2, 199-203, 2008
Artigo
Maristela Lopes Silva*
Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas, Agência Nacional de Petróleo, SGAN 603, Módulo H, I, J - Asa Norte,
70830-902 Brasília – DF, Brasil
Liséte Celina Lange
Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais,
Av. Contorno, 842, 30110-060 Belo Horizonte – MG, Brasil
CHARACTERIZATION OF INCINERATION ASHES OF INDUSTRIAL AND HOSPITAL SOLID WASTE. Three ash samples
from an incinerator in Belo Horizonte (Brazil) were physically and chemically characterized. The chemical composition of the
ashes was not always the same, neither in terms of the chemical species nor in terms of the quantities of those that are common to
the three ashes. The ashes called CF1 and CF3D contain heavy metals above the detection limits of the analytical methods and the
zinc concentration is high enough to justify treatment of the ashes. For these ashes, a high loss on ignition was found, indicating
that the process of incineration might present failures.
Os resíduos de serviços de saúde, por serem em menor volu- Tabela 1. Condições de análise das cinzas por XRF
me, são misturados aos resíduos industriais, originando uma cinza
de fundo heterogênea misturada a cacos de vidro e embalagens de Parâmetro Condição de análise
alumínio. As cinzas volantes captadas no lavador “scrubber” são Tubo Ródio, Rh
formadas em pequena quantidade, retornando à câmara primária Tensão 40 kV
após um determinado acúmulo. Corrente 20 μA
A amostragem dos resíduos de fundo do incinerador foi efetu- Atmosfera vácuo
ada por três vezes, conforme a norma ABNT 1000711. As três amos-
tras, coletadas nos dias 10 e 17 de dezembro de 2004 e 15 de maio Tabela 2. Condições de análise das cinzas por XRD
de 2005, foram nomeadas CF1, CF2 e CF3, respectivamente. Esse
número de coletas deve-se à disponibilidade da indústria que, du- Parâmetro Condição de análise
rante a execução deste trabalho, funcionava abaixo da capacidade
Tubo Cobre, Cu
de projeto. Outro empecilho para o uso de maior número de amos-
Tensão 40 kV
tras foi a dificuldade de manuseio do material. A origem do resíduo
Corrente 20 μA
incinerado não foi informada, sabe-se apenas que se tratava de resí-
Atmosfera vácuo
duos da indústria farmacêutica e materiais hospitalares (agulhas,
luvas, papéis etc). Com relação às condições de incineração dos
resíduos coletados, a temperatura média da câmara primária era Tabela 3. Condições de análise das cinzas por absorção atômica
superior a 900 ºC e a da secundária, superior a 1100 ºC.
Elementos Comprimento de Fenda de Mistura
Pré-tratamento das amostras onda (nm) entrada (nm) gasosa
Cu 324,8 0,7 Ar-acetileno
As cinzas CF1 e CF3 foram peneiradas em malha grossa para Cr 357,9 0,7 Ar-acetileno
que fossem melhor separados os cacos de vidro, as embalagens plás- Fe 248,3 0,2 Ar-acetileno
ticas e de alumínio e outros materiais não queimados. CF2 não foi Mn 279,5 0,2 Ar-acetileno
submetida a essa etapa, pois não apresentava esse tipo de material. Ni 232,0 0,2 Ar-acetileno
Parte da cinza CF1 pós-peneiramento grosso foi separada para
realização dos testes físicos: teor de umidade12, massa específica
dos grãos12 e perda ao fogo13; o restante foi moído em moinho de régia (solução 3:1 de ácido clorídrico e nítrico PA da Merck) e aque-
bolas Fritsh e peneirado até obtenção de granulometria abaixo de cimento em chapa elétrica a 50 °C, conforme o método NBR 811217.
300 μm. O material obtido por esse processo foi analisado quimica- A determinação de enxofre foi realizada utilizando o analisador
mente para determinação de sua composição elementar (espectro- de enxofre e carbono modelo LECO CS244 da Leco Corporation,
metria de fluorescência de raios-X, XRF e espectrometria de absor- conforme o método UOP864-8914.
ção atômica, AAS), das diferentes fases de óxidos (difração de rai- O teor de cloreto solúvel foi determinado por titulação com
os-X, XRD) e dos teores de enxofre (analisador elementar)14 e cloreto Hg(NO3)2, utilizando solução ácida de difenilcarbazona como in-
(análise volumétrica)15, além de ser testado quanto à lixiviação16. dicador15. Massas de aproximadamente 1,0000 g das amostras fo-
A cinza CF2 teve suas características físicas e químicas analisa- ram pesadas e a elas foram adicionados 50,0 mL de água deionizada.
das pelos mesmos métodos que CF1. A cinza CF3, após o peneiramento As misturas obtidas foram filtradas e os resíduos lavados até apre-
grosso, foi peneirada utilizando-se peneiras de 2; 1,68; 0,850; 0,425; sentarem resultado negativo para cloreto ao serem testados com
0,250 mm. A parcela retida na peneira de 2 mm foi descartada por AgNO 3. As soluções obtidas foram transferidas para balões
possuir grande quantidade de material não queimado. A parcela que volumétricos de 200 mL completados com água deionizada.
passou pela peneira de 0,250 mm foi nomeada CF3D e analisada
quanto às mesmas propriedades físicas, químicas e de lixiviação que Testes de lixiviação
CF1. As demais parcelas de CF3, denominadas CF3A, CF3B e CF3C O teste de lixiviação foi realizado conforme a norma ABNT
foram analisadas apenas por fluorescência e difração de raios-X. NBR 1000516. Pesou-se uma massa de 100 g das cinzas CF1 e CF3D,
em duplicata. A estas amostras foram adicionados 2000 g de solu-
Caracterização das cinzas ção de ácido acético pH 2,88 ± 0,01. Foi feito também um branco,
contendo apenas a solução acética. A solução lixiviante foi escolhi-
Testes físicos da através de teste estabelecido pela NBR 1000516.
Foram utilizados os métodos ASTM C2513 e ABNT NBR 650812 A mistura foi submetida a um processo de agitação por 18 h,
para se determinar a perda ao fogo, a umidade e massa específica, utilizando-se agitador rotatório capaz de garantir agitação homogê-
respectivamente. nea da mistura. Foram feitas duas filtrações: uma rápida, utilizando
pré-filtro faixa preta, e outra a vácuo, utilizando-se membrana
Análises químicas filtrante com porosidade entre 0,6 e 0,8 μm. Os íons metálicos pre-
As análises por difração e por fluorescência de raios-X (XRD e sentes nas soluções obtidas foram dosados por absorção atômica
XRF) foram realizadas utilizando-se, respectivamente, um pelo mesmo método descrito anteriormente.
difratômetro PW 3710 e um espectrômetro PW 2400, ambos da
Philips. As condições de análise de XRF e XRD são apresentadas RESULTADOS E DISCUSSÃO
nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.
Os teores de íons metálicos foram determinados por espectro- Testes físicos
metria de absorção atômica com chama (F AAS), Perkin-Elmer, mo-
delo AAnalyst 300; as condições de análise são apresentadas na Ta- Os resultados de massa específica, teor de umidade e perda ao
bela 3. As cinzas pulverizadas foram mineralizadas, utilizando-se água fogo são apresentados na Tabela 4. O teor de umidade obtido nas
Vol. 31, No. 2 Caracterização das cinzas de incineração de resíduos industriais 201
Tabela 9. Relação entre os teores de metais lixiviados e presentes nas cinzas (L/C) (%)
Cinza Cu Cr Fe Mn Ni Zn Pb Ca Mg
CF1 0,06 <0,20 8,24 34,46 6,58 13,07 <0,33 0,02 13,37
CF3D 0,30 <0,20 33,71 54,85 <0,20 5,02 <0,08 ≈0 33,95
O resultado que mais se destaca com essa comparação é o do completamente diferente das outras duas, tanto qualitativa como
Ca. Dentre os íons analisados, foi o que apresentou maior porcenta- quantitativamente, não sendo possível inferir a origem dessas dife-
gem nas cinzas, no entanto, a razão lixiviado/cinza (L/C) para CF1 renças, uma vez que não foram fornecidos dados específicos sobre
e CF3D foi 0,2 e 0, respectivamente. Isso indica a presença de com- os resíduos que foram incinerados e que as condições de queima
postos de baixa solubilidade em pH entre 5,9-7,0; enquadram-se certamente não foram as mesmas.
nessa faixa o carbonato de Ca, cuja solubilidade é pequena em pH Considerando-se apenas os íons de metais pesados, as cinzas
menor que 8, e o fosfato de cálcio, insolúvel em pH menor que 616. analisadas seriam classificadas, de acordo com a legislação brasi-
Esse resultado confirma o da difração de raios-X, que indicou a leira, como resíduo classe II, pois os testes de lixiviação para esses
presença de CaCO3. elementos apresentaram valores abaixo daqueles estabelecidos pela
Nota-se ainda que CF3D libera maior quantidade de Cu, Fe, NBR 1000423, como pode ser visto na Tabela 5. Mas, conforme a
Mn, Mg que CF1, a qual libera maior quantidade de Zn. As razões legislação italiana, tomada como referência por ser mais restritiva
L/C encontradas foram no geral muito baixas, indicando que os com- que a brasileira, CF1 e CF3D seriam classificadas como resíduos
postos presentes nas cinzas estudadas são pouco solúveis na faixa perigosos, devido ao alto teor de Zn no extrato do lixiviado.
de pH 5,9-7,0. Infelizmente, não foi possível inferir as possíveis
formas químicas em que esses metais se apresentam nos resíduos REFERÊNCIAS
estudados. Para tanto, seriam necessárias outras análises, como, por
exemplo, a espectroscopia de infravermelho e a microscopia eletrô- 1. Alba, N.; Vázquez, E.; Gasso, S.; Baldasano, J. M.; Waste Manage. 2001,
nica de varredura acoplada à fluorescência de raios X por energia 21, 313.
2. Polettini, A.; Pomi, R.; Sirini, P.; Testa, F.; J. Hazard. Mater. 2001, B88, 123.
dispersiva. 3. Bertolini, L.; Carsana, M.; Cassago, D.; Curcio, A. Q.; Collepardi, M.; Cem.
Concr. Res. 2004, 34, 1899.
CONCLUSÕES 4. Pera, J.; Coutaz, L.; Ambroise, J.; Chababbet, M.; Cem. Concr. Res. 1997,
27, 1.
5. Hassan, H. F.; Con. Building Mater. 2005, 19, 91.
Com esta pesquisa, iniciou-se um trabalho que deve ser esten-
6. Aubert, J. E.; Husson, B.; Vaquier, A.; Cem. Concr. Res. 2004, 34, 957.
dido e aprimorado para que se possa conhecer melhor os resíduos 7. Collivignarelli, C.; Sorlini, S.; Waste Manage.. 2002, 22, 909.
de incineração brasileiros e encontrar um tratamento e/ou utiliza- 8. Lombardi, F.; Mangialardi, T.; Piga, L; Sirini, P.; Waste Manage. 1998,
ção adequada para eles. 18, 99.
As cinzas estudadas foram caracterizadas física e quimicamente 9. Ubbriaco, P.; Calabrese, D.; Thermochim. Acta 1998, 321, 143.
10. Conner, J. R.; Chemical fixation and solidification of hazardous waste, van
e, muito embora não seja possível extrapolar os resultados, algu- Nostrand Reinhold: New York, 1990.
mas conclusões importantes nasceram delas. 11. Associação Brasileira de Normas Técnicas; NBR 10007, 2004.
Apesar de não fazer parte dos objetivos específicos dessa pes- 12. Associação Brasileira de Normas Técnicas; NBR 6508, 1984.
quisa avaliar o processo de incineração, percebeu-se que ele apre- 13. American Society for Testing and Materials; C25, 1999.
14. American Society for Testing and Materials; UOP864, 1989.
sentou falhas que se refletiram no aspecto visual das cinzas CF1 e
15. American Public Health Association; Standard Methods for the
CF3, pois foram encontrados materiais não queimados em meio às Examination of Water and Wastewate, APHA: Washington, 1992.
cinzas, e nos teores de perda ao fogo (CF1 igual a 46,5% e CF3D, 16. Associação Brasileira de Normas Técnicas; NBR 8112, 1986.
37%) e carbono (CF1 28% e CF3D 17%), que indicam matéria 17. Associação Brasileira de Normas Técnicas; NBR 10005, 2004.
orgânica termicamente degradável. Esses resultados, no entanto, 18. Jeong, S. M.; Osako, M.; Kim, Y. J.; Waste Manage. 2005, 25, 694.
19. Kida, A.; Noma, Y.; Imada, T.; Waste Manage. 1996, 16, 527.
não se repetiram no caso da cinza CF2 (perda ao fogo igual a 5,7% 20. Song, G.; Kim, K; Seo, Y.; Kim, S.; Waste Manage. 2004, 24, 99.
e teor de carbono 0,26%), o que leva a concluir que as condições de 21. Chang, M. B.; Huang, C. K.; Wu, H. T.; Lin, J. J.; Chang, S. H.; J. Hazard.
processo não são sempre as mesmas e que os resíduos gerados não Mater. 2000, 79, 229.
estão sendo devidamente monitorados. 22. Filipponi, P.; Polettini, A.; Pomi, R.; Sirini, P.; Waste Manage. 2003, 23, 145.
23. Associação Brasileira de Normas Técnicas; NBR 10004, 2004.
As amostras CF1 e CF3D são muito parecidas quimicamente,
24. Brasil. Ministério da Saúde; Portaria N. 518, 2004. Disponível em http://
sendo compostas pelas mesmas substâncias cristalinas (halita, quart- www.funasa.gov.br, acessada em Maio 2005.
zo e carbonato de cálcio, por exemplo) e possuem os mesmo ele- 25. Lombardi, F.; Mangialardi, T.; Sirini, P.; Proceedings of The International
mentos, dentre eles os íons de metais pesados Pb, Ni, Cr, Cu, Zn. Congress On Waste Solidification-Stabilisation Processes, Nancy, France, 1995.
Porém, existem diferenças quantitativas entre elas. A cinza CF2 é