INTRODUÇÃO
Tal ordem jurídica liberal acaba excluindo do debate questões como relações de
poder, diversidade e desigualdades, que, sabidamente vão de encontro com a concepção
do universalismo liberal.
Como dito, com as experiências totalitárias, especialmente no século XX,
passou-se a valorizar cada vez mais o regime democrático e as declarações de direitos
humanos universais. No entanto, numa crítica, o jurista Lucas Bertolucci Barbosa de
Lima sustenta que o Estado Democrático de direito contemporâneo é a única forma
política que permite a existência velada dos espaços de exceção, sendo que os sujeitos
destes Estados sofrem as mais variadas formas de violência, que, na maioria das vezes,
não são vistas como exceções atinentes da própria democracia, mas como rupturas
momentâneas do regime democrático (LIMA, 2017, p. 96).
Denota-se que os direitos humanos são repassados aos cidadãos de forma restrita
e mitigada, nos quais jamais se realizarão plenamente.
Assim, Lima (2017, p. 97) afirma que:
As democracias, por sua vez, necessitam do humanitarismo como uma
espécie de fetiche para que possam manter as desigualdades e o sistema
de poder. Os direitos humanos – enquanto invólucro de uma exaltação
de humanidade e de uma aceitação desse invólucro de uma aceitação
desse invólucro como se fosse realmente universal – são a secularização
da vida eterna cristã nos atuais Estados democráticos: a eterna
sacralização da vida.
Ainda na crítica à concepção universalista de direitos humanos, o filósofo Slavoj
Žižek, numa interpretação marxista, concebe que os direitos humanos são uma falsa
universalidade ideológica, que esconde e legitima o imperialismo, as intervenções
militares e o neocolonialismo ocidental. Sob a óptica marxista, a concepção ideológica
de direitos humanos é burguesa, direito de homens brancos ricos que livremente exploram
trabalhadores e mulheres, e exercem dominação política (ŽIŽEK, 2010, p. 11-29).
Neste cenário têm surgido muitas vozes que defendem a “volta ao local”,
entretanto, acaba neutralizado ante à pluralidade de interpretações, e o fato do localismo
sistematizar o seu próprio fim, fechando-se sobre si mesmo. A resistência à tendência
universalista de sobrepor-se às diferenças impondo uma forma de ver o mundo, faz com
que o localismo reforce ainda mais a diferença radical, que, no fim, acaba defendendo a
mesma visão abstrata de mundo.
É o que Flores sintetiza em “[...] separação entre nós e eles, o desapreço pelo
outro, a ignorância sobre o que nos faz idênticos e a relação com os outros, a
contaminação da alteridade” (FLORES in WOLKMER, 2004, p. 372-373).
Flores defende a racionalidade de resistência conduzida por um universalismo
de contrastes, de entrecruzamentos e mesclas:
Um universalismo impuro que propõe a inter-relação e não a
superposição. Um universalismo que não aceita a visão microscópica
que parte de nós mesmos, no universalismo de partida ou de retas
paralelas. [...] Necessitamos de uma racionalidade sem lar, descentrada
e exilada do convencional e dominante. O problema não radica na
preocupação pela forma, mas no formalismo. O problema não reside na
luta pela identidade, mas no essencialismo do étnico ou da diferença.
Ambas as tendências outorgam estabilidade ontológica e fixam-se a
algo que não é mais que uma, “outra”, construção humana (FLORES in
WOLKMER, 2004, p. 377).
ALDUNATE, José (coord.). Tomo III - Direitos humanos, direitos dos pobres, série V,
desafios da vida na sociedade. Editora Vozes: São Paulo, 1991.
___; VERAS NETO, Francisco Q.; LIXA, Ivone M. (orgs.). Pluralismo jurídico: os
novos caminhos da contemporaneidade – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.
ŽIŽEK, Slavoj. Contra os direitos humanos. In: Dossiê: direitos humanos – diversos
olhares. Mediações, Londrina, v. 15, n.1, p. 11-29, 2010.