aluno tenda a dispersar-se, pois na Internet é fácil perder tempo
com informações pouco significativas. Contudo, cabe ao professor a habilidade de
saber trabalhar dentro desse novo paradigma, orientando-o na seleção dos sites
confiáveis e relacionados aos conteúdos abordados. O professor deverá ser
capaz de filtrar as informações relevantes de acordo com os seus objetivos. Para
esse contexto, Moran coloca que:

Há facilidade de dispersão. Muitos alunos se perdem no emara-


nhado de possibilidades de navegação. Não procuram o que está
combinado, deixando-se arrastar para áreas de interesse pesso-
al. É fácil perder tempo com informações pouco significativas,
ficando na periferia dos assuntos, sem aprofundá-los, sem inte-
grá-los num paradigma consistente. Conhecer se dá ao filtrar,
selecionar, comparar, avaliar, sintetizar, contextualizar o que é
mais relevante significativo. (MORAN, 2000, p. 54-55).

Ao trabalhar com tecnologias, professores e alunos precisam também ter


paciência com a conexão, que muitas vezes pode se apresentar lenta, com os pos-

¹Estamos nos referindo aos primeiros contatos que uma pessoa tem com o computador no qual ele
descobre as mais variadas possibilidades de uso, através dos recursos multimídias, que muitas vezes
deixa o usuário “encantado” com a máquina.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


Internet: um canal aberto para viabilizar o... 63

síveis defeitos que as máquinas possam apresentar e ainda saber “vasculhar” os


endereços, explorando o que eles podem ter de melhor. A impaciência por mudar
para outro endereço antes mesmo de conhecer melhor o encontrado pode deixar
escapar informações importantes e enriquecedoras. Moran afirma:

Percebemos também a impaciência de muitos alunos por mudar


de um endereço para outro. Essa impaciência os leva a aprofun-
dar pouco as possibilidades que há em cada página encontrada.
Os alunos, principalmente os mais jovens, "passeiam" pelas pági-
nas da Internet, descobrindo muitas coisas interessantes,
enquanto deixam por afobação outras tantas, tão ou mais impor-
tantes. (MORAN, 2000, p. 55).

Nesse contexto, a Internet modifica a forma de ensinar e aprender e que


nem tudo nesse modo de se fazer educação é perfeito. Existem problemas carac-
terísticos da dinâmica que o mundo virtual oferece. Contudo, ela traz consigo gran-
des potencialidades que poderão colaborar no processo de ensino-
aprendizagem, transformado-o em um saber compartilhado, orientado, coordena-
do pelo professor, mas com profunda participação dos alunos, individual e coleti-
vamente (Moran, 2000). Essa tecnologia, se bem utilizada, poderá mudar o enfo-
que do processo educativo para o qual professores e alunos, de acordo com os
seus objetivos, terão um crescimento intelectual e profissional.
As TICs podem contribuir para auxiliar professores e alunos no processo de
construção de conhecimentos, abrindo novas possibilidades de relação entre a
comunidade escolar. Principalmente quando vivemos num mundo onde os atrati-
vos tecnológicos como o computador, a televisão, o celular, dentre outros, estão
presentes no dia a dia dos alunos, deixando a escola ultrapassada em relação ao
meio onde ele vive. E ainda os alunos também são educados pelos recursos tec-
nológicos e pelas mídias com aponta Moran:

Antes de a criança chegar à escola, já passou por processos de


educação importantes: pelo familiar e pela mídia eletrônica. No
ambiente familiar, mais ou menos rico cultural e emocionalmente,
a criança desenvolve suas conexões celebrais, seus roteiros men-
tais, emocionais e suas linguagens.(...) A criança também é edu-
cada pela mídia, principalmente a televisão. Aprende a informar-
se, a conhecer - os outros e a si mesma , a sentir, a fantasiar, a
relaxar, vendo, ouvindo, “tocando” as pessoas na tela, que mos-
tram como viver, ser feliz e infeliz, amar e odiar. A relação com a
mídia eletrônica é prazerosa ninguém os obriga , é feita através
da sedução, da emoção, da exploração sensorial e narrativa -
aprendemos vendo as Histórias dos outros e as Histórias que os
outros nos contam. Mesmo durante o período escolar, a mídia
mostra o mundo de outra forma mais fácil, agradável, compacta

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


64 Antonio Wellington Melo Souza

sem precisar fazer esforço. Ela fala do cotidiano, dos sentimen-


tos, das novidades. A mídia continua educando como contrapon-
to à educação convencional, educa enquanto estamos entreti-
dos. (MORAN,1998, p.158- 159).

É certo que a inserção das TICs na escola ainda é uma coisa nova, por isso os
erros e acertos quanto ao seu uso devem ser adaptados, pois não temos receitas
prontas. Sabemos que muitos professores resistem ao seu uso e apenas assistem
à transição com certo constrangimento ou mesmo receio. Mas também existem
aqueles que não se deixam levar e querem avançar, conhecer mais a respeito das
TICs e se apoderar desses recursos como possibilidades de um fazer pedagógico
diferente.
Na escola brasileira, há tempos atrás, um dos problemas era a falta de acesso à
informação ou às próprias tecnologias uma realidade que está mudando. Muitas
escolas públicas já possuem recursos tecnológicos, como TV, vídeo, antenas para-
bólicas, laboratório de informática, etc. Mas é sempre bom lembrar que a simples
presença da Tecnologia de Informação e Comunicação na educação não é, por si
só, garantia de maior qualidade de ensino. Exemplo disso são escolas que foram
contemplados com os laboratórios de informática e muitos deles não estão sendo
usados, são simplesmente subutilizados ou são utilizados para ensinar informáti-
ca técnica.
A presença de recursos tecnológicos na escola pode favorecer, e muito, a melho-
ria da qualidade de ensino e aprendizagem, assim como (PCNs, 1998) “a aparen-
te modernidade pode mascarar um ensino tradicional baseado na memorização
de informações”.
Portanto, é preciso que a escola faça um bom uso desses recursos tanto com fins
pedagógicos quanto como contribuição para diminuir as diferenças e desigualda-
des entre as pessoas, na medida em que acompanha os processos de mudanças,
oferecendo formação adequada às novas necessidades da vida moderna.
Desse modo, interligados, alunos e professores devem usar essas tecnologias
para atender aos objetivos esperados de maneira criativa, buscando sempre dis-
cutir os conteúdos trabalhados. De certo, as TICs podem contribuir para que se
estabeleça na educação uma grande modificação e para o favorecimento de
novas relações de ensino aprendizagem e (PCN, 1998, p. 141)“permitir novas for-
mas de trabalho, possibilitando a criação de ambientes de aprendizagem em que
os alunos possam pesquisar, fazer antecipações e simulações, confirmar idéias
prévias, experimentar, criar soluções e construir novas formas de representação
mental”, provocando saltos qualitativos na educação.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


Internet: um canal aberto para viabilizar o... 65

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. E, B. de. & ALMEIDA, F. J.de. Uma Zona de Conflitos e Muitos Inte-
resses. In Salto para o Futuro: TV e informática na Educação/Secretaria de Edu-
cação a Distância. Brasília: MEC, SEED, pp.49-54, 1998.

BEHRENS, M. A. (2000). Projetos de Aprendizagem Colaborativa num Paradigma


Emergente. In: MORAN, J. M. & MASETTO, M. T, & BEHRENS, M. A. Novas Tec-
nologias e Mediação Pedagógica. Campinas (SP): Papirus, p.67-132, 2000.

BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdu-


ção Aos Parâmetros Curriculares Nacionais/secretaria de educação funda-
mental - Brasília: MEC/SEF,1998

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.


Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC,
1999.

FRANÇA, R. Deixem meu PC em Paz. Revista Veja, Editora abril, São Paulo,
ed.1880, ano 37, nº 46, pp.160-171, 2004 .

LÉVY, P. O Que É O Virtual? 1ª. reimpressão. São Paulo: ed. 34, 1997

MARQUES, A. C. & CAETANO, J. da S. Utilização da Informática na Escola in


MERCDADO, P. L. (org) Novas Tecnologias na Educação: Reflexões Sobre a
Prática. Maceió, EDUFAL, pp.131-168, 2002.

MORAN. J.M. Mudanças na Comunicação Pessoal. São Paulo: Paulinas,


pp.158- 159, 1998.

______. Ensino e Aprendizagem Inovadores com Tecnologias Audiovisuais e Tele-


máticas. In: MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas Tecnologi-
as e Mediação Pedagógica. Campinas, SP : Papirus, pp. 11-66, 2000.

______. Mudar a Forma de Ensinar e Aprender com a Internet. In: Salto Para o
Futuro: TV E Informática Na Educação. Secretaria de Educação a Distância.
Brasília : Ministério da Educação e do Desporto, SEED, pp. 81-90, 1998. (Série de
Estudos. Educação a Distância, ISS 1616-2079; v. 3).

PRETTO N. em <http://www.educarede.org.br/educa/img_conteudo/tecnologia2.html>
p. 3 acesso em 07/12/04

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 56-65, janeiro, 2006.


O ENSINO APRENDIZAGEM DA GEOGRAFIA FRENTE ÀS
TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Cláudio Ressurreição dos Santos*


Edney Conceição**

RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade abordar a questão do processo


de ensino-aprendizagem da geografia frente às transformações contemporâneas
da sociedade. Parte-se da perspectiva de que o desenvolvimento do domínio espa-
cial, fazendo compreender a relação dialética existente entre os indivíduos perten-
centes a uma dada sociedade e o espaço geográfico (enquanto construção social)
é o objetivo maior do ensino da geografia no processo de construção da cidadania.
No que se refere às práticas de ensino da geografia, estas mudanças teórico-
metodológicas que vêm ocorrendo na ciência geográfica, não se fazem presentes
na geografia enquanto matéria de ensino prevalecendo às bases da geografia tra-
dicional no processo de ensino-aprendizagem, em que são utilizados procedimen-
tos de ensino que levam a mera descrição e memorização, não sendo um proces-
so ensino-aprendizagem desmistificador da sociedade contemporânea.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino-aprendizagem; ensino de geografia; transformações


sociais.

ABSTRACT: The present work has by purpose to accost the question of teaching-
learning process of geography front of the contemporary society's transformation.
It will go from the perspective from which the special domain's development is the
biggest objective of geography's teaching in the citizenship construction process.
It'll do comprehend the dialect relationship extant between individuals who belong
to a specific society and the geographic space, while social construction. In what
refer to the skill geography's teaching, these theoric-methodologics changes that
occurring in geography's science, do not make present in geography while
teaching subject, prevailing to the basis of traditional geography in the teaching-
learning process, where are used teaching procedures that lead up to mere
description and memorization, are not being a teaching-learning process that
deceiver of the contemporary society.

KEYWORDS: Teaching-learning; geography teaching; social transformations.

*SANTOS, Cláudio Ressurreição dos. Especialista em Geografia do Semi-Árido pela Universidade


Estadual de Feira de Santana - UEFS e Professor do Curso de Licenciatura em Geografia da Faculda-
de Maria Milza - FAMAM.
**CONCEIÇÃO, Edney. Mestrando em Geografia pela Universidade Federal da Bahia UFBA e Profes-
sor do Curso de Licenciatura em Geografia da Faculdade Maria Milza FAMAM.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


O ensino aprendizagem da geografia frente às... 67

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo abordar a questão do processo de ensi-


no-aprendizagem da geografia frente às transformações contemporâneas da soci-
edade. Faz-se necessário contextualizar as transformações sócio-espaciais atre-
ladas a uma perspectiva crítica de ensino-aprendizagem de geografia. O mundo
tem mudado rapidamente e com ele devem mudar a escola e o ensino que nela se
faz.
Indubitavelmente, a escola é uma instituição de grande importância no pro-
cesso de formação de cidadãos críticos, participativos e conscientes e, embora
não seja a única capaz de contribuir para tal processo, a educação escolar consti-
tui instância fundamental nessa tarefa, à medida que promovem o encontro entre
o conhecimento científico, o indivíduo e os conhecimentos oriundos da sua vivên-
cia. Nesse sentido, em cada componente curricular há um conjunto de saberes
estabelecido como necessários para a efetivação das práticas educativas,
enquanto colaboradoras na formação de indivíduos comprometidos com a cons-
trução da sociedade.
Nessa compreensão, o ensino da geografia tem por objetivo maior promo-
ver o desenvolvimento do aluno de modo a fazer com que ele se perceba como
agente construtor do espaço geográfico e, assim, entenda que as práticas sociais
possuem uma dimensão espacial que não pode, em hipótese alguma, ser negli-
genciada. O desenvolvimento do domínio espacial, fazendo compreender a rela-
ção dialética existente entre os indivíduos pertencentes a uma dada sociedade e o
espaço geográfico enquanto construção social é o objetivo maior do ensino da geo-
grafia no processo de construção da cidadania. Assim, torna-se imprescindível
também discutir o papel da Geografia enquanto componente curricular nas esco-
las, apontando as principais especificidades que a diferencia da Geografia
enquanto ciência, sem que isso signifique afirmar que elas são mutuamente exclu-
dentes e desvinculadas entre si. Nessa perspectiva, “a geografia, entendida
como ciência social, que estuda o espaço construído pelo homem, a partir das rela-
ções que estes mantêm entre si e com a natureza, quer dizer, as questões da soci-
edade, com uma “visão espacial”, é por excelência uma disciplina formativa,
capaz de instrumentalizar o aluno para que exerça de fato a sua cidadania.”
(CALLAI, 2001, p. 134).
Dentro desse quadro, as transformações sociais contemporâneas certa-
mente levarão a uma necessidade de repensar o processo de ensino da geografia
a partir dos objetivos, conteúdos e métodos, buscando a construção de um conhe-
cimento geográfico que permita a formação de uma cidadania mais crítica que pos-
sa, assim, enfrentar os desafios atuais vividos pela sociedade. O processo de
ensino-aprendizagem e, em especial o ensino de geografia, deve considerar a
análise e a crítica que se faz à instituição escolar situando-o no contexto político
social e econômico do mundo. A escola e o ensino de geografia encontram-se inse-
rido em uma dimensão maior que é a sociedade e, assim, as transformações soci-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


68 Santos et al.

ais influenciam no processo de ensino-aprendizagem, pois, “tanto a escola como


a disciplina de geografia devem ser consideradas no âmbito da sociedade da qual
fazem parte.” (CALLAI, 2001 p. 134).

A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SUAS TRANSFORMAÇÕES

A sociedade contemporânea é cada vez mais marcada pelo advento técni-


co científico informacional que nos dizeres de Santos (1998) é a nova fase do capi-
talismo global.
Para Castells (1999), vive-se o período da sociedade da informação pelo
fato da infinidade de meios eletrônicos pelos quais a informação pode chegar aos
diversos lugares atendendo a uma infinidade de pessoas.
Esta nova realidade da sociedade capitalista contemporânea traz a tona
algumas conseqüências como aceleração do processo produtivo em escala mun-
dial e impactos significativos no âmbito ambiental, cultural, espacial, político e soci-
al, o que demanda uma nova concepção de mundo, sociedade e conseqüente-
mente de cidadania em que a educação escolar tem um papel decisivo na elucida-
ção desta atual fase vivida.
Segundo Pretto (2002), o desafio posto é o de viabilizar uma política que
considere a escola como um novo espaço aberto de interações. Assim, é necessá-
rio considerar que os professores atuantes nessas escolas e que recebem sua for-
mação básica na universidade precisam passar por cursos que atentem para as
exigências do mercado, mas sejam lembrados em currículos que articulem as ati-
vidades de ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, necessário considerar
que:

(...) o profissional de hoje carece precisamente deste tipo de


aprendizagem (aprendizagem reconstrutiva), não só para se che-
gar a uma cidadania capaz de fazer história própria, mas igual-
mente para se dar conta das exigências do mercado competitivo
globalizado. Interessa-nos muito mais o patamar da cidadania,
mas não teria sentido deixar de lado o mercado até porque é
neste que a cidadania encontra hoje uma das trincheiras mais
acerbadas de luta. (DEMO, 1999, p 2).

Neste sentido, a sociedade contemporânea torna-se cada vez mais com-


plexa, o que representa um grande desafio para as ciências da sociedade e em
especial a geografia, que tenta buscar elementos explicativos para tais mudan-
ças.
Observa-se que a ciência geográfica tem uma forma específica de estudar
a sociedade, através de seu conceito chave: o espaço geográfico, que aqui é defi-
nido como fruto da relação sociedade natureza permeada pelo trabalho humano.
Em outros termos, o espaço geográfico reflete o tipo de sociedade que se configu-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


O ensino aprendizagem da geografia frente às... 69

ra em um determinado lugar e tempo. Equivale, portanto, dizer que mais complexa


a sociedade, proporcionalmente será a complexidade do espaço geográfico. Esta
complexidade sócio-espacial impõe à ciência geográfica a reestruturação de suas
bases teórico-metodológicas para analisar os processos que desencadeiam tais
mudanças, analisando a realidade e compreendendo-a como presente, carrega-
da do passado e com perspectivas para o futuro. Assim, a reflexão sobre o ensino
da geografia deve considerar essas transformações e suas implicações no pensar
pedagógico.
Essas transformações impulsionam mudanças nas legislações educacio-
nais, principalmente a partir da nova Lei das Diretrizes e Bases da Educação de
1996. A partir daí, tem-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), as Dire-
trizes Curriculares Nacionais (DCN's), sugestões de conteúdos para os níveis do
Ensino Fundamental e Médio, adequações / reformulações curriculares que preci-
sam ser considerados para abordar o ensino aprendizagem da geografia na socie-
dade contemporânea.
Uma outra questão se coloca a partir desse fato: há que se ficar atento para
que a a visão que insiste em colocar a sociedade como um todo homogêneo não
prevaleça dentro do ensino escolar. A sociedade é marcada por contradições soci-
ais, políticas, econômicas e culturais, por diferenças/desigualdades regionais e o
processo de ensino-aprendizagem deve considerá-las. Assim, “um programa ofi-
cial pronto e organizado para se adequar/aplicar em todas as escolas passa por
cima das contradições.” (CALLAI, 2001 p. 135).
Segundo Callai (1999), faz-se necessário um instrumental teórico e meto-
dológico para analisar a realidade e compreendê-la como presente, carregada do
passado e especialmente, com o olhar no futuro. Nesse sentido, o processo ensi-
no aprendizagem deve permitir a incorporação do que já foi produzido e conseguir
construir adiante. Deve, em primeiro lugar:

partir da consciência da época em que vivemos. Isto significa


saber o que o mundo é e como ele se define e funciona de modo a
reconhecer o lugar de cada país no conjunto do planeta e o de
cada pessoa no conjunto da sociedade humana. É desse modo
que se pode formar cidadãos conscientes, capazes de atuar no
presente e de ajudar a construir o futuro. (SANTOS, 1994, p 121).

DA GEOGRAFIA CIÊNCIA A GEOGRAFIA MATÉRIA DE ENSINO

O desafio que se coloca a partir desse contexto é o de compreender o pro-


cesso de ensino-aprendizagem da geografia, enquanto componente curricular
frente às transformações contemporâneas. Entretanto, para uma melhor compre-
ensão faz-se necessário diferenciar a ciência geográfica da geografia componen-
te curricular do Ensino Fundamental e Médio que não são idênticos, mas formam
uma unidade.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


70 Santos et al.

A geografia ciência trabalha com conceitos científicos, teóricos e métodos.


Tem como objetivo de estudo o espaço geográfico, objetiva a produção de conhe-
cimento e a aplicação da prática de seu estudo, enquanto a geografia componente
curricular trabalha com conceitos escolares, o conjunto de saberes da ciência geo-
gráfica e das ciências afins. Os conteúdos escolares são organizados por serem
considerados necessários à educação devendo ponderar que na organização
desse conteúdo deve-se utilizar da pedagogia, didática e psicologia objetivando a
formação dos alunos, contribuindo também para a formação do cidadão.
A partir da década de 70, especificamente no Brasil, surge um movimento
que se propõe renovar as bases teóricas, metodológicas da ciência geográfica,
rompendo com a geografia tradicional, que não conseguia explicar a organização
sócio-espacial com base positivista mecanicista e empirista. Este movimento de
renovação das bases teóricas e metodológicas da geografia resultou na(s) conhe-
cida(s) geografia(as) crítica(as) que, segundo Cavalcanti (1998), foi feita por vári-
as bases epistemológicas representadas pelas múltiplas concepções da geogra-
fia, daí utilizar-se o termo no plural.
No que se refere às práticas de ensino da geografia, estas mudanças teóri-
co-metodológicas que vêm ocorrendo na ciência geográfica nem sempre se
fazem presentes na geografia enquanto componente curricular de ensino prevale-
cendo as bases da geografia tradicional no processo de ensino-aprendizagem,
em que são utilizados procedimentos de ensino que levam à mera descrição e
memorização, não sendo um processo ensino-aprendizagem desmistificador da
sociedade contemporânea. Entretanto, faz-se necessário destacar, ainda que de
forma sucinta, que fatores como as fragilidades dos programas de extensão das
universidades que não conseguem divulgar o saber por ela produzido, ou seja, a
dicotomia universidade x escola básica, a precária formação docente e as condi-
ções de trabalho nas escolas e os baixos salários têm contribuído para que as
novas discussões teórico-metodológicas atuais da ciência geográfica não che-
gam como deveriam no ensino de geografia.
Um outro aspecto a ser defendido são as questões pedagógico-didáticas das
propostas de ensino-aprendizagem as quais ainda se baseiam em métodos tradici-
onais, a exemplo da lógica formal em que o professor é o detentor do conhecimento
e o aluno um mero reprodutor, baseado em uma listagem de conteúdos mecanicis-
tas sem significado e relevância para a vida cotidiana dos alunos, como também o
sistema de avaliação meramente classificatória. Callai (2001, p.135 e 136), anali-
sando a questão da geografia e do ensino, essa autora afirma: “frentes as dificulda-
des pedagógicas e de aprendizagem a optar-se por seguir um livro ou fazer uma
lista de conteúdo a partir dos programas e prova do vestibular.”. Assim, segundo a
autora, há que se considerar os aspectos pedagógicos, a questão do método, a
metodologia e o conteúdo. Em outras palavras, a busca por um ensino capaz de
auxiliar na leitura critica do mundo passa pela discussão desses aspectos.
Numa ação propositiva, encaminha-se aqui, uma construção teórico-
metodológica do processo ensino-aprendizagem que consiga explicar criticamen-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


O ensino aprendizagem da geografia frente às... 71

te as mudanças sócio-espaciais da contemporaneidade tendo como base, segun-


do Cavalcante (2002), a articulação entre objetivo conteúdo e método de ensino.
Define-se o ensino aprendizagem, com base em Cavalcante (2002), como
um processo de conhecimento pelo aluno, mediado pelo professor e pela matéria
de ensino, ou seja, a atividade do aluno é dirigida, não é uma atividade espontâ-
nea, é uma atividade mediada, que requer uma intervenção intencional e consci-
ente do professor.

PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM A PARTIR DOS OBJETIVOS,


CONTEÚDOS E MÉTODOS DE ENSINO.

O objetivo geral do ensino-aprendizagem é educar para a cidadania. No


caso específico da geografia, esse objetivo é viabilizado através de uma educa-
ção que visa despertar o interesse pela espacialidade das coisas, dos fenômenos
e dos processos por eles vivenciados.
Nesse sentido, é preciso definir com clareza qual o papel da geografia
enquanto componente curricular. É imprescindível que se tenha consciência da
contribuição do ensino de geografia para poder, a partir daí, estabelecer os cami-
nhos e instrumentos metodológicos necessários para auxiliar na realização dos
objetivos propostos.
Toda prática social cotidiana ou não apresenta um conteúdo espacial devi-
do ao movimento dialético entre as pessoas envolvidas e suas relações com o
espaço. Portanto, a prática da cidadania como também dos atores hegemônicos
do capital requer na contemporaneidade uma consciência espacial. Assim, o ensi-
no da geografia deve estar sempre focado em seu objetivo principal: educar para
cidadania a partir da compreensão e análise da dimensão espacial dos processos
sociais.
Tendo-se clareza dos objetivos gerais da educação e específicos da geo-
grafia, faz-se necessário encaminhar os conteúdos que sejam significativos e soci-
almente relevantes, e que permitem um pensar baseado num método dialético
que é pensar em movimento e por contradição onde o conteúdo é um instrumento
a ser utilizado pelo aluno para a compreensão da espacialidade. É imprescindível
que os conteúdos sejam estruturados no sentido de proporcionar o desenvolvi-
mento da capacidade de pensar. Pensar com autonomia, criatividade e criticida-
de, pois, “o conteúdo das aulas de geografia deve ser trabalhado de forma que o
aluno construa a sua cidadania”.(CALLAI, 2001, p.136).
Um outro elemento importante em uma proposta de ensino-aprendizagem
é a necessidade de ir além dos conteúdos, ou seja, a transformação de um conteú-
do da ciência geográfica para a disciplina geografia devendo ser reatualizada em
decorrência da realidade do aluno e do seu meio, existindo assim, uma transmuta-
ção pedagógico-didática. Tais conteúdos devem ser estruturados a partir de des-
dobramentos de conceitos amplos da ciência geográfica (espaço, lugar, território,
paisagem, região, natureza, sociedade, entre outros) e retrabalhados na matéria

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


72 Santos et al.

Fig. n° 01 - O Espaço Geográfico e suas categorias de análise

Lugar Paisagem Território

Sociedade Natureza
Espaço
Geográfico

Trabalho

Região
Fonte: Elaborado por Claudio Ressurreição dos Santos e Edney Conceição, 2005

Observa-se que o espaço geográfico, enquanto conceito chave da geogra-


fia pode ser analisado por diferentes olhares, isto é, por diferentes categorias de
análise conceituais como lugar, paisagem, território e região, que são, antes de
tudo, frações do espaço. Daí falar do espaço da região, espaço do território ou
espaço do lugar. A exceção feita é a categoria paisagem que, com base em Santos
(1997), não é espaço, porém, pode ser considerado como a expressão visível do
mesmo, logo falar em paisagem do lugar, da região, do território ou simplesmente
paisagem do espaço.
Essas categorias de análise servem como referencial teórico conceitual
que estruturam a leitura do mundo do ponto de vista de sua espacialidade, o que
permite o confronto entre os conceitos cotidianos com conceitos científicos, haja
vista que o conceito não se efetiva, segundo Cavalcante (2002), por assimilação
ou transferência. Nessa perspectiva:

Os próprios conteúdos trabalhados deverão ter uma tríplice fun-


ção, qual seja, resgatar o conhecimento produzido cientificamen-
te, reconhecer e valorizar o conhecimento que cada um traz junto
consigo, como resultado de sua própria vida, e dando um sentido
social para este saber que resulta. (CALLAI, 2001, p. 137).

Somado às questões dos objetivos, dos conteúdos e dos conceitos geográ-


ficos para um processo ensino-aprendizagem critico, é imprescindível que o ensi-
no extrapole os aspectos meramente cognitivos, pois a dimensão do ensino
abrange também aspectos afetivos, culturais, estéticos, físicos, intelectuais, mora-
is e sociais.
É importante resgatar os conteúdos procedimentais, entendidos, segundo

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


O ensino aprendizagem da geografia frente às... 73

Zabala (1998), como o conjunto de regras, técnicas, os métodos, as destrezas ou


habilidades, as estratégias e os procedimentos enfim, é um conjunto de ações
ordenadas e com um fim, quer dizer, dirigidos para a realização de um objetivo.
No caso específico da geografia, entre as capacidades e habilidades a
serem operadas com o espaço geográfico, segundo os PCN's (1997) e Cavalcan-
te (2002), está a capacidade de observação da paisagem, de descrição de seus
elementos, de discriminação, de tabulação de dados estatísticos, de mapeamento
e leituras de dados cartográficos. Portanto, os conteúdos procedimentais são
ações para desenvolver habilidades e capacidades para relacionar-se com o espa-
ço geográfico.
Entre os conteúdos procedimentais, a cartografia destaca-se como funda-
mental para a compreensão das transformações sociais na contemporaneidade,
porque extrapola a simples dimensão do localizar e possibilita o entendimento das
determinações e implicações das localizações e, portanto, as especialidades, não
só do espaço vivido como também dos espaços concebidos e produzidos pelos
vários atores da sociedade contemporânea, do capitalismo global.
O mundo e a sociedade estão em constantes transformações. A escola (e
também o ensino geográfico) deve acompanhar tais transformações, pois, a edu-
cação e o ensino devem estar referenciados no contexto econômico, social, políti-
co e cultural em que se vive, não devendo jamais, serem considerados isolada-
mente.
Vive-se hoje em uma sociedade e mundo marcados pela presença signifi-
cativa de conteúdos de ciência, técnica e informações, onde a competição (entre
pessoas, empresas e países) torna-se cada vez mais acirrada.
O espaço geográfico é marcado pelo aumento das desigualdades/ diferen-
ças sociais, econômicas políticas e culturais onde a competição, seja pelas busca
de lucratividade, seja pela busca de atendimento das necessidades sociais bási-
cas se faz presente.
É dentro desse contexto que a escola e o ensino geográfico devem ser
repensados. Assim, em um quadro social no qual a pobreza e a riqueza constitu-
em uma unidade contraditória e articulada. Dessa forma, a busca por uma educa-
ção para cidadania torna-se cada vez mais uma questão central. A questão é situ-
ar os indivíduos neste mundo e através da análise do que acontece dar-lhes condi-
ções de construir os instrumentos necessários para efetivar a compreensão da
realidade (CALLAI, 2001). É importante destacar que, neste contexto de mudan-
ças e transformações sócio-espaciais, é de fundamental importância o fortaleci-
mento da escola enquanto uma das instituições que organiza o processo ensino-
aprendizagem para a formação da cidadania crítica e participativa.
Indubitavelmente, o desafio é grandioso e muitos são os obstáculos. Entre-
tanto, alguns elementos podem apontar os possíveis caminhos para superação
desse desafio. Em princípio, é preciso deixar claro o que se quer da escola e com o
ensino da geografia e, nessa perspectiva, buscar a integração com outras institui-
ções (familiar, religiosa, por exemplo) para que se tenha êxito na realização aos

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


74 Santos et al.

objetivos que se definem. Tal questão recai sobre a necessidade de estabelecer


objetivos coerentes e significativos no ensino da geografia.
Um outro ponto, que está associado ao anterior, refere-se aos conteúdos
trabalhados no ensino da geografia. É importante que esses conteúdos estejam
em consonância com a realidade do aluno e que sejam significativos do ponto de
vista educacional, cultural e social permitindo a esse aluno a possibilidade de pen-
sar o mundo a partir do seu cotidiano.
Assim, é preciso ressaltar que a interdisciplinaridade torna-se indispensá-
vel. É interessante que se trabalhe o conteúdo de forma articulada entre si e com
os outros componentes curriculares, uma vez que a sociedade e o mundo consti-
tuem um complexo de relações sócio-espaciais, econômicas, políticas, culturais e
naturais fortemente articuladas.
O que se pode perceber é que as transformações sociais contemporâneas
têm levado à necessidade de repensar e discutir a escola e o ensino da geografia.
Repensar no sentido de construir uma educação que seja significativa para a práti-
ca e exercício da cidadania.
Sem dúvida, essa é uma tarefa que não está restrita ao espaço da escola,
mas, pode começar a ser elaborada a partir dele. Assim, é imprescindível que se
discuta os objetivos da geografia enquanto componente curricular que os conteú-
dos sejam selecionados e organizados levando-se em consideração a realidade
na qual o processo de ensino-aprendizagem encontra-se inseridos. Dentro desse
contexto a autonomia do professor deve ser incentivada e possibilitada.
Partindo-se dessas questões, pode-se pensar no estabelecimento de uma
educação verdadeiramente voltada para o exercício da cidadania na qual as ques-
tões referentes ao mercado de trabalho serão contempladas.
Dentro desse quadro, o ensino da geografia deve ser visto como um ele-
mento que pode contribuir efetivamente para a busca da educação que permite
aos indivíduos a possibilidade de pensar com autonomia e criticidade e, a partir
daí, analisar a realidade do mundo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação e cultura. Secretaria de educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais: geografia. Brasília, MEC/SEF, 1997 . 155p.

CASTELLS, M.. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e terra, 1999. 617p.

CALLAI, HELENA Copetti. A formação do profissional da geografia.


IJUI:UNIJUI, 1999. 150 p.

CALLAI, HELENA Copetti. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


O ensino aprendizagem da geografia frente às... 75

ensino? Revista Terra Livre. São Paulo. n° 16. p. 133-152. 1° semestre/2001.

CAVALCANTTI, Lana de S.. Geografia e prática de ensino. Goiânia: Alternativa,


2002. 127 p.

CAVALCANTTI, Lana de S.. Geografia, escola e construção de conhecimento.


Campinas: Papirus, 1998. 192 p.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas SP: Autores Associados, 1999.
120p.

PRETTO, Nelso de Lucas. Uma escola com/sem futuro: educação e multimídia.


São Paulo: Papirus, 2002. 247 p.

SANTOS, Milton. Metamorfose do espaço habitado. São Paulo: Huctec, 1988.


124p.

SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico científico


informacional. São Paulo: Hucitec, 1998. 190p.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. p. 290

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médi-
cas, 1998. 224p.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 66-75, janeiro, 2006.


GEOGRAFIA MÍTICA: REFLEXÕES SOBRE LUGAR SAGRADO
E ESPAÇO DEVOCIONAL

Janio Roque Barros de Castro

RESUMO: Os Santuários se constituem lugares especiais para os crentes católi-


cos que se deslocam para esses espaços devocionais em busca de uma proximi-
dade com Deus. Esses lugares geralmente estão envoltos de muito simbolismo e
misticismo ligados às práticas de reatualização de eventos do passado que, pelo
seu caráter excepcional, tornam transtemporais. No presente trabalho, pretende-
se empreender uma análise da perspectiva mítica dos Santuários a partir de ele-
mentos da Geografia da Religião. As reflexões acerca dos conceitos de espaço e
lugar sagrados serão elaboradas a partir da apreciação de um referencial teórico e
de correlações com alguns Santuários situados no Estado da Bahia como Bom
Jesus da Lapa e Ituaçu para onde se deslocam periodicamente um forte afluxo de
religiosos.

PALAVRAS-CHAVE: Espaço sagrado; lugar sagrado; mitos; romaria; romeiros.

ABSTRACT: Shrines are special devotional places where catholic worshipers go,
searching to be next to God. Such places are often surrounded by a lot of symbo-
lism and mysticism where events from the past come out, becoming, for being
exceptional, everlasting. In this work we intend to analyze the mythical perspecti-
ves of the Shrines, using elements from the Geography of Religion. The positions
about the concepts of sacred space and sacred place come from a bibliographical
research on some Shines located in Bahia, such as Bom Jesus da Lapa and Itua-
çu, to where many religious people periodically go on pilgrimage.

KEY WORDS: Sacred space; sacred place; pilgrimage; pilgrim.

INTRODUÇÃO

Atualmente tem-se notado um resgate de várias questões da Geografia Cul-


tural, como a identidade, o simbolismo e as religiões. A análise do papel das reli-
giões como produtoras / organizadoras de espaços tem sido valorizada nos últi-
mos anos no Brasil, país que, apesar de apresentar uma grande diversidade religi-

*CASTRO, Janio Roque Barros de. Licenciado e especialista em Geografia pela Universidade
Estadual de Feira de Santana. Mestre em Geografia pelo Instituto de Geociências da Universidade
Federal da Bahia. Doutorando em Urbanismo na FAU-UFBA. Professor da Universidade do Estado da
Bahia Campus V Santo Antônio de Jesus. janiocastro@bol.com.br

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.


Geografia mítica: reflexões sobre o lugar... 77

osa, tem a Igreja Católica como majoritária. Neste trabalho, analisam-se a vivên-
cia e prática dos romeiros nos tempos sagrados, destacando-se a dimensão míti-
ca do espaço sagrado.
Muitas cidades-santuários no Brasil surgiram e cresceram por conta do
fluxo de romeiros, sobretudo porque muitas pessoas buscam auferir sua renda
como proprietários ou empregados nos segmentos formais ou informais do
comércio ligado ao fluxo periódico de romeiros. Parte da população busca a
sobrevivência na mesma cidade onde os religiosos buscam uma maior proximida-
de com Deus em um tempo / espaço sagrado. A cidade-santuário torna-se assim
um espaço percebido / vivenciado de forma diferenciada por diferentes agentes
sociais. Turner (1978) apud Travassos (1983) diz que as peregrinações implicam
um sofrimento e têm como paradigma a via crucis, caracterizando o que Eliade
(1992) chama de reatualização de práticas religiosas do passado em uma pers-
pectiva imitativa.
Os principais conceitos que balizam este trabalho são espaços, conceito
chave da Geografia, e lugar, na perspectiva do recorte espacial significativo, sim-
bólico, revestido de sacralidade e misticismo. Inicialmente, abordam-se questões
teórico-conceituais acerca da concepção de espaço e lugares sagrados para pos-
teriormente analisar os aspectos míticos destes espaços devocionais a partir de
alguns exemplos concretos no território baiano, a exemplo de cidades-santuários
baianas como Bom Jesus da Lapa, situada no Médio São Francisco e Ituaçu na
microrregião de Brumado, Sudoeste baiano.

ESPAÇO SAGRADO E LUGAR SAGRADO

Segundo Kujawski (1994), a concepção de lugar sagrado é duplamente


paradoxal devido a dois aspectos: primeiramente pelo fato de o sagrado se mani-
festar quando normalmente é latente e, em segundo lugar, pelo fato desta manifes-
tação ocorrer em uma coisa profana que pode ser uma árvore, uma fonte, um rio
ou uma pedra. Para o referido autor, do ponto de vista da materialidade, a pedra
continua sendo uma pedra; no entanto este objeto passa a manifestar algo sobre-
natural, uma potência, princípio de realidade, perenidade e eficácia. Em Bom
Jesus da Lapa, o morro e a gruta são considerados lugares sagrados e, por isso,
há três séculos crentes católicos de várias partes do Brasil viajam em busca destes
lugares. A sacralização destes fixos dinamizou o fluxo de romeiros e produziu for-
mas no entorno sacral com funções ligadas ao comércio e aos serviços relaciona-
dos aos espaços devocionais, daí a análise da cidade em questão ter que partir do
Santuário, de onde o espaço urbano projeta-se. Em Monte Santo no Sertão baia-
no, a religiosidade popular sacralizou o morro que dá nome ao lugar enquanto em
Candeias, na Região Metropolitana de Salvador, considera-se sagrada água que
brota de uma fonte nas proximidades da Igreja de Nossa Senhora das Candeias.
Na concepção de Claval (2002), a oposição entre sagrado e profano funda-
menta-se na idéia de que existem dois níveis de realidades: o mundo positivo,

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.


78 Janio Roque Barros de Castro

apreendido pelos nossos sentidos, que tocamos e que freqüentamos, e um outro


mundo, onde se situam as forças, os princípios ou divindades responsáveis pelo
que acontece no mundo positivo. Para Claval, esse outro mundo se situa em um
espaço inacessível ao homem. No entanto, estes dois mundos não são totalmente
separados uma vez que os aléns afloram em lugares especiais revestindo estes
locais de sacralidade: são os Santuários. Para Tuan (1989) apud Rosendahl
(2002), o sagrado é tudo o que se destaca do lugar comum e da rotina. Rosendahl
enfatiza, no entanto, que nem tudo que é excluído espacialmente é sagrado e nem
toda interrupção da rotina é uma hierofania. Nessa mesma obra, a autora salienta
que o poder do sagrado pode ser atraente, tornando o lugar um centro convergen-
te de crentes, ou pode ser apavorante e repelente tornando o lugar maldito.
Os lugares onde o sagrado se manifesta se constituem em locais especiais
para os fiéis pois são os espaços do contato com o mundo do divino no caso das
religiões monoteístas ou dos deuses no caso das Politeístas; é o mundo da trans-
cendência. Segundo Kujawski (1994), a irrupção do sagrado funda o universo
como âmbito dotado de ordem, orientação e sentido. Para o referido autor, onde
não se cultua o sagrado, não há centro, não há universo; só há fragmentos da rea-
lidade, por isso viver o sagrado é viver referido ao centro do mundo e o mais perto
possível deste, para que ocorra a ruptura dos níveis cósmicos entre céu e terra,
estabelecendo a comunicação com o transmundano. A partir dessa perspectiva
de análise acerca da irrupção do sagrado entende-se o que atrai os romeiros nos
santuários: a busca da proximidade com o sagrado para que este crente se sinta
mais fortalecido na sua fé podendo, assim, conseguir atender os seus pedidos de
ordem espiritual, material, pessoal, familiar ou coletiva.
O entendimento do lugar neste trabalho leva em consideração tanto o local
da transcendência como o local de moradia, próximo ao espaço sagrado. Para
Tuan (1983) apud Ferreira (2000), os lugares, assim como os objetos, são núcleos
de valor e só podem ser totalmente apreendidos através de uma experiência total,
englobando relações íntimas, próprias do residente (insider), e relações externas,
próprias do turista (outsider). O lugar, nessa perspectiva, se constitui em um recor-
te espacial revestido de familiaridade e dotado de valor para o morador que viven-
cia experiencialmente aquele lugar e para o visitante que se liga àquele lugar pela
excepcionalidade que pode ser determinada pela sua sacralidade. Na concepção
de Tuan (1983), o espaço se transforma em lugar quando passa a ter significado
para quem nele habita. Esse autor considera o lugar um mundo de significados.
Para Tuan apud Gomes (1996), o lugar encarna a experiência e as aspirações do
povo. Por isso, ao estudar uma cidade-santuário, é importante destacar-se a
vivência e experienciação dos agentes que estão diretamente ligados ao fenôme-
no religioso, como os desejos e aspirações daqueles que buscam, nesses luga-
res, uma maior proximidade com Deus.
Segundo Tuan (1983:168), “a religião tanto pode vincular uma pessoa ao
lugar como libertá-la dele. O culto aos deuses locais vincula um povo ao lugar
enquanto as religiões universais dão liberdade” (TUAN,1983, p.168). No caso de
Bom Jesus da Lapa, em um país onde o catolicismo é majoritário, o culto ao
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.
Geografia mítica: reflexões sobre o lugar... 79

Senhor Bom Jesus vincula os romeiros ao lugar sagrado, de uma forma que mui-
tos deles aí retornam várias vezes. Nesse caso específico, o Senhor Bom Jesus
pode ser considerado um Deus local que vincula fielmente peregrinos a ponto des-
ses religiosos retornarem periodicamente para solicitar uma nova graça ou
mesmo agradecer a realização de uma graça obtida. Para esse religioso não é em
um lugar qualquer que ele vai se sentir próximo do Senhor Bom Jesus. Para que
ocorra este encontro de fé, é necessário retornar a um lugar simbolicamente espe-
cial: a cidade de Bom Jesus da Lapa. Esse crente ou participa das festividades reli-
giosas ou então se limita a depositar discretamente uma peça simbólica nas salas
dos ex-votos, chamada localmente de sala dos milagres. Segundo Halbwachs
(1950) apud Rosendahl (1999), “(...) embora Deus esteja em toda parte há locais
privilegiados em que Ele se manifestou e basta que os fiéis queiram comemorar tal
evento para que essas lembranças efetivamente sejam preservadas no imaginá-
rio religioso” (HALBWACHS,1950, apud ROSENDAHL,1999). No entanto, sob a
ótica do Catolicismo Romanizado, oficial, o Senhor Bom Jesus é considerado um
Deus Universal, não só pelo sentido etimológico da palavra católico, religião pre-
dominante no Brasil, como principalmente pelo que representa Jesus Cristo para
a Igreja: O filho de Deus que veio trazer a público os ensinamentos divinos e que
sacrificou a sua vida pela humanidade.
O romeiro vivencia as práticas religiosas no seu roteiro devocional e perce-
be nos lugares sagrados os objetos e símbolos que representam suas crenças,
sua fé. Se algo é um objeto para uma consciência, ele não será jamais objeto em
si, mas algo percebido ou pensado, rememorado, imaginado em uma perspectiva
intencional DARTIGUES (1992). Por isso, na Gruta do Bom Jesus ou no morro,
uma rocha não será jamais uma simples pedra, mas um objeto percebido, imagi-
nado como algo revestido de sacralidade. Relph (1979), destaca que, sob uma
ótica fenomenológica, os espaços são vividos e experienciados e se constituem
contextos necessários e significantes de todas as nossas ações e proezas. Em
Bom Jesus da Lapa, a percepção do Santuário como lugar sagrado ocorre de
forma diferente para moradores e romeiros visitantes. Estes últimos valorizam
mais os lugares considerados sagrados e seus símbolos. Muitos moradores que
são católicos praticantes vivenciam a ambiência do sagrado e exercitam suas prá-
ticas religiosas em um período diferenciado dos romeiros enquanto alguns outros
pouco se encantam com a proximidade do Santuário. O deslocamento pendular
diário acabou banalizando a relação com o lugar sagrado que passa a ser espaço
rotineiro.
Em Bom Jesus da Lapa, para onde os romeiros se deslocam em busca do
morro e das grutas do Bom Jesus e em Ituaçu onde é considerado lugar sagrado a
Gruta da Mangabeira do Sagrado Coração de Jesus, nota-se que muitas pessoas
se identificam com os objetos sagrados do Santuário que representam o sofrimen-
to de Jesus Cristo, mesmo que raramente aparecem algumas pessoas carregan-
do uma pesada cruz de madeira para pagar uma promessa, imitando assim uma-
situação de vida de Jesus Cristo. Esses crentes acreditam que só com sacrifícios
conseguirão o perdão dos pecados e o atendimento dos seus desejos. A palavra
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.
80 Janio Roque Barros de Castro

sacrifício deriva do latim sacra facere que significa fazer o sagrado. É importante
enfatizar que essas práticas são desaconselhadas pelo Catolicismo oficial, mas
estão arraigadas no Catolicismo popular. Eliade (1992) destaca que a festa religio-
sa é uma reatualização de uma “história sagrada” cujos atores são os deuses ou
seres semidivinos. Para este autor, ao imitar seus deuses, o homem religioso
passa a viver no tempo da origem, o tempo mítico, saindo da duração profana para
reunir-se a um “tempo imóvel”, à “eternidade”. Sobre essa rememoração de atos
sagrados do passado, Claval (1997:107) escreve que:

As identidades se associam ao espaço: divididas, nos lugares visi-


tados por todos nos momentos que representam a memória dos
grandes momentos do passado, nos símbolos gravados nas
pedras das esculturas ou nas inscrições. (CLAVAL, 1997, p. 107)

Tanto na Lapa quanto em Ituaçu a fé, o simbolismo e o misticismo sacraliza-


ram grutas rochosas. A água, as imagens e os símbolos que expressam o sacrifí-
cio de Jesus Cristo pela humanidade, que se encontram nesses lugares, são tam-
bém considerados sagrados. Rosendahl (2002) salienta que os povos têm atribuí-
do sacralidade a diferentes objetos como árvores, grutas, pedras e fontes consti-
tuindo uma topografia sagrada. Eliade (1992) destaca que, para o homem religio-
so, a Natureza nunca é exclusivamente natural: está sempre carregada de um
valor religioso. Sobre a sacralidade da água, este autor salienta que em qualquer
conjunto religioso as águas conservam invariavelmente sua função de desinte-
grar, abolir os pecados, regenerar, purificar o homem religioso. Bello (1998) desta-
ca que esse elemento apresenta um duplo aspecto para os crentes: um cosmoló-
gico e um antropológico. Além disso, constitui-se em um símbolo tanto da liberta-
ção e purificação mencionado por Jesus Cristo, como também da morte como no
dilúvio bíblico. É o mesmo símbolo com conotações diferentes. Na Romaria da
Terra e das Águas em julho de 2004, a questão da água na Bíblia faz parte dos ritu-
ais desse evento religioso.
Brandão, (1989) referindo-se aos católicos que se deslocam à longa dis-
tância em busca dos seus lugares de devoção, escreve que essas pessoas, nas
procissões,fazem circular o sagrado pelo espaço comum da vida cotidiana. O
espaço urbano da segregação social, das contradições, dos conflitos, das trans-
gressões transitórias nas festas de largo, também é o espaço da sacralização
momentânea e da festa do sagrado. Esses eventos obedecem a uma determina-
da temporalidade.

SIGNIFICADOS E ESPACIALIDADE DAS PRÁTICAS RELIGIOSAS

As práticas religiosas de alguns romeiros de Bom Jesus da Lapa, Ituaçu ou


Monte Santo iniciam nas suas respectivas comunidades. Alguns peregrinos parti-
cipam ativamente de celebrações religiosas nas suas comunidades e se deslo-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.


Geografia mítica: reflexões sobre o lugar... 81

cam para os seus Santuários de devoção cantando, orando, preparando-se para


adentrar em um lugar especial, onde a fé se fortalece e há uma maior proximidade
com Deus. Como salienta Claval (2002), há um mundo além do mundo perceptível
pelos sentidos que aflora em lugares especiais para os crentes: os Santuários.
Essa sacralidade dos lugares determina o fluxo de religiosos que saem do espaço
profano cotidiano em busca dos lugares onde o religioso sente a proximidade de
Deus que se manifesta com maior intensidade nesses lugares especiais, justifi-
cando o deslocamento e os sacrifícios da viagem.
Para algumas Igrejas Evangélicas não existem lugares sagrados, porque
sagrado é o homem e não os lugares. Os Cultos Candomblecistas consideram
sagrados não só alguns lugares específicos como também árvores e matas, asse-
melhando-se nesse aspecto a algumas religiões asiáticas, onde um rio pode ser
considerado sagrado. O catolicismo popular tanto considera lugares sagrados,
como respeita e absorve os cultos a Deus a partir da sacralização de elementos da
natureza, como as grutas. Nessa perspectiva, a primeira prática religiosa do rome-
iro do Bom Jesus é considerar o morro e a gruta da Lapa lugares especiais onde o
sobrenatural aflora.
Tanto em Bom Jesus da Lapa quanto em Ituaçu, percorrendo o roteiro devo-
cional, o romeiro passa as mãos por sobre as pedras, como se estivesse buscan-
do reforçar a sua fé através da percepção táctil do sagrado. Enquanto alguns rome-
iros utilizam o tato para perceber sensorialmente os objetos e o lugar sagrado,
outros fecham os olhos prescindindo momentaneamente do órgão do sentido
mais utilizado notadamente no mundo ocidental: a visão. Esses fiéis exercitam
sua fé através da oração reflexiva, compenetrada, com os olhos fechados como
se estivessem deslocando-se para um outro plano de existência. Yi-Fu-Tuan
(1980), referindo-se à percepção ambiental, enfatiza que no mundo moderno ten-
de-se a privilegiar a visão em detrimento de outros sentidos, como o olfato e o tato.
O ato de fechar os olhos para orar dentro do Santuário significa talvez uma tentati-
va de distanciamento do mundo profano apreendido com mais intensidade pelo
olhar que, segundo Claval (1999), não é neutro, uma vez que se reveste de emoti-
vidade e estética. Nessa perspectiva, o espaço sagrado é lugar desejado, de che-
gada e de proximidade com Deus. A hierofania constitui-se, assim, numa fonte
inesgotável de força e sacralidade, que permite ao visitante do lugar sagrado
tomar parte dessa força e comungar nessa sacralidade. Muitas pedras adquirem a
sua qualidade mágico-religiosa graças ao simbolismo que lhes confere um valor
mágico ou religioso (ELIADE, 1993).
As práticas dos romeiros do Bom Jesus na Lapa e dos peregrinos do Sagra-
do Coração de Jesus em Ituaçu, muitas advindas da religiosidade popular, são res-
significadas ou preservadas, pois os vínculos com o lugar sagrado são renovados
quando os pais estabelecem um compromisso com o Jesus daquele lugar, de tra-
zer seus filhos até o Santuário. Muitos religiosos fazem uma promessa de trazer
os seus filhos vestidos de branco e visitam as grutas. Posteriormente, acendem
velas, assistem às missas, rezam individualmente e depositam as vestes da pro-
messa na sala dos ex-votos como símbolo da sua fé. A roupa branca é muito
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.
82 Janio Roque Barros de Castro

usada por crentes de cultos candomblecistas de matriz afro-brasileira e católicos,


a exemplo da Irmandade de Coração de Jesus. Os fiéis apresentam seus filhos às
imagens que representam Jesus Cristo, perpetuando não só os seus laços com
aquele lugar sagrado, como realimentando o magnetismo devocional. A fé, nessa
perspectiva, apresenta um caráter transtemporal, renovando-se com as novas
gerações. São as práticas do catolicismo popular que persistem e que fazem os
romeiros se deslocarem em busca dos lugares especiais.
Os crentes reinventam as práticas do catolicismo oficial, que são particulari-
zadas de acordo com as especificidades do lugar sagrado. No caso de Bom Jesus
da Lapa, mantem-se a fidelidade a Jesus, Deus universal do catolicismo romani-
zado, a partir do culto a Jesus Cristo da Lapa, Deus local e universal venerado por
milhões de peregrinos. Diferentemente do que ocorre em Aparecida do Norte,
onde o espaço de concentração e convergência devocional é a Igreja Basílica, ou
em Juazeiro do Norte, onde a concentração devocional ocorre em torno de uma
grande estátua do padre Cícero e do túmulo do citado pároco, em Bom Jesus da
Lapa a gruta calcárea e o morro são os lugares sagrados enquanto que em Ituaçu
é a Gruta do Sagrado Coração de Jesus que alimenta o magnetismo devocional.
Por isso, tanto os fragmentos rochosos quanto a água que mina dos poros das
rochas são considerados sagrados no imaginário do crente que vivencia a atmos-
fera do sagrado. As rochas do Santuário e do morro não são apenas pedras, no
imaginário do romeiro, o objeto rochoso é luz, imagem, símbolo, pois se apresenta
com significado especial que está além da sua existência material como objeto tác-
til ou visualizado, constituindo-se em ponte entre o mundo real e uma dimensão
transcendental. Claval (2002) destaca como uma das particularidades dos San-
tuários o seu papel como lugar de intermediação, entre este mundo e um outro que
se situa em uma dimensão só alcançada pelo transe espiritual da fé dos crentes,
que é potencializada nos Santuários.

OS MITOS DO BOM JESUS E DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS E A


RELIGIOSIDADE DO LUGAR

A forte influência de práticas do catolicismo popular em Bom Jesus da Lapa


colabora para a manutenção de vários mitos envolvendo os lugares sagrados, que
perpassam o imaginário dos peregrinos. Sobre a relação entre lugar mítico e
tempo sagrado, Eliade (1992) através dos mitos reatualiza tempo sagrado in prin-
cípio. Desta forma, os mitos podem ser invenções ou formas de reatualização de
acontecimentos, eventos e práticas do passado que, pelo seu caráter excepcio-
nal, tornam-se transtemporais e são recriados pelos religiosos. Steil (1996) desta-
ca três mitos fundantes do culto ao Bom Jesus da Lapa: o mito da origem e nasci-
mento de Jesus do qual Nossa Senhora faz parte; o mito da paixão, morte e res-
surreição de Cristo, que no imaginário do romeiro justifica suas práticas de sacrifí-
cio nas romarias, e o mito do Juízo Final, tão temido pelos fiéis, que faz com que
muitos peregrinos não só façam pedidos, como solicitem o perdão dos seus peca-
dos. Para Steil (1996), os laços entre os três mitos que fundam o culto no Santuá-
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.
Geografia mítica: reflexões sobre o lugar... 83

rio do Bom Jesus são também os eixos que organizam a rede de sentidos espaci-
almente desdobrada onde se enraíza a cultura bíblica-católica, por isso a paisa-
gem onde se situa Bom Jesus da Lapa tanto é física quanto mítica, pois os Santuá-
rios são pontos revestidos de um tempo messiânico.
Além dos mitos em uma escala mais global, há aqueles locais que não se
constituem em reinvenções de um fato ocorrido como o nascimento de Jesus Cris-
to, mas se constituem em invenções que foram parcialmente recriadas ao longo
do tempo por romeiros e moradores. Em Bom Jesus da Lapa, existem algumas his-
tórias que tentam explicar em uma concepção mítica a gênese do Santuário.
Alguns religiosos acreditam que a gruta teria sido descoberta por um vaqueiro per-
seguindo um boi que se afastou do rebanho. Há um outro conto que relata a queda
de uma criança com alguns meses de idade no rio São Francisco e que não se
machucou. Além disso, para alguns romeiros, pequenas reentrâncias nas rochas,
comuns em áreas de litologia calcárea são pegadas de Jesus Cristo. No passado,
até o sangue dos morcegos que caíam do telhado eram considerados sinais da
sacralidade do lugar, segundo depoimento de uma antiga moradora. Sobre essa
concepção espacial mítica Tuan (1983:97) escreveu que:

O primeiro tipo de espaço mítico é uma extensão conceitual dos


espaços familiar e cotidiano dados pela experiência direta. Quan-
do imaginamos o que fica do outro lado da cadeia montanhosa ou
do oceano, nossa imaginação constrói geografias míticas que
podem ter pouca ou nenhuma relação com a realidade.(TUAN,
1983, p.97)

O imponente morro azul aos pés do qual se formou a cidade de Bom Jesus
da Lapa tanto pode ser considerado como uma forma familiar que deu identidade
ao lugar e que faz parte do cotidiano afetivo ou locacional do morador, como pode
ser concebido como uma forma / lugar exótico devido ao seu simbolismo mítico-
religioso que alimenta o imaginário coletivo. Um dos conhecidos mitos da Lapa é o
de que há uma serpente alada aprisionada no morro que caso se liberte devorará
os habitantes da cidade. Essa crendice popular é originada e alimentada pela con-
cepção maniqueísta da religiosidade popular, que reinventa nos lugares sagrados
as sagas bíblicas do Cristianismo, como a epopéia de Adão e Eva, tentados pela
serpente. O jardim do Éden era um grande espaço sagrado no início dos tempos,
destituído de pecados e sem se conflitar territorialmente com um espaço profano,
uma vez que não havia a distinção sagrado e profano e sim a distinção entre o bem
(Deus e sua obra) e o mal (a serpente). Não havia um lugar do mal e sim um agente
do mal que induziu Adão e Eva ao pecado, dessacralizando e despurificando o Jar-
dim do Éden. O mito do pecado original é lembrado em missas e celebrações cató-
licas e evangélicas reiteradas vezes, daí o imaginário dos crentes antepassados
terem produzido a serpente, símbolo do mal, paradoxalmente aprisionada no
lugar sagrado, onde a expressão máxima do bem aflora.
As romarias para Ituaçu, situada 495 quilômetros de Salvador, iniciaram pro-
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.
84 Janio Roque Barros de Castro

vavelmente por volta do século XVIII e foram alimentadas ao longo do tempo misti-
cismo da religiosidade popular. Segundo um conto lendário, parte de um rebanho
de gado que estava pastando caíra em um buraco onde hoje se encontra a gruta
da Mangabeira. Ao procurar esses animais, um vaqueiro teria caído no mesmo
buraco e ao orar pelo Sagrado Coração de Jesus, teria conseguido se salvar e sal-
var seus animais. Estes contos míticos ganharam um caráter transtemporal e
foram passando de geração para geração consolidando o magnetismo devocional
do lugar e, por isso, nos primeiros dias de setembro, milhares de romeiros da
Bahia e até de outros estados visitam o lugar, renovando os vínculos de fé consti-
tuídos no passado pelos seus antepassados. O evento excepcional do passado
determinou a excepcionalidade do lugar sagrado no presente. Curiosamente,
existe uma lenda de que a gruta da Lapa teria sido descoberta também por um
vaqueiro.
Na dimensão da religiosidade popular, muitas práticas religiosas são cria-
das ou reinventadas pelo imaginário do fiel que vivencia o ambiente do sagrado.
Muitos romeiros sobem o morro da Lapa para bater com um fragmento rochoso a
pedra do sino. Muitos crêem realmente que poderão morrer em breve caso a
pedra não emita o barulho esperado. Alguns religiosos temem atritar a referida
rocha. Descortina-se, desta forma, uma leitura topofóbica do lugar. Para Eliade
(1993), algumas rochas especiais revelam na sua dureza e rudeza um certo
poder, apresentando uma força que transcende a precariedade da condição huma-
na. Essas pedras se constituem em paradoxos dos lugares sagrados, uma vez
que ao mesmo tempo que aterrorizam, encantam pelo seu caráter transcendente
e cosmológico. A pedra do sino no morro da Lapa é respeitada por muitos romeiros
que a consideram parte do seu roteiro devocional. Bater na pedra do sino é, para
alguns peregrinos, uma obrigação equivalente a visitar as grutas ou assistir às mis-
sas. Eliade (1993) destacou que os homens só cultuam as pedras que efetivamen-
te representam algo diferente, muito além da sua existência.
Uma outra prática dos romeiros que está associada a essa concepção míti-
ca-popular é a luz e a imagem de Nossa Senhora visualizadas nas estrias rocho-
sas. Na década de 1960, construiu-se com explosivos um corredor que liga a
Gruta do Bom Jesus à Gruta da Soledade. A abrupta ruptura na rocha calcárea per-
mite a visualização de pequenos cristais na estrutura rochosa, quando se observa
atentamente e bem próximo à pedra. A partir dos anos 1970, esses pequenos cris-
tais alimentam o imaginário dos romeiros que, ao olhar concentradamente a
rocha, bem de perto, afirmam que vêem uma luz, uma santa ou uma mulher como
afirmou uma romeira.
Os lugares sagrados são locais especiais para os crentes e se constituem
em um elo de ligação entre este mundo e um outro mundo desconhecido. As coi-
sas que as pessoas não conseguem classificar ou entender neste mundo reme-
tem para um outro plano de existência. Uma romeira viu uma mulher nas estrias da
rocha porque desde criança o modelo de mulher que foi internalizado foi o de
Maria, a virgem que concebeu Jesus, o filho de Deus, que aparece em muitos qua-
dros e imagens com o pano branco na cabeça, considerada muito especial pela
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.
Geografia mítica: reflexões sobre o lugar... 85

Igreja Católica e muito reverenciada em vários lugares, onde recebe diferentes


denominações. O branco é a cor da paz para muitos católicos, por isso muitos
entram na gruta de joelhos, com roupa branca como se salientou anteriormente;
por isso, a visão da mulher vestida de branco nas estrias rochosas tanto é produto
do imaginário de Maria mãe de Jesus, como de mulher revestida de divindade.
Essas visões reforçam as práticas como o culto a Maria, que na Lapa é
Nossa Senhora da Soledade, e estimulam o uso da roupa branca como prática
devocional arraigada no imaginário do romeiro no tempo e no espaço sagrados.
Como se trata de um espaço de ligação - passagem, da Gruta do Bom Jesus para
a Gruta da Soledade, é natural que o fiel lembre de Maria e veja na luz o indicativo
de um outro plano de existência ainda inacessível. A divindade de Maria tanto se
manteve forte durante séculos quanto se apresenta como um fenômeno crescen-
te na atualidade face às várias aparições que são relatadas em vários lugares do
mundo, muitas das quais tratadas com frieza por parte dos segmentos formais do
Catolicismo oficial, mas cultuadas com devoção por parte de muitos crentes. Um
romeiro disse que viu Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, enquanto
uma romeira sonhou que estava lavando os pratos de Nossa Senhora com um
pano branco na cabeça e um rosário no pescoço.
Muitas imagens de Nossa Senhora vendidas na Lapa apresentam um
manto branco encobrindo a parte superior da cabeça e o rosário no pescoço, o que
se constitui em um indicativo da postura imitativa da romeira no relato do seu
sonho, como fruto de uma imagem arraigada no imaginário coletivo dos fiéis, que
aflora face à atmosfera emotiva do tempo sagrado na cidade-santuário, uma vez
que a referida romeira teve o sonho enquanto estava hospedada em Bom Jesus
da Lapa. Não se trata de um desejo de divinização da romeira potencializado no
lugar sagrado, mas de uma forma de aproximação com o modelo de mulher, com
vista à obtenção da salvação. Jung (1987), nos seus estudos comparativos entre o
que ele chama de homem primitivo e homem moderno, concluiu que há uma forte
tendência do homem de construir símbolos e de expressá-los através dos sonhos.
Para esse autor, muitos sonhos apresentam imagens e associações análogas a
idéias, mitos e ritos primitivos. Na concepção de Jung, os símbolos ocorrem
espontaneamente nos sonhos porque estes não são inventados, constituindo-se
assim na principal fonte de todo o conhecimento acerca do simbolismo.
Para muitos romeiros que visitam Bom Jesus da Lapa, a água que se infiltra
na estrutura calcárea e brota em alguns lugares, como na Gruta dos Mártires e no
corredor entre a Gruta do Bom Jesus e da Soledade, é milagrosa. As pessoas pas-
sam essa água no corpo, molham a cabeça dos filhos, levam para casa em vasi-
lhames. A propriedade curativa e excepcional da água encerra-se no fato de este
elemento brotar da rocha no lugar sagrado. Assim como não é qualquer rocha ou
gruta calcárea que é revestida de sacralidade, não é qualquer água que pode ser
considerada milagrosa, mas sim aquela que mata a sede do corpo e do espírito. A
dialética da hierofania pressupõe uma escolha mais ou menos manifesta que
incorpora algo para além de si mesmo (ELIADE, 1993). A referência a Santa Luzia
no depoimento, considerada protetora da visão, é mais uma forma de valorização
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.
86 Janio Roque Barros de Castro

da mulher como modelo de Santidade, inspirada em Maria.


Os romeiros crêem em um Deus universal que criou a Terra e todas as coi-
sas que existem como consta em Gênesis, primeiro livro da Bíblia, muito citado em
celebrações religiosas católicas e evangélicas. Entretanto, o catolicismo apresen-
ta a peculiaridade de manifestar pontualmente uma divindade universal nos San-
tuários, apresentando uma sacralidade que abarca elementos como a estrutura
rochosa, a água e as formas espaciais complexas como as cidades e edificações
humanas, que são também consideradas sagradas pelos crentes visitantes. Esse
gesto se assemelha a uma discreta cerimônia de iniciação na qual se busca esta-
belecer os vínculos entre a criança e o lugar sagrado, reforçando e perpetuando a
ligação daquela família com o Santuário.
O romeiro que chega à Lapa alimenta-se espiritualmente da energia cos-
mológica do lugar sagrado e da atmosfera atemporal e rica da geografia mítica do
lugar, vivenciando, assim, o sagrado, tanto na sua dimensão eclesiástica quanto
mítico-popular. A busca coletiva pelo lugar sagrado, assim como a permanência
dos romeiros nas proximidades do Santuário, impacta espacialmente a cidade-
santuário, determinando o surgimento de uma outra cidade, cuja dinâmica é
impulsionada pela vivência coletiva e subjetiva do tempo sagrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A manutenção de práticas do catolicismo popular, ressignificadas ao longo


do tempo, deve ser vista como um aspecto importante dos Santuários como o de
Bom Jesus da Lapa e Ituaçu, uma vez que a própria romaria, com os seus símbo-
los, cânticos e ambiência cosmológica, constitui-se em uma prática devocional
recriada. Essas práticas religiosas devem ser entendidas e respeitadas nos luga-
res sagrados e comprovam a heterogeneidade do catolicismo brasileiro. A subida
ao morro, por exemplo, é uma prática muito exercitada pelos romeiros.
Um aspecto atinente à romaria da Lapa, importante a se ressaltar, é que o
romeiro que enxerga uma luz inacessível e a configuração da imagem de Maria
indicando a existência de um plano espiritual superior nas estrias da rocha, no cor-
redor da Gruta da Soledade, é o mesmo que deposita uma peça na sala dos ex-
votos, como símbolo de uma graça alcançada aqui na terra. Por um lado, o romei-
ro tenta purificar o seu espírito buscando preparar-se para uma outra dimensão
ainda desconhecida depois da morte, enquanto por outro lado o mesmo crente
busca uma vida melhor. Necessidades materiais e espirituais interpenetram-se
dialeticamente na ambiência do sagrado, mas não se anulam, complementam-se.
Necessidades espirituais, materiais, subjetivas, coletivas, familiares ou uma
necessidade pessoal de proximidade com o sagrado.
Os romeiros, assim como a diversidade de formas para cultuar suas divin-
dades nos lugares sagrados, devem ser respeitados porque não se impõem a um
povo nem se planejam em gabinetes as suas manifestações culturais; elas se
criam e se recriam ao longo do tempo e se transmitem de geração para geração.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.


Geografia mítica: reflexões sobre o lugar... 87

REFERÊNCIAS

BELLO, Ángela Ales. Culturas e religiões: Uma leitura fenomenológica; tradução


de Antonio Angonese. Bauru, SP: EDUSC, 1998.

BRANDÃO, C. R.. A cultura na Rua. Campinas, SP: Papirus, 1989.

CLAVAL, Paul. A revolução pós-funcionalista e as concepções atuais da Geogra-


fia. In: MENDONÇA, F. e KOZEL, S. (Orgs.) Elementos de epistemologia da Geo-
grafia contemporânea. Curitiba: Ed. da UFPR, 2002. P. 11 43.

__________. A Geografia cultural; tradução de Luiz Fugazzola Pimenta e Marga-


reth de Castro A. Pimenta. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1999.

__________. As abordagens da Geografia Cultural. In: CASTRO, I. E. de


GOMES, P. C. da C., CORREA, R. L (Orgs.) Explorações Geográficas: Percur-
sos no fim do século, - Rio de Janeiro: Bertrand. Brasil, 1997. Pp. 89 117.

DARTIGUES, André. O que é Fenomenologia. Tradução: Maria J. G. de Almeida.


3. ed. São Paulo: Ed. Moraes, 1992.

ELIADE, Mircea.Tratado de História das religiões. Tradução: Fernando Tomaz


e Natália Nunes. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

______. O Sagrado e o Profano. Tradução de Rogério Fernandes. São Paulo:


Martins Fontes, 1992. 191 p.

______ . Imagens e Símbolos. Ensaio sobre o simbolismo mágico religioso. Tra-


dução: Sonia Cristina Tamer. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

FERREIRA, L. Felipe. Acepções recentes do conceito de lugar e sua impor-


tância para o mundo contemporâneo. Território, 9. Jul / dez. 2000. Pp. 65 83.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. - Rio de Janeiro: LTC, 1989.

GOMES, Paulo C. Costa. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand


Brasil, 1996.

HALBWACHS, M. La memoire collective. Paris. Press Universitaires de France,


1950.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.


88 Janio Roque Barros de Castro

JUNG, CARL G. O homem e seus símbolos. 6. ed. São Paulo: Editora Nova Fron-
teira, 1987.

KOCIK, Lucas. Santuário do Bom Jesus da Lapa. 7 ed. Bom Jesus da Lapa: Grá-
fica Bom Jesus, 2000.
KUJAWSKI, G. de Mello. O sagrado existe. São Paulo: Ática, 1994.

HALBWACHS, M. La Mémoire Collective. Paris Presses Universitaires de Fran-


ce, 1950.

OLIVEIRA, P. Ribeiro e STEIL, C. Alberto. A Romaria do Bom Jesus. Bom Jesus


da Lapa. Março de 1993.

RELPH, E. C. As bases Fenomenológicas da Geografia. In: Revista Geografia.


V. 4, nº 7, p. 1-25, abril de 1979.

ROSENDHAL, Z.. Uma proposição temática. In: MENDONÇA, F. e KOZEL, S.


(Orgs.) Elementos de epistemologia da Geografia contemporânea. Curitiba:
Ed. da UFPR, 2002. Pp. 197 214.

______. Hierópolis: O sagrado e o urbano. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999.

______. O sagrado e o espaço. In: CASTRO I, E., GOMES. P. C. C., CORRÊA, R.


L. (Orgs.) Explorações geográficas: percurso no fim do século. Rio de Janei-
ro: BERTRAND Brasil, 1997. Pp. 119 153.

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. São Pau-


lo: Hucitec, 1996.

Santuário Bom Jesus da Lapa: Guia de peregrinos e turistas. Bom Jesus da


Lapa: Gráfica Bom Jesus, 2003.

STEIL, Carlos Alberto. O sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o


santuário de Bom Jesus da Lapa Bahia. Petrópolis RJ: Vozes, 1996.

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA


SEI Informações básicas dos municípios baianos Região econômica 14
médio São Francisco. Salvador: SEI, 1998.

SUPERINTENDÊNCIA DO VALE DO SÃO FRANCISCO / Ministério do Interior.


Anteprojeto para extinção da Favela de Bom Jesus da Lapa. Janeiro de 1975.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.


Geografia mítica: reflexões sobre o lugar... 89

TUAN, YI Fu. Espaço e lugar. Tradução: Lívia de Oliveira. São Paulo, DIFEL,
1983.

______. TOPOFILIA. Um estudo da percepção. Atitudes e valores do meio ambi-


ente. Tradução: Lívia de Oliveira. São Paulo, DIFEL, 1980.

TURNER, V. e TURNER, E. Image and pilgrimage in Christian culture. Oxford,


Basil Blackwell, 1978.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 76-89, janeiro, 2006.


A TRANSPOSIÇÃO DA PROBLEMÁTICA DA IDEOLOGIA
PARA PRAXIS DO ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
DO BRASIL

Joélio Barros de Oliveira*

RESUMO: A problemática da Ideologia na práxis das ciências sociais está funda-


mentada na abordagem ou reprodução da ideologia dominante hegemônica da eli-
te, produzindo um ensino alienante que dificulta ou impede a democratização soci-
al e provoca questões como a evasão escolar, repetências, baixa escolaridade em
função da descentralização dos conteúdos abordados no currículo regular de His-
tória e Geografia tanto no ensino fundamental como no ensino médio. O que se
propõe é criar uma situação social onde a exclusão social seja subvertida através
da prática de uma educação multicultural, democrática e integrada, permitindo a
construção de sujeitos humanos que fazem parte da diversidade cultural da huma-
nidade.

PALAVRAS CHAVE: Ideologia; exclusão social; diversidade cultural.

ABSTRACT : The problem of the Ideology in the praxis of the social sciences is
based in the approach or reproduction of the elite dominante degemonic ideology,
producing an alienating teaching that hinders or it impedes the social
democratization and its incites subjects as the school escape, repetences, low
briefing in function of the descentralization of contents approached so much in the
History an Geography regular curriculum, in the fundamental teaching as I the
medium teaching. What is proposed is the creation of a social situation where the
social exclusion be subverted through the pratice of a multicultural upbringing
democratic and integrated, allowing the construction og human subjects who
belong of the humanity´s cultural diversity.

KEY WORDS: Ideology; social exclusion; cultural diversity.

É preciso contrapor a ideologia dominante de nação por


uma outra popular que negue a primeira.

Gramsci

*OLIVEIRA, Joélio Barros de. Professor de História da Educação no Curso Normal Superior e
Fundamentos Históricos-Filosóficos da Educação no Curso de Licenciatura em Geografia na FAMAM
(Faculdade Maria Milza); Mestrando em Ciências da Educação UPAP.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 90-94, janeiro, 2006.


A transposição da problemática da... 91

O primeiro conhecimento que o homem adquire no processo de socializa-


ção é o senso comum, que é herdado do grupo primário (família) e dos antepassa-
dos, geralmente transmitido de forma consuetudinária; são idéias e valores que
permitem ao homem interpretar a sua realidade, criando valores para agir, avaliar
e julgar, dentro e seu contexto e de sua coletividade.
Por não ser um conhecimento científico, o senso comum tende a ser pouco
difuso e às vezes incoerente, resistente às mudanças e marcado por crenças e pre-
conceitos, fugindo da realidade ou do conhecimento científico sistematizado.
Os meios de comunicação de massa são os grandes responsáveis por
difundir o senso comum, pela visão fragmentada da realidade, estimulando pre-
conceitos e concepções rígidas, impedindo ou dificultando a visão crítica e a auto-
consciência da realidade.
O senso comum é um dos obstáculos para a difusão da ideologia, ou seja
das idéias, concepções ou opiniões sobre um determinado ponto, sujeito a discus-
sões. A ideologia escolar que orienta a prática pedagógica é geralmente o primeiro
instante em que o individuo passa a romper o senso comum e adquirir conheci-
mento científico. Como diz Gransci: “A ideologia tem a função positiva de atuar
como cimento de estrutura social. Quando incorporada ao senso comum, ajudará
a estabelecer o consenso, que confere a hegemonia a uma determinada classe
que passará a ser dominante”. (GRANSCI, 1920, p. 16).
A ideologia na escola expandiu-se e consolidou-se com a crítica à escola
conservadora (que predominava a ideologia hegemônica do dominante) através
da escola nova que defendia a idéia da educação como instrumento de democrati-
zação, capaz de gerar mobilidade social, pregava a escola única, pública e gratui-
ta para todos como forma de igualdade social.
Porém, os resultados foram antagônicos, com altas taxas de repetência,
evasão escolar e distorção ainda maior entre ricos e pobres. Essa realidade fez
surgir a teoria crítico-reprodutiva que preconizava a escola como reprodutora das
diferenças sociais. Como diz Althusser: “O Estado utiliza a escola, assim como
outras instituições (família, igreja, partidos, etc) a fim de estabelecer o consenso
pela ideologia e que por isso são chamados aparelhos ideológicos do estado ...”
(ALTHUSSER L.1975).
A escola única, pública e gratuita, numa sociedade estratificada e de clas-
ses, é, na prática, uma utopia o que predomina é a distinção entre a escola pública
massificada para os pobres e a escola privada para a elite, o que dificulta a demo-
cratização e inibe os pobres ao acesso ao ensino superior. Dessa forma a escola
reproduz a estrutura hierarquizada e as relações autoritárias existentes fora dela,
acentuando a dicotomia entre a teoria e prática.
Os conteúdos trabalhados nos livros didáticos, mais especificamente nas
áreas de geografia e história, reproduzem o caráter ideológico da cultura domi-
nante esteriotipada, idealizada, deformada e alienante, distante da realidade e da
cultura das classes dominadas, voltada para enaltecer mitos e valores da elite e da
cultura hegemônica; caracteriza a escola como função reprodutiva do sistema

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 90-94, janeiro, 2006.


92 Joélio Barros de Oliveira

vigente vinculada à sociedade, às relações de produção, ao sistema político, man-


tendo e perpetuando a divisão e a estrutura da sociedade.
A problemática da ideologia na praxis das ciências sociais (geografia e his-
tória) deve ser abordada de forma a romper com essa estrutura, priorizando
desenvolver conteúdos e abordagens voltadas para o contexto do educando, atra-
vés da utilização das culturas minoritárias (negros, índios, mulheres, trabalhado-
res) nas quais estão inseridas, contextualizando a história e a geografia dentro da
ótica de massa, de forma regular, nos conteúdos curriculares.
A abordagem histórico- crítica, reproduzindo a visão da coletividade, mas
não da elite dominante, vai resgatar a importância da massa popular dentro das
transformações sociais ao longo da história e permite ao educando uma visão uni-
forme, democrática e justa dos fatos históricos, ao mesmo tempo em que demons-
tra a diversidade cultural e desenvolve no aluno seu senso crítico e a habilidade de
interpretar, de forma imparcial, o processo que marcou a humanidade.
Portanto, a pratica das ciências sociais deve estar voltada para a não repro-
dução da ideologia dominante, hegemonia da elite, mas que seja capaz de produ-
zir um ensino voltado para a democratização social que permita ao sujeito perce-
ber a sua importância dentro da sociedade em que está inserido como elemento
crítico, solidário e capaz de transformar a realidade para o desenvolvimento justo,
uniforme e harmônico de sua coletividade e de todos os indivíduos, rompendo o
modelo de divisão social que só favorece à elite.
Dentre as causas que conduzem a esse processo, destaca-se a falta de inte-
gração dos conteúdos abordados com a realidade do educando, dissociando a
prática educacional com o contexto. Vê-se esse processo como falta de inclusão
da diversidade cultural nos currículos escolares, na maioria das escolas brasilei-
ras, que apenas reproduzem o conteúdo dos livros didáticos, alimentam a cultura
dominante e afastam as chamadas sub-culturas ou culturas das minorias, que
representam a maior dos estudantes das escolas públicas no Brasil. Como diz Tor-
res, Santomé “quando analisarmos detalhadamente os conteúdos que são obje-
ção explicita na maioria das instituições escolares e nas propostas curriculares
chama nossa atenção a presença abusiva das denominadas culturas hegemôni-
cas...” (TORRES, Santomé, 1998, p. 19-23).
Em grande parte, as instituições escolares produzem currículos com o dis-
curso de valorização da cidadania, ou seja, a intenção é preparar os estudantes
para a transformação da realidade, de forma que sejam cidadãos participativos,
críticos, solidários e democráticos. Com tais competências, estarão aptos para
compertir na sociedade capitalista, contribuindo, dessa maneira para o desenvol-
vimento de sua coletividade.
Mas, na prática não é o que ocorre. O educando convive com uma estrutura
educacional em que conteúdos e disciplina são “depositados” como informações
sem que haja participação na atividade pedagógica.
Por não associar esse conteúdo com a sua realidade, com o conhecimento
do mundo, tampouco tem preparação para o mercado de trabalho, a maior parte

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 90-94, janeiro, 2006.


A transposição da problemática da... 93

apenas se esforça para a obtenção do certificado. Tais fatos contribuem para a


determinação da estrutura social, étnica, sexual, etc, vigente, isto é, sustenta o
poder de dominação.
É comum associar o fracasso escolar como uma concepção ou condição
única da escola, ou seja, da estrutura escolar, de professores incapacitados, ges-
tores autoritários, falta de estrutura física adequada, pouco investimento em mate-
rial, etc. Vale destacar que o que se discutiu contribuiu direta ou indiretamente
para este resultado, porém não se pode fazer esta análise apenas na perspectiva
das instituições escolares, sem uma compreensão da dimensão política e social a
que a escola está submetida. Ela, nessa direção, segue os mecanismos de
dependência instituídos pelas elites, servindo de uma ideologia de poder que
pode excluir uma grande parcela da população de acordo com o interesse do sis-
tema como diz Arrojo, Miguel “O fracasso escolar é uma expressão do fracasso
social dos complexos processos de reprodução da lógica e da política de exclusão
que perpasse todas as instituições sociais e políticas o estado, os clubes, as fábri-
cas, as igrejas, as escolas” (Arrojo, Miguel, 2000, p. 33-40). Muito se tem discuti-
do, escutado, escrito, falado sobre o fracasso escolar; teorias, ideologias, aliena-
ção e radicalismo constituem abordagem desse tema por educadores, gestores e
outros profissionais ligados à educação.
O resultado da estrutura educacional com baixo rendimento, evasão esco-
lar, pouca escolaridade, baixo conhecimento, habilidade e senso crítico, já está
associado à questão escolar como um todo, os questionamentos da ideologia e da
cultura dominante, a uma nova prática educacional que rompa com toda essa
estrutura e valores pré-estabelecidos. Como diz Arrojo Miguel.

O processo escolar mais eficaz para reeducar e situar o foco da


intervenção na estrutura do sistema escolar, na lógica que o inspi-
ra, pretendemos intervir no sistema escolar crentes de que esse sis-
tema, sua cultura, rituais, lógicas, estruturas podem ser mais demo-
cráticos, menos seletivo. (ARROJO, MIGUEL, 2000, p. 33-40).

O que se propõe é desenvolver uma situação escolar que permita a garan-


tia de acesso ou direito à cultura, ao conhecimento e ao desenvolvimento humano,
para que a exclusão social seja subvertida através da prática de uma educação
que permitirá a construção de sujeitos humanos que respeitem as diferenças e
que se reconheçam com sujeitos que fazem parte da diversidade cultural da huma-
nidade.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER. L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Presença


s/d.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 90-94, janeiro, 2006.


94 Joélio Barros de Oliveira

ARROYO, Miguel G. Fracasso/Sucesso: Um pesadelo que perturba nossos


sonhos. In: Revista em Aberto, Brasília, v. 17, nº 71, janeiro 2000.

CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES: Confederação Nacional do metalúr-


gicos, programa Integrar. Trabalho e tecnologia, Caderno do aluno, 1998.

PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. São Paulo: Ática,
1997.

ROMANELLI; Otaiza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 20ª ed. São Pau-
lo, vozes,1998.

SANTOMÉ, JURJO TORRES. Globalização e Interdisciplinaridade. O currículo


Integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

STRECK, Danilo (org.) Educação Básica e o Básico na Educação. Porto Alegre:


Sulina/unisinos, 1996.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 90-94, janeiro, 2006.


A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DE HISTÓRIA REGIONAL E
LOCAL NO ENSINO FUNDAMENTAL

Luis Carlos Borges da Silva

RESUMO: O presente artigo pretende fazer uma reflexão acerca da importância


do estudo da História Regional e Local no ensino fundamental, bem com mencio-
nar sugestões aos professores para trabalharem esta nova abordagem metodoló-
gica em sala de aula. Também, faz citações de autores que na recente historiogra-
fia discutem esta temática e ao mesmo tempo propõe fundamentos para que as
aulas de história possam ser mais prazerosas, uma vez que o conteúdo trabalha-
do terá um forte significado para a vida do aluno. A idéia é fomentar a possibilidade
de pesquisa com história local já no ensino fundamental, objetivando a formação
de cidadãos críticos e sabedores do seu papel histórico na sociedade em que
estão inseridos.

PALAVRAS-CHAVE: História local; aprendizagem significativa; cidadania.

SUMMARY: The present article intends to do a reflection concerning the


importance of the study of the Regional and Local History in the fundamental
teaching, as well as mentioning suggestions to the teachers for how they work this
new methodological tackling in the classroom. Also, it makes quotations of authors
that discuss this thematic one in the recent historiography and at the same time
proposes foundations so that the history classes can be more delightful; once its
content will have a strong meaning for the student's life. The idea is to foment the
research possibility with local history in the fundamental teaching, objectifying the
critical citizens' formation and knowing of its historical role in the society in that they
are inserted.

WORD KEY: Local history; significant learning; citizenship.

*Artigo apresentado no primeiro seminário estudantil da FAMAM Faculdade Maria Milza, Cruz das
Almas, novembro de 2004.
**SILVA, Luis Carlos Borges da. Licenciado em História pela UEFS Universidade Estadual de Feira de
Santana; especialista em História Regional pela UNEB Universidade do Estado da Bahia; professor
do Curso Normal Superior da FAMAM Faculdade Maria Milza Cruz das Almas e professor de História
do Ensino Médio em escolas públicas e particulares nos municípios de Governador Mangabeira, Cruz
das Almas e Muritiba.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 95-100, janeiro, 2006.


96 Luis Carlos Borges da Silva

O estudo de História Regional e Local no Brasil, nem sempre teve importân-


cia no mundo acadêmico, apenas a partir do final década de 1980, surgem traba-
lhos mais sistematizados relacionados ao tema. Isso só foi possível graças a uma
nova concepção metodológica que surgiu na França em 1929, denominada de
Nova História. A partir desta nova abordagem historiográfica, passou a existir uma
diversificação no conceito de fonte histórica, bem com uma dinamização no objeto
de estudo do pesquisador, como cita a historiadora baiana Ana Maria Carvalho de
Oliveira:

(...) A Nova História, em suas diversas expressões, contribuiu


para a renovação e ampliação do conhecimento histórico e dos
olhares da história, na medida em que foram diversificados os
objetos, os problemas e as fontes. A história Regional constitui
uma das possibilidade de investigação e de interpretação históri-
ca. (...) Através da História Regional busca-se aflorar o específi-
co, o próprio, o particular. (OLIVEIRA. 2003, p. 15).

Nesta perspectiva, tornou-se viável estudar aspectos que até então não
eram mencionados nas academias, ampliou-se a visão dos agentes elaboradores
da história, deixou-se um tanto de lado a noção tradicional da narrativa histórica
para buscar uma história problema, como esclarece o historiador Peter Burke:

(...) a nova história começou a se interessar por virtualmente toda


a atividade humana. (...) Nos últimos trinta anos nos deparamos
com várias histórias notáveis de tópicos que anteriormente não
se havia pensado possuírem, como por exemplo, a infância, a
morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira, os gestos, o corpo.
(...) O que era previamente considerado imutável é agora encara-
do como uma “construção cultural” , sujeita a variações, tanto no
tempo quanto no espaço. (BURKE, 1992, p. 11).

Por esta ótica, nota-se a importância do estudo da História Regional e Local


no universo historiográfico brasileiro, uma vez que ela aproxima o historiador do
seu objeto de estudo. A narrativa deixa de ser fundamentada em temas distantes
para se incorporar aos fenômenos históricos da região, conseqüentemente do
município. Passa existir a construção de uma história plural, sem qualquer tipo de
preconceito e os excluídos passam a ter voz. O passado se torna mais imediato,
com afirma o professor Rafael Samuel:

A História Local requer um tipo de conhecimento diferente


daquele focalizado no alto nível de desenvolvimento nacional
e dá ao pesquisador uma idéia mais imediata do passado. Ela
é encontrada dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode
ouvir os seus ecos no mercado, ler o seu grafite nas paredes,
seguir suas pegadas nos campos. (SAMUEL, 1990, p. 220)

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 95-100, janeiro, 2006.


A importância do estudo de história... 97

Usando dessa prerrogativa de valorização da História Regional e Local no


espaço acadêmico, resolveu-se neste artigo, sugerir aos professores do ensino
fundamental uma reflexão acerca da urgência em se trabalhar na sala de aula esta
nova concepção historiográfica, uma vez que os livros didáticos e módulos privile-
giam apenas um tipo de conhecimento histórico universalizado em temas de His-
tória Geral e do Brasil, muitas vezes sem significado para os alunos, “uma história
distante de seu tempo presente, de suas experiências de vida, de suas expectati-
vas e desejos” (Fernandes, 1995, p. 04), tornado a aprendizagem algo sem prazer
e que não emociona, negando a perspectiva de que história é vida, sendo que a
função básica do seu ensino é a construção de cidadãos críticos, como enfatiza o
professor José Ricardo Oriá Fernandes:

Hoje, todos nós sabemos que a finalidade básica do ensino de his-


tória na escola é fazer com que o aluno produza uma reflexão de
natureza histórica, para que pratique um exercício de reflexão cri-
tica, que o encaminhe para outras reflexões, de natureza seme-
lhante, na sua vida e não só na escola. Afinal de contas, a história
produz um conhecimento que nenhuma outra ciência produz e
nos parece fundamental para a vida do homem individuo emi-
nentemente histórico. (FERNANDES, 1995, p. 03)
Na verdade o conteúdo de história estudado na escola básica
deveria ser menos mecânico e mais aplicável a um significado de
vida para os estudantes. Geralmente estudamos as característi-
cas do rio São Francisco, mas não mencionamos a importância
histórica que teve o rio Paraguaçu para a economia do Recônca-
vo Baiano, uma vez que boa parte do abastecimento da cidade de
Salvador até o século XIX era feita através do porto da cidade de
Cachoeira. Falamos da história econômica do Brasil, enfatizando
muito a cana-de-açúcar e o café, porém omitimos a importância
do tabaco para a nossa região, pois o charuto fabricado pela Suer-
dik em Cruz das Almas até a década de 1970, era considerado o
segundo melhor do mundo, perdendo apenas para o cubano,
uma vez que esta fábrica produzia cerca de “200 milhões deste
produto por ano, artigo requintado da burguesia e que não faltava
também nos meios populares, propiciando grandes incrementos
à indústria e comércio do fumo baiano” (RODRIGUES, 2001, p.
41).
Também, estudamos o poder apenas em uma esfera nacional,
não levamos em consideração as práticas políticas e os símbolos
usados pelos coronéis da nossa região como forma de perpetuar
seu status sócio-econômico, um bom exemplo disso foi o coronel
João Altino da Fonseca, dono de armazém de fumo na vila de
Cabeças, hoje município de Governador Mangabeira, pois che-
gou a ser considerado o homem mais rico do vale do Paraguaçu
na década de 1930 e constantemente viajava para França, sua

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 95-100, janeiro, 2006.


98 Luis Carlos Borges da Silva

casa possuía tapetes persas, cristais da Alemanha e mobílias ita-


lianas, além de financiar parte da construção da atual Igreja
Matriz da cidade e nos finais de ano distribuía carne bovina para a
maioria da população da vila.
Ainda, estudamos Capitanias Hereditárias, Governos Gerais,
Independência do Brasil e Proclamação da República, mas não
analisamos o processo de emancipação política do nosso municí-
pio. Falamos da cultura e arte de outros locais, porém não enfati-
zamos o valor histórico do São João em nossa região, como exem-
plo a musicalidade do forró e até a guerra de espadas em Cruz
das Almas. Portanto, precisamos entender a necessidade de valo-
rização do estudo da História Regional e Local no ensino funda-
mental, uma vez que “estudar o município é importante e neces-
sário para o aluno, na medida em que ele está desenvolvendo o
processo de conhecimento e de critica da realidade em que está
vivendo”. (Fernandes, 1995, p. 08).

Evidentemente, a História Regional e Local não pode ser desvinculada de


um contexto mais amplo de região, ou seja, não se pode falar de economia do
Recôncavo no século XIX, sem fazer uma relação com o cenário nacional, mas
isso não significa estabelecer escalas de valores entre um tema e outro, o funda-
mental é perceber as relações históricas na mais pura especificidade, como bem
esclarece o professor Erivaldo Neves:

O estudo do regional, ao focalizar o peculiar, redimensionaria a


análise do nacional, que ressalta as identidades e semelhanças,
enquanto o conhecimento do regional e do local insistira na dife-
rença e diversidade, focalizando o indivíduo no seu meio sócio-
cultural, político e geo-ambiental, na interação com os grupos
sociais em todas as extensões, alcançando vencidos e vencedo-
res, dominados, conectando o individual com o social. (NEVES,
2002, p. 89)

As possibilidades de fontes para fazer História Regional e Local são inúme-


ras, pode-se buscá-las em arquivos públicos e particulares, nos livros de ata da
Câmara de Vereadores, em jornais, monumentos, fotos, entrevistas, livros de
memorialistas, filmes, músicas, no cotidiano das pessoas e em outras infinidades
de fontes históricas, como bom exemplo desta questão, alguns escritos são cita-
dos pelo professor Erivaldo Neves:

A leitura das articulações políticas faz-se através de registros elei-


torais: atas, processos de impugnação de eleições, termos de
posse. As atas das câmaras de vereadores registram com rique-
za de detalhes, o dia-a-dia de um município e seus habitantes.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 95-100, janeiro, 2006.


A importância do estudo de história... 99

Para além do universo político, com a mesma intensidade, abor-


dam o econômico e social, com uma fotografia de corpo inteiro da
comunidade municipal. As posturas municipais e as leis orgâni-
cas dos municípios indicam os parâmetros das relações sociais.
(NEVES, 2002, p. 98).

Portanto, devemos chamar atenção para a importância do papel do profes-


sor na aplicação desta nova metodologia. O fundamental é tornar as aulas mais
prazerosas, levando os alunos a perceberem que sua própria vida já é uma grande
história e que o conhecimento histórico pode ser elaborado por todos, indepen-
dente de qualquer aspecto social, político, econômico e cultural.

REFERÊNCIAS

AMADO, Janaína. História Regional e Local. In: República em Migalhas, Marco


Zero, São Paulo, 1990.

BORGES, Luis Carlos. A Vila e o Coronel Poder Local na Vila de Cabeças -


1930-1962. Monografia de pós-graduação, Santo Antonio de Jesus, UNEB, 2004.

BRANDÃO, Maria (org). Recôncavo da Bahia Sociedade em Transição. Salva-


dor, UFBA, 1997.

BURKE, Peter (org.). A Escrita da História Novas Perspectivas. São Paulo,


UNESP, 1992.

CALLAI, Helena C. e ZARTH, Paulo Afonso. O Estudo do Município e o Ensino


de História e Geografia. Ijui Rio Grande do Sul, Unijui, 1988.

FERREIRA, Marieta Moraes e AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História


Oral. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2001.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. Um Lugar na Escola para a História Local.


Recife: ANPUH (texto mimeografado), 1995.

LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo, Martins Fontes, 1993.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 9.ª ed. São Paulo, Nova Fron-
teira, 1997.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 95-100, janeiro, 2006.


100 Luis Carlos Borges da Silva

NEVES, Erivaldo Fagundes. História Regional e Local no Brasil: fontes e méto-


dos da pesquisa histórica regional e local. Feira de Santana/ Salvador, UEFS/
ed. Arcádia, 2002.

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: Terra, Homens,
Economia e Poder no Século XIX. Salvador, UNEB, 2003.

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio. MEC, Brasília, 1999.

RODRIGUES, Elizabete. Fazer Charutos: uma Atividade Feminina. Disserta-


ção de Mestrado. Salvador, UFBA, 2001.

SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. In: Revista Brasileira de His-
tória. Pp. 219-242. V. 9, n.º 19, set. 1989 / fev. 1990.

SANTANA, Charles D' Almeida. Fartura e Ventura Camponesa. Trabalho Coti-


diano e Migrações. Bahia 1950 / 1980. São Paulo. Anna Blube, 1998.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 95-100, janeiro, 2006.


O ESTUDO DA PAISAGEM: UMA PROPOSTA
METODOLÓGICA PARA A COMPREENSÃO DA
DINÂMICA AMBIENTAL

Maria da Glória Figueiredo Rodrigues*

RESUMO: O entendimento da dinâmica de uma paisagem envolve a relação da


sociedade com a natureza. A questão ambiental nesse sentido emerge como uma
releitura do convívio do homem com a natureza e dos próprios homens entre si,
como reflexo da razão que se estabelece. Assim, a compreensão de uma paisa-
gem transcende o aspecto visual e busca, metodologicamente, a partir de concei-
tos e enfoques de sistemas e geossistemas, refletir as necessidades de se conhe-
cer e explicar a complexidade da realidade do espaço geográfico e funcionamento
global da natureza, pondo em evidência a idéia de interações e inter-relações
entre os elementos da paisagem para a condução de um diagnóstico ambiental.

PALAVRAS-CHAVES: Paisagem; sistemas; geossistemas.

ABSTRACT: The understanding of a landscape dynamic involves a relation


between man and nature. The environmental issue, in this sense, comes up as a
second reading of the way men get along with nature and one each other, as a
result of the relation established. So, the comprehension of a landscape goes
beyond the visual aspects and searches, methodologically, from concepts and
system and geosystem focus to reflect the needs for knowing and explaining the
complexity of a geographic space reality and nature global working, highlighting
the idea of interactions and inter-relations among the components of landscape
leading to and environmental diagnostic.

KEY WORDS: landscape; systems; geosystems.

INTRODUÇÃO

A ênfase dada aos estudos de lugar, região e espaço, no século XIX e da pri-
meira metade do século XX, atribuía grande importância à análise da fisionomia,
ou seja, ao estudo da paisagem. Essa fase já chamava a atenção para a temática
ambiental, sobressaindo-se os estudos de Vidal de La Blache que passa a repre-

*Licenciada em Geografia pela UEFS, Meste em Ciências Agrárias pela UFBA, professora da FAMAM
e da Rede Estadual de Ensino.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


102 Maria da Glória Figueiredo Rodrigues

sentar a paisagem como uma influência recíproca entre o meio físico e o homem, e
Humboldt para quem a natureza e o homem vivem graças a uma troca contínua de
formas e movimentos internos, definindo a geografia na perspectiva da paisagem
como a relação homem/natureza, colocando homem como ser ativo que sofre a
influência do meio, porém atua sobre ele, transformando-o.
São grandes as transformações que têm ocorrido na geografia e no cami-
nho ambiental. É a paisagem que, segundo Passos (1996), "responde à orienta-
ção da Geografia para o concreto, o visível, a observação do terreno, enfim, para a
percepção direta da realidade geográfica". Além disso, para Dias (1998) é na
noção de paisagem têm encontrado os subsídios necessários à compreensão glo-
bal da natureza.
Evidencia-se, nessa proposta, o princípio das interações, inter-relações e
conectividades entre os componentes de uma paisagem, que Bertarand (1971) a
concebe a partir de uma visão sistêmica que leva ao caminho geossistêmico. Isso
porque a paisagem está vinculada: a) à abordagem sistêmica como unidade terri-
torial, onde a combinação dos fatos visíveis e invisíveis só se percebe em um dado
momento como o resultado global; e, b) ao geossistema, como fenômeno natural,
caracterizado pelo potencial ecológico e pela exploração dos recursos biológicos,
sensíveis a intervenções antrópicas.

A ANÁLISE DA PAISAGEM

O espaço que cabe à geografia não é mais apenas a paisagem visível, con-
creta, mas sim, a paisagem como um conjunto de coisas que se dão diretamente
aos nossos sentidos, a configuração territorial é o conjunto total integral de todas
as coisas que formam a natureza (relevo, vegetação, solo, clima, hidrografia, ou
qualquer outro componente, mesmo os antrópicos) e o espaço é o resultado entre
a configuração territorial, a paisagem e a sociedade.
Para Fuscaldo (1999), ao introduzir na geografia a noção de espaço com a
totalidade de abarcar a natureza, os objetos e sistemas constituídos pelo homem
sobre um dado território e a sociedade que o habita, a geografia vem contribuir
num diálogo interdisciplinar com outras ciências no interior da educação ambien-
tal.
Chamamos a atenção para a totalidade que constituí o “ambiente” ou o 'me-
io-ambiente” no momento atual. Hoje, ele se constitui em um meio tecno-
científico-informacional. Santos (1997) diz que “o meio tecno-científico-
informacional, é um meio geográfico onde o território inclui obrigatoriamente, ciên-
cia, tecnologia e informação”.
Porém, não se pode perder de vista que a educação ambiental tem como
objetivo fundamental fazer com que indivíduos e a coletividade compreendam a
natureza complexa do meio ambiente natural e do meio antrópico, resultantes da
integração de seus aspectos biológicos, físicos, sociais, econômicos e culturais. A
aquisição desses conhecimentos, dos valores, dos comportamentos e das habili-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


O estudo da paisagem: uma proposta... 103

dades práticas contribui para a participação responsável da prevenção e solução


dos problemas ambientais. E ainda a questão da qualidade do meio ambiente,
tomada essa compreensão vai ao encontro ao desenvolvimento sustentável. O
propósito é mostrar com clareza as interdependências econômicas, sociais, políti-
cas e ecológicas do mundo moderno e garantir a conservação e a melhoria do
meio ambiente.
Nessa condição de indissociação entre os sistemas natural e entrópico (rela-
ção natureza/sociedade), tem-se como unidade o sistema ambiental, e a paisagem
existe exclusivamente, mediante o estabelecimento de uma inter-relação/conexão
entre as duas esferas, ou seja, na medida em que a natureza é percebida e elabo-
rada pelo homem, historicamente, constituindo assim seu reflexo.
Nesse âmbito, Dias (1998) afirma que a paisagem é vista como o produto
concreto das ações da sociedade, construída pelo trabalho social e, portanto, com
uma estrutura impregnada de uma dinâmica comandada pelo homem, conjunta-
mente com a dinâmica da natureza. Sob a ação do homem, há uma ruptura na
dinâmica natural da paisagem e esta passa a ser regida, então, por uma dinâmica
dupla, em acordo com a estrutura instituída.
Desse modo, a natureza reage diante de qualquer operação que se instau-
re em suas estruturas e cria novas dinâmicas, mediante tais estruturas, não como
uma entidade passiva diante das intervenções humanas, nem um simples palco
onde as relações sociais se concretizam, mas um conjunto de elementos que pos-
suem um comportamento regido por leis próprias e que reagem às pressões exer-
cidas pela sociedade, que nela busca a realização de sua base material.
Tendo em vista a evolução de uma paisagem e que esta resulta da combi-
nação de mecanismos, operando em diferentes escalas temporais, como as for-
mas de relevo, os tipos de vegetação e usos do solo, organizados em um arranjo
ou mosaicos de retalhos ou manchas (patches), formam um agrupamento único
de ecossistemas em interação, Tricart (1977) define paisagem como uma dada
porção perceptível a um observador onde se inscreve uma combinação de fatos
visíveis e invisíveis e interações, as quais, num dado momento, não se percebe
senão o resultado global.
A paisagem aparece então, como os subsídios necessários à compreensão
global da natureza, o que implica a investigação dos elementos conjuntamente,
pois cada um é constituinte de uma unidade integradora que, quando visto indivi-
dualmente, não tem o mesmo significado. Deve-se passar a compreendê-la a par-
tir de uma visão de mesma natureza (global), identificando os processos decor-
rentes da interconexão dos elementos e que dão o caráter dinâmico à paisagem.
Bertrand (1971) esclarece que, estudar uma paisagem é antes de tudo apre-
sentar um problema de método. Ela deve ser apreendida de uma forma que
demonstre sua viabilidade e importância científica, dentro de um embasamento
teórico-metodologico que transcenda o aspecto visual numa escala têmporo-
espacial diferenciada, e não apenas como determinada porção do espaço com-
posta de elementos externos, visíveis e estáticos.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


104 Maria da Glória Figueiredo Rodrigues

Neste sentido, Ribeiro (1998) expõe que, apesar de a paisagem apresen-


tar-se visível e concretamente percebida, a sua compreensão racional não deve
restringir-se à mera descrição formal e subjetiva de seus componentes e, muito
menos, às simples relações de causa e efeito entre eles. Seu estudo pode ser o
ponto de partida para o entendimento racional de um processo mais amplo e
abrangente, envolvendo a sociedade e a natureza.

A PAISAGEM NA VISÃO SISTÊMICA

Na trajetória dos estudos do meio ambiente verifica-se uma valorização da


percepção da paisagem, principalmente ligados à análise sistêmica. Pela Teoria
Geral dos Sistemas (TGS), Ludwig Von Bertalanffy, escreve que:

o que pode ser obscurecido nesses desenvolvimentos por


mais importantes que sejam é o fato de que a teoria dos siste-
mas consiste numa ampla concepção que transcende muito
os problemas e exigências tecnológicas, (...) é uma reorienta-
ção que se tornou necessária na ciência em geral e na gama
de disciplinas que vão da física e da biologia às ciências socia-
is, e do comportamento à filosofia (...) e ainda, é uma concep-
ção operatória, com graus variáveis de sucesso e exatidão,
em diversos terrenos, e anuncia uma nova compreensão do
mundo, de considerável impacto (1945, p. 177).

A constatação é de que se vive num mudo de sistemas interdependentes e


que este é organizado em sistemas, ou seja, um conjunto de elementos em intera-
ção. Para Bertalanffy (1975), "na ciência moderna, a interação dinâmica é o pro-
blema básico em todos os campos".
A Teoria Geral dos Sistemas (TGS) emergiu como um instrumento apropria-
do para lidar com a "complexidade organizada" e as idéias comuns às várias disci-
plinas ou ciências e cita equipes (especialistas de várias áreas) que trabalharam
interdisciplinarmente, para equacionar os complexos problemas surgidos nesse
período. Inicialmente aparece Bertalanffy que apresenta a teoria dos sistemas
não como uma doutrina rígida, mas o movimento e desenvolvimento de suas idéi-
as podem servir de base para posteriores estudos e pesquisas.
Como forma de compreensão da organização do espaço geográfico, Ber-
trand (1971) concebe a paisagem a partir da visão sistêmica não como uma sim-
ples adição de elementos geográficos disparatados no espaço. É uma determina-
da porção do espaço, resultado da combinação dinâmica. Portanto instável, de ele-
mentos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo uns sobre os outros, formam
um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução. A exemplo dos elemen-
tos do meio natural, cujo solo, vegetação e modelado apresentam um grau de
interdependência tal que podem ser considerados uma única entidade, funcionan-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


O estudo da paisagem: uma proposta... 105

do como um subsistema. Por sua vez, Zonneveld (1972/1979) conceitua a paisa-


gem como uma parte do espaço na superfície terrestre abrangendo um complexo
de sistemas caracterizados pela atividade geológica, da água, do ar, de plantas,
de animais e do homem por suas formas fisionômicas resultantes, que podem ser
reconhecidas como entidades.
Gama (1998) salienta que o conceito de sistema contido nos estudos ambi-
entais evidencia a idéia de interações e conduz à concepção do diagnóstico ambi-
ental, segundo o pressuposto de que os principais problemas do nosso tempo são
sistêmicos, o que significa que estão intimamente interligados e são interdepen-
dentes, ou seja, não podem ser entendidos no âmbito da metodologia fragmenta-
da, que é característica de nossas disciplinas e de nossos organismos governa-
mentais.
Para o autor, essa idéia apóia-se no fato de que as inter-relações e interde-
pendências constituem a ênfase nas definições de sistemas e que, dessa forma, a
estrutura e dinâmica de um sistema ambiental não funciona sozinho, pressupõe-
se interconectividade, sendo necessário o uso de três conceitos: o de totalidade, o
de organização e o de complexidade.
Na totalidade, o todo é maior que a soma das partes, portanto, aparecem
propriedades existentes nas partes. Só se pode compreender o todo conhecendo
as partes, e só se pode compreender as partes conhecendo-se o todo. Assim, faz-
se necessário compreender a interação entre as partes e o todo, e as partes entre
si pelas funções desempenhadas por cada uma delas. O todo e as partes individu-
almente não têm o mesmo significado. Na organização, a estrutura e a função das
partes se complementam. Na complexidade, seus múltiplos níveis de organização
os quais não são somente medidas pelo número de elementos, mas, sobretudo,
pela variedade dos constituintes nos diferentes níveis hierárquicos conectados a
ligações funcionais e estruturais não lineares.
Esse todo indissociável constitui-se da ocorrência das interações entre o
subsistema natural e o e o subsistema antrópico, que caracterizam um sistema
aberto (há troca de matéria e energia) formando um sistema complexo.
Nesse sentido, Tricart (1977) afirma que a análise de sistema permite uma
avaliação quantitativa dos fenômenos cuja importância deriva da complexidade
das relações que tornam a quantificação praticamente impossível e ressalta que a
análise sistema é o melhor instrumento lógico para estudar os problemas do meio
ambiente, na busca de um conhecimento mais abrangente e integrado da paisa-
gem. Christofoletti define sistema como sendo:

um conjunto dos elementos e das relações entre eles e entre seus


atributos; ou um conjunto de objetos ou atributos e suas relações
que se encontram organizados para executar uma função parti-
cular (1978, p.3).

Essas conceituações reforçam o inter-relacionamento dinâmico dos obje-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


106 Maria da Glória Figueiredo Rodrigues

tos de uma maneira holística, sendo que, a ênfase é colocada mais sobre as rela-
ções dos elementos que compõem o sistema do que sobre as substâncias especí-
ficas ou as características de seus elementos. Considera-se, entretanto, que a
ênfase mais rigorosa sobre sistemas formalmente definidos tem surgido como
resultado do reconhecimento de "sistema" como uma construção que é necessá-
ria para representar o conjunto complexo de inter-relações que existem no mundo
real.
Percebe-se que as inter-relações e interdependências constituem a ênfase
nas definições de sistemas visto que, a idéia de inter-relações apóia-se no fato de
que é através delas que surgem propriedades no todo integrado que não estão
contidas nas partes integrantes.

PAISAGEM E GEOSSISTEMAS

Para revitalizar o caráter de interação da paisagem, pode-se ter como con-


tribuição o enfoque geossistêmico, já que corresponde a uma paisagem nítida
bem circunscrita. Para Gomes (1999), à medida que se expande a compreensão
sobre os sistemas que controlam o meio ambiente e suas infinitas interligações,
soluções potenciais se consolidarão. Dessa forma, passa-se a utilizar enfoque sis-
têmico no conceito de Geossistemas Naturais, porque eles podem dar a interrela-
ção necessária ao conhecimento científico de um lugar. O autor sinaliza que a cres-
cente conscientização acerca da questão ambiental surge como a possibilidade
de dar impulso à realização da síntese da relação homem/meio e que não restam
dúvidas de que os problemas ambientais não são exclusivamente de ordem natu-
ral ou cultural, mas de um conjunto de fatores em que o homem e a natureza não
podem ser tomados como pólos excludentes.
Sotchava (1977) considera que sobre o enfoque geossistêmico, os estudos
além de se ligarem à paisagem e suas subdivisões, incorporam sua dinâmica, sua
estrutural funcional e suas conexões. De acordo com as proposições de Sotchava
(1977), os geossistemas são sistemas territoriais naturais compostos por unidade
de algumas dezenas e centenas de quilômetros quadrados, que associam diver-
sos ecossistemas a diversos tipos de suportes naturais: relevos, solos, climas loca-
is etc., inter-condicionados e inter-relacionados em sua distribuição, desenvolven-
do-se, no tempo, como parte do todo. Ou ainda, o geossistema é um fenômeno
natural que inclui todos os elementos da paisagem como um modelo global, terri-
torial e dinâmico, aplicável a qualquer paisagem concreta.
Melo (1999) considera fundamental o reconhecimento dos geossistemas
como sistemas territoriais naturais, e que 1963, o termo geossistema foi introduzi-
do por Sotchava para descrever a esfera fisico-geográfica como um sistema, dian-
te da noção de "ecossistema" cujo termo adapta-se a um conceito geográfico, inse-
rindo-o na categoria espacial, embora geossistemas e ecossistemas não sejam
sinônimos.
Geossistema para Sotchava (1977) é o potencial ecológico de determinado

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


O estudo da paisagem: uma proposta... 107

espaço no qual há uma exploração biológica, podendo influir fatores sociais e eco-
nômicos na estrutura e expressão espacial. Nessa abordagem, é reconhecida a
existência real e objetiva dos geossistemas, a cognoscibilidade de sua estrutura e
as manifestações sistêmicas na sua funcionalidade.
Com uma conotação uma pouco diferente de Sotchava, Bertrand (1971)
traz geossistema (figura 01) como uma unidade, um nível taxonômico, na catego-
rização da paisagem: zona, domínio, região, geossistema, geofácies, geótopo.
Tanto no geossistema quanto no geofácies, pode-se distinguir o potencial ecológi-
co (combinação dos fatores geomorfológicos, climáticos e hidrológicos) e a explo-
ração biológica (conjunto dos seres vivo e o solo). O geofácies e o geótopo são uni-
dades de análise.
Figura 01- Geossistemas

Geomorfologia+clima+ hidrologia Vegetação+solo+fauna

Potencial ecológico Exploração biológica

Potencial ecológico

Potencial ecológico

Fonte: BERTRAND (1971, p.67)

Bertrand (1971) incorpora o elemento antrópico em sua definição de Geos-


sistema. Ele define geofácies como um setor fisionomicamente homogêneo onde
se desenvolve uma mesma fase da evolução geral do geossistema, e o geótopo é
uma microforma no interior do geossistema e dos geofácies é a menor unidade
geográfica homogênea diretamente discernível ao terreno -, uma particularidade
do meio ambiente.
Quanto ao geossistemas e ecossistemas não serem sinônimos, pode-se
observar tanto em função de sua espacialidade, quanto, e principalmente, no con-
cernente ao seu foco (figura 02), “geossistema é o modelo da paisagem, e o ecos-
sistema o modelo da parte biótica da paisagem, concluindo-se que a paisagem é
uma realidade concreta territorial, formando com o geossistema (o método teóri-
co) um binômio inseparável”. (GAMA, 1998, p. 15).
Delpoux (1974) ressalta que Odum (1985) definiu o ecossistema como uma
entidade ou unidade natural que inclui as partes animadas e inanimadas para pro-
duzir um sistema estável, no qual as trocas entre as duas partes inscrevem-se em
encaminhamentos circulares. Para Christofoletti (1979) independentemente da

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


108 Maria da Glória Figueiredo Rodrigues

ação e presença humana, a natureza, físico-biológica do sistema terrestre organi-


za-se ao nível dos ecossistemas e geossistemas.

Figura 02 - Representação formalizada do Geossistema e do Ecossistema

GEOSSISTEMA ECOSSISTEMA

COMPONENTES RELAÇÕES

no geossistema
do meio natural dos organismos

da natureza no ecossistema

Geossistema
organismo

Ecossistema

Fonte: CAVALCANTI & RODRIGUEZ (1998, p. 12).

De acordo com o exposto, existe dificuldade em se encontrar uma clara e


única significação ou conceituação de geossistema. Para melhor entender essa
concepção geossistêmica e todo o debate dela provindo, deve-se destacar o que
afirmou Sotchava (1978) sobre o geossistema: em condições normais devem ser
estudados não os componentes da natureza, mas as conexões entre eles; não se
deve restringir à morfologia da paisagem e suas divisões, mas, de preferência, pro-
jetar-se para o estudo de sua dinâmica, estrutura funcional, conexões, etc.
O geossistema é certamente um sistema natural, mas o ser humano jamais
pode ser apenas um figurante em sua análise. O homem é parte integrante da natu-
reza, de sua evolução e transformação, de modo que se estiver uma ação antrópi-
ca a afetar essa natureza, ela (a ação antrópica) poderá fazer parte do geossiste-
ma, principalmente tendo-se em vista que mesmo modificado pelo homem o siste-
ma continua a possuir componentes naturais (MELO, 1999, p. 6).
A importância dada à ação antrópica, ou a problemática do espaço, está
acerca do questionamento da sua área, que deverá variar de acordo com o objeti-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


O estudo da paisagem: uma proposta... 109

vo a alcançar, nunca poderá ser conceitualmente pré-determinada. Cabe encon-


trar seus limites sempre lembrando que o espaço deve ser considerado como uma
totalidade, e que ele seja dividido em partes para sua melhor análise, uma vez que
essas partes só terão sentido quando consideradas suas inter-relações. É impor-
tante que em sua delimitação se encontre aspecto homogêneo, e, quanto maior a
área menor a chance de encontrá-los. Por outro lado, geossistemas muito peque-
nos correm o risco de ter um caráter significativamente verticalizado, dando mais
efeito ao estudo biológico, restringindo a interrelação de seus componentes.
Assim, o relevo, vegetação, solo, clima, hidrografia, ou qualquer outro com-
ponente, mesmo os antrópicos, poderão ser considerados na análise geossistê-
mica desde que haja uma homogeneidade, uma relação mútua e um valor qualita-
tivo em sua estrutura.
Não existe um limite máximo de componentes, mas existe um limite mínimo
já que apenas um elemento isolado deixa de ter o caráter de interrelação funda-
mental no geossistema. O clima, devido à sua espacialização, poderá fazer parte
de vários geossistemas, mas é perigoso considerar apenas dois elementos como
sendo um geossistema único já que isso restringe sua complexidade, transfor-
mando-o em um sistema do tipo processo-resposta voltado para os fluxos de ener-
gia, dando mais efeito ao ecossistema. Para que se possa delimitar um geossiste-
ma, deve-se ter em seu interior elementos em quantidade e valor suficiente para
que sua mutualidade possa ser avaliada em função de seus processos intrínsecos
e extrínsecos dentro de uma visão geográfica horizontalizada.
Nessa perspectiva, o estudo da paisagem para o conhecimento da dinâmi-
ca ambiental requer uma visão globalizante do ambiente, sendo necessário consi-
derar parâmetros de orientações e intervenções de acordo com as potencialida-
des, limitações e condições sócio-culturais, possibilitando uma definição do esta-
do de qualidade ambiental e dos riscos de degradação em face das atividades
antrópicas.
Para consolidar esse conhecimento, o estudo e a compreensão da paisa-
gem, a partir da utilização do conhecimento de sistemas e geossistemas que con-
trolam o meio ambiente e suas infinitas interligações, adapta-se como a melhor
proposta de base conceitual e metodológica, visto que, através dele pode-se ter
noção de capacidade/potencialidade do meio natural como suporte às necessida-
des humanas.
Dessa forma, o entendimento das relações dos componentes dos meios
natural e antrópico permitem realizar sugestões de uso, manejo e conservação
adequados às condições locais.

REFERÊNCIAS

BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis RJ: Editora
Vozes Ltda., 1975.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


110 Maria da Glória Figueiredo Rodrigues

BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global: esboço metodológico.


Caderno de Ciências da Terra, 13. São Paulo: IGEO/USP:1971.

CAVALCANTI, Agostinho Paula Brito. & RODRIGUEZ, José Manuel Mateo. O


meio ambiente: histórico e contextualização. São Paulo: 1998.

CHRISTOFOLETTI, A. Aspecto da análise de Sistemas em Geografia. Revista


Geografia, v. 03, n. 06; São Paulo: 1978.

DELPOUX, M. Ecossistema e paisagem. Método em Questão, São Paulo:


1974.

DIAS, J. As potencialidades paisagísticas de uma região cárstica: o exemplo


de Bonito, MS. Presidente Prudente, FTC/ Universidade Estadual Paulista:
1998.

FUSCALDO, W. C. A geografia e a educação ambiental. Revista de Geografia,


v.08, n.02, (jul./dez.), Londrina:1999.

GAMA, A. M. R.C. Diagnóstico Ambiental do município de Santo Amaro da


Imperatriz - SC: Uma abordagem integrada da paisagem. Universidade Fede-
ral de Santa Catarina, Florianópolis SC: 1998.

GOMES, I. Geossistemas: sistemas e subsistemas naturais da Regional Bar-


reiro - Belo Horizonte-MG Brasil. Belo Horizonte MG; IGC/UFMG:1999.

MELO, D. R. Geossistemas: sistemas territoriais naturais. Belo Horizonte -


MG: 1999.

ODUM, E.P. Fundamentos de ecologia. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenki-


an, 1985.

PASSOS, M.M. A teledetecção aplicada ao estudo da colonização agrícola do


Mato Grosso - Brasil. Um exemplo: a Fazenda Branca/Chapada dos Parecis.
Presidente Prudente: FCT/UNESP, 1996.

RIBEIRO, F.J.; WALTER, B.M.T. Fitofisionomias do bioma Cerrado. In: SANO,


S.M.; ALMEIDA, S.P., ed. Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: EMBRAPA-
CPAC, p. 89-166; 1998.

SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec. 1987.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


O estudo da paisagem: uma proposta... 111

SOTCHAVA, V. B. O estudo de geossistemas. Métodos em Questão (16). São


Paulo: IGEO/USP: 1977.

SOTCHAVA, V. B. Por uma classificação de geossistemas de vida terrestre.


Biogeografia. São Paulo: IGEO/USP, (14): 1978.

TRICART, J. Ecodinâmica. Rio de Janeiro: IBGE/SUPREN: 1977.

ZONNEVELD, I. S. Land Evolution and Land(scape) Science. ITC, text book of


photointerpretation, v. 7. Enschede, ITC: 1972.

ZONNEVELD, I. S. Land Evolution and Landscape Science. Ensched, the net-


herbands; International Institute for Aerial SurveY and earth Science: 1979.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 101-111, janeiro, 2006.


INTRODUÇÃO À LÓGICA DA TEORIA CONSTRUTIVISTA

José Henrique Oliveira Santos*

RESUMO: Este artigo propõe-se a discutir alguns equívocos no que diz respeito
às teorias construtivistas. Na ordem desse pensamento, analisa-se e apresenta-
se o conceito dessa linha teórica. Então, o estudo se faz a partir do surgimento do
construtivismo, a sua relação com a aprendizagem e estende-se aos conflitos em
face da ambigüidade entre teoria e método.

PALAVRAS-CHAVE: Construtivismo; interacionismo; desenvolvimento cognitivo.

ABSTRACT: This paper intends to discuss some misunderstandings in what it


says respect to the construtivists theories. I the order of that thought, is is analyzed
and it come the concept of that theoretical line. Then, the study is make from the
originate of the construtivism, and its relashioships with the learning and it extends
to the conflitcts in face of the ambiguity between theory and method.

KEY-WORDS: Construtivism; interactionism; cognitive development.

O construtivismo é uma teoria sobre conhecimento e aprendizagem; des-


creve tanto o que é “saber” quanto como nós “vemos o saber”. Com base em pes-
quisas em psicologia, filosofia e antropologia, a teoria concebe o conhecimento
como temporário, em desenvolvimento, não-objetivo, internamente construído,
social e culturalmente intermediado. A aprendizagem, nesta perspectiva, é vista
como um processo auto-regulador que enfrenta o conflito entre modelos pessoais
do mundo, já existentes, e novos insights discrepantes; que constrói novas repre-
sentações e modelos da realidade como um empreendimento humano de forma-
ção de significados com ferramentas e símbolos culturalmente desenvolvidos;
que negocia adicionalmente estes significados por meio da atividade social, do dis-
curso e do debate.
Uma visão construtivista da aprendizagem sugere uma abordagem do ensi-
no que oportunize aos alunos experiências concretas, contextualmente significati-
vas, nas quais eles pensam buscar padrões, levantar suas próprias perguntas e

*Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia. Especialista em Psicopedagogia


pelo Instituto Brasileiro de Pós-graduação e Extensão. Professor de Relações Interpessoais e
Didática no Curso de Formação de Sargentos PM da EFAP/PMBA. Professor Auxiliar do Curso
Normal Superior, da Faculdade Maria Milza na cidade de Cruz das Almas-BA.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 112-116, janeiro, 2006.


Introdução à lógica da teoria construtivista 113

construir seus próprios modelos, conceitos e estratégias. A sala de aula, neste


modelo, é vista como uma mini-sociedade, uma comunidade de aprendizes enga-
jadas em atividade, discurso e reflexão.
A hierarquia tradicional do professor como conhecedor autocrático e do
aluno como sujeito não-conhecedor, mantido sob controle, estudando para apren-
der o que o professor sabe, começa a dissipar-se, à medida que os professores
assumem o papel de facilitadores e os alunos assumem a posse das idéias. De
fato, a autonomia, a reciprocidade mútua das relações sociais e sua potencializa-
ção tornam-se metas desejadas.
A teoria de Emília Ferreiro a respeito da psicogênese língua escrita, nasce
no bojo da América Latina, onde a evasão e a retenção escolares progridem de
forma alarmante. Como uma importante saída para essa problemática, Emília Fer-
reiro repensa o processo de aquisição da escrita e da leitura. A autora pesquisou a
psicogênese da língua escrita, verificando que as atividades de interpretação e de
produção da escrita começam antes da escolarização, e que a aprendizagem
dessa escrita se insere em um sistema de concepções, elaborado pelo próprio
educando, cujo aprendizado não pode ser reduzido a um conjunto de técnicas per-
ceptivo-motoras.
Outra educadora Argentina, Teberosky (1989), vem acompanhando o estu-
do e a pesquisa de Emília Ferreiro na Espanha. Para elas o uso da cartilha na alfa-
betização é obsoleto pois a criança já dispõe de conhecimento sobre a escrita
antes de entrar na escola. É a partir desses estágios de conhecimentos que o edu-
cador deve desenvolver sua prática pedagógica.

O construtivismo é um sistema de epistemologia que fundamenta a cons-


trução da mente e do conhecimento sobre bases anteriores, num processo dinâ-
mico e reversível equilibração majorante. (MATUI, 1980)
No livro Com todas as letras, Emília Ferreiro (1992) esforça-se por desmen-
tir alguns mal-entendidos sobre o construtivismo: a construção não é aprendiza-
gem. O termo aprendizagem está muito comprometido com as teorias de reforço
S-R. Tem forte conotação empirista; a construção também não é só “maturação”,
porque construtivismo não é um processo puramente maturacional. O fato de
entender o construtivismo “maturação” tem ensejado práticas espontaneístas no
ensino.
“O construtivismo não é sinônimo de ativo.” Provocar simplesmente ativida-
des não é construtivismo. Dar receitas de atividades aos professores é simples-
mente ficar na superficialidade.
O construtivismo é, sobretudo mais uma teoria empenhada em explicar
como a inteligência humana se desenvolve, assim como o empirismo e o raciona-
lismo.
Sendo o empirismo uma concepção teórica que parte do princípio de que o
desenvolvimento da inteligência é determinado pelo meio e não pelo sujeito. Por-
tanto, de fora para dentro e que, o ser humano não nasce inteligente, mas é passi-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 112-116, janeiro, 2006.


114 José Henrique Oliveira Santos

velmente submetido às forças do meio, que provocam suas reações, onde as rea-
ções satisfatórias são incorporadas e as insatisfatórias tendem a ser eliminadas
bem, bem como, o racionalismo como concepção teórica que parte do princípio de
que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelo indivíduo e não pelo
meio. Portanto, de dentro para fora. A idéia é que o ser humano já nasce com a inte-
ligência pré-moldada. À medida que o ser humano amadurece, ele vai reorgani-
zando sua inteligência pelas percepções que tem da realidade. Essas percepções
dependem de capacidades que são inerentes ao indivíduo e não dos estímulos
externos. Assim, as teorias empiristas e racionalistas são chamadas de reducio-
nistas porque reduzem o desenvolvimento intelectual só à ação do indivíduo ou só
à força do meio.
Já o construtivismo contrapõe essas duas concepções teóricas, quando
parte do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelas
ações mútuas entre o indivíduo e o meio. A idéia é que o homem não nasce inteli-
gente, mas também não é passivo sob a influência do meio. Ao contrário, respon-
de aos estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu pró-
prio conhecimento, de forma cada vez mais elaborada.
Visar criatividade ou idéias maravilhosas quer seja em textos, desenhos ou
em outros tipos de atividade, nem sempre é construtivismo. (FERREIRO, 1992)
Esta autora entende que “a construção implica em reconstrução”. Um saber
anteriormente construído não se fossiliza, mas se transforma continuamente.
Para assimilar novos conhecimentos, esse saber anteriormente construído preci-
sa ser reconstruído. Não ocorrerá a construção de novos conhecimentos se não
ocorrer a reconstrução de velhos conhecimentos. Esse processo extre-
mamente dinâmico caminha das atividades sociais de participação do aprendiz
junto com outras pessoas para atividades pessoais reflexivas.
Ainda existe outro tipo de reconstrução de conhecimentos: os conhecimen-
tos das características do objeto ou da matéria, construídos no patamar da expe-
riência sensorial, quando chegam ao patamar do raciocínio lógico, são reconstruí-
dos para extrair todas as relações possíveis: de classe, seriação, causalidade e
outras explicações lógicas.
Talvez a maioria dos equívocos ocorra com professores que entendem o
construtivismo uma corrente de pensamento que possibilita assimilação do conte-
údo programático. De acordo com MATUI (1995) o fracasso escolar é decorrente
da metodologia de ensino cujas características revelam-se tecnicistas-
associacionistas que se opõem à filosofia do construtivismo.
Neste entendimento, a escola percorre tão somente o caminho da transmis-
são do saber, isto é, o estudante é posto em contato com o objeto mas não lhe opor-
tuniza interferir sobre a sua matéria.
Partindo dessa compreensão, aprendizagem e desenvolvimento não têm o
mesmo sentido mas são interdependentes. Entre os dois processos, há muitas
relações complexas que provocam relações e influências mútuas. Não é possível
pensar em processos evolutivos endógenos e universais nem, por outro lado, em

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 112-116, janeiro, 2006.


Introdução à lógica da teoria construtivista 115

processos de aprendizagem extrínsecos; cada indivíduo desenvolve-se e adquire


determinadas capacidades cognitivas “universais” por meio da sua utilização e
adaptação a situações diversas e pessoais.
Então, as atividades propostas pelo professor devem estar de acordo com
os desejos do estudante e com o seu nível de maturidade. Logo, há necessidade
de se respeitar às experiências do sujeito da aprendizagem. Ou seja, o somatório
dos acontecimentos integra a história do sujeito aprendente, que é também histó-
rico. Enfim, não se descarta o contexto porque faz sentido para quem nele está
inserido.
No construtivismo, o aluno é visto como sujeito que confere leituras e acep-
ções do mundo e dos objetos que o rodeiam. “E o significado que ele atribui está
de acordo com a sua capacidade de assimilar o conteúdo” (MATUI, 1995, p. 89).
Desse ponto de vista, o sujeito vê o mundo de acordo com as suas expecta-
tivas, quer dizer, conforme a sua realidade, ou melhor, validade, o que significa
dizer aquilo que lhe interessa, que corresponde aos seus anseios.
Dessa forma, cabe ao professor desenvolver ações investigativas que opor-
tunizem os estudantes a buscarem suas próprias respostas. Assim, estarão em
contato com o objeto, dando-lhe uma nova forma, inferindo sobre o conhecimento
adquirido para atribuir-lhe um novo sentido.
Nesse percurso, tanto o professor quanto os estudantes são autênticos
agentes de transformação de fato porque contribuem para o desenvolvimento e
para a aprendizagem. Isto porque os sujeitos da aprendizagem vivem em grupo e
interação. Desta forma, aprender com os outros por meio da observação, troca de
hábitos, auxílio mútuo constitui-se um importante papel do mediador, seja ele o
professor ou monitor.

REFERÊNCIAS

BOCK, Ana M. Bahia; FURTADO, Odair; T.TEIXEIRA, Maria de Lourdes.


PSICOLOGIAS Uma introdução ao estudo de Psicologia, 4ª edição. São Paulo:
Saraiva, 1991, 284 p.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994, p. 50


COLL, César. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Trad.
Emília de Oliveira Dihel. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994, 159 p.

FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Trad.


Diana Myriam Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. Porto alegre: Artes
Médicas, 1985, p. 25.

GARDNER, Howard; KORNHABER, Mindy L.; WAK, Warren K. Inteligência Múl-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 112-116, janeiro, 2006.


116 José Henrique Oliveira Santos

tiplas Perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, 355 p.

MATUI, Giron . CONSTRUTIVISMO Teoria Construtivista sócio-histórica apli-


cada ao ensino. São Paulo: Moderna, 1995, 247 p.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 112-116, janeiro, 2006.


O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA NO ENSINO
FUNDAMENTAL E O OPAPEL DO PROFESSOR*

Luis Antonio Pereira Lima**

RESUMO: No presente trabalho, faz-se uma abordagem crítico-reflexiva sobre a


importância do livro didático de geografia no processo de ensino-aprendizagem,
como também a perspectiva do aluno e do professor frente aos enfoques apresen-
tados nos livros didáticos de geografia do ensino fundamental. Faz-se breve aná-
lise da formação do professor e do uso do livro numa perspectiva de articulação
entre os conhecimentos científicos e a realidade sócio-espacial do aluno.

PALAVRAS CHAVE: Ensino de geografia; professor; aluno; livro didático.

ABSTRACT: In this present labor to come an aproach critical and reflexive about
the importance to geo- graphy's school book in the lawsuit to learning education,
as wel ther student's and teacher's perpective front the focus presented us Geo-
graphy's School book of primaryschool education. Make is brief analysis teacher's
vocational education end the use school book in a perspective of the articulation
among other scientific's knowledges and the student's reality sociospatial.

KEY WORDS: Geography's education; teacher; student; school book.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é o resultado de uma reflexão sobre o uso do livro didá-


tico de Geografia no ensino fundamental e está organizado a partir de três eixos
discursivos: a) A importância do livro didático de Geografia no processo de ensino-
aprendizagem, b) O livro didático na ótica do professor, e c) o livro didático e a for-
mação do professor, enfocando principalmente as perspectivas do aluno e do pro-
fessor frente às temáticas apresentadas nos livros didáticos de geografia. As dis-

*Este trabalho é parte de uma pesquisa realizada no ano de 2000 para elaboração de um ensaio
monográfico do curso de Especialização em Educação ministrado pela ABEC / Faculdades
Montenegro.
**LIMA, Luís Antonio Pereira. Licenciado em Geografia pela UCSal. Especialista em Educação pela
ABEC / Faculdades Montenegro. Professor da Faculdade Maria Milza e da Rede Oficial de Ensino do
Estado da Bahia.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


118 Luis Antonio Pereira Lima

cussões suscitadas revelam que os livros didáticos, muitas vezes, são impregna-
dos de conteúdos desarticulados da realidade sócio cultural do aluno, tornando-os
poucos significativos. Por isso, não atingem os objetivos pedagógicos.
A relação estabelecida, entre a Ciência Geográfica e a matéria de ensino,
forma um só conjunto de análise, mas não são iguais. A ciência geográfica consti-
tui-se de teorias, conceitos e métodos referentes às questões de seu objeto de
análise, e a matéria de ensino de geografia corresponde ao conjunto de saberes
dessa ciência e de outras que não possuem um lugar específico na grade curricu-
lar. O objetivo principal do ensino de geografia é formar cidadão a partir do conhe-
cimento e análise do território, do mundo e de sua realidade e, nesse particular, o
atual ensino de Geografia vem passando por um momento de grandes transfor-
mações, saindo de um paradigma centrado numa ideologia de uma sociedade har-
mônica, onde os problemas não existem, os conteúdos dos livros são meras des-
crições ou simples relatos de fatos fragmentados e isolados da realidade social,
para um novo referencial, em que os conteúdos são analisados e a sociedade é
vista como principal agente de construção e transformação do seu espaço de
vivência.
De acordo com Cavalcanti (1998), duas questões merecem destaque no
movimento de renovação no ensino da Geografia, nas duas últimas décadas: a)
os modestos efeitos na prática de ensino dos professores de Geografia, compara-
dos com os questionamentos, análises e propostas “renovadas” feitas no nível teó-
rico e; b) a reflexão dessa prática a partir de uma referência didático-pedagógica,
também incipiente. A primeira diz respeito a pouca difusão dessas propostas entre
os professores do ensino médio e fundamental. Isso é explicado, em parte, pelas
condições precárias de trabalho nas escolas, que dificultam o investimento inte-
lectual, e ainda a ineficácia dos programas de capacitação de docentes em servi-
ço e, em parte, por deficiências institucionais das análises e propostas produzi-
das, em maioria no ambiente restrito das universidades. Quanto aos aspectos
didático-pedagógicos das propostas de ensino de Geografia persiste a crença
explícita ou não, que para ensinar bem basta o conhecimento do conteúdo da
matéria enfocando criticamente.
Os livros didáticos de Geografia tradicionais, ainda muito utilizados, apre-
sentam uma análise descritiva, estática e fragmentada da realidade social sem
questionamentos que possibilitem a participação do aluno, e por isso, a maioria
não contribui para o exercício da cidadania. A tendência atual aponta para uma
necessidade de se pensar o livro didático em um contexto mais amplo, como tam-
bém a concepção de que o material didático pressupõe um aluno passivo, sem
qualquer conhecimento. A presença de estereótipos sociais propõe que os livros
didáticos sejam adequados a novas gerações e, também, a novas propostas das
formas do pensamento humano levando em consideração as noções que os alu-
nos já possuem dentro das diferentes áreas do conhecimento.
De modo geral, pode-se afirmar que os livros de geografia ainda apresen-
tam uma série de deficiências, como por exemplo, assuntos fragmentados e des-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


O livro didático de geografia no ensino... 119

vinculados da realidade da grande maioria dos estudantes, mas é inegável que os


mesmos, nesta última década, têm apresentado algumas modificações. Vale reco-
nhecer que o livro didático de geografia auxilia no processo de ensino-
aprendizagem. No entanto é necessário que ocorra um aperfeiçoamento no senti-
do de adequar o conteúdo à realidade dos alunos.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA NO PROCESSO


DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Partindo do princípio de que o livro didático é instrumento pedagógico muito


importante na construção da cidadania, deve ser visto como elemento auxiliar na
formação crítica do aluno, através das reflexões e análises dos processos sociais
de organização do espaço geográfico, possibilitando a sua inserção nesse con-
texto; a percepção do espaço social dicotomizado e fragmentado, organizado de
acordo com os diversos interesses do capital a serviço de uma classe dominante,
longe de atender às expectativas do cidadão, e sim produzir um material didático
para atender a ideologia do capital industrial, para o qual a Escola tinha o dever de
preparar o indivíduo para o trabalho através de cursos profissionalizantes e não
preparava o homem para o convívio em sociedade.“O livro, muitas vezes, torna-
se um instrumento de alienação ao passar assuntos como se fosse verdade uni-
versal ou ideológica particular de seu autor”. (KAERCHER 1999).
Não resta dúvida de que o livro didático possui uma importância fundamen-
tal no processo de ensino-aprendizagem, auxiliando o professor na seleção e defi-
nição dos conteúdos seqüenciados tornando-se, assim, um instrumento de atuali-
zação, e ainda um referencial teórico para que o professor articule conceitos cien-
tíficos à realidade do educando, a partir dos conhecimentos e experiências vividas
por ele, além de nos colocar dentro das discussões dos diversos problemas mun-
diais (Xenofobia, intolerância raciais, religiosas entre outras).
Diante das exigências do mundo globalizado, em constante e rápida trans-
formação, é necessário que o Professor crie instrumentos que possam auxiliá-lo
na adequação dos conteúdos dos livros didáticos, uma vez que os mesmos, na
grande maioria, vêm impregnados de valores elitistas, nas suas diversas repre-
sentações sócio-espaciais, tais instrumentos servirão para desmistificar o concei-
to de sociedade que possa prescindir do espaço para sobreviver e, construir no alu-
no, a idéia de que a presença dos seres humanos tem como significado a constru-
ção e reconstrução do espaço geográfico a partir das necessidades sócio-
econômicas de cada momento histórico e social.
Segundo Santos (1997), os livros didáticos de geografia que abordam, por
exemplo, as questões nacionais, na sua maioria, privilegiam um Brasil sem confli-
tos e sem miséria. Nesse sentido, esses livros não tratam de uma a sociedade real
movida pelos interesses das classes, e o jogo de poder. Esses compêndios tam-
bém apresentam uma série de deficiências citadas anteriormente, mas, não é

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


120 Luis Antonio Pereira Lima

ainda o ideal para atrair um maior interesse dos alunos. Nota-se ainda uma série
de limitações na maioria dos livros didáticos como também certo grau de idealiza-
ções ao fazer abordagem de relação harmoniosa entre os homens e natureza, dei-
xando de lado os aspectos que mais a caracteriza, ou seja, o conflito. O mesmo
ocorre com referência às questões sócio-espaciais. Segundo Vlach “o bom livro
deve levar o aluno a ler e refletir, engendrar conceitos ao invés de recebê-los com-
pletamente acabados ou definidos”. (Vlach, 1982, p. 42)
Desta forma, entende-se que os alunos devem construir os conceitos rela-
cionados às propostas do livro didático a partir de sua realidade social. Consta no
Guia de livros do MEC:

O Livro Didática sendo parte intrínseca do processo educativo,


servindo como um dos instrumentos de que dispõe o professor
para seu trabalho didático pedagógico, não deve expressar de
forma alguma preconceitos de origem, etnia, gênero, religião,
idade ou quaisquer outras formas de discriminações. Assim como
em outras disciplinas, em Geografia, as ilustrações tais como
mapas, tabelas, quadros, ou outros tipos de ilustrações são res-
ponsáveis pela compreensão do conteúdo, precisa-se estar aten-
to para que igualmente não contenha ou explicitem preconceitos.
(GUIA DO LIVRO DIDÁTICO 2000/2001)

A tendência atual do ensino de Geografia é avaliar o Espaço Geográfico em


uma visão crítica a partir da realidade local dos alunos. No entanto, a grande parte
dos livros didáticos não está enveredando nesta linha metodológica e, mesmo
aqueles que trilham por ela, muitas vezes são manuseados por professores e alu-
nos que ainda vêem a Geografia como disciplina descritiva e decorativa, exigindo
memorização e não um entendimento crítico.
Acontece que, em diversos livros, não se percebe uma seleção de conteú-
dos a qual traga algo significativo e, até mesmo, útil para a vida do estudante.
Vesentini (1994) escreve que:

Não há, nos livros didáticos, a preocupação em se adequar à rea-


lidade existencial aos quais se dirigem, ou mesmo incorporar os
recentes avanços da Ciência Geográfica, mas apenas em seguir
o programa oficial. Esses livros não colocam como objetivo o
desenvolvimento da criticidade do raciocínio lógico, da sociabili-
dade ou criatividade no educando. Nota-se aí, uma ausência de
percepção da sociedade onde vivem e do papel social da Escola.
Os Compêndios Didáticos e o Programa a ser seguido na sala de
aula pelo professor, em função da realidade dos seus alunos,
devem vir na vanguarda e trazer, a reboque, a legislação e não o
inverso, como ocorre. (VESENTINI 1994)

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


O livro didático de geografia no ensino... 121

Na questão específica da área estudada, nota-se que os conteúdos de Geo-


grafia ainda são trabalhados distantes da realidade dos alunos. O papel do profes-
sor, frente aos livros didáticos, tem sido, na maioria das vezes, como um repetidor
de seus conteúdos, como se fosse à representação da verdade unilateral. Mas, o
livro deve ser usado como um referencial da linha de trabalho do professor, como
instrumento que está a serviço dos seus objetivos e propostas de trabalho, na prá-
tica não é isso que acontece.
Para Oliveira (1989) o livro didático tornou-se a bíblia dos professores e
nem sempre as editoras colocam livros com um mínimo de seriedade e veracida-
de científica. Diante das diversas exposições e análises provenientes das várias
reflexões de diversos estudiosos do tema em questão, conclui-se que o livro didá-
tico possui uma grande importância no processo de ensino aprendizagem, mas,
essa importância tem sido minimizada por parte de alguns professores que não
avaliam criticamente os manuais didáticos, como também pela falta de hábito de
leitura por parte da grande maioria dos estudantes.

O LIVRO DIDÁTICO NA ÓTICA DO PROFESSOR

O livro didático de geografia ultimamente tem sido “pivô” de grandes discus-


sões e debates no sentido de justificar sua relevância no processo de ensino-
aprendizagem. Por isso, são discutidos e formulados conceitos que, quase sem-
pre, têm levado os profissionais e estudantes deste ramo de conhecimento a situ-
ações de grandes divergências como, por exemplo, a idéia de que a Geografia
que se ensina na faculdade é essencialmente diferente daquela que se ensina no
Ensino Fundamental e Médio. Ao tentar corrigir isso, levando o conteúdo transmiti-
do no Ensino Superior em cursos de formação de geógrafos até o Ensino Funda-
mental e Médio, agravou-se ainda mais o problema. Analisando esta posição o
livro didático é o grande responsável pelos problemas ideológicos, metodológi-
cos, filosóficos e até factuais do Ensino Fundamental e Médio. Por isso, Oliveira
(1989) chegou a afirmar que, os professores utilizam o livro didático como única
expressão da verdade, muitas vezes a grande maioria de tais livros sem qualidade
aferida ou ratificada pelos Círculos Acadêmicos nas Universidades e pelos profes-
sores da Rede Oficial.
A Geografia estuda a sociedade, tendo como laboratório o espaço, e utiliza-
se de diversos artifícios para explicar sua dinâmica. É através deste espaço, que a
Geografia interpreta a dinâmica social em que se inserem questões naturais, eco-
nômicas, sociais, culturais e políticas. Desta forma, o espaço geográfico se apre-
senta como um elemento criado e criador dos meios de transformação da nossa
sociedade. O espaço, portanto, é objeto fundamental de estudo da Geografia e, as
suas categorias de análise: Território, Região, Paisagem, Lugar são abordados
numa relação multidimensional da sociedade humana. Essa relação com freqüên-
cia aparece dissociada do ensino de geografia, os docentes continuam a separar
a Ciência Geográfica em duas: uma cientifica, e outra acadêmica. Sendo esta últi-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


122 Luis Antonio Pereira Lima

ma vista como algo pouco significativo. É necessário, até para atingir o objetivo de
formar novos cidadãos, veicular no ensino fundamental as transformações e as
discussões acadêmicas que movem a Geografia atual. Entretanto, para que isso
ocorra, é fundamentalmente importante que o professor não tome o livro didático
como à única fonte de expressão do saber científico, transformando-se em mero
reprodutor das idéias e conceitos nele descritos, para depois cobrar dos alunos
respostas pré-determinadas. Alves salienta que:

O ideal seria que o professor preparasse sua aula, seu material


didático, estimulando seus alunos ao desenvolvimento da capaci-
dade de identificar e refletir sobre os fatos que os cercam, com a
utilização de procedimentos científicos que envolvem a proble-
matização, o registro, a observação, a pesquisa, a descrição, a
documentação e a análise dos fenômenos que atingem nossa
sociedade. (ALVES, 1999, p. 21)

É importante também apresentar outros fatos que influenciam diretamente


no estímulo ao uso do livro didático. Embora seja igualmente importante a prepa-
ração de materiais didáticos feitos pelo professor, como complementação ou até
mesma correção e, ainda articulação entre os conteúdos veiculados pelos livros
didáticos e a realidade do aluno. É necessário conhecer a origem ou camada
sócio-econômica a que ele pertence. Este conhecimento faz-se indispensável, à
medida que existem vários entraves que impossibilitam uma produtividade inte-
lectual maior por parte dos estudantes para responder positivamente aos estímu-
los através da ação docente.
A atual conjuntura sócio-econômica do país, na qual os desempregados
atingem percentuais elevadíssimos, e ainda a baixa remuneração às profissões
menos valorizadas que exigem pouca ou nenhuma formação escolar, têm contri-
buído para o baixo aproveitamento dos alunos das classes pauperizadas, é impor-
tante ressaltar que a maioria dos estudantes da rede pública ou na sua totalidade
pertence a esse grupo social, cujos problemas de fome, subnutrição, transporte,
habitação, saúde, etc, dificultam, ou melhor, retira desse grupo a condição mínima
de sobrevivência.
Conforme pesquisa realizada em escolas oficiais de Governador Mangabe-
ira constatou-se que os estudantes não possuem condições mínimas de perma-
nência na escola, bem como motivação para o desenvolvimento das atividades
intelectuais e, por isso, professores têm reclamado da falta de objetividade do alu-
no, não ficando apenas o livro didático como o vilão da história. Observe a coloca-
ção dos professores da Rede Pública na cidade de Governador Mangabeira (BA)
quando respondem a uma pergunta sobre as dificuldades para ministrar aulas de
Geografia:¹

¹Questionários aplicados aos professores da rede oficial sobre o uso do livro didático de geografia em
Gov. Mangabeira - BA.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


O livro didático de geografia no ensino... 123

Professor A: “O desinteresse dos alunos em relação à leitura e a falta de


uma formação mais reforçada em séries anteriores. Problemas sócio-econômicos
como desemprego que se refletem na escola”.
Professor B: “Certa falta de interesse por parte dos alunos em relação á dis-
ciplina, por acharem que não tem um maior “valor” como Português, Matemática.
A falta de compromisso do aluno em relação às atividades propostas e a questão
econômica”.
As respostas dos professores A e B são confirmadas em parte pelos dados
coletados no que diz respeito às condições sócio-econômicas.
Nesse sentido, nota-se que existem também livros que no seu caráter ideo-
lógico elitista e preconceituoso, não respeitam as diferenças regionais, sociais,
etc, propondo um único modelo de abordagem dos conteúdos, minimizando as
relações sócio-espaciais, promovendo desta forma, a exclusão social de uma
grande parcela da sociedade. É neste entendimento que, quando entrevistados
sobre o livro didático, os professores responderam:
Professor A: “O livro deve ser crítico, analítico, com questões abertas e
relacionando a realidade de aluno aos avanços da Ciência Geográfica”.
Professor B: “O livro deve estimular o lado crítico do aluno, deve ter ques-
tões que estimulem o raciocínio do mesmo e uma linguagem adequada”.
Portanto, o desafio atual é a produção de um livro didático de geografia, que
possa trazer no seu bojo, uma nova visão sobre a Geografia, com um método de
ensino capaz de produzir conhecimento crítico em parceria com os alunos, para
que as aulas dessa disciplina sejam um espaço de reflexão e experiência, e não
mais uma disciplina somente teórica, que logo é esquecida pelos alunos.

O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR

Ultimamente, a formação do professor tem sido objeto de discussão no


meio acadêmico como também nas Associações da sociedade civil, dada às práti-
cas pedagógicas um tanto quanto ultrapassadas que não mais atendem às exi-
gências atuais da Educação. Para atender tais exigências, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, nº 9394/96, requisita a formação acadêmica (Ensi-
no Superior) em áreas específicas, em curso de Licenciatura para atuar na Educa-
ção Básica, no terceiro e quarto ciclo do Ensino Fundamental e Ensino Médio. A for-
mação acadêmica do professor permite que este tenha embasamento teórico filo-
sófico que lhe possibilite articular os conteúdos específicos à realidade de vivên-
cia do educando.
A prática (do professor) em sala de aula frente ao uso do livro didático de
Geografia deve ser sempre articulada através dos conteúdos e elementos numa
relação existente entre a ação do professor e os determinantes sócio-econômicos
da sociedade. Lélis escreve que: “nada adianta ao aluno conhecer a prática
desenvolvida pelo professor na sala de aula, se esses elementos não estiverem
articulados a outros elementos”. (Lelis, 1993, p. 49).

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


124 Luis Antonio Pereira Lima

Tomando por base a colocação de Lelis, os elementos essenciais da educa-


ção devem estar obrigatoriamente articulados aos elementos primordiais de cons-
trução da sociedade. Vale acrescentar que tal articulação deve surgir a partir de
uma educação integral, como também de conhecimentos veiculados por livros
didáticos que não desconheçam o processo histórico de construção espacial e
nos mostre, por exemplo, a eficiência do saber numa sociedade estratificada, um
livro didático que não traga implícito a ideologia de dominantes e dominados, ou
seja, que prepara um grupo para exercer funções de liderança no processo produ-
tivo e outro para ocupar funções apenas de produtores liderados (não pensantes).
Tal compreensão traz à tona a importância da formação profissional do professor,
adequada à sua área de atuação para que possa fazer articulação da ideologia vei-
culada pelo livro e a real vivência na comunidade a que pertence o aluno.
O simples fato de passar por um curso de formação de professor, ou ainda,
um curso de graduação, não o capacita necessariamente para desvendar a com-
plexidade da realidade, é necessário conhecer a essência que lhe deu origem e
não os seus efeitos. Nesse particular Saviani indica que:

Há instrumento valioso a ser utilizado no processo de desenvolvi-


mento da realidade, que é a ciência: O educador não pode dis-
pensar-se deste instrumento, sob o risco de se tornar impotente
diante da situação com que se defronta. Por isso, a partir do pro-
blema dos objetivos, é preciso passar ao estudo das bases cientí-
ficas da educação. A abordagem deve-se reportar a toda a ciência
em que seus cursos estão direcionados ou se relacionam com a
educação. Na verdade as diversas ciências tais como a Física, a
Química, a Geografia, a Geologia, a Agronomia, a Biologia, a Psi-
cologia, a Antropologia, a Historiografia, a Sociologia, a Econo-
mia, a Política são maneiras de abordar determinadas facetas
que a ciência recorta na situação em que se insere o homem
(SAVIANI 1982 p. 12).

Considerando a especificidade e a realidade do Ensino Fundamental, acre-


dita-se que as ciências aplicadas ao desenvolvimento educacional têm papel
essencial na apreensão desta particular realidade, na medida em que, pela sua
natureza, deve possibilitar ao professor uma postura reflexiva e crítica, frente à pro-
blemática educacional, sem perder de vista a importância do livro didático, bus-
cando a não fragmentação do conhecimento científico numa visão holística.
No universo pesquisado observa-se que 27,28% dos professores apresen-
tam formação específica na sua área de atuação. Desta forma esses docentes
possuem a qualificação que os credenciam para ser um crítico do livro didático,
mas não é o que acontece. Segundo Oliveira (1992), para que o processo educa-
tivo docente caminhe adequadamente, é imprescindível o conhecimento teórico
da essência de cada método de ensino estabelecido pela Pedagogia e que se ade-
quar convenientemente ao trabalho docente em Geografia.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


O livro didático de geografia no ensino... 125

Nesse sentido, é através da formação acadêmica que o professor adequa o


domínio metodológico, em que se manifestam as habilidades e competências que
concernem ao processo de organização do ensino.
Frente à problemática do uso do livro didático, percebe-se a importância da
formação acadêmica no que diz respeito à aquisição do domínio metodológico e
as habilidades e competências por parte do professor, para conduzir e desenvol-
ver no aluno o interesse e a curiosidade de observar os fatos e fenômenos aborda-
dos, e, ao mesmo tempo, fazer a articulação entre estes e sua realidade local, per-
mitindo assim uma leitura própria de mundo, criando seus conceitos próprios a par-
tir das experiências vividas.
As reflexões sobre a formação acadêmica do professor não têm a preten-
são de buscar uma reserva de mercado para estes profissionais, nem também res-
tringir a atuação de outros acadêmicos. Mas, acima de tudo, refletir e analisar as
questões teórico-metodológicas, e as ideologias transmitidas pelo livro didático e
o papel do professor de geografia frente a toda esta parafernália, e os novos valo-
res sociais, culturais e os problemas que despontam no terceiro milênio, como, por
exemplo, as questões ambientais, globalização da economia, o avanço das comu-
nicações, e o aumento da pobreza entre povos e países.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O livro didático de geografia possui uma grande importância no processo de


ensino-aprendizagem, mas é minimizada pela dificuldade do professor em manu-
seá-lo, pela carga de preconceitos encontrados em abordagens de alguns desses
livros, e até mesmo a falta de uma abordagem científica dos conceitos teórico-
filosóficos. O que deve mudar no livro didático de geografia? O livro de geografia?
A postura metodológica dos professores diante desses referenciais? Com os avan-
ços da Internet, a proliferação de jornais, revistas e demais recursos mediatistas
os livros são dispensáveis?
Entende-se que não pode ser descartada a importância do livro didático
porque em muitos casos ainda é, e se constitui como o principal referencial para
uma parcela significativa de professores e alunos, mas, seguramente é necessá-
rio que haja uma mudança tanto nos livros de geografia quanto na postura meto-
dológica dos professores.

REFERÊNCIAS

ALVES, Glória da Anunciação. Cidade, cotidiano e TV: In: CARLOS, A. F. A. ET AL.


(Orgs) Geografia em sala de aula, práticas e reflexões. São Paulo: Contexto,
1999.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


126 Luis Antonio Pereira Lima

BRASIL SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL. Parâme-


tros Curriculares Nacionais. História e Geografia / Secretaria do Ensino Funda-
mental. Brasília, MEC, 1997.

BRASIL SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL. Guia dos


Livros Didáticos de 1ª a 4ª séries, PNLD 2000/2001. Brasília, MEC, 2000.

CARNEIRO, Moacir Alves. LDB Fácil: leitura crítico-compreensiva artigo a artigo.


Rio de Janeiro, Vozes, 1998.

CAVALCANTE, Lana de S. “O ensino crítico de Geografia em Escolas Públi-


cas do Ensino Fundamental. Dissertação de Mestrado”. Goiânia, Faculdade de
Educação, UFG, 1991.

_______. Geografia, Escola e Construção de Conhecimentos. Campinas SP,


Papirus, 1998.

FREITAG, B. Mota V. & COSTA, W. O Livro Didático em Questão. São Paulo,


Cortez, 1994.

FARIA, Ana Lúcia G. de. Ideologia do Livro Didático. 11ª ed., São Paulo, Cortez,
1997.

KAERCHER, Nestor André. Desafios Geográficos. Revista Educação. São Pau-


lo, Nº 224, pág. 40, 1999.

LELIS, Isabel Alice. A formação da professora primária: da denúncia ao anún-


cio. 2ª ed., São Paulo, Cortez, 1993.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Educação e Ensino da Geografia na reali-


dade brasileira. Ariovaldo Umbelino de (org.) Para onde vai o Ensino da Geogra-
fia? São Paulo, Contexto, 1989

OLIVEIRA, Lucivânio Jatobá de. Ensino de Geografia. Série textos básicos de


Geografia. UFPE, Recife PE, 1992 mimeo.

SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à cons-


ciência universal. 2ª ed., Rio de Janeiro, Record, 2000.

SAVIANI, Dermeval. As Teorias da Educação e o Problema da Marginalidade.


Cadernos de Pesquisa, São Paulo. Fundação Carlos Chagas, agosto de 1982 p.8

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


O livro didático de geografia no ensino... 127

19.

VESENTINI, José Willian. Para uma Geografia crítica na escola. São Paulo, Áti-
ca, 1992.

________. O Ensino da Geografia no século XXI. In. III fala professor. Encontro
Nacional de Ensino de Geografia. Presidente Prudente, SP, 1995.

VLACH, Vânia Rúbia F. Algumas reflexões atinentes ao Livro Didático de Geo-


grafia do 1º grau. In. Anais do V Encontro Nacional de Geógrafos, Porto Algre,
RS, 1982.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 117-127, janeiro, 2006.


II - SEGUNDA PARTE
CIÊNIAS AGRÁRIAS E SAÚDE
REGENERAÇÃO DE PLANTAS IN VITRO DE LIMÃO 'CRAVO'
(Citrus limonia L. Osbeck), VIA ORGANOGÊNESE

Fabíola Santana Rebouças*


Elma dos Santos Souza**
Rosely Pereira da Silva***
Maria Angélica Pereira de Carvalho Costa****
Weliton Antônio Bastos de Almeida*****

RESUMO: A transformação genética vem sendo bastante integrada nos progra-


mas de melhoramento vegetal. Os Estados de São Paulo e Paraná já estão
desenvolvendo trabalhos de transformação genética em citros. Entretanto, a
Região Nordeste, que é a segunda produtora de citros no país, ainda não iniciou
os trabalhos de transformação genética para os cultivares cítricos adaptados às
suas condições de clima e solo. Assim, o objetivo deste trabalho foi estabelecer sis-
temas de regeneração de plantas in vitro de limão 'Cravo' (Citrus limonia L.
Osbeck), como requisito para utilizá-los em trabalhos de transformação genética.
Para tal, utilizaram-se segmentos de epicótilo cultivados em meio de cultura MT
suplementado com 0,0; 1,0; 2,0; 3,0; 4,0; ou 5,0 mg.L-1 de BAP. Além disso, foram
estudadas as condições de cultivo em fotoperíodo de 16 horas e diretamente no
escuro por 30 dias. O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado
em esquema fatorial, com cinco repetições constituídas de uma placa de Petri con-
tendo vinte segmentos de epicótilo. As variáveis avaliadas foram: percentual de
explantes responsivos, número de brotos por explante responsivo, percentual de
enraizamento e percentual de pegamento na aclimatação das plantas. Os resulta-
dos permitiram concluir que o mais eficiente protocolo de regeneração de plantas
de in vitro de limão 'Cravo' foi quando se utilizou a concentração de 1,0 mg.L-1 de
BAP em condições de foto período de 16 horas, na ausência de auxina na fase de
enraizamento.

PALAVRAS-CHAVE: Citrus; morfogênese in vitro; transformação genética; biotec-


nologia.

*Acadêmica de graduação da Escola de Agronomia da UFBA.


**Acadêmica de graduação da Escola de Agronomia da UFBA.
***Pós-Graduanda do Mestrado em Ciências Agrárias da Escola de Agronomia da UFBA.
****Professora da FAMAM Faculdade Maria Milza e do Depto. de Fitotecnia da Escola de Agronomia
da UFBA. (*) autor para correspondência e-mail: welliton@mariamilza.com.br
*****Professor da FAMAM Faculdade Maria Milza e do Depto. de Fitotecnia da Escola de Agronomia
da UFBA. (*) autor para correspondência e-mail: welliton@mariamilza.com.br

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 131-138, janeiro, 2006.


132 Rebouças et al.

ABSTRACT: The genetic transformations come being to much integrated in the


vegetal improvement programs. The state of São Paulo and Paraná is already
developing works of genetic transformation in citrus. But, Northern region, that is
the second citrus producer in country, don't start still the works of genetic
transformation to the citrus cultivates adapted to its weather and ground conditions.
Thus, the objective of that work was to establish, reformation systems of plants in
vitro of 'Cravo' lemon (Citrus limonia L. Osbeck), as need to use them in works of
genetic transformations. For so much, were used epicotilo's segments cultivated in
mid of MT culture supplemented with 0,0; 1,0; 2,0; 3,0; 4,0; or 5,0 mg.L -1 of BAP.
Besides were studied the cultivate conditions in photoperiod of 16 hours and
directly in the dark for 30 days. The experimental trace was completely chanced in
factorial brief, with five repetitions formed of Petri tablet containing twenty
epicotilo's segments. The valued variables were: percentile about answer
explants, the taking root percentile and the joining in the acclimatizing of plants.
Results allowed to conclude that the most efficient protocol of plants reformation
(de) in vitro of 'Cravo' lemon it was when we used a concentration of 1.0 mg.L-1 of
BAP in photoperiod conditions of 16 hours, in the auxin absence in the taking root
phase.

KEYWORDS: Citrus; morphogenesis in vitro; genetic transformation;


biotechnology.

INTRODUÇÃO

O Brasil é atualmente o maior produtor de citros, com 18,2 milhões de tone-


ladas (FAO, 2004). A cultura encontra-se disseminada por todo território nacional,
ocupando posição de destaque dentre as culturas agrícolas, devido ao valor de
exportação como também pela sua importância social, gerando grande número
de empregos.
Em 1998, a laranja foi o primeiro produto de exportação do estado de São
Paulo e em 1999, foi o segundo (FUNDECITRUS, 2002). Mesmo diante dessa
importância da citricultura, ainda existe a necessidade de encontrar alternativas
para solucionar alguns problemas inerentes à cultura, tais como uso predominan-
te do limão 'Cravo' como porta-enxerto, obtenção de cultivares resistentes e/ou
tolerantes a determinados patógenos, bem como a obtenção de cultivares de
laranja precoces, visando à industrialização (ALMEIDA, 2002). Uma importante
alternativa em busca da solução dos problemas citados é o melhoramento genéti-
co de citros.
Neste sentido, a biotecnologia apresenta importantes instrumentos que
podem auxiliar no processo de melhoramento genético das espécies cítricas.
Segundo Ollitrault & Luro (1995), a cultura de tecidos, a biologia molecular, a fusão
de protoplastos e a transformação genética são importantes ferramentas de auxí-

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 131-138, janeiro, 2006.


Regeneração de plantas... 133

lio aos métodos convencionais de melhoramento genético. Dentre as técnicas bio-


tecnológicas utilizadas no melhoramento de citros, a transformação genética se
destaca, pois permite a obtenção de plantas contendo genes exógenos, a qual
não é possível de se realizar através de qualquer outra técnica (PERANI et al.,
1990). Contudo, a obtenção de plantas transgênicas requer em sistema eficiente
de regeneração de plantas in vitro e que assegure a transferência gênica
(ALMEIDA, 2002).
O objetivo deste trabalho foi estabelecer sistemas de regeneração de plan-
tas in vitro, a partir de segmentos de epicótilo de limão 'Cravo'. Neste sentido, bus-
cou-se definir as concentrações do regulador vegetal mais adequadas à regene-
ração in vitro, as condições de cultivo para maximizar a indução de gemas adven-
tícias e estabelecer condições para favorecer a aclimatação das plantas regene-
radas in vitro.

MATERIAL E MÉTODOS

Material vegetal e fontes de explantes:


Sementes extraídas de frutos maduros de limão 'Cravo' tiveram seus tegu-
mentos retirados e foram desinfestadas em solução comercial de hipoclorito de
sódio e água na proporção (1:1) durante 20 minutos, seguidas de três lavagens
em água destilada e esterelizada. Essas foram incubadas em frascos contendo 20
mL de meio de cultura MT (Murashinge & Tucker, 1969), acrescido de 25 g.L1 de
sacarose para favorecer a germinação e mantidas a 27 2 ºC, em ausência de
luz por três semanas seguido de uma semana sob fotoperíodo de 16 h. Após este
período, utilizou-se como explante segmentos de epicótilo com comprimento apro-
ximado de 1,0 cm.

Indução de gemas adventícias:


O cultivo dos explantes foi realizado em placa de Petri, contendo 20 mL de
meio de cultura MT, suplementado com 25 gL1 de sacarose e variando-se as con-
centrações de BAP em: 0,0; 1,0; 2,0; 3,0; 4,0 ou 5,0 mgL1. O material foi cultivado a
27 2 ºC, sob fotoperíodo de 16 horas ou durante 30 dias no escuro. Posteriormen-
te, as brotações obtidas foram cultivadas em meio de alongamento, MT + 25 gL1 de
sacarose + 0,8% de ágar + 1,0 mgL1 de ácido giberélico (GA3), durante trinta dias.

Indução de enraizamento de brotos:


Após o período de alongamento, brotos com altura de 2,5 a 3,0 cm foram
transferidos para os seguintes meios de enraizamento: MT + 25 g.L1 de sacarose +
0,5 mg.L1 de carvão ativado + 1,0 mg.L1 de ANA; MT + 25 g.L1 de sacarose + 0,5
mg.L1 de carvão ativado + 1,0 mg.L-1 de IBA e MT + 25 g.L1 de sacarose + 0,5 mg.L1
de carvão ativado na ausência de auxina. As brotações foram cultivadas nas mes-
mas condições anteriormente citadas, durante 60 dias.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 131-138, janeiro, 2006.


134 Rebouças et al.

Aclimatação das plantas in vitro:


As plantas enraizadas foram transferidas para casa de vegetação sendo
acondicionadas em copos plásticos descartáveis contendo terra vegetal autocla-
vada e cobertos com sacos plásticos transparentes para manter a umidade. Os
sacos eram retirados periodicamente por 1h, 2h, 3h e assim sucessivamente, até
a retirada completa dos sacos. As plantas foram irrigadas diariamente para asse-
gurar o suprimento hídrico.

Delineamento estatístico:
O delineamento experimental para indução da organogênse in vitro foi o
inteiramente casualizado, em esquema fatorial, com cinco repetições, sendo cada
parcela constituída por 20 segmentos de epicótilo. Os parâmetros avaliados
foram: percentual de explantes responsivos e o número de brotações por explan-
tes. Para indução do enraizamento de brotos regenerados in vitro, utilizou-se o
delineamento experimental inteiramente casualizado, com quatro repetições,
sendo cada repetição constituída por um frasco com quatro brotos. Avaliou-se o
percentual de brotos que emitiram raízes. Para aclimatação, 50 plantas foram utili-
zadas e avaliou-se o pegamento das mesmas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O efeito isolado das concentrações de BAP sobre o percentual de explantes


responsivos e o número de brotos por explante responsivo está apresentado na
Figura 1. Observou-se que a concentração 1,0 mg.L-1 foi aquela que apresentou o
maior percentual de explantes responsivos com 88,0%, sendo diferente significa-
tivamente das concentrações 0,0; 4,0 e 5,0 mg.L-1 de BAP (Figura 1a). Neste caso,
a concentração ótima estimada é 1,9 mg.L-1 de BAP.
Brotos por explantes responsivos

100 8
Explantes responsivos (%)

90 7
80
6
70
60 5
(n°)

50 4
40 3
30 y = -3,9286x2 + 15,629x + 67,857
2 y = -0,5839x2 + 2,6196x + 3,2536
20 R2 = 0,7517
R2 = 0,7709
10 1
0 0
0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0

Concentrações de BAP (mg.L-1) Concentrações de BAP (mg.L-1)


a b

Figura 1. Resposta morfogenética in vitro em segmentos de epicótilo de limão


'Cravo' (Citrus limonia L. Osbeck), em função de concentrações de
BAP. a) percentual de explantes responsivos; b) número de brotos por
explantes responsivos.
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 131-138, janeiro, 2006.
Regeneração de plantas... 135

Os resultados mostraram que o adicionamento exógeno de citocinina foi


fundamental para maximizar a resposta organogenética, sendo que a concentra-
ção de 2,0 mg.L-1 foi aquela que proporcionou a maior resposta para o número de
brotos, com 7,0 brotos por explantes responsivos, não sendo diferente significati-
vamente apenas da concentração de 1,0 mg.L-1 de BAP. Ressalta-se que a con-
centração ótima aqui estimada é de 2,2 mg.L-1 de BAP. Analisando a combinação
dos resultados entre o percentual de explantes responsivos x número de brotos
por explantes, pode-se afirmar que a utilização de BAP entre 1,0 e 2,0 mg.L-1 maxi-
mizou a organogênese in vitro em segmentos de epicótilo de limão 'Cravo'. Cons-
tatou-se ainda que elevadas concentrações de BAP, tais como 4,0 e 5,0 mg.L-1,
induziram efeito antagônico em relação à resposta organogenética in vitro (Figura
1b). Este fato também foi constatado em diversos trabalhos de organogênese de
citros (MOURA et al., 2001; ALMEIDA et al., 2002). Possivelmente, as elevadas
concentrações de BAP causaram efeito fitotóxico interagindo com o nível endóge-
no de citocinina e dificultando a desdiferenciação e determinação celular, influen-
ciando negativamente na formação de gemas adventícias.
As condições de cultivo (fotoperíodo de 16h e escuro por 30 dias) exerce-
ram efeito significativo no percentual de explantes responsivos, bem como no
número de brotos por explante responsivo, sendo que o cultivo diretamente em
condições de fotoperíodo de 16 horas mostrou-se mais favorável na indução da
organogênese in vitro, conforme Figura 2.

5,1a
82a 6
100 4,1b
59,8b 5
brotos/explante

80
% de explantes

Número de

4
responsivos

60 3
40 2
20 1
0 0
Fotoperíodo de 16h Escuro por 30 dias
Fotoperíodo de 16h Escuro por 30 dias
Condições de cultivo
a Condições de cultivo b
Figura 2. Resposta morfogenética em segmentos de epicótilo de limão 'Cravo'
(Citrus limonia L. Osbeck) em função de condições de cultivo. a)
percentual de explantes responsivos; b) número de brotos por
explantes responsivos.

O efeito combinado das concentrações de BAP com as condições de cultivo


está apresentado na Tabela 1. Conforme se pode constatar, as concentrações de
1,0 e 2,0 mg.L-1 de BAP foram aquelas de melhores respostas, independentemen-
te das condições de cultivo. Entretanto, a análise desta combinação permite afir-
mar que é possível obter 624 brotos partindo de 100 explantes iniciais, quando se
utiliza a concentração 2,0 mg.L-1 de BAP e cultivando-se os explantes inicialmente
por 30 dias no escuro (78% de explantes responsivos x 8,0 brotos/explante res-
ponsivos).
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 131-138, janeiro, 2006.
136 Rebouças et al.

Tabela 1. Explantes responsivos e brotos por explante responsivo de limão 'Cra-


vo' (Citrus limonia L. Osbeck), em função de concentrações de BAP e
condições de cultivo.

Cultivo em fotoperíodo de 16 h Cultivo no escuro por 30 dias


Concentração de BAP Explantes Brotos/explante Explantes Brotos/explante
-1
(mg.L ) responsivos responsivo responsivos responsivo
(%) (n°) (%) (n°)
0,0 88,0ab A 2,6d A 36,0d B 2,4d A
1,0 93,0ab A 6,0a A 83,0a B 6,6b A
2,0 95,0a A 5,7a B 78,0ab A 8,0a A
3,0 86,0b A 4,3b B 70,0b B 6,0b A
4,0 62,0c A 3,4c A 51,0c B 3,4c A
5,0 68,0c A 3,1cd B 41,0d B 3,9c A
Médias seguidas da mesma letra minúscula na vertical e maiúscula na horizontal não diferem
significativamente (Tukey 0,05).

Recentemente, muitos trabalhos têm verificado efeitos significativos para a


luminosidade nas respostas organogenéticas in vitro. Para Duran-Vila et al.
(1992) o cultivo de células e/ou tecidos in vitro no escuro, por um determinado tem-
po, tem favorecido à desdiferenciação celular e a conseqüente formação de
órgãos ou embriões. Entretanto, em alguns trabalhos este fato não se tem confir-
mado, onde o cultivo na presença diretamente de luz tem proporcionado melhores
respostas (MOREIRA-DIAS et al., 2000). No presente trabalho, embora a combi-
nação de 2,0 mg.L-1 com o cultivo por 30 dias no escuro tenha sido aquela de máxi-
ma resposta em relação ao número de brotos obtidos, verificou-se que, na presen-
ça da luz (fotoperíodo de 16 h), as brotações apresentaram-se mais vigorosas e
com melhor desenvolvimento que aquelas cultivadas inicialmente por 30 dias no
escuro. É possível que a ausência de luz tenha favorecido à desdiferenciação celu-
lar, porém deve ter dificultado o desenvolvimento posterior das brotações.
A análise de variância, para o percentual de enraizamento dos brotos em
função de concentrações de BAP combinadas com diferentes fontes de auxinas,
demonstrou que não houve diferenças significativas entre as concentrações de
BAP e fontes de auxinas, bem como na interação concentrações de BAP x fontes
de auxinas. As auxinas têm sido reportadas como os reguladores vegetais que
mais influenciam na formação de raízes in vitro (GHORBEL et al., 1998). Neste tra-
balho, não foi constatado a influência das fontes de auxinas utilizadas na indução
de raízes. O epicótilo é o eixo desenvolvido acima do cotilédone da semente, onde
se sabe que em seu interior há síntese de auxina que promove o crescimento celu-
lar (GOH et al., 1995). Assim, como foram utilizados segmentos de epicótilo, é pos-
sível que o nível endógeno de auxina dos explantes tenha sido suficiente para pro-
mover a formação das raízes.
A aclimatação consiste na adaptação das plantas cultivas in vitro, sob con-
dições controladas de umidade, temperatura e luminosidade, na transferência
para as condições de campo (BORDÓN et al., 2000). Esta fase é fundamental
para o êxito do cultivo in vitro, porque se trata em adaptar a planta para realizar o
mecanismo de abertura e fechamento dos estômatos de forma eficiente. Neste tra-
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 131-138, janeiro, 2006.
Regeneração de plantas... 137

balho, verificou-se que o tratamento utilizado para aclimatação das plantas foi de
alta eficiência, pois houve 100% de pegamento das plantas.

CONCLUSÕES

Baseado nas condições em que foi realizado este trabalho, os resultados


permitiram concluir que:

a) A concentração de 2,0 mg.L-1 de BAP proporcionou a máxima proliferação


de brotos, independentemente das condições de cultivo.

b) Os brotos regenerados em condições de luminosidade (fotoperíodo de 16


horas) mostraram-se mais vigorosos e com melhor desenvolvimento.

c) O uso de auxina para indução de enraizamento não mostrou-se essencial.

d) 100% das plantas de limão 'Cravo' regeneradas in vitro foram aclimatadas.

e) Para regeneração de plantas in vitro de limão 'Cravo', via organogênese,


recomenda-se a utilização de 2,0 mg.L-1 de BAP na fase de multiplicação em
condições de luminosidade (fotoperíodo de 16 horas) e ausência de auxina
na fase de enraizamento.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA W. A. de. Caracterização Anatômica da Organogênese In vitro e


transformação Genética Via Agrobacterium tumefaciens em Citrus sp. 2002.
133s. Tese (Doutorado em Agronomia, Fitotecnia). Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz., Piracicaba:. 2002.

ALMEIDA, W. A. B. de; MOURÃO FILHO, F. A. A.; MENDES, B. M. J.;


RODRIGUEZ, A. P. M. In vitro organogenesis optimization and plantlet regenerati-
on in Citrus sinesis and C. limonia. Sciencia Agricola, v. 59. p. 35-40, 2002.

BORDÓN, Y.; GUARDIOLA, J. L.; GARCIA-LUIS, A. Genotype affects the morpho-


genic response in vitro of epicotyl segments of Citrus rootstocks. Annals of
Botany, v. 86, p. 159-166, 2000.

DURAN-VILA, N.; GORGOCENA, Y.; ORTEGA, V.; ORTIZ, J.; NAVARRO, L.;

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 131-138, janeiro, 2006.


138 Rebouças et al.

Morphogenesis and tissue culture of sweet orange (Citrus sinensis (L.) Osb.):
effect of temperature and photosynthetic radiation. Plant Cell, Tissue and Organ
Culture, v. 29, p. 11-18, 1992.

FAO. FAOSTAT statistics database. Disponível em: <http://apps.fao.org>. Aces-


so em: 25 março 2002.

FUNDECITRUS. Disponível em <http://www.fundecitrus.com.br>. Acesso em: 13


junho 2000.

GHORBEL, B. R.; NAVARRO, L.; DURAN-VILA, N. Morphogenesis and regenera-


tion of whole plants of grapefruit (Citrus paradisi), sour orange (C. aurantium) and
alemow (C. macrophylla). Journal of Horticultural Science and Biotechnology.
v 73, p.323-327, 1998.

GOH, C. J.; SIM, G. E.; MORALES, C. L.; LOH, C. S. Plantlet regeneration through
different morphogenic pathways in pummelo tissue culture. Plant Cell, Tissue
and Organ Culture, v. 43, p. 301-303, 1995.

MOURA, T. L. de; ALMEIDA, W. A. B. de; MENDES, B. M. J.; MOURÃO FILHO, F.


A.A. Organogênese in vitro de Citrus em função de concentrações de BAP e secci-
onamento do explante. Revista Brasileira de Fruticultura, v. 23, p. 240-245,
2001.

MOREIRA-DIAS, J. M.; MOLINA, R. V.; BORDÓN, Y.; GUARDIOLA, J. L.;


GARCIA-LUIS, A. Direct and indirect shoot organogenic pathways in epicotyl cut-
tings of Troyer citrange differ in hormone requirements and their response to light.
Annals of Botany. v. 85, p.103-110, 2000.

MURASHIGE, T.; TUCKER, D.P.H. Growth factor requeriment of citrus tissue cul-
ture. In: INTERNATIONAL CITRUS SYPOSIUM, 1., Riverside, 1969. Procee-
dings. Riverside: University of California, 1969. p.1155-1169

OLLITRAUT, P.; LURO, F. Amélioration des agrumes et biotechnologie. Fruits, v.


50, p.267-279, 1995.

PERANI, L.; RADKE, S.; WILK-DOUGLAS, M. BOSSERT, M. Gene transfer met-


hods for crop improvement: introduction of foreign DNA into plants. Physiologia
Plantarum, v.68, p.125-134, 1990.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 131-138, janeiro, 2006.


POLÍTICAS DE SAÚDE E CONTROLE DA
TUBERCULOSE NO BRASIL

Pedro Ricardo da Silva Biscarde*


Daniela Gomes dos Santos Biscarde**

RESUMO: As ações de controle da Tuberculose no Brasil passaram por diversos


momentos ao longo das diferentes conjunturas da sociedade brasileira, influenci-
adas pelas distintas políticas de saúde adotadas pelo estado para enfrentamento
dos problemas de saúde da população. Estas ações foram historicamente cons-
truídas enquanto um programa especial de saúde pública, dentro de uma lógica
verticalizada e centralizadora. Contudo, o Programa de Saúde da Família abre
novas perspectivas no sentido de dar às ações de controle da tuberculose um cará-
ter mais horizontal e integral.

PALAVRAS-CHAVE: Tuberculose; políticas de saúde; programa de controle da


tuberculose.

ABSTRACT: The actions of control of the Tuberculosis in Brazil had passed by


diverse moments to the long of the different conjunctures of the Brazilian society,
influenced for the distinct politics of health adopted by the state for confrontation of
the problems of health of the population. These actions had been constructed
while program special of public health, inside of a vertical and centralized logic.
However, the Program of Health of the Family opens new perspectives in the
direction to give to the actions of control of the tuberculosis a more horizontal and
integral character.

KEY-WORDS: Tuberculosis; politics of Health; program of control of the


tuberculosis.

*Pedro Ricardo da Silva Biscarde - Cirurgião-dentista. Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de
Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Especialista em Medicina Social com área de
concentração em Saúde da Família pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da
Bahia. E-mail: pbiscarde@bol.com.br.
** Daniela Gomes dos Santos Biscarde - Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de
Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Especialista em Medicina Social com área de
concentração em Saúde da Família pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da
Bahia. E-mail: dangosantos@bol.com.br.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 139-145, janeiro, 2006.


140 Biscarde et al.

A Tuberculose permanece como um importante problema de saúde pública


na sociedade brasileira, ainda que a mortalidade desta doença tenha diminuído
nas últimas décadas, sobretudo a partir da segunda metade do século passado,
quanto foram introduzidos os tratamentos quimioterápicos. Entretanto, a morbida-
de permanece elevada na população, principalmente naqueles grupos pertencen-
tes aos estratos sociais mais pobres. Isto se deve primordialmente ao fato de que
esta doença é estreitamente relacionada com as condições de vida das pessoas
cujos determinantes e condicionantes se encontram fora do âmbito do setor saú-
de. Além disso, o Brasil não tem conseguido alcançar a meta de cura de 85% dos
casos, necessária para conseguir reduzir os coeficientes de incidência através da
interrupção da cadeia epidemiológica. Isto está intimamente relacionado à baixa
adesão ao tratamento, observada em grande parte do país, a qual está associada
com a baixa qualidade da assistência ao portador de tuberculose. A estrutura orga-
nizacional ainda muito centralizada, além de problemas de infra-estrutura e recur-
sos humanos, contribui para a baixa efetividade desta assistência.
Para que se possa compreender a forma como ainda estão organizadas as
ações de combate a esta doença no país, é necessário buscar as raízes históricas
de como a sociedade brasileira enfrentou a tuberculose ao longo dos tempos. Este
trabalho tem como objetivo discutir as políticas de saúde voltadas para o controle
da tuberculose, relacionando-as com as diferentes conjunturas e seus respectivos
processos sócio-econômicos.
A tuberculose existe no país praticamente desde o século XVI, quando foi
introduzida pelos portugueses e missionários jesuítas durante a colonização,
sendo que no início do século XIX esta doença era responsável por praticamente
um terço dos óbitos (RUFFINO-NETTO, 1999; RUFFINO-NETTO, 2002).
Os primeiros registros sobre ações de combate à tuberculose datam da
segunda metade do século XIX, quando a Junta Central de Higiene da capital do
império, presidida por Dra. Paula Candido, conseguiu junto ao Parlamento que fos-
sem adotadas leis, como o Decreto n º 6.387, de 15 de novembro de 1876, com o
objetivo de reorganizar os serviços sanitários nas cidades do Império. A partir de
1870, foram baixadas várias leis e decretos relativos à melhoria das condições de
habitação e à polícia sanitária domiciliar (RUFINO-NETTO, 2002). Ao refletir
sobre tais medidas, pode-se considerar que estas demonstram a visão dominante
sobre a doença no período, a qual estaria relacionada principalmente à insalubri-
dade das moradias e dos locais de trabalho. Além disso, os meios de combatê-la
tinham um caráter autoritário através da polícia sanitária, enquanto instrumento
de controle do Estado sobre a população.
A aceleração da urbanização e a expansão da industrialização no final do
século XIX contribuíram com o agravamento das condições de vida nos centros
urbanos, favorecendo a disseminação da tuberculose e de outras doenças de
massa (PAIM, 1994). O aumento da incidência da doença em contingentes cada
vez maiores da população levou a necessidade de que medidas de controle fos-
sem adotadas. Na época, a percepção dominante de que a principal forma de
impedir a transmissão da tuberculose seria através do isolamento dos doentes
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 139-145, janeiro, 2006.
Políticas de saúde e controle... 141

gerou uma pressão para a construção de sanatórios. (GONÇALVES, 2000). Este


movimento tornou-se mais forte com a fundação, em agosto de 1900, da Liga Bra-
sileira contra a Tuberculose, uma instituição filantrópica criada por médicos e inte-
lectuais, cuja função era implantar no país os meios necessários para cura e profi-
laxia da doença (NASCIMENTO, 2002).
As dificuldades enfrentadas pela Liga nas ações de combate a doença trou-
xeram à tona a necessidade do governo em participar, compartilhar e se respon-
sabilizar por este trabalho, apoiando financeiramente a mesma, mas sem que ele
próprio fizesse a intervenção (GONÇALVES, 2000). O Estado brasileiro naquela
conjuntura não encarava a tuberculose como problema de saúde prioritário, tendo
em vista que as doenças pestilenciais como a febre amarela, varíola e peste eram
consideradas mais importantes por afetarem diretamente a economia agrário-
exportadora.
Em 1907, Oswaldo Cruz instituiu um plano de ação contra a tuberculose,
contudo, as verbas destinadas para tal proposta foram vetadas pelo Congresso,
denotando a pouca importância dada a este problema naquela época, tal como
afirma LUZ apud GONÇALVES (2000, p. 9) "a tuberculose, doença endêmica,
sobretudo na classe operária, não ameaçava diretamente a estrutura do Estado
ou da economia". A partir de tal afirmativa, pode-se entender a importância da
influência dos fatores econômicos na formulação de políticas de saúde. Contudo,
começam a surgir neste período movimentos sociais reivindicatórios decorrentes
das condições de vida e de trabalho insatisfatórios, os quais foram assumidos ini-
cialmente como caso de polícia e posteriormente como questão social (PAIM,
1994). Dentro destes movimentos reivindicatórios, a tuberculose é colocada como
um problema importante de saúde da sociedade brasileira, tornando necessária
uma atuação mais efetiva do Estado brasileiro. A forma como o Estado brasileiro
respondeu à questão social naquela conjuntura foi através da Reforma Carlos
Chagas no setor saúde e da criação da previdência social através da Lei Eloi Cha-
ves (PAIM, 1994).
A Reforma Carlos Chagas, em 1920, criou o Departamento Nacional de
Saúde Pública (DNSP), com um órgão específico de combate a tuberculose atra-
vés da Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose (RUFFINO-NETTO, 1999;
RUFFINO-NETTO, 2002). Esta inspetoria tinha o objetivo de procurar o doente,
educá-lo para não dissipar a tuberculose, além da notificação, o isolamento e a
desinfecção (GONÇALVES, 2000). Neste contexto, verifica-se que as ações de
combate à tuberculose surgem como um dos componentes do modelo assistenci-
al sanitarista.
A partir de 1930, com início da Era Vargas ocorre uma relativa autonomia do
governo federal perante as classes e frações de classe, tornando possível o forta-
lecimento do estado nacional e das políticas de saúde (PAIM, 1994). As ações do
governo Vargas na saúde pública, e em particular contra a tuberculose, tornaram-
se mais efetivas a partir de 1938 quando o interesse intervencionista na saúde
pública estava relacionado com “o empenho varguista de normalizar o tecido soci-
al e também com a intenção de interferir na saúde popular como atitude preparató-
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 139-145, janeiro, 2006.
142 Biscarde et al.

ria para a ocupação de áreas interioranas do país, fato que colocava s saúde públi-
ca como órgão encarregado de garantir migrantes saudáveis para o projeto gover-
namental batizado como 'Marcha para o Oeste' ” (BERTOLI FILHO, 2001, p. 70).
Em 1941, foi criado o Serviço Nacional de Tuberculose (SNT), com a função
de estudar os problemas relativos a tuberculose e ao desenvolvimento de meios
de ação profilática e assistencial (RUFFINO-NETTO, 1999; RUFFINO-NETTO,
2002) Em 1946 no governo Dutra, instalou-se a Campanha Nacional Contra a
Tuberculose (CNCT) com o objetivo de coordenar todas as atividades de controle
da doença, uniformizar a orientação nacional, sugerir descentralização dos servi-
ços e efetuar cadastramento torácico da população (RUFFINO-NETTO, 1999 e
RUFFINO-NETTO, 2002).
A instalação do regime militar em 1964 reforçou dicotomia entre a saúde
pública e a medicina previdenciária, resultando na hegemonia do modelo médico-
assistencial privatista. Este modelo aprofundou a crise do setor saúde, caracteri-
zada pela baixa cobertura, alto custo e pouco impacto sobre os problemas de
saúde (PAIM, 1994). As ações de controle da tuberculose continuaram confina-
das no Ministério da saúde como uma das atividades tradicionais da saúde públi-
ca, sofrendo com a pouca prioridade reservada a estas. Neste período surgiram
os primeiros esquemas terapêuticos padronizados, embora tenham representado
um grande avanço no tratamento da doença, trouxeram questões novas como o
abandono e a falência terapêutica. Em 1970, instala-se a Divisão Nacional de
Tuberculose (DNT), substituindo o antigo Serviço Nacional de Tuberculose
(RUFFINO-NETTO, 1999; RUFFINO-NETTO, 2002)
As dificuldades geradas pela crise do petróleo levaram o regime autoritário
a adotar medidas de caráter racionalizador. Foi criado o II Plano Nacional de
Desenvolvimento que incluía, dentre outras estratégias de reforma no setor saú-
de, o Programa de Controle da Tuberculose financiado pelo MS/INAMPS/SES.
Este tinha por objetivo integrar os diferentes níveis do governo para reduzir a mor-
bidade, mortalidade e problemas sócio-econômicos decorrentes da Tuberculose.
Entretanto, estas medidas foram insuficientes para promover uma melhora nos
indicadores da tuberculose do país, tendo em vista o aumento dos coeficientes de
incidência que ocorreu no período de 1978 a 1981 (RUFINO-NETTO, 1999). Em
1976, organiza-se a Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária (DNPS) cuja
abrangência era indefinida no momento da criação, levando a diminuição do
poder e autonomia da antiga Divisão Nacional de Tuberculose (RUFINO-NETTO,
1999; RUFINO-NETTO, 2000).
Em 1981, é assinado o convênio entre INAMPS/ SES/ MS, objetivando
transferir a execução do controle da Tuberculose para as Secretarias Estaduais
de Saúde (RUFFINO-NETTO, 1999; RUFFINO-NETTO, 2002). Este pode ser con-
siderado como o primeiro movimento no sentido de promover a descentralização
institucional das ações de controle da tuberculose, ainda que possa ser considera-
do insuficiente diante da complexidade do problema, mantendo ainda o caráter
vertical e centralizador.
Durante a conjuntura do governo Collor, a qual foi caracterizada pela ado-
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 139-145, janeiro, 2006.
Políticas de saúde e controle... 143

ção da doutrina neoliberal, refletindo na crise do financiamento da saúde com o


corte de metade dos gastos com este setor, fato este que repercutiu negativamen-
te no Programa de Controle da Tuberculose, gerando inclusive o desabastecimen-
to da medicação antituberculosa nas unidades de saúde por todo o país. Em 1990,
surgiu a Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária (CNPS), ligada à
recém criada Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), extinguindo-se assim a
CNCT. Neste período, ocorreu a desestruturação do PCT em nível federal, enfra-
quecimento das coordenações estaduais, diminuição dos recursos financeiros,
diminuição das supervisões do programa, queda da cobertura, diminuição da
busca de casos novos, piora dos resultados de tratamento e o aumento do aban-
dono. No governo Itamar Franco, o Ministério da Saúde elaborou o Plano Emer-
gencial para o controle da tuberculose, tendo em vista o caos instalado durante o
governo Collor, além da declaração pela OMS do estado de urgência da tuberculo-
se no mundo em 1993 (RUFFINO-NETTO, 1999; RUFFINO-NETTO, 2002).

O governo de Fernando Henrique Cardoso, ainda que tenha toma-


do decisões de cunho liberal, avançou nas políticas sociais no
país, principalmente nas áreas de educação e saúde. Este foi um
período marcado pela aceleração da descentralização da aten-
ção à saúde após a implementação da NOB 96 e pela expansão
do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Pro-
grama de Saúde da Família (PSF). Estes foram colocados pelo
Ministério da Saúde como estratégias fundamentais na expansão
do Programa Nacional de Controle da Tuberculose em todos os
municípios brasileiros (BRASIL, 2002). Além disto, o PACS/PSF
pode representar uma estratégia de transformação do modelo
assistencial ao incorporar a concepção de vigilância da saúde,
contribuindo desta forma com a horizontalização e integralidade
das ações de combate à tuberculose no Brasil.

As ações de controle da tuberculose no Brasil foram organizadas enquanto


programas especiais de saúde pública na lógica do modelo assistencial sanitaris-
ta, apresentando “uma administração única e vertical, atravessando instituições,
estabelecimentos e serviços de saúde de forma individualizada e desintegrada”
(PAIM &TEIXEIRA, 1990, p. 265). Além disto, embora se reconheçam pontos posi-
tivos no programa de controle da tuberculose, esta estratégia contrapõe-se ao prin-
cípio da integralidade do SUS, ao realizar uma assistência “feita de forma frag-
mentada, sem uma visão global do organismo humano e muito menos da inserção
do indivíduo ou dos grupos populacionais a que ele pertence” (PAIM &TEIXEIRA,
1990, p.265).
Ao refletir sobre o conceito de integralidade, CECÍLIO (2001) afirma que a
integralidade da atenção implica em repensar aspectos importantes da organiza-
ção do processo de trabalho, da gestão e do planejamento, incluindo também o
esforço dos serviços e das equipes de saúde em traduzir e atender, da melhor

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 139-145, janeiro, 2006.


144 Biscarde et al.

forma possível, as necessidades de saúde da população. Estas poderiam ser pen-


sadas, conforme o mesmo autor, como a busca de algum tipo de resposta para as
más condições de vida que a pessoa viveu ou está vivendo, a procura de um vín-
culo afetivo com algum profissional, a necessidade de ter maior autonomia no
modo de andar a vida ou de ter acesso a alguma tecnologia de saúde disponível
para prolongar a vida.
Assim, há que se reconhecer as fragilidades das ações voltadas para o con-
trole da tuberculose, no decorrer das várias conjunturas por quais atravessaram a
formulação das políticas de saúde no país. Tais fragilidades, sobretudo no que
tange ao descumprimento do princípio da integralidade persistem na conjuntura
atual, pois se mantém um formato de programa vertical, pouca utilização das fer-
ramentas epidemiológicas pelos serviços, bem como o negligenciamento das
necessidades da população alvo do programa.
Para que a integralidade da atenção seja alcançada é necessário que haja
uma horizontalização dos programas verticais, sendo que as equipes das unida-
des de saúde deveriam repensar suas práticas, incorporando as necessidades de
saúde da população, indo além da sua inserção específica neste ou naquele pro-
grama do ministério. Cabe buscar uma nova concepção de programação nos ser-
viços de saúde, de forma a organizar o processo de trabalho voltando-se para oti-
mizar o impacto epidemiológico e para atuar no diagnóstico precoce, na identifica-
ção de situações de risco e no desenvolvimento de um conjunto de atividades cole-
tivas junto à comunidade (MATTOS, 2001).
Sob o ponto de vista das políticas de saúde no Brasil, a Estratégia de Saúde
da Família mostra-se, na conjuntura atual, como uma possibilidade real para a hori-
zontalização das ações de combate a tuberculose, possibilitando a integralidade
da atenção através da implementação dos pressupostos da Vigilância da Saúde e
incorporação da escuta das necessidades de saúde dos usuários no cotidiano dos
serviços. Isto significa reconhecer o doente por tuberculose para muito além do
que um portador do bacilo de Koch, mas de um indivíduo inserido em um determi-
nado contexto social com outras necessidades, sejam elas de qualquer natureza.

REFERÊNCIAS

BERTOLLI FILHO, C. História social a Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-


1950. 1ª ed. Rio de Janeiro, Editora FIOCRUZ, 2001, 248 p.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de


Atenção Básica. Manual Técnico para o Controle da Tuberculose. Brasília, DF,
2002, 64p.

CECÍLIO, L. C. O. As Necessidades de Saúde como Conceito Estruturante na


Luta pela Integralidade e Equidade na Atenção em Saúde. In: PINHEIRO, R. e
Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 139-145, janeiro, 2006.
Políticas de saúde e controle... 145

MATTOS, R.A de (org.). Os sentidos da Integralidade na atenção e no cuidado


à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO, 2001. p. 113 126.

GONCALVES, H. A tuberculose ao longo dos tempos. Hist. cienc. Saúde. jul./out.


2000, vol.7, no.2, p.305-327.

MATTOS, R. A. Os sentidos da Integralidade: algumas reflexões acerca de valores


que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, R. e MATTOS, R.A de (org.). Os sen-
tidos da Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ,
IMS: ABRASCO, 2001. p. 39 -64.

NASCIMENTO, D.R. Fundação Ataulpho Alves de Paiva Liga Brasileira con-


tra a tuberculose: um século de luta. 1ª ed., Rio de Janeiro, Editora Quadratim,
2002, 154 p.

PAIM, J. Determinantes da situação de saúde no Brasil a partir da república.


In:SILVA, L.M.V. (org.) Saúde Coletiva- Textos Didáticos. Salvador: Centro Edi-
torial e Didático da Ufba, 1994, p. 47 -60

PAIM, J.S. & TEIXEIRA, M.G.L.C. Os Programas Especiais e o Novo Modelo


Assistencial. In Cadernos de Saúde Púbica, RJ, 6(3); 264-277, jul/set, 1990.

RUFFINO NETTO, A. Impacto da reforma do setor saúde sobre os serviços de


tuberculose no Brasil In Boletim de Pneumologia Sanitária, Vol. 7, Nº 1 , jan/jun ,
1999.

RUFFINO-NETTO, A., Tuberculose: a calamidade negligenciada In: Revista da


Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 35:51-58, jan-fev, 2002.

Textura, Cruz das Almas-BA, v. 01, n.º 1, p. 139-145, janeiro, 2006.


Gráfica e Editora Nova Civilização Ltda.
Rua J. B. da Fonseca, 280 - Telefax: (75) 3621-1031
E-mail: gnc@cruz.mma.com.br
CEP: 44.380-000 - Cruz das Almas - Bahia

Anda mungkin juga menyukai