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Luciana Mello Ribeiro

O papel das representações sociais


0114326/CA
9916419

na (educ)ação ambiental
Digital
- Certificação
- Certificação NºNº
Digital

DISSERTAÇÃO DE M ESTRADO
PUC-Rio
PUC-Rio

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Programa de Pós-Graduação
em Educação Brasileira

Rio de Janeiro
Maio de 2003
Luciana Mello Ribeiro

O papel das representações sociais na educação ambiental


- Certificação
- Certificação Digital
Digital 0114326/CA
NºNº 9916419

Dissertação de Mestrado
PUC-Rio
PUC-Rio

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da PUC-Rio.

Orientador: Hedy Silva Ramos de Vasconcellos

Volume I

Rio de Janeiro, novembro de 2003


Luciana Mello Ribeiro

O papel das representações sociais na educação ambiental

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da PUC-Rio. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
0114326/CA
9916419

Hedy Silva Ramos de Vasconcellos


NºNº

Orientador
Digital
Digital

Departamento de Educação da PUC-Rio


- Certificação
- Certificação

Rosália Maria Duarte


PUC-Rio

PUC-Rio
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Maria de Lourdes Spassiani


Centro Universitário Moura Lacerda

Jürgen Heye
Coordenador(a) Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas -
PUC-Rio

Rio de Janeiro, 12 de maio de 2003


Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.

Luciana Mello Ribeiro


Licenciou-se em Ciências Biológicas pela UNESP-
Botucatu, em 1995. Especializou-se em Meio Ambiente
pelo ISER, no Rio de Janeiro, em 1997. Saúde e Meio
Ambiente e Resíduos Sólidos foram atualizações cursadas
na FIOCRUZ nos dois anos seguintes. Atuou por alguns
anos no ensino público e vem desenvolvendo projetos na
área de educação ambiental, através de ONGs, em diversas
cidades do estado do Rio.

Ficha Catalográfica
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Ribeiro, Luciana Mello


NºNº
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O papel das representações sociais na (educ)ação


Digital

ambiental / Luciana Mello Ribeiro; orientadora: Hedy Silva


- Certificação

Ramos de Vasconcellos. – Rio de Janeiro : PUC,


- Certificação

Departamento de Educação, 2003.


PUC-Rio

199 f. : il. ; 30 cm
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Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade


Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação.

Incluí referências bibliográficas.

1. Educação – Teses. 2. Educação ambiental. 3.


Jornalismo ambiental. 4. Representação social. I.
Vasconcellos, Hedy Silva Ramos. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de
Educação. III. O papel das representações sociais na
educação ambiental.

CDD: 370
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A todos que desejam fazer deste um mundo


melhor, empregando seus conhecimentos,
sentimentos, esforços e vontade neste objetivo,
diariamente. E àqueles a quem a educação
ambiental representa um possível caminho
neste sentido, a ser aprimorado a cada novo
passo.
Agradecimentos

Agradecimento é uma comemoração, o que torna este um momento sempre


especial e delicado. São tantas as pequenas e grandes dívidas que acumulamos
nesta trajetória que é quase impossível referir-se a todas. Comecemos pelo
impulso inicial:

À Elô, que insistiu comigo na possibilidade de cursar este mestrado em Educação


Brasileira, na PUC, e me deu valiosas dicas.

Ao Drummond, eterno provocador, que não se conformou enquanto não me viu de


volta aos bancos universitários.

À CAPES e à PUC-Rio, que possibilitaram materialmente a realização deste


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trabalho. Aos meus inquietos entrevistados, que, mesmo sem tê-lo, dispuseram de
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seu tempo comigo.


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A minha paciente orientadora, Hedy – o “hipertexto” – exemplo de firmeza na


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medida certa e de respeito. Obrigada pela compreensão, apoio, incentivo e por ir


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muito além do papel de orientadora.


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Às preciosas dicas de leitura (e textos emprestados) sugeridas pelos amigos Dani


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de Figueiredo e Mônica Lepri (pela história ambiental), Adriana Hoffmann (pela


comunicação), Eloiza Neves, Cris Clapp, Maryane Saisse e Solange Cardozo (na
EA), e também às indicadas pelas professoras Rosália Duarte, Apparecida
Mamede, Maria Luiza Oswald.

Meu muito obrigada à turma do mestrado, pelos inesquecíveis almoços de


domingo, pelos e-mails de mútuo apoio, pelo empurrãozinho à participação em
congressos (valeu, Elionaldo!).

Um agradecimento especial a Maria Luiza e à turma da disciplina Cidade e


Leitura, pelos risos e reflexões proporcionadas e, sobretudo, pelo prazer de
compartilhar.
À turminha da educação ambiental, nas duas disciplinas eletivas que fizemos com
a Hedy. Que saudade das filosofices, discussões e intercâmbio de experiências. E,
claro, dos biscoitos com café e do blá-blá-blá das caronas. Adorei conhecer vocês!

À simpática banca examinadora, que aceitou meu convite, propiciando-me a


oportunidade de aprofundar meus estudos.

À torcida organizada familiar, que em diversos momentos contribuiu direta e


indiretamente para meu avanço. Obrigada à tia Já, pela revisão da primeira parte
do trabalho; ao meu pai, pelas versões em inglês do resumo e dos artigos que se
derivaram desta dissertação; a minha irmã, Elisa, que transcreveu as entrevistas e
organizou a bibliografia inicialmente, além de cuidar de minha vida prática muitas
vezes, para que eu tivesse tempo; ao Nilo, que me cedeu o laptop em momentos
difíceis e consertou meu computador; ao Marcos (Ri), meu diagramador e
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formatador oficial (obrigada por fazer a parte chata); aos indispensáveis estímulos
e corujices de minha mãe, tia Clarissa, vovó, vovô, Yara, e à família botocuda.
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Que trupe!
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Quero registrar a imprescindível contribuição da amiga Márcia Abrantes. Sem sua


revisão de português o texto certamente teria perdido.
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Aos amigos distantes, que de longe colaboram com sua simples existência e alôs,
escritos ou falados: Tatá e Comuna, Ton, TG, Cascão, Paulinho, Gil (e
agregados), Diego, Paulo e Val. Vocês são minha inspiração!

Pela paciência e compreensão com meu desaparecimento nos últimos meses,


agradeço aos amigos próximos do Rio: Kenji, Dan, Tê, Lu Boffoni, Cris, Elô,
Pedro, Mô. E especialmente à turma do IIPC (vocês eu não posso nomear, são
mais de cem!), companheiros de trabalho, de idéias e de jornada: obrigada pela
presença, pelas oportunidades e pelas muitas renovações.

Aos amigos invisíveis, nem por isso menos presentes.


Todos vocês deixaram um pedacinho de si neste processo de aprofundamentos e
mudanças em que me meti nestes últimos dois anos.

Finalmente, meu especial carinho ao Marcos, por suas amorosas macarronadas e


outros dengos, pelos passeios de bicicleta e por segurar a onda até que eu pudesse
concluir este trabalho.
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Resumo

Ribeiro, Luciana Mello. O papel das representações sociais na educação


ambiental. Rio de Janeiro, 2003. 199p. Dissertação de Mestrado -
Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.

A pesquisa buscou identificar as representações de ambiente, educação e


informação que mobilizam a prática de educadores e jornalistas ambientais e a
forma como isso ocorre. Procurou-se entender como se constituem tais
representações e que relação guarda o processo de construção destas com aspectos
da vida, como a família, a formação para o trabalho e o exercício profissional. Os
dados foram colhidos através de entrevistas semi-estruturadas, havendo questões
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em comum e outras específicas a cada uma das profissões. Para a interpretação,


utilizou-se a análise de conteúdo. Entender como se estruturam as representações
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destes profissionais contribui para pensar possíveis estratégias para a formação


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continuada, destinadas a qualificar a educação ambiental e o ecojornalismo. A


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percepção, os valores e a experiência foram componentes significativos para


desvendar o caminho das representações.
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Palavras-chave
Educação ambiental, jornalismo ambiental, representação social.
Abstract

Ribeiro, Luciana Mello. The role of social representations in


environmental education. Rio de Janeiro, 2003. 199p. MSc. Dissertation -
Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.

The research had the scope of identifying the environment, education and
information representations, which mobilize the practice of educators and
newspapermen and how it occurs. We have tried to understand how such
representations are created and what relationship the process of construction of
these has with aspects of life, as the family, the formation for work and the
professional practice. The data have been gathered by means of semi-structured
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interviews, having questions in common and other ones specific to each of the
professions. As regards interpretation the content analysis has been used.
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Understanding how the representations of these professionals are structured


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contributes to think possible strategies for continued formation with the purpose
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of qualifying the environmental education and ecojournalism. The perception,


values and the experience were significant components to unveil the path of
representations.
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Keywords:
Environmental education, environmental journalism, social
representation.
Sumário

1. Apresentação 14

PARTE I - Contribuições da História para entender a questão ambiental

2. As relações com a natureza 24


2.1 Modelos de sociedade 26
2.2 Aceleração da destruição ambiental 28

3. Interdependência planetária 35
3.1 Percepção ambiental e suas conseqüências históricas 38
3.1.1 Desdobramentos políticos e legais 49
3.1.1.1 PRONEA – programa nacional de educação ambiental 49
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3.1.1.2 Lei Nacional de Educação Ambiental 57


3.2 Influências biológicas na formação da percepção 59
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4 A importância dos valores e das relações socioculturais na


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percepção ambiental 67
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4.1 O contexto e a informação sobre meio ambiente entre brasileiros 70


4.2 A mídia incorporando a questão ambiental 73
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5. A questão ambiental e a mídia 83

PARTE II – Representações, valores e experiência

6. A pesquisa 87
6.1 Aspectos da teoria da Representação Social 87
6.2 As questões 89
6.3 Critérios 91
6.4 Caracterização dos grupos 98
6.5 Estratégias de pesquisa 100
7. As representações e sua repercussão nas práticas ambientais e
educativas de educadores e jornalistas 102
7.1 As representações de ambiente 102
7.2 As representações de educação 114
7.3 As representações de informação 118
7.4 As relações de jornalistas e educadoras com o ambiente 120
7.5 Novas dúvidas 125
7.5.1 Estruturando as representações 125
7.5.2 O comportamento dos entrevistados: fatores que
interagem com as representações 140
7.5.3 Amarrando algumas pontas 153

8. Considerações... finais? 159


9. Alguns encaminhamentos 171
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10. Bibliografia 172


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11. Anexos 179


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11.1 Art. 8º da Lei Nacional de Educação Ambiental 179


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11.2 Apresentação do IFEJ 180


11.3 Histórico do Jornalismo Ambiental 182
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11.4 Jornais e revistas especializados 190


11.5 Sites do Jornalismo Ambiental 190
11.6 Roteiro de entrevista com jornalistas 191
11.7 Roteiro de entrevista com professores 192
11.8 Reportagem de capa da Veja Rio de 23/04/2003 193
Listas de quadros

Quadro 1 – Número de jornalistas entrevistados 92

Quadro 2 – Perfil dos entrevistados 99

Quadro 3 – Relação entre problemas ambientais e concepções das


professoras 108

Quadro 4 – Relação entre problemas ambientais e concepções dos


jornalistas 112
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Quadro 5 – Quadro-resumo dos núcleos das representações e valores


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em comum para cada um dos grupos. 144


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Salvando o mundo...

"Um cientista vivia preocupado com os problemas do mundo e


estava resolvido a encontrar meios de minorá-los. Passava dias em seu
laboratório em busca de respostas para suas dúvidas.”
Certo dia, seu filho de sete anos invadiu o seu santuário decidido a
ajudá-lo a trabalhar. O cientista, nervoso pela interrupção, pediu ao filho
que fosse brincar em outro lugar.
Vendo que seria impossível demovê-lo, o pai procurou algo que
pudesse ser oferecido ao filho com o objetivo de distrair sua atenção. De
repente deparou-se com o mapa do mundo, o que procurava! Com o
auxílio de uma tesoura, recortou o mapa em vários pedaços e, junto com
um rolo de fita adesiva, entregou ao filho dizendo:
– Você gosta de quebra-cabeças? Então, vou lhe dar o mundo para
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consertar. Aqui está o mundo todo quebrado. Veja se consegue consertá-


lo bem direitinho! Faça tudo sozinho.
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Calculou que a criança levaria dias para recompor o mapa. Algumas


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horas depois, ouviu a voz do filho que o chamava calmamente:


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– Pai, pai, já fiz tudo. Consegui terminar tudinho!


A princípio o pai não deu crédito às palavras do filho. Seria
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impossível na sua idade ter conseguido recompor um mapa que jamais


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havia visto. Relutante, o cientista levantou os olhos de suas anotações,


certo de que veria um trabalho digno de uma criança.
Para sua surpresa, o mapa estava completo. Todos os pedaços
haviam sido colocados nos devidos lugares. Como seria possível? Como
o menino havia sido capaz?
– Você não sabia como era o mundo, meu filho, como conseguiu?
– Pai, eu não sabia como era o mundo, mas quando você tirou o
papel da revista para recortar, eu vi que do outro lado havia a figura
de um homem. Quando você me deu o mundo para consertar, eu
tentei mas não consegui. Foi aí que eu me lembrei do homem, que eu
sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e
vi que havia consertado o mundo." (autor desconhecido)
1
Apresentação

Que existem representações sociais e que estas influenciam a educação e a ação


ambiental é algo que já foi anunciado, embora ainda insuficientemente estudado.
O papel delas, no entanto, permanece desconhecido. Reigota (1992) foi dos
primeiros a dizer que a representação de ambiente seguramente influenciaria a
prática dos atores sociais. Saber como isso acontece e de que forma se constituem
essas representações, porém, é campo pouco explorado.
Muito se tem pesquisado a prática de professores para apontar-lhes os
erros e agora, mais recentemente, para buscar inovações pedagógicas e para
embasar a formação dos novos professores.
O cenário sobre o qual nos debruçamos, porém – ou seja, a questão
ambiental – é área de atuação de múltiplos profissionais. Se as representações de
fato orientam o comportamento, julgamos ser bastante relevante entender como
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estão pensando e agindo as lideranças e expoentes da causa ambiental em razão


destas representações. Em nossa aspiração original ONGs, professores,
universidades, chefes de unidades de conservação, mídia, governos, empresários
seriam estudados. Nos dois anos que tivemos para fazer a pesquisa, todavia,
apenas dois destes personagens cabiam; os de maior penetrabilidade na sociedade
atual: professores e jornalistas.
A perspectiva de nosso estudo considera que a história

“do curto prazo é incapaz de apreender e explicar as permanências e as mudanças. Uma


história política que se pauta pelas mudanças de reinados, de governos, não apreende a
vida profunda: o aumento da estatura dos humanos, ligado às revoluções da alimentação e
da medicina; a mudança das relações com o espaço, decorrente da revolução dos
transportes; a subversão dos conhecimentos, provocada pelo aparecimento dos novos
meios de comunicação de massa (...) não dependem das mudanças políticas, dos
acontecimentos que ainda hoje ocupam as manchetes dos jornais.” (Le Goff, 1993: p.45)

Assim sendo, começamos esta jornada buscando um olhar panorâmico.


Freqüentemente escutamos que a questão ambiental é algo que passou a ter
expressão desde meados da década de 60, do último século. A filosofia e a história
ambiental anunciam a inconsistência desta crença. O ambiente é preocupação
humana das mais antigas, dado que diz respeito à própria vida e a nossa forma de
nos relacionarmos com ela. O mergulho histórico nos mostrou as diferentes
15

maneiras de estabelecer relações com o ambiente e provou que nossa mirada de


uma existência é insuficiente para entender a complexidade do planeta. A história
ambiental pode ser recomendada como antídoto e vacina contra o
antropocentrismo. Cada vez mais fomos percebendo a importância da percepção
nestes diferentes modos de relacionar-se. Compreender isso, levou-nos a buscar
entender como se dá a percepção. Grande é a influência biológica sobre esse
processo, mas também a do contexto cultural. Procuramos trazer algo das leituras
que geraram essa descoberta a fim de compartilhar com o leitor.
Uma curiosidade foi levando a outra. Faz alguns anos que tenho profundo
interesse pelos processos de aprendizagem, no sentido mais amplo que se possa
dar a essa idéia. Atuando como educadora ambiental há dez anos, ficava
especialmente instigada com as diferenças de entendimento de mundo, com a
diversidade de comportamentos humanos e internamente com uma questão
sempre presente: como as pessoas aprendem? Aprender, em minha pergunta,
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significava, especialmente, saber o que faz com que elas, num dado momento,
entendam algo e esse entendimento se concretize em ações. E no que tange à
questão ambiental? Por que havia pessoas sensíveis e outras não? Por que nem
sempre essa sensibilidade se traduzia numa ação coerente com o discurso? Por
que sendo uma questão do dia-a-dia era tão invisível para tantas pessoas? E ainda:
por que a televisão tendia a insistir numa abordagem idealizada de natureza?
Essas indagações me vieram nos tempos de graduação, tornando-se mais fortes
quando participei durante cerca de dois anos de um projeto de extensão no Vale
do Ribeira, extremo sul do estado de São Paulo. Foi ali, no cotidiano com
agricultores e ribeirinhos, entre eles alguns quilombolas, que muitas vezes
dividimos a preocupação pelas barragens das águas daquele rio, onipresente em
suas vidas – fonte de alimento, transporte, lazer, higiene etc. Foi ali que muitas
novas dimensões de entendimento da questão ambiental se descortinaram para
mim. Foi ali que de fato comecei a entender a relação entre política, economia,
cultura e ecologia. A saúde e a qualidade da água eram o mote que nos tinha
levado a começar o projeto – uma equipe de alunos de todos os sete cursos da
universidade e um químico, o professor coordenador, cuja experiência em projetos
desse tipo era tão grande quanto a nossa. Uma equipe de pioneiros. Da saúde, em
sentido estrito, passamos a ambicionar a saúde lato sensu. A saúde do ambiente
todo – as cavernas e estuários ameaçados, as comunidades ribeirinhas, o último
16

remanescente contínuo de mata atlântica do estado, o solo erodido, a ameaça das


barragens anunciando uma série de problemas sociais na região... E os jornais?
Quase nenhuma palavra. Discussão, então, nem pensar.
Depois, já trabalhando no Rio, sempre em ONGs, em contato com tantas
iniciativas interessantes, construtivas e bem sucedidas – projetos de recuperação
ecossistêmica e de educação ambiental (EA); pesquisas originalíssimas em
ecologia, ou sobre novas tecnologias, ou ainda sobre a interface política e
econômica da questão ambiental – me inquietava com as queixas de parentes e
amigos, “o mundo só está piorando”, “nada de bom vem acontecendo”.
Perguntava-me por que os jornais só noticiavam os desastres ambientais e nada
das iniciativas e descobertas que dia após dia se espalham silenciosamente sobre o
solo brasileiro. Sim, os interesses... Mas só isso? Essa explicação era muito
genérica e eu sou amiga dos detalhes.
Para mim, porém, a mais inquietante de todas as dúvidas era: como as
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pessoas poderiam se sentir pertencentes à natureza/ambiente (neste trabalho


entendidos como sinônimos)? Sentia que sem investir nisso qualquer processo de
educação ambiental estaria fadado ao insucesso.
A pergunta era um tanto vaga, mas persistente. A oportunidade de
aprofundar os estudos, com o mestrado, foi inspiradora. Entender as
representações1 – quais eram e como atuavam sobre as escolhas individuais e
coletivas – era a chance de pensar em dois aspectos: o da aprendizagem e o da
interface das relações produzidas pelas sociedades humanas com a questão
ecológica.
Importa esclarecer de que educação ambiental estamos falando. O tempo
nos mostrou que as pessoas comumente confundiam a educação ambiental com o
fornecimento de informações a respeito dos ecossistemas ou instruções
normativas sobre o uso otimizado dos chamados recursos naturais, ou ainda
acerca de como deveria ser seu comportamento para a sobrevivência da espécie
humana, responsabilizada, como ente abstrato e descontextualizado, pela
degradação ambiental. Além da confusão com a informação ambiental e com a
instrução normativa em ambiente, há outro ponto também tomado por EA: a
sensibilização ambiental, proposta geralmente através de vivências em trilhas,

1
No sentido filosófico, significando: “conteúdo concreto apreendido pelos sentidos, pela
imaginação, pela memória e pelo pensamento.” (Ferreira, 1975: p.1231)
17

bosques, cachoeiras. Evidentemente, a informação e a sensibilização constituem


parte importante da EA, mas esta não pode se restringir a isso.
Fugindo às concepções leigas, estamos tratando aqui da educação
ambiental histórica e coletivamente constituída, cujos marcos foram oficializados
na Conferência de Tbilisi, em meados dos 70. Consideramos esse momento do
parto tão significativo, que suas marcas continuam influentes e atuais. De modo
que utilizaremos esta referência para fundamentar a apresentação da EA. Ainda
que muitos outros documentos tenham se originado desde então, todos partiram de
Tbilisi, procurando complementar e desenvolver os alicerces lançados na ocasião.
Segundo esta Conferência, convocada e organizada pela ONU, a EA
constitui “elemento esencial de una educación global y permanente, orientada hacia la
resolución de los problemas y que prepara para una participación activa”, devendo
contribuir para fortalecer os sistemas de educação no sentido de maior idoneidade,
realismo e interpenetração com o meio natural e social, “con miras a facilitar el
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bienestar de las comunidades humanas.” (UNESCO, 1980)


A Declaração de Tbilisi reconhece a profunda interdependência entre os
meios natural e social, e entre as comunidades nacionais, reafirmando a necessária
solidariedade entre todo o gênero humano.
Educação ambiental é uma expressão cunhada sob os esforços coletivos de
vários países, fruto de longas discussões, que se orienta pela seguinte
compreensão de ambiente: “totalidade que contempla os aspectos naturais e criados
pelo homem (tecnológico e social, econômico, político, histórico-cultural, moral e
estético)”. (Dias, 1992, p. 3)

A definição sucinta de Genebaldo Dias (1992) para a EA, a partir da


reunião da UNESCO em Tbilisi, mostra que ela não é tema ou conteúdo da
educação, tampouco adjetivação de um tipo de educação e menos ainda assunto de
certas disciplinas, mas antes a abordagem contemporânea a ser dada à educação
como um todo, formal (da infantil à pós-graduação) e não formal. Deste modo, a
EA é:

“... uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada para a resolução
dos problemas concretos do meio ambiente através de enfoques interdisciplinares, e de
uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade.” (idem, p.31).
18

As diretrizes orientadoras da EA foram estabelecidas em função de que o


ser humano compreenda a natureza complexa do meio ambiente como resultante
da interação de seus aspectos biológicos, físicos, sociais e culturais. A seguir,
intercalaremos estas diretrizes com alguns comentários.

Facilitar aos indivíduos e coletividades os meios de interpretar a interdependência


desses diversos elementos no espaço e no tempo, a fim de promover uma utilização
mais reflexiva e prudente dos recursos do universo para a satisfação das necessidades
da humanidade.

Facilitar os meios de interpretar significa não apenas dar acesso à


informação, pois a interpretação é um processo cognitivo que envolve toda a
complexidade humana. Isso quer dizer que é preciso atuar sobre aspectos mentais,
afetivos e corporais que contribuam para a aprendizagem. E, com isso, retornamos
à nossa pergunta sobre como as pessoas aprendem. Uma coisa é certa: difícil será
a tarefa de facilitar os meios sem saber quais são eles e como funcionam. Veremos
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adiante que a experiência é um dos meios mais preciosos.

Contribuir para que se perceba claramente a importância do meio ambiente nas


atividades de desenvolvimento econômico, social e cultural.

Perceber é um ato cognitivo também. De acordo com o Aurélio eletrônico,


é compreender, abranger com a inteligência, apreender por meio dos sentidos.
Aqui, temos uma pista a mais. Além de lidar com a compreensão, as estratégias
desenvolvidas para facilitar a percepção devem levar em conta os sentidos.
Provavelmente por isso as vivências e dinâmicas de grupo sejam sensibilizadoras.

Favorecer em todos os níveis uma participação responsável e eficaz da população na


concepção e aplicação das decisões que põem em jogo a qualidade do meio natural,
social e cultural.

Este ponto já trata do nível coletivo. Há dois aspectos importantes: um, de


natureza individual, querer participar (o que pressupõe entender a razão disso a
ponto de motivar-se) e conceber decisões relativas à qualidade ambiental (para
tanto, é necessário ter e saber usar informações específicas); e outro, de natureza
social, diz respeito às estruturas de poder, pois população concebendo e aplicando
decisões a respeito de seu ambiente é poder compartilhado. Neste ponto, entra em
jogo uma série de aspectos intrapsíquicos e da psicologia social, interesses
19

econômicos e políticos – que não nos cabe analisar nesta pesquisa, mas que
precisam ser considerados e compreendidos se a intenção for efetivamente tornar
realidade esta diretriz.

Difundir informações acerca das modalidades de desenvolvimento que não


repercutem negativamente no meio, além de fomentar a adoção de modos de vida
compatíveis com a conservação da qualidade do mesmo.

Existem inúmeras possibilidades para difundir este tipo de informações.


Qual a mais adequada e em que contexto? O sentido de disseminá-las é para que
as pessoas as utilizem. Mas para tal, a informação precisa ter significado para elas,
o que implica estar acessível cognitivamente e repercutir em seus valores e
compreensão de mundo. A aprendizagem em questão, outra vez. O fomento a
modos de vida que mantenham ou estabeleçam qualidade ambiental depende não
apenas da aprendizagem mas novamente das barganhas político-econômicas. Há
ainda, o aspecto cultural envolvido. Hábitos estranhos à comunidade não serão
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assimilados de fora pra dentro. É preciso tempo e muito trabalho conjunto para
que isso seja possível.

Mostrar com toda clareza as interdependências econômicas, políticas e ecológicas do


mundo moderno, no qual as decisões e comportamentos de todos os países podem ter
conseqüências de alcance internacional. (UNESCO, 1980)2

A preocupação é básica. Sem o sentido de interdependência, toda a


discussão ambiental fica muito etérea, insubstancial e pouco convincente. Mas se
de um lado é preciso mostrar esta interdependência, por outro, é indispensável
que ela seja vista e entendida. Insistimos: não são ações desvinculadas, emissor e
receptor. Se o “emissor” tem interesse em que sua mensagem seja apreendida,
deve conhecer o mais profundamente possível a natureza do “receptor”, e pensar
em maneiras de adequar a mensagem a ele. Porém é mais do que isso. A interação
humana está sempre cheia de variáveis. No mínimo, aspectos emocionais,
corporais, culturais e sociais permeiam toda comunicação. Com esse alerta
queremos apenas lembrar a complexidade da tarefa da educação ambiental. Sem
considerar estes pressupostos, apesar da boa intenção, os projetos podem ficar
comprometidos. É possível que existam bons projetos e resultados, desenvolvidos

2
Tradução livre da versão original em espanhol.
20

a partir da intuição, porque ela também faz parte das estruturas de aprendizagem.
Mas se pudermos conjugar intuição e conhecimento objetivo, provavelmente
teremos atuações mais amplas.
Ao formular estas diretrizes/ finalidades da EA, a expectativa girou em
torno de uma prática educativa unificada em todos os níveis da educação formal e
não formal. Seu resultado seria o desenvolvimento da atitude de recolher, analisar,
sintetizar, comunicar e avaliar os conhecimentos existentes sobre o meio
ambiente, garantindo uma participação ativa das pessoas na formulação de
soluções aplicáveis aos problemas ambientais. Em poucas palavras, pretende-se
que o comportamento dos sujeitos seja engajado, pró-ativo, crítico e
fundamentado.
Para alcançar tais ambições, a EA tem buscado influenciar a política
educacional de cada país. No Brasil, ela ganhou corpo com a lei 9795/99, que a
instituiu. Esta educação é marcada pelas seguintes características, válidas na
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Declaração de Tbilisi e também na lei brasileira:


enfoque orientado para a resolução de problemas;
abordagem interdisciplinar;
integração da educação na comunidade;
caráter permanente, voltada para o futuro (deve absorver as mudanças
e se reconstruir permanentemente, visando à qualidade de vida).

Por tudo isso, a EA exige uma atualização permanente. Não é à toa que a
OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos) recomenda que se atualizar seja
direito do professor e dever de sua profissão (Carvalho e Gil Pérez, 2000). Em
seus levantamentos, a Organização verificou que professores de Ciências e
Matemática pouco o fazem. Se em disciplinas isso já é imprescindível, calcule-se
em EA, que tem por característica ser essencialmente interdisciplinar.
Apresentada a educação ambiental de que estamos tratando neste trabalho
e nossa preocupação com o entendimento de processos cognitivos que ajudem a
viabilizá-la, traçaremos um breve perfil da pesquisa. Antes, lembramos que a
perspectiva de ambiente utilizada por nós na pesquisa está de acordo com Leff
(2002). Assim, o ambiente
21

“não é o meio que circunda as espécies e as populações biológicas; é uma categoria


sociológica (e não biológica), relativa a uma racionalidade social, configurada por
comportamentos, valores e saberes, bem como por novos potenciais produtivos. Neste
sentido, o ambiente do sistema econômico está constituído pelas condições ecológicas de
produtividade e regeneração dos recursos naturais, bem como pelas leis termodinâmicas
de degradação de matéria e energia no processo produtivo. O ambiente estabelece
potenciais e limites às formas e ritmos de exploração dos recursos, condicionando os
processos de valorização, acumulação e reprodução do capital.” (Leff, 2002: p.160)

A escolha de jornalistas e professores está ligada ao papel pedagógico


(Fischer, 1997) que desempenham em nossa sociedade, tanto na renovação de
valores e modos de interpretar o mundo como na reprodução dos costumes e da
moral. Ademais, segundo Tavares (2003), a informação ambiental contribui para a
mudança de condutas e comportamentos, sendo fundamental para a preservação
ambiental. A autora, apoiada em Barreto, qualifica a informação como um

“instrumento modificador da consciência do homem e seu grupo social, e [ela] mantém


uma relação com o conhecimento, que por sua vez, só se realiza quando a informação é
percebida e aceita como tal.” (idem: p.29)
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Ora, se a informação exerce esse papel, importa saber que filtros podem
atuar no momento de selecionar sua disponibilização. Um deles, escolhido para
este estudo, é o processo de representar.
Usamos “informação” no sentido dado por Barreto (1999, citado por
Tavares, 2003: p.38): “estruturas significantes com a competência e intenção de gerar
conhecimento no indivíduo, em seu grupo, ou na sociedade.” Ou seja, informação não
é algo casual, seus produtores a fazem deliberada e intencionalmente. Aquilo que
demanda deliberação, isto é, decisão, apóia-se nos valores do indivíduo.
Portanto, este será um dos fatores a interferir na produção e seleção tanto
da notícia, como do assunto da aula. Contudo, há ainda uma dimensão
inconsciente neste processo, onde entra o representar. De certa forma, estaremos
estudando aspectos inconscientes e aspectos conscientes do relacionamento de
jornalistas e professores com o ambiente.
Os usuários da informação buscam-na em fontes diversas, conforme suas
necessidades. Tavares cita duas principais: os contatos informais com colegas e
amigos e os meios de comunicação de massa,
22

“que atuam como formadores de opinião, educadores e mobilizadores da sociedade para a


temática ambiental veiculando informações atualizadas porém simplificando a percepção
dos complexos fenômenos naturais.” (ibidem: p.34)

Este fato aumenta a relevância da pesquisa, sobretudo porque estudar as


representações pode ajudar a compreender de que modo é promovida esta
simplificação. Ao compartilhar nossos achados, esperamos contribuir para
qualificar o trabalho de jornalistas e professores, cujo objetivo seja ser útil ao
planeta.
Reforça nossa opção por estes atores o uso constante que os professores
fazem de reportagens e conteúdos da mídia (confirmado por esta pesquisa),
inclusive ao tratar da questão ambiental. Isto sugere que suas representações de
ambiente se assemelhem.
Representação social é uma categoria em construção. Normalmente
identifica a interpretação coletiva a respeito de um tema, construída com base em
aspectos culturais e pessoais. Segundo Japiassu e Marcondes (1991), representar é
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uma operação

“pela qual a mente tem presente em si mesma uma imagem mental, uma idéia ou um
conceito correspondendo a um objeto externo. A função de representação é exatamente a
de tornar presente à consciência a realidade externa, tornando-a um objeto da consciência,
estabelecendo assim a relação entre a consciência e o real.” (idem, p.213)

Se é uma construção identificada no coletivo, por que então pesquisar


apenas uma parcela dos jornalistas e professores, quais sejam, educadores
ambientais e ecojornalistas (ou jornalistas ambientais)? Pensamos que eles se
distinguem, em certa medida, do “padrão” do grupo profissional como um todo,
em razão do recorte ambiental de sua abordagem e do que isso lhes demanda.
Ambos os grupos, neste caso, possuem um “a mais”: a perspectiva ambiental. Ao
mesmo tempo, nos interessa estudar perfis de liderança no âmbito dessa questão –
já que suas vozes ressoarão mais, chegando a um número maior de pessoas.
Mas, poderia objetar o leitor, se eles lidam com a questão ambiental no
cotidiano, não se servirão de representações mas de conceitos. Ocorre que, na
prática, nem sempre há uma fundamentação conceitual para iniciativas como o
jornalismo ambiental e a EA. Há sim um interesse pelo tema, algum modo de
sensibilização, um compromisso individual.
23

Utilizamos “representações” no sentido dado por Moscovici e autores que


nele se apóiam:

“as representações são menos criações mentais que têm efeitos sociais do que criações
sociais que são fundamentadas através da via mental e, portanto, se tornam reais. (...)
Depois que as representações sofreram esta lenta elaboração, o domínio delas se torna
considerável, porque não são mais distinguidas do mundo da experiência coletiva que as
reifica. (...) Tudo acontece como se a massa mental em circulação conformasse os
valores, os comportamentos, as linguagens, as qualidades pessoais, e os associasse em um
conjunto onde cada célula sustenta e completa a outra. Um conjunto cuja realidade passa
a se assemelhar a sua imagem, e por isso os homens se apossam dela.” (Moscovici, 1990:
p.259)

Em apoio a esta visão de inter-relação e mútua influência geradora entre


sociedade e indivíduo, recorremos a Zaia Brandão (2002), que, discutindo sobre a
tensão objetivismo/ subjetivismo, agentes/ estruturas – terreno espinhoso da
sociologia – afirma a tendência atual dessas oposições serem superadas pelas
novas sociologias, cuja posição é defender que o
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“coletivo é individual e que os níveis microssociais constroem gradativamente padrões de


ações e representações que se consubstanciam em estruturas de níveis macrossociais.
Essas novas sociologias propõem perspectivas teóricas que podem elucidar tanto os
processos que vão das estruturas sociais às interações, como os que vão das interações às
estruturas sociais.”

Esperamos, com este trabalho, contribuir para maior contextualização


histórica, biológica e psicológica no tocante à questão ambiental, favorecendo
práticas educativas e informativas mais fundamentadas, integradas e eficientes.
Passo fundamental na jornada rumo à construção de sociedades sustentáveis, onde
todos os seres sejam respeitados e a qualidade de vida inclua o sentir, o pensar e o
fazer como uma só unidade.
PARTE I – Contribuições da História para entender a
questão ambiental

2
As relações com a natureza

O desenvolvimento da civilização humana sempre esteve intimamente


ligado ao ambiente onde florescia. A economia girava em torno dos “recursos”
disponíveis, fossem eles devido à cheia periódica dos rios, como no clássico caso
do Egito, fossem eles relacionados ao minério, à fertilidade da terra, ao acesso
facilitado ao mar ou mesmo ao manejo, milenarmente aprendido, da floresta.
As vestimentas e as crenças religiosas, a alimentação e os medicamentos,
estes geralmente extraídos de plantas, também variavam e dependiam do que
oferecia o ambiente local.
De acordo com Carvalho (1991), houve um tempo em que a relação do ser
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humano com a natureza era tão integrada que sequer havia a percepção da
existência do ambiente como algo além do humano. A natureza era então
antropomorfizada. Somente ela existia. As diferenças entre as pessoas eram
apenas as de ordem física, servindo para a divisão do trabalho comunitário.
Em um momento seguinte, essa relação humanos-natureza passou a ser
regida pela identificação da natureza como algo à parte, que requeria
intermediários eficientes (os sacerdotes de todos os tipos) para que se fizesse a
comunicação com ela. A eles estava designado o papel de intérpretes. Essa
diferenciação surge a partir da mudança da organização social, mudança esta que
fez os humanos se perceberem como algo distinto dos outros seres. Aqui, o medo
era ingrediente fundamental. Uma das conseqüências diretas foi o grande acúmulo
de poder das religiões.
Um pouco mais adiante, encontramos na história desta relação a oposição
sociedade-natureza, artificial-natural. Depois, a natureza adquire uma conotação
divina, obra a ser cuidada e admirada pelos humanos, para quem ela teria sido
criada.
Em outra etapa, a natureza passa a fazer papel exclusivo de “supermercado”
(fornecedora de matérias-primas), devendo ser estudada, analisada em partes e
controlada. Mas a natureza-máquina perde a vez tão logo se inicia a Revolução
25

Industrial. Agora, valem as idéias de competição e progresso. Finalmente, no


último século foi se esboçando uma nova concepção de natureza, mais relacionada
à compreensão sistêmica e interdependente de mundo.
Todas essas concepções, aqui vistas de passagem e de uma maneira bastante
simplificada, foram produto da cultura humana, da interação das sociedades com
seus ambientes e variam conforme os valores que são privilegiados numa
determinada época e local.
Não se trata de pensar o que a natureza é mas de perceber que a relação que
com ela se constrói molda as culturas e maneiras de viver. José Augusto Pádua1,
pesquisador na área de história ambiental, sugere que a falência do império
romano se tenha dado, também, devido ao uso do chumbo nas canalizações, o
qual teria gerado graves distúrbios mentais na população e acentuado o número de
casos de loucura.
Se lançarmos um olhar mais cuidadoso e prolongado à história, veremos que
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problemas ambientais não constituem uma inovação do século XX e XXI.


São equívocos históricos tanto a idéia de que “o homem” é um destruidor
recente, e a ele se deve a degradação da natureza apenas nos últimos dois ou três
séculos, como a noção de que o ser humano não manipulava a natureza antes
desse período de destruição mais ostensiva.
A ocupação do planeta pelo ser humano teve início com suas andanças desde
seu surgimento. Impossível pensar que nenhuma interação houve entre pessoas e
outros seres que compunham o ambiente, entre gente e a geografia percorrida.
Esta impressão é confirmada pelos estudos do historiador Simon Schama:
“Claro está que, objetivamente, a atuação dos vários ecossistemas que sustentam a vida
no planeta independe da interferência humana, pois eles já estavam agindo antes da
caótica ascendência do Homo sapiens. Mas também é verdade que nos custa imaginar um
único sistema natural que a cultura humana não tenha modificado substancialmente, para
melhor ou para pior. E isso não é obra apenas dos séculos industriais. Vem acontecendo
desde a antiga Mesopotâmia. É contemporâneo da escrita, de toda a nossa existência
social. E esse mundo irreversivelmente modificado, das calotas polares às florestas
equatoriais, é toda a natureza que temos.” (Schama, 1996, p:17)

É fato que os distintos modelos inventados pelo ser humano para organizar
seus agrupamentos ou sociedades foram fruto também de interações com a

1
Comunicação pessoal, 1997: aula da disciplina de História Ambiental durante o curso de
especialização Teoria e Práxis do Meio Ambiente, oferecido pelo ISER (Instituto de Estudos da
Religião).
26

geografia e ecologia do lugar e repercutiram sobre o ambiente de diferentes


maneiras.

2.1
Modelos de sociedade

As maneiras de organizar as sociedades sofreram diferentes ênfases e as


classificações que fazemos hoje são meramente didáticas, visto que os
agrupamentos humanos foram constantemente compostos por uma mistura de
tipos de organização. O arranjo social mais antigo é o da sociedade caçadora-
coletora, cuja forma de viver nômade sustenta pequenos grupos vivendo em
grandes espaços. Ainda hoje, alguns grupos vivem assim, na África e na América
Latina, por exemplo. Para os caçadores-coletores, a sobrevivência diária é o que
guia suas ações. Todavia, necessitam de pouco para viver. Apenas comida, abrigo
e vestuário – recursos buscados diretamente na natureza. Vale lembrar que para
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estes grupos não há acumulação. Os dias são vividos um de cada vez.


As primeiras sociedades sedentárias se apoiaram numa nova relação com o
ambiente: a agricultura. Com a agricultura, foi necessário entender melhor os
ritmos da natureza e seus fenômenos. Plantando, tornou-se possível permanecer
num lugar por mais tempo, conhecê-lo, pensar sobre ele. Nessa busca de melhor
entender os fenômenos da natureza, os mitos desempenharam papel de grande
importância. Ao mesmo tempo, estavam criadas as condições para surgirem novos
conhecimentos: havia tempo, mais segurança, mais coisas observadas,
questionamentos. Também foi possível estocar alimento. Esta possibilidade pode
ter sido o motor tanto do surgimento da tecnologia como dos exércitos ou
responsáveis pela garantia de segurança dos bens do grupo.
Houve ainda sociedades de organização predominantemente militar, como
Esparta. Estas se apoiavam nas conquistas e saques, mais que no cultivo ou
tecnologia.
O regime de uma sociedade tribal, sedentária ou nômade, guerreira ou
agrária, distingue-se das sociedades atuais, que se conformam em grandes grupos,
cujos intercâmbios são cada vez mais intensos e amplos, e bastante apoiados no
comércio.
27

As sociedades imperiais também se compunham de grandes grupos,


articulados ou submetidos, e seu poder era fundamentalmente bélico. Seus outros
pilares eram geralmente o comércio e a religião.
Cada uma destas sociedades mantinha uma relação distinta com a natureza.
Podemos dizer, simplificadamente, que aquelas que se preocupavam em expandir-
se e acumular riquezas foram geralmente mais predadoras, enquanto que os
pequenos agrupamentos de economia não-acumulativa sustentavam-se de maneira
mais integrada aos processos da natureza – o que não quer dizer que não
manejassem os processos naturais ou não interferissem neles. Diversos exemplos
dessa situação podem ser encontrados no livro de Alfred Crosby (1993),
Imperialismo Ecológico. Assim, ele atribui o sucesso da expansão imperialista da
Europa à sua capacidade de mover-se com uma biota portátil – que incluía
plantas, animais e microorganismos – capaz de promover grande degradação nas
terras conquistadas em função de inúmeros fatores, não cabíveis de descrição
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neste texto. A sede de novas riquezas fez com que este tipo de sociedade se
expandisse, causando grande impacto nos ambientes dos locais onde aportaram e
se instalaram os europeus; lugares geralmente habitados de longa data, com uma
estrutura social de economia não-cumulativa. Tal foi o caso, só para citar alguns
povos, dos maoris, moradores originais da Nova Zelândia; dos guanchos, nas Ilhas
Canárias; dos fijianos; dos hawaianos; dos iroqueses; e dos aborígenes
australianos.
28

2.2
Aceleração da destruição ambiental

Algumas destas sociedades, porém, tiveram maior capacidade de manter a


terra, os ares e mares com uma relativa saúde do que outras. Por saúde estamos
querendo dizer a capacidade do ambiente de se auto-regenerar.
Isso depende não apenas da amplitude geográfica da sociedade em questão
mas sobretudo da intensidade com que são atingidos os alicerces dos
ecossistemas, o que, como vimos, tem estreita relação com o modelo de
organização social.
Algumas idéias relacionadas à degradação ambiental, amplamente
difundidas no e pelo ambientalismo de meados do século XX ao seu final,
tornaram-se mitificadas. Examinemos as principais:
“O ser humano é destruidor por natureza”: esta afirmação já foi
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analisada e verificamos que a destruição depende da forma de


organização da sociedade e, portanto, de suas metas e valores.
“O ser humano não manipulava a natureza antes; por isso, não a
destruía”. A história mostra que o manejo ecológico tem feito parte
da interação humanos-natureza. Não estamos circulando sobre a
Terra há pouco tempo. Dizem os paleontólogos que há pelo menos
cerca de 2 a 3 milhões de anos nós, seres humanos, interagimos com
os ambientes terráqueos. Uma pequena passagem do livro "O que é
vida?" ilustra esse dado:
"Somos mamíferos primatas gregários e há evidências paleontológicas de
que vivemos muitas centenas de milhares de anos, talvez dois ou três
milhões de anos, em pequenas comunidades (menos de 20 membros); que
somos compartilhadores de alimentos (...)" (Vaz, 2000, p: 251).

E nesse tempo todo, viemos exercendo nossa influência na


modificação do cenário, no que compreendemos por paisagem. A
questão é a forma como isso ocorre e a escala.
Na mesma ordem de raciocínio, costuma-se dizer que “a destruição é
recente, pois recente é o domínio humano sobre o ambiente”. No
entanto, toda a região da antiga Mesopotâmia sofreu seguidos
impactos. Grandes extensões das florestas européias não existem
mais, animais foram extintos pela caça e corpos d’água
29

desapareceram devido ao manejo agrícola e às guerras,


acontecimentos datados de muito antes do que se considera o tempo
em que o homem “dominou” seu ambiente. Quando comparamos
esses lugares com as Américas pré-colombianas e a Austrália, antes
das grandes navegações, é forçoso admitir que o processo de
degradação causado pelo ser humano é antigo, mas não universal. E
não se deve ao simples fato de manejar certos elementos da natureza
a seu favor, coisa que também os ameríndios e aborígines
australianos faziam. O que nos leva a reafirmar que depende da
maneira como a sociedade se organiza em função de seus ideais,
ambições e, conseqüentemente, valores.
“Não conhecemos devidamente o funcionamento dos ecossistemas e,
portanto, suas fragilidades e potencialidades. Isso causaria graves
danos a eles.” A esta afirmação podemos retrucar que o
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conhecimento tão somente de algo nunca foi suficiente para


promover mudanças no comportamento, ainda que ele seja
necessário. Afinal, são as medidas políticas e econômicas que regem
a vida social e quando estas desconsideram os resultados em longo
prazo, estando a serviço de interesses restritos, certamente os
ecossistemas serão atingidos, seja em que época for. Além disso,
houve momentos nos quais não se podia dizer que os humanos
desconheciam seu ambiente. O ser humano foi e continua sendo um
elemento da paisagem, um componente do ecossistema. Até bem
pouco tempo, um ser participante e conhecedor de sua paisagem e
processos que nela se desenvolvem. Esse conhecimento, entretanto,
parece ter melhor se preservado quando as comunidades eram
menores e seus sistemas de vida as tornavam mais dependentes deste
conhecimento direto.
Por outro lado, costuma-se creditar ao crescimento da capacidade
tecnológica da espécie a maior intensidade da alteração no ritmo de alguns
processos biológicos. De fato, não sabemos como funcionam todas as delicadas
interações ecológicas, a ponto de prevenir todo tipo de desastres possíveis,
ocasionados por estas nossas interações. Não está, nem esteve em nossas mãos,
ainda que seja difícil admitir, o controle do que acontece no planeta.
30

Ressaltamos ainda que as estratégias tecnológicas estão a serviço das


estruturas de poder de pequenos grupos, o que vem se repetindo ao longo da
história humana, variando apenas os grupos e interesses de que são portadores. No
presente momento, constatamos que esta associação poder-tecnologia tem-se
mostrado na prática pouco preocupada com o destino da maioria dos seres do
planeta, contanto que se mantenham a hierarquia e a riqueza conquistadas.
Evidentemente, nem sempre é o caso de uma ação planejada para causar
impactos sócio-ambientais. Muitas vezes, o que se verifica é a ignorância dos
processos naturais dos quais participamos ou mesmo a negligência. No entanto,
cada ação tomada por uma empresa, governo ou cidadão repercute, cedo ou tarde,
sobre outras pessoas, cidades, países e seres vivos. Um bom exemplo foi o
período das grandes navegações e a subseqüente colonização das terras
descobertas, responsáveis por extinções em escalas desconhecidas até então, tanto
de plantas e animais como de povos inteiros.
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Mas há ainda um equívoco a este respeito. É o quinto item de nossa lista


de mitificações, segundo o qual “a destruição da natureza ocorre a partir das mãos
e obras humanas”. Por mais que o ser humano queira crer nessa afirmação e possa
sentir-se ora lisonjeado, ora culpado, um pouco de pesquisa demonstra que esta
degradação é obra conjunta da co-evolução entre humanos e o que Crosby (1993)
chama de biota portátil. Em poucas palavras, uma série de organismos (plantas,
animais, fungos, vírus e bactérias) evoluiu em estreita convivência com parcelas
da humanidade. De modo que tanto uns como outros tiraram algum proveito desta
relação. O grupo humano que por mais tempo conviveu com uma maior variedade
de outros seres vivos foi o dos europeus. Assim, quando estes se espalharam por
outras partes do globo, levaram junto consigo esta biota portátil, a qual, sem que
eles percebessem, foi a principal razão de seu sucesso colonizador fora da Europa.
Fosse por enfraquecer imunologicamente os povos com que se defrontavam, fosse
por garantir a sobrevivência dos europeus a partir dos alimentos que já conheciam,
especialmente porque garantir os alimentos conhecidos significou ocupar espaços
ecológicos antes ocupados pelas plantas e animais locais, afins aos povos com
quem conviviam. Ao desalojar a biota local, os europeus, sem o saber, foram
tirando as condições de vida dos povos conquistados e garantindo as suas
próprias. Em suma, foram “europeizando” os novos territórios. Vejamos uma
ilustração:
31

“A usurpação da biota nativa do pampa já devia ter começado no fim do século XVI,
quando animais da Europa chegaram, vicejaram e se propagaram em enormes rebanhos.
Seus hábitos de alimentação, seus cascos atropeladores, seus excrementos e as sementes
das plantas que carregavam com eles, tão estrangeiras na América quanto eles mesmos,
alteraram para sempre o solo e a flora do pampa. (...) Onde quer que o europeu ou o
pioneiro mestiço construíssem sua pequena habitação, surgiam malvas, cardos e outras
plantas, mesmo que não houvesse tais espécies num raio de trinta léguas. E era suficiente
que o homem da fronteira freqüentasse uma estrada, mesmo sozinho com seu cavalo, para
que essas plantas passassem a aparecer à beira do caminho.” (Crosby, 1993: p.145)

Esse processo e outros semelhantes significaram a rápida extinção da


maioria das plantas locais, além de alimento para os animais recém-chegados da
Europa, como cavalos, bois, ovelhas, porcos, cabras e abelhas de mel. Esses
animais, por sua vez, expulsaram os animais nativos e, diante da abundância de
alimento e da falta de predadores, multiplicaram-se infinitamente de tal modo que
chegavam a novas fronteiras anos antes dos colonos, garantindo-lhes comida farta
e um solo aberto a cascos para o florescimento das plantas vindas com os
europeus. E o ciclo se perpetuava continente afora. A extinção dos animais locais
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freqüentemente provocou a diminuição dos povos nativos que deles dependiam, a


exemplo de indígenas norte-americanos e seus búfalos. Sem contar que as defesas
imunológicas dos moradores originais das terras conquistadas não estavam em
guarda contra os patógenos do Velho Mundo. Assim, vários desastres sucederam-
se minando as populações locais. Os exemplos mais expressivos são a varíola nas
Américas e a sífilis na Nova Zelândia. Sobre a primeira, Crosby explica que:
“A varíola cruzou pela primeira vez as suturas da Pangéia – chegando, especificamente, à
ilha Hispaniola – no final de 1518 ou início de 1519, e durante os quatro séculos
seguintes desempenhou um papel tão essencial quanto a pólvora no avanço do
imperialismo branco no ultramar – um papel talvez até mais importante, pois os indígenas
acabaram voltando o mosquete, e depois o rifle, contra os invasores, mas a varíola
pouquíssimas vezes lutou do lado dos primeiros habitantes. Os invasores em geral
estavam imunizados contra a doença, e também contra as doenças infantis do Velho
Mundo, a maioria das quais era nova do outro lado dos oceanos. Logo o mal exterminou
um terço ou metade dos arauaques em Hispaniola, e quase imediatamente cruzou os
estreitos até Porto Rico e as outras ilhas das Grandes Antilhas, empreendendo lá a mesma
devastação. Passou de Cuba para o México e juntou-se às forças de Cortés na pessoa de
um soldado negro que adoeceu, um dos poucos invasores que não estavam imunes à
infecção. A doença exterminou uma grande parcela dos astecas e abriu caminho para os
forasteiros até o centro de Tenochtitlán e à fundação da Nova Espanha. Adiantando-se
aos conquistadores, logo apareceu no Peru, matando uma grande proporção dos súditos
do Inca, o próprio Inca e o sucessor que ele havia escolhido. Guerra civil e caos
seguiram-se. E então Francisco Pizarro chegou. Os triunfos miraculosos desse
conquistador, e os de Cortés, a quem ele soube imitar tão bem, foram em grande parte
triunfos do vírus da varíola. (...) A população ameríndia era mais densa do que jamais
seria durante os séculos subseqüentes, e completamente suscetível à varíola. No início do
século XVI, canoeiros da tribo calusa costumavam ir da Flórida a Cuba para negociar, e
com certeza levaram a varíola de volta consigo para o continente. Além disso, povos que
32

mantinham pelo menos um contato esporádico entre si habitavam toda a orla do golfo do
México, de regiões onde a doença era comum até a extremidade oposta, as áreas
densamente povoadas do que é hoje o Sudeste dos Estados Unidos. O rio Mississipi, com
vilarejos raramente mais distantes entre si do que um dia de viagem ao longo de suas
margens, pelo menos até o estado de Ohio ao norte, teria disseminado a doença por todo o
interior do continente. Quanto aos pampas, a pandemia certamente se espalhou por todo o
império inca, até onde é hoje a Bolívia; e de lá passou aos povoados que tinham fácil
acesso entre si no Paraguai e ao longo do rio da Prata e seus afluentes, até os pampas. De
modo que, entre 1520 e 1540, a varíola pode ter se espalhado dos Grandes Lagos até os
pampas.” (Crosby, 1993: p.179 e 180)

Lançaremos mão uma vez mais das pesquisas da História Ambiental para
clarear o que tratamos de explicar a respeito da interdependência dos organismos
e das conseqüências de perturbações nas relações que a sustentam.
“Um dos fatores mais importantes do sucesso da biota portátil é tão simples que se torna
difícil relegá-lo: os seus membros não atuaram isoladamente, mas em equipe. Às vezes
uns contra os outros, como no caso dos fazendeiros e das moscas hessianas, mas mais
freqüentemente uns em benefício dos outros, ao menos a longo prazo. Às vezes a ajuda
mútua é óbvia, como quando os europeus importaram abelhas para polinizar suas
plantações; outras vezes é obscura, como nas Grandes Planícies, quando os brancos e seus
mercenários dizimaram quase todos os búfalos – propiciando assim o alastramento de
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patógenos venéreos, alguns dos quais eram certamente imigrantes. Um médico que
cuidava dos sioux em Fort Peck no final do século passado estimou que a tragédia das
infecções venéreas entre as mulheres não era apenas uma conseqüência da imoralidade, e
sim o resultado de uma mudança mais geral: ‘Elas eram castas até o desaparecimento dos
búfalos.’ ”(Crosby, 1993: p.254)

Se os exemplos anteriores são claros, esta última afirmação, em


contrapartida, pode parecer absurda ao leitor desavisado. Mas trata-se apenas de
entender o contexto. O que significavam os búfalos naquela sociedade ameríndia?
Crosby esclarece o mistério, detalhando um pouco mais este processo:
“Depois da Guerra Civil americana, bandos de fuzileiros entraram nas planícies e
destruíram os búfalos, removendo assim um elemento vital da biota nativa. Junto com os
búfalos desapareceu a capacidade dos ameríndios das planícies de viver
independentemente e resistir à nova ordem. Rancheiros e fazendeiros do Velho Mundo e
seus bovinos e ovinos avançaram então pelas planícies. Algumas mulheres sioux, vendo
seu modo de vida destroçado como um pote de barro, sucumbiram à prostituição. As
bactérias venéreas aproveitaram a oportunidade e reduziram drasticamente a taxa de
natalidade dos sioux, tornando a terra mais segura para os estrangeiros. Brancos, negros,
bois, vacas, porcos, cavalos, trigo e ervas prosperaram, e em torno das casas, celeiros e
poços d’água prosperaram também os camundongos, ratos, capins e arbustos do Velho
Mundo.” (Crosby, 1993: p.256)

E nosso historiador prossegue demonstrando como na biota portátil o


comportamento é geralmente de ajuda mútua. Descreve o desenvolvimento
conjunto das principais espécies de capim com os animais de criação, sendo
ambos vitais para a sobrevivência das sociedades humanas.
33

“Nossos capins de forragem mais importantes são nativos da parte do mundo onde a
maioria dos nossos animais de criação foram domesticados pela primeira vez, e eles têm
pastado nesses capins desde o primeiro milênio do Neolítico.
A adaptação mútua entre esses capins e os animais de pasto vem se processando desde
antes do Neolítico. A família Bovidae – que inclui o boi, o carneiro, o bode, o búfalo e o
bisão – surgiu e evoluiu ao longo do Plioceno e do Pleistoceno2 no Norte da Eurásia.
Muitos membros migraram para a África, alguns para a América do Norte, mas nenhum
para a América do Sul ou Australásia. Há milhares de anos, os animais de pasto e os
capins do Velho Mundo, juntamente com outras ervas da Eurásia e do Norte da África,
vêm se adaptando uns aos outros. Ao serem transportados para a América, Austrália e
Nova Zelândia, os quadrúpedes do Velho Mundo devoraram os capins e arbustos, e estes,
que até então só eram submetidos a uma pastagem leve, geralmente custaram a se
recuperar. Nesse ínterim, as ervas do Velho Mundo, sobretudo as da Europa e de regiões
próximas da Ásia e África, entraram avassaladoramente para ocupar o solo desnudado.
Elas toleravam bem o sol direto, o solo desértico, o corte rente e o pisoteio constante,
além de terem diversos meios para se propagar e disseminar. (...) Em Nova Gales do Sul,
os colonizadores derrubaram as árvores tão rapidamente, expondo os capins nativos ao
sol abrasante, e os animais de criação devoraram os capins e arbustos indígenas tão
depressa que o capim canguru [uma planta perene] desapareceu das cercanias de Sydney
poucas décadas após a chegada dos brancos. Onde o solo se tornara estéril, as plantas
européias, semeadas artificialmente e se auto-semeando, espalharam-se de modo
agressivo. Na Nova Zelândia, as ervas européias parecem ter se adiantado ao colonizador
branco. O naturalista William Colenso encontrou um exemplar de bardana-maior – um só
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– numa parte densa e praticamente virgem de Seventy-Mile Bush em 1882, e ‘o


contemplou assombrado, como Robinson Crusoé ao encontrar a pegada de um pé europeu
na areia!’ Ele deixou a planta intacta e só retornou ao local na primavera seguinte, quando
o gado bravio já entrara na região e espalhara por toda parte os carrapichos pegajosos que
a compõem. O resultado é que havia agora centenas de bardanas-maiores ‘com quatro pés
[1,20m] de altura, densas, cerradas e robustas, de tal modo que algumas plantas juntas
ofereciam um obstáculo formidável ao viajante.’ (Crosby, 1993: p.255)

Para que não fiquem enganos: não se trata de dizer que os organismos do
Velho Mundo eram superiores, mas que foram favorecidos pela contínua
perturbação (e, neste caso, contínua é mais importante que perturbação) a que se
sujeitaram os ambientes das terras conquistadas, através do arado, derrubada de
florestas, queimadas, cidades em expansão e pastagens exauridas, e através do
brusco contato em que foram colocados seres humanos, plantas, animais e
microorganismos que haviam evoluído separadamente por milhares de anos. No
mesmo livro, Crosby descreve tentativas anteriores de colonização européia em
terras distantes (como a Vinlândia3 e os intentos das Cruzadas), cujos resultados
foram um fracasso retumbante. E este fracasso, que se deu em períodos e locais
distintos, deveu-se às dificuldades encontradas de adaptação ao novo meio

2
Segundo o Dicionário eletrônico Aurélio a época pliocena é aquela em que “surgem os primeiros
homínidas; no período quaternário”; e a época pleistocena é aquela em que “as glaciações
ocorridas na Terra determinaram a formação de grandes camadas de gelo que atingiram a região
tropical, e ao final da qual aparece o homem com suas características físicas atuais.”
3
Nome dado pelos escandinavos ao que seria futuramente a América do Norte.
34

ambiente. Ou seja, enquanto os ambientes conquistados não foram expostos à


europeização, não puderam de fato ser colonizados.
É preciso lembrar que o estabelecimento e a consolidação das colônias neo-
européias propagaram um modo de vida totalmente diferente do tribal,
generalizado em boa parte do mundo de até então. Em poucos séculos, as
repercussões deste fato se ampliaram exponencialmente, ocasionando progressiva
perda de informação sobre o funcionamento da natureza local à medida que
desapareciam os habitantes originais e sua cultura – devido ao grande crescimento
populacional das colônias e a consolidação de uma maneira de viver em que a
dimensão das conseqüências da interação era cada vez menos considerada.
O crescimento desta repercussão e sua maior percepção foram alguns dos
principais mobilizadores dos países para tratar da questão ambiental tal como a
conhecemos no século XX e início do século XXI.
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3
Interdependência planetária

Nossa biosfera funciona como um sistema que se auto-alimenta. Quanto mais


sólido o elemento de que tratarmos, maiores as chances de percebermos alterações
que nele ocorram. O solo, sendo suporte de nossos passos, torna-se mais
observado por nós. Um processo de erosão que cresça num pedaço de chão se fará
notar, queiramos ou não. Apenas alguns líquidos percolarão1 a terra, devido a sua
solidez. Quando, porém, nos referimos ao ar e à água, temos de sutilizar nossa
percepção. A circulação desses elementos na biosfera é mais ampla e livre.
Ambos desconhecem fronteiras, divisas e outros limites instaurados pelos
humanos. Várias substâncias podem se dissolver, até certo ponto, nesses meios,
que passam então a veiculá-las, muitas vezes sem que possamos nos dar conta.
Isso também ocorre com a poluição.
Lembremos que, ao longo do século XX, o número de novas substâncias
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criadas ultrapassa a casa dos milhões. Recordemos ainda que possíveis efeitos
causados por elas, além daqueles para os quais foram criadas, são quase sempre
desconhecidos. E foi assim que as conseqüências de produtos e atividades
desenvolvidos num país passaram a se fazer notar fora de seus limites. Na Europa,
por exemplo, a poluição viajava nas águas do Reno, percorrendo vários países.
Quando falamos de poluição dos lençóis freáticos2, problema para o qual a
ciência ainda não encontrou solução, inevitavelmente abrangeremos as regiões por
onde fluem estas águas.
Se pensarmos na queima de lixo, não será difícil compreender que
substâncias, antes agregadas de forma mais densa, passam a estar livres no ar.
São, portanto, transportadas para locais aonde não chegariam sozinhas. Com a
chuva, que carrega consigo substâncias dispersas no ar, trazendo-as novamente ao
solo ou às águas, o lixo queimado consegue alcançar regiões longínquas, podendo
contaminá-las.
Situações restritas a um local podem ser tão intensas que se tornam
perigosas ou danosas tanto ou mais que as situações de maior amplitude

1
Percolar: processo pelo qual um líquido passa através de um meio. Geralmente utilizado pela
geologia para referir-se à água filtrando-se pelo solo.
2
Lençol freático: corpos d’água subterrâneos, que se formam em profundidades relativamente
pequenas, correndo sobre uma camada de terreno impermeável. Alimentam o curso dos rios ou
dão origem a estes.
36

geográfica. São emblemáticos os casos do smog3 londrino, matando centenas de


pessoas na década de 70; a contaminação da Baía de Minamata, na década de 60,
no Japão, afetando moradores, pescadores e diversos seres vivos; e o exemplo
brasileiro do vazamento do Césio em Goiânia, em 1986.
Quando as atividades econômicas, sobretudo as industriais, tornaram-se uma
ameaça na Europa, cujos países desfrutam de uma proximidade nem sempre tão
desejada, algumas preocupações passaram a ser levantadas, e reuniões
internacionais convocadas. Nasceram as conferências mundiais e multiplicaram-se
os acordos de caráter internacional. Foi preciso, então, assumir que as atitudes e
decisões tomadas num canto do mundo podem afetar outros povos e regiões. Para
evitar agravamentos surgiram negociações entre os países. No entanto, é preciso
considerar que o poder de negociação não está identicamente distribuído. As
barganhas tendem a servir ao lado mais forte da corda. Não é raro encontrarmos
acordos propostos pelos países do Terceiro Mundo cuja ratificação é protelada por
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anos a fio ou mesmo negligenciada por países mais ricos, que se veriam obrigados
a tomar medidas de algum modo impactantes para suas economias num primeiro
momento. Um exemplo atual é o Protocolo de Kioto, acordo gerado pela
Convenção Climática.
Pedrini (2000) analisa a trajetória da Educação Ambiental e a situação
mundial que levou ao seu nascimento. Para ele, a hierarquia político-econômica
exerce importante papel nas repercussões de problemas ambientais:
“(...) é largamente difundido, por exemplo, que países como os EUA se enriqueceram à
custa de países como o Brasil. E o pior de tudo é que inúmeras substâncias ou processos
industriais nocivos ao homem norte-americano não eram condenados no Brasil. Assim,
além da exploração perversa de nossos recursos naturais os países ricos ainda
comercializam no Brasil produtos proibidos em seus países. E, sendo os órgãos de
controle ambiental dos países ricos mais restritivos que os dos pobres, os empresários
economizam vultuosas verbas, instalando no Brasil unidades industriais que jamais
poderiam instalar em seus países devido à poluição e males irreversíveis que causam.”
(Pedrini, 2000: p. 25)

Os problemas ambientais não escolhem etnia, classe social ou credo


religioso, porém afetam as pessoas e países diferentemente segundo essas
condições, devido a sua capacidade de negociação política e seu nível de
entendimento da situação. Nossos índios, por exemplo, não escolheram ter suas
terras invadidas por mineradores, madeireiros e fazendeiros ou utilizada para

3
Smog: neologismo inglês formado pela junção das palavras smoke (fumaça) e fog (neblina),
retratando um fenômeno que passou a ser comum na Londres da Revolução Industrial.
37

barragens, cujo benefício não terão acesso. Apesar disso, são afetados diretamente
pelo mercúrio da mineração em seus rios, pela morte da caça, pelo desmatamento,
pelas doenças trazidas pelos brancos (como sífilis, gripe, herpes, alcoolismo e
prostituição) e pelos sangrentos conflitos, em desiguais condições de luta,
causados pela disputa de uso da terra. Para não ir tão longe, os moradores pobres
das encostas são afetados pela erosão gerada no processo de ocupação ilegal da
terra, pelo acúmulo do lixo e ausência de serviços de saneamento básico. Os
habitantes das grandes cidades, qualquer que seja sua condição social, são
invariavelmente vítimas da poluição do ar, visual e sonora, que diminuem
drasticamente a qualidade de vida. Contudo, entre estes haverá os que possuem
meios de tratar sua saúde e outros (a maioria, infelizmente) que não. Há também
que se considerar o domínio que os sujeitos possuem dos bens simbólicos, como o
acesso à cultura e educação. Assim, embora muitas pessoas sejam atingidas pelos
mesmos problemas, algumas saberão de seus direitos e terão como enfrentá-los e
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outras não.
Em suma, a análise da questão ambiental é indissociável do entendimento
das mazelas sociais, das tramas políticas e das interações econômicas.
Voltando, todavia, ao nível das nações, mesmo quando são realizadas
grandes conferências ou encontros internacionais para melhor compreender e
deliberar sobre os problemas mundiais, os resultados dependem dessas variáveis
(cultura, poder, educação, economia, política etc), como bem ilustra Pedrini
(2000):

“(...) a Agenda 21: a) previa sua aplicação para o ano 2000 (século XXI); b) já tinha
aprovado 115 programas de cooperação; c) já teria o financiamento prometido de 600
milhões de dólares; d) nas suas 800 páginas, visava um mundo: Próspero; Justo;
Habitável; Fértil, Compartilhado; Limpo; Povoado; e) propunha soluções para tudo...
Portanto, seria um documento contraditório, considerando as ideologias conflitantes
presentes nos diferentes países partícipes. A Agenda 21 não contempla adequadamente a
EA, pois politicamente é inapropriada aos países pobres (...) As conferências de Tbilisi e
Moscou, embora inconsistentes politicamente, parecem adequadas e coerentes
tecnicamente. Tal constatação pode sugerir que variadas correntes ideológicas estão
representadas e transitam nas conferências internacionais.” (Pedrini, 2000: p.33)

Mas as posturas e decisões políticas não teriam relação com dimensões mais
subjetivas do ser humano, como a percepção?
38

3.1
Percepção ambiental e suas conseqüências históricas

De acordo com o Dicionário Eletrônico Aurélio – Século XXI, a percepção


é uma faculdade e ato relacionado aos sentidos.
“1. Adquirir conhecimento de, por meio dos sentidos.
2. Formar idéia de; abranger com a inteligência; entender, compreender.
3. Conhecer, distinguir; notar.
4. Ouvir.
5. Ver bem.
6. Ver ao longe; divisar, enxergar.”

Falar de percepção ambiental significa, portanto, verificar como os sentidos


do ser vivo apreendem a realidade em que ele está imerso. Como o ambiente é
compreendido a partir desta apreensão.
Podemos supor que os sentidos básicos – olfato, paladar, visão, tato, audição
e propriocepção – foram pouco alterados fisiologicamente em seu funcionamento
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nos seres humanos ao longo de sua história. A questão, então, é o significado que
se atribui ao que os sentidos apreendem. E como condicionamos a consciência do
que percebemos aos nossos valores e herança cultural. Ou seja, se a visão de
mundo é influenciada pelos sentidos, estes também o são pela mundivisão do
indivíduo.
A percepção do ambiente está estreitamente relacionada com a cultura e
história que nos impregnam. Geralmente se define o ambiente como “tudo aquilo
que está ao nosso redor”. E o que está ao nosso redor recebe também o nome
genérico de paisagem. É o historiador Simon Schama quem nos lembra:
“(...) conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção humana em dois
campos distintos, na verdade elas são inseparáveis. Antes de poder ser um repouso para
os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camadas de lembranças
quanto de estratos de rochas”. (Schama, 1996, p:17)

Schama é um estudioso da influência do mito e da percepção em nosso


entendimento da natureza e na forma como concebemos a paisagem. Nesse
sentido, aponta para o artificialismo da separação que fazemos entre ser humano e
natureza:
“(...) Até mesmo as paisagens que parecem mais livres de nossa cultura, a um exame mais
atento, podem revelar-se como seu produto. (...) Embora reconheçamos (como devemos)
que o impacto da humanidade sobre a ecologia da terra não foi puro benefício, a longa
relação entre natureza e cultura tampouco tem constituído uma calamidade irremediável e
predeterminada. No mínimo, parece correto reconhecer que é nossa percepção
39

transformadora que estabelece a diferença entre matéria bruta e paisagem.” (Schama,


1996: p.20, destaque meu)

Aproximemo-nos desta idéia com alguns exemplos.


Na região da antiga Germânia tribal, a floresta era vista como local de
iniciação, fonte da identidade pessoal e da tribo. Ali se desenvolveu o culto ao
carvalho. Enquanto para os “civilizados” romanos a floresta germânica não
passava de um local inóspito e bárbaro, cujo povo deveria ser conquistado e
subjugado tal como sua floresta, para os germanos era sua casa. Estando
plenamente identificados enquanto povo e ser humano como parte da floresta, ela
era objeto de culto e proteção. Seguiram-se guerras e mudanças de fronteiras na
região inúmeras vezes. Principalmente graças a estes eventos, com o tempo a
própria floresta foi sendo desmatada. No entanto, a Alemanha segue ainda hoje
sendo um dos países cuja preocupação com o cuidado ambiental é mais notável,
refletindo-se necessariamente em atuações concretas.
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Para o Império Romano, a civilização e os campos abertos estavam


indissociavelmente ligados. A geografia já fora modificada antes do império e os
romanos se caracterizavam por seu amor às construções e ao que fosse
essencialmente urbano. Ecossistemas pouco alterados eram vistos como problema,
desordem, símbolo do inculto, incivilizado, incontrolável, devendo ser aberto,
destruído, “arrumado”.
Na Inglaterra, também muito cedo desmatada, eram comuns os grandes
prados e colinas. Para Schama, é
“um erro imaginar a Inglaterra medieval coberta de vastas florestas, imemorialmente
antigas, interrompidas apenas pelos urzais e por precárias searas e pastagens. Quando
Guilherme, o Conquistador, chegou à costa de Sussex, as florestas se resumiam a 15% do
território inglês. (...) Muito antes dos romanos chegarem, as primeiras culturas
estabelecidas na Grã-Bretanha, notadamente os celtas, haviam feito grandes derrubadas.
As sofisticadas demandas da vida urbana dos romanos, sobretudo no tocante à água
quente no clima frio e nevoento da Inglaterra, com certeza aceleraram o desmatamento. A
fundição de ferro com fogo de lenha levou o processo ainda mais longe. Assim, na época
dos reis anglo-saxões o padrão essencial de campo – vastas extensões de campos
cultivados e pastagens, pontilhadas de arvoredos – já fora estabelecido.” (Schama, 1996:
p.150 e 151)

Esta passagem é suficiente para ilustrar a constatação de que não apenas a


revolução industrial e o avanço do capitalismo no século XX foram responsáveis
pela degradação ambiental. Particularmente a destruição das matas é um processo
iniciado muito cedo na história humana. O melhor exemplo disso é o surgimento
40

dos desertos do Oriente Médio, região cuja fecundidade anterior fora responsável
pelo florescimento das civilizações mesopotâmicas.
Ao contrário do que possa parecer aos olhos do senso comum, que julga a
natureza como espaço intocado, intensa vida rural se desenvolvia dentro das
florestas inglesas – tal como, aliás, ocorre hoje em grandes trechos da floresta
amazônica brasileira. Nas palavras de nosso historiador, um pouco da longa
descrição sobre as contínuas atividades desenvolvidas ali, nos pontilhados de
arvoredos que o autor designa de floresta inglesa:
“Havia gente nas florestas: assentada, ativa, ganhando a vida com os recursos a sua volta;
uma sociedade robusta com ritmos sazonais de movimento, comunicação, religião,
trabalho e prazer. Mesmo nas matas mais extensas havia estradas para as carroças e
trilhas para os pedestres, e seus adeptos as conheciam tão bem quanto as vias romanas.
(...) Mesmo no início da Idade Média, boa parte da floresta já estava sendo administrada
por seus habitantes como um tipo especial de microeconomia. As árvores que forneciam
madeira de lei eram cortadas a intervalos regulares de doze anos e a mais de um metro do
solo, numa altura suficiente para evitar que os cervos comessem os rebentos. O toco se
regenerava depressa e fornecia o tipo de madeira leve que se prestava a toda espécie de
necessidades essenciais: cercas, trançados, ferramentas e utensílios. O resultado era a
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vegetação mais baixa, ou os pequenos bosques, que constituíam a marca característica da


floresta medieval (...). Comparadas com as antiqüíssimas florestas da Alemanha e da
Polônia (...) essas matas parecem mais ralas e até meio remendadas, com seus prados
cobertos de relva e suas flores silvestres brotando por entre as árvores. (...) E os animais
selvagens, muitas vezes, partilhavam a paisagem com os rebanhos domésticos. (...) No
perímetro da mata, seus habitantes produziam o carvão que abasteceria as primitivas
fundições. Recolhiam cortiça para o curtume, carregavam lenha para as vidraçarias e
cervejarias, cortavam madeira para a construção das casas urbanas.” (Schama, 1996:
p.151-153)

Para os habitantes das matas inglesas, as florestas representavam a um só


tempo sua casa, quintal e meio de sobrevivência, revelando um manejo que até
certo ponto mantinha a floresta e garantia a sobrevivência das famílias.
Dissemos há pouco que a percepção que temos do ambiente está
condicionada pelo caldo cultural onde estamos imersos e que esta mesma
percepção orienta as ações e modos de viver, configurando o perfil da relação com
o ambiente de uma determinada época e local. Retomando o exemplo da vida
produtiva das populações que viviam nas matas inglesas, podemos confirmar a
afirmação com que introduzimos este parágrafo. No período de dominação
normanda, os bosques ingleses passaram a ter outra função e foi então que
receberam o nome de floresta. A lei florestal criava vastas áreas de jurisdição
especial para a preservação da caça, reservada ao bel-prazer do rei. O próprio
nome floresta parece ter origem em foris (fora) e indicava um tipo específico de
41

administração, que restringia drasticamente o seu uso. Schama (1996, p:153-155)


ressalva que esta restrição não se baseava apenas numa visão recreativa da caça,
mas antes representava a organização da hierarquia de status e honra em torno do
rei. Além da oportunidade de exercício de equitação marcial para os jovens
nobres, a caçada requeria complexos conhecimentos, tanto a respeito da caça
como do ritual (por exemplo, a quem apresentar as fezes do animal, para quem
entregar partes específicas do corpo da caça).
Uma série de medidas, leis e papéis profissionais foram criados para que a
fiscalização se tornasse realidade. E embora fosse bastante severa, a legislação e o
tipo de penas previstas pelo corte de lenha ou pela caça ilegais, estas ações eram
praticamente endêmicas nas florestas reais. O flagrante podia redundar em multas,
mutilações e até na forca. Porém
“(...) boa parte da hostilidade mais ferrenha contra o regime da floresta real (...) deveu-se
não ao povo, que de um modo ou de outro conseguiu conviver com ele, e sim à elite
proprietária de terras. A nobreza e o clero é que mais se indignaram com a sujeição de
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seus privilégios e poderes à extensão arbitrária da ‘floresta’ que, a seu ver, representava o
poder ilimitado do rei e do bando de favoritos da corte. Assim, no fundo, a discussão
sobre a liberdade da mata verde era tanto política quanto social. E complicava-a, ainda
mais, o fato de que os monarcas normandos e angevinos sempre permitiram a existência
de ilhas de propriedades particulares dentro da área das florestas reais (...)”. (Schama,
1996: p.154-156)

O que ocorria, evidentemente, mediante razoável quantia em dinheiro.


Nestas ilhas, havia exploração quase sempre, ocorrendo: derrubada da mata para
obter terras para a lavoura; e arrendamento de povoados, gerando as tradicionais
rendas feudais.
Fazendo um parêntesis neste relato de fragmentos históricos, podemos
observar, pela citação anterior, que a relação com a natureza parece ter sido mais
maleável entre pessoas do povo do que no meio aristocrático, do clero, da nobreza
ou, posteriormente, da burguesia. A exploração dos recursos da natureza por parte
do povo referia-se meramente a uma questão de sobrevivência. Quanto às demais
camadas da sociedade, interesses de caráter econômico-financeiro condicionavam
sua relação com o (meio) ambiente e decidiam até que ponto haveria maior
preservação ou maior degradação.
Retomando a seqüência de nossa exposição, verificamos que se registrou
neste período, aproximadamente de 1100 a 1250 d.C, uma disputa pela exploração
da floresta. A resolução desta disputa se deu pela guerra. Tendo em vista que o
42

dinheiro era escasso e as necessidades desesperadoras, o “florestamento” tornou-


se licença para a extorsão. Uma vez que as penalidades eram lucrativas, a lei
converteu-se em negócio duplamente: via aplicação das penas e via “perdões”
para aqueles que se dispusessem a pagar para exercer as atividades que lhes eram
de direito (como coletar lenha caída para aquecer-se, por exemplo).
A partir do século XIII, a aristocracia buscou maneiras de lucrar com as
matas, fosse com forjas a lenha, fosse com a sublocação a carvoeiros, vidraceiros
ou curtidores. Os novos significados da floresta eram agora contraditórios: verde
mata real, a ser protegida imparcialmente; e fonte de lucros para empresários da
nobreza, que se decidiam a trabalhar a favor ou contra o sistema real conforme os
cálculos econômicos. Com as guerras – e necessidade de pagar aos soldados –
grandes áreas verdes reais foram vendidas, esperando-se recuperá-las mais tarde.
As histórias que surgem sobre Robin Hood e outros personagens assemelhados, a
partir de 1300, indicam que a mata era associada saudosista e idealistamente à
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monarquia, cujas virtudes seriam a lealdade, a honra, a fraternidade, a coragem,


cerimônia e hospitalidade, entre outras – esses valores se contrapunham ao mundo
concreto da corte e do Estado. Os marginais não eram rebeldes lutando contra a
monarquia, mas defensores dela. Lutavam contra os usurpadores de seu poder
legítimo. Estas conclusões estão no livro Paisagem e Memória, de Simon Schama
(1996).
Recorremos à História até aqui a fim de demonstrar as muitas possibilidades
de relações com o ambiente. Enquanto as florestas lituanas e germânicas se
configuraram em local de matanças, seja pelo sacrifício religioso, seja pelas
freqüentes guerras devidas a invasões, as inglesas eram compreendidas de forma
mais mítica, sobretudo com a enxurrada de narrativas sobre marginais como
Robin Hood, que viviam nas "sempre verdes e cordiais matas reais". Estas bem
serviram para criar ou fortalecer um outro mito: o do inglês cortês, gentil,
companheiro, a quem não importam as distinções de classe. Afinal, nos bosques,
os grupos que reuniam estes marginais não distinguiam seus componentes pelas
origens mundanas, tampouco havia tratamentos diferenciados. Nestes grupos, o
companheirismo era reinante; e a gentileza, regra da casa. Reis e “bandoleiros”
sentavam à mesma mesa, comiam da mesma comida, riam das mesmas piadas e se
entendiam de igual pra igual.
43

Na Inglaterra, a rala floresta foi vista através dos séculos como estoque de
madeira para o avanço da nação através da guerra, preferencialmente náutica. Para
dar uma dimensão do que isto significou às matas locais, basta dizer que para
construir um só navio, eram necessários aproximadamente dois mil carvalhos
adultos, de duas toneladas cada um! Sem contar outras espécies utilizadas para
mastros e quilhas, por exemplo. Quando a madeira inglesa começou a escassear,
foi necessário mandar buscar em terras longínquas, como as da Noruega, do
Canadá e dos recém-libertos Estados Unidos. Logo descobriram, no entanto, que
as espécies procedentes de outros lugares possuíam geralmente mais seiva que
madeira, chegando, em muitas ocasiões, ainda verdes aos estaleiros reais. O
resultado disso não tardava em aparecer: navios naufragavam na hora de entrarem
em ação, sem poder suportar o peso de sua carga; outros se cobriam de fungos em
pouco mais de um ano, requerendo que todo o casco fosse refeito vezes e vezes. O
que, na prática, significava grande quantidade de dinheiro e o sacrifício inútil de
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inúmeras árvores. Schama ilustra com diversos exemplos a confusão em que a


Inglaterra mergulhou, devido à combinação de contínuas guerras com a vizinha
França, à corrupção e ganância dos madeireiros e guardas florestais, somadas à
falência das matas inglesas. Um desses exemplos se refere a um dos mais
expressivos propagandistas de uma política eficaz de preservação e plantio,
Horatio Nelson, que
“em 1803, visitou a floresta de Dean e viu velhas árvores podres lado a lado com os tocos
de espécimes derrubados prematuramente, para que os madeireiros obtivessem lucros
rápidos; e enquanto isso, ‘vastos rebanhos’ de porcos e carneiros pastavam nas clareiras,
devorando os renovos. Ao mesmo tempo em que lamentou a desolação, Nelson imaginou
toda uma nova equipe de guardas-florestais: incorruptíveis, zelosos e instruídos. O
‘guardião de nossa floresta deve ser um homem inteligente e honesto, que dedique todo o
seu tempo ao trabalho. (...) deve morar na floresta, ter uma casa, um pequeno sítio e um
salário adequado.’ Enquanto não se realizava essa boa reforma, surgiram outras soluções
imediatas (...)” (Schama, 1996: p.181-182),

entre elas, a captura de navios franceses.

Aparentemente, os problemas de que nos queixamos hoje no Brasil quanto à


inadequação da estrutura e dos profissionais que estão encarregados de proteger os
ecossistemas (guardas-parque, guardas-florestais) é já um caso muito antigo no
mundo.
Em meio a estas dificuldades, surgiam, a intervalos, pessoas interessadas em
disseminar uma visão preservacionista, fosse pela identificação cultural com as
44

matas, como na Germânia, fosse pela estética ou por razões estritamente


financeiras. Um dos frutos decorrentes disso foi o embrião do que seria
futuramente a engenharia florestal. Na Germânia, essa ciência floresceu cedo,
logo se espalhando para a França, e mais tarde, para a Inglaterra. Neste país, a ela
foram associadas outras estratégias, além da produção de livros sobre manejo e
cultivo florestal, tais como concursos de plantio ou replantio (com direito a
prêmios) e uma intensa propaganda que buscava identificar religiosamente nação
e natureza. Esta ação frutificou na arte e nos livros e uma das heranças mais fortes
destes períodos – intercalados com outros de exploração intensiva – foi o hábito
inglês (quase mania) da jardinagem.
Na França, a devastação também ocorreu, porém o desenvolvimento dos
fatos se retardou muito mais que na Inglaterra, em virtude da autoridade
absolutista de Luís XIV, que dotou de plenos poderes o ministro Colbert. Graças à
sua atuação – produzindo um extenso levantamento das florestas do país e
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investigando os caminhos da corrupção, fosse ela de bispos, de comerciantes, de


funcionários reais ou da nobreza – foi possível reestruturar, pelo menos por algum
tempo, a proteção Real às matas. Com a Revolução de 1789, os populares se
tornariam provisoriamente os senhores da floresta, promovendo uma grande
derrubada devido aos intensos invernos e deixando que suas cabras e porcos se
multiplicassem e devorassem as matas à vontade. Quando, pouco depois, a
madeira foi novamente necessária à guerra, cogitou-se até mesmo a buscá-la em
fontes muito distantes, como no Brasil (pau-brasil), na Nova Zelândia (dâmara),
no Cabo (árvores fétidas) e até em Serra Leoa (tecas). Na prática, foram os
esquemas de contrabando de escoceses e ingleses instalados no Báltico,
alimentados por pequenos comerciantes judeus, que forneceram madeira lituana
para a França e para a Inglaterra.
Nesse contexto, os mitos florestais, ligados às identidades nacionais, foram
ressuscitados e alimentados.
Enquanto isso, nos anos que se seguiam ao achamento do Brasil, Portugal
recebia descrições das terras brasileiras qual paraíso de natureza pródiga, pronta
para ser explorada. Os objetivos da Coroa não eram outros, porém, que
conquistar novas terras se houvesse possibilidades de rendimentos. Raminelli,
escrevendo sobre os aventureiros portugueses, diz que eles
45

“não eram movidos pela curiosidade de encontrar novas espécies, animais e plantas
desconhecidos na Europa. Os conquistadores eram impulsionados pela cobiça, pela
possibilidade de enriquecimento e glória. Se no Novo Mundo encontrassem ouro, prata e
especiarias se tornariam homens ricos, comprariam terras e castelos e viveriam, talvez,
como nobres no seu rincão de origem” (Raminelli, 1999: p. 49);

um propósito bastante diferente daqueles que chegaram à costa norte-americana,


cuja pretensão era ocupar o território e nele viver.
A mentalidade portuguesa, pragmática, voltava-se para a conquista de novos
territórios que pudessem servir ao enriquecimento da Coroa, colocando Portugal
em vantagem comercial no mundo europeu. Assim, pouco importava o tratamento
dado às novas terras (e seus habitantes), contanto que se revelasse lucrativo.
Raminelli aponta diferenças importantes nas viagens pelo interior do
continente quando realizadas por pesquisadores portugueses ou quando realizadas
pelos ingleses ou franceses. Assim é que a
“ciência concebida pelos naturalistas portugueses (...) possuía um forte vínculo com as
razões de estado. Formados pelas academias para defender os interesses estatais, os
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viajantes lusos lançavam-se, de fato, aos empreendimentos coloniais munidos de


disposição de mapear as potencialidades do território, deixando para segundo plano as
descobertas e as normas estabelecidas pelas sociedades ilustradas.” (Raminelli, 1999: p.
63, destaque meu)

De sua parte, os pesquisadores de outras nações estavam preocupados – de


acordo com o momento iluminista em que viviam – em compreender os lugares,
povos, fenômenos, plantas e animais encontrados, descrevendo-os conforme as
estritas regras da ciência, e buscando ainda comprovar os dados colhidos nas
viagens.
Nesse sentido, as expedições empreendidas pelos luso-brasileiros não
gozavam de autonomia, tampouco de liberdade. Eram encomendadas pelas
autoridades coloniais de acordo com os interesses econômicos e políticos do
contexto. Tudo requeria autorização prévia, tornando o desenvolvimento de novos
conhecimentos acerca dos processos naturais um tanto limitado e burocrático.
Acresce-se a isso a proibição da entrada de “espiões” estrangeiros (os naturalistas,
entre eles) na colônia, que vigorou do início do século XVII até a abertura dos
portos, em 1808. Assim, as descrições de plantas e animais nativos eram
utilitaristas, quase sempre se referindo apenas àqueles que poderiam ser
importantes para a sobrevivência ou para o comércio.
46

A ampliação das áreas coloniais dependia da vinda de espécies exóticas4,


como o trigo e a galinha, por exemplo. A difusão destas, porém, implicava na
concorrência com as espécies locais e freqüentemente no extermínio destas
últimas. Isto não era visto como problema. Afinal, os obstáculos à colonização
haviam de ser superados e raros eram as plantas e animais nativos de valor
comercial para a metrópole.
A visão de natureza dos colonizadores portugueses como recurso ilimitado e
à disposição condicionava, portanto, a forma de conduzir as políticas, cuidados e
investimentos em terras brasileiras. Tanto assim que
“para incrementar a extração vegetal, os conquistadores forneceram aos índios machados
e facões de ferro. Com instrumentos cortantes, ficava mais fácil e ágil o corte e o
transporte da madeira até as embarcações. Em 1588, estima-se que 4700 toneladas
passaram pela aduana portuguesa (...). Além dos portugueses, havia os franceses, ingleses
e espanhóis que visitavam o litoral em busca de madeira. Nos anos seguintes, a coroa
portuguesa tomou consciência do corte indiscriminado do pau-brasil e decretou, em 1607,
que a madeira seria seu monopólio. Assim somente com a permissão da metrópole se
poderiam explorar essas reservas.” (Raminelli, 1999: p. 52)
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De modo geral, apesar de providências eventuais que visavam resguardar o


patrimônio, a relação dos moradores do Brasil com a natureza prosseguiu de
maneira espoliativa. Os ciclos sucessivos da cana, do ouro e do café, assim como
a introdução descuidada do gado e de outros animais domésticos desconhecidos
nas Américas, atestam o pouco caso que se deu às agonias da mata atlântica
brasileira.
Naqueles tempos, ainda não se sabia que a destruição das matas tropicais
difere significativamente da devastação produzida nas florestas temperadas. Estas
últimas são relativamente capazes de se recuperar, devido a sua grande resistência
e pouca complexidade. Contudo, como escreve Warren Dean, o mesmo
“não se pode esperar em relação às florestas tropicais, que podem quase certamente ser
destruídas mas talvez nunca se restabeleçam nos lugares onde foram eliminadas. Daí a
tragédia. A destruição dessas florestas é irreversível, no âmbito de qualquer escala
temporal humana. Quando a floresta tropical é destruída, a perda em termos de
diversidade, complexidade e originalidade não é apenas maior que a de outros
ecossistemas: é incalculável. Pois embora seja exeqüível catalogar as formas de vida na
floresta boreal – e, de fato, isso está bastante adiantado – o inventário da floresta tropical
fica bem além dos nossos recursos, atuais ou no futuro próximo. O desaparecimento de
uma floresta tropical, portanto, é uma tragédia cujas proporções ultrapassam a
compreensão ou concepção humanas.” ( Dean, 2002: p. 23)

4
Palavra aqui utilizada no sentido da Biologia, isto é, espécie estrangeira, não-nativa, não-
autóctone.
47

Por outro lado, podemos analisar perspectivas de natureza muito diferentes


dessas e suas implicações, como certas visões orientais. Para o taoísmo, tradição
filosófico-religiosa mais antiga da China, cuja origem remonta a cerca de cinco
mil anos, ela é fonte de aprendizado e constitui forte unidade com os seres
humanos. Segundo John Blofeld, o conceito taoísta de escatologia5 mescla
"filosofia profunda, aspiração espiritual, poesia da natureza e reverência à
condição sagrada de todos os seres e coisas (...)". (Blofeld, 1989: p.16; destaques
meus)
Assim, essa relação com a natureza receberia a marca de respeitosa
reverência, sendo ela mestra e exemplo perene de como viver. O próprio
amadurecimento do indivíduo seria acelerado e viabilizado se ele se dispusesse a
observá-la e analisar seu funcionamento, aprendendo a imitá-la. Uma passagem do
livro de Blofeld ilustra essa concepção:
"O Tao, em seu aspecto não-diferençado, é visto como um fluxo infindável, e todas as
coisas se acham sujeitas à mutação a cada instante. Não obstante, as mudanças se fariam
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em ciclos regulares (...). Tais ciclos são previsíveis, como por exemplo a alternância do
dia e da noite e as quatro estações. Os taoístas aprendem a contemplar e investigar as
várias seqüências de mutação; a contemplação engendra a tranqüilidade que sobrevém
quando a perda, a decadência e a morte são reconhecidas como não menos essenciais ao
todo que o ganho, a ascensão e a vida (...). [Os sábios] entendiam que as obras da
natureza dependem de um sistema de sutil equilíbrio entre processos que podem auxiliar,
obstruir ou bloquear uns aos outros segundo a energia relativa de cada um numa dada
circunstância. Tendo devotado muito tempo à tranqüila contemplação da natureza,
puderam observar tais forças às vezes conflitantes em ação, e aprenderam a antecipar o
desfecho dos conflitos, quando não a manipular esse desfecho dentro de certos limites,
como quando afastamos uma serpente de uma rã ou desviamos a água de um regato. (...)
Um taoísta dedicado é alguém que procura viver o mais possível de acordo com a
natureza: contemplação de seus caminhos, reconhecimento de sua adequação e
consciência de que tudo nela é 'bom' porquanto essencial ao todo." (Blofeld, 1989: p.19,
20 e 24; destaques meus)

A relação estreita prossegue ainda depois de conquistada a imortalidade,


pois aos imortais é destinado viver na montanhosa Ilha de P'eng Lai Shan,
supostamente localizada em frente à costa de Chantung. As descrições da ilha são
belas e sensíveis, sobretudo porque os poetas e pintores chineses foram
grandemente influenciados pelo taoísmo, que lhes inspirava autêntica veneração
religiosa. Saboreemos um exemplo da poética chinesa:

5
Escatologia: aqui usada no sentido teológico e antropológico. Conforme dicionário eletrônico
Michaelis: “1.Ciência ou teoria do destino ou propósitos últimos da humanidade e do mundo. 2.
Teol. Doutrina do destino último do homem (morte — ressurreição — juízo final) e do mundo
(estado futuro)”.
48

Realização
“A serenidade desceu,
Tudo é tranqüilidade.
Adormeço, embora a janela do oriente
Se inflame com a alvorada.
Em silêncio contemplo
As formas inumeráveis
Espontaneamente produzidas
Pela mão da natureza.
Docemente, as estações alcançam sua plenitude
... e os homens também”.
(Ch’en Hao, in Blofeld, 1989: p.70)

Podemos supor que esta relação de veneração religiosa pela natureza, que
ultrapassa a questão estética – já que sua valorização se devia antes à sua
capacidade de ensinar – tenha motivado melhor preservação na China Antiga que
em outras partes do mundo, no mesmo período. Este aspecto poderá ser
investigado em pesquisas futuras, ficando também a sugestão ao leitor
interessado.
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Pelo exposto até aqui, podemos temporariamente concluir que a forma como
percebemos o mundo influencia o relacionamento que com ele mantemos. A tal
ponto que isso conduz a trajetórias históricas, decisões políticas e de convivência
diversas. De acordo com o que analisamos, alguns exemplos contrastantes podem
ser retomados. Aos lituanos e antigos germanos, a natureza estava revestida pelo
mito e com ela havia tamanha identificação, que o povo se sentia como a própria
natureza, unindo seus destinos particulares aos processos nela ocorridos. Aos
romanos, o ambiente era apenas um espaço a ser domesticado e regrado de modo
a lhes proporcionar conforto. Para os ingleses e franceses, tratava-se, sobretudo,
de estoque de madeira para sustentar as guerras. Para os portugueses, fonte de
ascensão social. Para os chineses antigos, o meio ambiente era a origem dos
ensinamentos que lhes permitiriam superar a existência terrena, conquistando
elevado padrão espiritual. Observamos também como, a intervalos, quando os
governantes ou elites sentiam que era necessário preservar suas terras, havia um
grande investimento em campanhas de mitificação e idealização da natureza. O
teor desse investimento podia se alternar com outros momentos em que se
incentivava a produção de informações sobre o plantio e a recuperação ambiental
e, com outros ainda, nos quais as campanhas se voltavam mais exclusivamente
aos benefícios econômicos, hauridos do controle da natureza. Por fim, vimos
49

também que o povo quase sempre a usufruiu e a manejou visando à sobrevivência,


adaptando-se como possível às sanções aplicadas pela elite governante
(monárquica, imperialista ou burguesa). Os direitos de uso foram constantemente
relacionados às estruturas de poder e aos interesses que estas sustentavam; de
modo que a percepção esteve no centro das decisões e interações com a natureza
nos grupos humanos: ora de modo mais espontâneo (como nos germanos, lituanos
e chineses), ora de maneira mais manipulada (como na Inglaterra). Resta-nos,
então, compreender como a percepção se forma e verificar alguns exemplos de
sua repercussão em políticas mais atuais. Para tanto, analisaremos a percepção
expressa na legislação e na política brasileira de EA de nossos dias.

3.1.1
Desdobramentos políticos e legais

Uma análise abrangente dos desdobramentos políticos e legais da percepção


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ambiental planetária deveria contemplar, pelo menos, a Agenda 21 e a Política


Internacional de Educação Ambiental – PIEA (de proposição do PNUMA e
UNESCO). No Brasil, teríamos a Constituição Brasileira de 1988, o PRONEA e
alguns exemplos da legislação ambiental brasileira, como o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), a Lei Nacional de EA, a Agenda 21 Brasileira
e a Lei de Recursos Hídricos. No entanto, como nosso propósito é tão somente
ilustrar como uma dada percepção ambiental pode orientar as diretrizes políticas
de uma nação, daremos apenas um exemplo de porte político e outro legal. Assim
é que escolhemos o PRONEA, programa que pode ser considerado representativo
do pensamento no país, já que orienta as demais ações e leis na área de EA.

3.1.1.1
PRONEA – Programa Nacional de Educação Ambiental

O programa nacional de Educação Ambiental foi aprovado em 1994.


Elaborado pela iniciativa do Ministério do Meio Ambiente – e pelos esforços
conjuntos deste Ministério, do IBAMA e dos Ministérios da Educação e do
Desporto, da Ciência e Tecnologia, e da Cultura – buscou atender tanto ao
mandato Constitucional quanto aos compromissos internacionais dos quais o
Brasil é signatário.
50

O fato de ter sido escrito e revisado por diferentes atores, ainda que apenas
governamentais, pode ser tomado como indicativo de que a questão ambiental está
sendo compreendida como mais do que somente atribuição educativa quanto à
conservação dos ecossistemas. Os Ministérios atuantes nesse primeiro momento
de elaboração do documento de diretrizes nacionais para a política de educação
ambiental são os mais diretamente envolvidos com o tema, formando um grupo
mínimo imprescindível para esta proposição.
O Programa é orientado por alguns princípios6, cuja essência é a seguinte:
1- a EA requer ação integrada entre municípios, estados e União. Este
princípio veicula a idéia de democracia organizada, condição para a
disseminação e implementação generalizada da EA por parte do Poder
Público. Se a execução do Programa de fato atender a este critério,
estaremos assistindo ao atendimento de uma das características da EA
em sua própria implementação, que é a abordagem interdisciplinar;
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2- é de responsabilidade do Poder Público, mas é imprescindível a


parceria com a comunidade nacional. Ou seja, fica claro que uma
tarefa deste porte não tem condições de ser realizada só pela vontade
do Poder Público, requerendo penetrabilidade nos mais diversos
setores da sociedade para efetivar-se. Além disso, uma das diretrizes
de Tbilisi é justamente
“favorecer em todos os níveis uma participação responsável e eficaz da população
na concepção e aplicação das decisões que põem em jogo a qualidade do meio
natural, social e cultural” (UNESCO, 1980);

3- constitui objetivo da EA promover o desenvolvimento de uma


compreensão integrada do meio ambiente, incluindo seus aspectos
físicos, biológicos, sociais, políticos, econômicos, culturais, científicos
e éticos. Este princípio vem atender outra das diretrizes de Tbilisi, que
foram propostas como finalidades da Educação Ambiental:
“facilitar aos indivíduos e coletividades os meios de interpretar a interdependência
desses diversos elementos no espaço e no tempo, a fim de promover uma utilização
mais reflexiva e prudente dos recursos do universo para a satisfação das
necessidades da humanidade” (UNESCO, 1980);

6
Ver MMA, PRONEA, 1997, p: 14-18.
51

4- o programa considera que a preservação ambiental inclui o uso dos


bens naturais com responsabilidade e consciência dos direitos
presentes e futuros da humanidade. Neste caso, segundo a Declaração
de Tbilisi, atende a uma finalidade da EA –
“difundir informações acerca das modalidades de desenvolvimento que não
repercutem negativamente no meio, além de fomentar a adoção de modos de vida
compatíveis com a conservação da qualidade do mesmo”;

e a uma de suas principais características, segundo o mesmo


documento, isto é, ter
“caráter permanente, [ser] voltada para o futuro (deve absorver as mudanças
e se reconstruir permanentemente, visando à qualidade de vida)” (UNESCO,
1980);

5- estimula a consciência solidária entre as regiões do país e deste com a


comunidade internacional. E com este princípio atenta para outra das
finalidades da EA definidas em Tbilisi:
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“mostrar com toda clareza as interdependências econômicas, políticas e ecológicas


do mundo moderno, no qual as decisões e comportamentos de todos os países
podem ter conseqüências de alcance internacional.” (UNESCO, 1980)

As metas do Programa foram estabelecidas a partir destes princípios e


formaram, depois, as linhas de ação.
Duas são as perspectivas que norteiam as ações do Programa:
aprofundar e sistematizar a EA permanentemente, utilizando o sistema
escolar como instrumento.
O caráter de continuidade do aprofundamento e da sistematização é de
grande importância num mundo que está em permanente e acelerada
transformação. O uso do sistema formal de educação procura garantir a
disseminação e renovação das informações, valores e ações relacionadas à questão
ambiental, ou seja, à vida no planeta. Para a EA, importa um olhar solidário em
relação a todos os seres e relações, uma participação ativa e cidadã e uma atenção
interdisciplinar para o mundo.
Formar a consciência pública e a produção de informação adequada na
sociedade para a boa gestão ambiental. Para isso, é importante atingir
aqueles que possuem poder decisório ou de influenciar as decisões, os
usuários (diretos) de recursos naturais (pescadores, agricultores,
52

madeireiros...) e, finalmente, aqueles que atuam nos meios de


comunicação e comunicadores sociais em geral.
Fica evidente a preocupação com a efetiva penetrabilidade da temática
ambiental nas ações da sociedade. Estas perspectivas mostram que o caráter
democrático da EA foi incorporado pela legislação. Resta verificar como vem
sendo as ações concretas de aplicação da lei. Para dar concretude a estas
perspectivas, foram concebidas algumas linhas de ação estratégicas:
1. educação ambiental através do ensino formal;
2. educação no processo de gestão ambiental;
3. realização de campanhas específicas de educação ambiental para
usuários de recursos naturais;
4. cooperação com os que atuam nos meios de comunicação e com os
comunicadores sociais;
5. articulação e integração das comunidades em favor da educação
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ambiental;
6. articulação intra e interinstitucional;
7. criação de uma rede de centros especializados em educação ambiental,
integrando universidades, escolas profissionais, centros de
documentação, em todos os estados da federação.

A referência ao meio ambiente da linha de ação estratégica 1 (EA através do


ensino formal) parece ser de cuidado com ecossistemas, como se depreende do
objetivo:

“Capacitar o sistema de educação formal, supletivo e profissionalizante, em seus diversos


níveis e modalidades, visando a formação da consciência, a adoção de atitudes e a difusão
do conhecimento teórico e prático, voltados para a proteção do meio ambiente e a
conservação dos recursos naturais.” (MMA, 1997, p: 18, destaques meus)

Ao não definir o que é entendido por meio ambiente e reforçar a idéia de


cuidado duas vezes, com os verbos proteger e conservar, e também ao mencionar
pela segunda vez o meio ambiente – agora utilizando a expressão recursos
naturais –, é de se supor que a referência ao ambiente parta de uma matriz mais
ecológica (stricto sensu) e menos social. Além do mais, estes dois objetivos
(proteção do meio ambiente e conservação dos recursos naturais) são redundantes,
dispensando o reforço dado.
53

Ao mesmo tempo, uma das ações estratégicas propostas com o fim de atingir
este objetivo é o uso adequado de seus recursos, como segue:

“Promover a revisão da bibliografia e do material pedagógico em geral, centrando-o na


visão da conservação ambiental, no uso sustentado dos Recursos Naturais e no amor à
natureza”. (MMA, 1997: p. 19)

Observe-se que neste caso novamente se fala em conservação e em recursos


naturais (desta vez com letras maiúsculas), mas há um acréscimo que é o amor à
natureza. Esta finalização e o destaque conferido aos “recursos” nos faz pensar
que realmente se está tratando meramente do ambiente natural.
Mas vejamos como as outras linhas de ação se situam neste tema.
A linha 2 (gestão ambiental) apenas fala da assimilação da questão
ambiental na prática dos diferentes profissionais, através de cursos que insiram a
dimensão ambiental em suas atividades. A preocupação é com a incorporação de
“critérios antecipatórios e de conservação, bem como instrumentos de ordem
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econômica para a boa gestão ambiental” (MMA, 1997: p. 21). Além da


“capacitação”, esta linha pretende articular os diferentes órgãos de representação
social para que implementem, apóiem e promovam estas ações de capacitação.
Volta-se, então, a abordar a conservação, porém agora se adiciona a
dimensão econômica como fator importante para resolver a questão ambiental.
Na linha 3 (campanhas para usuários), o objetivo é conscientizar e
instrumentalizar os usuários diretos de recursos naturais a utilizá-los com
responsabilidade. Pode-se perguntar como se traduz este uso e o que seria esta
instrumentalização. Nas ações estratégicas, fica claro que se está falando de
ensinar as pessoas a extrair e usar os recursos com técnicas adequadas para a
continuidade de sua existência. Fala-se ainda de “preparar para ter respeito em
relação à preservação da natureza” e os exemplos são todos relacionados ao
funcionamento dos ecossistemas e a visão do ser humano como controlador e
redentor dos problemas ambientais, como queimadas, defeso7, permissão para
caça, proteção de espécies ameaçadas, controle da poluição hídrica e atmosférica e
outros. Até aqui, a questão ambiental não incorporou no PRONEA as dimensões
estética, ética, social, cultural, anunciadas na definição de meio ambiente da
Declaração de Tbilisi.

7
Defeso: época em que é proibida a caça, pesca ou coleta de determinados seres vivos, devido ao
período reprodutivo.
54

Na linha 4 (cooperação com a mídia e comunicadores), vê-se os


comunicadores sociais como parceiros de trabalho na “formação da consciência
ambiental, na promoção de valores ligados ao uso responsável dos recursos naturais, da
preservação do meio ambiente e da melhor qualidade de vida.” (MMA, 1997: p. 23)
Este tópico, novamente pronuncia as expressões “recursos naturais” e
“conservação”, e agora, finalmente, “qualidade de vida” – embora não se
especifique qualidade de que vida (humana e de outros seres? Ou somente
humana? E de que humanos?). A estratégia ainda é a “capacitação” do setor, o
apoio à divulgação e também o incentivo à produção artística que contenha temas
ambientais.
Quanto à linha 5 (articulação com as comunidades), centra-se em mobilizar
as iniciativas das comunidades em relação a implantar, ampliar e aperfeiçoar
práticas de EA. Especificamente neste tópico fala-se pela primeira vez em apoiar
“iniciativas de participação comunitária que valorizem a qualidade do meio natural,
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social e cultural” bem como projetos que ampliem a consciência crítica da


sociedade sobre a questão ambiental. (MMA, 1997: p. 25, destaques meus) Isto é
provavelmente um indicativo de que o documento pretendeu incorporar a
dimensão humana e suas peculiaridades em seus pressupostos ambientais.
A linha 6 (articulação institucional) destaca ações operacionais que
articulem diferentes tipos de instituições, tais como universidades, setores
produtivos, tomadores de decisão, técnicos, especialistas, e a sociedade civil
organizada para cooperação e intercâmbio na área ambiental, incluindo ações de
divulgação técnico-científica, criação de programas de EA e de comissões
estaduais e municipais de EA. Vemos como imprescindível a necessidade de
realmente promover este tipo de articulação para viabilizar a EA no país, embora
seja preciso maior clareamento de quais seriam as funções desses programas e
comissões.
O mesmo se passa com a linha 7 (centros de EA), que é, porém, mais
operativa, pois se destina a criar e consolidar pelo país afora Centros
Especializados em: EA, produção de material educativo, pesquisa e documentação
ambiental.
Os eixos de trabalho traduzidos nestas linhas de ação parecem buscar um
estreitamento das relações com a sociedade em geral, tanto no entendimento e/ou
seu aprofundamento quanto às questões ambientais, como se inspirar numa visão
55

de ambiente que procure incluir as necessidades, problemas e relações produzidas


pelo ser humano. No entanto, quando o documento se refere a soluções, o humano
parece ser lembrado apenas numa convocação, para estar a serviço da proteção à
natureza (no sentido do senso comum), sem mais razões que a conservação.
Surgem também chamadas à ação para situações de ameaças ao bem-estar
humano, conclamando ao cuidado com degradações que levem a prejuízos
econômicos ou de saúde (poluição, resíduos sólidos e outros).
A novidade principal está na inclusão dos diferentes setores sociais pela
proposta de ação, especialmente por serem convidados a participar das decisões e
iniciativas. Se o documento não explicita uma visão de ambiente suficientemente
integrada – a ponto de contemplar profundamente o envolvimento em questões de
ordem cultural, estética, psicológica e social –, pelo menos apresenta um teor
democrático e de estímulo à crítica na execução. O que por si só também já
constitui um aprendizado fundamental em Educação Ambiental. O aspecto
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intelectual e da informação parece ser privilegiado ao eleger-se, sobretudo, as


estratégias "cursos" e “materiais” de divulgação de informação (ainda que sejam
em diferentes mídias e formatos). Se estes recursos se destinarem igualmente a
trabalhar a sensibilidade, a ética, os valores, a estética e a considerar as diferentes
expressões de cultura existentes no país, estar-se-á atendendo aos requisitos da
EA. Se, porém, permanecerem centrados exclusivamente na divulgação de
informações a respeito de ecossistemas e seu funcionamento, muito pobre será
essa perspectiva.
Uma vez que o documento não deixa margem para averiguarmos isso, talvez
devido ao caráter genérico de um programa nacional, teremos que recorrer a seus
filhotes, como a Lei Nacional de EA e obviamente à prática dos profissionais que
investigamos: jornalistas e professores.
Uma última observação quanto ao PRONEA refere-se à forma como trata da
participação dos diferentes setores sociais. Enquanto aos tomadores de decisão e
comunicadores sociais se convoca a uma parceria na sensibilização e informação
da população em geral (após a devida atualização), além da ação concreta de
propiciar políticas de "boa gestão ambiental"; aos usuários (diretos) do meio
ambiente, o documento se refere apenas como a indivíduos que se precisa
"ensinar" a usar adequadamente os recursos naturais.
56

Esta proposta revela uma visão distorcida, já que nem sempre são estes
usuários os que necessitam de tal instrução, sendo justamente os que, por
convivência mais estreita com os ritmos naturais, os conhecem o suficiente para
integrar-se a eles. Evidentemente, não se trata de idealizar esses conviventes mais
íntimos. Podem eles necessitar, sim, de informações sobre o ambiente em que
vivem. Como podem dispor delas para oferecer. Freqüentemente, entretanto,
também os tomadores de decisão e os comunicadores sociais necessitarão destas
informações, pois o acesso a elas não está ligado somente ao nível de
escolarização.
Há, inclusive, uma outra dimensão, esta até mais importante: a da
convivência, a da estreita observação, dia após dia, sobre as interações que se
desenvolvem na natureza e seu funcionamento. Ambas estas formas de adquirir
conhecimento são necessárias. Mais que isso, são complementares.
Agora, vejamos, como o ambiente foi percebido na elaboração deste
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programa? Parece claro que sua elaboração se deu a muitas mãos. E é natural que
assim sendo comporte diferentes percepções de ambiente, ali compartilhadas e
compatibilizadas, à custa de negociações, provavelmente. No geral, podemos
dizer que a natureza/ meio ambiente é visto como algo exterior ao ser humano,
digno e dependente de seus cuidados, os quais se realizarão a partir de um amplo
acordo de diferentes sujeitos e papéis sociais. Ainda, a cultura e a sociedade
seriam parceiros do cuidado ambiental para garantir nosso sustento (economia) e
qualidade de vida.
Esta tradução simples dá sentido às linhas de ação escolhidas, basicamente
em torno da mobilização e da informação. Fosse o ambiente compreendido como
algo do qual fazemos parte – e, portanto, também nossos pensamentos e
sentimentos (como já antecipava Guattari – 1995) –, provavelmente outros tipos
de ação estariam incluídos no programa, tais como o incentivo ao fortalecimento
de nossa autopercepção e de nossa maior visão de conseqüência (planejamento em
função da vida em geral e não apenas da economia de sobrevivência), por
exemplo. Possivelmente as dimensões ética, psicológica e estética estariam mais
declaradamente presentes.
57

3.1.1.2
Lei Nacional de Educação Ambiental

A Lei 9795, de 27 de abril de 1999, foi a responsável por finalmente haver


uma orientação oficial às práticas de EA no país, instituindo a Política Nacional
de Educação Ambiental. O texto está dividido em quatro capítulos: um genérico,
sobre EA e seus princípios; o segundo, sobre a política nacional de EA em si; um
terceiro, tratando da execução desta política; e um quarto, de Disposições Finais.
Neste último, fica estabelecido um prazo de 90 dias (três meses) a contar de
27/04/99 para que se dê a regulamentação desta lei. Fato que só ocorrerá em
25/06/2002, 23 meses depois do prazo fixado.
Este atraso de mais de dois anos na regulamentação da lei é suficiente para
mostrar a lentidão com que a EA foi se oficializando no Brasil, desde seu
nascimento na década de 70.
Ao afirmar que a EA é um componente essencial e permanente da educação
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nacional, seja esta formal ou não, evidencia-se uma perspectiva larga de educação
presente nesta lei.
O artigo primeiro da Lei Nacional de EA preconiza que:
"Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a
coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade." (Lei 9795/99, destaque
meu)
Este nos fornece elementos para entendermos de que visão de educação
partem os legisladores. Pelo dito, parecem compreender a educação como
processo amplo e contínuo, uma vez que estão incluídos aspectos subjetivos como
valores e conhecimentos e outros, menos subjetivos, que retratariam estes
primeiros – as habilidades, atitudes e competências. Não entraremos aqui na
discussão das competências, um tema por si só bastante rico e controverso.
Interessa apontar que todo este processo estaria dirigido para a conservação
ambiental.
O que é especificamente entendido por conservação não está explicitado,
embora no jargão da ecologia costume significar a manutenção da saúde dos
processos ecológicos, incluídos aspectos biológicos, geológicos, químico-físicos e
geográficos. Diferentemente da preservação, a conservação admite o uso dos
recursos, desde que com o cuidado suficiente para que eles continuem existindo.
Pelo dicionário Michaelis eletrônico, trata-se da
58

"4. Administração planejada dos recursos naturais de um país, para impedir a exploração
prejudicial, destruição ou negligenciação: A conservação das matas e da sua fauna."
(UOL Michaelis – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 2003).

Assim, tratar-se-ia de uma educação responsável pela formação de cidadãos


capazes de elaborar e executar esta administração planejada dos recursos naturais.
No momento em que se limita ao planejamento do uso desses recursos, parecem
estar excluídos os processos sociais e psicológicos do meio ambiente. No entanto,
esta parece ser uma falha do dicionário, pois o artigo 4º concebe meio ambiente
"em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-
econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;" (lei 9795/99: p.1)
Juntando-se uma coisa a outra, temos a proposta de uma educação que leve o
indivíduo a conservar o ambiente como um todo, incluídas suas diversas
dimensões. A proposição ampliada se reforça no mesmo artigo quando afirma ser
um princípio da EA "a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas
sociais."(lei 9795/99: p.1)
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No Capítulo 1, o artigo terceiro incumbe os diversos setores da sociedade a


assumir e promover a EA, tais como: o Poder Público, as instituições educativas,
o SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente), a mídia, as empresas,
entidades de classe, instituições públicas e privadas e, por fim, a sociedade como
um todo. Com isso, registramos o avanço da responsabilidade compartilhada, cuja
viabilização fica garantida no Capítulo 2, no artigo 8º (ver anexo 9.1).
A perspectiva democrática e abrangente da EA, preconizada em Tbilisi,
parece estar contemplada nesta lei, que se mostra atenta à participação, bem como
a formar e qualificar os cidadãos para a melhoria desta participação coletiva.
Demonstra também uma percepção de ambiente suficiente para isso, como retrata
o artigo 5º ao explicitar os objetivos fundamentais da educação ambiental:
" I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em
suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos,
legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos;
II - a garantia de democratização das informações ambientais;
III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a
problemática ambiental e social;
IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na
preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade
ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania;
V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e
macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente
equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade,
democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade;
59

VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia;


VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade
como fundamentos para o futuro da humanidade." (lei 9795/99: p.2, destaques meus)

As intenções expressas na Lei Nacional de EA parecem estar bem


fundamentadas e atendendo aos princípios internacionais de Tbilisi. A percepção
ambiental demonstrada por este documento é a de um ambiente múltiplo, com as
dimensões da sociedade humana devidamente incluídas (psicológicas, legais,
culturais, científicas e outras), como se depreende do objetivo I do artigo quinto,
já citado. No entanto, a efetividade desta lei dependerá da percepção ambiental de
seus executores, pois se o artigo terceiro encarrega a sociedade de "manter atenção
permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação
individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas
ambientais", esta somente poderá fazê-lo desde a sua percepção de problemas
ambientais, conforme o que para ela for "ambiental", ainda que esteja explicitado
que a lei considera meio ambiente algo multidimensional. Dentro de alguns
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meses, quando a Política Nacional de Educação Ambiental estiver em


funcionamento, teremos como analisar melhor este aspecto.
De todo modo, ressaltamos, com isso, a importância de se estudar as
concepções de ambiente presentes na sociedade, já que elas também são
responsáveis pelos rumos concretos da atuação política.

3.2
Influências biológicas na formação da percepção

Vimos que a percepção parece de fato influenciar as conformações políticas


e legais em relação ao meio ambiente. Assim, seria interessante compreender um
pouco melhor como se constrói a percepção humana.
Primeiramente, é preciso dizer que há diferentes ritmos que fazem funcionar
a mente. Claxton (1999: p.16 e 17) identificou três formas de aprender, pensar e
conhecer:
“Cada acción opera a diferente velocidad, y cada una es adecuada para una operación
diferente. (...) La primera [forma] es más rápida que el pensamiento. (...)Esa modalidad
de inteligencia, rápida, física, puede ser descrita como el ingenio. (...) Luego está el
pensamiento propiamente dicho. El tipo de pensamiento que conlleva resolver asuntos,
sopesar pros y contras, construir razonamientos y solucionar problemas. (...) una forma de
conocimiento que se basa en la razón y en la lógica, en el pensamiento conciente e
intencional. Normalmente, a este tipo de inteligencia se le da el nombre de intelecto –
aunque, para que la idea sea más precisa, yo lo denominaré modalidad-d, donde “d”
60

significa “deliberado”. (...) Pero, por debajo de éste, existe otro registro que opera de
manera aun más lenta. A menudo carece de un propósito tan definido, se asocia más a lo
ocioso, a lo lúdico, a la ensoñación. Este tipo de pensamiento implica darle vueltas a los
asuntos, “rumiarlos”, ser contemplativos, meditar. Se trata más de ponderar un problema
que de intentar solucionarlo. (...) En esa frontera entre el sueño y la vigilia, nos
encontramos ante una modalidad mental distinta a la que tenemos cuando organizamos
una comida o dictamos una carta. Estas formas de conocimiento y experiencia,
aparentemente desprovistas de finalidad, más ociosas, son tan “inteligentes” como las
otras, las más rápidas. (...) pensar lentamente es parte fundamental del bagaje cognitivo.
Nos hace falta por igual tener la mentalidad de la tortuga marina y la inteligencia de la
liebre. (...) Un tipo de pensamiento más paciente, menos deliberado, resulta
particularmente adecuado para aclarar situaciones intrincadas, oscuras o poco definidas.
El pensamiento deliberado – modalidad d – funciona bien cuando el problema que
aborda puede ser fácilmente conceptualizado.”

O autor aponta como equívoco a supervalorização do pensamento deliberado


em detrimento das formas lentas de conhecer e faz uma análise histórica, com a
qual mostra que um dos principais motivos para este quadro na sociedade
contemporânea é a mudança ocorrida na forma como concebemos o tempo.
“En la cultura ‘occidental’ contemporánea (que hoy en día, en la práctica, abarca todo el
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globo), parecemos haber generado una cultura interna, psicológica, de la velocidad, de la


presión, y una necesidad de control – reflejo de una cultura externa de la eficacia y de la
productividad – en la cual se ha perdido el acceso a los aspectos más lentos de la mente.
(...) Deseamos tener más datos, más información. Y queremos que lleguen más rápido, y
que, con el menor esfuerzo mental posible, nos digan claramente qué debemos hacer.”
(Claxton, 1999: p.21)

Assim, a percepção pode ocorrer de modos diversos:


• pelo acesso lento;
• pela “modalidade d” (o famoso raciocínio lógico);
• e por meio ultra-rápido (raciocínio acelerado, típico das situações de
emergência, risco, perigo).
Isso acontece porque diferentes processos biológicos são desencadeados
conforme as características da situação vivida.
Embora a percepção dependa de processos biológicos, a valorização de uma
determinada forma de perceber depende mais de fatores culturais. O foco em um
ou outro modo perceptivo leva a relações diferentes com a vida. De maneira que
culturas que valorizam mais o processo lento (meditação, contemplação,
devaneio, processamento inconsciente) terão formas distintas de entender o
mundo que culturas mais afeitas ao raciocínio lógico. E já que isso também vale
para a idéia de natureza ou de meio ambiente, talvez por isso a China tenha
desenvolvido uma cultura de veneração da natureza, de buscar compreender todos
61

os aspectos da vida através da observação atenta e cuidadosa de sua ação. Afinal,


a meditação e o aprendizado por meio da contemplação exerceram papel
fundamental neste país até pouco tempo atrás (menos de 50 anos).
Entender isso é de fundamental importância para a Educação Ambiental,
pois implica a necessidade de trabalhar as percepções ambientais das formas mais
variadas, atendendo à complexidade biológica e psicológica do ser humano.
Evidentemente, viver numa cultura que favoreça o desenvolvimento pleno de
nossas capacidades ou numa cultura restritiva quanto às nossas manifestações e
possibilidades de interação/aprendizado muda substancialmente nosso
entendimento do mundo e a construção de nossa relação com ele.
Guy Claxton afirma que a “modalidade d” (raciocínio lógico) não considera
a percepção como problema – dá por certo que as situações são tal como
acontecem, jamais considerando que o erro pode estar na maneira de perceber ou
que as coisas podem ser diferentes se olhadas mais detidamente. É possível que
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isso explique porque a Ciência tem-se preocupado tão pouco com o papel da
percepção no desenvolvimento das concepções das pessoas quanto aos mais
diversos temas. Uma vez que predomina na Ciência a “modalidade d” de
pensamento – o que a mantém ainda um tanto mecanicista – não nos admira que
quase sempre apenas a psicologia social e, às vezes, a antropologia –
freqüentemente vistas como não-científicas – se preocupem com a questão das
representações ao dedicar-se ao estudo de um tema.
O raciocínio por meio ultra-rápido ocorre em situações de intensa pressão,
na busca de soluções para problemas concretos e imediatos. Grande quantidade de
variáveis é conjugada sob ação da adrenalina, de modo a garantir a sobrevivência
do organismo.
É nossa intenção tratar aqui do valor da percepção para configurar o formato
das relações desenvolvidas entre ser humano e ambiente. A fim de evitar
confusões, voltamos a esclarecer o sentido que estamos dando ao vocábulo
ambiente. Embora no dicionário seu significado esteja mais ligado à idéia de lugar
ou espaço, estamos adotando o sentido utilizado desde a Conferência de Tbilisi,
em 1977, e incorporado pela legislação brasileira para a educação ambiental. Ou
seja, o de que meio ambiente é a totalidade que inclui aspectos ecológicos, sociais,
estéticos, tecnológicos, histórico-culturais, econômicos, políticos e éticos. (Dias,
62

1992: p. 3) Faltou assumir nesta definição o aspecto psicológico, indissociável dos


demais. Assim sendo, nós o incluímos aqui em nossa conceituação.
Dito isto, retomamos, portanto, a descrição dos processos pelos quais a
percepção pode ser formada. A partir daí, poderemos entender como as diferentes
civilizações favoreceram determinados relacionamentos com o ambiente.
No decorrer da evolução (aqui empregada no sentido biológico do termo) a
sobrevivência dependeu em larga escala da rapidez dos reflexos dos seres vivos.
Essa estratégia, porém, era insuficiente, já que situações novas aparecem
incessantemente no planeta. Surgiram, então, duas novas possibilidades evolutivas
para os organismos: a aprendizagem (acumulando conhecimentos e
desenvolvendo habilidades) e a curiosidade (busca de aventuras, novidades,
interações). A aprendizagem permite lidar com a incerteza. O conhecimento faz
registrar certos modelos que se provaram úteis e que podem agir como guias para
ações futuras. Aprender, para Claxton (1999), é detectar estes modelos.
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Evidentemente, isso se dá em diferentes níveis, conforme o ser vivo a que


estivermos nos referindo. Já a curiosidade vai além da necessidade de superar os
riscos da incerteza. Estimula a exploração lúdica, sempre que haja algum tempo
livre.
“Las funciones propias de una mente cerebral plástica y curiosa se caracterizan por tener
una actitud receptiva, atenta y experimental. Para desempeñar esta importante función no
se requiere ningún valor o disciplina especiales, ni intención consciente, ni esfuerzo, ni
voluntad, ni preparación. Las características originales del diseño del aprendizaje no
incluyen la producción de racionalidad consciente. El conocimiento, en su raíz, es algo
implícito, práctico e intuitivo. El cerebro descubre modelos y genera respuestas
programado por la experiencia, pero esta programación queda grabada en los millones de
minúsculas alteraciones funcionales de las neuronas en el comportamiento del
organismo.” (idem: p. 38)

Exemplo didático deste tipo de situação, observado pelo próprio autor, é a


busca de alimento. Assim, se um rato come algo que já provara diversas outras
vezes junto com um alimento desconhecido e adoece, em próximas ocasiões
evitará ingerir este novo alimento, mas seguirá comendo aquele que já conhecia.
Outro caso extraído do mundo animal é o comportamento do peixe gobiid. Na
maré baixa, quando fica preso em um charco, ele salta sobre as rochas que estão
acima do nível do mar, até chegar a outros charcos. Há grandes riscos no trajeto,
como se ferir ou ficar preso. No entanto, o gobiid não erra. As pesquisas mostram
que sua orientação não se origina de pistas sensoriais, como reflexos ou odores. A
explicação encontrada sugere que durante a maré alta o gobiid nada por cima e ao
63

redor das cavidades e gretas das rochas e forma um mapa detalhado da área,
utilizado como base para seus saltos quando se encontra preso nos charcos, na
maré baixa. Confirmando esta explicação está o fato de que tal peixe não salta
quando é colocado em um charco que desconhece.
Assim, para o autor, haveria uma primazia evolutiva da destreza sobre o
conhecimento, devido a que o inconsciente seja
“tal vez más robusto y firme, más resistente a la interrupción. (...) Cuando se degradan la
memoria, la percepción o el control sobre las acciones, son los aspectos conscientes que
tienden a desaparecer primero, mientras que las habilidades que se realizan de modo
automático quedan intactas. Si las habilidades inconscientes son más primitivas [leia-se
antigas], si se trata más de funciones evolutivas que culturales, es lógico suponer que en
tal caso variarán menos entre un individuo y otro que las conscientes” (ibidem: p. 39)

Isso mostra a necessidade de estudar e entender melhor a formação das


representações sociais, já que elas se formam em grande medida a partir das
experiências dos indivíduos. A natureza das representações é se formar
inconscientemente, ainda que seja possível evocá-las parcialmente à consciência e
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aos poucos transformá-las. Essa forma de perceber, lúdica, inconsciente ou semi-


consciente, induz à elaboração de hipóteses explicativas de nossas vivências no
mundo. Essas hipóteses, por sua vez, cristalizam-se temporariamente em modelos
(as representações), que freqüentemente dirigem nossa conduta sem que notemos
sua existência, mas que só serão questionados quando estivermos expostos a
situações que os contradigam.
Esse tipo de aprendizagem, mais antigo evolutivamente, Claxton chama de
"aprendizagem por osmose", por se dar em nível inconsciente. Apesar de sua
antigüidade entre os seres vivos, continuamos fazendo uso desta forma de
aprender, cotidianamente. Sempre que aprendemos as regras de um jogo de
múltiplas variáveis, que não nos foi explicado; uma música; um esporte; ou
quando professores encontram a melhor maneira de explicar um determinado
tema ou manter a disciplina; podemos afirmar que fizeram uso da aprendizagem
implícita (ou por osmose). Sabemos que as ações funcionam, mas raramente
podemos explicar por que funcionam. Justamente porque a capacidade de
aprender é mais rápida do que a de entender conscientemente as razões de nossa
aprendizagem. Nas palavras de Claxton (1999: p. 46):
"poseemos la capacidad inconsciente de detectar, aprender y usar complejos patrones de
información que un examen deliberado y consciente ni siquiera es capaz de percibir bajo
las mejores condiciones, no digamos ya registrarlas y recordarlas."
64

Apesar de destacar o valor da percepção inconsciente para nossa existência,


mesmo essa forma de perceber está sujeita a limites:
"Por descontado que existen límites en el poder de observación y detección, incluso para
el cerebro mental inconsciente. Debe de haber una gran cantidad de información
potencialmente valiosa en el mundo que resulta demasiado débil o sutil para poder ser
detectada hasta por la submente." (Claxton, 1999: p. 46)

Ao terminar o capítulo, o autor destaca a necessidade de tempo implicada na


tarefa de extrair padrões – a principal e mais antiga das formas de conhecimento
lento – das experiências vividas. E alerta para a importância de não bloquear esta
capacidade com a supervalorização da "modalidade d" de aprendizagem.
Outro aspecto interessante, revelado por diversos experimentos relatados no
livro de Claxton, é que, ao contrário do que se pensa, a busca de compreender
explicitamente como fazemos determinadas coisas e por quê, não leva
necessariamente a facilitar a aprendizagem. Muito freqüentemente, aliás, essa
atitude resulta em bloqueios. Os experimentos demonstram que:
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"la capacidad de los sujetos para expresar las reglas bajo las cuales creen estar operando
influye negativamente sobre su destreza para actuar. La gente que mejor controla una
situación dada no es capaz de explicarla correctamente. Y, a la inversa, en algunas
situaciones resulta que cuanto más se cree saber lo que se está haciendo, menos bien se
hace en la práctica. (...) En las situaciones en las que intervienen pocos factores de una
forma previsible y de acuerdo con lo que parece plausible, obvio, la modalidad-d puede
servir, siendo en esos casos más rápida que la otra actitud, la de 'pasar el rato'. Pero si no
es así, la modalidad-d más bien estorba." (Claxton, 1999: p.52 e 53)

As informações oferecidas a título de pista, quando alguém busca resolver


um problema complexo, distraem a mente de seu foco e, em vez de observar e
atentar para as experiências e situações, a pessoa se põe a tentar explicar em que
pode ser útil a informação recebida. Deixa, portanto, de utilizar uma atitude
aberta, perceptiva, para empregar a "modalidade-d" – nestes casos, muito
limitada. O mesmo acontece quando a pessoa voluntariamente passa a utilizar a
"modalidade-d", construindo hipóteses. Ainda que se lhe diga que a hipótese não
corresponde à realidade, a tendência será insistir na mesma hipótese. Desapegar-
se e procurar usar simplesmente o velho método da tentativa e erro, baseado nas
percepções da submente, é a grande dificuldade – e a chave do processo.
"(...) cuando los individuos se encuentran en situaciones en las que se necesita desarrollar
un aprendizaje por ósmosis, resulta que aprenden mejor cuando no intentan encontrar un
sentido consciente a lo que hacen. Una vez abandonada, la modalidad-d ya no molestará
más." (Claxton, 1999: p.56)
65

Outros experimentos constataram que as crenças pessoais não são afetadas


por experiências que as contrariem, quando a aprendizagem é inconsciente.
Seguidas vezes, as pessoas nem se dão conta de quão cindidas podem ser suas
ações de suas crenças. As ações são guiadas pela experiência muito mais que
pelas crenças, mesmo que ignoremos este fato. E este é um ensinamento
importante para aqueles preocupados com a aprendizagem. Afinal, obriga-nos a
descentralizar o currículo e os processos de ensino da informação para conceder o
devido lugar à experiência.
Quanto à destreza (ou às habilidades), a organização é distinta daquela do
conhecimento, pois aumenta “por osmose” e não por compreensão; uma
organização idiossincrática. A importância de distinguir um processo do outro
[conhecimento e destreza] é a forma como tratamos a aprendizagem. Se
imaginarmos que conhecimento é parecido com destreza, pensaremos que esta
possa ser desenvolvida por meio do conhecimento ou que, uma vez adquirido
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determinado conhecimento, automaticamente este se converterá em destreza. Este


equívoco leva a estratégias ineficazes e a um alto custo emocional. Claxton (1999:
p. 65) o ilustra com o exemplo dos cursos de curta duração de
administração/gestão de empresas impingidos freqüentemente aos executivos.
Apesar de todo o interesse dos alunos e competência dos professores, as ações dos
executivos não refletem o conhecimento recém-adquirido. Como dissemos antes,
a destreza necessita de tempo e muitas experiências de um tipo de contexto para
ser desenvolvida. Os textos e aulas nem sempre são, portanto, o meio adequado
para assimilar toda e qualquer coisa.
Por outro lado, a capacidade de extrair conceitos gerais a partir da
recombinação de cenários deve-se à linguagem e à “modalidade-d”. A destreza,
por si só, apresenta um alto grau de restrição à variedade de situações. É
específica e rigorosa. Não pode ser compartilhada e tampouco se modifica à custa
das opiniões de outras pessoas. Entender que lições aprendidas em determinadas
situações podem ser aplicadas em outras, mesmo que aparentemente distintas, é
tarefa que pode ser desenvolvida através da reflexão consciente – ou seja,
modalidade-d. Essa transposição de conhecimentos adquiridos num contexto
específico para outros exige flexibilidade e o exercício de integrar as experiências
vividas, compará-las e recombiná-las.
66

Se, de fato, como nos diz o Dicionário Aurélio, percepção é adquirir


conhecimento de algo por meio dos sentidos, é “formar idéia de; abranger com a
inteligência; entender, compreender”; então, não podemos mais ignorar como se
adquire conhecimento, como os sentidos interferem nesse processo, como
funciona a inteligência, como as pessoas chegam a entender e compreender as
coisas do mundo.
Fica claro que os fatores biológicos e culturais são determinantes para o processo
de percepção. Neste momento, parece oportuno retomar os ensinamentos da
história ambiental.
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4
A importância dos valores e das relações socioculturais na
percepção ambiental

O estudo detalhado de Schama (1996) mostra que o uso de elementos da


natureza na mitologia, buscando dar significação à vida, sobreviveu ao processo
civilizatório. Apesar das múltiplas transformações dos cenários e contextos
humanos, esses elementos se manifestam em todas as épocas, ora mais
ostensivamente, ora menos. Provavelmente porque a mitologia retrata
aprendizagens inconscientes1, sendo reforçada pela cultura. Os períodos que
deram maior importância ao cuidado ambiental tiveram à frente líderes que
souberam usar tais arquétipos e símbolos para sensibilizar a população. O eco
encontrado no seio desta deve-se possivelmente à universalidade das
aprendizagens inconscientes, como já afirmou Claxton. O apoio do poder oficial
às questões ambientais, porém, freqüentemente esteve relacionado com interesses
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econômicos e militares, os quais, por sua vez, estavam voltados a garantir a


supremacia política de um grupo ou de outro. É neste ponto que entra em cena
outro delicado fator: os valores. Embora a aprendizagem inconsciente seja
poderosa e duradoura, não é soberana absoluta para determinar comportamentos.
As escolhas, inclusive as políticas, são feitas com base nos valores desenvolvidos
por um indivíduo e sociedade. É o que faz, por exemplo, com que nossas
sociedades capitalistas, que cobram o conhecimento de uso da fauna e da flora,
optem por chamar de biopirataria o que em outros tempos teria sido apenas um
uso compartilhado. O ato é o mesmo, diferem as razões e justificativas para ele.
Ou seja, as intenções. Ora, intenção está, por princípio, apoiada nos valores.
Precisamos lembrar que os valores são construídos a partir das experiências
e, mais ainda, da repetição ou confirmação de sua leitura. Esse trabalho tem uma
dimensão consciente e outra inconsciente. Nem sempre estamos atentos às
interpretações que fazemos de nossas experiências, por vezes demandando muito
trabalho, consciente, para que elas sejam explicitadas.
Puig (1998), analisando a formação da personalidade moral, propõe que
nossos valores e condutas seriam formados no confronto com as condições
socioculturais do meio que, freqüentemente, oferecem dilemas de valor. Para ele,

1
O que, como vimos, se deve à evolução biológica do Homo sapiens.
68

os seres humanos “mudam sua forma de pensar e comportar-se na medida em que


modificam os laços que os ligam a seu meio.” (Puig, 1998: p.152)
O meio é, por ele definido, como um espaço constituído por uma cultura
moral, que se expressa em uma grande variedade de elementos, dos quais destaca,
por exemplo, os valores e as normas ou formas estabelecidas de inter-relação. As
pessoas pertencem a mais de um meio e recebem, por isso, influência de muitos
meios dos quais não são participantes diretos. Assim, a construção da
personalidade moral, e, portanto, dos valores, estaria sujeita às relações entre os
meios que o indivíduo é capaz de perceber. Eis alguns exemplos de meios de
experiência moral clássicos: a família, a escola, a preparação para o trabalho, o
trabalho (propriamente dito) e os meios de comunicação de massa. Este último
bastante destacado pelo autor, por possibilitar a relação entre todas as demais
experiências com a obtida pela mídia.
Nesse sentido, ele ressalta que: a) a existência dos meios é objetiva, porém
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decodificada pelos sujeitos conforme suas possibilidades, interesses e modos de


ser; b) o mesmo ambiente pode apresentar experiências de problematização moral
diferentes a cada um dos sujeitos que dele participa.
Para melhor compreender essas questões, o pesquisador propõe que hajam
investigações dispostas a descrever a natureza moral dos meios:

“a que metas se propõem, que possibilidades comportamentais oferecem, que formas de


relação e regulação permitem, que guias de valor impregnam esse meio e, finalmente, que
2
dispositivos balizam a vida moral dos sujeitos que partilham esse meio. ” (Puig, 1998:
p.157)

2
Sobre os elementos da natureza moral citados, ver definições do autor:
metas: funções que devem ser cumpridas naquele meio. Sua razão de tornar-se entidade
social.
possibilidades comportamentais: tipo de coisas que devem necessariamente ser feitas
no meio de acordo com sua definição de metas ou que podem ser realizadas nele, ainda
que não obrigatórias.
formas de relação e regulação: maneira de organizar os intercâmbios pessoais. Aqui,
destacam-se as normas, os papéis e as inter-relações sociais.
guias de valor: produtos culturais que ajudam os sujeitos a pensar, comportar-se e
construir-se como pessoas morais. Instrumentos, muletas ou horizontes normativos que
modelam o comportamento humano e pautam formas de convivência. Ex: valores,
modelos pessoais, acordos...
dispositivos: artimanhas materiais ou organizativas que pautam a vida no interior do
meio. São elementos em estreita relação com os demais componentes do meio, podendo
ser confundidos com eles. Ex: assembléia escolar, surgimento da vida urbana.
69

O tipo de experiências de problematização moral fornecidas pelo meio são a


fonte de construção da personalidade moral. Essa idéia é mais detalhada pelo
estudioso que temos acompanhado, com as seguintes palavras:

“O ambiente sociocultural fornece a cada sujeito conteúdos que, de maneira informal,


pouco consciente e pouco problemática, vão burilando sua personalidade, socializando-a.
As formas de vida, os hábitos sociais e os valores morais implícitos são seus principais
conteúdos.” (Puig, 1998: p.163, destaque meu)

Puig chega a caracterizar uma tipologia de experiências de problematização


moral e as repercussões que tendem a proporcionar – problemas históricos,
sociais, evolutivos, biográficos.3
Parece-nos já ter deixado claro que a experiência é fundamental na
elaboração e consolidação dos valores para a humanidade. Resumindo, se os
fatores biológicos são imprescindíveis para a percepção, o meio sociocultural é
fundamental para a formação e o exercício dos valores. Ambos, porém, percepção
e valores, são amplamente afetados pela experiência. Vejamos, agora, um estudo
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sobre percepção ambiental dos brasileiros, no qual podemos colher exemplos


disso.

3
Tipologia das experiências de problematização moral, segundo Puig (1998, p.166-168)
Problemas históricos: os mais amplos por afetarem toda a coletividade, e também os
mais difíceis de perceber, encarados de forma quase inconsciente. Exigem um
posicionamento moral dos sujeitos. Ex: fim de um regime racista, ditadura, guerra, fim de
um longo período de bem-estar econômico.
Controvérsias sociais: também afetam toda a coletividade. Trata-se da problematização
de aspectos concretos do modo de vida de uma coletividade. Os conflitos sociais podem
não o ser para um indivíduo, mas seguirão tema de legítima controvérsia. Outras vezes
são exigências amplamente reconhecidas, porém às quais não conseguimos responder de
modo rápido. Ex: a preservação da natureza, o desejo de paz, o respeito às minorias.
Problemas evolutivos: não são necessariamente relevantes para a sociedade, mas
totalmente significativos para o sujeito que os vive. Devem-se a uma aquisição moral
fraca ou insuficiente devido a causas variadas.
Problemas biográficos: são o que mais ajudam a construir a personalidade moral.
Constitui a forma como o sujeito relaciona e integra o inventário de problemas históricos,
sociais e evolutivos que vive. Ex: o trabalho em ambientes muito competitivos,
reconhecer a própria homossexualidade, decidir sobre um aborto sem legislação que o
regulamente e em meio a uma crise religiosa.
70

4.1
O contexto e a informação sobre meio ambiente, entre brasileiros

Os três levantamentos realizados pelo ISER (em 1992, 1997 e 2001) a


respeito das percepções dos brasileiros sobre o meio ambiente mostram que para a
imensa maioria a natureza é “sagrada”, percentagem que subiu de 57% da
população em 1992 para 67% em 2001. Esse tipo de compreensão pode ser uma
herança dos nossos indígenas aliada a uma concepção religiosa cristã de natureza,
bastante impregnada nos colonizadores que aqui chegaram. Isso nos leva à
hipótese de que as representações podem ter origem em percepções muito antigas,
poucas alteradas com o tempo.
A pesquisa do ISER indica que mais da metade dos brasileiros continua
tendo uma concepção naturista de meio ambiente, e por isso, excluindo os seres
humanos, as cidades e favelas. Interessante observar que a região Norte foi
campeã em apontar os humanos (41%) e os índios (40%) como parte do meio
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ambiente. As demais regiões tiveram percentagens bem mais baixas (com 23% no
Centro-Oeste). Em ordem crescente, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste/Sul
consideraram os índios parte do meio ambiente. O que parece evidenciar-se com
isso é o valor da experiência guiando as percepções. Os nortistas são atualmente o
grupo que mais convive com indígenas no país.
Apesar desta dicotomia sociedade-natureza, continua havendo, desde 1992,
boa disposição em não aceitar a poluição e a degradação como preço do
desenvolvimento econômico e geração de empregos. Consultados sobre a
prioridade Meio Ambiente ou Desenvolvimento Econômico, 47% defenderam o
primeiro item; e apenas 34%, o segundo. Houve ainda, um crescimento (de 23%
em 1997 para 31% em 2001) na concordância de que são necessárias grandes
mudanças em nossos hábitos de consumo e de produção para que
desenvolvimento e proteção ambiental sejam conciliados. (ISER, 2001: p12 – site)
A mesma pesquisa revela o aumento, muito pequeno em dez anos, do nível
de conhecimento do brasileiro sobre a questão ambiental. Ora, natural que se as
informações e experiências não mudaram, tenha permanecido quase inalterada a
percepção de ambiente. Faltaram fatos e provocações novas. As explicações que o
ser humano cria para entender o mundo só são alteradas quando ele se defronta
com situações ou informações que as desestabilizam.
71

Se a preocupação do brasileiro com as questões ambientais aumentou e o


nível de informação sobre elas não, a que se pode atribuir isso? Um dado
relevante já citado é o crescimento de 57 para 67% dos que percebem a natureza
com reverência religiosa. Esses 10% a mais, em dez anos, provieram de onde? A
convivência de um maior número de pessoas (ecoturismo, colônias agro-
extrativistas) com a natureza teria favorecido esta mudança? Embora não
tenhamos resposta para esse intrigante questionamento, parece-nos haver estreita
relação entre os dados.
O problema ambiental mais reconhecido pelos brasileiros é o efeito estufa. O
menos percebido é a perda da biodiversidade. Para estes dados, temos duas
hipóteses: a) o efeito estufa é o mais conhecido problema ambiental por ser o mais
divulgado na grande mídia; e b) a perda da biodiversidade é um problema pouco
percebido por demandar um nível maior de informações e escolaridade ou pelo
menos uma convivência estreita com os ecossistemas. Tampouco é um tema
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muito abordado pelos meios de comunicação.


Os respondentes da pesquisa atribuem a responsabilidade para a solução dos
problemas ambientais, em primeiro lugar, aos três níveis de governo – sendo que
vem crescendo a responsabilização dos governos locais (municípios). Em segundo
lugar é vista como sendo de cada um dos cidadãos; para só depois ser de ONGs,
cientistas e outros setores da sociedade. A interpretação da pesquisa constante no
relatório é que os problemas são sentidos localmente, devendo ser resolvidos nesta
esfera.
O nível alto de escolaridade contribui para a inclusão do ser humano no
meio ambiente assim como para a maior percepção da complexidade da questão
ambiental. Importa observar que os habitantes da região Norte do país são os que
mais destacam a importância das florestas e da Amazônia, em particular, no
patrimônio e desenvolvimento do Brasil. São eles também quem apontam o
desmatamento como o principal problema ambiental brasileiro e reconhecem a
falta de saneamento ambiental como o mais importante problema do local onde
vivem.
Esses dados sugerem que realmente é a experiência o principal fator na
percepção da realidade. Confirmando esta dedução estão os dados sobre
percepção de problema ambiental. Para a população brasileira, os problemas
ambientais mais graves do país e do mundo são, nesta ordem: desmatamento,
72

poluição das águas e poluição do ar. No entanto, quando se pede ao entrevistado


que identifique as maiores mazelas do local onde vive, a campeã é o saneamento
ambiental (coleta de lixo, limpeza de ruas e saneamento básico). É significativo
que destes 18% apenas 3% provenham de zonas rurais, e mais significativo ainda
analisar os dados por região, quando se evidencia mais fortemente a importância
da experiência: o saneamento ambiental foi o principal problema para 30% dos
nortistas e 20% dos nordestinos, em comparação com minguados 11% dos sulistas
– os primeiros são, sem dúvida, os menos atendidos em saneamento.
São 55% na região Norte, 37% para o Sul/Sudeste, 27% no Centro-Oeste e
26% no Nordeste os que afirmam não haver nenhum problema ambiental em seu
território. Aliando-se a isso a baixa escolaridade da maioria da população e o fato
de que 52% dos brasileiros não lêem jornais – utilizando em 90% dos casos a
televisão como instrumento de informação – podemos concluir que a identificação
de problemas (e, neste caso, os ambientais) requer o desenvolvimento do senso
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crítico e informação. Chama a atenção que apenas 2% dos entrevistados se


declarem muito bem informados quanto à questão ambiental e somente 15% se
digam bem informados. Coincidentemente ou não, 15% é também o número de
leitores diários de jornais no país, de acordo com a mesma pesquisa do ISER.
Disso tudo podemos inferir que:
o nível de escolaridade exerce importância capital na identificação de
problemas no desenvolvimento do senso crítico do cidadão;
a experiência direta dos cidadãos vem sendo determinante na
percepção da realidade ambiental;
a televisão não satisfaz a população quanto à necessidade de
informação ambiental.
Se a televisão, o maior veículo de comunicação de massa, não atende as
necessidades mínimas de informação ambiental será interessante conhecer a
trajetória da mídia na assimilação da questão ambiental.
73

4.2
A mídia incorporando a questão ambiental

A incorporação das questões ambientais pela mídia, nesta e em outras


épocas, foi algo que dependeu das percepções da sociedade quanto ao meio
ambiente – continuaremos a insistir. E como a vida é dialética, o tratamento dado
a estas questões pelos jornalistas também certamente influenciou a percepção das
pessoas, por proporcionar-lhes informações novas.
Se hoje a mídia escrita (impressa ou na web) e televisiva têm importância
fundamental, houve épocas em que eram os livros e a arte a fazer esse papel.
Tínhamos, por exemplo, a Mona Lisa por modelo a lançar um estilo de roupa.
Historiadores estudiosos da arte verificam que os quadros eram importante meio
de comunicação e expressão na Idade Média.
Hoje em dia, “(...) tanto os alunos como os professores são unânimes ao referirem
os meios de comunicação social como principal fonte de informação sobre temas ligados
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a problemas ambientais.” (Guido, 2001: p3)


Esta conclusão – extraída da pesquisa de Guido, em Minas Gerais – vem
corroborar o que afirmamos a partir da investigação do ISER. Representam os
meios de comunicação de massa, então, significativo peso na percepção de
ambiente da sociedade.
Mas se as pessoas buscam informação ambiental pela mídia, é
provavelmente porque ela a oferece, mesmo que a conta-gotas, mesmo que
descontextualizada, mesmo que assistematicamente. Algumas iniciativas têm sido
tomadas no intuito de ampliar a disponibilidade desse tipo de informação. Prova
disso é a existência de programas ecológicos televisivos, como Repórter Eco e
Expedições4; a grande variedade de revistas especializadas, e de assuntos afins,
surgidas nos últimos quinze anos; a imensidão de sites e boletins virtuais
abordando o tema.
Na grande imprensa, alguns jornais criaram temporariamente colunas ou
seções para o tema, hoje praticamente desaparecidas, restando, no Rio de Janeiro,
o JB Ecológico – publicação mensal que sai no período da lua cheia. Aliás, é
curioso que o formato deste encarte seja o mesmo do extinto Estado de Minas
Ecológico.

4
TV Cultura, TVE e Canal Futura.
74

Assim, observamos que, excetuando-se algumas iniciativas isoladas, a


grande mídia não tem se dedicado à discussão ambiental. Quem quiser informação
deve buscar em revistas especializadas ou na internet.
Do ponto de vista de Roberto Villar, veterano no jornalismo ambiental,
ainda há muito para ser feito. Em um artigo publicado em 1997, no site da ONG
Agir Azul na Rede, ele traça um panorama do jornalismo ambiental nos anos 90,
apontando as contradições geradas pelo capitalismo globalizado:
“O ‘ambientalismo empresarial’ ganha força. Publicamente, as grandes indústrias fazem
campanhas publicitárias e plantam notícias na imprensa. Veladamente, exercem um forte
lobby para afrouxar a legislação ambiental e desacreditar as ONGs. Nos discursos,
defendem a liberdade de imprensa e a democracia. Nos bastidores, são soldados de uma
conspiração do silêncio - a censura empresarial - criada para que a população receba
apenas a versão dos poluidores. Este é o pano de fundo para entender o jornalismo
ambiental dos anos 90.” (Villar, 1997)

Villar salienta a diversidade da prática deste tipo de jornalismo conforme a


região do país. Afirma haver mais notícias ambientais publicadas em lugares onde
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existe pressão de ONGs ou mobilização da sociedade em prol da causa ambiental,


sendo escassas ou inexistentes onde não existe esse tipo de pressão.
Para ele, os grandes grupos de comunicação do país fazem apenas “pequenas
concessões [em função do mercado], abrindo janelas periféricas aqui e ali. No entanto,
mantêm o jornalismo ambiental com um status marginal.” (Villar, 1997)

Ainda segundo ele, o jornalista especializado em meio ambiente é


discriminado pelos colegas, especialmente quando demonstra conhecimento
aprofundado das questões ecológicas e quando se dispõe a denunciar grandes
empresas poluidoras.

“A imprensa brasileira dificilmente trata dos problemas ambientais com profundidade na


pauta das discussões públicas. As exceções são fruto de um esforço pessoal e isolado. O
meio ambiente é manchete e ganha espaço e tempo na cobertura diária quando acontecem
desastres, ou quando os assuntos repercutem no exterior”, revela. (Villar, 1997)

Procuremos, agora, entender por que a mídia incorporou a questão ambiental


e como se deu este processo. Que fatores interferiram?
De acordo com o jornalista André Trigueiro, numa conferência em 2000 –
no âmbito do Seminário População, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – a
75

mídia começou a incorporar a questão ambiental recentemente. Numa pesquisa


informal com os jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, JB e
revista Veja, André descobriu que:
“há um consenso de que a Rio-92 propiciou uma nova visão dos jornalistas em relação à
questão ambiental; houve uma febre, um boom, criaram-se suplementos especiais, a
figura do colunista, do comentarista de meio ambiente. Isso não existia e depois (...) o
investimento que aconteceu no primeiro momento não se sustentou.” (IIPPA e UNIRIO,
2000: p241)

Trigueiro conta que as editorias especiais e o jornalista, conhecedor do


assunto, praticamente ficaram no passado e que hoje as Redações designam para a
editoria Ciências, País/ Nacional, Local/ Cidade, Mundo ou equivalentes,
dependendo do que será abordado. Apenas dois dos veículos citados ainda
mantêm um colunista na área ambiental. A compreensão é que, sendo o tema meio
ambiente multidisciplinar, cada reportagem deve ser feita de acordo com o
enfoque que o assunto enseje. Criação da Agência Nacional de Águas (ANA), por
exemplo, é legislação, portanto, editoria Nacional.
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O problema acarretado por essa medida, aparentemente correta, é a falta de


especialização para isso, como já assinala Trigueiro. Ou seja, qualquer jornalista
pode ser encaminhado para cobrir uma matéria na área ambiental. Preparado ou
não para entender as complexidades desta questão. No entanto, embora existam
especializações para coberturas esportivas, culturais ou econômicas, elas são
quase inexistentes na área de jornalismo ambiental.
Por outro lado, o jornalista afirma que os canais de TV têm dado atenção à
questão, quando se trata de denúncias, principalmente relacionadas à poluição. O
problema ainda é o mesmo, porém manifesto de outra forma: falta de clareza
sobre o que priorizar no momento de exibir a reportagem.
Esse depoimento ilustra por que a maioria dos entrevistados do ISER não se
sente informada sobre a questão ambiental. Tanto eles como os professores e
alunos da pesquisa de Guido informam-se basicamente pela televisão.
Outro fator apontado pelo jornalista para a confusão é o próprio termo meio
ambiente, difuso, pouco preciso. De fato, o movimento dos leigos para entendê-lo
é o da justaposição instintiva de significados. O que é meio? O que nos cerca. E
ambiente? Sinônimo de meio, acrescido de um segundo significado: clima,
atmosfera. Nem o dicionário ajuda se não for especializado: “conjunto de
condições materiais e morais que envolve alguém; atmosfera” (Aurélio
76

eletrônico). Ou seja, só resta à pessoa a saída de render-se às suas representações,


as explicações construídas, de modo geral, quase inconscientemente por sua
experiência.
Villar (1997) apresenta uma versão da história do jornalismo ambiental
brasileiro5. Para ele, houve um retrocesso do movimento tanto no Brasil como nos
EUA após a Rio-92, embora tenha crescido no Leste Europeu. Depois da Eco 92,
dizia ele em 1995, no site da AgirAzul, “a grande imprensa mergulhou num grande
silêncio, e a maioria dos editores voltou a considerar as questões ecológicas como
secundárias e extravagantes.” (Villar, 1995) Falando da situação brasileira em um
congresso internacional da área em 1995, Roberto Villar queixava-se da ausência
de uma entidade nacional de jornalismo ambiental e denunciava a realocação em
outras editorias, quando não demissão, dos ex-repórteres de meio ambiente. Grave
também para o jornalista era a inexistência de veículos com equipes de
investigação para debruçar-se sobre este tema. Segundo ele, denúncias sérias –
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como o contrabando de lixo químico e o transporte clandestino de material


radioativo – foram negligenciadas, sequer entrando em pauta.
Na continuidade da historiografia, Villar (1997) narra que o zelo pela
qualificação de novos jornalistas ambientais é mantido por entidades destes
profissionais especializados na área, tendo a primeira destas instituições surgido
na França de 1968. Simultaneamente, em terras tupiniquins, o então jovem
Randau Marques era preso pela ditadura por seu pioneirismo – acusações contra
agressões ambientais. Mais tarde, Randau se consolidou na área ambientalista,
tendo se tornado “um ícone” nesse círculo.
Mas a constância maior das notícias ambientais teve de esperar pela
Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972.
Após mais algum tempo de quase silêncio, ocorreu novo boom de notícias
ambientais em meados dos anos 80, com a descoberta do buraco na camada de
ozônio e as primeiras hipóteses sobre a ligação entre o aquecimento global e as
atividades humanas. Em seguida, nossa imprensa respondeu às preocupações dos
países do primeiro mundo, falando sobre os problemas ambientais da Amazônia.
A partir do evento realizado em Brasília pela Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj) – Seminário para Jornalistas sobre População e Meio Ambiente
–, foram criados quatro núcleos regionais de ecojornalismo (São Paulo, Paraná,
5
Ver artigo completo no Anexo 9.3.
77

Minas e Rio Grande do Sul), dos quais apenas o gaúcho sobreviveu. Este núcleo
trabalhou ativamente, buscando a articulação e intercâmbio dos profissionais da
área no Brasil. Em 1998, a entidade cria em parceria com a ONG AgirAzul, a
Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental.
“Além de melhorar a qualidade da cobertura, analisar as notícias e trocar fontes, a Rede
faz sugestão de pautas e serve para divulgar eventos, cursos e prêmios’, explicou o
Roberto Villar Belmonte, coordenador da Rede, no XXX Congresso de Jornalistas, em
Manaus, Amazonas.” (Adital, 2003).

No plano global, nascia, em 1990, a Society of Environmental Journalists


nos EUA. Criada por 12 repórteres premiados, a sociedade contava com mais de
mil sócios em 1997. O objetivo da entidade é melhorar a qualidade, precisão e
importância das reportagens ambientais, promovendo amplos debates e eventos.
O próximo acontecimento bastante relevante foi a criação da Federação
Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente (IFEJ)6, em Dresden (Alemanha),
em 1993. Essa Federação é uma aliança que contava, em 1997, com jornalistas de
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52 países. Ampliar a compreensão pública dos problemas ambientais através do


intercâmbio entre os profissionais especializados constitui sua missão.
Mas em que a percepção se relaciona a esse desenvolvimento histórico?
A julgar pelo exposto, podemos inferir que os megaeventos e
acontecimentos que tenham repercussão internacional são os mobilizadores da
produção de notícias ambientais na grande mídia brasileira. O que nos leva a
concluir que, não obstante haver jornalistas interessados no tema, muitos dos
quais qualificados, seu espaço de trabalho é restrito devido a questões políticas e,
em última instância, financeiras. Por que um grande jornal, revista ou canal de TV
se exporiam ao risco de perder milhões em patrocínio e negócios denunciando
situações de agressão ambiental que envolvem empresários de peso ou políticos?
Quando surgem notícias deste tipo, são situações inescondíveis. Vistas pela
população, que cobra, portanto, informação. Ou eventos captados por satélite e
divulgados em outros países. Neste caso, por pressão internacional, o Brasil não
pode deixar de noticiar. O jornalista Pierre Menezes, do site JornalExpress,
também ressalta a falta de espaço e de bons tratos à questão ambiental na mídia:
“As questões ambientais têm ramificações econômicas, políticas, sociológicas e de saúde
pública. Transcendem as fronteiras. Nos países em desenvolvimento, onde a necessidade
de crescimento é uma das maiores preocupações e onde se registra um grande potencial

6
Ver apresentação do IFEJ no Anexo 9.2 ou no site www.ifej.org
78

de danos ao entorno, as questões ambientais adquirem matizes mais carregados e bem


mais localizados. Em tais circunstâncias, reportagens bem pautadas e bem escritas são
ainda mais necessárias. Se na mídia impressa e televisiva o jornalismo ambiental ainda
não possui seu espaço reconhecido, na internet não é diferente. São poucos os sites que
tratam o jornalismo ambiental com a importância que ele merece.” (Menezes, 2003)

Menezes cita Villar, moderador da rede brasileira de jornalistas ambientais,


lembrando a importância das faculdades de comunicação incluírem a ecologia em
seus currículos:
“(...) é preciso que os editores entendam que o assunto merece o mesmo status da política
e da economia, exigindo também matérias investigativas de fôlego. Não basta mostrar na
televisão paraísos perdidos na Amazônia e no Pantanal, é preciso explicar as verdadeiras
causas da crise ambiental que ameaça o país com a maior biodiversidade do mundo. (...)
E para isso é fundamental que as faculdades de comunicação compreendam a importância
da ecologia na formação dos futuros jornalistas.” (Villar, citado por Menezes, 2003)

A falta de compromisso fica evidenciada não só na ausência de espaço para


notícias ambientais mas na forma como elas aparecem. Não há discussão,
problematização. Há apenas fatos soltos, desconexos, que não permitem ao leitor
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uma interpretação integrada da questão ambiental com seus múltiplos fatores e


implicações. Duas coisas parecem subjazer a esta situação:
1) Os próprios editores e proprietários (ou concessionários) dos meios de
comunicação têm uma percepção fragmentada de meio ambiente. Neste caso,
seria importante descobrir a razão disso (fica a sugestão de pesquisa para o leitor).
A jornalista Eliana Lima responsabiliza a mídia e o trabalho incessante das ONGs
pelo aumento do nível de informação da população a esse respeito. Mas considera
equivocada a forma como são abordadas as questões, por serem apresentadas sem
articulação com o dia-a-dia. Apesar de exortar os jornalistas a assumirem o papel
de educadores, analisa a dificuldade da falta de preparo específico educacional e
sobretudo científico. Escrevendo em 2000, critica a falta de interesse da
universidade em exercer essa função preparatória:
“Durante a Rio 92 e no ano subseqüente, os grandes veículos mantinham setoristas nas
dependências do Ibama. Passada a moda, o assunto perdeu espaço. Os cadernos especiais
tranformaram-se em seções, e em seguida subseções. Não há, pelo menos no grau que se
espera, por parte dos responsáveis pela formação dos jornalistas, uma preocupação com
as questões científicas, incluindo as ambientais.” (Lima, 2000)

Para ela, urge a qualificação do jornalista na área científica, onde inclui a


ambiental. Este seria o passaporte para um melhor relacionamento com as fontes,
evitando os tão comuns erros de interpretação e omissões. Além disso, permitiria
79

ao jornalista maior independência e possibilidade de diálogo com a fonte. Esta


medida é, para Lima, a garantia de um jornalismo a serviço da população.
2) Se a percepção de ambiente é mais coesa, então as direções das grandes
corporações midiáticas estão carecendo de valores éticos.
São fatores que revelam uma percepção de mundo individualista,
competitiva, e especialmente, imediatista. Concorda conosco Ilza Girardi,
professora de jornalismo da UFRS:
“As notícias dos acontecimentos podem chegar em tempo real nos pontos mais
longínquos. Se isto traz benefícios também acarreta muitos problemas porque a rapidez
exigida no processo de produção da notícia pode gerar muitos ruídos, sem falar nos
interesses econômicos que direcionam o fazer jornalístico. É uma época de globalização
da economia onde a busca por novos mercados e diminuição de custos justifica tudo. E
aqui encontramos cientistas e professores universitários, associados a executivos da
indústria, defendendo tecnologias ou produtos que são nocivos para a saúde e para o meio
ambiente.” (Girardi, 2003)

Girardi considera que o jornalista tenha que, além de estar muito bem
informado, estudar constantemente, dominar a linguagem científica, ser humilde
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para esclarecer suas dúvidas com a fonte e ter responsabilidade para decodificar e
democratizar a informação, antes restrita ao meio científico. Lembra que estas
tarefas foram bem desempenhadas pelos pioneiros do jornalismo ambiental no
início dos anos 70, o que para ela denota ética e compromisso com a cidadania.
Ressalta a importância de ter conhecimento histórico a fim de evitar ser iludido ao
investigar as questões ambientais e de ter mais critérios para analisá-las.
Uma pesquisa interessante seria buscar entender as relações no interior dos
grandes veículos de comunicação, identificando como elas interferem na seleção e
publicação das notícias. No âmbito desta pesquisa, no entanto, optamos por
compreender melhor como profissionais assumidos do jornalismo ambiental
concebem meio ambiente e de que forma esta concepção direciona sua ação.
Complementarmente, investigamos também suas representações de informação e
educação, já que estas são bastante relevantes para o exercício de sua profissão.
Apesar do que dissemos e da forma limitada como se incorporou a temática
ambiental na mídia, algum avanço houve, uma vez que o assunto surge com certa
freqüência.
Intriga-nos o que teria originado essa incorporação do tema. Uma série de
fatores econômicos, sociais, políticos e culturais é certo. Mas além disso, certa
percepção ambiental. A julgar pelas respostas de nossos entrevistados, foi o
80

sentido de urgência. Para eles, discutir o ambiente é discutir a própria vida, sua
qualidade e nossa inserção nela. Sua persistência no assunto acabou gerando
oportunidades de tratá-lo. Muito possivelmente eles se viram enredados no tema
por ser este um campo de problematização moral, que de alguma forma afetou
suas experiências, mobilizando-os.
Queremos insistir na colocação da questão ambiental como um dos campos
de problematização moral, da forma como o conceitua Puig (1998). Isto é, são
eles, a um só tempo,
“espaços sociais para reflexão e ação moral nos quais se produz certa quantidade de saber
normativo ou de guias de valor que norteiam o comportamento de cada um dos sujeitos e
de todos conjuntamente. Portanto, nos campos de problematização cristalizam-se as
temáticas a propósito das quais uma sociedade levanta problemas, transmite a seus
membros reflexões morais referentes a tais dificuldades e, finalmente, sugere valores e
caminhos que apontam para a superação dos dilemas colocados.”(Puig, 1998: p.171)

Alguns exemplos, dados por Puig, de campos de problematização da


atualidade: a sexualidade, o relacionamento com pessoas de outras gerações, o uso
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da natureza, o trato que se dispensa aos seres humanos de acordo com seu gênero,
problemas derivados da capacidade de manipular a vida (clonagem, aborto,
eutanásia...). O autor salienta que as experiências morais, apresentadas
anteriormente, e os campos de problematização moral são dois pólos
complementares, que se retroalimentam. Reflete ainda que, sendo os campos um
amálgama de experiências e espaços de reflexão moral, provavelmente assinalam
temáticas que ajudam a construir a personalidade moral dos seres humanos em
dado momento concreto da história de uma coletividade. Esses campos
determinam as questões sobre as quais cada pessoa, e a sociedade em geral, se
sente interpelada e responsável. O que nos faz indagar que tipo de personalidade
moral está sendo forjada com a questão ambiental. Procuraremos observar isso ao
analisar as entrevistas de nossos atores: professores e jornalistas.
Diz Puig ainda:
“A partir dos campos de problematização moral formamos nosso modo de vida e
decidimos o tipo de vida que queremos levar; em outras palavras, o que está em jogo ali é
a construção da personalidade moral de cada sujeito e a construção das formas de
convivência da coletividade.” (Puig, 1998: p.172, destaques meus)

E é nesse sentido que contextualizamos a questão ambiental e vemos nela


um espaço privilegiado para a educação e para a paulatina reorganização de nossa
sociedade global nesse momento da história. Por fim, uma última advertência do
81

próprio Puig se faz necessária. Nosso pesquisador lembra que há temas


freqüentemente esgotados, como a sexualidade (diz ele) e a natureza (diríamos
nós), mas que têm um papel recorrente nos processos de moralização. Seu
conteúdo concreto, porém, sofre enormes variações por ser circunstancial e
histórico. Exemplo disso pode ser tirado da própria história do Brasil. O
historiador José Augusto Pádua, pesquisando indícios de preocupação ambiental
brasileira, descobriu um fértil pensamento ambientalista em fins do século XVIII
e ao longo do século XIX (Pádua, 2002).
A questão ambiental era um forte campo de problematização moral, embora
apenas explorado por uma minoria educada. No entanto, a percepção do problema
era distinta do que hoje vemos. A preocupação ambiental da época estava
vinculada à visão de progresso e desenvolvimento da nação e, nesse sentido, a
escravidão era considerada um atraso, já que se atribuía a ela uma relação
predatória com a natureza na produção. De modo que extinguir a escravatura se
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tornou, então, uma questão ambiental. Os primeiros críticos ambientais brasileiros


elogiaram o meio natural por sua riqueza e potencial econômico,
“sendo sua destruição interpretada como um signo de atraso, ignorância e falta de
cuidado. O verdadeiro progresso supunha a conservação e uso correto do mundo natural
que, por sua vez, só fazia sentido no contexto desse progresso. A natureza era vista como
objeto político, um recurso essencial para o avanço social e econômico do país.” (Pádua,
2002: p.28)

Na Inglaterra, Alemanha e EUA a percepção de natureza no mesmo período


estava muito mais voltada para a valorização da natureza em si, uma forma de
fugir aos males da civilização, de aproximar o ser humano de si mesmo. No Brasil
setecentista e oitocentista, esta abordagem não se manifestou. Historicamente, esta
visão da natureza como valor em si superara outra, aquela de que tudo que
proviesse desta fonte havia de ser vencido, pois a civilização seria seu
contraponto. Para isso, os elementos da natureza foram identificados com sujidão,
inferioridade. O que dela viesse significava, neste momento de oposição marcada
com a cultura, o que de mais “animal7 e indigno” havia. Isso se aplicava também
aos seres humanos que viviam em condições “naturais”, isto é, sem terem
assimilado ou criado regras como as das sociedades Modernas. Conforme Diegues
(1996), na Europa do século XVIII apenas o mundo domesticado e os campos de
cultivo tinham valor, sendo intensamente desaprovado o comportamento dos

7
Note-se que animal era um adjetivo pejorativo naqueles tempos.
82

orientais de reverência à natureza. Bornheim (1997) lembra que as comunidades


tribais mantinham outra concepção, já que compunham com a paisagem um só
elemento. Nenhuma separação entre seus corpos e a natureza. Nada de
propriedades, bancos, dinheiro. Nem Estado ou polícia. Não havia Ciência ou
cálculo no intuito de dominá-la. Foi a pesquisa dos naturalistas somada ao
evidente contraste de qualidade de vida entre campo e cidade fabril, aliado à
produção dos escritores românticos, que reverteu a valorização estrita da vida em
“civilização”. Além disso, o estranhamento por parte dos civilizados quanto ao
estilo de vida dos “selvagens” contribuiu para o surgimento de uma nova
concepção de natureza, a do lugar aprazível, de desfrute. Esse sentimento de
volúpia atravessa o Romantismo. (Bornheim, 1997). A associação de todos estes
fatores levou a uma idealização da natureza, que passou a ser entendida qual
espaço de reencontro consigo e refazimento das energias. (Diegues, 1996).
Enquanto nos países europeus e EUA o principal protesto contra a
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destruição vinha do movimento cultural do Romantismo – fortemente identificado


com a valorização da natureza e seu lugar na construção da nacionalidade –; no
Brasil, a crítica ambiental era originária do cientificismo progressista. Assim, o
valor da natureza era político – e não estético, como para os românticos. José
Bonifácio, um dos expoentes de maior expressão da crítica ambiental brasileira,
“enfatizava a reforma ambiental como instrumento de superação do passado colonial. Seu
legado teórico mais importante, nesse sentido, foi o de estabelecer a existência de um
nexo causal entre a produção escravista e a destruição do ambiente natural.” (Pádua,
2002: p16)

O livro de Pádua indica o viés desenvolvimentista das preocupações


ambientais de então, grande influência da ciência natural de Buffon, Lineu e
Humboldt e uma agenda de discussão focada nos temas agrários e florestais, em
detrimento de problemas oriundos da vida urbana e industrial, quase não citados.
Na época, o modelo de desenvolvimento ideal passava por um rural modernizado,
de herança fisiocrata.
Com este resumo, pensamos ter exemplificado a importância do contexto na
formação de valores e na percepção, refletindo-se nos campos de problematização
moral de cada época e lugar. No caso de nossa pesquisa, estamos focando estes
aspectos em relação à temática ambiental contemporânea.
5
A questão ambiental e a mídia

No capítulo anterior traçamos um breve panorama do jornalismo


ambiental. Pretendemos, agora, esmiuçar um pouco mais esta questão.
“(...) uma sociedade multicultural supõe que nela vão viver campos de problematização
moral diferentes ou definidos de maneira distinta, ao lado de outros campos comuns, em
grande medida.” (Puig, 1998: p173) De modo mais restrito, podemos considerar que
os campos de atuação do jornalista e do professor diferem culturalmente. São
rotinas, hábitos, valores, “rituais”, crenças e procedimentos específicos da
profissão. E isso provavelmente se refletirá nas respostas e entendimentos de
mundo de cada um desses atores.
Marcondes (2003) entende que o início da década de 90 esboçava uma
oportunidade ímpar para a formação de jornalistas ambientais especialistas, dado
que com a Rio-92 havia um modesto interesse da imprensa em relação ao meio
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ambiente. Segundo sua análise, a falta de especialistas para abordarem os temas


ambientais nos meios de comunicação fez com que as poucas editorias específicas
existentes fossem abandonadas. Com isso, foram criadas diversas mídias
direcionadas à questão ambiental. Entretanto, estas configuram, nas palavras de
Marcondes, ainda uma “imprensa nanica”. Para ele, o principal problema para a
democratização da informação ambiental de qualidade é a falta de instrumentos de
financiamento, uma vez que as agências de publicidade e as empresas que
investem em marketing ambiental não teriam entendido até agora o caráter
estratégico deste tipo de mídia. No quadro pintado por Adalberto Marcondes, as
mídias convencionais se concentram em divulgar catástrofes enquanto as nanicas
são um canal eficiente de difusão de informações ambientais positivas, fato já
descoberto por agências de relações públicas e assessorias de imprensa. Adalberto
critica, no entanto, a “miscelânea desordenada de conhecimentos e informações que
pode levar o leitor mais afoito a confundir qualidade da informação com a qualidade
visual ou de qualquer outra manipulação tecnológica.” (Marcondes, 2003).
As empresas dispõem de recursos humanos e tecnológicos não presentes
nas mídias ambientais eletrônicas, contribuindo para fomentar confusões, diz ele.
A jornalista Diane Jukofsky (2003), da Costa Rica, avalia a escassez de
jornalistas ambientais na América Latina, apontando três razões principais: “as
84

notícias ambientais geralmente são de reduzido interesse, os editores e diretores de mídia


não gostam delas e não dá prestígio ser um jornalista ambiental.”
Cada ponto abordado é analisado por Diane, que sugere alternativas para
superá-los – a maior parte delas num esforço por articular grupos ambientalistas,
governo e universidades que oferecem informações ambientais. Solicita auxílio e
disponibilidade destes setores para com os jornalistas, tais como listas de
especialistas de cada organização, atualizadas regularmente, listas de termos
relevantes com as respectivas definições e de assuntos emergentes. Além disso, as
ONGs deveriam estar em condições de oferecer a estes profissionais viagens de
campo, a fim de que a matéria em questão seja mais vivaz. Diz ela:
“é mais efetivo mostrar diretamente aos jornalistas os efeitos do desmatamento, e
proporcionar-lhes contato com as vítimas, que descrever as conseqüências do
desaparecimento de uma mata virgem na elegante sala de conferências de um hotel da
cidade.” (Jukofsky, 2003)

Jukofsky critica a falta de traquejo dos repórteres ao utilizar jargões


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científicos de difícil compreensão popular, ao restringir suas matérias a eventos


urbanos e escândalos e ao redigir notícias que carecem de equilíbrio, isto é, sem
ouvir a parte contrária. Outra dificuldade indicada por ela é conquistar o editor,
dado que estas reportagens requerem mais tempo e recursos e os meios de
comunicação geralmente têm déficit de pessoal. Tê-lo como parceiro é
fundamental para haver reconhecimento e, inclusive, receber promoções.
Defensora de um jornalismo preventivo, Diane propõe o envio de
relatórios com estatísticas, devidamente acompanhados de um press-release, para
facilitar o jornalismo investigativo, e a mudança de enfoque dos jornalistas,
falando mais sobre biodiversidade, adiantando-se aos acontecimentos. Ademais,
sugere abordagens que dêem uma cor local a uma história global, de maneira a
aproximar o leitor da realidade descrita no artigo.
No Brasil, o esforço para superar as dificuldades do jornalismo ambiental
resultou na criação da EcoMídias – Associação Brasileira de Mídias Ambientais –
responsáveis, no total, pela circulação de 1,5 milhões de exemplares por mês.
Juntas, estas mídias nanicas criaram seu código de ética e têm a pretensão de
“abrir os olhos de publicitários e anunciantes para uma realidade onde a utilização de
recursos naturais deve ser feita com responsabilidade e onde o marketing ecologicamente
correto deve refletir ações e posturas conseqüentes.” (Marcondes, 2003 – 2). Seu
argumento principal a favor da EcoMídias é a qualificação dos profissionais,
85

minimizando erros de informação. Marcondes demonstra que meio ambiente é um


negócio de volume hoje em dia, reconhece que há empresas investindo em
divulgar seus projetos e/ou produtos ecologicamente corretos, mas adverte que seu
marketing é freqüentemente equivocado. Assim, nada mais lógico do que investir
nas pequenas mídias que divulgam corretamente para um público interessado e
que estiveram até o momento sem financiamento.
Em entrevista à Press, Roberto Villar, coordenador da Rede Brasileira de
Jornalismo Ambiental, diz quais são os veículos que melhor cobrem a questão
ambiental, entre os tradicionais:
“A melhor cobertura sempre foi do Grupo Estado. Desde a época do Randau Marques,
que até a Rio 92 escrevia no Jornal da Tarde. A cobertura da Agência Estado é muito boa.
As piores barbaridades são da Veja, o que não é exclusividade da área ambiental. Apesar
do grande número de notícias que são publicadas, em geral as matérias na imprensa
brasileira ainda são superficiais, sem contexto. Na Europa e nos Estados Unidos o
jornalismo investigativo na área ambiental é comum. A crise ambiental é tão grave que o
jornalista tem que assumir uma responsabilidade social de educador ambiental. Quem
percebe este papel muitas vezes ainda é taxado nas redações de ecochato, para não
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mencionar outros adjetivos mais depreciativos. Jornalista que diz com orgulho que não
tem posição ou é ingênuo, confundindo fantasia com realidade, ou mau caráter.” (Villar,
2003, destaque nosso)

A afirmação de Villar quanto à responsabilidade social do jornalista de


atuar como educador ambiental indica que o estudo de Fischer (1997) anda em
bom caminho. Para a autora, a mídia atuaria como “dispositivo pedagógico”, ou
seja,
“ao lado de uma função objetiva de informar e divertir os espectadores, por exemplo,
haveria na mídia uma função explícita e implícita de ‘formá-los’ e isso em nossos dias
não escapa à produção e veiculação de técnicas e procedimentos voltados à relação dos
indivíduos consigo mesmos, matéria-prima de grande parte dos produtos televisivos e das
matérias de jornais e revistas.” (Fischer, 1996 citada por Fischer, 1997)

Segundo Fischer, ao disponibilizar ao público enunciados de várias


formações discursivas, que disputam na sociedade a hegemonia de significações, a
mídia “constrói, reforça e multiplica enunciados propriamente seus, em sintonia ou não
com discursos e outras instâncias de poder.” (Fischer, 1997) E supõe que a construção
dos significados esteja ligada à produção de sujeitos sociais, devido às coerções,
dispositivos e estratégias de produção, controle e distribuição dos discursos pelos
meios de comunicação.
No contexto desta pesquisa, não estudaremos as diferentes possibilidades
tecnológicas, dos diferentes veículos, de construção dos sujeitos e significados no
86

tocante à questão ambiental. Fica a sugestão para pesquisas posteriores. A nós


importa, no entanto, constatar que existe esse intuito educativo na produção da
notícia ou programa, declarado ou não. Parece evidente que as mídias
assumidamente ambientais, aqui estudadas, o são por escolha ideológica, tendo
interesse realmente em ensinar, esclarecer, advertir ou aconselhar o leitor/
espectador em relação ao tema eleito.
Quem são, então, os profissionais voltados ao tema ambiental? Qual seu
perfil e por que fizeram esta opção?
É chegada a hora de apresentarmos nossos convidados, suas histórias e
motivações.
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PARTE II – Representação, valores e experiências

6
A pesquisa

Esta pesquisa guiou-se pelo referencial da teoria das representações sociais,


conforme entendida pela Psicologia Social. Desta forma, iniciemos pela
explicitação de nosso referencial.

6.1
Aspectos da teoria da Representação Social

A representação social constitui um corpo teórico desenvolvido no âmbito


da Psicologia Social, de modo que nem os aspectos intra-individuais nem os
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aspectos sociais podem ser esquecidos nesse tipo de estudo. Segundo Leme
(1995), esta teoria tem sido vista como valioso aporte para diversas abordagens já
existentes em Psicologia Social, devido à seriedade com que se leva em conta a
dimensão social. Esta pesquisadora nos lembra que o ato de representar
“não deve ser encarado como um processo passivo, reflexo na consciência de um objeto
ou conjunto de idéias, mas como processo ativo, uma reconstrução do dado em um
contexto de valores, reações, regras e associações. Não se trata de meras opiniões,
atitudes, mas de ‘teorias’ internalizadas que serviriam para organizar a realidade.” (Leme,
1995: 48)

Ao tornar familiar o não-familiar, objetos, seres, e eventos são


reconhecidos e compreendidos a partir de modelos anteriores que dispomos em
nossa memória.
O termo representações sociais designa “tanto um conjunto de fenômenos
quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los”. (Sá, 1995).
Sá recorre a Moscovici para explicar a natureza da representação social.
Diz Moscovici (citado por Sá, 1995: p33 e 34) que representar alguma coisa não é
“simplesmente duplicá-la, repeti-la ou reproduzi-la; é reconstituí-la, retocá-la, modificar-
lhe o texto.” E prossegue afirmando que uma vez fixadas as reelaborações,
esquecemo-nos de que são obra nossa, e que por isso levam “(...) a marca de uma
passagem pelo psiquismo individual e social”.
88

O estabelecimento de uma representação social tem por característica


prescindir da neutralidade. Cada objeto, assunto e ser deve possuir um valor
positivo ou negativo e ser classificado genericamente dentro de um dos
paradigmas disponíveis em nossa memória. Em seguida, o objeto da representação
recebe uma denominação, localizando-o em nossa matriz de identidade cultural.
Por fim, o outro processo de constituição de uma representação, um pouco mais
limitado, consiste em dar uma forma icônica a uma idéia.
O pesquisador Pereira de Sá elabora uma longa lista de assuntos que
interessariam aos cidadãos comuns, em suas interações cotidianas, despertando
sua atenção e curiosidade, demandando sua compreensão e forçando-os a um
pronunciamento que ultrapassa o teor de uma simples opinião. Entre estes
assuntos, cita profissões, questões relacionadas à saúde e doença, política e
economia, as questões ecológicas, as cidades, a tecnologia, as classes de pessoas,
as desigualdades sociais e outros temas igualmente instigantes. Segundo o autor,
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as pessoas comumente
“fazem uma articulação ou combinação de diferentes questões ou objetos, segundo uma
lógica própria, em uma estrutura globalizante de implicações, para a qual contribuem
informações e julgamentos valorativos colhidos nas mais variadas fontes e experiências
pessoais e grupais.” (Sá, 1995: p.26)

Farr (1995), após demonstrar a utilização histórica da representação social


das massas por parte de líderes como Hitler, De Gaulle, Stalin, Roosevelt e
Mussolini, adverte sobre a necessidade dos psicólogos sociais de compreenderem
a psicologia social das massas a fim de evitar novo período de vulnerabilidade
quando outro líder resolver traduzir a teoria política para a prática. Por analogia,
estamos propondo a relevância de conhecer as representações acerca de meio
ambiente, educação e informação, de modo que as políticas e práticas relacionadas
a estes temas no país possam ser melhor debatidas e conduzidas pela sociedade
organizada.
O mesmo Farr demonstra brilhantemente em seu artigo que o “indivíduo
tanto é um agente de mudança na sociedade como é produto dessa sociedade”. (Farr,
1995: p.51) E é nesta perspectiva que uma vez mais ressaltamos a importância da
presente pesquisa. Entender a dinâmica de formação dessas representações, e elas
próprias, poderá ajudar tanto em propostas de Educação Ambiental (e outras
políticas ambientais) como na formação educacional de profissionais que lidarão
89

com questões ambientais e suas interfaces. A representação pode ser superada


com investimento autoconsciente. Se professores e jornalistas se derem conta das
repercussões de suas representações e decidirem tirar proveito dessa informação
em benefício da sociedade, teremos dado um passo rumo a um amadurecimento
na relação ser humano-ambiente.
Partamos, agora, para a delimitação das questões de nosso problema.

6.2
As questões

Considerando que:
entre outras instâncias, à educação, e particularmente à sua dimensão
conhecida por EA, se atribui a responsabilidade de contribuir para a
melhoria do padrão de relacionamento estabelecido entre ser humano e
natureza;
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a EA ficou incumbida pela legislação brasileira de perpassar o trabalho da


mídia, da universidade, da escola, das empresas e de outros atores sociais;
a natureza das relações com o ambiente é nitidamente marcada pelas
concepções/ representações de ambiente dos indivíduos;
queremos saber o que influencia a formação da representação de meio ambiente
do sujeito – para que a formação ainda pendente (e aqui entra a educação) dos
mais diversos atores que assumem uma perspectiva ambiental em seu trabalho
seja desenvolvida. Aqui, nosso interesse está voltado especificamente para dois
agentes mediadores privilegiados, quais sejam, jornalistas ambientais e
professores da escola pública que trabalhem com a questão ambiental.
Recordemos que as representações são produzidas pelos indivíduos em
interação social ao tentar encontrar soluções para suas próprias indagações. Sá
(1995) lembra que para Moscovici há duas categorias distintas de universos de
pensamento:
a) os consensuais, compreendidos pelas atividades intelectuais de
interação cotidiana, que utiliza uma lógica mais frouxa e cuja verificação obedece
mais a sentimentos compartilhados de verossimilhança do que à objetividade e ao
rigor. Aqui, cada indivíduo possui o mesmo valor que os outros;
90

b) os reificados, onde são produzidos os conhecimentos científicos e o


pensamento erudito, com todo o rigor metodológico, objetividade, especialização
e hierarquização peculiares a este tipo de universo. Nele, o grau de participação de
cada indivíduo depende de sua qualificação, as informações são selecionadas
conforme a ocasião e há formas específicas de apresentar cada tipo de informação.
Os universos consensuais (as próprias representações), no entanto, são
hoje alimentados também pelos universos reificados. Chamamos Sá a reforçar
nossa escolha de público a ser pesquisado, pois para ele, forma-se um novo tipo
de senso comum, composto por
“conhecimentos de segunda mão, cuja operação básica consiste na contínua apropriação
das ‘imagens, das noções e das linguagens que a ciência não cessa de inventar’. Um
importante papel é desempenhado, nesse processo de transferência e transformação dos
conhecimentos, pelos divulgadores científicos de todos os tipos – jornalistas, cientistas
amadores, professores, animadores culturais, pessoal de marketing – e pela crescente
ampliação e sofisticação dos meios de comunicação de massa”. (Sá, 1995: p.29 e 30,
destaques meus)
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Robert Farr traça uma análise histórica do desenvolvimento da teoria das


representações sociais. E afirma que a teoria de Moscovici é “adequada à
investigação empírica das concepções leigas da ciência”. (Farr, 1995: p.45) Segundo
Farr, Moscovici estava interessado em observar como ocorria o movimento de
disseminação de um novo corpo de conhecimento em uma sociedade: a
Psicanálise. Em nosso caso, estamos interessados em verificar o que ocorre com
outro desses corpos, também recente – a Ecologia.
Sendo ela ciência-fonte para o movimento ambientalista e para seus
desdobramentos – como a própria Educação Ambiental, as políticas ambientais, as
recentes áreas da Ecologia Humana, do Direito Ambiental e da Gestão Ambiental,
entre tantas outras1 – pensamos ser necessário compreender a difusão de seus
conceitos na sociedade e sua assimilação pelo senso comum. Ainda que essas
novas áreas não se restrinjam aos domínios da Ecologia, são eles o princípio de
onde partem para relacionar-se com outras áreas.
Meio ambiente é o tema em comum desses novos estudos e profissões. E
não constitui assunto do qual se tem notícia pela primeira vez em banco escolar.
Trata-se antes de conhecimento ligado ao cotidiano das pessoas, sua cultura e
tradições. De maneira que quando se obtém informações “oficiais”, nas escolas e
1
jornalismo ambiental, saúde ambiental, segurança ambiental, marketing ambiental, arquitetura
orgânica etc.
91

universidades, já preexiste uma concepção do que seja ambiente, e possivelmente


coexistirá com as novas informações recém adquiridas com os estudos. A
incorporação de conceitos da Ecologia provavelmente passa pelo caminho das
representações sociais.
Desta forma, as questões por nós privilegiadas são:
Que relação com o meio ambiente manifestam jornalistas
ambientais no papel de divulgadores de notícias através da mídia?
Que relação com o meio ambiente demonstram professores de
escolas públicas no espaço escolar e que valores, decorrentes dessa
relação, estimulam em seus alunos?
Que concepções de ambiente, de educação e de informação
sustentam essas relações?

6.3
Critérios
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Ao decidirmos pesquisar educadores ambientais e jornalistas ambientais,


era preciso arranjar critérios para selecionar alguns candidatos para a entrevista
em cada grupo. Assim, elegemos cinco professores, trabalhando em espaços
diversos, que reconheciam em sua prática a marca da educação ambiental e cuja
atuação se refletisse nas práticas de outros professores. Todos exercem ou
exerceram até recentemente papel formador de outros educadores, devido aos
projetos e especificidades dos trabalhos executados. Além disso, a Secretaria
Municipal de Educação reconhece em seu cadastro que as diferentes escolas onde
atuam/ atuavam estes cinco profissionais vêm desenvolvendo projetos de EA. Em
poucas palavras, são referência oficial.
Nossos jornalistas são sujeitos que assumiram suas carreiras como
jornalistas ambientais e cada um deles representa um tipo de veículo: jornal,
revista, internet e programa de TV. Pretendíamos incluir ainda o rádio. Entretanto,
a estação de rádio selecionada por nós fechou durante a pesquisa e não
conseguimos realizar a entrevista. Esta variedade de veículos foi proposital, a fim
de ter uma amostra diversificada de atuações no âmbito jornalístico. Todos os
escolhidos são pessoas representativas da profissão e do meio em que atuam.
Tivemos a surpresa de sermos recebidos por dois jornalistas em cada veículo
92

destes, excetuando-se a TV. Ou seja, dos cinco candidatos previstos inicialmente


saltamos para um total de sete jornalistas ambientais.
Quadro 1: número de jornalistas entrevistados
Jornalistas
Veículo Jornalistas previstos entrevistados
Jornal Um Dois
Revista Um Dois
Internet Um Dois
TV Um Um
Rádio Um Nenhum
Total cinco sete

As apresentações a seguir são resumos feitos a partir de informações


contidas nos sites dos veículos de procedência destes jornalistas. Com isto, o leitor
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terá uma visão panorâmica do trabalho destes veículos, sua representatividade,


seus objetivos e público.

I- Jornal do Meio Ambiente (JMA):


Fundado e editado desde janeiro de 1996 por Vilmar Berna, jornalista e
ambientalista, o Jornal do Meio Ambiente difunde informação ambiental através
do meio impresso e de seu site2, no ar desde 1996, e que contém o texto completo
de todas as edições do Jornal, sendo atualizado mensalmente.
O público-alvo do JMA é formado por multiplicadores de opinião, como
ambientalistas, governantes e empresários, jornalistas especializados em meio
ambiente, educadores ambientais, etc. Por se tratar de um jornal especializado,
lido por um público especialmente interessado, vem sendo visto como veículo
ideal para a divulgação de projetos e políticas ambientais de empresas, governos e
do terceiro setor.
Seu público é atendido com o acesso gratuito ao seu site, considerado por
especialistas como o mais completo e de maior conteúdo ambiental da internet
brasileira, resultando em inúmeros prêmios nacionais e internacionais.

2
www.jornaldomeioambiente.com.br
93

O site do JMA afirma que uma das razões que contribuíram para o
nascimento do jornal foi a possibilidade de promover a democratização da
informação ambiental como estratégia para a formação de cidadania ambiental.
Nele, estão listadas várias causas para a baixa divulgação de obras, projetos e
políticas ambientais positivas. Entre elas, a evidente tendência da grande mídia em
dedicar mais espaço para o desastre e degradação e menos para as boas notícias
ambientais. A proposta do JMA é romper com este padrão.
O cenário em que surgiu foi o pós ECO-92. A Conferência gerou um efeito
cascata: a questão ambiental, antes mais concentrada nas ONGs (Organizações
Não-Governamentais) ambientalistas, internalizou-se nas demais instâncias da
Sociedade Organizada, envolvendo empresas e governos, entre outros. No
entanto, contraditoriamente à necessidade de mais informação ambiental, após a
ECO-92 este espaço restringiu-se na grande mídia, limitando-se hoje a ocorrências
fragmentadas, diante de acidentes ambientais e um ou outro tema que interesse ao
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público mais geral.


Despontaram, então, alguns veículos especializados em informação
ambiental. O Jornal do Meio Ambiente destaca-se como veículo editado por um
ambientalista reconhecido mundialmente. Vilmar Berna foi o único brasileiro a
receber em 1999 o Prêmio Global 500 da ONU para o Meio Ambiente,
considerado o Nobel da Ecologia.
O Jornal tomou a iniciativa, ainda, junto com o Jornal Terramérica, de
criar a EcoMídias - Associação das Mídias Ambientais, que reúne cerca de 10
veículos especializados em meio ambiente no Brasil, totalizando cerca de 1,5
milhões de exemplares por mês.

II - Revista Ecologia e Desenvolvimento:


Com quase duas décadas de atuação, a equipe profissional da ETM
(Editora Terceiro Milênio) criou publicações que são hoje importante referência
para milhares de leitores localizados em mais de dois mil municípios do país.
Muitos dos assinantes são universitários, além de professores e alunos do Ensino
Médio, que utilizam as revistas em sala de aula e como fonte de pesquisa.
A Editora Terceiro Milênio é a herdeira do trabalho da Editora Terceiro
Mundo, implantada no Brasil em junho de 1980 e responsável pelo lançamento
94

das publicações Cadernos do Terceiro Mundo, Ecologia e Desenvolvimento


(1991), e Revista do Mercosul (1992). Em dezembro de 1996, lançou seu site.
Fundada pelo jornalista Neiva Moreira, a Editora tem também lançado
numerosos livros e publica periodicamente o Guia do Mundo e o Almanaque
Brasil. O primeiro foi lançado na sua versão 2000/2001, em parceria com a
PubliFolha, com o nome Enciclopédia do Mundo Contemporâneo. O Le Monde
Diplomatique considerou-a "Um instrumento de trabalho imprescindível para
quem se interessa pelos temas de atualidade".
Mas a ETM considera que sua principal contribuição à sociedade brasileira
tem sido a divulgação do pensamento e da prática de nações e lideranças que
buscam construir para a humanidade um futuro de justiça social e equilíbrio
ecológico.
A revista Ecologia e Desenvolvimento surgiu em março de 1991, com o
objetivo de difundir as preocupações ambientais, que naquele período repercutiam
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com mais intensidade no país, devido à Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, prevista para 1992. Ela aborda iniciativas
privadas e públicas que conciliam o progresso com o uso racional das riquezas do
planeta.
O perfil do público leitor: 58% formação universitária, 31% formação
média e em 11% dos casos são pessoas que apenas concluíram o ensino
fundamental. Da revista circulam 25 mil exemplares a cada edição, sendo 68%
para assinantes, 25% vendidos em bancas e 7% destinados à promoção.
Os setores de atividade abrangidos são: governos, empresas, faculdades e
escolas.
A revista tem recebido várias premiações, como:
1994 - Prêmio Gaúcho (Ouro, Prata e Bronze), concedido pelo Festival
Internacional de Publicidade em Turismo e Ecologia (Fiptur).
1995 - Prêmio Bahia de Proteção Ambiental, concedido pela Cofir.
2000 - Prêmio Golfinho de Ouro à jornalista Beatriz Bíssio, pela
contribuição à causa ambiental na direção da revista Ecologia e Desenvolvimento,
concedido pelo Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro.
2001 - Prêmios Troféu de Comunicação do Mercosul, na categoria
Jornalismo Ambiental em Revista (Ouro, Prata e Bronze), concedido em conjunto
pela Associação Riograndense de Imprensa, Associação Gaúcha de Emissoras de
95

Rádio e Televisão e pela Associação Latino-Americana de Agências de


Publicidade (Alap), no 13º Festival Mundial da Publicidade, realizado no mês de
junho, em Gramado/RS.

III- Programa Expedições (TV Cultura):


Em 1995, a RW deu início à série de TV Expedições, com especiais que
abordam aspectos culturais, sociais e ambientais do Brasil. No segundo semestre
de 2000, Expedições passou a ser um programa semanal, exibido nas Redes de TV
Educativa (segundas às 22h) e TV Cultura (quartas às 19h30).
O programa EXPEDIÇÕES resulta de um trabalho iniciado na década de
70, quando Paula Saldanha e Roberto Werneck começaram a documentação de
pesquisas, áreas naturais e populações brasileiras. Sempre registrando uma área
diferente do país, a dupla já viajou do Oiapoque ao Chuí, da Ponta do Seixas, na
Paraíba, até o extremo oeste no Acre, e continua descobrindo lugares e pessoas
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diferentes a cada expedição. Ao longo de 24 anos de produção independente, tem


documentado e testemunhado transformações de muitas regiões do Brasil. Com a
câmera na mão, o casal dispôs-se a denunciar problemas, cobrar soluções, dar voz
às comunidades, divulgar as boas iniciativas.
A proposta do programa é rica e diversificada, tencionando apresentar os
vários brasis de nosso país. Inclui desde os abrigos do homem primitivo e o
caminhar pela arquitetura de cidades históricas até a convivência com tribos
indígenas e visitas à selva amazônica.
A partir de 2001, a série ampliou o território estudado. Paula e Roberto
percorreram a rota dos vulcões, na Costa Rica, as ilhas de Palma de Mallorca e
Ibiza, a nascente do rio Amazonas nos Andes e os santuários arqueológicos da
civilização Maia, no México.
Do histórico da produtora independente, destacamos alguns dados:
A RW VIDEO foi criada formalmente em março de 1979 por Paula
Saldanha (jornalista e escritora) e Roberto Werneck (biólogo e documentarista).
Mas o casal já vinha desenvolvendo desde 1977 trabalhos de documentação do
Brasil, em diversas regiões. São desse ano os 10 filmes curta metragem da série
"Crianças de Todo Brasil" e "Homem Primitivo Brasileiro".
Utilizando inicialmente equipamentos de cinema, a produtora alimentou
vários programas e campanhas da televisão brasileira. Ainda em 1979, a RW
96

VIDEO produziu para a TV Globo a série Brasil Pesquisa, e criou o primeiro


programa de meio ambiente para jovens – o Globinho Repórter.
A idéia básica dos projetos da produtora de Paula e Roberto sempre foi
mostrar para o grande público como anda o país, de norte a sul, leste a oeste. As
reportagens e programas de TV transformados em vídeos têm sido utilizados no
Brasil e no exterior como materiais informativos em projetos culturais, sociais e
de educação ambiental.
Desde a sua criação, a empresa tem produzido para as principais emissoras
de TV do Brasil.
Já teve documentários exibidos em redes de TV nos Estados Unidos e
Europa. Criou documentários e vídeos para diversas instituições, principalmente
na área de meio ambiente, com vários trabalhos premiados em festivais do Brasil
e exterior.
Ainda em 1992, a RW VIDEO foi convidada pelo governo brasileiro para
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elaborar os vídeos e exposições fotográficas que representaram o país na


Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Seu
acervo, em filmes, vídeos e fotos, completou um quarto de século em 2002 e
inclui material original bruto, mantido em câmaras climatizadas – um registro do
país e suas populações em diferentes décadas.

IV- Ecopress:
A ECOPRESS é uma Organização Não-Governamental (ONG) sem fins
lucrativos, fundada em 1992 por um grupo de ambientalistas, com o objetivo de
divulgar informações sobre questões ambientais através das mais variadas formas
jornalísticas.
Esta ONG contrata jornalistas em início de carreira para que se
especializem no assunto e sigam a profissão dentro deste nicho. Neste intuito,
mantém dois veículos de comunicação: a Resenha Ambiental diária e o jornal
Educador Ambiental.
A Resenha Ambiental é um boletim diário, enviado por e-mail, com o
resumo das notícias publicadas nos principais jornais do país. Informações
passadas pela rede de colaboradores e conselheiros da Ecopress e selecionadas de
sites de notícias completam o conteúdo do serviço.
97

O jornal Educador Ambiental vem sendo produzido desde novembro de


1993 em parceria com o WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e apoio
financeiro da Informare. O objetivo do projeto é promover a troca de experiência
entre educadores e ambientalistas de todo o país. Por ser o único jornal de
Educação Ambiental do Brasil voltado para professores e profissionais da área,
recebeu em 1996 um prêmio do Russel Train Fund. O veículo passou por uma
grande reformulação gráfica a partir da edição 18, tornando-se mais agradável de
ler e mais prático para o uso em salas de aula.
A Ecopress mantém atualmente um treinamento básico para estudantes de
Jornalismo em final de curso ou recém-formados, que fazem estágio na
elaboração da Resenha e no atendimento aos assinantes, além de eventuais
matérias e pesquisas, aprofundando-se, assim, na temática ambiental.

Fica evidenciada com esta primeira apresentação a seriedade dos veículos


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estudados e sua trajetória consolidada e contínua. Foi importante na seleção


também o fato de estarem inscritos no cenário ambientalista brasileiro e
afirmarem possuir intenção de contribuir como ferramenta em diversos processos
educativos.
Se assumido está o estatuto pedagógico (Fischer, 1997) da mídia neste
caso, falta analisar que concepções de ambiente, de educação e de informação
guiaram as ações destes representantes dos diferentes veículos do jornalismo
ambiental.
Um argumento a mais a favor de estudar o jornalismo ambiental pode ser
dado em função de acontecimento recente. No início de abril último, foi
anunciada a extinção da CoEA (Coordenadoria de Educação Ambiental) do MEC
em razão de cortes, explicados pela ex-coordenadora Lucila Pinsard Vianna:
“o que deu impulso a esta ação foi a questão operacional – foi necessário que cada
ministério disponibilizasse 10% a 20% de seus cargos – os cargos de confiança, que é o
tipo de contrato dos dirigentes – para os novos ministérios – o governo Lula criou pelo
menos 3 novos ministérios, mas não criou cargos para estruturá-los, e a solução
encontrada foi esta doação de cargos via velhos ministérios.” (mensagem enviada por
José Alberto Gonçalves Pereira, em 14/10/03 para a lista jorn-ambiente sediada pelo
Yahoo).

O fato foi amplamente divulgado nas listas virtuais de EA e de jornalismo


ambiental, tanto nas listas de informação como nas de discussão. Rapidamente,
98

inúmeras ONGs, a REBEA (Rede Brasileira de EA), vários jornalistas ambientais,


professores e simpatizantes da EA se articularam e enviaram milhares de
mensagens eletrônicas ao Ministro da Educação, Cristovam Buarque, solicitando
que a falha fosse reparada. O editor do JMA enviou também mensagem pessoal ao
ministro, procurando saber a causa do procedimento. Uma semana após a
mobilização nacional em prol da revisão da medida, o MEC divulgou uma nota à
imprensa se retratando e anunciando a reativação da CoEA.
A eficiência da articulação se deveu à atuação em rede, já consolidada
entre os educadores ambientais, mas também à rápida divulgação e convocação
realizada pelos jornalistas ambientais. As redes de EA têm sido muito
importantes; embora virtuais,
“ao mesmo tempo são reais. (...) a primeira característica da rede é ser virtual. Ela
somente é real, realmente efetiva, historicamente válida, quando utilizada no processo da
ação.” (Santos, 1997: p220, citado por Vasconcellos, 2002)
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6.4
Caracterização dos grupos

Os jornalistas entrevistados serão aqui chamados por J1, J2, J3, J4, J5, J6 e
J7. Entre eles, há três profissionais antigos (mais de 20 anos de profissão), dois
em meio de carreira (mais de 10 anos) e duas iniciantes (cerca de 5 anos). Há
apenas dois homens no grupo. Quanto às origens, embora a maioria resida no Rio,
apenas três são cariocas, sendo duas paulistas, uma uruguaia que vive no Brasil e
um gaúcho.
Excetuando-se os três mais novos, são pessoas que já viajaram muito e
atuaram em diferentes frentes de trabalho.
Em relação aos docentes, podemos dizer que compõem um grupo
heterogêneo, tendo em comum a característica de liderança e o fato de atuarem na
formação de novos professores e na qualificação continuada dos antigos. Neste
grupo, temos 5 professoras, todas atuando no ensino público. Elas moram em
regiões diferentes da cidade do Rio de Janeiro e foram entrevistadas em seus
trabalhos nos bairros do Centro, Cordovil, Gávea, Alto da Boa Vista, Tijuca e
Laranjeiras (zonas Norte e Sul). É bom lembrar que tais professoras executam seu
trabalho também em outras áreas da cidade e mesmo do estado. Nós as
chamaremos por P1, P2, P3, P4, e P5. Três delas possuem formação em Ciências
99

Biológicas, uma em Pedagogia e outra em Letras, além do curso técnico em


Edificações. Uma delas é originária do Rio Grande do Sul, tendo vivido muitos
anos no Pará, e suas idades variam entre 30 e 60 anos. Duas estão próximas de
aposentar-se, duas em meio de carreira e uma é iniciante. Todas têm nível de pós-
graduação e continuam se especializando. Vale lembrar que todas atuam na
perspectiva da educação ambiental. Resta esclarecer que este perfil de professores
é atípico no ensino público, onde não temos uma maioria com pós-graduação e
muito menos trabalhando com EA.

Quadro 2 – Perfil dos entrevistados


Profissionais Origem Formação Carreira
P1 RJ Biologia Docência, próxima da
aposentadoria
P2 RS Técnica em Edificações; Letras Docência, meio de carreira
P3 RJ Pedagogia Docência, próxima a
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aposentadoria
P4 RJ Física/Biologia Docência, meio de carreira
P5 RJ Biologia Docência, início de carreira
J1 Uruguai Química (não concluída) e Profissional antiga
Jornalismo
J2 RJ Escola técnica de Química; Meio de carreira
Jornalismo
J3 RJ Pedagogia Profissional antiga
J4 SP Várias faculdades iniciadas; Meio de carreira
Jornalismo
J5 SP Jornalismo Início de carreira
J6 RS Não fez graduação Profissional antigo
J7 RJ Jornalismo Início de carreira
100

6.5
Estratégias de pesquisa

A pesquisa realizada é de base qualitativa. Alves-Mazzotti (1999) analisa


as diferentes possibilidades metodológicas no âmbito da pesquisa qualitativa e
encontra em Patton o denominador comum a esta classe de pesquisa:
“a principal característica das pesquisas qualitativas é o fato de que estas seguem a
tradição ‘compreensiva’ ou interpretativa. Isto significa que essas pesquisas partem do
pressuposto de que as pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos
e valores e que seu comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se dá
a conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado.” (Alves-Mazzotti, 1999: p131)

A autora desdobra em três as características decorrentes desta natureza de


estudo: visão holística, segundo a qual a compreensão de um fenômeno só é
possível a partir do entendimento das inter-relações presentes num certo contexto;
abordagem indutiva, na qual o pesquisador parte de observações livres, deixando
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que as dimensões e categorias de interesse emerjam progressivamente com a


coleta e análise de dados; e investigação naturalística, ou seja, aquela na qual a
intervenção do pesquisador no contexto observado se reduz ao mínimo.
Dentre as três grandes possibilidades paradigmáticas presentes no campo
da pesquisa qualitativa, construtivismo social, pós-positivismo e teoria crítica, nos
identificamos com as preocupações da teoria crítica. Nesta abordagem, procura-se
“investigar o que ocorre nos grupos e instituições relacionando as ações humanas com a
cultura e as estruturas sociais e políticas, tentando compreender como as redes de poder
são produzidas, mediadas e transformadas. Parte-se do pressuposto de que nenhum
processo social pode ser compreendido de forma isolada, como uma instância neutra
acima dos conflitos ideológicos da sociedade.” (Alves-Mazzotti, 1999: p131)

Nosso olhar por certo se inspirou nessa perspectiva. O levantamento de


dados foi realizado a partir de entrevistas semi-estruturadas (Alves-Mazzotti,
1999: p168), gravadas em cassete, uma para jornalistas e outra para professores,
havendo questões em comum e questões específicas a suas profissões (anexos 9.6
e 9.7). Procuramos: levantar as concepções de ambiente, de educação e de
informação dos entrevistados; saber sobre seus valores e aspectos de sua vida; e
verificar a importância da universidade e do exercício profissional cotidiano em
suas práticas e relações com o mundo.
101

Também foram observados os ambientes onde se realizaram as entrevistas,


de maneira informal, buscando indícios de coerência com o que havia sido dito
pelos entrevistados.
Embora para a escolha dos jornalistas e professores tenha havido uma observação
flutuante do seu trabalho, a análise dos produtos diretos – como artigos, sites,
programas e aulas – comparados com o discurso proferido pelos entrevistados,
pode ser um dos desdobramentos desta pesquisa, servindo esta primeira
aproximação de base para estudos posteriores. Aqui, os dados foram estudados
utilizando-se das falas para a análise de conteúdo, conforme proposta por Bardin
(1977), no que tange à identificação das representações de ambiente, educação e
informação dos atores pesquisados. Para estudar a estruturação destas
representações, suas origens e desenvolvimento, buscamos inspiração nos relatos
da vida dos professores e jornalistas, buscando informações relevantes em três
aspectos: a família; a universidade, como espaço de preparação para o trabalho; e
o exercício profissional em si, que poderia modificar as práticas destes atores em
decorrência da experiência. Nossa suposição foi de que estes espaços de
convivência e interação propiciariam aos sujeitos oportunidades-chave de refletir,
atuar e automodificar-se, uma vez que se constituem em campos de
problematização moral (Puig, 1998).
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7
As representações e sua repercussão nas práticas
ambientais e educativas de educadores e jornalistas

Relembremos as questões que nos guiaram:


1. Que relação com o meio ambiente manifestam jornalistas ambientais no papel
de divulgadores de notícias através da mídia?
2. Que relação com o meio ambiente demonstram professores de escolas
públicas no espaço escolar e que valores, decorrentes dessa relação, estimulam
em seus alunos?
3. Que concepções de ambiente, de educação e de informação sustentam essas
relações?

Analisaremos primeiramente quais foram as representações encontradas nas


três áreas citadas (questão 3) e a seguir, procuraremos estabelecer relações destas
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representações com as práticas manifestadas pelos atores pesquisados quanto ao


meio ambiente.

7.1
As representações de ambiente

Em nosso campo de pesquisa, evidenciou-se uma concepção de ambiente


ainda fragmentada, em construção. Para a maioria dos entrevistados, os aspectos
sociais estão incluídos no meio ambiente – talvez devido à penetrabilidade deste
tipo de discurso ao longo dos últimos 15 anos. A inserção da questão social na
questão ambiental enriqueceu-a por um lado, aproximando-a da proposta de
Tbilisi, mas contribuiu para escamotear uma visão cindida da relação ser humano-
natureza, por outro. Nossos entrevistados garantem que o ser humano faz parte do
meio ambiente. No entanto, quando perguntados sobre a diferença entre natureza e
meio ambiente, a maior parte deles afirma que natureza é menos, cabe dentro de
meio ambiente – onde estariam incluídos os seres humanos e suas relações. O que
evidencia uma transferência da cisão natureza/ cultura. Se o ser humano não cabia
na natureza antes, a pretexto de sua característica de produzir cultura, meio
ambiente passa a incluí-lo apenas porque natureza pode estar dentro, mas cultura
não será parte da natureza. Abriu-se uma grande caixa onde foram colocadas as
103

caixinhas anteriores, de modo que sob a superfície do discurso de integração e


pertencimento sobrevive a idéia de separação. Provavelmente uma busca humana
por sua própria identidade, através do esforço por distinguir-se dos demais seres.

Cultura natureza

Meio ambiente

Um dos jornalistas ambientais, inclusive, conta que trabalhou durante a


década de 80 para que a questão ambiental fosse vista como algo mais próximo
pelas pessoas, e sua estratégia para isso foi propagandear a inclusão dos temas
sociais. J6 acredita que somente pensando na qualidade de vida dos centros
urbanos as pessoas conseguem sentir-se próximas da questão ambiental.
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É possível que essa conversão de meio ambiente a abrigo da questão social


tenha se dado em função do uso de seu significado tradicional: espaço, meio que
nos envolve, aquilo que está a nossa volta. E desta forma, arranjamos uma
maneira de continuar fora, parecendo que estamos dentro. Escapam a essa
concepção uma professora (P1), para quem a representação de meio ambiente
pode ser traduzida na palavra relação (do indivíduo consigo mesmo, com outras
pessoas e com outros seres vivos) e outra (P4), para quem o ambiente seria algo
de caráter totalizante, ou seja, tudo que existe (pensamentos, relações, grupos, o
próprio corpo, o planeta, o universo). As outras professoras parecem situar-se num
lugar de transição, no qual o ambiente ainda é visto como lugar, mas também
lembrado como relação. Uma delas exprime sua idéia com o termo “teia de
informações”, indicando a ligação entre vários fatores. Ainda assim, seria para ela
um lugar onde se desenrolam relações que se afetam mutuamente.
Parece haver uma transição na busca de ver-se como parte do ambiente:

1. Saber teoricamente, incorporar o discurso. P2 acha que nós, seres


humanos, fazemos parte, mas em sua aula coloca o “assunto” meio
ambiente como tema específico onde puder encaixá-lo (texto para
análise gramatical, por exemplo) e lhe parece que o espaço por
excelência para trabalhar com meio ambiente é a floresta (da
104

Tijuca), onde faz atividades variadas (trilha, vídeo, dinâmicas de


grupo). Esse posicionamento parece mostrar uma visão de natureza
e ambiente dicotômica. Poderá ser também uma busca por
construir a interdisciplinaridade? Por acreditar que faz parte do
ambiente lhe parece que a ação humana deve ser a de interagir com
ele participativamente, resolvendo problemas. Neste sentido, seu
depoimento indica que trabalha com temas, mas em atividades-fim
(Layrargues,1997). Todo seu discurso incorporou a idéia de
interdisciplinaridade. Afirma ser condição ideal a de contágio da
direção e demais professores, para, então, chegar aos alunos. A
contradição está em achar que a interdisciplinaridade e a EA só se
presentificarão na escola quando isso for obrigatório. Para P2,
deveria haver um acompanhamento que garantisse isso. Contrapor
meio ambiente à natureza distante parece ser uma etapa do
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processo de assimilação do discurso da Educação Ambiental.

2. Discurso de pertencimento incorporado, ser humano e natureza


são parte do ambiente, mas ser humano não é parte da natureza.
Estas professoras não necessitam de temas e atividades específicas.
Aproveitam oportunidades em todos os momentos da aula para
trazer a EA. Todas as atividades podem dar gancho. Há uma visão
de problema e solução ainda vinculada exclusivamente ao ser
humano, predominando a busca de mudanças na atitude pessoal,
como multiplicador. As idéias de interdisciplinaridade e
participação já se encontram incorporadas na prática (PPP1,
projetos e atividades integradas, como costuma fazer a professora
P3: alunos, pais e funcionários participam do Conselho
Comunitário, quando são decididas as regras e os projetos e são
avaliadas a escola e a produtividade dos alunos. As atividades
podem ser tão variadas quanto replantio, filmes, visitas,
exposições, concursos, festas e outras). Nesta concepção, o ser
humano faz parte do meio ambiente, mas como causador ou

1
Iniciais para projeto político-pedagógico, plano de trabalho a ser elaborado por toda escola
pública no início do ano letivo.
105

solucionador de problema. Este entendimento de “promovedor-


resolvedor” é também o caso dos jornalistas.

Para analisar com mais segurança a posição dos jornalistas, seria preciso
avaliar cuidadosamente o conteúdo dos materiais produzidos por eles, como a
revista, o site, o jornal e os vídeos. No entanto, seu discurso indica enquadrarem-
se melhor no primeiro caso, em que o discurso de pertinência do ser humano ao
ambiente encontra-se em processo de assimilação. Eles assumem que sim, o
humano faz parte, mas observamos que, de maneira semelhante às aulas de P2, há
matérias específicas para tratar de assuntos humanos (ligados à política, à
economia, à tecnologia etc) e outras exclusivas para flora, fauna e para o meio
abiótico. Ou seja, há uma compreensão intelectual ainda não integrada na prática
– o que consideramos parte natural do processo de aprendizagem. A jornalista J3
foge a este padrão, pois seu trabalho integra comunidades humanas e não-
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humanas o tempo todo. Para ela, o ser humano incluído é aquele que está bem
incorporado na dinâmica ecossistêmica e não qualquer ser humano. O que se
deveria à forma de organização social adotada, neste caso, não-acumulativa. A
dicotomia observada aqui não é humano-natureza, mas industrial-natureza. O que
torna natureza aquilo que não é de origem industrial.

3. Natureza e meio ambiente não se distinguem. A chave para este


entendimento é considerar a relação como núcleo do conceito.
Então, de fato o ser humano seria visto como parte, constituindo
um dos agentes das relações que ocorrem no mundo. A
responsabilidade estaria presente na medida de suas ações, sem se
julgar salvador ou algoz.

Não encontramos ninguém, nem jornalistas, nem professoras, totalmente


imbuído deste terceiro tipo de concepção. Interessante notar que todas as
professoras espontaneamente reconheciam haver na sociedade uma percepção
cindida entre ser humano-natureza e idealizada de natureza, idílica. Para elas, há
relação entre natureza e ambiente, sendo que duas disseram não haver diferença
entre as noções e duas incluíram natureza em meio ambiente, como uma parte
menor – caso em que natureza seriam as plantas e bichos. Todavia, a contragosto
106

do esforço e opinião das professoras, prevalece uma concepção antropocêntrica de


ambiente, dado que aos humanos, abstratamente, é concedido poder total – são
eles os culpados pela destruição ambiental e os únicos redentores possíveis. Outra
evidência de restos do antropocentrismo no pensamento destas pessoas, que o
combatem, mas ainda convivem com ele, é a idéia de que a finalidade da
preservação é a sobrevivência humana.
Apesar de não haver consenso no meio científico quanto à realidade da
ameaça vivida pela espécie humana com a degradação ambiental, admitindo-se a
hipótese como fato, caberia uma pergunta: e se não existisse esta ameaça para nós,
mas apenas aos seres não-humanos? Como ficaria a preocupação ambiental destas
pessoas? Fica subentendido que não haveria razão para preocupar-se. Ou a
justificativa apresentada entraria em cheque.
Eis aqui um dos motivos importantes para se entender a representação de
ambiente: ela claramente se reflete na escolha das práticas realizadas pelos
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profissionais estudados. O desejo em comum é instrumentalizar os alunos para se


posicionarem.
Contudo, procurar resoluções para a crise ambiental colocando o ser
humano no centro do meio ambiente ou participante dele levará a caminhos
diferentes. Sem se darem conta, estas professoras poderão estar reforçando o
antropocentrismo em seus alunos.
A estratégia de trazer o ser humano para dentro da questão ambiental é
correta e necessária, mas mantê-lo no papel de beneficiário, com direito
privilegiado ao uso do planeta, limita a percepção do problema e a extensão das
ações. Esta parece não ser uma escolha totalmente consciente, uma vez que parte
das professoras explicitamente diz combater o antropocentrismo. É provável que
duas delas não tenham se colocado esse problema. As outras parecem estar
construindo práticas que consideram esse aspecto, e suas ações caminham no
sentido de superá-lo. Apesar disso, ainda estão parcialmente presas a ele.
Isso nos leva a pensar na necessidade de ampliarmos a compreensão
acerca dos processos cognitivos humanos. Como construímos um conceito, uma
prática, um valor, uma representação? Como os transformamos? Que tipo de
esforço é necessário? Até que ponto estas ações são comandadas pela consciência
e por outras instâncias de nossa mente menos (ou nada) conscientes?
107

Tudo indica que, em grande medida, são processos muito pouco


conscientes. Porém, ao identificá-los, tornando-os conscientes, isso não
aumentaria nossa capacidade de intervir sobre eles?
Por experiência pessoal e observações informais, parece-nos que sim;
contudo seriam necessários experimentos a fim de comprovar esta impressão.
Talvez um primeiro passo nesse momento possa ser dado informando às
professoras a respeito de nossa percepção. Um novo contato dentro de algum
tempo e nova entrevista poderia revelar em que medida esta informação fez
diferença em seu processo de superação consciente do antropocentrismo.
Deixando de parte as especulações, o fato de haver indivíduos acreditando
lutar contra um posicionamento e ao mesmo tempo portando-o, revela uma
contradição que possivelmente faz parte do processo de superar ou atualizar uma
representação ou ainda demonstra a convivência de representações distintas.
Outro aspecto importante é a dificuldade que as pessoas mostram em
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separar problemas ambientais de suas causas e/ou de seus efeitos. De fato, esta é
uma confusão bastante comum, justamente porque meio ambiente não é um
conceito preciso, mas antes uma idéia difusa e alvo de representações as mais
variadas. No entanto, é interessante observar que a atuação das professoras parece
refletir sua concepção de causa dos problemas ambientais.
Uma das questões que utilizamos para verificar a concepção de meio
ambiente dos entrevistados foi solicitar que mencionassem os principais
problemas ambientais.
No caso de P1, P2, P5 e P3, observamos coerência entre suas concepções e
os problemas que citaram. P4 apresentou uma concepção ampla de meio
ambiente, mas não incluiu entre os problemas situações que a contemplassem,
como poderiam ser, por exemplo, problemas ligados ao corpo, à afetividade e
mentalidade das pessoas. Isso possivelmente indica uma representação em estado
de transição, em que o discurso amplo já foi incorporado, mas conservam-se as
impressões anteriores, mais pobres que a atual perspectiva exposta.
108

Quadro 3 – relação entre problemas ambientais e concepções das professoras


Profa Meio ambiente Problemas ambientais
P1 Relação Diversos relativos ao relacionamento que criamos conosco
mesmos, com os outros humanos e demais seres vivos.
P2 O que nos envolve Poluição, efeito estufa, camada de ozônio, problemas
e relação com isso sociais.
P3 O que nos envolve Lixo e falta de políticas municipais para ele; falta de
e relação com isso consciência ambientalista e de dar importância à EA.
P4 Corpo, lugar, Problemas ligados à limitação da capacidade de suporte:
pensamento, grupos água, clima, diminuição da biodiversidade, poluição, fome,
sociais, planeta, miséria, problemas sociais (vistos como complemento),
universo violência e exclusão. Causa geral: modelo de sociedade em
que vivemos.
P5 Teia, rede de Saneamento, ocupação de encostas, desmatamento, lixo,
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informações poluição. Causa geral: má distribuição do poder e da renda.

P5 e P4 citaram em meio aos problemas o fator geral que, em sua percepção,


os causava. Tanto uma como a outra não invocam um “homem” abstrato, cuja
insensibilidade gratuita ou ignorância causariam a degradação ambiental. Pelo
contrário. Para ambas, as causas dos problemas ambientais vinculam-se às
relações sociais historicamente construídas. De modo que isso registra uma
percepção de causalidade nas ligações entre questões sociais e ambientais.
Seguindo este raciocínio, se as relações humanas, socialmente instituídas, são
compreendidas como causa dos problemas ambientais, a atuação destas
professoras buscará dirigir-se a sanar estas relações (ou as causas por elas
atribuídas ao problema) e não a mitigar seus efeitos – vulgo problemas
ambientais. Isso de fato pode ser constatado nas respostas a itens como: soluções
para os problemas ambientais, oportunidades em que trabalha a EA, o que é EA,
como trabalha a questão ambiental.
As soluções propostas por P1 são conhecer e discutir os acontecimentos,
valorizar o que somos e o que temos, agir a partir do que houver de mais próximo
(“pensar pequeno, mas grande”). Esses fatores trabalhados juntos desenvolvem o
raciocínio de interdependência. E no contexto de P1, isso é totalmente coerente.
P2 sente falta de um comprometimento cobrado pela coordenação, que engajasse
109

o corpo docente num projeto político-pedagógico interdisciplinar. P3 aposta no


envolvimento pessoal, em que professores incentivados a trabalhar com EA
cativariam mais os alunos e estes, por sua vez, suas comunidades. P4 acredita que
a solução seja a “mudança da sociedade” e a curto prazo o que se poderia fazer
para isso seriam projetos investindo na auto-estima dos alunos como base para
mudar a realidade, vivenciar a cooperação e fazer um trabalho conjunto com a
escola toda, via PPP.
Todas trabalham esperando que seu esforço resulte em possibilitar que o
aluno se posicione. As vias que utilizam para isso, contudo, diferem: P1 privilegia
a contextualização, P2 a sensibilização e P4 a cooperação.
Excetuando-se P2, as oportunidades em que trabalham a questão ambiental
não são específicas, procuram incluir a discussão na vida, cada qual com
estratégias de acordo com sua representação de ambiente. P1 entende como chave
a contextualização permanente do aluno em tudo que for dito, pensado ou feito.
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P3 insere o assunto conforme o andamento da aula, todas as atividades podem


servir de porta (“qualquer hora, ela [a EA] pode entrar em qualquer disciplina”).
P4 faz da questão ambiental o motor de sua vida – por isso, considera que o tempo
todo a está discutindo, em reuniões de outros assuntos com professores, com seus
alunos, em casa. Pensa não ser necessário buscar oportunidade específica pois esta
discussão seria uma finalidade da educação em si.
A educação ambiental, para nossas professoras, trata de incluir-se no
ambiente, na vida, tornar-se protagonista. Algumas nuanças distinguem a forma
de adotar essa postura para cada uma, sendo que P5 menciona a
interdisciplinaridade, a formação de valores e para a cidadania, o holismo visando
à qualidade de vida. P4 entende que o trabalho precisa estimular um perfil
cooperativo. P3 imagina que cada um deva fazer sua parte para o bem comum.
Para P1, significa colocar-se dentro das relações; e para P2, incluir-se no ambiente
e participar proativamente. Respondendo a outra pergunta (contribuição da EA
para o país), as professoras mostram entender que o papel da EA é pensar em
interação (P1), agir sobre os problemas (P2), preservar a vida (P3), exercer
liderança pelo potencial de resolver problemas ambientais e pela diversidade (P4),
e desenvolver a consciência ambiental, juntamente com o senso de cidadania,
melhorando a relação ser humano-natureza e entre os humanos.
110

Em relação aos temas ambientais escolhidos, que refletem o que se entende


por meio ambiente e também que prioridades são adotadas (portanto, quais
problemas estão sendo enfrentados), verificamos que os critérios tendem a seguir
uma linha de continuidade para cada professora: P1: relações entre os assuntos,
quaisquer que sejam; P2: trabalho intuitivo, conforme a oportunidade; P3:
necessidades identificadas pelo seu grau de atualidade; P4: sensibilização para a
crise, trabalho solidário, em grupo, para formação de valores, como cooperação e
solidariedade.
Quanto à forma de trabalhar a questão ambiental, a maioria atua na
formação continuada de outros professores, buscando construir atividades com
eles, orientá-los. Para todas, é muito importante a elaboração conjunta do PPP,
embora o nível de integração alcançado em cada caso varie bastante. O trabalho
de P3 é o que maior integração atinge, conseguindo a participação de pais, alunos,
professores, funcionários.
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Uma escola preocupada com meio ambiente seria, para todas, aquela que
trabalha com projetos, insere a questão ambiental no PPP e tem preocupação
institucional com o assunto. As preocupações específicas de cada uma se
complementam: P1: cuidado (“porque na escola tudo tem importância. É
importante perceber que todos estão interagindo”) e contextualização; P3: a
articulação institucional reforça o compromisso e requer conhecimento da
coordenação; P4: exercitar a cidadania, trabalhando metodologia coerente com os
valores para a transformação social. P5: inserir o aluno e sua realidade na questão
ambiental.
Disso depreendemos uma grande mudança no que se entendia por escola
preocupada com meio ambiente há algum tempo: escola com horta, limpa,
fazendo campanha de reciclagem. Certamente para muitos ainda vale este
estereótipo, mas é bastante animador saber que professoras formadoras de outros
professores já possuem uma visão mais ampla e integrada hoje a esse respeito.
Esta visão mostra um entendimento maior acerca da interpenetração sócio-
ambiental e atua preventivamente, do modo mais direto possível nas causas dos
problemas. O alvo parece ser realmente a formação de valores.
Mas e os jornalistas, quais são suas representações?
Para quatro dos sete jornalistas, meio ambiente é entendido como lugar,
meio que nos cerca ou envolve. Excetuando-se J1, todos consideram natureza a
111

parte física do meio ambiente e os seres não-humanos. As relações humanas e os


problemas são aportados como meio ambiente. Duas outras concepções de
ambiente emergem: vida/ equilíbrio para dois jornalistas; e no caso de J6, trata-se
da subjetividade humana (incluindo-se os valores) e das relações que esta produz
(econômicas, éticas, sociais).
Estes dados nos levam a pensar que a idéia de natureza permanece no plano
mitológico, de mãe dadivosa e intocável, reforçada pelas expressões “sem
interferência humana” (J5), “parte intocada” (J4), “o que não é meio urbano” (J2).
Ou pelo menos aquilo que sofreu transformações produzidas por mãos humanas
em escala não-industrial (J3) e, neste caso, a natureza é considerada como o que é
“auto-sustentável”, levando-nos a concluir que as sociedades não-acumulativas, a
exemplo dos indígenas e comunidades ribeirinhas, sejam entendidas como
naturais.
Parece haver camadas de compreensão:
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1) natureza e sociedade em pólos opostos, não conciliáveis; distinção entre


natureza e sociedade, mas incluindo ambos no mesmo grande conjunto, o
meio ambiente. Neste caso, natureza inclui o meio físico e os seres não-
humanos;
2) natureza e sociedade diferentes, mas desta vez natureza inclui o corpo
humano, sendo que a subjetividade e as relações sociais seriam parte do meio
ambiente;
3) sociedade, natureza e meio ambiente unificados sob uma compreensão maior,
a de habitat.
As professoras P2 e P3 se enquadrariam no item um. P4 se encaixaria no
item dois. As demais professoras não cabem nesta classificação.
Observando essa escala de compreensões, parece que natureza tende a ser
interpretada como suporte da vida, destacando-se o ser humano ou o que ele
reconhece em si de singular, marca distintiva de outras espécies, como a
consciência e o perfil das relações que cria. Interessante que mesmo os que
identificaram meio ambiente com relações, privilegiaram as relações estritamente
humanas, ignorando ou esquecendo as relações ecológicas (no sentido biológico
do termo), como comensalismo, cooperativismo e outras.
112

O ser humano continua no centro das preocupações, o que podemos observar


nos problemas ambientais apontados pelos jornalistas, muitas vezes resumidos
como aquilo que afete a qualidade de vida humana.

Quadro 4 – relação entre problemas ambientais e concepções dos jornalistas


Jorna Meio ambiente Problemas ambientais
-lista
J1 Habitat. Aquecimento global, água, poluição
atmosférica, buraco na camada de ozônio;
dificuldade de convivência e na
sobrevivência dos seres.
J2 Vida, Deus, natureza + meio Problemas climáticos e a manipulação
urbano. genética, celular. Raiz: geração do
paradigma científico que permite isso é
causada por empresas privadas (patentes),
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não permite o acesso público às


informações.
J3 O que nos cerca, lugar. Natureza: Qualidade da água e abastecimento, solo
não-industrializado, o que se auto- (desertificação pela prática da lavoura
sustenta. mecanizada), agrotóxicos e seu uso
indevido, periferias.
J4 Equilíbrio, vida, inclui a natureza Lixo.
(parte intocada).
J5 Onde se vive e condições do que se Lixo.
vive. Natureza: sem interferência
humana.
J6 Todo interno e externo, natureza é a Transferência de responsabilidade: cobra-se
parte física e ambiente as relações dos outros, mas persegue-se um estilo de
de todos os tipos e os valores. vida predatório.
J7 Espaço e tempo compartilhado,
relação do ser humano com o
planeta. Natureza é o meio físico e
os não-humanos.

É certo que os problemas destacados por eles levam a marca de sua


experiência. Por exemplo, J1 foi correspondente internacional por muitos anos e
113

os problemas que cita são de ordem global, reconhecidos desde há muito como
pendências das relações internacionais (aquecimento global, camada de ozônio
etc). J2 trabalhou na campanha da sociedade civil organizada contra a liberação
dos transgênicos – para ele, o maior problema da atualidade, seguido pela questão
climática (que acompanha de perto, devido a suas articulações internacionais e à
ativa participação na rede nacional de jornalistas ambientais). J4 e J5, moradoras
de uma grande metrópole, têm como preocupação central o lixo e a poluição. J3 –
atenta ao modo de vida das populações dispersas, e tantas vezes esquecidas, pelo
interior do Brasil – traz questões relacionadas à falta de infra-estrutura e atenção
básica (abastecimento e qualidade da água, agressão ao solo, agrototóxicos). Em
seu caso, o olhar antropológico e social acusa também a dificuldade da vida nas
periferias. J6 vem atuando há mais de 20 anos com a mobilização social e
esclarecimento quanto aos problemas sócio-ambientais. Para ele, problema é a
falta de responsabilidade e engajamento das pessoas, a falta de informação,
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educação e cidadania.
Da mesma forma que com as professoras, as causas e as soluções dos
problemas ambientais estão em mãos humanas e estreitamente relacionadas com a
organização social e com a conquista da cidadania. Isto se denota nas respostas ao
que lhes parece que seja a EA, à contribuição do jornalismo ambiental para o país,
às soluções para os problemas ambientais brasileiros. Para a maioria, a questão
ambiental é importante para nossa sobrevivência. EA, JA e soluções ambientais
apresentam estreito vínculo com organização social, engajamento, mobilização,
crítica, convivência. Aparecem também como palavras-chave: responsabilidade,
valores, participação.
Apesar de terem trajetórias de vida e profissionais bastante distintas, os
jornalistas, como grupo, mostraram-se mais homogêneos em termos de
representações.
De tudo que foi dito, podemos concluir que há um núcleo comum nas
representações de ambiente de ambos os grupos. A maioria em cada grupo
entende meio ambiente como lugar de relações e as próprias relações,
consideradas estas de natureza humana. A isso, chamaremos núcleo. No caso dos
jornalistas, este espaço de relações é ressaltado como coisa pública, que deve ser
administrada pela sociedade, preferencialmente crítica e participativa. Para as
114

professoras, trata-se de assumir a responsabilidade individualmente, e que isso se


reflita no coletivo.
Para ambos os grupos, natureza é parte do meio ambiente, correspondendo
ela ao não-humano. O máximo de inclusão2 do ser humano na natureza é
considerar o corpo parte dela.

7.2
As representações de educação

Em ambos os grupos estudados, a educação é vista pela maioria como


função da escola, processo sistemático, com método, e associado à cultura
(repasse de valores, percepção, objetivos e perspectivas de uma cultura (J1), com
fins de conservar moral e costumes). Segundo os jornalistas ambientais, constitui
base para formação de valores e, de acordo com as professoras, é o próprio
processo para formar valores, ainda que varie o entendimento de que valores
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sejam esses e de que maneira proceder para desenvolvê-los: processo conjunto


de construí-los pela interação (P1); ajudar a definir valores (P2); formar para a
responsabilidade (P3); trabalhar valores, fornecer ferramentas como valores (P4);
formar valores (P5). Neste rápido apanhado dos modos citados pelas professoras,
podemos elencar três abordagens: uma que pretende construir com os alunos
estes valores (P1), uma que objetiva ajudá-los a descobrir os que já possuem
(P2), e uma terceira, cuja meta é atuar especificamente para desenvolver certos
valores (P4, P5 e P3).
Para a maioria das professoras, compartilhar ou fornecer conhecimentos,
dar acesso à cultura é uma das funções principais da educação, assim como
ensinar a ter responsabilidade, por si e pelo mundo em que vive. O aspecto
relacional também se destacou, aparecendo freqüentemente através de palavras
como cooperação, interação, relações, socializar.
A dimensão social também permeia o entendimento de professoras e
jornalistas acerca das funções da educação: atualizar (J3); levar à ação (J4);
formar cidadãos participativos (J6); base para registrar e criticar a informação
(J7); objetivo político (J2). Sua utilidade seria viabilizar melhoria da qualidade
de vida, transformar a sociedade e promover ascensão social (P5); intervir e

2
Alcançado pelos entrevistados.
115

entender a realidade (P1); agir em prol de um mundo melhor (P2); melhorar o


mundo (P4); melhorar a relação consigo e com a natureza (P5). Esses objetivos
aparecem reforçados em preocupações das professoras, tais como: formar para a
cidadania; necessidade de aprender a cooperar e participar ativamente (refere-se
a alunos e a outros professores); contribuir para o exercício da autonomia e do
posicionamento; ensinar o estudante a valorizar a si mesmo, ao ambiente, ao que
possui, é e vive; fortalecer a auto-estima dos alunos.
Uma faceta incorporada no discurso das professoras, talvez em função da
insistência na divulgação do assunto nos últimos 20 anos (Saviani, 1999; Mello,
1998; Freire, 1996), é a preocupação em aproximar o conteúdo trabalhado da
realidade do aluno, relacionando-o ao cotidiano e articulando os temas entre si.
Contextualizar foi um verbo que repetidamente surgiu, reforçando esta idéia. No
mesmo caminho, segue a preocupação com a inserção no PPP, com o trabalho
conjunto dos professores e realização de projetos interdisciplinares.
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Uma relação saudável com a natureza e a construção de uma sociedade


sustentável foram pontos lembrados explicitamente por duas professoras (P4 e
P5) como finalidades maiores da educação.
O professor é visto pelas informantes como facilitador no processo de
aquisição de conhecimento e articulação dos conteúdos, no fornecimento de
ferramentas (valores, informações, vivências da cidadania e da participação) e é
responsabilizado pela sensibilização e possibilidade de interação, reflexão e
entendimento do mundo.
A educação é posta, deste modo, como fenômeno subjetivo-objetivo que
interfere na construção da personalidade do indivíduo tanto quanto na alteração
da sociedade. Alguns aspectos do modo de trabalho de cada professora diferem,
apesar de tantos objetivos em comum. O que estamos atribuindo às experiências
de cada uma e a seus valores. Em comum, encontramos a preocupação com a
articulação dos assuntos entre si e com o cotidiano dos alunos, o desejo de
trabalhar em equipe de maneira integrada e interdisciplinar, o foco na construção
da cidadania e de um espírito cooperativo e participativo. De todas, apenas P2
busca situações específicas para trabalhar questões ambientais. As demais julgam
estar trabalhando educação ambiental o tempo todo. Talvez para P2 ainda não
esteja claro que ao trabalhar com atividades que desenvolvam valores no sentido
116

de fazer o aluno sentir-se parte responsável e participante do planeta já se está


atuando com EA.
Os problemas na área da educação apontados pelos jornalistas referem-se
à desvalorização social, profissional e financeira dos professores; falta de
qualificação destes (desinteresse pelo aluno, conteúdo inadequado, comunicação
fraca, falta de engajamento e informação, inadequação do que se aprende às
necessidades do mundo, objetivo voltado à preparação para o mercado); falta de
estrutura do sistema educacional (penúria, desmantelamento, dificuldade de
manter os alunos na escola, falta disseminar/ampliar o acesso, poucos recursos,
desvios de verba, violência na escola, materiais didáticos inadequados,) e de
compromisso da sociedade em geral (participação, divulgação pela TV, trazer a
sociedade para debater políticas públicas, sociedade deve definir as políticas
públicas).
Para as professoras, um dos maiores problemas é também a
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desvalorização (nas palavras de P1, a “baixa credibilidade da educação, ela se


vê como ruim”), não só ligada ao pouco reconhecimento profissional dos
docentes e da instituição escolar como também à dificuldade de valorizar a
informação, devido a sua abundância associada ao baixo nível de criticidade das
pessoas e ainda devido à supervalorização do mercado em detrimento da cultura.
Os demais problemas citados relacionam-se ao cotidiano escolar: indisciplina,
desmotivação dos alunos e dos professores, pouco prazer obtido com o
estudo. Estes problemas são provavelmente o efeito daqueles citados pelos
jornalistas no que classificamos há pouco como deficiências de estrutura e de
qualificação docente. A falta da parceria familiar, apontada por P3,
poderíamos enquadrar na já citada categoria falta de compromisso da sociedade.
Interessante observar a diferença de escala dos problemas lembrados,
embora duas professoras tenham se referido de passagem a problemas políticos
mais explicitamente – uma para dizer que era redundância falar sobre eles e outra
para confessar seu descontentamento com o sistema de “aprovação direta”, que
geraria indisciplina e desmotivação entre os alunos.
Provavelmente isto se deve ao caráter generalista dos jornalistas na
observação do mundo e à proximidade das professoras do cotidiano escolar – o
que as teria feito citar os problemas mais agudos com os quais convivem
diariamente. Por analogia, diríamos que a lente das professoras está no maior
117

aumento do microscópio, o que lhes permite ver mais detalhes de alguns


aspectos, mas também faz perder a visão do conjunto. Se estas forem as razões
de fato para esta diferença, estaremos reforçando a idéia de que a experiência de
cada um condiciona seu olhar ou pelo menos seu foco.
Esse quadro sugere que a atividade de educar esteja associada à escola,
provavelmente pela forma como vivemos hoje. Ninguém, exceto P3, lembrou do
papel educador da família ou falou mais seriamente sobre os meios de
comunicação. A atividade escolar será mais ou menos abrangente conforme o
perfil da professora, seus valores e projeto de vida. Alguns dos jornalistas
colocaram-se como auxiliares da educação na medida em que contribuem para o
senso crítico e para o debate. A educação é entendida como função do Estado,
que estaria falhando estrondosamente (qualificação, estrutura, desvalorização), a
ser acompanhada pela sociedade, cujas falhas também se fazem notar
(descompromisso).
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A função principal da educação, para os ecojornalistas, seria a melhoria


da sociedade, a ser realizada através da formação de valores, da formação de
cidadãos críticos e participativos, da manutenção cultural, tendo por fim uma
convivência de qualidade e a própria sobrevivência humana no planeta.
Professoras e jornalistas ambientais entendem que a educação seja um
processo contínuo, sistematizado, lento e mais profundo (subjetiva e
socialmente) que o desencadeado pela informação. Para as docentes, esse
processo seria mais compromissado e exigiria maior responsabilidade, já que
faculta o acompanhamento dos efeitos provocados pela informação. Além disso,
seria um processo mais significativo quanto à subjetividade. A informação, por
sua vez, estaria sujeita a uma busca mais direcionada, de acordo com P3.
Todos consideram importante a dimensão individual da educação, o que
pode ser percebido nas expressões: processo de troca com colegas e professores
(J2), despertar o gosto pelo novo, pela pesquisa, por construir, estimular reflexão,
posturas, busca de soluções, convivência com o meio – incluídas as pessoas (J3),
leva à ação, interfere no comportamento e no entendimento do mundo (J4), muda
o pensamento, serve para crescer na vida (J5), promove reflexão e discussão
ética, deve humanizar (J6), promove reflexão sobre comportamentos diários
quanto ao meio ambiente (J7). J7 e J5 extrapolam o entendimento meramente
escolar de educação, atribuindo à experiência um grande valor educativo.
118

Em síntese, há um entendimento comum acerca da função renovadora da


educação, tanto em relação à sociedade como no que se refere ao indivíduo. O
mesmo se pode dizer a respeito da função conservadora, referente à cultura e aos
costumes. Os valores, a participação, o senso crítico e a cidadania são os núcleos
de entendimento da educação para ambos os grupos. O papel educador da
experiência só foi lembrado duas vezes e o da família, apenas uma. Parece haver
se generalizado uma visão mais restrita quanto ao responsável pela tarefa
educativa, no caso, a escola.

7.3
As representações de informação

O que parece haver em comum na concepção de informação é a relação


com o conhecimento, que todas as professoras estabelecem de alguma maneira:
informação é o próprio conhecimento (P1 e P2), é a especificidade de um
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conhecimento (P3), dados para construir conhecimento (P4), aquilo que tem
significado e utilidade (P5).
Destas concepções, a de P4 foi a que mais se aproximou dos conceitos de
informação e de assimilação da informação, propostos por Barreto (1996, citado
por Tavares, 2003). Para ele, assimilar a informação é um processo que requer
“interação entre o indivíduo e uma determinada estrutura de informação, que vem gerar
uma modificação em seu estado cognitivo, produzindo conhecimento, que se relaciona
fortemente com a informação recebida.”

Conhecer, para Barreto, trata-se de interpretar, assimilar pelas estruturas


mentais do sujeito que percebe o meio. Um processo, portanto, ligado à
percepção. O que nos traz de volta à questão de entender o funcionamento desta.
Professoras e jornalistas utilizam a informação como base para seu trabalho. Daí
a necessidade de haver interesse e pesquisa quanto às maneiras pelas quais o
sujeito percebe o mundo e cria suas interpretações. Maturana (2001) e Claxton
(1999) poderão ser úteis neste intento.
Uma interessante curiosidade é que parece haver uma distinção entre
informação e notícia. Ao se referirem a notícias, as professoras se remetem a
fatos desastrosos ou problemas veiculados pela mídia. A informação é entendida
de maneira mais ampla, tanto que seu acesso pode se dar através de interações de
119

vários tipos, como encontros com amigos (P4), grupos de discussão, cursos e
seminários (P2), debate, observação (P1). TV, rádio, internet, jornal, revistas
especializadas, livros e vídeos também foram lembrados como fontes de
informação, pessoal, ou como recurso didático.
Duas delas destacam o cuidado necessário no trato com as informações,
devido ao binômio possibilidade de manipulação-baixa criticidade.
Enquanto P3 e P4 pensam ser a aquisição de informação um processo
ativo, que o sujeito vai em busca, P2 vê a informação como algo que se recebe e
se transfere, devendo o receptor associar a informação com algo que já tenha
registrado, para poder memorizá-la.
Apenas uma das professoras (P5) relacionou a informação a instrumento
da prática de EA e como ferramenta ideal para diminuir as diferenças sociais e
ampliar a qualidade de vida dos cidadãos.
Entre os jornalistas, aqueles que descreveram objetivamente o que é a
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informação afirmaram ser um dado, uma opinião, acontecimento ou mensagem


(factual, ideológica ou conceitual). Três dos jornalistas não disseram o que ela é,
atendo-se a sua utilidade ou função.
Não houve padrão nas diversas finalidades atribuídas à informação,exceto
pelo fato dela constituir um instrumento, o que nos faz supor que a atribuição
destas finalidades seja algo intrinsecamente relacionado aos valores do jornalista.
Ei-las: instrumento para forjar a cidadania, para inclusão social; para decidir (o
único que apareceu duas vezes), para estimular o autoconhecimento e a
capacidade crítica; para compor novos pensamentos e idéias; para sensibilizar e
mudar comportamentos; para viver. Esta suposição poderá ser melhor explorada
em próximo item, quando estudaremos a relação entre os valores destas pessoas
e suas representações.
Além dos tradicionais meios de divulgar a informação – como rádio (2),
TV (2), e-mail CD, jornal, revista, livro – também foram lembrados pelos
jornalistas formas que incluem a interação: oralidade e expressão corporal são
consideradas importantes na veiculação da mensagem, encontros, eventos, festa,
palestra, coletiva, teleconferência. Essa variedade pode indicar que a informação
está sendo vista como mais do que o produto do trabalho jornalístico.
Os critérios utilizados para escolher a melhor forma de divulgar
demonstram haver maior preocupação com o processo de comunicação do que
120

com os outros fatores lembrados: público (2), meio (3), tipo de informação (2),
pesquisa (1), comunicação (5).
No tocante aos problemas relacionados à informação, importa dizer que
os jornalistas preocuparam-se mais com aspectos ligados à produção da matéria,
enquanto as professoras observaram mais os fatores relacionados ao consumo da
notícia. Parece evidente que esta tendência tem a ver com a experiência de cada
grupo, um de produzir as notícias e outro de usá-las, pessoal ou
profissionalmente.
Para J1, contrasta-se a facilidade de disponibilizar a informação hoje
diante de sua falta de conteúdo. Para J3, o problema foi intitulado como ditadura
do patrocinador. J7 pensou os problemas em estreita ligação com a
especificidade do jornalismo ambiental, apontando também alguns pontos
críticos quanto à estrutura e política interna das redações que agravam os
aspectos específicos ao ecojornalismo: complexidade da questão ambiental,
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dificuldade para sensibilizar editores (responsáveis por articular os interesses do


Jornal e dos repórteres), estrutura das redações com pouco pessoal, tempo
escasso, pouca oportunidade de aprofundamento para o profissional, necessidade
de cobrir áreas que não conhece ou não gosta, tendência do público e das
redações a preferir notícias de desgraças e do jornalista de reforçar essa
tendência, para ser reconhecido.
Procuraremos agora, respondendo às outras duas questões a que nos
propusemos no início da pesquisa, analisar que relações os jornalistas e
educadoras ambientais estabelecem com o ambiente a partir de suas
representações de educação, ambiente e informação.

7.4
As relações de jornalistas e educadoras com o ambiente

Os resultados analisados não são unânimes. Buscaremos apresentar as


principais tendências evidenciadas.
Nossos entrevistados, excetuando-se a jornalista J5, parecem se relacionar
com a profissão na forma de um projeto de vida, havendo quem (P5) mencione
esse termo explicitamente. A intenção é “melhorar o mundo”, contribuindo com
o que sabem, sensibilizando, mobilizando, disponibilizando ferramentas (valores,
121

conhecimentos, vivências, reflexões), no caso dos professores. Procurando


alimentar o senso crítico, sensibilizar o público e democratizar a informação, no
caso dos jornalistas. Discutir o modelo de sociedade vigente é preocupação de
todos. Ambas as profissões, a docência e o jornalismo, são mediadas pela
questão ambiental, que amplia seu significado para estes profissionais e
direciona suas opções e práticas.
As soluções propostas pelos ecojornalistas aos problemas ambientais
vistos por eles apontam para um entendimento de meio ambiente como coisa
pública, a ser gerida pela sociedade, que deve ser organizada, engajada e ética. E
é no sentido de preparar a sociedade para esta compreensão e gerenciamento que
agem. O jornalismo [ambiental] foi o meio escolhido para realizar esta tarefa,
pois o percebem como estratégia de mobilização social, possibilitador de
reflexões, instrumento de construção da cidadania e veículo que permite apontar
soluções. Não necessariamente as coisas aconteceram numa ordem lógica e
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crescente de sensibilização para a questão ambiental, busca de estratégias para


atuar em relação a ela, descoberta do jornalismo, engajamento no jornalismo
ambiental. Dizer isso seria estabelecer uma linearidade que não cabe quando se
trata da complexa natureza humana. O que observamos, no entanto, é que os
objetivos pessoais que levaram estas pessoas a cursar jornalismo dialogam com
sua representação de ambiente, fazendo convergir as ações.
A visão dos ecojornalistas a respeito da EA confirma a representação de
ambiente (coisa pública), pois concebem esta perspectiva educacional à maneira
de outra ferramenta para alcançar o estado de sociedade responsável por gerir o
ambiente. J3, por exemplo, acha que EA é
“propor engajamento, além da informação em relação ao planeta, ambiente, populações.
É estimular uma postura, reflexão, busca de soluções, saber lidar com o ambiente a sua
volta, incluindo os outros homens.”

J6 afirma que o grande desafio da EA


“é formar um cidadão crítico e participativo, que entenda que o meio ambiente não é um
armazém de recursos infinitos, nem uma lixeira infinita. (...) A EA é uma reflexão sobre
esses limites que usa o físico para discutir uma questão ética, que é: até onde vai o nosso
direito de usar o planeta, as outras espécies, para atender aos objetivos de uma única
espécie, por mais especial que essa espécie se julgue?”

Na mesma linha de argumentação, J7 diz que a EA se preocupa em


122

“formar um cidadão muito crítico e muito preocupado com harmonia, que ele se torne
muito, muito crítico com o espaço onde ele vive, que ele exija os direitos dele e se
preocupe muito com o outro.”

Vê-se por aí que a representação de meio ambiente de nossos jornalistas


atua em sua percepção de mundo, ajudando a definir suas escolhas políticas,
orientando a seleção de notícias, a forma de apresentá-las e produzindo
estratégias de relacionamento profissional.
A revista, cujos editor e diretora foram por nós entrevistados, por
exemplo, publica comumente curiosidades sobre a flora e a fauna, divulga
pesquisas e projetos na área ambiental, discute as questões ambientais de caráter
internacional, acompanha e fomenta o debate sobre sustentabilidade, ecoturismo
energia, agricultura, educação ambiental, jardinagem.
As soluções para os problemas ambientais apontadas pelas professoras
estão diretamente relacionadas a sua própria experiência profissional. As
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propostas caminham no sentido da mudança social através de estratégias como


responsabilização pessoal; valorização do lugar onde se vive, da convivência e
fortalecimento da auto-estima; incentivo ao trabalho com a EA; envolvimento da
escola por meio do PPP e da atuação interdisciplinar com projetos. Esta
abordagem indica a preocupação educacional como pano de fundo e o cerne da
representação de educação destas docentes: papel da escola, local teoricamente
voltado para formar a responsabilidade cidadã e para aprender a interagir. Sendo
a educação um dever da escola, por que não o seria a EA? Fica claro, assim,
porque as professoras não citaram a EA como trabalho de ONGs, do governo, da
arte, de universidades, museus, mídia e outras instâncias sociais. Além disso,
meio ambiente é representado por elas como lugar de relações e as próprias
relações. De modo que se torna natural entender que as soluções dos problemas
ambientais devam enfocar as relações.
Dito isso, resta-nos deixar clara a maneira que as representações de
ambiente e de educação delineiam as relações destas professoras com o
ambiente. Lembrando que para elas a palavra relação é fundamental para o
entendimento de meio ambiente, seus problemas e causas destes, a análise de seu
comportamento deve então, necessariamente, passar por este prisma. Entender
suas representações de ambiente é buscar entender suas relações.
123

Dissemos antes que a atuação das professoras parece refletir sua


concepção de causa dos problemas ambientais. Há um centro de preocupação
para cada uma: hábitos/ sensibilização, para P2; interdependência e
contextualização, para P1; cuidado e organização, para P3; cooperação e
trabalhos em grupo, para P4; contextualização e interdisciplinaridade, para P5.
As estratégias adotadas em aula visam a alcançar o núcleo de seu foco de
atenção. A representação parece agir no sentido causa-conseqüência, quando
referente a entendimento do problema – estratégia empregada em sua superação
(solução adotada). Impressão que se confirma ao observarmos as expectativas
que alimentam em relação aos alunos. P2, por exemplo, quer sensibilizá-los. Fica
satisfeita com o resultado “aluno conversando sobre o assunto estudado”,
mostrar-se sensibilizado. Crê que estar sensibilizado habilita o sujeito a
modificar o mundo. Estende sua preocupação para a sensibilização dos demais
professores, o que para ela deveria se refletir numa ação mais efetiva dos
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professores, conjunta, interdisciplinar. Essas expectativas evidenciam que a


causa dos problemas ambientais para P2 é a falta de sensibilidade. Sua prática
vai em busca de sanar o que crê estar na origem do problema. Entende EA
escolar como tarefa do conjunto diretor, professor e aluno.
P4 pretende que os alunos sejam colaborativos – a competição é seu núcleo
de preocupação, por ser a base do modelo de sociedade em que vivemos. Fica
satisfeita se adquirirem o hábito de trabalhar e pensar em equipe.
P1 focaliza a articulação do pensamento. Ficará contente se os alunos
demonstrarem que sabem estabelecer relações.
Para P5, é importante que o aluno e sua realidade sejam inseridos na
questão ambiental, providência a se refletir no projeto político-pedagógico da
escola. Segundo ela, a causa dos problemas ambientais é a divisão mundial do
poder e da renda. Acredita que lidar com esta questão requer
interdisciplinaridade, formação de valores; e para a cidadania, visão do todo para
qualidade de vida. Contextualizar é sua palavra de ordem.
Em síntese, a representação de ambiente e de educação das professoras
impele-as a relacionar-se com os alunos de forma dedicada e interessada, a olhar
para o mundo numa busca constante de contextualizar pessoas, situações e a si
mesmas. A relacionar-se com o mundo no intento de compartilhar e intercambiar
124

conhecimentos e valores. E, finalmente, a agir de maneira séria, responsável,


interativa e sobretudo idealista, no que tange a sua profissão.
Voltando aos jornalistas ambientais, observamos que ao serem
questionados acerca de seus critérios para classificar de ambientais as notícias e
para selecionar para publicação algumas destas notícias, eles disseram escolher
de acordo com o que lhes pareça interessante ou pertinente. O juízo quanto ao
interesse vai depender de como entendem, percebem, enfim, representam o
ambiente. Mas, se lembrarmos que os momentos de tomada de decisão são
também denunciativos dos valores que portamos, começa a ficar claro que
representação e valores se relacionam. Suposição também reforçada pela análise
das ações das professoras.
Ao identificar as representações, nos propusemos a ver como operam na
vida de nossos entrevistados. A palavra que melhor descreve esta operação é
engajamento. Alguns depoimentos que indicam este sentimento seguem:
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“Trata-se de informar as novas gerações sobre que mundo está sendo deixado para elas.
Eles têm que ter muita lucidez, muita clareza, muito conhecimento, para poder reverter
esta situação”, diz J1, enquanto J2 afirma: “a gente [os jornalistas ambientais] levanta
questões que mexem com o paradigma civilizatório, o tempo inteiro.”

“Hoje recebemos convites de comunidades isoladas para mostrar sua cultura. Porque não
agimos como colonizadores prepotentes. Como essas pessoas não têm representantes
políticos, somos os porta-vozes dos interesses destes grupos, pois muitas vezes eles não
têm para quem apelar.”(J3)

“É um compromisso interminável. Nós dois juntos [J3 e o marido], nesse nosso projeto de
vida, sentimos um compromisso interminável de registrar e documentar as questões
ambientais e sociais do país (...)”

“Na verdade, o meu interesse não é o meio ambiente, nem o jornalismo. É a vida. Sou
apaixonado pela vida. E meio ambiente é uma das coisas mais fortes em termos de vida.
Porque é ele que permite que você, no concreto, viva todas as outras experiências.” (J6)

“A informação não gera opinião pública, mas gera perplexidade, discussão e as pessoas
procuram se informar melhor, se capacitar para entender aquilo que descobriram. Sem
informação, você não se estimula a ser educado. Com educação e informação se faz um
cidadão mais consciente.” (J6)
125

7.5
Novas dúvidas

Conforme, todavia, verificávamos a complexidade das tendências de


comportamento de nossos entrevistados em relação ao ambiente, mais claro
ficava que as representações não poderiam reinar absolutas para determiná-lo.
Foram surgindo, então, duas curiosidades: 1) que processos e fatores teriam
contribuído para a formação destas representações? e 2) com que outros fatores
estariam interagindo as representações para configurar os comportamentos e
posturas que se evidenciaram?

7.5.1
Estruturando as representações

Refletindo inicialmente sobre a primeira curiosidade, verificamos que


entre os fatores contribuintes à estruturação das representações o período da
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infância (confirmando pesquisa de Vasconcellos, 1994), a influência da família e


da escolaridade, e a própria dinâmica do exercício profissional mostram-se
significativos. Permeando tudo isso, encontram-se os campos de problematização
moral (Puig), gerados pelo contexto histórico-cultural de questionamentos e
reflexões de uma sociedade. Já sabemos que a questão ecológica ou ambiental
vem fazendo parte das discussões sociais há séculos, embora com diferentes
objetivos, propostas e entendimentos. Ou seja, sua presença na atualidade
manteve um pano de fundo, nem sempre percebido, sobre o qual as influências
acima citadas desenvolveram-se. Considerando isto, consultemos nossos dados.
A família: para os jornalistas J2 e J3 e para a professora P5, há uma
repercussão explícita das ações familiares em suas concepções de ambiente. J2
refere-se a sua mãe, vegetariana e uma das fundadoras do Partido Verde, como a
grande marca da causa ambiental em suas preocupações. Desde garoto, J2
participava das discussões ambientais de seu bairro e cidade, acompanhando a
mãe em suas reuniões. A mãe de P5 também influiu poderosamente em sua
formação ambiental. Professora de Ciências e pioneira em educação ambiental,
levava a filha para acompanhá-la em suas excursões, trabalhos de campo e
educativos, desde recuada idade. Mais tarde, P5 acompanhou-a na qualidade de
aluna e mais adiante, foi sua estagiária. A marca indelével: P5 é professora de
126

Ciências, especializou-se e atua com educação ambiental, inclusive num dos


Pólos de Ciências e Matemática da rede pública.
J3 passou seus primeiros dez anos numa ilha, o que a fez atenta
observadora dos ciclos naturais e das mudanças ocorridas no entorno, além de
inquieta questionadora, instigada por sua família quanto à desigualdade social
que observava de perto. Quando a família mudou para a zona Sul do Rio de
Janeiro, J3 já adquirira o hábito de observar e analisar as transformações ao seu
redor. Sua família tinha por hábito, enquanto viveu na ilha, separar o lixo
orgânico para fazer húmus.
“Meu avô falava da especulação imobiliária em torno do avanço das áreas no entorno de
Brasília e da destruição do cerrado, que não entrou na nossa Constituição como bioma a
ser preservado. Foi com ele que eu aprendi os nomes das árvores. Meus pais eram muito
mais voltados para a questão social, mas era o caso da ecologia urbana. No sentido de
lidar com outras pessoas, ter respeito e estar aberto para a compreensão de pessoas com
menos condições de vida.”

Para as professoras P1 e P3 e para a jornalista J5, não havia uma


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preocupação explícita da família com a ecologia; no entanto, um convívio


saudável. Elas assim o expressam:
“Minha mãe nunca deixou ter bicho em casa por questão de higiene. Por outro lado,
morávamos numa rua no subúrbio, onde as casas eram maiores, mais ventiladas, o
contato com os vizinhos era freqüente, eu brincava na rua, tinha contato com animal e
planta. Nunca foi comum ver as coisas para depredar, jogar lixo pela janela, rasgar folha
de caderno à toa... Sempre fomos preocupados com os outros. Minhas tias sempre
tiveram árvores frutíferas e pegávamos tamarindo, goiaba, abil. E a relação da minha
mãe com as pessoas era muito legal.” (P1)

“Lembro de minha mãe falando e cuidando de plantas, a gente assistia muito a


programas de animais na Cultura, Discovery, porque meu pai gostava dessas coisas. A
gente tinha animais.” (J5)
Com P1, nota-se a existência de uma cultura do cuidado. No caso de J5,
havia mais o interesse por animais e plantas.
P3 conta que o pai era fazendeiro e por isso muito cuidadoso com o
ambiente. Em seu exemplo diz que ele não utilizava agrotóxicos, em plena era da
implantação da revolução verde3.

A infância: o período da infância foi fértil e decisivo na origem das


preocupações e apreço pelo ambiente, em razão não da família mas da
3
Como vem sendo chamada a bem sucedida campanha político-econômica de grandes empresas,
iniciada nos anos 60 e 70, para implantar o uso associado de pesticidas (vulgo agrotóxicos),
fertilizantes industrializados e sementes padronizadas.
127

oportunidade de íntima convivência com o que foi por essas pessoas chamado de
natureza. As jornalistas J1e J7 e as professoras P3 e P2 relatam essa experiência.
A perda precoce dos pais e as reflexões a que isso levou; o quintal da avó de J1,
assim como os passeios pelo jardim botânico e zoológico foram muito especiais
para esta jornalista, que se entretinha “lendo pessoas”. As histórias de J7 e P3 se
assemelham: meninas que cresceram em chácaras, ambas cedo aprenderam a
observar e, sobretudo, admirar o que chamam de natureza. Convivendo de perto
com plantas, bichos, morros, rios, lagoas e praias, apreciavam esteticamente as
paisagens, aprendendo a conhecer seus detalhes e mudanças rapidamente. O
prazer estético desfrutado despertou a curiosidade e trouxe-lhes grande
admiração, que logo gerou forte respeito por todas as formas de vida. Para P3, o
jardim era seu espaço de lazer, onde as crianças da grande família se juntavam
para brincar, principalmente na casa de bonecas que seu pai construíra para ela.
Hoje lhe dá pena ver seus netos vivendo em apartamento. No caso de J7, as
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freqüentes queimadas e caçadas que passaram a se suceder nas proximidades


admiradas, preocupavam-na, gerando indignação e vontade de mudar os
acontecimentos. Desde menina, decidira ser jornalista. De acordo com seu
depoimento, lia todos os jornais que podia e buscava informações sobre esta
realidade que tanto a mobilizava. Foi assim que descobriu o quanto eram
generalizados os problemas ambientais pelo Brasil afora, sendo seu cantinho de
mundo apenas mais um lugar onde eles ocorriam.
Para a professora P2, foi marcante o período da adolescência, quando a
família pode comprar um terreno na praia e fazer de suas férias verdadeiro
acontecimento. Viajar até lá era demorado, pois Porto Alegre é longe do mar.
"Tirar umas férias e passar quinze, vinte dias na praia era maravilhoso, me lembro [que]
subíamos nos morros de areia pra ver o pôr-do-sol, e ia à pedra da praia pra pegar
conchinha, e, [fazia] colagem de conchinha; isso aí foi uma relação com a natureza. De
certa forma, sensibilizou.”

Por outro lado, o jornalista J2 viveu intensamente os problemas


ambientais urbanos, fator que também contribuiu para sua sensibilização:
“Tenho lembranças nada bucólicas, morava no subúrbio, em meio à especulação
imobiliária, em apartamento pequeno que dava de cara para outro apartamento, morava
na esquina de um baita de um curtume. Foi a primeira grande luta ambiental urbana do
Rio no finzinho da ditadura, que mobilizou associações de moradores. Depois de 10
anos de brigas, se resolveu. Foi graças a esta briga que se formou a primeira liderança
ecológica parlamentar do Rio, que foi o Lizt Vieira. Depois, mudei para a Ilha do
Governador, onde, ao longe, se via o mar. Mas logo cresceu uma favela no lugar e a
128

especulação imobiliária tomou conta. Eu morava atrás da pista do aeroporto, ouvindo o


enorme barulho do motor duas vezes por semana. Éramos todos urbanóides, assumidos e
sem perspectiva de melhora. A qualidade de vida da família era ruim e com o tempo só
foi se degradando.”

A escolaridade: inicialmente supusemos que o espaço de preparação


profissional – neste caso, a universidade – teria marcado jornalistas e professoras
de tal forma que suas concepções de ambiente e suas maneiras de entender o
mundo poderiam ter aí se alterado profundamente. As entrevistas nos indicaram
que isso é verdadeiro apenas para metade deles. Entre os professores, apenas P1
e P4 levaram para sua prática escolar e cotidiana marca desta natureza. Cursando
Biologia, a turma de P1 foi brindada com o primeiro ano da disciplina de
Ecologia. Ela destaca a inexperiência e dificuldade do professor pioneiro, mas
reconhece sua importante iniciativa de sempre analisar os seres vivos no
contexto onde estavam inseridos. Qual era a história do lugar? Com o que e com
quem aqueles seres vivos estavam interagindo? Por quê? A que resultados isso
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levava? Estava descoberta a relação! E ela não mais deixou os pensamentos de


P1. Pudemos observar que este hábito de contextualizar se tornou o eixo de todo
seu trabalho e orienta suas ações constantemente. Para assim proceder, é
imprescindível aprender a observar atentamente, associar idéias, pesquisar,
interagir e debater. E estas são coisas extremamente valorizadas na sala de aula
de P1. O modus operandi da Ecologia orientou, sem que P1 se desse conta, sua
prática docente, suas indagações e descobertas. As palavras contexto e relação
marcaram seu entendimento de ambiente.
Outros aspectos da vida universitária foram ressaltados por P1, como o
momento político do país, em plena ditadura, e a conseqüente ausência de turmas
e possibilidades de interação maior com os outros alunos. A única disciplina que
reuniu os alunos foi Ecologia, no terceiro ano da faculdade. A dificuldade de
interagir, em razão das proibições militares, e a reunião de vários alunos nesta
disciplina talvez sejam alguns dos motivos que fortaleceram em P1 a disposição
para assumir e valorizar a interação como sua marca profissional.
Esta professora avalia a preparação universitária para a docência como
insuficiente e inadequada, por demais distante da realidade escolar. E entende
que a licenciatura em Biologia vem ganhando muito nos últimos cinco anos com
a questão ambiental, pois passou a receber alunos interessados na licenciatura e
129

no meio ambiente. Para ela, houve uma mudança no perfil do candidato às


Ciências Biológicas, anteriormente mais voltado às ciências da saúde.
A única relação direta feita pela professora P2, entre seu curso
universitário e a questão ambiental, foi a constatação, ao estudar literatura, de que
a sensibilidade para o assunto é antiga e se manifesta na arte em várias épocas e
formas.
“(...) sempre teve um grupo mais sensível, e que registrou de certa maneira, em livros, em
romances, essa atenção especial com a natureza. Acho que eu me identifiquei com esse
grupo quando eu estudei Literatura.”
P4 pretendia graduar-se em Física, Química e Biologia. Quando percebeu
que seria impraticável, deixou o curso de Física, que estava pelo meio, e ingressou
na Biologia. Entretanto, tendo vindo de uma universidade pública, não gostou da
forma de ministrar o curso na faculdade privada onde ingressara. Para ela a
universidade foi relevante, mas apenas a do curso de Física, por ter sido onde
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encontrou oportunidade de descobrir a pesquisa, de ter outra perspectiva da


Educação (a do investigador) e do mundo.
“Descobri, na Física, que você pode se dedicar à educação fazendo pesquisa, você pode
ser um cientista dessa área. Então, eu fiquei muito feliz porque eu podia juntar todos os
meus sonhos. Mas (...) na verdade, foi no mestrado que eu consegui ampliar minha visão
de mundo bastante mesmo. Porque, no mestrado, é como se eu tivesse conseguido achar o
lugar para onde eu estava indo sempre e não sabia pra onde era.”

Ela atribui essa satisfação à pesquisa desenvolvida no curso, em tema que


a motivava há muito tempo e também às disciplinas de Antropologia e Filosofia,
antes desconhecidas e que lhe “abriram a cabeça”.
No que tange à questão ambiental, P4, que já trabalhava com EA, percebeu
que sua forma de atuar poderia ser diferente e, desde então, vem orientando outros
professores através de seu trabalho. Se sua representação de ambiente mudou?
Parece estar se tornando uma noção mais consistente, no limiar de conceito, tal
como ocorre com P1.
Já para os jornalistas ambientais, tanto J3, que cursou Pedagogia, como
J1, que quase concluiu Química e que se graduou em Jornalismo, sentiram que a
universidade foi muito importante devido à oportunidade de encontros e
reflexões. Nas palavras delas:
“A importância da universidade foi o encontro com pessoas que abriram a visão de
mundo.” (J1)
130

“Aprendi muita coisa boa e tem o próprio ambiente da universidade, que te permite estar
pensando, discutindo, pesquisando. É uma outra estratosfera. A Antropologia mexeu
muito com a minha cabeça. Tinha um clima pesado, porque era o auge da ditadura. Não
podíamos nos juntar em mais de três pessoas. Havia sempre inspetor e olheiro. A
faculdade me trouxe uma reavaliação, esse repensar as populações do ponto de vista
sociológico mesmo.” (J3)

J7 fez Comunicação Social e sua avaliação da relevância da universidade


foi mediana:
“A faculdade me abriu a cabeça ao mostrar autores e um mundo que não era o do
jornalismo. Mas as técnicas você aprende mesmo é no dia-a-dia. Tenho críticas ao
formato da faculdade.”

É importante dizer que de nossos entrevistados apenas J6 não cursou


universidade, sendo autodidata desde há muito, e somente P5 e J4 estudaram em
faculdades particulares. Os demais estudaram em universidades públicas.
J6 diz ter escolhido o caminho do autoconhecimento em todos os campos,
religião, profissão, estudo.
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“Eu sempre usei todo conhecimento disponível para fazer a crítica do conhecimento.
Nada chega pra mim sem ser analisado, passar pelo meu filtro, minhas emoções. Não
interessa quem disse, interessa a idéia. O problema do autodidata é que apesar de estudar
mais que todos os outros, seu estudo não é reconhecido. A universidade, com seus
currículos, métodos, não ensina o profissional a atuar. Quem ensina é a experiência.”

A universidade, pelo visto, não contribuiu de forma direta para a


compreensão de mundo e representação de ambiente das pessoas entrevistadas,
em sua maioria. Contudo, J7 e J3 afirmam que a disciplina de Antropologia, na
faculdade, foi fundamental para elas. Por seus discursos, percebemos que esta
ampliação cultural importou na atuação ambiental que hoje desenvolvem.
Assim, poderíamos inferir que a atuação da universidade vem sendo
limitada na formação de pessoas, privilegiando mais a informação específica que
o espaço de debate, reflexões e criatividade que poderiam enriquecer e ampliar o
campo técnico de cada um. Sua influência, quando ocorre, é quase sem querer,
dependendo da sagacidade do aluno aproveitar ou não as oportunidades
formativas. Com isso queremos dizer que maior deliberação da instituição
acadêmica e atuar intencionalmente (no projeto político-pedagógico, na postura e
qualificação do quadro docente, na metodologia empregada, nos espaços
formativos oferecidos, nos projetos de extensão...) faria diferença. Sendo a
questão ambiental algo que requer ampla visão de conjunto, senso crítico,
131

capacidade de pensar e de criar, lamentamos que a situação seja essa. Ao mesmo


tempo, é importante reconhecer que algumas disciplinas, professores e o espaço
diversificado da convivência universitária fizeram diferença na formação de
metade dos jornalistas ambientais e professores, influindo em sua representação
e em seu relacionamento com o ambiente. Isto é um indicativo simples de que a
dedicação séria à humanização na universidade é fundamental para transformar a
atuação das elites intelectuais e técnicas brasileiras. Se pensarmos que a
universidade recebe todos os anos centenas de pessoas e que estas pessoas
atuarão na sociedade cada vez mais em redes, esta responsabilidade amplia-se
enormemente, devido à penetrabilidade gerada pelos tempos pós-modernos.
É preciso ainda reconhecer que a real participação da universidade na
estruturação da representação de ambiente merece ser especificamente estudada,
devido às repercussões que intervenções em seu sistema podem causar a estas
representações e conseqüentemente ao relacionamento das pessoas com o meio
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ambiente.
Parte da outra metade dos entrevistados, para quem a universidade não foi
importante, ressalta o valor da escola.
P3, uma das professoras com mais tempo de profissão, sente que “o
Normal foi mais importante que a faculdade de Pedagogia, pois teve um professor (de
Didática) marcante.”
Para J2, a Escola Técnica de Química exerceu o papel de situá-lo no
mundo. Lá havia forte militância estudantil, pois era período de
redemocratização (início dos anos 80) e a comunidade usava a escola. O futuro
jornalista J2 então se questionou: “você está tendo uma formação tecnológica distante
dos problemas sociais. É isso que você quer fazer? E decidi que não.”
J4 e J1, que estudaram em colégio alemão, também consideram a escola
de sua infância algo muito importante para suas vidas. Elas sentem-se
profundamente ligadas em termos afetivos a estes colégios e reconhecem ter
recebido deles um sólido embasamento em cultura geral. Para J4, o que de
melhor a escola lhe fez foi ensinar a pensar: “Não existiam notas na minha escola. O
que tinha valor eram as idéias. Era desenvolver novas idéias a partir de um determinado
número de informações.” Para ela, a universidade não cumpriu este papel:
“O que fez a diferença foi a escola e especialmente um professor de Física que eu tive.
A física é um elemento fundamental na minha vida para o desenvolvimento do
raciocínio, do pensar.”
132

O caso de J6 é atípico. Adolescente, foi encaminhado a um colégio


interno de padres, ainda no Rio Grande do Sul. Lá trabalhou na gráfica do
colégio. O aprendizado nas diferentes funções da gráfica e a extensa prática fez
com que se tornasse revisor, profissão pela qual chegou ao Rio de Janeiro. Local
em que depois foi editor de livros de bolso, de livros infantis e, mais tarde, de
palavras cruzadas, e finalmente criou o jornal que dirige ainda hoje. Diz ele
sempre ter sido amigo dos livros, seus companheiros desde a infância.
“Os livros sempre foram as portas abertas para a alma de outras pessoas. Li muito de
filosofia e psicologia. Era desenturmado, não gostava do que os outros moleques
gostavam, de futebol, namorar... Quando lia (e até hoje é assim), brigava com o texto,
discutia, era como um amigo com quem conversava. Não é porque está no papel que não
posso questionar. Então, livro pra mim é pra ser rabiscado, escrito.”

J6 se lembra de sabotar as caçadas no colégio (no RS a caça era


legalizada) e, já um pouco mais velho, do profundo incômodo que sentia ao ter
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de procurar locais para acampar cada dia mais longe, graças à sujeira e poluição.
A intensidade deste incômodo fez com que se decidisse a contribuir para mudar
este quadro. Em seu caso, podemos dizer que o convívio escolar importou na sua
sensibilização ambiental mais que estratégias de ensino ou informações
específicas veiculadas pela escola.
Pelo exposto, a escola se revela um importante espaço formativo do ser
humano, pela possibilidade de encontros e criação de vínculos pessoais e
ideológicos, pelas reflexões que pode promover e pelo estímulo à capacidade de
pensar, pelo aprendizado da convivência e pelos professores “especiais” –
citados freqüentemente por seus alunos em função do tipo de relacionamento que
estabelecem e de descobertas que proporcionam. A escola é, portanto, um grande
gerador de experiências e intercâmbios, que organizam e ajudam a definir os
valores pessoais, interferindo na lente com que se enxerga o mundo. E este dado
não pode ser ignorado pelos tomadores de decisão e planejadores de políticas
públicas.
É forçoso admitir, no entanto, que não temos ainda uma maioria de
escolas estimulando o raciocínio e a reflexão, promovendo encontros e desafios
criativos. Apesar disso, o pouco espaço que possa existir nesse sentido surte
profundo efeito na formação do indivíduo, principalmente devido às relações
construídas, de modo que ressaltamos a necessidade de conferir maior
133

importância à qualificação real da escola e da profissão docente. Tal


investimento certamente produziria uma sociedade mais organizada, produtiva,
crítica e, por que não dizer, mais feliz.
Dos entrevistados analisados neste item, apenas J7 e J3 não passaram por
formações na área científica. Pesquisas futuras poderão verificar, mas de
momento parece-nos que a química, a física e a biologia são de alguma forma
sensibilizadoras para a questão ambiental. Mesmo que não seja de modo direto
ou explícito. A forma de pensar característica destas ciências parece despertar
certa curiosidade e respeito pelo funcionamento do mundo. É interessante que J2
e J1 não tenham continuado seus estudos na área científica ao sentirem falta de
guarida para as preocupações sociais. Entre um interesse por certo conhecimento
e a possibilidade de sentirem-se imediatamente úteis à sociedade, política e
socialmente falando, optaram pela segunda hipótese. O que aponta para uma
escolha de valor.
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Ao mesmo tempo, é curioso que J7, P4 (esta com formação em Física e


em Biologia) e J3 tenham sentido sua visão de mundo ampliar-se pelo olhar da
antropologia e da filosofia, de tal sorte que a preocupação social novamente foi o
marco balizador de suas posturas. Uma vez mais, é provável que aqui estejam
atuando os valores destas pessoas a impulsioná-las.

O trabalho: este parece ser um fator de grande impacto nas


representações. Trabalhar, nestas duas profissões, implica experiências variadas e
contato com novos desafios freqüentemente, o que leva à necessidade constante
de modificar-se. Todos os entrevistados reconheceram que o exercício
profissional mudou e continua mudando seu jeito de perceber o mundo e
interagir com ele. Aprender seu ofício foi tarefa realizada à custa da experiência.
Nenhum destes profissionais se sentiu preparado ou habilitado apenas com a
formação universitária.
J1, antes da atual função, trabalhava com jornalismo internacional e por
isso viajava muito. Com tantas viagens, “só ficando de olhos fechados para não ver os
problemas ambientais”. Na Rio-92, a editora achou que estavam com maturidade
para montar uma revista especializada. Era uma oportunidade muito particular, diz
ela, e um desafio que lhe foi posto no colo, completa.
134

“Na medida em que o trabalho profissional nos coloca em contato com a realidade acaba
nos influenciando na forma de entender o mundo. As experiências pessoais também se
refletem no trabalho. Não dá para separar.”
J2 conviveu num ambiente degradado na infância, iniciou-se
politicamente na questão ambiental na adolescência, influenciado pela mãe e
posteriormente pelo movimento estudantil, que lhe trouxe novos aspectos e
reflexões. Toda essa experiência fertilizou uma disposição em atuar
politicamente. Assim foi que ao escolher graduar-se em jornalismo, tinha a
expectativa de que seu trabalho teria importância.
J2 procurou estágio no mercado desde o início da faculdade, uma
necessidade da profissão, não uma cobrança da universidade, diz ele. Com o
estágio (trabalho), ele conta que pode abandonar a imaginação pela vivência
(contato, debate, entrevista). Para ele, o estágio na revista Cadernos do Terceiro
Mundo foi decisivo.
“A gente falava de assuntos que eu nunca tinha ouvido falar, culturas, etnias... a
perspectiva internacional foi importante. Usufruí muito pouco da universidade. A área
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do jornalismo ambiental exige ampla formação em ciências. Conhecimento que poderia


ter adquirido na universidade. Não adquiri, porque naquela época eu não tinha esta
perspectiva.”

Embora sua representação de ambiente continuasse se estruturando, ele


ainda não optara conscientemente pelo que seria mais tarde denominado
jornalismo ambiental.
A jornalista J3 reconhece quatro grandes fases em sua atuação
profissional: escritora, professora, apresentadora de televisão e, finalmente,
produtora independente de programas sócio-ambientais para a TV, trabalho que
considera mais amadurecido. Segundo ela, as experiências dos dois primeiros
momentos foram muito importantes para sua desenvoltura com o grande público.
Com a produção independente, passou a ter contato com inúmeras comunidades
distantes e, muitas vezes, isoladas. Esse contato transformou sua maneira de
trabalhar. Antes, ela se dedicava à denúncia dos problemas.
“Percebi desde o contato com essas comunidades que o caminho não era pela denúncia
(inclusive porque vivi o final da ditadura, acompanhando amigos torturados, que
participaram de seqüestros, guerrilha). Era pelo mais difícil. Busquei fazer um
jornalismo mais fundamentado, mostrar o que está sendo construído. Para denunciar, em
algumas horas você tem uma matéria pronta. Para mostrar uma construção você não
pode ficar menos de 3 ou 4 dias num lugar. Você tem que estar mais inteligente, mais
preparado. A minha atual perspectiva é apontar soluções. Claro que também fazemos
denúncia, mas o principal agora é apontar saídas. Isso foi construído pela experiência do
meu trabalho.”
135

A mudança de estratégia revela uma representação de ambiente que se


atualizou. Ainda que continue sendo entendido por “meio que nos cerca e do
qual participamos, devendo buscar soluções para sua administração”, a causa dos
problemas passou a ser vista de outra forma. Antes, o trabalho de J3 demandava
a criação de leis ambientais e sua regulamentação. Tendo cumprido esta meta,
enfoca nova etapa: “agora é necessária a moralização (superar a corrupção) e o
engajamento das comunidades. Sem esse passo, nada vai pra frente.”
Isto indica que a centralidade do papel humano permaneceu, embora
tenha se alterado o formato gerencial sobre o ambiente. Antes legalista, agora
participativo e ético. Diríamos que com o ser humano mais integrado no
ambiente.
O desenvolvimento do trabalho também afetou as prioridades e a forma
de se relacionar com o mundo de J4:
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“Aprendi que as pessoas são mais malandras do que eu podia imaginar. Fiquei menos
idealista e mais realista. Hoje, eu não espero nada das pessoas, dos empresários, dos
poluidores, funcionários, patrões. Antigamente era mais apaixonada na tentativa de fazer
as pessoas mudarem. Hoje, não. Acho que é papel de cada um. Cada um tem sua ética. Eu
tenho a minha. Estando bem comigo mesma, fazendo o que eu acho ético, fazendo minha
parte, acho que está ok. Pra mim, a ética é exatamente você ter um mínimo de coerência
nas coisas que você prega. Agir do jeito que você fala. O mundo você não muda de uma
hora pra outra. É um processo. Vi muitos ícones do jornalismo ficarem amargurados,
deprimidos. Eu não quero isso pra mim. Melhor não esperar nada.”

O tom positivo empregado por J4 nessa declaração indica


amadurecimento nas relações interpessoais. Ela, como os outros jornalistas
ambientais entrevistados, entende o ambiente como coisa pública a ser
gerenciada pela sociedade a fim de manter o equilíbrio da vida no planeta. Se, no
entanto, ao iniciar sua carreira lhe parecia que o caminho para este equilíbrio era
mudar as pessoas através da política e da informação, hoje ela se mostra mais
ponderada, ainda insistindo no papel coletivo da administração da vida, mas
reconhecendo a necessidade do envolvimento ético individual, o que só pode ser
feito ao tempo e aprendizado de cada pessoa. Assim, se em sua representação o
ambiente já era de responsabilidade social, agora incorpora de maneira ampliada
a dimensão individual.
J7 é uma prova de que não são necessários muitos anos para que a
representação e o comportamento se renovem. Uma das mais jovens
136

profissionais entrevistadas, ela afirma que o trabalho é, sem dúvida, fonte de


reavaliações constantes e novos enfoques da vida e do mundo.
“Também já fui surda, fiz igual carneirinho o que meu editor quis [referência a
dificuldades para emplacar a temática ambiental dentro das redações, devido ao
despreparo dos jornalistas, mitos quanto ao interesse do leitor e também devido à
hierarquia e interesses no âmbito do veículo]. Só que à medida que você vai ganhando
experiência, estudando, tem oportunidade de ver exemplos positivos em outros países.
Então, a gente muda de comportamento. Tenho 6 anos de profissão. De três anos pra cá
eu mudei muito. Minha conversa com a fonte, trazer a fonte, olhar como uma pessoa que
pode ser minha amiga e dar informação. Ouvir com calma. Baixar um pouco a vaidade, o
nome na primeira página [referência à motivação que faz vários jornalistas dedicarem-se
a buscar o furo em notícias cujo perfil é pré-aprovado pelo editor] e atentar mais para o
que aquilo pode estar contribuindo. A experiência te torna um profissional mais maduro,
mais crítico, mais paciente, com mais bagagem. Meu comportamento pessoal também
mudou, procuro ser coerente em minhas ações com o que publico.”

Sua visão acerca de informar e de educar mudou, tornou-se menos teórica


e mais concreta. A relação humana com o meio ambiente foi trazida para o plano
mais pessoal, quanto à forma de interagir com outras pessoas a fim de ser útil.
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A professora P3 acha que boa intenção não basta para bem atuar, é
preciso ter conhecimento e ir experimentando. Ressalta a necessidade de ajustar
o conhecimento teórico ao empírico, sem medo de errar. O erro é inerente ao
aprendizado, afirma ela. E o acerto depende da abertura para mudar, para se
recontextualizar.
“Então, precisa que o profissional tenha a mente aberta para receber as mudanças e
colocar essa mudança em prática. E vamos ver se vai dar certo. Você não pode saber se
dá certo se não coloca em prática.”

Esta professora demonstra, pelos relatos e pelos projetos que realizou,


haver transformado sua representação acerca de educar. Para ela, os cursos de
atualização e aprofundamento, e a atenção à necessidade de cada criança sempre
foram seus guias na orientação dos professores com quem trabalhou. Se, por um
lado, a educação continua sendo atividade destinada a formar valores e facilitar o
acesso das crianças ao acervo cultural herdado pelos nossos tempos; por outro, a
forma como isso acontece foi sendo entendida de modos progressivamente mais
complexos. P3 assumiu diferentes funções e cargos e atuou em distintos lugares
do Rio de Janeiro.
“Quando eu trabalhava em Vargem Grande [bairro carioca], já trabalhava muito essa
consciência nos meus alunos, do amor à natureza. A escola tinha um quintal imenso, eu
construí com meus alunos uma horta; então, eles iam colher o próprio produto. A horta
137

fazia também que eles tivessem essa sensibilidade, né, que na medida em que eles
preservam o solo, trabalham o solo, eles vão ter produtos melhores.”

Já no Alto da Boa Vista (outro bairro do Rio), ela conta que trabalhou
com projetos a partir de 1993, aproveitando para temas os dados da realidade
local (deslizamento de encostas, desmatamento, lixo, água...). É notória a
mudança de direção: de uma abordagem sensibilizatória pelo “contato com a
natureza”, fator que a mobilizou quando era criança, ela passa a uma perspectiva
mais crítica e ativa, que inclui os alunos em seu ambiente, fazendo-os pensar,
contextualizarem-se e atuarem sobre sua realidade. Sua personalidade neófila e
verdadeiramente interessada no aprendizado dos alunos conseguiu desenvolver
novas vertentes em sua compreensão e prática quanto ao meio ambiente e à
educação, através dos constantes desafios que o cotidiano lhe lançava,
impulsionando-a a freqüentes atualizações. Acha importante recorrer aos cursos
“porque o mundo muda e a pesquisa é incessante.”
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As experiências acumuladas no trabalho e oportunidades derivadas dele


também deixaram suas marcas nas professoras P1, P2 e P4. Cada qual partia de
suas próprias concepções de educação e daquilo que acreditava ser importante
para a formação de seus alunos. O interessante é observar que o convívio com os
eles influiu na prática docente de todas. P1 sempre quis privilegiar o
desenvolvimento do raciocínio dos estudantes e achava que fornecendo
informações variadas, eles seriam capazes de fazer relações entre elas.
“E a prática me ensinou que não! Relação a gente faz quando você trabalha o tempo
todo integrando coisas. Se você tem a prática de trabalhar fazendo relações, as pessoas
aos poucos vão fazendo suas relações. Mas simplesmente fornecer informações
diferentes não basta. Articular coisas é um processo que a gente aos poucos tem que
fazer com os alunos, trazendo informações, mas procurando ver o que uma coisa tem a
ver com a outra. (...) A falta de resposta dos alunos, da forma como eu imaginava, me
fez parar e pensar o que estaria faltando ali. Não era um problema das crianças,
simplesmente! Essa interação, essa relação que uma coisa tem que ter com a outra me
ajudou a compreender o mundo lá fora, que também é interação. Pra entender as coisas
tem que analisar várias e ver qual é a mais abrangente. As coisas são complexas mesmo.
Nesse sentido, acho que a minha profissão me deixou preparada para pensar nisso. Claro
que você pensa enquanto mãe, enquanto mulher, cidadã... mas que a escola favoreceu o
meu caminho de trabalho... (P1)

Pelo relato de P1, fica clara não só a necessidade de atenção permanente e


reformulação constante da prática educativa como também que o aprendizado
pessoal e profissional não se separam, cada qual influenciando no outro – como
também já apontara a jornalista J1. Outro dado relevante é a afirmação de que
138

sua profissão a deixou preparada para pensar na interação, o que interpretamos


como bagagem da universidade (em termos da disciplina de Ecologia, como já
referido anteriormente) e da própria interpretação dia após dia quanto ao
processamento cognitivo dos alunos. A educação (como o meio ambiente), para
ela, sempre se referiu à interação, aos valores, à relação. O entendimento de
como isso poderia se dar, porém, foi vindo com o tempo (e a experiência). O que
interpretamos, por analogia, como permanência do centro da representação e
alterações das beiras. P2 também se sente tendo mudado a partir de novos
desafios. Em seu caso, a maior mudança veio não diretamente provocada por
seus alunos, mas desencadeada por um mini-curso que assistiu na Floresta da
Tijuca, que depois a levou a trabalhar mais de perto com a perspectiva ambiental.
Ela relata articular a questão ambiental em seu projeto de curso, incluindo o
assunto sempre que tem oportunidade.
“Agora eu não consigo só dar aula de Língua Portuguesa, só gramática. Se eu não
introduzir um texto ou não falar alguma coisa relacionada com educação ambiental...
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(...) não dá mais pra trabalhar só aquela língua portuguesa que eu trabalhava há quatro,
cinco anos atrás, sem ser uma coisa voltada pra meio ambiente, de uma maneira sem ser
crítica de se apresentar as coisas com, diria, mais compromisso, a verdade é essa, com
mais compromisso.”

Ela conta ainda duas outras experiências, bastante distintas entre si, a de
dar aulas num curso preparatório para concurso e a de trabalhar com literatura. A
primeira lhe demandava rapidez e foco no conteúdo e a segunda a satisfazia
muito mais, por poder trabalhar de uma forma mais analítica, contextualizada,
procurando fazer os alunos tirarem proveito daquele conteúdo.
P2 mostra-se em processo de aquisição do paradigma da EA. Embora
esteja sensibilizada com a questão e busque a interdisciplinaridade em sua
prática, parece ver meio ambiente de forma fragmentada, havendo assuntos que
são ambientais e outros não. A abordagem da EA não prioriza assuntos, mas
posturas, valores, reflexões transversais a partir da realidade.
Interessante notar que para as professoras de Ciências não há tema
ambiental. Meio ambiente pode ser trabalhado em qualquer aula, o tempo todo.
Mas para P2, professora de outra matéria, a sensação é de que é preciso inserir o
assunto em sua aula, de alguma maneira. Talvez por isso lhe pareça mais fácil se
a escola trabalhar via PPP. No caso de P3, que também não é professora de
Ciências, não existe esta dificuldade. O que poderia ser explicado por sua
139

sensibilização desde a infância e por sua larga experiência em atuar com projetos
(desde 1993).
Essas questões nos levaram a refletir a respeito da forma de trabalho de
professores com a EA. Não é preciso que todos falem de “temas ecológicos”.
Necessário sim é que conheçam os objetivos da EA (conforme Tbilisi e a Lei
Nacional de EA) e se disponham a pensar como podem trabalhá-los em seu
contexto específico.
P4 também sente mudanças profundas em sua forma de atuar ocasionadas
pela experiência, mas declara que seu tempo de estudante foi muito misturado
com o tempo de trabalho, pois os iniciou quase simultaneamente e depois dos
estudos em Física (incompletos) e em Biologia, cursou o mestrado em Educação.
Reafirmada a complementaridade das experiências, vejamos: ela diz que o
trabalho na escola foi entusiasmando-a pela educação e que sua rotina como
professora era matéria-prima das discussões do grupo de pesquisa do qual fazia
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parte na faculdade de Física. O trabalho com professores, mais adiante, é outro


momento relevante que ela identifica.
“Esse trabalho com professores me fez crescer bastante, porque eu tive que enveredar
por outros estudos pra conseguir primeiro tentar fazer essa conquista do professor
[alusão à motivação de sua pesquisa do mestrado], do que é importante, do que ele
precisa, de que ele vai ser mais feliz, até, se ele conseguir ter essa função social no
trabalho dele. Mas isso é um trabalho de convencimento que não é muito simples. As
pessoas reclamam de vários problemas que têm no dia-a-dia. Então, pra conseguir que as
pessoas percebam que apesar desses problemas vale a pena você investir numa educação
que tenha esse compromisso [com a sociedade sustentável], você tem que estudar
bastante. Até pra você dar ferramentas pra esse professor trabalhar também, porque às
vezes ele quer fazer, mas não tem conhecimento de técnicas, não tem conhecimento de
coisas que poderiam ajudar nesse trabalho. Então, uma das coisas que mais contribuiu
pra eu me mudar, pra que eu pudesse aprender coisas novas, foram esses novos desafios
que foram aparecendo na profissão. Depois, eu fui trabalhar na Floresta da Tijuca, quer
dizer, um outro desafio, que é um desafio de fazer um trabalho de educação numa
unidade de conservação. A cada novo desafio você tem que ter uma nova preparação,
um novo estudo e isso vai te fazendo crescer.”

Em resumo, os depoimentos indicam que o trabalho seja uma rica fonte


de novas interpretações para a vida e para o funcionamento do mundo, incluída a
educação e o ambiente. Ao que parece, há um certo núcleo nas representações (se
as compararmos a uma célula) que permanece, havendo algumas modificações
no corpo destas, que podem ser provocadas pelo estudo ou por um novo
problema desafiador no trabalho, ao qual se empenham em resolver. De toda
forma, as entrevistas mostram que as respostas de professoras e jornalistas aos
140

desafios que surgem levam a novas posturas e atitudes, que se bem sucedidas,
tendem a consolidar-se até a próxima situação desestabilizadora. A experiência,
no sentido do vivenciado, experimentado, afigura-se o motor das mudanças no
corpo das representações.

7.5.2
O comportamento dos entrevistados: fatores que interagem com as
representações

As representações de ambiente identificadas, de educação e as de


informação apontam para tendências de comportamento que resumimos na
palavra engajamento. Como já nos referimos, porém, a complexidade das ações e
comportamentos de nossos pesquisados não pode ser vista como fruto
unicamente das representações. Ao constatar isso, surgiu-nos a dúvida que
motivou este tópico: com que outros fatores estariam interagindo as
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representações para configurar os comportamentos e posturas que se


evidenciaram?
Vimos há pouco que as experiências, das mais diversas naturezas,
profissionais, familiares ou pessoais, interagem com as representações
modulando-as, freqüentemente levando a alterações em seu corpo. Nossa
suspeita é que os valores das pessoas ajudem a configurar tais representações e
que eles atuem na transformação do núcleo destas. Embora neste momento
nossos elementos sejam insuficientes para um aprofundamento neste sentido, é
possível fazer uma análise exploratória, a partir dos dados de que dispomos.
Comecemos, então, pela segunda parte da questão número 2, proposta por
nós no início da pesquisa e ainda não respondida aqui. À pergunta “que relação
com o meio ambiente demonstram professores de escolas públicas no espaço
escolar e que valores, decorrentes dessa relação, estimulam em seus alunos?”
dissemos que sua relação com o meio ambiente é de engajamento, sobretudo
através da orientação profissional, todas as docentes buscando formar pessoas
capazes de se relacionar saudavelmente com o ambiente, incluída a humanidade
e os demais seres vivos. Este esforço tem diferentes horizontes e também está
sujeito a estratégias distintas, conforme o perfil da professora. Estas profissionais
demonstram também razoável coerência entre o que pretendem ensinar e o que
141

praticam no seu cotidiano. Sua relação com o ambiente é respeitosa,


investigadora, ativa, solidária.
Para elas, educar é um processo de responsabilidade da escola (exceto pra
P3, que inclui a família), sistemático, com método, e associado à cultura,
destinado a formar valores, e a tornar os alunos cidadãos críticos e participativos.
Esta visão, somada à relação que nutrem com o ambiente, leva-as a trabalhar
determinados valores com seus alunos. Alguns são peculiares a cada professora,
mas há vários em comum. Os mais citados foram a solidariedade, a cooperação,
o respeito – denotando a forma de trabalhar destas professoras e refletem sua
relação com o ambiente.
Observamos haver alguns valores pessoais evidenciados por todas as
professoras: responsabilidade, assistência, coerência. O que nos dá a impressão
de ligar-se ao compromisso que manifestam em suas atitudes com os alunos e
com o ambiente.
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Registramos também alguns que, embora não unânimes, foram


mencionados pela grande maioria (4): comunicação, apreço pelas pessoas e pelos
demais seres, estudo, visão de contexto.
Além destes, diversos outros foram lembrados por elas, quando
questionadas a respeito de quais estimulam nos alunos:
cuidado/atenção/amor/dedicação (empregados aproximadamente com o mesmo
sentido), eqüidade, empatia, saúde, trabalho, entendimento/boa convivência,
individualidade, responsabilidade, ética, cidadania planetária. Parecem-nos
incluídos no horizonte de motivação das professoras, são como alvos.
Por fim, relacionamos a seguir alguns valores agrupados por ordem de
afinidade:
Intelectualidade: estudo (3); conhecimento, criticidade (2), curiosidade (2),
questionamento (2). Estes parecem relacionar-se com as atividades programadas
e entendimento pessoal da questão ambiental.

Afetividade: cooperação (3), atenção (2), cuidado (2), casamento,


estima/apreço/gostar das pessoas/crianças/lugar/natureza/vida/biodiversidade.
Este grupo aponta também para o compromisso das docentes e sua maneira de
trabalhar.
142

É provável que de todos estes valores os realmente mais estimulados


sejam aqueles que verificamos estarem integrados ao seu comportamento, às
suas escolhas. Pela simples razão de que o que é mais vivenciado encontra-se
mais apropriado, manifestando-se espontaneamente. O exemplo vivo autoriza
moralmente a pessoa a trabalhar com estes valores. Evidentemente, não
avaliamos neste trabalho quais dos referidos são idealizados (metas) e quais são
vividos, já incorporados pelos sujeitos.
Que relação há entre estes valores e as representações de ambiente,
educação e informação das professoras?
Parecem mais ligados à postura adotada por elas no tocante à educação.
Por entenderem a questão ambiental como oportunidade de transformação social
para um modo de viver mais solidário, ético, responsável, eqüitativo e
identificarem a solidariedade, a visão de conjunto, a criticidade, o respeito e a
cooperação como bases para a construção desta sociedade, podemos estabelecer
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uma relação direta com os valores priorizados por estas profissionais. Uma
hipótese é que, por deterem-nos, estas pessoas estavam mais sujeitas à
sensibilizarem-se com a causa ambiental.
Esta é uma reflexão interessante para a EA, que pretende trabalhar com a
formação de princípios para uma convivência saudável e para a construção de
sociedades sustentáveis. São necessárias muitas experiências e a integração
destas a fim de criar e consolidar um valor, o que geralmente não ocorre
conscientemente. É, portanto, a educação quem mais tem condições de fazê-lo. A
escola pode ser um contexto privilegiado para isso, devido ao grande período em
que o aluno fica imerso em sua realidade, possibilitando seu acompanhamento,
se uma boa parte dos professores entenderem e assumirem este trabalho.
Os critérios de seleção das notícias destinadas às aulas, assim como as
demais informações priorizadas, parecem sofrer influência desses valores
principais, mas certamente registram a marca dos que são peculiares a cada uma
das professoras entrevistadas.
Analisemos agora os jornalistas. O valor unânime foi o esclarecimento, o
que se mostra bastante coerente com a profissão por eles escolhida. Neste grupo
também houve valores lembrados pela maioria: responsabilidade (6); cuidado
(6); curiosidade (4); ambiente (4); solidariedade (4); articulação (4); criticidade
(4). Alguns outros citados foram: estudo (3); priorização (3); conhecimento (3);
143

universalismo; assistência (3); cooperação; ética (3); política (2); realizações (2);
dedicação; democracia (2); ativismo/ ambientalismo (2); escrever (2);
compromisso com um mundo melhor (2); justiça; qualidade de vida; prudência;
equilíbrio, harmonia; comunicação; respeito; estética; coerência; pesquisa,
coragem, neofilia, coerência.
Analogamente à indagação que fizemos quanto às professoras, perguntemos:
que relação existe entre estes princípios e as representações dos nossos
jornalistas?
O valor esclarecimento parece influenciar a percepção da realidade em todos
os campos, afetando todas as representações aqui estudadas. É a base da atuação
engajada quanto ao meio ambiente, é o objetivo do trabalho com o jornalismo e,
portanto, com a informação, atuando na seleção das notícias, inclusive. É a
matéria-prima do processo educativo. Isto mostra que este valor é mais importante
para o comportamento destas pessoas do que a representação que construíram
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acerca de ambiente. Examinemos, a seguir, a relação entre os valores elencados e


cada representação estudada.
Ambiente: meio ambiente, para a maioria dos jornalistas entrevistados, é o
lugar onde vivem os seres humanos e pode incluir suas relações, é a coisa pública
a ser gerenciada pela sociedade. Esclarecimento não parece ter influenciado a
formação desta representação, mas interage com ela, pois é nesse meio ambiente e
devido a seus problemas que o valor esclarecimento pode entrar em ação, a
serviço da melhoria do estado ambiental, e da organização da sociedade para
administrá-lo. Os demais valores listados atuam na configuração da relação com o
ambiente, relação crítica, responsável, cuidadosa, curiosa, solidária, que requer
articulações, respeito, conhecimento, estudo, pesquisa, que busca qualidade de
vida, equilíbrio, harmonia, justiça. Ou seja, estão projetados não na representação
de ambiente mas na relação com ele.

Educação: o esclarecimento associado a valores amplamente citados, como


criticidade, responsabilidade, cuidado, curiosidade, solidariedade e articulação,
parece ter moldado a compreensão do que deva ser a educação idealmente e suas
funções (em nosso caso, a representação dela). A menção do ambiente como valor
torna-o um dos objetivos desta educação crítica e para a cidadania.
144

Informação: é entendida pelos jornalistas como instrumento para ações e


finalidades variadas (cidadania, autoconhecimento, decisão, sensibilização,
inclusão social etc), mas para todas as quais o valor esclarecimento se encaixa na
qualidade de causa. Ou seja, ele pode ser um dos filtros constitutivos da
representação de informação e de sua utilidade. Lembramos, no entanto, que este
é apenas um exercício de associação de idéias, já que a base das escolhas e
comportamentos humanos deve-se a uma constelação de valores, experiências e
representações, que se relacionam de maneira nada linear, mas antes matricial.
Assim, os outros citados também influiriam na forma de conceber o significado de
informação.
Pelo visto, os valores dos jornalistas contribuíram para as representações de
educação e informação, embora apenas interajam com a representação de
ambiente.
Como ainda não está clara a relação entre representação e princípios,
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procuraremos analisá-la de modo breve, após apresentar um quadro-resumo dos


seus núcleos das representações e valores em comum para cada um dos grupos.

Quadro 5: Quadro-resumo dos núcleos das representações e valores em comum para


cada um dos grupos.

Atores Valores em Concepções de Concepções de Concepções de


entrevistados comum que ambiente educação informação
estimulam
Professoras Solidariedade, Lugar/ relação. Trabalho da Conhecimento.
líderes que cooperação, escola para formar
atuam na respeito. valores e construir
perspectiva cidadania.
da EA Evidenciados:
responsabilidade,
assistência,
coerência.
Jornalistas Esclarecimento Lugar/ relação: Trabalho da Instrumento.
ambientais reflexão, coisa pública a ser escola para formar
criticidade, gerenciada pela valores e construir
solidariedade. sociedade. cidadania.

Analisando apenas os valores que são comuns a cada grupo e suas


representações, sem considerar as nuanças individuais, observamos que:
Solidariedade, cooperação ou respeito não podem ser causa de representar-se
meio ambiente como relações ou lugar de relações, mas podem qualificar estas
relações, podem determinar que espécie de relações se pretende que exista nesse
145

lugar ou cenário. Da mesma forma, não causam o entendimento de que educação é


formar valores e cidadãos. Mas certamente explicitam que tipo de cidadão e de
valores será. Tampouco podem estes valores ser considerados causadores da visão
de informação como algo relacionado a conhecimento. Contudo, eles justificam a
que serviria tal conhecimento. A relação aqui evidenciada não é de causa-
conseqüência, nem de equivalência ou diferença, e menos ainda de dependência.
É, na verdade, uma relação de intercâmbio e de qualificação do ambiente; da
educação e da informação quanto à sua natureza e objetivos.
Prezar o esclarecimento, a reflexão, a criticidade e a solidariedade, valores
privilegiados pelos jornalistas, não causa entendimento de meio ambiente à
maneira de coisa pública a ser gerenciada pela sociedade, embora revele de que
modo esta coisa pública deva ser tratada, que perspectiva de gerência é esta e que
esforços ela demandará da sociedade. Tampouco podemos afirmar que atribuam à
escola a responsabilidade pela educação, entendida como formadora de valores e
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cidadãos. Porém indicam que forma de educar e que perfil de cidadão seria esse.
Quanto à perspectiva da informação ser instrumento, fica claro instrumento de que
seria ela (de reflexão, de construção do senso crítico, de solidariedade). No caso
dos jornalistas, os valores explicitados também não apresentam relação de causa-
efeito, de equivalência, semelhança, diferença ou dependência. Mais uma vez a
relação aparenta ser de intercâmbio e qualificação dos objetivos e estratégias a
serem mobilizadas pelas representações estudadas.
Um exemplo de valor modulando a atuação da representação de meio
ambiente pode ser visto na escolha de J3 acerca da estratégia a ser utilizada para
informar as pessoas: “percebi que dando aulas (eu tinha dois mil alunos) e escrevendo,4
eu alcançava muitas pessoas, mas com a televisão, o alcance era de milhões de pessoas.”
Ou seja, o valor esclarecimento atuou em parceria com o valor atacadismo,
utilizando a representação de ambiente para selecionar a mensagem que seria
veiculada.
Outro exemplo possível é dado pelo depoimento de J6, cuja motivação para
o jornalismo nasceu de um valor:
“Foi um compromisso interior, e aí está no campo da ideologia, de tentar contribuir da
maneira que eu pudesse, com meu talento, meu conhecimento, pra tentar deixar este
mundo um pouquinho melhor do que eu encontrei.”

4
É autora de dezenas de livros infantis.
146

Evidentemente, ao optar pelo jornalismo ambiental, a abordagem será


orientada por sua representação de ambiente; contudo um dos fatores que o fez
utilizar a estratégia jornalismo para veicular esta representação foi o valor
responsabilidade.
No mesmo rumo caminha a professora P3, cuja representação de educação
está sendo mobilizada pelo valor solidariedade: “Eu já poderia estar aposentada, mas
eu acho que as crianças ainda precisam de uma ajuda, e eu posso ajudar.”
Portanto, no caso desta investigação, conclui-se não serem os valores o
principal constituinte das representações, ainda que interajam com estas, dando-
lhes sentido e direção. É possível que analisar os sujeitos um a um pudesse trazer
resultados diferentes; no entanto, eles nos interessam aqui como grupos.
O que as terá constituído, então? Examinemos de forma mais genérica as
experiências de nossos entrevistados.
A jornalista J3 teve na infância a experiência do convívio estreito com o
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ambiente da ilha onde morava. Ao mesmo tempo, passou pela experiência familiar
de aprender a valorizar a questão social, indignar-se com a desigualdade,
solidarizar-se com os vizinhos e amigos menos favorecidos. A mãe, uma
educadora de vanguarda, marcou sua primeira escolha profissional, a Pedagogia.
O ambiente familiar de muito debate, produções artísticas, admiração pelos
ecossistemas e crítica quanto à sua destruição, certamente constituiu experiência
sensibilizadora. Já casada, a convivência com o trabalho do marido (biólogo e
produtor independente de vídeo sobre ecossistemas brasileiros), trouxe o aspecto
ecológico da questão ambiental para dentro de casa, conforme ela mesma gosta de
dizer. Experiências variadas em termos profissionais sucederam-se: escritora de
livros infantis, professora, apresentadora de TV, produtora de vídeo (ocasião em
que pode somar seu olhar sobre as populações humanas e as respectivas culturas
ao olhar de biólogo do marido). As atividades de escrever e de ensinar podem não
ter afetado sua representação de ambiente, mas provavelmente afetaram a
representação de informação e a de educação. Em compensação, o trabalho de
apresentadora e, depois, o de produtora utilizou diretamente sua compreensão de
ambiente para se viabilizar. J3 declara que o acoplamento das visões dela e de seu
sócio produziu programas nos quais a dupla mostra “de que maneira as questões
ambientais afetam as populações.” Ambos fizeram, ao longo das duas últimas
décadas, muitas denúncias de degradação ambiental e colheram o fruto de ver que
147

“hoje muita coisa já está regulamentada em lei.” Descobriram novidades científicas


para a época, como a piracema e várias espécies novas e também constataram a
realidade cultural pelo interior do país: “percebemos que o povo brasileiro é amável,
muito inocente e absolutamente criativo.” Essas e outras experiências trouxeram nova
abordagem aos programas, que agora privilegiam ir além do diagnóstico,
apontando soluções para os problemas encontrados. Os valores que motivam este
trabalho são o compromisso, a solidariedade,o esclarecimento. O pano de fundo
sobre o qual se embasa é a representação de ambiente, e também as de educação e
informação. O que ajudou a construir estes valores e as representações foram as
experiências vividas por ela.
A repetição de vivências de uma determinada natureza vai consolidando
valores e representações, que se influenciam mutuamente. A aprendizagem
humana está calcada na memória, que utiliza diferentes recursos para reter
conhecimentos novos, sendo a repetição, a associação de idéias e a comparação
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alguns dos principais. Boa parte dos conhecimentos vai se acumulando de maneira
inconsciente, à custa das experiências vividas. A família, a escola e o trabalho são
oportunidades para isso, devido à convivência prolongada que proporcionam – e,
portanto, devido ao alto potencial a um só tempo repetidor (de tendências) e
inovador (desafios, problemas) que oferecem.
Outro caso interessante é o de J6, para quem um valor importante é o
compromisso de contribuir para a construção de um mundo mais saudável (“estou
envolvido numa campanha [de vida] para ver se o mundo fica melhor”). Uma
característica sua é o perfil realizador. Juntando-se pelo menos estes dois fatores,
temos uma combinação que o levou a uma diversidade de experiências não apenas
profissionais mas no campo do ambientalismo. Assim, ele militou escrevendo
artigos, fazendo entrevistas, reivindicando a criação de departamentos de meio
ambiente nos órgãos públicos, deu origem a várias ONGs, ajudou a articulá-las
nas APEDEMAs (Assembléia Permanente de Meio Ambiente) e Fórum Nacional
de ONGs, criou seu jornal especializado em meio ambiente, produziu livros
infantis, fez inúmeras palestras em escolas, e, finalmente, atuou na consultoria em
gestão ambiental para empresas. Desencadeada por um valor (compromisso), sua
concepção de ambiente direcionou esta ação experimental.
148

“Eu queria dar um enfoque mais como qualidade de vida, meio ambiente urbano. (...) Só
se o povo entendesse que a questão ambiental tem a ver com a qualidade de vida dele, aí
sim ele passaria a internalizar a questão.”

A afeição de J7, de P3 e de J3, ainda meninas, pelo ambiente em que viviam,


indica que a sensibilização principia com a convivência, que traz admiração
estética e depois empatia. Ao mesmo tempo, experiências prazerosas e de afeto no
ambiente admirado fortalecem o vínculo com ele. A convivência com problemas
ambientais também impacta, mesmo que de outra forma. Foi assim que J2
cresceu, indignando-se com seu entorno.
Vemos que as experiências ampliam a visão de mundo, são produto de
escolha ativa (mesmo quando não totalmente consciente), promovida pelos
valores do indivíduo. Obviamente não se pode esquecer do peso do contexto
sócio-cultural no contorno delas, mas dentro do campo delineado por este
contexto o sujeito utiliza sua mobilidade aplicando valores, o principal
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instrumento para decisões. Geralmente uma escolha leva a certas experiências,


que por sua vez se desdobram em outras, consolidando ou questionando os
valores que deram início ao processo e adequando as “pontas” da representação.
J7 e J4 são casos típicos para observarmos esses desdobramentos. J7 conta
que quando escrevia sobre inovação tecnológica, preocupava-se em inserir dados
e questionamentos sobre o ambiente, investimento para o qual necessitou superar
a falta de embasamento inicial e as dificuldades com os editores. Com isso,
freqüentemente surgiam suítes5 da matéria, fato que passou a desencadear
telefonemas de empresas interessadas em saber mais ou em mostrar suas
realizações. Não muito tempo depois, num crescendo de efeitos, J7 recebeu
convite do Consulado Alemão para cursar jornalismo ambiental na Alemanha.
Hoje, ela atua em rede com todos os ex-colegas, provenientes de diversos países
do Terceiro Mundo. É possível que a infância de J4, entre meninos, tenha
contribuído para formar uma personalidade independente e ousada. Após buscar
seu rumo em mais de cinco universidades, descobriu o jornalismo. Viveu alguns
anos na Europa, onde se engajou com as questões sociais e envolveu-se com o
Partido Comunista italiano. Este período fora do país ampliou sua percepção
social e política, reforçando alguns valores. Seu retorno ao Brasil foi marcado pela

5
Palavra do jargão jornalístico: matéria com novas informações sobre fato já noticiado
anteriormente. (Aurélio Eletrônico)
149

indignação com a desorganização e degradação estética do bairro de seus pais.


Inconformada com isso, montou a associação de moradores local. A necessidade
de um advogado para a instituição colocou J4 em contato com um novo trabalho.
Seu advogado convidou-a para a ONG ambientalista em que atuava e ela passou a
explicar aos jornalistas os erros que cometiam, “fazer a ponte entre universidade e
jornalista”, como diz ela. “Dali comecei a me interessar por essa questão e acabei me
apaixonando, porque tinha a ver com a questão do equilíbrio.” O aprofundamento no
ambientalismo fê-la perceber que esta questão englobava suas preocupações
sociais anteriores. Note-se aí o valor fundamentando a escolha. O que nos leva a
inferir que a experiência se torna mais significativa de acordo com os valores do
indivíduo que a vive. O próximo passo foi lançar uma agência de notícias
ambientais no terceiro setor. Ao mesmo tempo, sua atuação free lancer em jornais
mostrou-lhe que não estava disposta a escrever qualquer coisa apenas porque um
editor ou diretriz da empresa lhe ditasse. Seu comportamento é pautado pela
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coerência com seus valores, situação por ela denominada de ética. De maneira que
não podia aceitar obedecer cegamente. A experiência com esse tipo de situação
delicada culminou numa reunião, de onde saiu convidada e decidida a criar sua
própria empresa de assessoria de imprensa. Foi também a oportunidade de
entender melhor seus valores:
“Um amigo da Redação me dizia: você é jornalista, tem que escrever de tudo. Se pedem
uma opinião contrária a sua, você escreve, como boa escrevinhadora. Aí caiu a ficha que
eu não queria ser uma escrevinhadora desse tipo. Era muito pouco pra mim. É uma
questão de valor. Aí vi que minha carreira ia ser curta. Foi quando encontrei o cliente que
me disse para montar a empresa. Optei pela área de tecnologia e algumas áreas como
saúde, educação. Mas tenho um problema, também não pego qualquer cliente. Philip
Morris, por exemplo, não pego. Empresas poluidoras...” (destaque meu)

Interessante constatar que seus valores conduziram à escolha de nova


experiência, que por sua vez lhe deu espaço para entender melhor seus valores e
se manifestar com coerência.
Poderíamos seguir com os exemplos de J1 e de J2 para reafirmar o que
dissemos: experiências consolidam valores, que funcionam como filtro das
percepções, agem na interpretação das experiências e na seleção de outras. Estes
valores e experiências auxiliam a configurar representações e dialogam com elas
permanentemente.
150

No entanto, parece ter ficado clara esta proposição. Assim, apenas para
ilustrar, veremos agora o caso das professoras P2, P1 e P4.
P2 passou por duas formações bem diferentes: a de técnica em edificações,
quando adolescente e a de licenciatura em Letras, cerca de 10 anos depois. Ser
professora era seu desejo desde menina, mas a mãe a incentivou a fazer o curso
técnico na escola onde era funcionária, prevendo, acertadamente, que esse tipo de
formação garantiria emprego à filha. O ensino era visto por elas como forma de
ascensão social, e P2, então, seguiu os conselhos da mãe. Mas depois, insatisfeita,
retomou sua meta original. A oportunidade de trabalhar com EA surgiu há três
anos, segundo ela, através de um convite à escola para um mini-curso na Floresta
da Tijuca. Algum tempo depois, devido ao seu desempenho no curso, foi chamada
a colaborar no centro de educação ambiental da Floresta, onde atua na formação
em EA de outros professores e recebe escolas visitantes. A receptividade de P2
existia em função de experiências sensibilizadoras anteriores, entre elas, a casa de
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praia (no Rio Grande do Sul) de sua adolescência, e o período que morou no Pará,
observando e se indignando com a degradação que crescia a olhos vistos, afetando
a todos. Ela localiza nesta fase de sua vida (no Pará) o despertar de seu
compromisso com a causa ambiental. Isto pode ser percebido por ela, pois carrega
consigo a preocupação constante em “saber o que é que estava acontecendo no meu
entorno, no meio ambiente, as modificações que eu observava.” Preocupação que se
deve a sua característica curiosidade e ao valor cuidado. Cada experiência leva a
outra, num desdobrar-se contínuo:
“Quando eu tive oportunidade de participar de um grupo [alusão à equipe da Floresta da
Tijuca] que discutia esses assuntos, eu me interessei. Comecei a ler mais, o que eu
aprendi no curso procurei trazer pra escola, os colegas também iam se motivando (...) e a
direção se interessou também. E teve uma feira de cultura nesse mesmo ano. (...) Eu
também levei a turma lá na floresta da Tijuca... Foi uma série de acontecimentos que
foram me envolvendo.”

Esse relato indica a necessidade de tempo e de reforço da experiência a fim


de consolidar um novo entendimento. É importante registrar o contexto favorável
vivido por P2, que contou com interesse de seu meio profissional para a nova
perspectiva, auxiliando-a a amadurecer.
A relação valores-experiência pode ser notada no encontro de P1 com a
perspectiva da EA em sua rotina escolar. Sua preocupação com o contexto fez
com que observasse em sua disciplina “a questão do ser humano naquele espaço,
151

interagindo no ambiente, que é tão ecologia quanto a questão de saúde”. Ela acredita ter
chegado a isso pelos alunos:
“Gostar das crianças e achar importante elas valorizarem o que são, me fez valorizar essa
questão social e não desvincular os alunos do conhecimento que eu tinha do lugar onde
eles vivem e do que está acontecendo.”

Entre os valores de P1, sobressaem-se o cuidado, o respeito, o apreço pelo


outro e pelo lugar onde vive, pelo que é e faz. Com isso, sempre procurou
contextualizar o aluno no lugar onde ele estivesse, criando novas estratégias e
ações de acordo com o lugar onde a escola se situasse. Daí os projetos na Praça da
Bandeira e em Cordovil serem diferentes, pois a relação com o ambiente local e a
história de cada um deles também o eram.
P4 foi profundamente tocada por uma reportagem sobre a fome na África,
aos oito anos de idade. “É como se eu tivesse deixado de ser criança um pouco, eu
achei que tinha que fazer alguma coisa pra mudar aquilo, a minha vida toda foi meio em
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função disso (...)” Aqui, vemos uma experiência despertando ou ativando um valor,
a solidariedade. Este, por sua vez, orientou a escolha profissional de P4 desde
cedo: “minha preocupação [em criança] era estudar para ser cientista. Eu queria inventar
uma pílula que resolvesse esse problema.”
Adolescente, P4 se sentia deslocada, pois não encontrava amigos que se
interessassem pelos mesmos temas e quisessem estudar junto. Por isso, foi muito
importante o encontro, aos 15 anos, com um grupo de pessoas com quem formou
um clube de ciências:
“Foi um grupo que fez com que eu seguisse a minha história. Foi esse grupo que me fez
ver que o problema era mais complicado, não adiantava ter uma pílula pra alimentar as
pessoas, porque não ia resolver o problema; então, a gente não discutia só coisas de
ciências, eram coisas de sociedade também.”

Na pesquisa desenvolvida na graduação em Física e em seu trabalho, P4


descobriu a educação. Nesta área, sua preocupação era metodológica – como fazer
os alunos se socializarem, se tornarem mais críticos. P4 atuava na educação há
oito anos quando despertou para a questão ambiental. Fato ocorrido a partir de um
congresso em 1988 (Educação para o meio ambiente):
“Foram três dias inteiros de discussão e no final disso é que eu me senti com
compromisso, que eu entendi o que é que eu ‘tava querendo. Porque antes eu ‘tava
desconfiada de que eu tinha que ampliar meu trabalho. Eu ‘tava trabalhando muito numa
perspectiva só das metodologias de aprendizagem. (...) Daí eu descobri que não era só
isso, que eu tinha que ter uma outra dimensão (...), de qual a finalidade social daquele
trabalho.”
152

Esse depoimento aponta para a importância da formação continuada na


renovação da prática docente e para a atualização da representação – neste caso,
tanto a de educação como a de ambiente. Aqui, vemos o entendimento ampliado
de meio ambiente atuando na concepção de educar. As experiências de P4, como
nos outros casos analisados, se desdobraram em outras, cada vez mais amplas e
complexas (o mestrado, a formação continuada de outros professores, a produção
de jogos pedagógicos e outras). O que importa agora é registrar o caráter destas
experiências. Foi o grupo de convivência e o estudo continuado que lhe
proporcionaram as experiências necessárias a uma mudança de rumo. E estes
encontros foram possíveis porque P4 buscava renovação, aprofundamento. Esta
procura está calcada em seus valores.
O vínculo afetivo mostrou-se deveras importante na estruturação de redes
de trabalho, tanto para os jornalistas como para as professoras. A jornalista J7
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mantém contato e intercâmbio com seus ex-colegas terceiro-mundistas do curso


realizado na Alemanha. Mas não se articulou no Brasil com as redes de jornalismo
ambiental existentes. Questionada sobre isso, diz que a diferença é ter conhecido
pessoalmente as pessoas da rede de que participa. Mas essa atitude não é
exclusiva. Também P4, P3, P2 e P1 afirmam organizar-se em rede com as pessoas
que conhecem, com os professores com quem trabalham, apesar de reconhecerem
a importância da articulação ampliada. P1 tem priorizado sua atualização
profissional neste momento, mas participa de redes quando estas pretendem
resolver problema específico. Isto evidencia que contextos educacionais e de
trabalho são ótimos para o estabelecimento de articulações. A experiência em
rede, por sua vez, pode ocasionar revisões nas representações e valores.
Apenas para não terminarmos esta seção com a incômoda sensação de
ovo-ou-galinha em relação a valores e experiências, registramos o estudo de
Vicenzi (1999), o qual indica que a origem das experiências encontra-se na
relação entre três impulsos básicos da consciência – o de preservação; o de
socialização; e o impulso evolutivo. As experiências, por sua vez, historicamente
consolidariam determinados valores, manifestos através de alguns traços de
personalidade, cuja combinação gera uma infinidade de comportamentos. A
visualização esquemática facilita a compreensão:
153

impulso ⇒ experiências ⇒ valor ⇒ traços de personalidade ⇒ comportamentos


três muitas alguns vários muitos

O mesmo estudo de Vicenzi lembra que um valor pode ser prioritário,


secundário ou terciário, pode se manifestar em diferentes contextos desde cedo e
pode, além disso, mudar de lugar na hierarquia conforme o contexto. Mudanças de
valores podem afetar sua natureza, sua hierarquia ou ainda a intenção relativa a
este valor. Entre os tipos de valores, há aqueles que são reais, os idealizados e os
emprestados. Essas variáveis todas complexificam a análise e as apresentamos
sucintamente para justificar a necessidade de uma pesquisa específica a respeito
da interação valores-experiências-representações.

7.5.3 Amarrando algumas pontas

Embora os indivíduos isoladamente possam ter concepções próprias acerca


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de um tema ou outro, incluindo os que estudamos aqui, gostaríamos de reforçar a


interpretação de que nossos resultados indicam representações de fato. Apesar de
não trabalharmos com amostra estatística, verificamos haver entre outros
ecojornalistas e professores trato semelhante ao destas pessoas com a questão
ambiental, além de discursos que apontam para o mesmo núcleo de representação
que o sustenta. As visitas a sites de jornalismo ambiental, as matérias publicadas
pelos jornalistas responsáveis ou convidados destes sites, sugerem o entendimento
de meio ambiente no mesmo sentido empregado por nossos jornalistas. Podem ser
consultados, entre outros, os seguintes boletins diários: Ambiente Brasil, WWI-
UMA, Ambiente Global.
Em pesquisa recente, Vasconcellos (2002) descobriu práticas inovadoras
em escolas públicas, municipais, do Rio de Janeiro, concluindo que as crianças
estão sendo educadas ambientalmente. O respeito, o cuidado, a responsabilidade
são incentivados o tempo todo. A valorização de si mesmos, do ambiente e uns
dos outros são outros aspectos em que as professoras insistem. Também para estas
professoras o ambiente se revela espaço de relações e as próprias relações:
“(Ser educado ambientalmente é ter) ‘A preocupação com o meio ambiente, quanto à
preservação e a nossa própria convivência com o meio, desde os pequenos detalhes até
os mais complexos: sentimental e espiritual (...) O ‘Planeta Azul’ (1999) foi o projeto
mais longo e coletivo, onde registramos e confirmamos o nosso trabalho em direção a
todos os temas tão maravilhosos e importantes na criação da nova direção do mundo
154

(Solidariedade, Amizade, União e, principalmente, AMOR). Fazíamos dramatizações,


desenhos, personagens em textos produtivos e muitos outros bons momentos (professora
M da EC)”. (Vasconcellos, 2002: p.40)

Fica evidente nesta fala o horizonte de um novo paradigma, a importância


da contextualização do ser humano quanto à sua participação e inclusão no
ambiente, contextualização que origina diferentes tipos de relações.
As professoras da pesquisa de Vasconcellos incluem o ambiente urbano e,
sobretudo, o mais próximo, a sala de aula, em suas concepções de ambiente.
Ressaltam o objetivo de melhorar a qualidade de vida, incluída a saúde. Enfatizam
a perspectiva de buscar soluções para os problemas enfrentados. Em suma,
mostram estar absorvendo o discurso da educação ambiental em suas práticas,
ainda quando entendem o meio ambiente como lugar:
“é a conscientização do ambiente físico próximo e os cuidados que se deve ter para
preservá-lo. Entendo que o indivíduo deva ter ciência de que deve cuidar para preservar a
água, a energia, manter o ambiente limpo e não só ter o cuidado com a fauna e a flora que
também são importantes. (...) discutimos sobre o trabalho de cada um na escola e como
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podemos colaborar para manter o ambiente saudável. Avisamos sobre a poluição das
praias, lagoas e rios e verificamos que a responsabilidade não é só do ‘outro’ e sim nossa.
Procuramos salientar também que quando há enchentes, nós temos nossas
responsabilidades, discutimos sobre construções de casas nos morros, as áreas de risco etc
(professora AM da CC)”. (Vasconcellos, 2002: p39 e 40)

No tocante à representação de educação, também encontramos


correspondência com a referida pesquisa. Extraímos dois trechos ilustrativos de
depoimentos acerca das finalidades da educação:
“R, da EC: ‘Educamos para ter um mundo melhor, para acreditarmos na vida. Educamos
por acreditar que (é) na educação que está a solução para os problemas do Brasil e do
mundo. Educa-se com paciência, com amor, com responsabilidade, com competência,
com esperança e com firmeza.’
A, da CC: ‘Acredito que a função social da Escola é preparar o aluno para tornar-se um
cidadão crítico e consciente, e elemento transformador do meio. O processo educativo
ocorre nas interações que permeiam a vida do aluno.’
(...) São recorrentes as afirmativas de ensinar pelo exemplo, de respeitar as opiniões dos
alunos, de elogiar os bons trabalhos para reforçar sua auto-estima, de estabelecer regras
para a convivência.” (Ibidem: p.42 e 43)

Nota-se o mesmo entendimento de que educar é tarefa da escola,


construindo valores e preparando sujeitos críticos e participativos, cidadãos de
fato.
Também a revista VEJA de 23/04/2003 trouxe uma pesquisa a respeito da
influência da educação ambiental em famílias cariocas. A matéria indica que os
155

conhecimentos e posturas desenvolvidos na escola alcançam as famílias através


do comportamento e do discurso que os alunos levam para dentro de casa.
Vejamos alguns exemplos:
“Beatriz Fittipaldi de Castro, 12 anos, (...) sonha em despoluir a Baía de
Guanabara, lê artigos de especialistas e já escreveu carta ao prefeito cobrando
empenho em defesa da ecologia. Sempre que vai à praia, Cláudia Antonieta
Fittipaldi, mãe de Beatriz, tem de ficar de olho na menina. ‘Ela começa a recolher
nosso lixo, e quando olho já está pegando o dos vizinhos. Se deixar, cata da praia
toda’, ri. Como quem não quer nada, Beatriz vem revolucionando a casa. Há
alguns anos, quando soube que os pais pensavam em votar nulo, convenceu os
dois a apoiar candidatos ecologistas. Não foi só. Na época em que os
ambientalistas declararam guerra aos desodorantes em spray, que prejudicam a
camada de ozônio, Beatriz fez que os pais aderissem ao roll-on. Recentemente,
veio a cartada final. Quando Cláudia e Francisco comunicaram a ela que estavam
procurando apartamento para a família na Barra da Tijuca, a menina foi enfática:
‘Só se tiver tratamento de esgoto’.

“Lúcia Helena da Silva Ferreira, a mãe de João, vem aprendendo com o filho.
‘Sempre procurei economizar água. Mas não tinha tanta preocupação ecológica.
Isso surgiu com ele’, conta Lúcia.”
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“Quando ouviu falar da escassez de água potável, João Paulo Ferreira Martins, 10
anos, foi à luta. Em casa e na escola, faz campanha contra o desperdício.
Espalhou cartazes pelo prédio, catequizou a família e vive apelando para a
consciência dos amigos. Para ser mais eficaz, criou até uma ONG, formada por
‘um garoto e uma garota’ da escola. São os ‘defensores da natureza’.”

“Foram tantos puxões de orelha que Francisco Coelho de Castro acabou se


disciplinando. Hoje, mal termina de lavar as mãos, fecha a torneira com cuidado,
para evitar o desperdício. Ele não costumava dar tanta bola ao pinga-pinga. Mas
teve uma professora incansável em casa. Aos 40 anos, o dentista Francisco recebe
lições de ecologia da filha de 12.” (Sá, 2003)

De fato, o trabalho da escola parece estar surtindo efeito. Pelas iniciativas


citadas na revista, além de influenciar a família, a garotada já faz diferença na
comunidade com suas ações: voluntariado na prefeitura para cuidar de trilhas e
visitantes de áreas preservadas municipais, como a Prainha; voluntariado na
escola e no bairro, dando palestras, levando os alunos mais novos para excursões
em parques e trilhas, além de promover com eles replantios; campanhas contra o
desperdício de água, de energia, de papel realizadas em casa, no condomínio e na
escola; articulação via internet, protestando contra a extinção e o tráfico de
animais silvestres, contra a recente guerra no Iraque e outras ações; fundação de
uma ONG mirim.
Podemos supor com isso que o engajamento docente vem resultando na
prática em mais participação, responsabilidade, envolvimento, cooperação. A
156

representação que parece se insinuar nestas atitudes é parcialmente coerente com a


que identificamos em nossas professoras: meio ambiente é o lugar onde vivemos,
e a inserção humana se dá a partir do cuidado que cada um deve assumir.
Os exemplos da reportagem, sobretudo no tópico “Pequenas e grandes
conquistas ecológicas”6, parecem apontar para uma representação de ambiente em
que natureza está incluída, mas é apenas flora, fauna e o suporte da vida: água,
solo... De qualquer forma, ainda que a atuação e o entendimento das pessoas
citadas na reportagem sejam menos críticos e politizados que aqueles constatados
por nós entre professores e ecojornalistas, a abordagem também é a de que meio
ambiente é coisa pública a ser cuidada e gerida pela sociedade, organizada e
participativa.
Um outro aspecto que nos interessava era avaliar se a alocação em
diferentes veículos, cada qual com seus ritos, hábitos, rotinas e mesmo conflitos,
interferiria na representação dos jornalistas ambientais. Essas peculiaridades não
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alteraram significativamente a representação do grupo, que continuou sendo lugar


e relações neste lugar, problematizado como coisa pública a ser gerenciada pela
sociedade para melhor qualidade de vida. A riqueza das formas de trabalhar
singulares a cada veículo consiste no convívio diferenciado que estas
proporcionam com a questão ambiental, e conseqüentemente na diversidade de
experiências vividas pelos jornalistas. Certamente o entendimento de J3 da
questão ambiental no país será mais concreto que o de J5, pois enquanto o
trabalho da primeira é ver in loco a situação, passar alguns dias mergulhada nela,
absorvendo suas nuanças e investigando suas causas e efeitos, o trabalho da
segunda é coletar as notícias ambientais publicadas no dia, reuni-las, reorganizá-
las e, por vezes, reinterpretá-las.
Outra observação refere-se ao aproveitamento das experiências anteriores,
gostos e tendências de comportamento destes sujeitos, no veículo escolhido por
eles. J3, por exemplo, pode exercitar na confecção dos programas de TV seu lado
artístico, herdado da convivência com a família, e seu talento para a comunicação,
desenvolvido em sala de aula e no contato com seus leitores. A concepção do
boletim virtual, um dos primeiros do Brasil, apresentando notícias sobre meio

6
a reportagem pode ser conferida no Anexo 9.8.
157

ambiente de todo o país, leva a marca do olhar de J4, interessada em uma


multiplicidade de coisas e apreciadora da visão de conjunto.
Durante o desenvolvimento de nossa investigação, foi lançado o JB
Ecológico, feitos aos moldes do antigo Estado de Minas Ecológico, inclusive na
concepção gráfica. Não era nosso objetivo acompanhar o encarte, pois nos
centramos em veículos especializados em ambiente (programa televisivo, revista,
jornal e boletim da internet). No entanto, seria interessante complementar este
estudo com outra pesquisa que observasse a inclusão da questão ambiental em
veículos não-especializados, considerando a dinâmica interna destes. Com isso,
ficariam mais claras as razões que impedem ou minimizam o aparecimento da
abordagem ambiental nos grandes veículos e que representação de ambiente e de
informação os permeia. Será distinta daquela manifesta pelos jornalistas
ambientais? Imaginamos que sim e especulamos que a razão para isso possa ser a
natureza das experiências e valores destes outros jornalistas. Algo dos conflitos e
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dificuldades encontradas em Redações foi apontado por J7, que não atua no
âmbito dos veículos especializados. Uma suposição, baseada nas informações de
J7, é que jornalistas e ecojornalistas utilizam a estrutura da mídia de modos
distintos. Uns fragmentando mais a informação, outros menos e problematizando-
as. Talvez uma diferença de atitudes apoiada em valores diferentes.
Fato curioso foi o de cada jornalista, com a exceção de J3, ter-se feito
acompanhar por outro durante a entrevista. Assim, a conversa marcada com J1,
representante eleita por nós das revistas especializadas, foi realizada com J1 e J2
que, além dividir o trabalho com ela, é editor de sua própria revista especializada.
A entrevista com J6 também foi dividida com J7, ambos atuando com jornais,
embora o de J7 não seja especializado. Por fim, no caso do boletim da internet, J5
e J4 responderam conjuntamente a entrevista. Esclarecemos que a mesma questão
era formulada a cada um dos presentes, o que tornou a entrevista “dois em um” e
um pouco mais extensa. Dos jornalistas que assim procederam, reparamos que nas
duplas havia sempre alguém mais antigo na profissão, sendo o parceiro colocado
implícita (porém respeitosamente) na posição de pupilo. Os dados são
insuficientes para concluir qual a razão deste procedimento. Imaginamos que
possa ser uma forma de precaução quanto às informações prestadas (uma
testemunha) ou talvez um recurso didático para gerar ao pupilo a oportunidade de
usar este tipo de situações.
158

Um último aspecto interessante a ser mencionado a respeito do perfil dos


ecojornalistas é que, em sua maioria, os mais antigos na carreira parecem ser mais
decididos, firmes, corajosos, engajados politicamente. Talvez pelo contexto de
ditadura em que se forjou sua juventude. As duas mais novas estão procurando
seus caminhos, o que tem a ver não só com a idade mas provavelmente com o
momento em que vivemos, mais fragmentado, com mais opções e ao mesmo
tempo de maior pressão em termos de escassez de emprego.
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8
Considerações... finais?

Ë impossível pretender ter a palavra final em assunto tão amplo e


intrincado; portanto, teceremos alguns comentários e sugestões a partir dos
principais dados levantados pelo estudo. A pesquisa colocou em evidência alguns
aspectos que merecem ser lembrados:
As representações de educação de jornalistas e professoras se
assemelham, enquanto as de informação parecem mais ligadas aos
valores marcantes de cada grupo e à natureza de sua convivência
com a informação.
O núcleo das representações de ambiente é o mesmo, embora haja
diferenças no corpo destas. Há uma atitude comum entre os grupos,
resultante destas representações. O que nos levou a considerar que
os valores e experiências dos entrevistados interagem com as
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representações, modulando-as.
Responsabilidade e solidariedade são os valores que unem ambos
os grupos. É interessante observar que estes são dois valores
fundamentais para uma atitude pró-ativa e produtiva ante as
questões ambientais e educacionais, característica encontrada em
ambos os grupos estudados. Estudo, curiosidade e criticidade foram
valores que apareceram na mesma proporção em cada um dos
grupos, demonstrando a necessidade de desenvolvimento da
intelectualidade nestas profissões e estilos de vida.
A relação manifesta de jornalistas e educadoras ambientais com o
ambiente é de engajamento. A motivação para isso é a vontade de
melhorar o mundo. A forma como se dá é variada, havendo maior
dedicação das professoras à contextualização e ao estímulo de
valores como cooperação, cuidado, respeito e solidariedade. Por
parte dos jornalistas, a preocupação é o esclarecimento, proposto
ao estimular o debate na sociedade, denunciar erros e apontar
acertos em termos ambientais, a fim de que ela possa melhor gerir
o ambiente.
160

Os valores mostram-se afinados com a representação de ambiente e


educação que cada grupo demonstra, ou seja, ambiente como lugar
de relações e as próprias relações, para ambos, e o complemento
como coisa pública a ser gerenciada pela sociedade, para os
jornalistas; e educação como processo sistemático, com método,
desenvolvido na escola, a fim de formar valores, forjar a cidadania
e a participação.
Ainda existe um entendimento comum de meio ambiente como
lugar e uma separação, em diversos graus, entre natureza e
sociedade, sendo a categoria ambiente utilizada para agregar ambas
e dissimular essa cisão.
A forma como as representações se estruturam é complexa,
havendo grande inter-relação entre as experiências do indivíduo, os
valores de seu meio e os valores pessoais. Não podemos afirmar
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que os valores ou as experiências causem as representações. No


entanto, interferem. Ajudam a atenuar ou intensificar seus efeitos,
contribuem para estabilizá-las ou transformá-las, direcionam as
ações originadas por elas. Entre os atores estudados, somente
identificamos adequações nas representações, mas não mudanças
em seu núcleo.
As experiências mostraram-se um forte componente do processo de
constituição ou revisão de valores e representações. A relação
complexa entre esses três fatores merece um estudo mais
aprofundado, com maior detalhe. Algumas possibilidades que
identificamos foram:
a. valores + representações geram determinadas experiências.
b. valores levam a experiências que se desdobram em mais
experiências, que, por sua vez, levam a confirmar ou negar
um valor e a adequar ou manter traços de uma
representação. Ou esquematicamente:

valor ⇒ experiências ⇒ + experiências confirmar/negar valor


adequar/ manter representação
161

c. experiências consolidam valores, que filtram as percepções,


as quais levam a novas experiências. Valores, percepções e
experiências interagem configurando representações.
A representação de ambiente mobiliza ações que correspondem a
uma busca de sanar aquilo que os sujeitos consideram a causa
principal dos problemas ambientais.
A percepção é um dos componentes da representação e está sujeita
à biologia, à gestalt, à cultura.
Família, universidade, trabalho, infância em si, mostram-se
importantes meios de experiência moral para problematizar a
questão do meio ambiente.

Bem, e qual a importância de tudo isso?


As representações, como já discutido, exercem influência constante nas
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atitudes e decisões das pessoas. Fato que não se modifica em relação à EA. O
papel das representações na educação e na ação ambiental é o de conduzir a
prática humana, seja profissional ou amadora, em relação ao ambiente. Estudar
representações, por exemplo, de “sociedade”, “trabalho” ou “cidadania”, nos
permitiriam entender de que modo elas atuam sobre as práticas ambientais.
Porém, dado o funcionamento das representações no entendimento de mundo, de
antemão, podemos dizer que certamente influenciam estas práticas, em maior ou
em menor grau. Em síntese, o ato de representar exerce o papel de gerar o “pano
de fundo”, o cenário sobre o qual as ações se desenrolarão.
A proposta de conhecer especificamente as representações acerca de meio
ambiente, educação e informação de ecojornalistas e de educadores ambientais
reside na possibilidade de aprofundar e ampliar o debate das políticas e práticas
relacionadas a estes temas no país, de modo a poderem ser melhor conduzidas
pela sociedade organizada e pelo poder público. Recordemos com Moscovici que
as representações correspondem, “por um lado, à substância simbólica que entra na
elaboração e, por outro, à prática que produz a dita substância (...)” (idem, 1978: p.41)
Entender a dinâmica que forma essas representações e elas próprias pode ajudar
tanto em propostas de Educação Ambiental (e outras políticas ambientais), como
na formação preparatória e continuada de profissionais que lidarão com questões
162

ambientais e suas interfaces, por serem representações muito intimamente ligadas


à própria educação ambiental.
Sabendo que esta dinâmica está intimamente relacionada com a interação
entre as próprias representações, valores e experiências, enfatizamos a
necessidade de maiores estudos a respeito dessa interação e seus resultados.
Considerando a questão ambiental como um campo de problematização
moral1 (Puig, 1998) bastante ativo em nossa época, importa saber de que maneira
os valores morais vêm sendo articulados no referido campo. Pudemos verificar
que jornalistas e professoras os empregam buscando construir uma sociedade
sustentável, plena de sujeitos participativos, que se respeitem entre si e aos demais
seres da Terra, valorizem a si próprios e a tudo que existe, buscando conviver da
forma mais harmoniosa possível.
Retomando um pouco os conceitos de Puig, vale lembrar que os campos
de problematização oferecem experiências morais, cujos dilemas são vividos e
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enfrentados pelos procedimentos2 da consciência moral, isto é, instrumentos


psicológicos úteis para analisar os problemas morais, planejar vias de otimização
da realidade, avaliar as conseqüências de cada opção proposta, decidir da melhor
forma possível uma solução e, enfim, pô-la em prática.
Então, perguntamos: a educação ambiental, que como educação se propõe
a ser formadora de valores, e, vivendo através da dimensão ambiental, faz isso
utilizando o meio ambiente como campo de problematização moral, conhece a
natureza dos procedimentos da consciência moral? Sabe trabalhá-los?
A consciência moral é ferramenta de trabalho, não está dada nem vem
pronta. Requer esforço e aprender a utilizá-la.
A questão ambiental pede posicionamento, o tempo todo. Este é um
exercício a ser realizado desde a infância e é preciso aprender a fazê-lo.
Como sói acontecer na história, o movimento pendular está neste momento
em plena ação: antes, só eram vistos os aspectos ecológicos; agora, estes vêm
sendo um pouco negligenciados para dar-se maior atenção aos aspectos da
1
Campo de problematização moral, conceito de Puig (1998) já apresentado anteriormente, mas
aqui relembrado para conforto do leitor: conjunto de conteúdos e problemas do âmbito da vida do
sujeito que se articulam com os valores morais; espaços sociais de reflexão e ação moral nos quais
se produz certa quantidade de saber normativo ou guias de valor que norteiam o comportamento.
2
São eles: Conhecimento (desdobrado em: autoconhecimento e conhecimento dos outros);
Pensamento (Juízo moral, Compreensão crítica, Disposições para a comunicação e o diálogo);
Sentimento (Capacidades emocionais e de sensibilidade); Atuação (Auto-regulação).
163

sociedade humana. Hoje, assistimos maior integração dos aspectos sociais,


político-econômico-culturais ao discurso ambiental das pessoas. As ações ainda
não se mostram bem integradas neste sentido, mas já existem iniciativas e alguns
bons resultados. Entretanto, os aspectos estético, psicológico e ético do meio
ambiente ainda são pouco vistos. Se de fato nos consideramos parte do ambiente,
nossos corpos, emoções, pensamentos, sentimentos e relações também o são. De
pouco adiantará pretender trabalhar com EA sem levar em conta o lado intra e
interpessoal.
Parece haver uma aproximação progressiva do cerne da questão. Antes,
apenas os fatores aparentemente externos à humanidade eram vistos, como o meio
físico e os outros seres vivos. Aos poucos foi sendo percebida a relação entre estes
fatores e entre eles e nós. Muito tempo depois, passou-se a incluir a sociedade
humana nestas relações, mas ainda de longe, como se as relações políticas,
econômicas e todas as que classificamos na categoria sociais não principiassem no
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interior dos indivíduos e grandemente em decorrência dos fatores intrapsíquicos.


Buscar a saúde das relações – consigo, com o outro e com a biosfera – é
algo que exige da EA recursos que ela sozinha não dispõe. Para trabalhar os
procedimentos da consciência moral é preciso conhecê-los. Daí propormos uma
parceria estreita entre a educação moral (tal como proposta por Puig) e a EA. Ou
pelo menos a inclusão destes estudos na formação (inicial ou continuada) dos
profissionais (educadores e outros) que lidam com a questão ambiental.
Nossa Lei Nacional de EA encarrega a sociedade como um todo de adotar
a perspectiva da EA em sua atuação: universidades, mídia, governos, ONGs,
empresas, comunidades e outras instâncias. Uma proposta séria de difusão da EA,
contudo, precisa contemplar os aspectos citados. A questão ambiental é uma
questão ética e ética não é algo externo ao ser humano, que se compra, dá, aluga
ou empresta. De modo que é real e urgente a necessidade de entender como se
forma o juízo moral.
Essa demanda já é antiga. Temos as propostas de Guattari (1995) e de
Pierre Weil3 com a ecologia mental. Elas apenas não se apresentaram de forma
esmiuçada.

3
A referência a Pierre Weil deve-se ao programa de palestras a que assistimos em 1998,
ministrado pela UNIPAZ, universidade da qual é reitor emérito.
164

Complementando o que já foi dito, resta lembrar a importância das


experiências no desenvolvimento de valores, conceitos e representações. É então,
fundamental proporcionar experiências na formação de educadores e jornalistas
ambientais para que se apropriem do tema e sejam capazes de propiciar
experiências aos alunos e aos consumidores da mídia. Ou teremos marionetes e
personagens pouco convincentes e pouco eficazes em seu intento, por mais bem
intencionados que sejam. Autoridade moral demanda experiência.
Entre os jornalistas ambientais, isso já foi sinalizado como uma das
deficiências da formação. Como falar de mata atlântica ou amazônica sem nunca
tê-la visto? E das complexas relações entre índios, madeireiros, traficantes,
fazendeiros e governo? Apenas com discursos emprestados e especulações? Certo,
é possível. Mas a comunicação terá um colorido mais real e um verdadeiro
compromisso se a experiência tiver marcado corpo, coração e mente de quem fala.
Até porque – não esqueçamos a percepção – a biologia condiciona nosso olhar
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para o mundo. Queiramos e gostemos ou não. O chileno Humberto Maturana


(2001) e o inglês Gregory Bateson (1980) estão entre os primeiros a discutir
seriamente o assunto. Alves (1995) estuda detalhadamente o processo de
sensopercepção, mostrando quão oportuna e necessária é esta abordagem.
No campo da comunicação, Barreto (1996 in Tavares, 2003) denomina de
estoques estáticos de informação aos documentos em diversos suportes (vídeos,
revistas, livros etc) que veiculem mensagens específicas (estruturas de
informação) e Pereira (1998 in Tavares, 2003) chama de estoques dinâmicos os
conhecimentos técnicos de um facilitador, responsável por conduzir uma situação
de transferência de informação (ao vivo), como uma oficina ou aula, por exemplo.
Adaptando estas idéias ao nosso contexto, podemos dizer que os jornalistas
produzem estoques estáticos de informação e que as professoras são elas próprias
os estoques dinâmicos, como o seriam um monitor ou comunicador. Assim, na
linguagem da comunicação, os estoques dinâmicos (professoras) podem fazer uso
dos estoques estáticos na comunicação (vídeos, revistas, programas, CDs etc).
Este mesmo estudioso da comunicação, ressalta que o conhecimento só se
realiza
165

“se a informação é percebida e aceita pelo receptor, de forma a acrescentar novo saber, ou
sedimentar saber já estocado, ou ainda modificar saber anteriormente estocado4,
colocando o indivíduo num estágio melhor de desenvolvimento. Se não houver alteração
nas estruturas de conhecimento do receptor, não aconteceu a assimilação da informação
(...)”. (in Tavares, 2003: p.39)

Estudos mostrando o impacto da comunicação (seja mediada por estoques


estáticos ou dinâmicos de informação) nas representações, posicionamentos e
valores dos indivíduos quanto ao meio ambiente ainda são necessários.
Nesse sentido, pesquisar o universo dos que são objeto da informação de
ecojornalistas e de educadores ambientais reveste-se de suma importância. De que
modo nossas professoras e jornalistas estão deixando sua marca nos alunos e
usuários da informação? Uma coisa é saber como a produção e seleção das
informações e estratégias de veiculação destas são afetadas pelo processo de
representar. Outra, é entender como as atitudes destes profissionais, mediadas por
suas representações, afetam aqueles a quem dirigem seu trabalho. É ainda Barreto
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(citado por Tavares, 2003: p.43) quem fala sobre a diferença entre emitir a
mensagem e recebê-la:
“na interação do leitor com um texto significados são evocados seja por associações,
ligações, combinações, referências do passado e projeções do futuro – a interpretação da
informação pelo receptor é livre da intenção do emissor. O compreender é
individualizado e se relaciona com as competências específicas do sujeito receptor, do seu
contexto informacional, de sua convivência institucional no presente e de sua esperança e
perspectiva de futuro.”

Ele destaca a necessidade de não apenas ter acesso à informação, como


entender seu significado e estar apto a reelaborá-la em seu proveito e de sua
comunidade. E, com isso, voltamos à pertinência de se estudar a percepção e os
processos cognitivos.
Em síntese, imprescindível sermos cada vez mais interdisciplinares,
verdadeiramente interdisciplinares. A biologia, a ecologia, a filosofia, a economia,
a sociologia/antropologia e a psicologia são todas imprescindíveis para que nossa
atuação como educadores ambientais, antes de tudo, educadores, seja de fato
consistente. Entender o ser humano, intrapsíquica e interpsiquicamente parece ser
a chave para melhor compreendermos as relações e seus efeitos.

4
Lembrando que para o autor, os saberes estocados são aqueles já apropriados pelo indivíduo,
capazes de serem mobilizados em situações que os ensejem. Esta noção nada tem a ver com a idéia
de educação bancária, a qual associa pessoas a depósitos passivos. Pelo contrário, a estocagem (de
acordo com os estudos da comunicação) requer participação ativa do sujeito.
166

A questão ambiental, com sua complexidade, gerou a necessidade de


integrar os saberes. Todavia, como diz Leff (2002):
“a ‘retotalização do saber’ exigido pela problemática ambiental não é a soma nem a
integração dos conhecimentos disciplinares disponíveis. (...) o saber ambiental
problematiza o conhecimento, porém sem desconhecer a especificidade das diferentes
ciências historicamente constituídas, ideologicamente legitimadas e socialmente
institucionalizadas. (...) O saber ambiental tampouco constitui uma ‘dimensão’ neutra e
homogênea para ser assimilada pelos paradigmas atuais de conhecimento. Pelo contrário,
o saber ambiental depende do contexto ecológico e sociocultural no qual emerge e se
aplica. É um saber que nasce diferenciado, em relação com o objeto e o campo temático
de cada ciência, questionando e induzindo uma transformação desigual de seus conceitos
e métodos. (...) Nesse processo vai se definindo o ‘ambiental’ de cada ciência centrada
em seu objeto de conhecimento, que leva a sua transformação para internalizar o saber
ambiental que emerge em seu entorno. São esses corpos transformados de conhecimentos
os que se estendem para uma articulação interdisciplinar do saber ambiental.” (idem,
p.163)

Tudo isso é transpassado pela questão do poder. Por isso, vale lembrar que
a prática da educação ambiental é antes de tudo uma busca pela comunicação
efetiva. O que pode ser pensado no sentido proposto por Habermas, do agir
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comunicativo, segundo o qual, numa situação comunicativa os fatos relatados


seriam verdadeiros, as normas envolvidas na comunicação, justas, e a expressão
dos sentimentos corresponderia ao que se sucede no interior do indivíduo.
(Zajdsznajder, 2002) Esta situação ideal, convenhamos, demanda a intenção clara
e assumida de buscar entendimento, requer aceitação de si próprio, de suas
fragilidades e mesquinharias. Demanda confiança e abertura de todas as partes
envolvidas no processo comunicativo. Estas são condições só possíveis mediante
um trabalho interior sólido de cada indivíduo consigo mesmo e não há como
generalizar este processo por decreto ou exortação. Ele parte do interesse próprio.
Contudo, as negociações em torno da vida em comum, como é a questão
ambiental, só podem avançar com a ampla adoção deste tipo de iniciativa. Ou
estaremos no que Habermas denomina “discurso estratégico”, isto é,
dissimulação, manipulação.
Reconhecer essas condições implica, reforçamos, entender mais
profundamente a natureza humana, procurar incluir esse conhecimento ao pensar
ações e metodologias em EA, o mesmo valendo para o jornalismo ambiental.
Sobretudo, demanda coerência do educador ambiental, entre o que é, sente, pensa
e faz. Ficamos felizes em perceber que as professoras e jornalistas entrevistados
demonstram estar crescendo nesse sentido.
167

Para auxiliar este árduo trabalho do autoconhecimento, que se refletirá na


atuação com o outro, na construção da comunicação ideal, não podemos
prescindir dos conhecimentos sobre a formação da consciência moral,
principalmente no tocante às ferramentas para a ação moral. Tão importante
quanto isso é começar a entender o funcionamento de nossa mente. E nisso,
Claxton nos é de grande ajuda, assim como as investigações sobre representações
sociais. No mesmo rumo, destacamos a importância da narrativa, no sentido
benjaminiano, isto é, “faculdade de intercambiar experiências.” Para Benjamin
(1985), a natureza da verdadeira narrativa é utilitária:
“(...)essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão
prática, seja num provérbio ou numa forma de vida – de qualquer maneira, o narrador é
um homem [ou mulher] que sabe dar conselhos.” (Benjamin, 1993: p.198)

Conselhos aqui são entendidos como resultado do processo de viver em


grupo. Dar conselho implica abertura para ouvir, acolher o outro, conhecer a
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história do outro, e é “menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a
continuação de uma história que está sendo contada (...)” (idem: p.200 e 201)
O narrador, por sua vez, precisa saber expressar o universo pessoal, tarefa
que não prescinde de exercício e confiança. Isso porque a narrativa “é a expressão
de um trabalho artesanal que se realiza sobre a matéria-prima da experiência.” (Konder,
2002: p.299, destaque nosso) Com isso, nos aproximamos da concepção de
comunicação de Jaspers, que pressupõe autenticidade e o reconhecimento
amoroso do outro, pois implica aceitação. (Zajdsznajder, 2002)
É importante entender que, historicamente, a narrativa foi sendo
substituída por outras formas de se contar, principalmente o romance (na
modernidade) e a informação (na pós-modernidade). Benjamin, em O Narrador,
mostra que o saber vindo de longe (espacial e temporalmente) se tornou
secundário. A informação, cuja principal característica é a aspiração a uma
verificação imediata, empobrece o raciocínio humano ao acompanhar-se sempre
de explicações. Assim diz ele:
“Metade da arte da narrativa está em evitar explicações. (...) O extraordinário e o
miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é
imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio
narrado atinge uma plenitude que não existe na informação.”(Benjamin, 1985)
168

A narrativa proporciona espaço para compartilhar a experiência humana e


amplitude distendida do pensamento. Longe de nós, entretanto, afirmar que a
informação não tem utilidade ou não deva existir na sociedade. Informação é
matéria-prima para o exercício crítico, mas o excesso de explicações não deixa
espaço para o pensar.
Refletindo sobre maneiras de trabalhar com o senso crítico, destacamos
pelo menos estas duas formas:
1. Oferecer informações (matéria-prima a ser analisada).
2. Oferecer histórias. As narrativas, que renunciam a explicações,
limitando-se apenas a expor os “fatos”, permitem que o enredo seja
absorvido pela pessoa e memorizado. À medida que vive, é
incorporado à sua experiência, pois já tem condições de estabelecer
relações entre o que ela própria viveu e o que a história (de outro)
lhe contou. Os elementos para a compreensão da narrativa não
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provêm de uma única análise, direta e instantânea. Num primeiro


momento, ela trará estranheza, dúvida, inquietação. Por que
aconteceu o que aconteceu e da forma como aconteceu? Essa falta
de explicação manterá perguntas na mente do sujeito. O relato mais
seco e a estranheza permitem que a memória atue com mais
firmeza. A história será, então, interpretada de acordo com a
imaginação do indivíduo e com as experiências que já tenha
metabolizado (“lições aprendidas”, digamos). Com o tempo,
surgem do cotidiano novos dados para a interpretação da história,
que mesmo adormecida, voltará à mente da pessoa quando suas
vivências a levarem para algum ponto de encontro com as questões
que mantidas acesas em seu íntimo. Podemos dizer que os efeitos
do aprendizado pelas narrativas são de longo prazo e têm um
caráter permanente, pois que as mesmas histórias se revestem
constantemente de novos significados. Porque nova é a vida a cada
momento. A história seria uma espécie de síntese da experiência
humana, acionando outras formas de pensamento e de
relacionamento com o mundo.
A diferença, então, é que a informação oferece dados que podem ser
imediatamente incorporados à vida da pessoa, se ela assim o quiser. A narrativa
169

vai se significando, tornando-se o próprio dado com o tempo, à medida que a


pessoa vai amadurecendo com suas experiências.
Tanto uma como a outra podem levar a pessoa a mudar os rumos de sua
vida. Escolher novas opções e transformar seus valores. A tendência é que a
informação leve à ação. E a narrativa àquela reflexão subliminar que Guy Claxton
chama de mente de tartaruga.
As narrativas tratam da condição humana. As informações geralmente
preocupam-se em traduzir conhecimentos técnicos, instruções e acontecimentos.
São, portanto, modos complementares de aprender. O subjetivo e o objetivo. A
analogia e a lógica.
A informação está relacionada com a aprendizagem que usa o pensamento
lógico. Guy Claxton (1997) o diz da seguinte maneira: “El pensamiento deliberado
– la modalidad d – funciona bien cuando el problema que aborda puede ser fácilmente
conceptualizado.”
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A narrativa se encaixa melhor em outro tipo de pensamento, requerido


“cuando no estamos tan seguros de qué cosas hay que tener en cuenta, o incluso qué
preguntas plantear, o cuando la cuestión es tan sutil que no se deja capturar en las
categorías habituales del pensamiento consciente (...) Este tercer tipo de inteligencia se
asocia a lo que identificamos con la creatividad, o incluso la “sabiduría”. (Claxton, 1997:
p17).

Para que as pessoas compreendam a questão ambiental, necessitam de


ambos. Tanto novas informações, que mobilizem suas análises, as façam
questionarem-se e ao mundo em que vivem, como do pensamento propiciado pela
narrativa, que coloca a pessoa em contato consigo mesma e com o que é humano,
a experiência coletiva armazenada e ali sintetizada.
A abordagem meramente informativa, técnica, já provou ser insuficiente.
A informação tem seu lugar, só não pode ser colocada no lugar de outros fatores
também importantes no processo de educação. Aliado à informação, é
imprescindível demandar do sujeito que conheça e repense seus valores, o que só
pode ser feito proporcionando oportunidades para que ele entre em contato
consigo mesmo de forma mais profunda.
No tocante à questão ambiental, é essencial que o(a) professor(a) se torne
capaz de criar espaços de narrativa. E o jornalista? Apesar de trabalhar com a
informação e não com a narrativa, pensamos ser possível que o jornalista
170

ambiental construa seu texto com o tom da narrativa, já que a questão ambiental é
a própria questão humana, muito mais que acontecimentos de um suposto mundo
natural. Muito mais que as notícias sobre destruições e recuperações, descobertas
e políticas, faz-se necessário produzir textos (escritos, falados, filmados etc) que
instiguem a reflexão. Textos inscritos na experiência coletiva, da qual o jornalista
participa como pessoa e, se se dispuser a se envolver, pode partilhar, ainda que
indiretamente, mediado pelos veículos.
Mesmo sendo uma condição intermediária entre a possibilidade dos
professores e a atuação de seus colegas jornalistas convencionais, esta proposta
representa uma grande mudança na abordagem da questão ambiental na mídia,
contribuindo para formar cidadãos e transformar as relações dos humanos com o
restante do planeta. De modo que sejamos capazes de construir uma nova
narrativa para a vida.
Como se vê, tarefas nada simples. Daí nossa insistência em nos
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gabaritarmos para elas e fugirmos ao padrão teórico de existir, isto é, aquele que
sabe discursar mas que pouco aplica em sua vida.
Jornalistas e educadores ambientais que realmente passem a considerar em
sua prática profissional e em sua vida pessoal, indissociavelmente, as
contribuições das diferentes áreas, ampliando sua visão de mundo, entendendo
melhor a natureza humana, do planeta e, sobretudo, a sua própria (por onde tudo
principia), serão mais úteis ao mundo e à vida, qualquer que seja ela.
9
Alguns encaminhamentos

Sintetizando, as ferramentas de que dispõem os educadores ambientais e


quaisquer outros profissionais dedicados a esta causa são, antes de tudo, eles
mesmos. Com sua bagagem de experiências, valores e representações, seu filtro
de mundo. À luz do que discutimos aqui, se quisermos fortalecer a atuação destes
sujeitos, é preciso investir em mais do que informação. É primordial aproveitar o
rico campo de problematização moral constituído pelo meio ambiente e,
conjugadamente à análise dos meios de experiência moral, criar situações de
oferecimento de narrativas e de amadurecimento dos procedimentos da
consciência moral. Para quem atua na área, isto significa irremediavelmente
dedicar-se a desenvolver uma visão integrada da vida e seus fenômenos e,
sobretudo, mergulhar num processo constante e contínuo de autoconhecimento e
auto-superação. Eis o pré-requisito para a qualificação do trabalho.
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Atingir a grande massa não é tarefa para ser feita de um dia para outro. Em
processos de expansão é comum perder-se qualidade e profundidade, a exemplo
da brincadeira do telefone-sem-fio. Portanto, se as bases do núcleo de expansão (a
visão complexa e os procedimentos da consciência moral) não estiverem
fortalecidas, o “recado dado” tenderá à distorção. Estrategicamente, mais
relevante que levar a educação ambiental à casa dos milhões de pessoas, num
primeiro momento importa que ela seja bem trabalhada com setores-chave, a
partir dos quais a disseminação da EA se torne inevitável: professores, mídia,
ONGs, universidades, sindicatos, dirigentes de unidades de conservação e de
órgãos públicos ligados à educação e ao ambiente, empresários.
O pioneirismo destas ações está à espera de um posicionamento também
pioneiro, que o embasa – o de tornar-se um autopesquisador.
E você, já começou a desenvolver a visão complexa? Candidatou-se a
descobridor de seu universo interior?
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VILLAR, Roberto 1995. I Congresso de Ecojornalistas em Paris – Criada Rede


Mundial de Jornalistas de Meio Ambiente, AgirAzul nº 10 – 1995. Disponível
em: <http://www.agirazul.com.br/agirazul/AA10/roberto.htm>. Acesso em 04
mar. 2003.

VILLAR, Roberto 1997. Jornalismo Ambiental - Evolução e Perspectivas.


AgirAzul na Rede. Disponível em: http://www.agirazul.com.br em 04 mar. 2003.

VILLAR, Roberto. Entrevista Press com Villar. Disponível em:


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114326/CA

<http://www.univercidade.br/greenmaprio/entrevistas/entrevistas03pt.htm>.
Acesso em 04 mar. 2003.

ZAJDSZNAJDER, Luciano. Ética, estratégia e comunicação na passagem da


modernidade à pós-modernidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
179

11
Anexos

11.1
Art. 8o da lei nacional de Educação Ambiental

"Art. 8o As atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental


devem ser desenvolvidas na educação em geral e na educação escolar, por meio
das seguintes linhas de atuação inter-relacionadas:
I - capacitação de recursos humanos;
II - desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações;
III - produção e divulgação de material educativo;
IV - acompanhamento e avaliação.
§ 1o Nas atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental
serão respeitados os princípios e objetivos fixados por esta Lei.
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§ 2o A capacitação de recursos humanos voltar-se-á para:


I - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e
atualização dos educadores de todos os níveis e modalidades de ensino;
II - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização
e atualização dos profissionais de todas as áreas;
III - a preparação de profissionais orientados para as atividades de gestão
ambiental;
IV - a formação, especialização e atualização de profissionais na área de
meio ambiente;
V - o atendimento da demanda dos diversos segmentos da sociedade no que
diz respeito à problemática ambiental.
§ 3o As ações de estudos, pesquisas e experimentações voltar-se-ão para:
I - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à
incorporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar, nos
diferentes níveis e modalidades de ensino;
II - a difusão de conhecimentos, tecnologias e informações sobre a questão
ambiental;
180

III - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à


participação dos interessados na formulação e execução de pesquisas relacionadas
à problemática ambiental;
IV - a busca de alternativas curriculares e metodológicas de capacitação
na área ambiental;
V - o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a
produção de material educativo;
VI - a montagem de uma rede de banco de dados e imagens, para apoio às
ações enumeradas nos incisos I a V. " (lei 9795/99: p2, destaques meus)

11.2
Apresentação do IFEJ

IFEJ – FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS JORNALISTAS DE MEIO


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114326/CA

AMBIENTE

The IFEJ, a network and international association founded in 1993 on the


initiative of French and German environmental journalists, with the participation
of journalists from 28 countries, today has members, correspondents and/or
member associations in more than 110 countries around the world. Directly and
indirectly, this network includes around 7500 journalists associated with every
type of medium, scientific authors, filmmakers, etc.

The IFEJ has the legal status of a nonprofit international association according to
French law (Loi 1901). The association is managed by two Executive Directors,
the French journalist Louisette Gouverne and the German journalist Michael
Schweres, in consultation with a 6-member Administrative Board. The current
President of the IFEJ is the Indian journalist and columnist Darryl d'Monte,
former Resident Editor of The Times of India, India’s largest English-language
daily.

The website www.ifej.org provides further information about the MISSION


STATEMENT of the organization, the BIODIVERSITY REPORTING AWARD
established by the IFEJ in cooperation with CONSERVATION
181

INTERNATIONAL, and MEDIA SURVEY 2000, conducted with support from


the Global Environment Facility (GEF)/World Bank.

Since the founding conference in Dresden in 1993, IFEJ members have met each
year in a different part of the world, often in crisis or flashpoint regions, in order
to make a clear stand for freedom of thought and freedom of the press:

1994 Paris (France), 1995 Boston (USA), 1996 Cebu City (Philippines), 1997
Budapest (Hungary), 1998 Colombo (Sri Lanka), 1999 Bogota (Colombia), 2000
Cairo (Egypt), 2001 Lage (Germany), 2002 Paris (France), 2003 St. Petersburg
(Russia).

The IFEJ has collaborated with various European and international projects,
including the European University of the Environment (EUE), Young Reporters
for the Environment (YRE), etc. In cooperation with the Friedrich Ebert
Foundation and under the leadership of the Uruguayan journalist Victor
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Bacchetta, in the year 2000 the IFEJ published a media handbook for Latin
American journalists. In collaboration with the Deutsche Bundesstiftung Umwelt
(German Federal Foundation for the Environment), together with Oekomedia
Freiburg and 45° NORD, the IFEJ will publish a multimedia CD at the end of
2002, which will also document the present project.

At the year 2000 meeting in Cairo a new administrative council was elected for
three-year terms.

Elected were:Darryl D'Monte of India, president; Randa Fouad of Egypt,


Deputy president; Maria Elena Velez of Columbia, Deputy president; Robert
A.Thomas of the United States, general secretary; Valentin Thurn of Germany,
Deputy-secretary; Claude Marie Vadrot of France, Deputy-secretary; and Victor
L.Bacchetta of Uruguay, treasurer.

Other members of the IFEJ administrative council include: Albena Arnaudova of


Bulgaria, Jim Detjen of the United States, Jan Gunnar Furuly of Norway;
Mangal Man Shakya of Nepal and Eugeniusz Pudlis of Poland.
182

11.3
Histórico do Jornalismo Ambiental

AgirAzul na Rede artigo de Roberto Villar

Imprensa e Pantanal
Laboratório Ambiental de Jornalismo
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Campo Grande, 29 a 31 de outubro de 1997

Jornalismo Ambiental - Evolução e Perspectivas


por Roberto Villar*
O meio ambiente é o centro de uma disputa de poder neste final de século. Os
empresários estão conseguindo roubar a bandeira dos movimentos ecológicos. As
palavras de ordem agora são custo ambiental e parceria. As empresas não só
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descobriram que podem ganhar muito dinheiro fazendo o que os ecologistas vem
dizendo há mais de duas décadas, como perceberam que evitar o desperdício e
implantar tecnologias limpas é uma questão de sobrevivência no mercado
globalizado.
O "ambientalismo empresarial" ganha força. Publicamente, as grandes indústrias
fazem campanhas publicitárias e plantam notícias na imprensa. Veladamente,
exercem um forte lobby para afrouxar a legislação ambiental e desacreditar as
ONGs. Nos discursos, defendem a liberdade de imprensa e a democracia. Nos
bastidores, são soldados de uma conspiração do silêncio - a censura empresarial -
criada para que a população receba apenas a versão dos poluidores. Este é o pano
de fundo para entender o jornalismo ambiental dos anos 90.
O jornalismo ambiental tem características diversas em cada região do Brasil. A
existência e a própria qualidade das notícias publicadas estão diretamente
relacionadas à mobilização da sociedade em torno do tema. As Organizações Não-
Governamentais enfrentam dificuldades para publicar os seus pontos de vista em
todo o país, mas onde a atuação das entidades é fraca, o noticiário sobre
problemas ecológicos é quase inexistente.
Os grandes grupos de comunicação do país sabem que não podem ignorar a
questão ambiental, meramente por uma questão de mercado, e por isso fazem
183

pequenas concessões, abrindo janelas periféricas aqui e ali. No entanto, mantêm o


jornalismo ambiental com um status marginal. E o jornalista que se especializa é
rapidamente tachado de ecochato ou ecologista, minando a credibilidade do
profissional. Principalmente quando começa a discutir com profundidade as
questões ecológicas e denunciar grandes empresas poluidoras.
A imprensa brasileira dificilmente trata dos problemas ambientais com
profundidade na pauta das discussões públicas. As exceções são fruto de um
esforço pessoal e isolado. O meio ambiente é manchete e ganha espaço e tempo na
cobertura diária quando acontecem desastres, ou quando os assuntos repercutem
no exterior, como a morte de um ecologista famoso, as queimadas e os
desmatamentos na Amazônia e na Mata Atlântica. A pauta ambiental ainda vem
das agências internacionais.
A grande imprensa não desvenda a promiscuidade que existe entre os órgãos
ambientais e as indústrias. Também evita debater temas brasileiros, como a falta
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de saneamento no país.
A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental reuniu os maiores
especialistas em saneamento ambiental de 14 a 19 de setembro em Foz do Iguaçu.
Os jornalistas não apareceram. Dias depois, o governador do Paraná, Jaime
Lerner, promoveu os Jogos da Natureza e surgiram centenas de repórteres para
registrar o espetáculo.
Diante deste novo "ambientalismo empresarial", uma aliança entre jornalistas,
cientistas e ecologistas é de vital importância para a democracia. Um cidadão só
tem liberdade de escolha se ele conhece as opções existentes. Se só existe uma
versão, não há o que escolher.
O cidadão não tem como confrontar as informações. Por isso, os repórteres tem
que ouvir o que os pesquisadores e ambientalistas têm a dizer. Por outro lado, não
podem se transformar em meros assessores de imprensa de entidades ecológicas
ou instituições de ensino. É preciso bom senso e equilíbrio. Lembrando sempre
que o poder da imprensa é determinar os assuntos que estarão na agenda das
discussões públicas da sociedade.
Hoje, os empresários têm mais acesso à imprensa. Poucas ONGs já aprenderam a
disputar tempo e espaço na mídia. Algumas exceções são a Greenpeace e a
Fundação SOS Mata Atlântica. A maioria das entidades ambientalistas não
conhece o funcionamento dos veículos de comunicação, o processo de produção
184

das notícias. Por isso, melhorar a qualidade do jornalismo ambiental não passa
apenas pela educação ambiental dos jornalistas, mas também pela educação
jornalística dos ecologistas.
Além da censura empresarial, existe a omissão dos jornalistas nas redações.
Quanto mais especializado, mais o repórter ou editor começa a questionar a sua
concepção de mundo e o seu próprio estilo de vida. Como o jornalista pode falar
de harmonia entre os homens e a natureza se não sabe o que é a harmonia? Como
poderá estimular a solidariedade tendo um espírito individualista? Se é verdade
que a destruição da natureza inicia no espírito dos homens, os jornalistas terão que
mudar o seu próprio estilo de vida no processo de aprendizado do jornalismo
ambiental.
O jornalismo ambiental é uma especialização do jornalismo, com todas as regras
gerais da profissão. A reportagem de meio ambiente tem que ser "vendida" como
qualquer outra matéria. Deve ser novidade e de interesse público. A linguagem
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tem que ser simples. "O estilo é a arte de dizer o máximo com o mínimo de
palavras", dizia Jean Cocteau.
O repórter tem que oferecer boas manchetes para disputar espaço nas redações, e
se diferenciar com um trabalho de qualidade. Quando fizer denúncias, deve ter
provas suficientes para enfrentar a reação dos poluidores, e a pressão dos editores.
Alguém já disse que a reportagem é a arte de reconstituir os fatos, com emoção.
E com opinião, eu acrescentaria. Sem uma opinião própria fundamentada sobre os
fatos não há como escrever uma boa reportagem. A neutralidade da imprensa é
uma bobagem que inventaram para enganar os leigos. O que existe, e deve ser
perseguida, é a honestidade. Quando escolhemos uma pauta, a abertura de uma
matéria ou um título, estamos sendo parciais, vendo o mundo com os nossos
olhos. Afinal de contas somos seres humanos, e não máquinas de calcular.
Uma tendência que surge cada vez com mais força no jornalismo ambiental é a
divulgação de histórias humanas e bons exemplos. Menos catástrofes e previsões
científicas assustadoras, e mais dicas práticas para o dia-a-dia das pessoas. No
Brasil, quem segue este estilo é o Repórter Eco, da TV Cultura de São Paulo,
programa que conseguiu sobreviver à ressaca pós-Rio 92 e vem mantendo um
bom índice de audiência em todo o país.
Este tipo de reportagem educativa é de grande importância, para mostrar que é
possível viver em harmonia com a natureza. No entanto, o jornalismo ambiental
185

não pode se limitar apenas a bons exemplos. O repórter especializado tem que ser
também um cão de guarda, e denunciar os desmandos. Uma matéria retrata a
realidade. Se a realidade é trágica e catastrófica, a imprensa não pode criar um
mundo fictício em nome da educação ambiental do público. Deve procurar,
porém, contextualizar o homem dentro da natureza, e sempre apresentar os
problemas com as soluções ambientalmente sustentáveis.
O jornalismo ambiental não se limita à grande imprensa. Os jornais de bairro,
rádios e televisões comunitárias também são alternativas importantes, pois
permitem um envolvimento muito mais direto com o público. A pauta dos
veículos reflete mais as necessidades da região. O principal jornal de bairro de
Porto Alegre - Oi! Menino Deus - conseguiu fazer, entre 1995 e 1996, reportagens
investigativas na área ambiental que lhe renderam diversos prêmios estaduais,
vencendo até os grandes jornais gaúchos.
Breve história do jornalismo ambiental
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O jornalismo ambiental é uma tendência irreversível na imprensa mundial. Depois


da Rio 92, houve um retrocesso nos Estados Unidos e no Brasil. Por outro lado,
cresce de importância no Leste Europeu. Apesar da diminuição de tempo e espaço
em alguns países, entidades de jornalistas especializados em meio ambiente
trabalham na formação de profissionais, melhorando a qualidade das matérias. A
primeira organização surgiu na França, ainda na década de 60.
Em 1968, aconteceu em Paris a Conferência da Biosfera. Na mesma época, surgiu
na França a primeira entidade de jornalismo ambiental. No mesmo ano, era preso
no Brasil - pela Operação Bandeirantes - o jovem repórter Randau Marques,
primeiro jornalista brasileiro a se especializar em meio ambiente. Randau foi
considerado subversivo na época porque escreveu num jornal da cidade paulista
de Franca (berço dos curtumes) reportagens sobre a contaminação de gráficos e
sapateiros com chumbo, e já questionava a expressão "defensivos", mostrando que
os agrotóxicos eram responsáveis pela mortandade de peixes e pela intoxicação de
agricultores. Depois, Randau se especializou em assuntos urbanos e questões
ambientais no Jornal da Tarde.
Pelo diário do Grupo Estado, Randau cobriu na capital gaúcha a primeira
polêmica ambiental envolvendo uma grande indústria. O fechamento da fábrica de
celulose Borregaard, do dia seis de dezembro de 1973 até 14 de março de 1974,
atraiu a atenção de jornalistas de outros estados e do exterior. A indústria, hoje
186

chamada de Riocell, fica nas margens do Guaíba, na frente de Porto Alegre. A


poluição uniu o embrionário, mas aguerrido, movimento ecológico gaúcho. No
entanto, não é a imagem de uma chaminé que representa a época. Foi a famosa
foto do estudante universitário Carlos Dayrel sentado numa acácia, tirada no dia
25 de fevereiro de 1975. Ele ficou horas em cima da árvore que seria cortada pela
Prefeitura para a construção de um viaduto. Os protestos dos ecologistas
ganharam ampla cobertura da imprensa, amordaçada pela censura militar.
Foi depois da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, realizada em
Estocolmo, em 1972, que as questões ambientais começaram a aparecer com
maior freqüência na imprensa internacional. O novo boom ocorreu em meados dos
anos 80, com a descoberta do buraco na camada de ozônio e as primeiras
hipóteses sobre o impacto das atividades humanas no aumento do aquecimento
global. A imprensa brasileira reagiu às preocupações dos países do primeiro
mundo, e se voltou para os problemas ambientais da Amazônia.
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Em agosto de 1989, foi realizado em São Paulo o Seminário "A Imprensa e o


Planeta", promovido pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão e pela Associação Nacional de Jornais. Três meses depois, aconteceu o
encontro mais importante para o jornalismo ambiental brasileiro. A Federação
Nacional dos Jornalistas realizou no final de novembro, em Brasília, o "Seminário
para Jornalistas sobre População e Meio Ambiente". Participaram especialistas
internacionais, como o francês François Terrason, especialista em planejamento
ecológico e agricultura, a norte-americana Diane Lowrie, da Global Tomorrow
Coalition, a jornalista argentina Patricia Nirimberk, da Fundação Vida Silvestre, o
tcheco Igor Pirek, da Agência de Notícias CTK, o educador Pierre Weil, da
Universidade Holística Internacional e especialistas brasileiros, como o repórter
Randau Marques, o professor Paulo Nogueira Neto, o físico Luis Pinguelli Rosa,
o agrônomo Sebastião Pinheiro e o jornalista Fernando Gabeira.
A união dos jornalistas de meio ambiente
A partir do seminário da Fenaj em Brasília, em 1989, formaram-se núcleos
regionais de jornalismo ambiental em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio
Grande do Sul, com o objetivo de criar uma entidade nacional de jornalismo
ambiental. No entanto, sobrou apenas o grupo gaúcho. O Núcleo de Ecojornalistas
do Rio Grande do Sul (Nejrs) nasceu dentro do movimento ambientalista, no dia
22 de junho de 1990, num debate com o presidente da Associação Gaúcha de
187

Proteção ao Ambiente Natural, filósofo Celso Marques, e o presidente da União


Protetora do Ambiente Natural, jornalista Carlos Aveline.
Nestes sete anos, o Nejrs trabalhou junto com as principais ONGs gaúchas e
também promoveu debates no meio universitário. Em junho de 1991, promoveu o
Encontro Jornalismo e Ecologia, junto com a Ufrgs, SBPC, PUCRS e Consulado
do Estados Unidos, que viabilizou um debate via-satélite. Entre abril e maio de
1992, realizou junto com a Faculdade de Comunicação da Ufrgs o I Curso de
Extensão em Ecologia para Jornalistas, preparatório para a cobertura da Rio 92. O
II Curso ocorreu entre novembro e dezembro de 1993, com o objetivo de discutir
o papel da imprensa nos desastres ambientais. O resultado foi a publicação do
Manual de Emergência para Desastres Ambientais.
O Nejrs foi agraciado pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul com a
Medalha do Conservacionista, em junho de 1994. No mesmo ano, recebeu o
prêmio Contribuição Especial da Associação Rio-Grandense de Imprensa. O
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Núcleo é formado por 17 jornalistas, 7 na grande imprensa, mas apenas um


fazendo jornalismo ambiental diário. Os integrantes da entidade criaram o jornal
Sobrevivência da Agapan e um encarte verde dentro do jornal do Sindicato dos
Jornalistas, entidade que cede uma sala ao Nejrs. A próxima publicação do Núcleo
será um boletim eletrônico quinzenal distribuído na Internet.
Em nível global, a principal entidade de jornalismo ambiental é a Sociedade de
Jornalistas de Meio Ambiente do Estados Unidos. A Society of Environmental
Journalists foi criada em 1990 por um dúzia de repórteres premiados, e
atualmente tem mais de 1.100 sócios. A entidade se dedica a melhorar a
qualidade, precisão e importância das reportagens de meio ambiente.Para isso,
promove encontros e debates em todo o país. A Sétima Conferência Nacional da
SEJ ocorreu de 3 a 5 de outubro na Universidade do Arizona, em Tucson.
A criação de uma rede mundial de jornalistas de meio ambiente foi uma das
decisões do Encontro Internacional de Imprensa, Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizado entre 20 e 24 de maio de 1992 em Belo Horizonte.
Batizado de Green Press, este encontro estava na agenda oficial da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. Mas foi
somente em 1993, numa reunião em Dresden, na Alemanha, que foi criada a
Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente.
188

Atualmente, a Federação é uma aliança formada por jornalistas de 52 países. O


principal objetivo da entidade é ampliar a compreensão pública dos problemas
ambientais através do intercâmbio entre os profissionais especializados. Para isso,
realiza encontros anuais.
O primeiro congresso ocorreu em Paris, em 1994, no Palácio da Unesco. Em
1995, a reunião aconteceu no campus do Massachusetts Institute of Technology
(MIT), na cidade de Cambridge, junto com a reunião anual da Sociedade de
Jornalistas de Meio Ambiente dos Estados Unidos. Depois, a Federação se reuniu
em Cebu City, na Ásia (1996) e em Budapeste, na Hungria (1997). Em 1998, o
Congresso será no Sri Lanka, depois na América Latina, provavelmente na
Colombia, e no ano 2000 no Egito.
O Núcleo de Ecojornalistas acredita que é preciso formar uma rede virtual de
jornalistas especializados em meio ambiente no Brasil, através da Internet. Desse
modo, é possível trocar experiências, pautas e fontes. Também defendemos a
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aproximação com a Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente. Já


existem no Alternex duas conferências eletrônicas para facilitar a troca de
informações. Uma em inglês - env.journalism - e a outra em português e espanhol
- amb.jornalismo. O intercâmbio internacional e a parceria com as ONGs e
cientistas com certeza elevará a qualidade do jornalismo ambiental praticado no
país.
As entidades
NEJRS - Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul
Rua dos Andradas 1270, 13.o andar, Porto Alegre.CEP: 90020-008. E-mail:
nejrs@ax.apc.org
Coordenador: Juarez Tosi
E-mail: juatosi@portoweb.com.br
Telefone: (0xx51) 2254555 (Procuradoria da República/RS)

SEJ - Society of Environmental Journalists


P.O. Box 27280
Philadelphia, Pa. 19118
Presidente: Kevin Carmody, do Chicato Daily Southtown
http://www.sej.org
189

IFEJ - International Federation of Environmenal Journalists


14, Rue de la Pierre Levée, 75011 - Paris, France
Tel: +330148054607
Fax: +330149239149
http://www.sej.org/ifej
Presidente: Jim Detjen - E-mail: detjen@pilot.msu.edu
Secretário: Valentin Thurn
E-mail: v.thurn@link-k.gun.de

ABRAÇO - Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária


Avenida Presidente Vargas 962, sala 711 - Rio de Janeiro
CEP: 20071-002
Fone/Fax: (021) 2531154
Presidente: Tião Santos
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E-mail: tiaosantos@ax.apc.org
http://www.ibase.org.br/tiaosantos

* O autor é Roberto Villar, 29 anos, responsável pelos programas Gaúcha


Ecologia, da Rádio Gaúcha, e Ecologia em Destaque, da Rádio CBN de Porto
Alegre. Sócio do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul. Cobriu pela
Gaúcha duas conferências da ONU, a Cúpula da Terra, realizada em 1992 no
Rio de Janeiro, e a Habitat II, em Istambul no ano passado. Já participou de dois
Congressos da Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente, em
Paris (1994) e Cambridge/USA (1995). Em maio de 1995, passou duas semanas
na Alemanha, à convite do governo alemão, conhecendo projetos ambientais. Já
recebeu mais de dez prêmios regionais de jornalismo, entre eles o Primeiro Lugar
em Reportagem Geral do Prêmio da Associação Rio-Grandense de Imprensa,
edição de 1996, com reportagem sobre a maior mortandade de peixes registrada
no Guaíba, publicada no jornal de bairro Oi! Menino Deus.
190

11.4
Jornais e revistas especializados

Jornais e Revistas – links Editores

Brasil Ambiente Global - Especializada em gestão ambiental,


Editora: Graça Lara
com informações diárias
Parabólicas, revista do Instituto Socioambiental de São
Editor: Maura Campanili
Paulo
Worldwatch Brasil Editor: Eduardo Athayde
Terramérica, jornal da agência de notícias Inter Press
Editor: Adalberto Wodianer Marcondes da Silva
Service, editado no Brasil pela Envolverde
La Insignia
Revista Altiplano
Agir Azul na Rede, revista da Pangea de PoA Editor: João Batista Santafé Aguiar
Ecos, revista quadrimestral de saneamento ambiental da
Editora: Maria de Lourdes da Cunha Wolff
Prefeitura de Porto Alegre
Planeta Coppe
Ecologia em Notícias - Informações sobre o Pantanal no
Editores: Katiuscia Fernandes e Éber Benjamin -
site da Coalizão Rios Vivos, com acesso à Rede Verde e
E-mail: ecoa@msinternet.com.br
à Rede Vida
Ciência e Tecnologia na Agência Estado Editora: Liana John
Caderno de Ciência e Ambiente do Jornal do
E-mail: cma@jc.com.br
Commercio, de Recife
Revista Brasil Energia Editor: Carlos Tautz
Exterior
Nature - International Weekly Journal of Science
The Planet's Voice, jornal da Federação Internacional de
Correspondente no Brasil: Carlos Tautz
Jornalistas de Meio Ambiente
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SEJournal, jornal da Sociedade de Jornalistas de Meio


E-mail: sejoffice@aol.com
Ambiente dos Estados Unidos
World Watch Magazine, revista do Instituto
Editor: Ed Ayres
Worldwatch, de Washington
BioCycle - jornal especializado em compostagem e
reciclagem
EcoAméricas Editor: George Hatch
Ambien-Tema, boletim do Centro de Jornalismo
Diretora: Diane Jukofsky
Ambiental da Costa Rica
Environment News Service E-mail: editor@ens-news.com
Sala de Prensa - (em espanhol)

11.5
Sites de Jornalismo Ambiental

Ambiente Global Agência Estado


www.ambienteglobal.com.br http://www.estadao.com.br/ciencia/
Água on line ECOPRESS
www.aguaonline.com.br http://www.ecopress.com.br
Jornal do Meio Ambiente The Ecologist
www.jornal-do-meio-ambiente.com.br www.gn.apc.org/ecologist
Ecologia em notícias Instituto Sócio-ambiental
www.riosvivos.org.br http://www.socioambiental.org/website/noticias
Enviro Link News Service Environment News Service
www.envirolink.org www.ens.com
International Journalists' Network EcoAméricas
www.ijnet.org www.ecoamericas.com
Agir Azul Meio Ambiente Industrial
www.agirazul.com http://www.meioambienteindustrial.com.br/
SEJournal Reuters
www.sej.org www.planetark.org
The Planet's Voice Radar Ambiental
www.ifej.org http://members.tripod.com.br/radarambiental/
Fonte: Instituto Ambiental Vidágua Terramérica
www.envolverde.com.br
191

11.6
Roteiro de entrevista com jornalistas

1. Conte como você começou a trabalhar como jornalista. O que o motivou?


2. A universidade exerceu alguma influência na sua forma de compreender o mundo e
de trabalhar? Qual? Por quê?
3. E a questão ambiental, como entrou na sua profissão?
4. Quais você considera serem os principais problemas ambientais hoje?
5. O que significa informação para você? Para que serve a informação?
6. Qual a melhor maneira de divulgar uma informação?
7. O que você entende por meio ambiente?
8. Para você, qual é a função do jornalista?
9. A experiência profissional exerceu alguma mudança na sua forma de trabalhar, no seu
jeito de entender e se relacionar com o mundo? Qual? Por quê?
10. Como era a relação da sua família com a natureza quando você era criança?
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11. Quais eram suas preocupações mais importantes naquela época?


12. Em que você estava interessado?
13. O que o fez decidir (diferencial) trabalhar com jornalismo ambiental?
14. O que é educação para você? E pra que serve?
15. Você poderia citar alguns problemas educacionais da atualidade?
16. Você imagina algum tipo de solução para os atuais problemas ambientais e
educacionais brasileiros? Qual?
17. Qual a diferença entre educação e informação?
18. Por que o tema meio ambiente é importante para você?
19. Em que o jornalismo ambiental pode contribuir para o país?
20. O que é para você a educação ambiental?
21. Como você escolhe as notícias que vai veicular? Quais são os critérios para uma
notícia ambiental sair ou não sair?
22. O que faz com que uma notícia seja ambiental?
23. Existe diferença entre natureza e meio ambiente? Qual? Por quê?
24. Você participa de algum tipo de rede ou articulação com outros jornalistas
ambientais? Quais? Por quê?
192

11.7
Roteiro de entrevista com professores

1. Conte como você começou a trabalhar como professor(a). O que o motivou?


2. A universidade/ o normal exerceu influência na sua forma de compreender o mundo
e de trabalhar? Qual? Por quê?
3. E a questão ambiental, como entrou na sua profissão?
4. Quais você considera serem os principais problemas ambientais hoje?
5. O que significa informação para você? Para que serve a informação?
6. Qual a melhor maneira de ter acesso a informações importantes?
7. O que você entende por meio ambiente?
8. Para você, qual é a função do(a) professor(a)?
9. A experiência profissional exerceu alguma mudança na sua forma de trabalhar, no
seu jeito de entender e se relacionar com o mundo? Qual? Por quê?
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10. O que você acha importante estimular nos seus alunos em relação ao meio
ambiente? O que eles devem saber?
11. Como você espera que eles se comportem em relação à questão ambiental após ter
trabalhado com eles?
12. Em que oportunidades você trabalha meio ambiente?
13. Como era a relação da sua família com a natureza quando você era criança?
14. Quais eram suas preocupações mais importantes naquela época?
15. Em que você estava interessado?
16. O que o fez decidir (diferencial) trabalhar com a questão ambiental na escola?
17. O que é educação para você? E pra que serve?
18. Você poderia citar alguns problemas educacionais da atualidade?
19. Você imagina algum tipo de solução para os atuais problemas ambientais e
educacionais brasileiros? Qual?
20. Qual a diferença entre educação e informação?
21. O que é educação ambiental pra você?
22. Você se considera um educador(a) ambiental? Por quê?
23. Por que o tema meio ambiente é importante para você?
24. Em que a educação ambiental pode contribuir para o país?
25. Como você escolhe os temas ambientais com que vai trabalhar na escola? Quais são
os critérios?
193

26. Como você trabalha a questão ambiental nas escolas onde atua?
27. Você utiliza notícias ambientais em seu trabalho? Como? Por quê?
28. O que faz com que uma notícia seja ambiental?
29. Existe diferença entre natureza e meio ambiente? Qual? Por quê?
30. Como você imagina uma escola preocupada com o meio ambiente?
31. Que valores você considera importantes para vivermos num meio ambiente mais
saudável?
32. Como eles podem ser adquiridos/ desenvolvidos?
33. Você participa de algum tipo de rede ou articulação com outros educadores
ambientais? Quais? Por quê?

11.8
Reportagem de capa da Veja Rio de 23/04/2003
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Militantes por natureza: nova geração sai em defesa do verde e cobra


engajamento dentro de casa

Fátima Sá/ Fotos André Valentim/Strana

Leandro Cardoso, 19 anos, é voluntário no Parque da Prainha. Cuida das trilhas,


orienta os visitantes e já ajudou a apagar incêndios. Vai ao parque uma vez por
semana. E, para isso, acorda às 5 da manhã, enfrenta mais de uma hora de ônibus
e trinta minutos de caminhada.
Foram tantos puxões de orelha que Francisco Coelho de Castro acabou se
disciplinando. Hoje, mal termina de lavar as mãos, fecha a torneira com cuidado,
para evitar o desperdício. Ele não costumava dar tanta bola ao pinga-pinga. Mas
teve uma professora incansável em casa. Aos 40 anos, o dentista Francisco recebe
lições de ecologia da filha de 12, Beatriz Fittipaldi de Castro. Rostinho de criança,
discurso de gente grande, Beatriz faz parte de uma geração comprometida com o
meio ambiente. Uma turma que cresceu ouvindo falar de ecologia e, disposta a
fazer sua parte, incorporou as lições dos ambientalistas ao dia-a-dia. Ciente de que
uma andorinha só não faz verão, decidiu catequizar pai, mãe, vizinhos. Como fez
o pequeno João Paulo Ferreira Martins, de 10 anos, que espalhou cartazes pelo
edifício em que mora, na Tijuca, para conscientizar os condôminos da necessidade
194

de economizar água. Ou a adolescente Carolina Lüders Tagliarini, 14, que usa a


internet para defender espécies ameaçadas de extinção. A sua maneira, eles
acreditam que podem, sim, mudar o mundo. "Se cada um cuidar de seu pedacinho,
a vida vai ser muito melhor. Ecologia é qualidade de vida", ensina Maria Clara
Mendes Gomes, 11 anos.
O engajamento dessa garotada surpreende até quem vive para o meio
ambiente. "Quando eu tinha 10 anos, quase não se falava na questão ambiental.
Hoje as crianças dão um banho no assunto. O tema está na escola, na mídia, no
dia-a-dia das comunidades", diz Rogério Zouein, advogado de causas ambientais,
que, dia desses, ficou surpreso ao ouvir a filha de 4 anos falar de poluição. A
atuação da criançada, é claro, varia com a idade. Aos 19 anos, Leandro Cardoso
vai muito além da vizinhança. Há pouco mais de um ano passeava por Botafogo
quando viu um cartaz da Secretaria Municipal de Meio Ambiente convocando
voluntários. Foi conferir. "Éramos eu e três amigos. Na primeira reunião, fomos
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todos. Na segunda, foram dois. Na terceira, só tinha eu", lembra Leandro. Agora
ele é voluntário no Parque da Prainha. Uma vez por semana bate ponto no lugar,
onde mantém as trilhas conservadas, orienta visitantes e fotografa a fauna e a
flora, para documentar a vida no parque. Já pegou jibóia de 15 quilos, recolheu
balão, desarmou armadilhas e ajudou a apagar incêndio. "Nem conhecia a Prainha.
Hoje adoro isto aqui", diz. Na militância, convenceu até a namorada a levar uma
vida verdinha. "Antes, ela fazia trilha reclamando. Eu provocava: 'Tá pensando
que isto aqui é chão de shopping?'. Agora ela tira de letra", conta. Para chegar à
Prainha, o sacrifício não é pouco. Leandro acorda às 5 da manhã e enfrenta mais
de uma hora de ônibus e trinta minutos de caminhada.
Quando o assunto é meio ambiente, Beatriz Fittipaldi de Castro, 12 anos,
fala com a seriedade de gente grande. Sonha em despoluir a Baía de Guanabara, lê
artigos de especialistas e já escreveu carta ao prefeito cobrando empenho em
defesa da ecologia. No dia em que os pais decidiram mudar de apartamento, na
Barra da Tijuca, ela bateu o pé: "Só se tiver tratamento de esgoto".
Às vezes, é claro, a turma exagera. Um ano atrás, Carolina, a menina que
protesta pela internet, decidiu abolir a carne de sua alimentação. Andou meio
doente, e a família não vacilou. "Carol, coma pelo menos frango", ponderou a
mãe, a fonoaudióloga Débora Lüders. A menina cedeu. Mas continua avessa a
carne vermelha. "Tem tanto bicho sendo morto por aí", justifica. Pablo, o irmão
195

mais velho, de 18 anos, não perdoa. Chama a irmã de natureba e provoca: "Vai
uma carninha aí?". Ela nem liga. "Isso já está em mim. Colaborar com o meio
ambiente é um compromisso", explica. Carol sonha em colaborar com ONGs
como o Greenpeace. Como é menor de idade, só participa via internet. Assim, já
protestou contra a guerra no Iraque, manifestou-se a favor da reciclagem de lixo e
defendeu ursos panda, além de "uma outra espécie em extinção lá na Austrália".
Mas o que ela quer mesmo é ir para a rua. "Adoraria participar de um protesto de
verdade. Estou louca para que tenha um aqui no Rio", torce.
Os agentes ecológicos da Escola Parque, na Gávea, dão lições de educação
ambiental a crianças mais novas. Eles repassam o que aprenderam para meninos
da própria escola e de colégios da rede pública. Ora dão palestras, ora comandam
visitas a parques da cidade. E já participaram até de ações de reflorestamento. Os
agentes são todos voluntários e usam o tempo livre para trabalhar no projeto.
Orgulhosos, os pais às vezes se assustam com a seriedade dos filhos. João
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Paulo, o menino que espalhou cartazes pelo prédio, resolveu lançar sua campanha
no dia em que ouviu falar da escassez de água potável no planeta. Começou em
casa e na escola, até chegar ao condomínio. Junto com "um garoto e uma garota
do colégio", anuncia que criou uma ONG para defender a natureza. "Sei que não
mudo quase nada sozinho. Mas posso convencer gente que pode falar com outras
pessoas. Quem sabe os leitores da revista não resolvem se mobilizar também?",
diz. Dia desses, ele discursava sobre os rumos do projeto quando a mãe, sem
querer, deixou escapar um risinho. Levou um pito. "Isso aqui é muito sério, mãe",
retrucou. Como o pai da pequena Beatriz, Lúcia Helena da Silva Ferreira, a mãe
de João, vem aprendendo com o filho. "Sempre procurei economizar água. Mas
não tinha tanta preocupação ecológica. Isso surgiu com ele", conta Lúcia.
Quando ouviu falar da escassez de água potável, João Paulo Ferreira
Martins, 10 anos, foi à luta. Em casa e na escola, faz campanha contra o
desperdício. Espalhou cartazes pelo prédio, catequizou a família e vive apelando
para a consciência dos amigos. Para ser mais eficaz, criou até uma ONG, formada
por "um garoto e uma garota" da escola. São os "defensores da natureza".
A inversão de papéis se justifica. "Os pais desses meninos foram formados
numa cultura em que a natureza era vista como inesgotável", pondera o professor
Carlos Frederico Loureiro, fundador do grupo de educação ambiental da UFRJ.
Para a maioria dessas crianças, o compromisso com o meio ambiente nasceu na
196

sala de aula. A necessidade de uma educação ambiental nas escolas já era


discutida fora do Brasil no início dos anos 70, mas foi só na década passada,
especialmente depois da conferência de meio ambiente Rio 92, que o assunto
chegou para valer ao quadro-negro. "Antes, os alunos plantavam uma árvore e
olhe lá", compara a professora Hedy Vasconcellos, do departamento de educação
da PUC, que desde 1994 estuda o projeto de educação ambiental de escolas
públicas. Hoje, o Ministério da Educação considera a ecologia assunto de
relevância nacional. Um tema que deve estar presente em todas as disciplinas.
Maria Clara, por exemplo – a menina que prega que cada um cuide de seu
"pedacinho" –as, encanta-se ao ver a irmãzinha, de 6 anos, sendo alfabetizada
dentro do assunto. "Ela aprende coisas como 'o mico vive na mata'. Acho muito
legal", diz.
Maria Clara Mendes Gomes, de 11 anos, chegou a chorar quando viu a
serra elétrica se aproximando da amendoeira que sempre admirou da janela de
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casa, em Botafogo. Era apenas uma poda, mas a menina não se conforma. "A
árvore era mais bonita, fazia mais sombra e tinha vários micos e passarinhos",
desabafa. Em casa, ela recicla lixo e acredita que, se cada um cuidar de seu
"pedacinho", vai ser muito melhor viver no planeta.
Preocupada em fazer a ecologia perpassar todas as disciplinas, a Escola
Parque, na Gávea, contratou três anos atrás a consultora ambiental Laila Werneck.
Coube a ela mostrar aos professores um modo mais eficaz de conscientizar as
crianças. Nasceram daí os agentes ecológicos, um grupo de alunos que ensina
lições ambientais para crianças mais novas, do próprio colégio e de escolas da
rede pública. "Fui às salas e perguntei quem gostaria de participar. Logo eles se
ofereceram", lembra Laila. O grupo, formado por sete alunos de 14 e 15 anos, é
voluntário e usa o tempo livre para passar adiante o que aprendeu. "Eles até me
cobram mais ações. Acham que estou fazendo pouco", brinca a consultora. Os
alunos já deram palestras e comandaram passeios a parques da cidade. Sempre
alertando os mais novos para a importância de conviver com o meio ambiente.
Téo Ferraz Benjamin, 14 anos, é um dos integrantes. E lembra cheio de orgulho
de um dos passeios que fez. "A experiência mais legal que a gente teve foi no
Morro Dois Irmãos, com crianças de 6 anos, onde a gente fez replantio", conta.
Em casa, Téo segue o que prega. Faz coleta seletiva de lixo, economiza água e
guarda sacos plásticos para reutilizar.
197

Aos 14 anos, Carolina Lüders Tagliarini já participou de manifestos em


defesa de ursos panda, fez campanha pela reciclagem de lixo e protestou contra a
guerra no Iraque. Tudo pela internet. Mas sonha com o dia em que irá às ruas
numa enorme passeata. Carolina parou de comer carne vermelha há um ano. O
irmão implica, mas ela nem liga. "Colaborar com o meio ambiente é um
compromisso", diz.
A turma dele é cheia de histórias parecidas. Nem sempre fáceis. A
designer de interiores Bárbara Fleck não se esquece da época em que a filha
Joana, de 14 anos, decidiu reciclar papel em casa. "No começo, achei uma
experiência legal. Mas, depois de um tempo, ela estava querendo reciclar o papel
da casa inteira. Fazia uma sujeira danada no quarto. Era impraticável", conta
Bárbara. O compromisso da garotada, é verdade, muitas vezes extrapola. Sempre
que vai à praia, Cláudia Antonieta Fittipaldi, mãe de Beatriz, tem de ficar de olho
na menina. "Ela começa a recolher nosso lixo, e quando olho já está pegando o
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dos vizinhos. Se deixar, cata da praia toda", ri. Como quem não quer nada, Beatriz
vem revolucionando a casa. Há alguns anos, quando soube que os pais pensavam
em votar nulo, convenceu os dois a apoiar candidatos ecologistas. Não foi só. Na
época em que os ambientalistas declararam guerra aos desodorantes em spray, que
prejudicam a camada de ozônio, Beatriz fez que os pais aderissem ao roll-on.
Recentemente, veio a cartada final. Quando Cláudia e Francisco comunicaram a
ela que estavam procurando apartamento para a família na Barra da Tijuca, a
menina foi enfática: "Só se tiver tratamento de esgoto".
Nem sempre, porém, a militância é bem recebida. E a turma, às vezes,
carrega a pecha de ecochata. "Azar de quem pensa assim", rebate Luisa Borja, 15
anos, outra agente ecológica da Escola Parque. Com maior ou menor grau de
atuação, a garotada sabe que vai mesmo encontrar resistência. Nem liga. "Não sou
uma obcecada. Mas tenho minha consciência. Tudo de que o homem precisa sai
da natureza. Então, cuidar dela é uma questão de sobrevivência, ora", pondera
Beatriz. O resto da turma assina embaixo.
Ser ecologicamente correto é...
• ...tomar banhos rápidos, para evitar desperdício de água.
• ...reciclar papel. Se não der, aproveitá-lo ao máximo, usando o verso como
rascunho.
• ...reciclar lixo.
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• ...catar o lixo na praia em vez de esperar que o gari recolha a sujeirada.


• ...ser voluntário em projetos ambientais.
• ...boicotar produtos que poluam o meio ambiente.
• ...lutar para preservar o verde do parque, da rua, do playground.
• ...cobrar das autoridades uma ação efetiva em defesa do meio ambiente. Mesmo
que para isso seja preciso fazer passeata.
• ...fazer a cabeça dos amigos e da família para que eles sigam a mesma cartilha.
• ...navegar pelos sites e se engajar nas campanhas do Greenpeace e da WWF.
• ...defender espécies em extinção, mesmo que elas estejam do outro lado do
planeta.

Pequenas e grandes conquistas ecológicas


• Os surfistas e freqüentadores da Prainha defenderam a encosta verde por mais de
vinte anos. Parte do terreno, que pertencia à família do ex-senador Drault
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Ernanny, corria o risco de virar complexo turístico. Só no fim dos anos 80 o local
se tornou área de preservação ambiental. Mas a ameaça continuou. Em 2000, a
prefeitura conseguiu, enfim, comprar o terreno. O Parque da Prainha foi
inaugurado em 2002.

• No início dos anos 80, a figueira da Rua Faro, no Jardim Botânico, virou
símbolo da luta pela preservação ambiental na cidade. A árvore centenária iria
abaixo para dar lugar a um condomínio. Quando souberam, moradores do bairro
saíram às ruas em protesto. A pressão foi tanta que a figueira não só escapou do
corte como ainda acabou tombada pela prefeitura. O projeto foi adaptado, e a
figueira está lá até hoje.

• O desmatamento e o plantio de café quase acabaram com a Floresta da Tijuca.


Até que, no século XIX, o major Manoel Gomes Archer, primeiro administrador
do lugar, começou a reflorestar a região. Com a ajuda de seis escravos e,
posteriormente, de 22 trabalhadores, ele plantou 100 000 mudas em treze anos. O
trabalho seguiu. Hoje, trata-se da maior floresta urbana do mundo.

• Disposto a incrementar a vida na Lagoa Rodrigo de Freitas, o biólogo Mário


Moscatelli mergulhou no espelho d'água em 1989 e, sozinho, começou a plantar
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mudas de mangue, típica vegetação de águas mistas. Enfrentou descrédito e


preconceito, mas resistiu. Após 4 500 mudas plantadas, o manguezal da Lagoa é
parte da paisagem carioca. E habitat de aves e caranguejos.

• A vasta área verde que fica no sopé do Morro Dois Irmãos perigava abrigar um
hotel e dois prédios. Depois de muita pressão popular, a prefeitura fechou um
acordo com o dono do terreno, o empresário Antonio Galdeano. Ele foi autorizado
a construir além do gabarito em outro terreno que possui. E a cidade ficou com o
verde. Em 2000, o lugar virou parque.
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