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Direito Processual Civil

APONTAMENTOS
DIREITO DE
PROCESSO CIVIL
(ACÇÃO DECLARATIVA, RECURSOS E ACÇÃO EXECUTIVA)

Octávio Manuel Gomes Alberto


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INDICE:

I. ACÇÃO DECLARATIVA
1. Princípios estruturantes do processo civil
2. Acesso à justiça
3. Garantias do processo justo
4. Novo modelo processual
5. O regime do direito português sobre a competência internacional legal
a) A competência e as partes da acção declarativa
b) Competência internacional: direito interno
c) Competência convencional: direito interno
d) Modalidades de incompetência
e) Competência internacional: direito interno
6. Personalidade judiciária
a) Capacidade judiciária
b) Representação judiciária
c) Incapacidade judiciária e vícios da representação judiciária
d) Litisconsórcio inicial: modalidades
e) Litisconsórcio inicial: consequências
7. As formas de composição da acção
8. O procedimento em 1ªinstância
9. Dinâmica da instância
10. Vicissitudes
11. Fases do processo

II. A IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS (RECURSOS E RECLAMAÇÕES)


1. RECURSOS ORDINÁRIOS
2. GENERALIDADES
a) Enunciado dos recursos
b) Sistematização da lei
3. Recursos na 1ª instância
4. Recursos na 2ª instância
5. Recurso para o Tribunal Constitucional
6. Erro na espécie de recurso
7. Finalidades dos recursos
a) Instância de recurso
b) Efeitos de interposição
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c) Efeitos intraprocessuais
d) Efeitos extraprocessuais
8. ESTUDO ANALÍTICO
8.1. Fundamentos dos recursos
8.2. Tipologia do erro judiciário
a) Erro na previsão
b) Erro na estatuição
8.3. Tipologia da violação da lei
9. RECURSOS, PROPRIAMENTE DITO
9.1. APELAÇÃO
9.2. REVISTA
9.3. AGRAVO
a) Agravo em 1ª instância
b) Agravo em 2ª instância
10. OBJECTO DOS RECURSOS ORDINÁRIOS
a) Constituição
b) Âmbito
c) Limites
11. DECISÃO
12. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
a) Enunciado
b) Apreciação
c) Recorribilidade da decisão
d) Legitimidade para recorrer

III. ACÇÃO EXECUTIVA


1.- NOÇÕES GERAIS SOBRE A ACÇÃO EXECUTIVA
1.1.- Noção de acção executiva
1.2.- Disposições aplicáveis à acção executiva
1.3.- Aplicação dos princípios fundamentais do processo civil à acção executiva
2.- PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
2.1.- Pressupostos processuais gerais
2.2.- Pressupostos processuais específicos da acção executiva
2.2.1.- Título executivo
a) Noção
b) Enumeração legal
c) Fundamentos da exequibilidade dos títulos executivos negociais;
d) Consequências aplicáveis quando se recorra à acção declarativa, havendo
título com manifesta força executiva
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2.2.2.- Exigibilidade, certeza e liquidez da obrigação exequenda


3.- TRAMITAÇÃO DA EXECUÇÃO COMUM PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
3.1.- Elenco das fases processuais
3.2.- Fase introdutória
3.2.1.- O requerimento inicial executivo. Entrega em juízo e distribuição;
3.2.2.- Casos de recusa de recebimento do requerimento;
3.2.3.- O despacho liminar. Proferimento ou dispensa;
3.2.4.- A citação do executado
3.3.- Oposição à execução
3.3.1.- Questões liminares
3.3.2.- Fundamentos da oposição à execução
3.3.3.- Tramitação processual da oposição à execução
3.3.4.- Efeitos da oposição à execução na marcha da acção executiva
3.4.- Fase da Penhora
3.4.1.- Conceito e natureza da penhora
3.4.2.- Objecto da penhora
a) A impenhorabilidade absoluta
b) A impenhorabilidade relativa
c) A impenhorabilidade parcial
d) A penhora de bens comuns do casal
e) A penhora de bens na execução movida contra o herdeiro
f) A penhorabilidade subsidiária
3.4.3.- Princípios estruturantes da penhora
3.4.4.- Disposições gerais relativas à penhora
a) Consulta prévia e diligências subsequentes a realizar pelo agente de
execução
b) Ordem de realização da penhora
c) Reforço e substituição do objecto da penhora
d) Bens onerados com garantia real
e) Relatório do agente de execução
3.4.5.- A penhora de imóveis
3.4.6.- A penhora de móveis
3.4.7.- A penhora de direitos
3.4.8.- Conversão do arresto em penhora
3.4.9.- O depositário judicial
a) A quem compete o exercício das funções
b) Deveres que impendem sobre o depositário judicial
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c) Remoção do depositário judicial


3.4.10.- Casos de levantamento da penhora
3.4.11.- Efeitos da penhora
3.5.- Oposição à penhora
3.5.1.- Oposição à penhora suscitada pelo executado
a) Fundamentos da oposição à penhora suscitada pelo executado
b) Tramitação da oposição à penhora suscitada pelo executado
c) Efeitos da oposição à penhora suscitada pelo executado na tramitação da
acção executiva
3.5.2.- Oposição à penhora suscitada por terceiro. Os embargos de terceiro
a) Fundamentos dos embargos de terceiro
b) Prazos dos embargos de terceiro
c) Tramitação dos embargos de terceiro
d) Efeitos dos embargos de terceiro na tramitação da acção executiva
3.6.- Citações e Concurso de credores
3.6.1.- O sistema de execução singular e o sistema de execução colectivo
3.6.5.- Reclamações de créditos
a) Requisitos da reclamação de créditos
b) O processo da reclamação de créditos
c) Efeitos da reclamação de créditos
d) Verificação de créditos
e) Graduação de créditos
3.7.- A venda e o pagamento
3.7.1.- A venda executiva
a) Modalidades da venda executiva
b) Regime normal da venda executiva
c) O exercício do direito de preferência no acto da venda
d) O direito de remição
e) A anulação da venda
3.7.2.- A adjudicação de bens
3.7.3.- A consignação de rendimentos
4.- A EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA E EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO
DE FACTO

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I. ACÇÃO DECLARATIVA

PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO PROCESSO CIVIL

ACESSO À JUSTIÇA

1. Direito à jurisdição
O art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que “toda a
pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e
publicamente julgada por um Tribunal independente e imparcial que decida dos
seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal
que contra ela seja deduzida”.

Este direito à justiça sem qualquer discriminação por motivos económicos é uma
consequência do Estado social de direito que se encontra consagrado no art. 2º
CRP. O acesso à justiça não é, aliás, o único direito fundamental assegurado ao
cidadão na área da protecção dos direitos: adequadamente, o art. 20º/1 CRP atribui,
a par da garantia de acesso aos Tribunais, uma garantia de acesso ao próprio
direito. Sem este “direito ao direito”, a garantia do acesso aos Tribunais poderia
tornar-se vazia e ilusória, dado que não importa criar as condições para aceder aos
Tribunais se, simultaneamente, não se possibilitar o conhecimento dos direitos que
se podem defender através desses órgãos. Nesta perspectiva, percebe-se que, nos
termos do art. 20º/2 CRP, a garantia do acesso ao direito envolva o direito à
informação e consultas jurídicas e, em caso de necessidade, ao patrocínio judiciário
e que o art. 6º DL 387-B/87, de 29/12, englobe o direito à consulta jurídica e ao
patrocínio judiciário num mais vasto direito à protecção jurídica.

2. Garantias do acesso à justiça


Quando considerada na perspectiva do acesso à justiça, qualquer reforma do
processo civil deve orientar-se para a eliminação dos obstáculos que impedem, ou,
pelo menos, dificultam, esse acesso. Cappellitti considera os seguintes obstáculos ao
acesso à justiça: o obstáculo económico, se os interessados não estiverem em
condições de aceder aos Tribunais por causa da sua pobreza; o obstáculo
organizatório, porque a tutela de certos interesses colectivos ou difusos impõe
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uma profunda transformação nas regras e institutos tradicionais do direito


processual; finalmente, o obstáculo propriamente processual, porque os tipos
tradicionais de processo são inadequados para algumas tarefas de tutela.

a) Obstáculo económico:
A garantia do acesso à justiça, para ser efectiva, pressupõe a não discriminação por
insuficiência de meios económicos (art. 20º/1 CRP). O art. 6º DL 387-B/87 garante,
no âmbito da protecção jurídica, o chamado apoio judiciário, o qual compreende a
dispensa, total ou parcial, ou o diferimento do pagamento dos serviços do
advogado ou solicitador (art. 15º/1 DL 387-B/87). Este apoio judiciário destina-se a
evitar que os custos relacionados com o processo seja utilizados pela parte
economicamente mais poderosa como um meio de pressão sobre a parte mais
fraca.

b) Obstáculo organizatório:
O art. 26º-A regula a legitimidade para as acções e procedimentos cautelares
destinados à tutela de interesses difusos, como os que se referem à saúde pública,
ao ambiente e qualidade de vida, ao património cultural, ao domínio público e ao
consumo de bens e serviços.

O art. 26º-A contém apenas uma norma remissiva para a lei regulamentadora da
acção popular, mas, ainda assim, apresenta a vantagem de integrar no âmbito do
processo civil a legitimidade popular, isto é, a legitimidade para a defesa dos
interesses difusos através da acção popular prevista no art. 52º/3 CRP. Esclareça-se,
a propósito, que, nos termos do art. 12º/2 Lei 83/95, a acção popular civil pode
revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil, pelo que essa
legitimidade abrange qualquer acção ou procedimento admissível na área
processual civil.

c) Obstáculo processual:
O processo declarativo segue uma tramitação, comum ou especial, fixada pela lei
(art. 460º/1 CPC). Abandonada qualquer correspondência entre o direito subjectivo
e a respectivaactio, são fundamentalmente motivos ligados à necessidade prática de
adaptar a tramitação processual a certas situações específicas que conduzem à
previsão de certos processos especiais. Mas, os processos especiais previstos na lei
só abrangem certas situações particulares, o que significa que a grande maioria das

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acções propostas em Tribunal é regulada para a tramitação comum (art. 460º/2


CPC).

Segundo o art. 265º-A CPC, quando a tramitação processual prevista na lei não se
adequar às especificidades da causa, o juiz deve, mesmo oficiosamente, determinar,
depois de ouvidas as partes, a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do
processo e definir as necessárias adaptações no seu procedimento. Deve entender-
se que a iniciativa da adaptação pode pertencer quer ao juiz, quer a qualquer das
partes. A adaptação pode consistir tanto na realização de actos que não sejam
previstos na tramitação legal e que se mostrem indispensáveis ao apuramento da
verdade e ao acerto da decisão, como na dispensa de actos que se revelem
manifestamente inidóneos para o fim do processo.

O art. 265º-A CPC, não o diz, mas é claro que a tramitação sucedânea tem de
respeitar estritamente a igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e, em particular, o
princípio do contraditório (art. 3º/2/3 1ª parte CPC). Mesmo que, como o art. 265º-A
CPC, o exige, a parte tenha sido previamente ouvida, ela não fica impedida de
invocar o desrespeito daqueles princípios na tramitação sucedânea. A prática ou a
omissão de um acto que implica a ofensa daqueles princípios traduz-se numa
nulidade processual (art. 201º/1 CPC), pois que são directamente violados os
preceitos que os consagram (arts. 3º/2/3 1ª parte e 3º-A CPC) e essa violação influi
certamente no exame ou decisão da causa.

Nas hipóteses de cumulação de vários objectos processuais numa mesma acção, o


problema da inadequação formal surge numa outra vertente: sempre que uma certa
situação da vida jurídica comporte aspectos a que, quando considerados
parcelarmente, correspondam processos comuns e especiais ou diferentes
processos especiais, coloca-se o problema de saber se essa diferença formal deve
impedir o seu tratamento unitário num mesmo processo. É evidente que é desejável
que motivos formais não impliquem um desmembramento de uma mesma situação
jurídica por vários processos.

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GARANTIAS DO PROCESSO JUSTO

3. Direito ao processo justo


Não basta assegurar a qualquer interessado o acesso à justiça: tão importante
como esse acesso é garantir que o processo a que se acede apresenta, quanto à sua
própria estrutura, garantias de justiça. Este direito ao processo justo encontra-se
expressamente consagrado no art. 10º Declaração Universal dos Direitos do
Homem, no art. 14º/1 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no art.
6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Todos estes preceitos atribuem o
direito a um julgamento equitativo, que, aliás, eles próprios concretizam nas
garantias de imparcialidade e de independência do Tribunal, de igualdade das
partes, de publicidade das audiências, do juiz legal ou natural e de proferimento da
decisão num prazo razoável.

Estes princípios são, todos eles, susceptíveis, de moldar o regime processual. Assim,
é indispensável garantir àquele que recorre aos Tribunais um julgamento por um
órgão imparcial, uma plena igualdade das partes, o direito ao contraditório, uma
duração razoável da acção, a publicidade do processo e a efectivação do direito à
prova.

4. Imparcialidade do Tribunal
A administração da justiça não é possível sem um Tribunal independente e
imparcial: a imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do
processo justo. As garantias de imparcialidade do Tribunal podem ser vistas, quer
como garantias do Tribunal perante terceiros, quer como garantias das partes
perante o Tribunal. Naquela primeira perspectiva, as garantias de imparcialidade
costumam classificar-se em materiais e pessoais: as garantias materiais respeitam à
liberdade do Tribunal perante instruções ou quaisquer intromissões de outro órgão
do estado (art. 206º CRP, art. 4º/1 EMJ – Estatuto dos Magistrados Judiciais, Lei n.º
21/85, de 30/7, alterada pelo DL n.º 342/88, de 28/9, e pelas Leis n.º 2/90, de 20/1, e
10/94, de 5/5); as garantias pessoais protegem o juiz em concreto: são elas a
irresponsabilidade (art. 5º EMJ) e a inamovibilidade (art. 6º EMJ).
Na perspectiva das partes, as garantias de imparcialidade referem-se à
independência do juiz e à sua neutralidade perante o objecto em causa.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Constitui ainda uma garantia das partes a chamada independência interna do juiz.
Refere-se esta às influências a que o juiz está sujeito pela sua origem, educação ou
processo de socialização. É este aspecto da independência interna que justifica a
proibição da prática de actividade político-partidárias de carácter público e de
ocupação de cargos políticos pelos magistrados judiciais em exercício de funções
(art. 11º EMJ), bem como a proibição do desempenho pelos mesmos de qualquer
outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação
jurídica, desde que não remuneradas (art. 218º/3 CRP, art. 13º EMJ).

5. Igualdade das partes


Ambas as partes devem possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres, isto é,
cada uma delas deve situar-se numa posição de plena igualdade perante a outra e
ambas devem ser iguais perante o Tribunal. Esta igualdade das partes, que deve ser
assumida como uma concretização do princípio da igualdade consagrado no art.
13º CRP, é agora um princípio processual com expressão legal no art. 3º-A CPC, este
preceito estabelece que o Tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um
estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de
faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou de
sanções processuais.

Um primeiro problema suscitado pelo art. 3º-A e pela referida igualdade substancial
entre as partes é o de nem sempre é viável assegurar essa igualdade. Em certos
casos, não é possível ultrapassar certas diferenças substanciais na posição
processual das partes; noutras hipóteses, não é possível afastar certas igualdades
formais impostas pela lei.

Devem ser respeitadas todas as situações de igualdade formal entre as partes


determinadas pela lei processual. Há que observar alguns preceitos que visam
directamente a igualdade formal entre as partes (arts. 42º/2 e 512º-A/1 CPC).
Portanto, também neste campo não existe qualquer possibilidade de assegurar uma
igualdade substancial entre as partes.
O art. 3º-A tem como destinatário o Tribunal, pois que é a este órgão que o preceito
atribui a função de garantir a igualdade substancial das partes. Mas esta função
pode ser entendida de duas formas bastantes distintas: se essa função for concebida
com um conteúdo positivo, aquele preceito impõe ao Tribunal o dever de promover
a igualdade entre as partes e de, eventualmente, auxiliar a parte necessitada; se,

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pelo contrário, essa função for entendida com um conteúdo negativo, só se proíbe
que o Tribunal promova a desigualdade entre as partes.

O direito português concede ao Tribunal certos poderes instrutórios (arts. 535º/1,


612º/1 e 653º/1 CPC) e inquisitórios: quanto estes últimos, resulta do disposto nos
arts. 264º/2 e 265º/3 CPC, que o Tribunal pode investigar e considerar os factos
instrumentais relevantes para a decisão da causa. Mas o uso
destes poderes instrutórios e inquisitórios é orientado, não pela necessidade de
obter a igualdade entre as partes, mas pela de procurar proferir uma decisão de
acordo com a realidade das coisas.

A expressão do princípio da igualdade deve ser procurada fora


daqueles poderes instrutórios ou inquisitórios, o que de modo algum exclui um
amplo campo de aplicação desse princípio. Esta aplicação verifica-se tanto no
referido conteúdo positivo, que impõe ao Tribunal um dever de constituir a
igualdade entre as partes, como no conteúdo negativo, que o proíbe de originar,
pela sua conduta, uma desigualdade entre as partes.

A referência à igualdade substancial que consta no art. 3º-A não pode postergar os
vários regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades
substanciais ou que se bastam com igualdades formais. Quer supressão dos factores
de igualdade formal, mas através de um auxílio suplementar a favor da parte
carenciada do auxílio. Essa igualdade substancial não é obtida através de
um minus imposto a uma das partes, mas de um maius concedido à parte
necessitada.

O princípio da igualdade substancial não choca com o princípio da imparcialidade


do Tribunal. Esta imparcialidade traduz-se numa independência perante as partes,
mas, no contexto do princípio da igualdade, imparcialidade não é sinónimo de
neutralidade: a imparcialidade impõe que o juiz auxilie do mesmo modo qualquer
das partes necessitadas ou, dito de outra forma, implica, verificadas as mesmas
condições, o mesmo auxílio a qualquer delas; a neutralidade determina a
passividade do juiz perante a desigualdade das partes. Portanto, o juiz tem de ser
neutro perante as situações de desigualdade que existam ou que se possam criar
entre as partes, mas deve ser imparcial perante elas, dado que, quando tal se
justifique, deve auxiliar qualquer delas.

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O conteúdo negativo do princípio da igualdade substancial destina-se a impedir


que o juiz crie situações de desigualdade substancial entre as partes. Assim, por
exemplo, esse princípio obsta a que o Tribunal fixe, para cada uma das partes,
prazos diferentes para o exercício da mesma faculdade ou o cumprimento do
mesmo ónus.

Quanto às decisões sobre o mérito da causa, elas são determinadas pelos critérios
resultantes da lei ou que por ela seja permitidos, como a equidade (art. 4º CC) e a
discricionariedade própria dos processos de jurisdição voluntária (art. 1410º CPC).
Assim, o Tribunal só pode introduzir na sua decisão as correcções que a lei permita
ou que resultem de qualquer daqueles critérios formais de decisão.

6. Garantia do contraditório
O direito do contraditório – que é, em si mesmo, uma decorrência do princípio da
igualdade das partes estabelecido no art. 3º-A – possui um conteúdo multifacetado:
ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ele foi proposta
uma acção ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de
ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas
assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja um direito de
resposta.

a) Direito à audição prévia:


O direito à audição prévia encontra-se consagrado no art. 3º/1 (o Tribunal não pode
resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja
pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir
oposição) CPC in fine, embora possa sofrer as excepções genericamente previstas
no art. 3º/2 (só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências
contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida) CPC: assim, num
procedimento cautelar comum, o Tribunal só ouvirá o requerido se a audiência não
puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (art. 385º/1 CPC); a
restituição provisória da posse e o arresto são decretados sem a audiência da parte
requerida (arts. 394º e 408º/1 CPC). É ainda o direito à audição prévia que justifica
todos os cuidados de que há que revestir a citação do réu e a tipificação dos casos
em que se considera que ela falta (art. 195º CPC) ou é nula (art. 198º/1 CPC) e que
está subjacente à possibilidade de interposição do recurso extraordinário de revisão
contra uma sentença proferida num processo em que tenha faltado a citação ou

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esta seja nula (art. 771º-f CPC) e de oposição e anulação da execução com base nos
mesmos vícios (arts. 813º-d e 921º CPC).

b) Direito de resposta:
O contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser
efectivado se a parte não tiver conhecimento da conduta processual da contraparte.
Quanto a este aspecto, vale a regra de que cumpre à secretaria notificar
oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, elas possam
responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum
direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz, nem de prévia citação
(art. 229º/2 CPC). Concretizações desta regra constam dos arts. 146º/5, 174º/1,
234º/1, 542º e 670º/1 CPC.

O direito de resposta consiste na faculdade, concedida a qualquer das partes, de


responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação ou acto
probatório) da contraparte. Este direito tem expressão legal, por exemplo, no
princípio da audiência contraditória das provas constante do art. 517º CPC.
O art. 3º/3 1ª parte CPC, impõe ao juiz, de modo programático, o dever de observar
e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório.
Significativa é também, quanto a este aspecto, a supressão dos processos sumários
e sumaríssimos como processos cominatórios plenos (arts. 784º e 794º/1 CPC):
neste caso, não é o contraditório que se garante, mas as consequências do seu
exercício que se atenuam.

A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades


processuais constante do art. 201º/1 (fora dos casos previstos nos artigos anteriores,
a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de
uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare
ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da
causa) CPC: dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua
inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa.
Uma concretização desta regra encontra-se no art. 277º/3 (são nulos os actos
praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou
extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em
relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que
faleceu ou se extinguiu) CPC.

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7. Duração razoável do processo


A lentidão processual encontra causa endógenas e exógenas. Como causas
endógenas podem ser referidas as seguintes: a excessiva passividade – se não legal,
pelo menos real – do juiz da acção; a orientação da actividade das partes, não pelos
fins da tutela processual, mas por razões frequentemente dilatórias; alguns
obstáculos técnicos, como os crónicos atrasos na citação do réu e a demora no
proferimento do despacho saneador devida às dificuldades inerentes à elaboração
da especificação e do questionário. Outras causas da morosidade processual são
exteriores ao próprio processo: falta de resposta dos Tribunais ao crescimento
exponencial da litigiosidade, dada a exiguidade dos meios disponíveis; maior
complexidade do direito material e crescente uso nele de conceitos indeterminados
e de cláusulas gerais, cuja concretização, deficiência na preparação técnica dos
profissionais forenses.

Uma consequência da morosidade da justiça é o recurso cada vez mais frequente às


providências cautelares como forma de solucionar os litígios, especialmente quando
elas podem antecipar a tutela definitiva ou mesmo vir a dispensá-la.

São várias as soluções habitualmente seguidas (ou tentadas) para obviar à


morosidade processual. Salientam-se, entre ela, as seguintes soluções: o
estabelecimento entre as fasesdo processo, ou mesmo no seu interior, de regras de
preclusão, que obstam a que um acto omitido possa vir a ser realizado fora do seu
momento legalmente fixado; o reforço do controlo do juiz sobre o processo; a
concentração do processo numa audiência na qual a causa possa ser discutida e,
eventualmente, decidida.

O art. 2º/1 CPC, atribui à parte o direito de obter, num prazo razoável, a decisão da
causa, o que significa que o Estado tem do dever de disponibilizar os meios
necessários para assegurar a celeridade na administração da justiça. Assim, a
concessão deste direito à celeridade processual possui, para além de qualquer
âmbito programático, um sentido preceptivo bem determinado, pelo que a parte
prejudicada com a falta de decisão da causa num prazo razoável por motivos
relacionados com os serviços da administração da justiça tem direito a ser
indemnizada pelo Estado de todos os prejuízos sofridos. Esta responsabilidade do
Estado é objectiva, ou seja, é independente de qualquer negligência ou dolo do juiz
da causa ou dos funcionários judiciais.
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Para obter a indemnização dos prejuízos causados pelo atraso no proferimento da


decisão tem sido utilizada, com alguma frequência, a petição dirigida à Convenção
Europeia dos Direitos do Homem (art. 25º/1), para que esta solicite a apreciação da
violação pelo Estado português da garantia da decisão do processo num prazo
razoável pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (arts. 44º e 48º/1
Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e, se for caso, a atribuição ao lesado
de uma reparação adequada (art. 50º Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

8. Publicidade do processo
O Processo Civil é – diz enfaticamente o art. 167º/1 CPC – público. A publicidade do
processo tornou-se possível com a introdução da oralidade e contínua a possuir a
justificação tradicional: ela é um meio para combater o arbítrio e assegurar a
verdade e a justiça das decisões judiciais. A essa publicidade estão subjacentes os
princípios fundamentais do Estado de direito, nomeadamente a possibilidade de um
controlo popular dos órgãos que – como sucede com os Tribunais –
exercem poderes de soberania (art. 110º/1 CRP). É nesta perspectiva que se deve
entender a garantia da publicidade das audiências dos Tribunais, que se encontra
consagrada no art. 206º CRP e no art. 656º/1 CPC, bem como a garantia do acesso
aos autos por todos os interessados estabelecida no art. 167º/2 CPC.

A publicidade das audiências dos Tribunais constitui uma importante garantia numa
dupla dimensão: em relação às partes, ela assegura a possibilidade de um controlo
popular sobre as decisões que as afectam directamente; relativamente à opinião
pública, essa publicidade permite combater a desconfiança na administração da
justiça.

A publicidade das audiências é, no entanto, excluída quando circunstâncias


ponderosas o aconselham. Esses motivos encontram-se constitucionalmente
tipificados (art. 206º CRP) e são repetidos no respectivo preceito da lei ordinária (art.
656º/1 CPC): são eles a salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública e
a garantia do normal funcionamento da audiência (art. 9º lei 3/99).

A publicidade do processo implica o direito, reconhecido a qualquer pessoa capaz


de exercer o mandato judicial ou a quem nisso revele um interesse atendível, de
exame e consulta dos autos na secretaria do Tribunal e de obtenção de cópias ou
certidões de quaisquer peças nele incorporadas pelas partes (art. 167º/2 CPC). Este
Octávio Manuel Gomes Alberto
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acesso aos autos é, porém, limitado nos casos em que a divulgação do seu
conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada
ou familiar ou à moral pública ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir (art.
168º/1 CPC).

9. Direito à prova
A prova é a actividade destinada à formação da convicção do Tribunal sobre a
realidade dos factos controvertidos (art. 341º CC), isto é, dos factos que constituem
a chamada base instrutória (art. 508º-A/1-e, 508º-B/2, e 511º/1 CPC). Essa actividade
incumbe à parte onerada (art. 342º CC), que não obstará uma decisão favorável se
não satisfazer esse ónus (art. 516º; art. 346º CC).

Para cumprir o ónus da prova, a parte tem de utilizar um dos meios de prova legal
ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das partes (art. 345º
CC). Dada a importância do cumprimento do ónus para a contraparte e para
terceiros, costuma falar-se de um direito à prova. Este direito é habitualmente
deduzido, para a generalidade dos processos jurisdicionais, do disposto no art. 6º/3-
d Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que garante ao acusado o direito de
interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o
interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições daquelas.

O direito à prova contém limites impostos pela protecção de direitos de terceiros:


aquele direito cede perante direitos de terceiros que mereçam do ordenamento
jurídico uma tutela mais forte. Em geral, os limites do direito à prova
consubstanciam-se nas chamadas provas proibidas, que podem ser tanto provas
que são materialmente lícitas mas processualmente proibidas, como provas que são
materialmente e processualmente proibidas.

Algumas provas são materialmente lícitas, mas, apesar disso, não são
processualmente admissíveis. Estas provas podem conduzir a uma proibição de
produção ou de valoração. Noutros casos, a prova pode ser produzida num
processo, mas não pode ser valorada numa outra acção. Outras provas são
materialmente proibidas e, portanto, ilícitas. São exemplo de provas ilícitas todas
aquelas que são obtidas através dos métodos previstos no art. 32º/8 CRP ou no art.
519º/3 CPC.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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As provas ilícitas são, em regra, insusceptíveis de ser valoradas pelo Tribunal, isto é,
não podem servir de fundamento a qualquer decisão judicial. Mas, quanto ao real
âmbito destas provas insusceptíveis de valoração, parece haver que distinguir entre
aqueles meios de prova cuja produção é, ela própria, um acto ilícito (é o caso das
provas previstas no art. 32º/8 CRP e no art. 519º/3 CPC) e aquelas provas cuja
produção não representa, em si mesma, qualquer ilicitude.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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NOVO MODELO PROCESSUAL

10. Premissas gerais


As características do processo liberal, dominado pela passividade judicial, são
essencialmente as seguintes; às partes é concedido o controlo sobre o processo e os
factos relevantes para resolução do litígio e é minimizado o contributo do juiz e de
terceiros para essa resolução; a decisão requer apenas uma legitimação dependente
da observância das regras e dos pressupostos processuais. Em contrapartida, são as
seguintes as linhas essências do processo submetido ao activismo judiciário: as
partes repartem com o Tribunal o domínio sobre o processo e ela próprias
são consideradas uma fonte de informações relevantes para a decisão da causa; as
partes e terceiros estão obrigados a um dever de cooperação com o Tribunal; a
legitimação da decisão depende da sua adequação substancial e não apenas da sua
correcção formal; as regras processuais podem ser afastadas ou adaptadas quando
não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio.

O processo é poder. Nas sociedades modernas, submetidas ao poder político do


Estado e organizadas em torno deste, o poder jurisdicional dos juízes é expressão
de posição que o sistema jurídico lhes concede para a resolução dos conflitos de
interesses públicos e privados (art. 202º/2 CRP). Isto reconduz a análise para o
problema da legitimação do processo jurisdicional, ou seja, para a adequação da
instituição processual para realizar os fins que o Estado e a sociedade lhe atribuem.

Os processos jurisdicionais de natureza declarativa destinam-se a obter o


proferimento de uma decisão pelo Tribunal. A correcção desta decisão depende da
sua coerência com as premissas de facto e de direito que foram adquiridas durante
o processo e da própria não contradição entre essas premissas: se essa decisão for
correcta, será possível encontrar na sua fundamentação naquelas premissas ou, pelo
menos, reconstitui-las a partir dela. A esta coerência da decisão com as sua
premissas pode chamar-se legitimação interna.

Esta legitimação assegura a coerência da decisão com as suas premissas, mas nada
garante quanto à verdade ou aceitabilidade dessas premissas e, portanto, daquela
decisão: do facto de esta ser coerente com as suas premissas não se segue que ela
corresponda à realidade das coisas, pois que, para tal, é necessário que estas
premissas estejam, elas próprias, de acordo com tal realidade. A esta
Octávio Manuel Gomes Alberto
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correspondência da decisão com a realidade extra-processual pode chamar-


se legitimação externa.

O Estado social de direito que se encontra plasmado no art. 2º CRP pressupõe uma
democracia económica, social e cultural. O processo jurisdicional não pode deixar de
reflectir essas preocupações sociais e de ser impregnado por uma concepção social:
a solução dos conflitos não é uma matéria de mero interesse dos litigantes e estes
não devem ser tratados como titulares abstractos da situação litigiosa, mas antes
como indivíduos concretos com necessidades a que o direito e o processo devem
dar resposta.

O Estado social de direito representa um compromisso entre a esfera do Estado e a


da sociedade, dos grupos e dos indivíduos. Também este compromisso se reflecte
em vários aspectos dos modernos processos jurisdicionais.

11. Cooperação inter-subjectiva


O art. 266º/1 CPC, dispõe que, na condução e intervenção no processo, os
magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes devem cooperar entre si,
concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
Este importante princípio da cooperação destina-se a transformar o processo civil
numa “comunidade de trabalho” e a responsabilizar as partes e o Tribunal pelos
seus resultados. Este dever de cooperação dirige-se quer às partes, quer ao Tribunal,
pelo que importa algumas consequências quanto à posição processual das partes
perante o Tribunal, deste órgão perante aquelas e entre todos os sujeitos
processuais em comum.

a) Posição das partes:


Dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância da boa fé
(art. 266º-A – As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação
resultantes do preceituado no artigo anterior – CPC). A infracção do dever
do honeste procedere pode resultar de má-fé subjectiva, se ela é aferida pelo
conhecimento ou não ignorância da parte, ou objectiva, se resulta da violação dos
padrões de comportamento exigíveis. Segundo o art. 456º/2 CPC proémio, essa má-
fé pressupõe quer o dolo, quer tão-só a negligência grave.

Qualquer das referidas modalidades da má-fé processual pode ser substancial ou


instrumental: é substancial, se a parte infringir o dever de não formular pretensão
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ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (art. 456º/2-a CPC), alterar
a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa (art.
456º/2-b CPC), isto é, violar o dever de verdade; é instrumental, se a parte tiver
omitido, com gravidade, o dever de cooperação (art. 456º/2-c CPC) ou tiver feito do
processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim
de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a
acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da
decisão (art. 456º/2-d e art. 720º CPC).

A má-fé processual obriga a parte ao pagamento de uma multa e, se a parte


contrária o pedir, de uma indemnização (art. 456º/1 CPC). Esta indemnização pode
consistir, segundo a opção do juiz (art. 457º/1-b 2ª parte CPC), no reembolso das
despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os
honorários dos mandatários ou técnicos (art. 457º/1-a CPC), ou no reembolso
dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária
como consequência directa ou indirecta da má-fé (art. 457º/1-b CPC).

O dever de cooperação das partes estende-se igualmente à importante área da


prova. O art. 519º/1 CPC, estabelece, na sequência do direito do Tribunal à
coadjuvação de outras entidades (art. 206º/3 CRP), que todas as pessoas, sejam ou
não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da
verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções
necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem
determinados. Este dever de colaboração é independente da repartição do ónus da
prova (arts. 342º a 345º CC), isto é, vincula mesmo a parte que não está onerada
com a prova.

A recusa da colaboração devida pela parte implica uma de duas consequências: se a


parte recusar a sua própria colaboração, o Tribunal aprecia livremente, para efeitos
probatórios, o valor desse comportamento (art. 519º/2 1ª parte CPC); se a violação
de dever de colaboração resultar da circunstância de a parte ter
culposamente tornado impossível a prova à contraparte onerada, o ónus da prova
(art. 519º/2 in fine CPC; art. 344º/2 CC). Como o dever de colaboração pode recair
sobre a parte que não está onerada com a prova do facto, esta inversão do ónus da
prova pode implicar, com base na regra do non liquet (art. 516º CPC; art. 346º CC), o
proferimento de uma decisão de mérito contra a parte à qual não cabia inicialmente
a demonstração do facto.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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O dever de cooperação da parte também encontra expressão na acção executiva: se


o exequente tiver dificuldade em identificar ou localizar os bens penhoráveis do
executado, o Tribunal pode determinar que este preste todas as informações
indispensáveis à realização da penhora, sob a comunicação de ser considerado
litigante de má-fé (art. 837º-A/2 CPC).

b) Posição das partes


Existe um dever de cooperação das partes com o Tribunal, mas também há um
idêntico dever de colaboração deste órgão com aquelas. Este dever desdobra-se,
para esse órgão, em quatro deveres essenciais:
1) Um é o dever de esclarecimento, isto é, o dever de o Tribunal se esclarecer
junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações,
pedidos ou posições em juízo (art. 266º/2 CPC), de molde a evitar que a
sua decisão tenha por base a falta de informação e não a verdade apurada;

2) Um outro é o dever de prevenção, ou seja, o dever de o Tribunal prevenir as


partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou
pedidos (art. 508º/1-b, 508º-A/1-c, 690º/4 e 701º/1 CPC);

3) O Tribunal tem também o dever de consultar as partes, sempre que


pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não
tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (art. 3º/3 CPC), porque, por
exemplo, o Tribunal enquadra juridicamente a situação de forma diferente
daquela que é a perspectiva das partes ou porque esse órgão pretende
conhecer oficiosamente certo facto relevante para a decisão da causa;
4) Finalmente, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção das
dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou
no cumprimento de ónus ou deveres processuais (art. 266º/4 CPC).

O dever de esclarecimento implica um dever recíproco do Tribunal perante as


partes e destas perante aquele órgão: o Tribunal tem o dever de se esclarecer junto
das partes e estas têm o dever de o esclarecer (art. 266º-A CPC).

Encontra-se consagrado, quanto ao primeiro aspecto, no art. 266º/2 CPC: o juiz


pode, em qualquer altura do processo, ouvir qualquer das partes, seus
representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os
Octávio Manuel Gomes Alberto
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esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes


e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. O segundo
dos referidos aspectos (dever de esclarecimento do Tribunal pelas partes) está
previsto no art. 266º/3 CPC: as pessoas às quais o juiz solicita o esclarecimento são
obrigadas a comparecer e a prestar os esclarecimentos que lhe forem pedidos, salvo
se tiverem uma causa legítima para recusar a colaboração requerida. Deve
considerar-se legítima a recusa baseada em qualquer das circunstâncias referidas no
art. 519º/3 CPC.

O dever de prevenção, é um dever do Tribunal perante as partes com uma


finalidade assistencial, pelo que não implica qualquer dever recíproco das partes
perante o Tribunal. O dever de prevenção tem uma consagração no convite ao
aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados (arts. 508º/1-b, e 508º-A/1-c
CPC) ou das conclusões das suas alegações de recurso (arts. 690º/4, e 701º/1 CPC).
Aquele primeiro convite deve ser promovido pelo Tribunal sempre que o articulado
enferme de irregularidades (art. 508º/2 CPC) ou mostre insuficiências ou imprecisões
na matéria de facto alegada (art. 508º/3 CPC).

Mas o dever de prevenção têm um âmbito mais amplo: ele vale genericamente para
todas as situações em que o êxito da acção a favor de qualquer das partes possa ser
frustrado pelo uso inadequado do processo. São quatro as áreas fundamentais em
que a chamada de atenção decorrente do dever de prevenção se justifica: a
explicitação de pedidos pouco claros, o carácter lacunar da exposição dos factos
relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a
sugestão de uma certa actuação.

O dever de consulta, é um dever de carácter assistencial do Tribunal perante as


partes. Este dever encontra-se estabelecido no art. 3º/3 CPC: salvo no caso de
manifesta desnecessidade, o Tribunal não pode decidir uma questão de direito ou
de facto, mesmo que seja de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido
a possibilidade de se pronunciarem sobre ela. O escopo deste preceito é evitar as
chamadas “decisões surpresa”, isto é, as decisões proferidas sobre matéria de
conhecimento oficioso sem a sua prévia discussão pelas partes.

O dever de auxílio, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na supressão das


eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou
o cumprimento de ónus ou deveres processuais.
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O princípio da cooperação determina, a imposição ao Tribunal, além de um dever


de auxílio, dos deveres de esclarecimento, de prevenção e de consulta. Coloca-se
então a questão de saber quais as consequências que resultam da omissão pelo
Tribunal de qualquer destes deveres. O problema é particularmente complexo,
porque a previsão destes deveres nem sempre é uma situação completamente
definida por lei, antes faz apelo, em muitos casos, a uma ponderação do Tribunal.

Alguns desses deveres de cooperação assentam numa previsão “fechada”, que não
deixa ao Tribunal qualquer margem de apreciação quanto à sua verificação; outros,
pelo contrário, decorrem de uma previsão “aberta”, que necessita de ser preenchida
pelo Tribunal de acordo com a sua ponderação. Esta distinção é importante quanto
aos efeitos do não cumprimento dos referidos deveres. Se o dever for estabelecido
por uma revisão “fechada” – isto é, se a situação em que ele tem de ser observado
não deixar ao Tribunal qualquer margem de apreciação –, a sua omissão constitui
uma nulidade processual, se, como em regra sucederá, essa
irregularidade puder influir ou exame ou decisão da causa (art. 201º/1 CPC).
A violação do dever de cooperação pela parte constitui, quando seja grave, uma das
situações que a lei tipifica com má-fé processual (art. 456º/2-c CPC). Aquela
gravidade da omissão do dever de cooperação pressupõe o dolo ou a negligência
grave da parte (art. 456º/2 proémio CPC).

12. Objecto do processo


O processo civil é regido, quanto à relevância da vontade das partes, pelo princípio
dispositivo e da disponibilidade privada: aquele primeiro assegura a autonomia das
partes na definição dos fins que elas procuram obter através da acção pendente;
este último determina o domínio das partes sobre os factos a alegar e os meios de
prova a utilizar para conseguir aqueles objectivos. Pode dizer-se que o princípio
dispositivo representa a autonomia na definição dos fins prosseguidos no processo
e que o princípio da disponibilidade objectiva assegura o domínio das partes sobre
os meios de os alcançar.

O âmbito dos poderes do Tribunal e das partes relativamente à matéria de facto


relevante para a apreciação da causa constitui um dos aspectos essenciais de
qualquer regime processual.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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a) Factos relevantes:
Como resulta do estabelecido no art. 264º CPC, a solução legal baseia-se numa
distinção, talvez demasiado esquemática, entre factos essenciais, instrumentais e
complementares ou concretizadores:
 Os factos essenciais: são aqueles que integram a causa de pedir ou o
fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou
da excepção;
 Os factos instrumentais, probatórios ou acessórios: são aqueles que
indicam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova
indiciária destes últimos;
 Os factos complementares ou concretizadores: são aqueles cuja falta não
constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção complexa e que,
por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção.

A cada um destes factos corresponde uma função distinta:


 Os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito invocado
pelo autor ou da excepção deduzida pelo réu: sem eles não se encontra
individualizado esse direito ou excepção, pelo qual a falta da sua alegação
pelo autor determina a ineptidão inicial por inexistência de causa a pedir (art.
193º/2-a CPC);

 Os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos


essenciais de que são complemento, a procedência da acção ou da excepção:
sem eles a acção era julgada improcedente;

 Os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função probatória


dos factos essenciais ou complementares.

Importa acentuar que esta classificação não assenta num critério absoluto, mas
relativo: um mesmo facto pode ser essencial em relação a um certo objecto e
complementar ou instrumental perante outro objecto; por seu turno, um facto é
sempre complementar ou instrumental em relação a um certo facto essencial.

· Factos principais:
A procedência da acção ou da execução pressupõe certos factos: os factos
necessários a essa procedência podem ser designados por factos principais. Estes
Octávio Manuel Gomes Alberto
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factos englobam, na terminologia do art. 264º CPC, os factos essenciais e os factos


complementares, cuja distinção se traça do seguinte modo: os factos essenciais são
aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na
excepção; os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à
procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o núcleo essencial da
situação jurídica alegada pela parte.

Os factos essenciais são necessários à identificação da situação jurídica invocada


pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da acção ou da excepção.

· Factos instrumentais:
São utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principiais, isto é, esses
factos são aqueles de cuja a prova se pode inferir a demonstração dos
correspondentes factos principais. Portanto, o âmbito de aplicação dos factos
instrumentais coincide com a prova indiciária, pelo que esses factos não possuem
qualquer relevância na prova histórica ou representativa.

As presunções judiciais são aquelas em que a inferência do facto presumido assenta


em regras de experiência, isto é, são aquelas em que o Tribunal deduz, com base
nessas regras, o facto presumido. Podem ser qualificados como factos instrumentais
aqueles que constituem a base das presunções judiciais, ou seja, aqueles que
permitem inferir, através de regras de experiência, o facto principal constante da
base instrutória (arts. 508º-A/1-e, e 508º-B/2 CPC).

b) Disponibilidade e oficiosidade:
 Factos principais:
Assente a distinção entre factos essenciais, complementares e instrumentais, o
regime legal é o seguinte:
· Incumbe às partes alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir
ou que fundamentam a excepção (art. 264º/1 CPC);
· O Tribunal pode considerar os factos complementares que resultem da
instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste
vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado,
quanto a eles, o exercício do contraditório (art. 264º/3 CPC);
· O Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais
que resultem da instrução e julgamento da causa (art. 264º/2 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

Deste enunciado resulta claramente que a disponibilidade objectiva vale quanto aos
factos essenciais e aos factos complementares, pois que o Tribunal não os pode
considerar, quanto àqueles primeiros, se eles não forem alegados pelas partes e,
quanto a estes últimos, se a parte interessada não manifestar vontade de se
aproveitar deles. Portanto, os factos principais estão sujeitos à disponibilidade das
partes.

 Factos instrumentais:
Há que reconhecer que não é totalmente claro o âmbito dos poderes que são
conhecidos ao Tribunal pelo art. 264º/2 CPC. É certo que este preceito estipula que
o Tribunal pode considerar oficiosamente os factos instrumentais; mas isto pode
significar que, se os factos surgirem na instrução e discussão da causa, o Tribunal
pode considerá-los na sua decisão ainda que nenhuma das partes o requeira, como
querer dizer que o Tribunal pode promover, por iniciativa própria, a investigação
desses factos durante a instrução e discussão da causa.

A favor do reconhecimento de poderes inquisitórios do Tribunal sobre os factos


instrumentais pode invocar-se, antes de mais, a comparação entre os ns.º 2 e 3 do
art. 264º CPC: neste último concede-se ao Tribunal o poder de considerar os factos
complementares, mas sujeita-se esse poder à condição de a parte interessada
desejar o seu aproveitamento na acção pendente; naquele primeiro, atribui-se ao
Tribunal o poder de considerar os factos instrumentais e não se submete o uso
desse poder a qualquer condição. É, no entanto, na conjugação entre os arts. 264º/2
e 265º/3 CPC, que se encontra o apoio mais firme para entender que o Tribunal
possui poderes inquisitórios sobre os factos instrumentais.

Os factos sobre os quais o Tribunal pode exercer estes poderes inquisitórios com a
finalidade de apurar a verdade ou de obter a justa composição do litígio são
precisamente os factos instrumentais.

 Factos instrutórios:
O art. 265º/3 CPC, dispõe que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo
oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa
composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Os factos
sobre os quais o Tribunal possui poderes instrutórios são não só os factos
instrumentais alegados pelas partes ou investigados pelo Tribunal, como os factos
principais alegados pelas partes.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Da conjugação entre os poderes inquisitórios atribuídos pelo art. 264º/2 CPC, e os


poderes instrutórios estabelecidos no art. 265º/3 CPC, resulta o seguinte regime
legal: os poderesinquisitórios respeitam exclusivamente aos factos instrumentais
(art. 264º/2 CPC); os poderes de instrução referem-se tanto aos factos principais,
como aos factos instrumentais, o Tribunal pode não só investigá-los, com ordenar
quanto a eles as actividades instrutórias que sejam da sua iniciativa; pelo contrário,
quanto aos factos principais, o Tribunal não possuipoderes inquisitórios, pelo que,
relativamente a eles, só pode ordenar as actividades oficiosas de instrução
legalmente permitidas.

c) Ónus de alegação:
Segundo o estabelecido no art. 264º/1 CPC, cabe às partes alegar os factos que
integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções: estes factos
devem ser alegados nos articulados das partes (arts. 467º/1-c, 489º/1, 502º/1,
503º/1, 785º, 793º e 794º/1 CPC). Todavia, o art. 264º/1 CPC, não abarca a
totalidade do ónus de alegações que deve ser cumprido nos articulados. Este ónus
não se restringe à indicação da causa de pedir ou do fundamento da excepção, ou
seja, aos factos essenciais: ele recai sobre todos os factos necessários à procedência
da acção ou da excepção, ou seja, sobre os factos principais. Portanto, o art. 264º/1
CPC, refere-se apenas a uma fracção do ónus de alegação que as partes devem
cumprir nos seus articulados.

Ao contrário dos factos principais – que são submetidos ao ónus de alegação nos
articulados –, os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função
probatória e, por essa razão, não estão sujeitos a esse ónus.

Os factos instrumentais não estão submetidos a qualquer ónus de alegação nos


articulados. Aliás, como a alegação dos factos instrumentais é uma actividade
instrutória, esses factos, mesmo que sejam invocados nos articulados, podem
sempre ser alterados enquanto for possível requerer os meios de prova (arts. 508º-
A/2-a, 512º/1 e 787º CPC) ou alterar ou aditar o rol de testemunhas (arts. 512º-A/1
e 787º CPC). Portanto, mesmo que a parte invoque um facto instrumental no seu
articulado, ela não está impedida de usar qualquer outro facto na demonstração do
respectivo facto principal.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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 Preclusão:
A distinção entre factos essenciais, complementares e instrumentais é relevante
quanto a vários aspectos do tratamento da matéria de facto em processo. É o que
sucede quanto ao regime da sua preclusão: o art. 264º/2 CPC, mostra que podem
ser considerados factos instrumentais não alegados e, quanto aos factos
complementares, é nítido que não existe em relação a eles qualquer preclusão
quando não sejam alegados nos articulados, precisamente porque o art. 264º/3
CPC, permite a sua consideração quando eles só sejam adquiridos durante a
instrução e discussão da causa.

Os factos essenciais devem ser invocados nos articulados (art. 264º/1 CPC), mas
importa referir que a sua omissão não implica necessariamente a preclusão da sua
alegação posterior.

Mais discutível é saber se a alegação de um facto essencial depois dos articulados é


possível mesmo que a parte tenha agido de má-fé, ou seja, ainda que a omissão da
invocação desse facto tenha resultado de negligência grave ou dolo da parte (art.
456º/2-b CPC). Parece impor-se uma resposta negativa da questão, dado o disposto
no lugar paralelo da alegação dos factos supervenientes.

Com efeito, se esses factos podem ser considerados se a sua alegação não
atempada não for culposa (art. 506º/4 CPC), isto é, se, quanto a esses factos, só se
admite uma invocação extemporânea desde que ela não seja culposa, o mesmo há
que concluir, por maioria de razão, quanto aos factos essenciais. Assim, a alegação
destes factos fora dos articulados só deve ser aceite quando a parte não tenha
agido com negligência grave ou dolo.

Portanto, a má-fé da parte na omissão do facto essencial nos seus articulados tem
como consequência, além da sua condenação no pagamento de uma multa e de
uma indemnização à contraparte (art. 456º/1 CPC), a inadmissibilidade da sua
alegação posterior do facto. Neste caso, verifica-se uma preclusão decorrente da
má-fé processual.

O art. 264º/3 CPC, demonstra que os factos complementares podem ser adquiridos
durante a instrução e discussão da causa, pelo que a omissão da alegação desses
factos nos articulados não implica qualquer preclusão. Importa acentuar, no
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 28 de 204
Direito Processual Civil

entanto, que o art. 264º/3 CPC, não concede qualquer opção quanto ao momento
da alegação desses factos, mas apenas a oportunidade de sanar uma insuficiência
na alegação da matéria de facto que só foi detectada na instrução e discussão da
causa.

Relativamente aos factos instrumentais, o problema da preclusão equaciona-se de


modo diverso. Estes factos não são nem constitutivos da situação jurídica alegada
pela parte, nem indispensáveis à procedência da acção ou da excepção.

A sua função é apenas a de servir de prova indiciária dos factos principais, pelo que
o momento da sua relevância processual não é o da alegação da matéria de facto,
mas o da apresentação ou requerimento dos meios de prova: é neste momento que
devem ser invocados os factos instrumentais que se pretende demonstrar com esses
meios de prova (arts. 552º/2, 577º/1, 612º, 633º e 789º CPC). Portanto, a preclusão
da sua alegação só ocorre quando não for possível indicar ou requerer os meios de
prova (quanto ao processo ordinário e sumário, arts. 508º-A/2-a, 512º/1 e 787º CPC)
ou alterar os que anteriormente foram apresentados ou requeridos (quanto aos
mesmos processos, arts. 512º-A/1 e 787º CPC).

13. Prevalência da decisão de mérito


O art. 265º/2 CPC, estabelece que o juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo
suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação,
determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou,
quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as
partes a praticá-los. Esta sanação oficiosa das excepções dilatórias visa diminuir,
tanto quanto possível, os casos de absolvição da instância e favorecer, sempre que
isso seja viável, a apreciação do mérito. Segundo a doutrina tradicional, os
pressupostos processuais devem ser apreciados antes do julgamento do mérito da
causa. Ou seja, segundo esta orientação nunca é possível o proferimento de uma
decisão de mérito antes da averiguação do preenchimento de todos os
pressupostos processuais.

Essa posição redunda, assim, num dogma da prioridade da apreciação dos


pressupostos processuais. Na valoração crítica deste dogma devem ser consideradas
duas situações. Uma primeira refere-se aos casos em que o Tribunal, no momento
em que conclui pelo não preenchimento de um pressuposto processual, ainda não
pode proferir qualquer decisão sobre o mérito da causa por falta de elementos
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 29 de 204
Direito Processual Civil

suficientes. Uma segunda situação engloba aquelas hipóteses em que o Tribunal, no


próprio momento em que aprecia a falta de um pressuposto processual, está em
condições de julgar a acção procedente ou improcedente.

Em geral, os pressupostos processuais podem realizar uma de duas funções: esses


pressupostos podem destinar-se quer a assegurar o interesse público da boa
administração da justiça, quer a garantir o interesse público na boa administração
de uma tutela adequada e útil. A generalidade dos pressupostos processuais visa
acautelar os interesses das partes, ou seja, assegurar que a parte possa defender
convenientemente os seus interesses em juízo e não seja indevidamente
incomodada com a propositura de acções inúteis ou destituídas de objecto.

É para estas situações que o art. 288º/3, 2ª parte CPC, estipula que, ainda que a
excepção dilatória subsista, não deverá ser proferida a absolvição da instância
quando, destinando-se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das
partes, nenhum outro motivo obste, no momento da sua apreciação, a que se
conheça do mérito da causa e a decisão possa ser integralmente favorável a essa
parte. Segundo o disposto no art. 288º/3 (as excepções dilatórias só subsistem
enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do
artigo 265.º; ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instância quando,
destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste,
no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a
decisão deva ser integralmente favorável a essa parte) CPC, o Tribunal pode
pronunciar-se sobre o mérito da causa, ainda que se verifique uma excepção
dilatória sanável ou não sanável.

A aplicação do art. 288º/3, 2ª parte CPC, pressupõe uma distinção entre


pressupostos processuais dispensáveis e não dispensáveis. O art. 288º/3 CPC, refere-
se aos pressupostos processuais e às excepções dilatórias, pelo que se pode
perguntar se um idêntico regime deve valer quanto aos pressupostos de actos
processuais. A resposta deve ser negativa, porque a consequência da falta do
pressuposto do acto processual é a ineficácia do acto e o Tribunal nunca pode
decidir como se o acto não fosse ineficaz.

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 30 de 204
Direito Processual Civil

II. O REGIME DO DIREITO PORTUGUÊS SOBRE A


COMPETÊNCIA INTERNACIONAL LEGAL

14. Função
As facilidades de deslocação de pessoas, bens e capitais potenciam o surgimento de
litígios que apresentam, através quer das partes interessadas, quer do seu próprio
objecto, conexões com várias ordens jurídicas. Quando emerge um desses litígios
plurilocalizados, coloca-se o problema de determinar qual o Tribunal que, no
âmbito das várias ordens jurídicas envolvidas, tem competência para o dirimir. Esta
selecção incumbe às regras sobre a competência internacional directa, às quais cabe
determinar, em cada uma das jurisdições com as quais o litígio tem contacto, se os
Tribunais de alguma delas são competentes para resolver o conflito. Essas regras
são, por isso, verdadeiras normas de conflitos, semelhantes na função que
desempenham às regras próprias do Direito Internacional Privado.

As regras relativas à competência internacional utilizam certos elementos de


conexão para determinar a jurisdição nacional competente. Esses elementos podem
ser, por exemplo, o domicílio de uma das partes, o lugar de cumprimento da
obrigação ou o da ocorrência do facto ilícito. Coloca-se então o problema de saber
como se procede à qualificação desses elementos de conexão, sendo duas as
orientações possíveis: de acordo com uma delas, esses elementos são qualificados
pela lex cause, ou seja, por uma lei que é determinada pelas normas de conflitos de
foro.

As regras sobre competência internacional não são, consideradas em si mesmas,


normas de competência, porque não se destinam a aferir qual o Tribunal
concretamente para apreciar o litígio, mas apenas a definir a jurisdição na qual se
determinará, então com o recurso a verdadeiras regras de competência, qual o
Tribunal competente para essa apreciação. Dada esta função, as normas de
competência internacional podem ser designadas por normas de recepção, pois que
visam somente facultar o julgamento de um certo litígio plurilocalizado pelos
Tribunais de uma jurisdição nacional. É esta a estrutura da generalidade dos critérios
que constam do art. 65º/1 CPC, e de muitas das regras contidas nos arts. 2º a 24º
Convenção de Bruxelas e da Convenção de Lugano.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

15. Limites
Para orientar a escolha da jurisdição competente para resolver o conflito
plurilocalizado não existem na comunidade internacional regras fixas e, menos
ainda, uniformes. Apenas se pode esperar que, cada Estado actue de tal forma que
os critérios definidores da sua competência internacional possam valer
simultaneamente como princípios de uma legislação universal. Quer isto dizer que
cada Estado pode determinar quais os elementos de conexão que considera
relevantes para abrir a sua jurisdição ao julgamento de litígios plurilocalizados. Esses
elementos podem ser escolhidos pela lei do Estado, mas também é frequente que
se reconheça relevância à vontade das partes nesta matéria: é esse o caso da
competência internacional convencional (art. 99; art. 17º Convenção de Bruxelas e
da Convenção de Lugano).

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

16. Normas de recepção


As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de
conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos Tribunais do
foro para o conhecimento de uma certa questão. As normas de conflitos que
definem as condições em que os Tribunais do foro são competentes para a
apreciação de um objecto que apresenta uma conexão com várias ordens jurídicas
podem designar-se por normas de recepção.

É essa a função dos vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A competência
internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das
seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo
tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
imóveis sitos em país estrangeiro;

b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de


competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de


pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 32 de 204
Direito Processual Civil

d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção
proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua
propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem
jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou
real).

Estas normas de recepção definem a competência internacional dos Tribunais de


uma certa ordem jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a qual, quando, o
caso em apreciação apresenta uma conexão relevante com uma ordem jurídica, os
seus Tribunais devem ser competentes para a acção, como do princípio de que,
perante a existência de uma tal conexão, os Tribunais daquela ordem devem recusar
a competência internacional, pois que isso pode equivaler a uma denegação de
justiça. Note-se que a conexão com uma certa ordem jurídica pode ser mais fraca
do que aquela que determina a aplicação do direito nacional ao caso sub
iudice, porque não há qualquer paralelismo necessário entre a atribuição da
competência internacional e a aplicação da lei material do foro.

A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no seguinte: a


competência interna respeita às situações que, na perspectiva da ordem jurídica
portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com outras ordens jurídicas;
a competência internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexão com
outras ordens jurídicas.

As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que os


Tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma relação
plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque não a
atribuem a um Tribunal, antes se limitam a determinar as condições em que uma
jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um certo litígio com
elementos internacionais. As normas de recepção preenchem, no âmbito processual,
uma função paralela àquela que as normas de conflitos realizam no âmbito
substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma relação jurídica
plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa
mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.

a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no âmbito da
competência internacional (porque o objecto em apreciação é uma relação jurídica
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

plurilocalizada) implica a utilização dos critérios específicos da competência


internacional para a atribuição de competência aos Tribunais de uma certa ordem
jurídica. Para que haja necessidade de aferir a competência internacional dos
Tribunais de um certo Estado, é indispensável que se verifique um de dois factores:
que a conexão com a ordem jurídica nacional seja estabelecida através de um
elemento que não é considerado relevante por nenhuma das normas da
competência territorial e que, portanto, não possa ser atribuída competência aos
Tribunais de um certo Estado utilizando exclusivamente as regras de competência
territorial dos seus Tribunais; ou que o Estado do foro esteja vinculado, por
convenção internacional, a certas regras de competência internacional.

b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas normas
se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de uma certa
questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais de uma ordem
jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a apreciação dessa
mesma questão por um Tribunal estrangeiro.

c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do processo,
ou subjectiva, referida às partes em causa, com uma ou várias ordens jurídicas
estrangeiras, pode ser necessário determinar a competência internacional dos
Tribunais portugueses. Essa aferição deve restringir-se às situações em que os
Tribunais portugueses não são competentes segundo as regras da competência
interna, pois que, como se verificou, só importa averiguar a competência
internacional quando os Tribunais de uma certa ordem jurídica não sejam
competentes para apreciar uma relação jurídica plurilocalizada segundo as suas
regras de competência territorial. Essa é a função dos critérios constantes do art.
65º/1 CPC.

A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é determinada,


segundo uma ordem decrescente de aplicação pratica, pelos critérios da
exclusividade (art. 65º/1-b CPC), do domicílio do réu (art. 65º/1-a CPC), da
causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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17. Critério da exclusividade


Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal quando
os Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes para a apreciação da
causa (arts. 65º/1-b, 65º-A CPC). A competência internacional resulta, assim, da
coincidência com as regras de competência exclusiva constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados interesses
através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania. Nesse sentido, ela é
semelhante à reserva de ordem pública do Estado do reconhecimento no processo
de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f CPC).

O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses para as


seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens
imóveis sitos em território português;

b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência,


relativamente a pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas ou
sociedades cuja sede esteja situada em território português;

c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo ou ao


decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que tenham
a sua sede em território português, bem como para as destinadas a apreciar a
validade das deliberações dos respectivos órgãos;

d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da validade


da inscrição em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a registo em
Portugal.

A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses reside no


seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a competência
de nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão proferida
numa jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão proferida numa jurisdição
estrangeira pode preencher as condições para ser ou se tornar eficaz na ordem
jurídica portuguesa.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio,


imediatamente eficaz na ordem jurídica portuguesa; para que se lhe conceda essa
eficácia é necessária a sua revisão e confirmação, nos termos e nas condições do
correspondente processo de revisão de sentenças estrangeiras (arts. 1094º a 1102º
CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art. 1096º CPC, para a
concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que essa decisão só pode ser
confirmada pelo Tribunal português (que é uma das Relações, art. 1095º CPC) se
provier de Tribunal seja competência não ofenda a competência exclusiva dos
Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

18. Critério do domicílio do réu


Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos Tribunais
portugueses quando o réu ou algum dos réus tenha domicílio em território
português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo
sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).

Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação das regras


da competência territorial não resultar a atribuição de competência a um Tribunal
português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser
aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes segundo
aquelas regras.

Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou gerais
(arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts. 85º/1, 86º/2
CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for aplicável o critério
territorial geral e se da sua aplicação resultar a atribuição de competência a um
Tribunal português, está determinado, sem necessidade de aplicação do critério do
domicílio do réu, o Tribunal que é territorial e internacionalmente competente. Se,
pelo contrário, a aplicação desse critério de competência interna não a conceder a
um Tribunal português (porque o réu não tem domicílio em Portugal), essa
competência também nunca poderá resultar do critério de competência
internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).

Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a competência


internacional nunca pode ser determinada pelo critério do domicílio do demandado,
seja porque aplicação daquele critério territorial torna dispensável a aferição da

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 36 de 204
Direito Processual Civil

competência internacional, seja porque, quando é impossível empregar o critério


territorial, também é impossível aplicar aquele critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais, também
aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses critérios resulta a
atribuição de competência a um Tribunal português, não importa averiguar a
competência internacional deste Tribunal segundo nenhum dos critérios enunciados
no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação concreta for aplicável um critério
especial, mas da sua aplicação não resultar a atribuição de competência a um
Tribunal português, justifica-se aferir a competência internacional dos Tribunais
portugueses pelo critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).

O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a


CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio do réu e
também não pode ser aplicado quando um critério territorial especial atribua
competência a um Tribunal português. Em conclusão: o critério de domicílio do
demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso concreto for
aplicável um critério territorial especial e da aplicação deste não resultar a atribuição
de competência a um Tribunal português.

A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à


determinação da competência segundo o critério do domicílio do demandado não
pode operar no âmbito de aplicação material das Convenção de Bruxelas e de
Convenção de Lugano: nesta situação, a única competência exclusiva relevante é
aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas e de Convenção
de Lugano.

O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do domicílio
do demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja
a sede estatutária ou efectiva se localize em território português ou que aqui tenha
sucursal, agência, filial ou delegação.

19. Critério da causalidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais portugueses
quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos que a constituem,
tiver sido praticado em território português (art. 65º/1-c CPC). Assim, por exemplo,
os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando, apesar de o
facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte dos danos se produziram em Portugal
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 37 de 204
Direito Processual Civil

(RC – 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o contrato de seguro foi celebrado em território


português (Assentos/Supremo Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).

20. Critério da necessidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais portugueses
quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa conexão, pessoal ou
real, com o território português, só possa ser reconhecida em acção proposta nos
Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse critério procura-se obstar à
denegação de justiça decorrente da impossibilidade de encontrar um Tribunal
competente para a apreciação da acção: verifica-se então um reenvio da
competência aos Tribunais portugueses.

O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por inexistência


de Tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de competência
internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele apresenta uma conexão
relevante, mas também a impossibilidade prática, derivada de factos anómalos
impeditivos do funcionamento da jurisdição competente.

21. Tribunal territorialmente competente


Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os Tribunais
portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério da
exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações previstas
no art. 65º-A. Exceptua-se desta análise a hipóteses prevista no art. 65º-A-a CPC,
porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art. 16º/1 Convenção de
Bruxelas e de Convenção de Lugano.

O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível de ser


usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial especial (arts. 73º
a 84º e 89º CPC) e da aplicação deste não resultar a atribuição de competência a um
Tribunal português.

Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo critério da


causalidade ou da necessidade, também há que averiguar qual dos Tribunais
portugueses é o territorialmente competente. Para a determinação deste Tribunal só
podem ser utilizados critérios aos quais não possa ser concedida a dupla
funcionalidade característica das normas sobre a competência territorial, porque, de
outro modo, a competência internacional dos Tribunais portugueses já teria
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 38 de 204
Direito Processual Civil

decorrido dessa competência territorial. Está nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu
tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, será demandado no tribunal do
lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, será
demandado no do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país
estrangeiro, será competente para a causa o tribunal de Lisboa) CPC.

Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se encontrar em


território português, é territorialmente competente o Tribunal do local em que se
encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).

Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em


território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do autor
(art. 85º/3, 2ª parte CPC).

Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em


território português e se o autor também tiver domicílio em território estrangeiro, é
territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in fine CPC).

COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

22. Pactos de competência


A competência interna é determinada através de um pacto de competência
(pactum de foro prorrogando). Em regra, o pacto de competência refere-se a uma
questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens jurídicas, mas isto
não significa que não haja pactos de competência referidos a relações
jurídicas plurilocalizadas.

O pacto de competência só pode incidir sobre a competência em razão do valor e


do território (art. 100º/1 CPC). O pacto de competência só é válido se acompanhar a
forma de contrato substantivo, se este for normal, ou se tiver a forma escrita, se
aquele for consensual (art. 100º/2 CPC).

Mas considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documentos assinados


pelas partes ou o resultante de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de
comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham
directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula de remissão para algum
documento em que ele esteja contido (arts. 110º/2, 1ª parte, e 99º/4 CPC). Além
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

disso, o pacto de competência deve designar as questões submetidas à apreciação


do Tribunal e o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a
competência (art. 100º/2, 2ª parte CPC).

O pacto de competência contém implicitamente uma renúncia antecipada – isto é,


anterior à propositura da acção – à arguição da excepção de incompetência relativa
(art. 108º CPC), pois que é atribuída competência territorial a um Tribunal que, sem
esse contrato processual, não seria competente. Essa renúncia exige, como
requisito ad substantiam, a forma escrita (art. 100º/2, 1ª parte CPC), pois que
condiciona as possibilidades de defesa do réu na acção proposta naquele Tribunal e,
concretamente, exclui a invocação da excepção de incompetência relativa.

A competência convencional interna é vinculada para as partes (art. 100º/3 CPC),


pelo que a sua infracção determina a incompetência relativa do Tribunal onde a
acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).

23. Pactos de jurisdição


A competência convencional internacional pode ser determinada através de um
pacto de jurisdição (art. 99º/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando considerado pela
perspectiva da ordem jurídica portuguesa, atributivo ou privativo.
O pacto é atributivo, quando concede competência a um Tribunal ou a vários
Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou exclusiva.
O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais
portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art.
99º/2 CPC).

Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em relação


à ordem jurídica portuguesa, a validade de um desses pactos não é vinculativa para
os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras. O pacto de jurisdição só pode incidir
sobre situações subjectivas disponíveis (art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente
para possibilitar a celebração de um pacto de jurisdição sobre a generalidade das
situações patrimoniais.

O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de ambas


as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva inconveniente
grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se essencialmente a
salvaguardar a posição da parte mais fraca. O pacto de jurisdição não pode ofender
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta
competência, art. 65º-A CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais
portugueses da sua competência exclusiva.

Se as partes, através de uma convenção de arbitragem (art. 1º Lei da Arbitragem


Voluntária – lei 31/86, de 29/8), atribuírem competência para o julgamento de certo
litígio ou questão emergente de uma relação jurídica plurilocalizada a um Tribunal
Arbitral (funcionando em território português ou no estrangeiro), é igualmente
aplicável a esse negócio o requisito respeitante à observância da competência
exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-d CPC).

O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art. 99º/3-e in


fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à ordem jurídica de
uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser feita directamente: nesta
eventualidade, as partes indicam um Tribunal específico. Mas essa indicação
também pode ser realizada indirectamente através de uma remissão para o Tribunal
que for competente segundo as regras de competência vigentes na jurisdição
designada: nessa hipótese, as partes designam globalmente os Tribunais de uma
jurisdição.

O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado por


escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se reduzido a escrito o acordo
que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de troca de cartas,
telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer
tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste uma
cláusula que remeta para algum documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).

Como a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da competência


internacional é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente (arts.
102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração tácita de um pacto
atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela excepção num
processo pendente.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar determinada causa
que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe
concederem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei
a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a
incompetência relativa e a preterição de Tribunal Arbitral.

25. Incompetência absoluta


Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência em razão
da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo quando
haja mera violação dum pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência
absoluta do tribunal) CPC, a incompetência absoluta provém da infracção das regras
da competência internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna
material (arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e
hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A incompetência absoluta referida no art. 101º
CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se verifica no âmbito do processo civil.

A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a relação jurídica


plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do art. 65º. A
incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num Tribunal de 1ª
instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou vice-versa.
Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no Tribunal comum de
uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da instauração de uma acção
num Tribunal de competência especializada incompetente.

A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material


decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).

A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta num
Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser arguida

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito em julgado da


decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).

Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência absoluta deve ser
conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1, 234º-A/1 CPC). O
conhecimento oficioso da incompetência absoluta é realizado, em regra, no
despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).

O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de citação


determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-A/1 CPC); se
for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz à absolvição do
réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

26. Incompetência relativa


O art. 108º (A infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na
forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do
estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º, determina a
incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que originam a
incompetência relativa: esta incompetência resulta da infracção das regras da
competência fundadas no valor da causa (art. 68º CPC; arts. 47º e 49 LOTJ), na forma
do processo aplicável (art. 68º CPC; art. 48 LOTJ), na divisão judicial do território
(arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de competência ou de jurisdição
(arts. 99º e 100º CPC).

Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-se não
só na competência interna, quando são infringidas as regras que definem, de entre
os vários Tribunais, qual o territorialmente competente, mas também na
competência internacional.

Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto à competência


internacional directa, a infracção de um pacto privativo de jurisdição. Esta violação
verifica-se quando, apesar de as partes terem estipulado a competência exclusiva de
um Tribunal estrangeiro para apreciar certa questão, a acção vem a ser proposta
num Tribunal português.

Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competência relativa (art. 100º


CPC), a correspondente incompetência não é, em princípio, de conhecimento
Octávio Manuel Gomes Alberto
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oficioso (art. 495º CPC). Neste caso, a incompetência pode ser arguida pelo réu no
prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1 CPC). O autor pode
responder no articulado subsequente ou, não havendo lugar a este, em articulado
próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à notificação da entrega do articulado
do réu (art. 109º/2 CPC). Conjuntamente com a alegação da incompetência relativa,
as partes devem apresentar as respectivas provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas
estas, o Tribunal decide qual é o Tribunal competente para a acção (art. 111º/1 CPC).

São várias as situações em que a incompetência relativa é de conhecimento oficioso.


É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas acções relativas a direitos reais
sobre imóveis, a responsabilidade civil extra-contratual e naquelas em que seja parte
o juiz, seu cônjuge ou certas partes, nos processos de recuperação da empresa e de
falência, nos procedimentos cautelares e diligências antecipadas, na determinação
do Tribunal ad quem, bem como na acção executiva fundada em sentença proferida
por Tribunais portugueses e nas acções executivas para a entrega de coisa certa ou
por dívida com garantia real.

A incompetência relativa também é de conhecimento oficioso quando decorra da


infracção das regras da competência respeitantes à forma do processo ou do valor
da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts. 48º e 49º LOTJ. Como a
competência em razão do valor da causa (art. 49º LOTJ) se reflecte na competência
do Tribunal de círculo (art. 81º LOTJ) e do Tribunal singular (art. 83º LOTJ), o art.
110º/2 (a incompetência em razão do valor da causa ou da forma de processo
aplicável é sempre do conhecimento oficioso do tribunal, seja qual for a acção em
que se suscite) CPC, engloba igualmente a violação da competência destes
Tribunais.

Finalmente, a incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos


processos em que não se verifique a citação do demandado ou requerido (art.
110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da lista do art. 234º/4 CPC,
e nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro processo (art.
110º/1-c CPC), como sucede, por exemplo, com o incidente de habilitação (art.
372º/2 CPC).

A decisão de procedência sobre a incompetência relativa determina, em regra, a


remessa do processo para o Tribunal competente (art. 111º/3 CPC). Exceptua-se a
hipótese de a incompetência resultar da violação de um pacto privativo de
Octávio Manuel Gomes Alberto
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jurisdição, dado que o Tribunal português não pode enviar o processo para o
Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a consequência desta excepção
dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição do réu da instância
(art. 111º/3 in fine CPC).

27. Preterição de Tribunal Arbitral


A preterição de Tribunal Arbitral resulta da infracção da competência de um Tribunal
Arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado objecto. A
preterição pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessário, quando for
proposta num Tribunal comum uma acção que pertence à competência de um
Tribunal Arbitral imposto por lei (art. 1525º -se o julgamento Arbitral for prescrito
por lei especial, atender-se-á ao que nesta estiver determinado. Na falta de
determinação, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes – CPC), ou quando a
um Tribunal Arbitral voluntário, quando for instaurada num Tribunal comum uma
acção que devia ter sido proposta num Tribunal Arbitral convencionado pelas partes
(art. 1ºLAV).

PERSONALIDADE JUDICIÁRIA

28. Noção
A personalidade judiciária é a susceptibilidade de ser parte processual (art. 5º/1
CPC). Só pode ser parte processual quem tiver personalidade jurídica.

29. Critérios atributivos


A personalidade judiciária é atribuída em função do critério da coincidência, da
diferenciação patrimonial, da afectação do acto e da protecção de terceiros.

a) Critério da coincidência:
A personalidade judiciária é concedida a todas as pessoas jurídicas, singulares ou
colectivas (art. 5º/2 CPC). Assim, todo o ente juridicamente personalizado tem
igualmente personalidade judiciária, activa ou passiva.

Relativamente a estrangeiros, há que considerar o art. 26º/1 CC, segundo o qual o


início e o termo da personalidade judiciária são fixados pela lei pessoal de cada
indivíduo, que é a lei da sua nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, se o indivíduo for
apátrida, a lei do lugar onde ele tiver a sua residência habitual ou, se for menor ou
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interdito, o seu domicílio legal (art. 32º/1 CC). Quanto às pessoas colectivas (excepto
sociedade comerciais), a sua lei pessoal é a do Estado onde se encontra situada
a sede principal e efectiva da sua administração (art. 33º/1 CC) ou, se for uma
pessoa colectiva internacional, a designada na convenção que a criou ou nos
respectivos estatutos ou, na sua falta, a do país onde estiver a sede principal (art.
34º CC). As sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se
encontre situada a sede principal e efectiva da sua administração (art. 3º/1, 1ª parte.
CSC).

b) Critério da diferenciação patrimonial:


A personalidade judiciária é atribuída a determinados patrimónios autónomos (art.
6º CPC):
a) A herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não
estiver determinado;
b) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
c) As sociedades civis;
d) As sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo
qual se constituem, nos termos do artigo 5º do Código das Sociedades
Comerciais;
e) O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções
que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
f) Os navios, nos casos previstos em legislação especial.
g) Em certos casos, além do património autónomo, podem ser demandadas
outras partes. A enumeração constante no art. 6º CPC, não deve ser
considerada taxativa. Não se deve excluir que outros patrimónios autónomos
também possam ter personalidade judiciária: é o caso, por exemplo, do
Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, regulado pelo DL
248/86, de 25/8.

c) Critério da afectação do acto:


Têm personalidade judiciária as sucursais, agências, filiais, delegações ou
representações de uma pessoa colectiva relativamente a actos que por elas tenham
sido praticados (art. 7º/1 CPC). Quer dizer: quem praticou o acto pode igualmente
estar em juízo quanto à acção que o tenha por objecto ou fundamento.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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30. Falta de personalidade judiciária


Quando a acção foi indevidamente instaurada pela ou contra a sucursal, agencia,
filial, delegação ou representação, a falta da sua personalidade judiciária é sanável
mediante a ratificação ou repetição pela administração principal dos actos
praticados por aquelas entidades (art. 8º - a falta de personalidade judiciária das
sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante
a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado
– CPC).

Quando a acção foi proposta pelo representante de uma parte falecida ou contra
uma parte falecida, esta falta de personalidade judiciária cessa com a habilitação
dos sucessores (art. 371º CPC) ou da herança jacente (art. 6º-a CPC).

A falta não sanada de personalidade judiciária é uma excepção dilatória nominada


(art. 494º-c CPC) que é de conhecimento oficioso (art. 495º CPC).

Os seus efeitos são os seguintes:


 Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC) e se essa excepção for
sanável (art. 8º CPC), ela justifica o indeferimento liminar da petição inicial
(art. 234º-A/1 CPC);
 Se a falta de personalidade judiciária for conhecida no despacho saneador,
ela conduz à absolvição do réu da instância (arts. 494º-c, 493º/2, 288º/1-c
CPC), mas, quando ela for sanável (art. 8º CPC), o Tribunal deve procurar,
antes de proferir qualquer absolvição da instância, que a administração
principal realize essa sanação (art. 265º/2 CPC).

CAPACIDADE JUDICIÁRIA

31. Noção
A capacidade judiciária é a susceptibilidade de a parte estar pessoal e livremente em
juízo ou de se fazer representar por representante voluntário (art. 9º/1 – a
capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo – CPC).
Assim, não possuem capacidade judiciária quer os que podem intervir pessoal mas
não livremente (os inabilitados), quer os que não podem actuar nem pessoal, nem
livremente (os menores e os inabilitados).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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32. Aferição
A capacidade judiciária é aferida pela capacidade de exercício para a produção dos
efeitos decorrentes da acção pendente (art. 9º/2 – a capacidade judiciária tem por
base e por medida a capacidade do exercício de direitos – CPC). O que revela para
essa aferição é a capacidade de exercício quanto a esses efeitos e não quanto à
prática do acto que constitui ouintegra o objecto do processo.

Exceptuam-se do âmbito da incapacidade judiciária os actos que o incapaz pode


excepcionalmente praticar pessoal e livremente (art. 10º/1 in fine – os incapazes só
podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou autorizados pelo
seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente –
CPC).

A capacidade judiciária dos estrangeiros e apátridas (que depende, da sua


capacidade de exercício, art. 9º/2 CPC) determina-se pela sua lei pessoal (art. 25º
CC). Essa lei é a da sua nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, no caso dos apátridas, a do
lugar onde tiverem a residência habitual ou, na hipótese da sua menoridade ou
interdição, a do domicílio legal (art. 32º/1 CC).

33. Meios de suprimento


A incapacidade judiciária é suprida mediante assistência e representação (art. 10º/1
– os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou
autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal
e livremente – CPC). A assistência por curador supre a incapacidade dos inabilitados
(art. 153º/1 CC): a autorização do curador é necessária para os actos praticados pelo
inabilitado quando seja parte activa ou passiva, embora, como o inabilitado pode
estar pessoalmente em juízo, ele possa intervir em qualquer acção e deva ser citado
quando seja réu (art. 13º/1 – os inabilitados podem intervir em todas as acções em
que sejam partes e devem ser citados quando tiverem a posição de réus, sob pena
de se verificar a nulidade correspondente à falta de citação, ainda que tenha sido
citado o curador – CPC).

A representação legal do menor cabe aos progenitores (arts. 124º e 1877º CC), ao
tutor (arts. 124º e 1921º/1 CC) ou ao administrador de bens (art. 1922º CC). A
representação legal do interdito incumbe ao tutor (art. 139º CC). Se houver

Octávio Manuel Gomes Alberto


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representação legal do inabilitado quanto à administração de um património, a sua


representação incumbe ao curador (art. 154º/1 CC).

A representação legal do menor, interdito ou inabilitado pode caber a um


curador ad litem (ou provisório), que é um representante cujos os poderes estão
limitados a uma determinada acção. Utiliza-se a representação pelo
curador ad litem em dois casos: quando o incapaz não tem representante legal (art.
11º/1 CPC); e quando, apesar de o ter, ele está impossibilitado de exercer a
representação (art. 11º/3 CPC).

A nomeação do curador ad litem pode ser requerida quando o incapaz não tiver
representante legal, situação que pode ser verificada antes do início da causa ou na
sua pendência. O curador provisório também pode ser nomeado quando o
representante (ou os representantes) do incapaz estiver impossibilitado de exercer
os seus poderes de representação.

Isso pode suceder em várias eventualidades:


 Quando, na pendência da causa, os progenitores não acordam na orientação
da defesa dos interesses do menor representado (art. 12º/2/3 CPC);
 Quando os interesses do incapaz se opõem aos interesses do seu
representante ou aos interesses de outro representado pelo mesmo
representante (art. 1329º/1 CPC; arts. 1846º/3, 1881º/2, 1956º-c CC);
 Quando o representante for parte conjuntamente com o representado (art.
1846º/1 e 3 CC)

Em ambos os casos, a nomeação do curador provisório pode ser requerida pelo


Ministério Público ou por qualquer parente sucessível, se incapaz for autor, ou por
esta parte, se incapaz for réu (art. 11º/4 CPC). O Ministério Público deve ser ouvido,
sempre que não seja o requerente (art. 11º/5 CPC) e a nomeação do
curador ad litem compete ao juiz da causa (art. 11º/1 e 3 CPC).

Se o incapaz não deduzir oposição, a defesa incumbe ao Ministério Público ou, se


ele representar o autor, a um defensor oficioso (art. 15º/1/2 CPC): é a chamada sub-
representação. Assim, antes de o réu incapaz se considerar na situação de revelia
por falta de contestação do seu representante legal, deve ser facultada ao Ministério
Público a possibilidade de deduzir oposição.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Como a sub-representação pelo Ministério Público ou pelo defensor oficioso cessa


logo que seja constituído mandatário judicial ao incapaz (art. 15º/3 CPC), pode
concluir-se que o seu regime nunca é instituído se o incapaz tiver mandatário
judicial.

34. Regime de suprimento


a) Menores:
Nos menores, a incapacidade judiciária é suprida pelo poder paternal, pela tutela e
pela administração de bens (art. 124º e 1992º CC). O poder paternal é exercido por
ambos os progenitores (art. 1901º/1 CC), pelo que ambos devem estar de acordo
quanto à propositura da acção (art. 10º/2 CPC) e ambos devem ser citados quando
o menor seja réu (art. 10º/3 CPC). Se houver desacordo dos progenitores acerca da
conveniência de propor a acção, pode qualquer deles requerer ao Tribunal
competente a resolução do conflito (art. 12º/1 CPC). Esse Tribunal é o de Família
(art. 61º/1-d LOTJ; art. 146º-d OTM) e o processo é previsto no art. 184º OTM.

Se algum dos progenitores tiver sido preterido na representação do menor – isto é,


se este for representado por um único deles – o progenitor preterido deve ser
notificado para que venha ao processo ratificar, no prazo fixado, os actos realizados
pelo outro progenitor (art. 23º/3, 1ª parte CPC). Se, nessa ocasião, se verificar um
desacordo entre os progenitores, aplica-se à resolução desse conflito o regime
constante do art. 12º CPC (art. 23º/3, 2ª parte CPC).

Para determinados actos, os progenitores necessitam, conforme se dispõe no art.


1889º CC, de autorização do Tribunal (de Família, art. 61º/1-g LOTJ; art. 146º-
g OTM), são eles nomeadamente:
 A representação de bens do menor (art. 1889º/1-a CC);
 A representação do menor na transacção ou na convenção de arbitragem
referida aos mesmos actos (art. 1889º/1-o CC) e ainda, por maioria de razão,
na desistência e confissão do pedido;
 A representação do menor para convencionar ou requerer em juízo a divisão
de coisa comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais (art.
1889º/1-n CC).

O menor fica sujeito a tutela se os progenitores não puderem exercer o poder


paternal (art. 1921º CC). O tutor necessita de autorização judicial em todas as
situações em que ela é exigida aos progenitores (arts. 1935º/1 e 1938º/1-a CC) e
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ainda para propor qualquer acção, salvo se ela for destinada à cobrança de
prestações periódicas ou se a demora na sua propositura for susceptível de causar
prejuízos ao menor (art. 1938º/1-e CC).

O administrador de bens (instituído nos casos previstos no art. 1922º CC) tem, os
mesmos direitos e obrigações do tutor (art. 1971º/1 CC), pelo que necessita de
autorização judicial nas mesmas situações em que dela carece o tutor (art. 1938º/1-
a-e CC).

b) Interditos:
A incapacidade judiciária dos interditos é suprida pela tutela e pela administração
de bens (art. 139º CC), cujos regimes são idênticos aos do suprimento da
incapacidade do menor.

c) Inabilitados:
A incapacidade judiciária dos inabilitados é suprida através da curatela (arts. 153º/1,
154º/1 CC). A curatela incumbe ao curador, que pode intervir ao regime de
assistência ou de representação. O curador assiste o inabilitado quanto aos actos
que forem especificados na sentença de inabilitação (art. 153º/1 CC); o curador
representa o inabilitado nos actos de administração do seu património (art. 154º/1
CC). Para instaurar quaisquer acções em representação do inabilitado, o curador
está sujeito ao regime do tutor do interdito (art. 156º, 1938º/1-a-e CC).

Mesmo quando o inabilitado seja representado pelo curador, aquele incapaz pode
intervir na acção proposta em seu nome e deve ser citado quando seja réu (art.
13º/1 CPC). Em caso de divergência entre o curador e o inabilitado, prevalece a
orientação daquele representante (art. 13º/2 CC).

REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA

35. Noção
A representação judiciária é a representação de entes que estão submetidos a uma
representação orgânica ou que podem ser representados pelo Ministério Público.

36. Regime
a) Estado:

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O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que
seja permitida a representação por mandatário judicial próprio (art. 20º/1 CPC) ou
em que as entidades autónomas possam constituir advogado que intervenha no
processo conjuntamente com o Ministério Público (art. 20º/2 CPC). Segundo o
disposto no art. 4º/1 LOMP, o Ministério Público é representado no Supremo
Tribunal de Justiça pelo Procurador-geral da República, nas Relações por
Procuradores-Gerais-Adjuntos e nos Tribunais de 1ª instância por Procuradores da
República e Delegados do Procurador da República.

b) Pessoas colectivas e sociedades:


Sobre a representação das pessoas colectivas e das sociedades, há que distinguir
entre as acções dessas entidades com terceiros e as causas entre elas e o seu
representante. Nas acções com terceiros, as pessoas colectivas e as sociedades são
representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem (art. 21º/1
CPC). As sociedades em nome colectivo e as sociedades por quotas são
representadas pelos gerentes, as sociedades anónimas pelo conselho de
administração e as sociedades em comandita pelos sócios comanditados gerentes.

Nas acções entre pessoa colectiva ou a sociedade e o seu representante, aquelas


entidades são representadas por um curador ad litem (art. 21º/2 CPC). Este regime
justifica-se pela impossibilidade de o representante assumir, nesse caso, as suas
funções de representação.

c) Incapazes e ausentes:
Os incapazes e ausentes são representados pelo Ministério Público em todas as
acções que se mostrem necessárias à tutela dos seus direitos e interesses (art. 17º/1
CPC; art. 5º/1-c LOMP). A representação pelo Ministério Público cessa se for
constituído mandatário judicial do incapaz ou ausente ou se, tendo o respectivo
representante legal deduzido oposição a essa representação, o juiz, ponderado
interesse do representado, a considerar procedente (art. 17º/2 CPC; art. 5º/3 LOMP).

d) Incertos:
Quando a acção seja proposta contra incertos, por o autor não ter a possibilidade
de identificar os interessados directos em contradizer, eles são representados pelo
Ministério Público (art. 16º/1 CPC; art. 5º/1-c LOMP), excepto se este representar o
autor, caso em que é nomeado um defensor oficioso para servir como agente
especial do Ministério Público naquela representação (art. 16º/2 CPC). Esta
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representação cessa quando os citados como incertos se apresentam para intervir


como réus e a sua legitimidade se encontrar reconhecida (art. 16º/3 CPC).

e) Pessoas judiciárias:
As pessoas judiciárias – isto é, as entidades que só possuem personalidade
judiciária – são representadas da seguinte forma:
 A herança jacente, por um curador (art. 22º CPC; art. 2048º/1 CC);
 As associações sem personalidade judiciária, pelo órgão da administração
(art. 22º CPC; art. 195º/1 CC);
 As comissões especiais pelos administradores (art. 22º CPC; art. 996º/1 CC);
 As sociedades comerciais não registadas, pelas pessoas a que as cláusulas do
contrato atribuam a representação (art. 22º CPC);
 O condomínio, pelo administrador (art. 22º CPC; art. 1437º/2 CC);
 As sucursais ou equivalentes, pelos directores, gerentes ou administradores
(art. 22 CPC).

INCAPACIDADE JUDICIÁRIA E VÍCIOS DA REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA

37. Incapacidade judiciária lato sensu


O não suprimento da incapacidade judiciária pelo representante legal ou pelo
curador determina a incapacidade strictu sensu da parte. O suprimento daquela
incapacidade pode ainda ser afectado por uma irregularidade de representação, se
o incapaz estiver representado ou assistido por sujeito diverso do verdadeiro
representante ou curador, ou por uma falta de autorização, se o representante ou o
curador do incapaz não tiver obtido a necessária autorização judicial. A
incapacidade judiciária strictu sensu encontra-se prevista, como tal, nos arts. 23º/1, e
494º-c CPC; a irregularidade de representação nos arts. 23º/1, e 288º/1-c CPC, a
falta de autorização ou deliberação nos arts. 25º/1, 288º/1-c, e 494º-d CPC.

38. Incapacidade judiciária strictu sensu


A incapacidade judiciária strictu sensu pode verificar-se relativamente à parte activa
ou à parte passiva: quanto ao autor, essa incapacidade existe quando o incapaz
propõe uma acção sem a intervenção do seu representante legal ou a assistência do
seu curador; quanto ao réu, essa incapacidade surge quando é proposta uma acção
legal contra um incapaz sem a indicação pelo autor do representante legal ou do
curador daquele demandado.

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 53 de 204
Direito Processual Civil

Logo que o juiz se aperceba da incapacidade judiciária strictu sensu, incumbe-lhe,


oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da instância (art.
24º/1, 265º/2 CPC). Essa incapacidade sana-se mediante a intervenção ou a citação
do representante ou do curador do incapaz.

Quanto à actividade exigida ao Tribunal para procurar obter a sanação desse vício,
há que considerar duas situações (art. 24º/2 CPC):
 Se o vício afectar a parte passiva, o Tribunal deve ordenar a citação do réu e
quem o deva representar, para que este ratifique ou renove o processado
anteriormente;
 Se o vício respeitar à parte activa, o Tribunal deve ordenar, para esse mesmo
efeito, a notificação de quem a deva representar.
A incapacidade fica sanada se o representante do incapaz ratificar os actos
anteriormente praticados no processo ou se os renovar no respectivo prazo (art.
23º/2 CPC).

Se o representante não ratificar nem renovar os actos praticados, a incapacidade


não se pode considerar sanada, importando verificar quais as consequências daí
decorrentes. Elas são distintas consoante o vício afecte a parte activa ou passiva.

Se o representante do autor não sanar a incapacidade, o processo não pode


continuar quando esse vício afectar a própria petição inicial: neste caso, releva a
falta de um pressuposto processual e réu deve ser absolvido da instância (arts. 494º-
c, 493º/2, 288º/1-c CPC). Mas se o representante do réu não sanar a incapacidade,
então falta apenas um pressuposto de um acto processual e a contestação e os
demais actos praticados pelo incapaz ficam sem efeito, pelo que se aplica ao
incapaz, se ele não tiver mandatário judicial constituído, o regime da sub-
representação (art. 15º/1 CPC).

Se o incapaz for autor e se o processo tiver sido anulado desde o início, o prazo de
prescrição ou de caducidade, mesmo que já tenha terminado ou nos dois meses
subsequentes à anulação, não se considera completado antes de findarem esses
dois meses (art. 24º/3 CPC). É o regime que também resulta dos arts. 327º/3, 332º/1
CC.

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 54 de 204
Direito Processual Civil

39. Irregularidades de representação


A irregularidade de representação verifica-se quando a parte, embora esteja
representada ou assistida, não está pelo verdadeiro representante ou curador.
O regime de sanação da irregularidade de representação é semelhante ao da
incapacidade judiciária strictu sensu, tal como o são os efeitos da sua não sanação
(arts. 23º e 24º CPC).

40. Falta de autorização ou deliberação


Verifica-se a falta de autorização ou deliberação quando o representante legal ou o
curador do incapaz não as tiver obtido antes de propor a acção ou de praticar o
acto. É o que sucede quando, o representante de uma sociedade requerer, sem a
necessária deliberação social, uma providência cautelar.
Se a parte estiver devidamente representada, mas o seu representante não tiver
obtido alguma autorização ou deliberação legalmente exigida, o Tribunal deve fixar
oficiosamente o prazo dentro do qual o representante a deve obter, suspende-se
entretanto a instância (arts. 25º/1, 265º/2 CPC, quanto ao tutor, art. 1940º/3 CC). As
consequências da não sanação do vício são distintas consoante ele afecte o autor
ou o réu.

Se o vício não for sanado e respeitar à parte activa, falta um pressuposto processual,
pelo que o réu é absolvido da instância (arts. 25º/1, 1ª parte, 494º-d, 493º/2, 288º/1-
c CPC). Se a falta de autorização ou deliberação afectar o representante da parte
passiva e não for sanada, a contestação fica sem efeito (art. 25º/2, 2ª parte CPC) e o
incapaz beneficia da sub-representação do Ministério Público se não tiver
mandatário judicial constituído (art. 15º/1 CPC).

LITISCONSÓRCIO INICIAL: MODALIDADES

41. Sistematização geral


A pluralidade de partes que caracteriza o litisconsórcio coincide, em princípio, com
uma pluralidade de titulares do objecto do processo. Pode assim dizer-se que,
relativamente à legitimidade singular dos titulares daquele objecto, o litisconsórcio
representa uma legitimidade de segundo grau, isto é, uma legitimidade que se
demarca, através de critérios específicos, entre esses titulares, de molde a
determinar as condições em que todos eles podem ou devem ser partes numa

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 55 de 204
Direito Processual Civil

mesma acção. A legitimidade plural não é, por isso, um conjunto ou somatório de


legitimidades singulares, mas uma realidade com características próprias.

42. Classificações
O litisconsórcio é susceptível de várias classificações: pode-se classificá-lo quanto à
origem, ao reflexo na acção e ao conteúdo da decisão, ou seja, pode-se atender,
nessa classificação, ao momento da propositura da acção, às consequências da sua
verificação na acção, ao momento do proferimento da decisão e ainda à posição
dos litisconsortes. Dado que se referem a realidades distintas, essas classificações
podem classificar-se entre si.

a) Origem do litisconsórcio:
Quanto à sua origem, o litisconsórcio pode ser: voluntário, todos os interessados
podem demandar ou ser demandados, mas não se verifica qualquer ilegitimidade se
não estiverem todos presentes em juízo ou; necessário, todos os interessados
devem demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma
situação de ilegitimidade. Assim, enquanto o litisconsórcio voluntário decorre
exclusivamente da vontade dos interessados, o litisconsórcio necessário é imposto
ao autor ou autores da acção.

b) Reflexo na acção:
Atendendo aos reflexos na acção, o litisconsórcio pode ser: simples, é aquele em
que a pluralidade de partes não implica um aumento do número de oposições entre
as partes; ou recíproco, é aquele em que a pluralidade de partes determina um
aumento do número de oposições entre elas.

c) Conteúdo da decisão:
Atendendo ao conteúdo da decisão, o litisconsórcio pode ser: unitário, é aquele em
que a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes; ou simples, pelo
contrário, a decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes.

d) Posição das partes:


Atendendo à posição das partes, o litisconsórcio pode ser: conjunto, verifica-se
quando todos os litisconsortes activos formulam conjuntamente o pedido contra o
demandado ou quando o autor formula o pedido conjuntamente contra todos os
litisconsortes demandados; ou subsidiário, pressupõe que o objecto da causa só é

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 56 de 204
Direito Processual Civil

apreciado em relação a um litisconsorte activo ou passivo se um outro autor ou réu


não for considerado titular, activo ou passivo, desse mesmo objecto.

43. Litisconsórcio voluntário


Sempre que existe uma pluralidade de interessados, activos ou passivos, opera,
quanto à constituição do litisconsórcio, uma regra de coincidência, pois que a acção
pode ser proposta por todos esses titulares ou contra eles (art. 27º/1, 1ª parte CPC).

O litisconsórcio voluntário verifica-se por iniciativa da parte ou partes em causa: são


os vários interessados que decidem instaurar a acção conjuntamente, é o autor da
acção que resolve propor a acção contra vários réus e é esse autor ou o réu que
opta por promover a intervenção de outras partes durante a pendência da acção.

Apesar de o litisconsórcio voluntário se encontrar na disponibilidade das partes, que


o podem constituir ou não, isso não significa que a sua constituição seja irrelevante,
isto é, que a parte que o pode conformar possa conseguir os mesmos benefícios e
vantagens com ou sem a sua conformação.

a) Litisconsórcio comum:
A parte que o conforma pretende apenas integrar determinados sujeitos no âmbito
subjectivo do caso julgado, numa situação em que, sem a sua participação na acção,
eles não ficariam abrangidos por ele.

b) Litisconsórcio conveniente:
A parte que o constitui visa alcançar uma vantagem que não poderia obter sem essa
pluralidade de partes, activas ou passivas. Quer dizer: a constituição do litisconsórcio
é uma condição indispensável para alcançar um certo resultado ou efeito.

São vários os motivos que podem determinar o litisconsórcio conveniente. Este


litisconsórcio verifica-se em relação a obrigações conjuntas, pois que, sem a
participação de todos os credores ou devedores, a acção só pode ser procedente na
quota-parte respeitante ao sujeito presente em juízo (art. 27º/1, 2ª parte CPC).

44. Litisconsórcio necessário


No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser
demandados. Os critérios que orientam a previsão do litisconsórcio necessário são
essencialmente dois: o critério da indisponibilidade individual (ou da disponibilidade
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

plural) do objecto do processo e o critério da compatibilidade dos efeitos


produzidos. Aquele primeiro critério tem expressão no litisconsórcio legal e
convencional; este último, no litisconsórcio natural.

a) Litisconsórcio legal:
O litisconsórcio necessário legal é aquele que é imposto pela lei (arts. 28º/1,
28º-A CPC).

Quanto ao litisconsórcio necessário entre os cônjuges, há que analisar o disposto no


art. 28º-A/1/2 CPC (acções que devem ser propostas por ambos os cônjuges) e 28º-
A/3 CPC (acções que devem ser instauradas contra ambos os cônjuges).
Relativamente à propositura da acção, o litisconsórcio entre os cônjuges é
necessário quanto a direitos que apenas possam ser exercidos por ambos ou a bens
que só possam ser administrados ou alienados por eles, incluindo a casa
de morada de família (art. 28º-A/1 CPC). Para se saber quais são esses direitos e
bens, há que distinguir entre as acções relativas a actos de administração e a actos
de disposição.

Nas acções relativas a actos de administração, o litisconsórcio activo é necessário


quanto aos actos de administração de bens comuns do casal (art. 1678º/3 in
fine CC). Nas acções referidas a actos de disposição, o litisconsórcio activo é
necessário quando o objecto do processo for nomeadamente, um acto de
disposição de bens comuns administrados por ambos os cônjuges (art. 16628º/1
CC).

Note-se que o litisconsórcio activo entre os cônjuges podem ser substituído pela
propositura da acção por um deles com o consentimento do outro (art. 28º-A/1
CPC), o que constitui uma situação de substituição processual voluntária. Se o
cônjuge não der o seu consentimento para a propositura da acção, o outro pode
supri-lo judicialmente (art. 28-A/2 CPC), utilizando para tanto o processo regulado
no art. 1425º CPC.

Relativamente à demanda dos cônjuges, o litisconsórcio é necessário quando o


objecto do processo for um facto praticado por ambos os cônjuges, uma divida
comunicável, um direito que apenas pode ser exercido por ambos os cônjuges ou
um bem que só por eles pode ser administrado ou alienado, incluindo a casa
de morada de família (art. 28º-A/3 CPC).
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

O litisconsórcio necessário definido pelo art. 28º-A/3 CPC, também pode operar
depois da dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento.

b) Litisconsórcio convencional:
O litisconsórcio necessário convencional, é aquele que é imposto pela estipulação
das partes de um negócio jurídico (art. 28º/1 CPC). Para a determinação do âmbito
deste litisconsórcio convencional há que analisar o regime das obrigações divisíveis
e indivisíveis.

Se a obrigação for divisível, o litisconsórcio é, em princípio voluntário, porque, se


não estiverem presentes todos os interessados activos e passivos, o Tribunal
conhece apenas da quota-parte do interesse ou da responsabilidade dos sujeitos
presentes em juízo (art. 27º/1, 2ª parte). Assim, quanto a uma obrigação divisível, o
litisconsórcio só é necessário se as partes estipulam que o seu cumprimento apenas
é exigível por todos os credores ou a todos os devedores.

Quanto à obrigação indivisível (por natureza, estipulação legal ou convenção das


partes), há que distinguir entre a pluralidade de devedores e a de credores. Se forem
vários os devedores, o art. 535º/1 CC, estipula que o cumprimento só pode ser
exigido de todos eles, pelo que, quanto a esta hipótese, vale um litisconsórcio
necessário legal e, por isso, o caso não se pode enquadrar no litisconsórcio
convencional. Pelo contrário, se houver uma pluralidade de credores, o art. 538º/1
CC, dispõe que qualquer deles pode exigir a prestação por inteiro, resultando daí
que, na falta de estipulação das partes, o litisconsórcio de vários credores de uma
obrigação indivisível é meramente voluntário. Por isso, relativamente a uma
obrigação indivisível, o litisconsórcio necessário convencional só se verifica se for
estipulado que essa obrigação apenas pode ser exigida por todos os credores.

c) Litisconsórcio natural:
O litisconsórcio necessário natural, é aquele que é imposto pela realização do
efeito útil normal da decisão do Tribunal (art. 28º/2 CPC). A concretização deste
referido efeito útil normal suscita muitas dificuldades.

Pode entender-se que o litisconsórcio natural só existe quando a repartição dos


vários interessados por acções distintas impeça uma composição definitiva entre as
partes da causa.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

Mas também pode defender-se que o litisconsórcio é natural não só quando a


repartição dos interessados por acções diferentes impeça a composição definitiva
entre as partes, mas também quando a repartição dos interessados por acções
distintas possa obstar a uma solução uniforme entre todos os interessados.

Segundo a definição legal do art. 28º/2, 2ª parte CPC, o efeito útil normal é atingido
quando sobrevém uma regulação definitiva da situação concreta das partes (e só
delas) quanto ao objecto do processo. De acordo com a mesma definição, o efeito
útil normal pode ser conseguido ainda que não estejam presentes todos os
interessados ou, dito de outra forma a ausência de um deles nem sempre constitui
um obstáculo a que esse efeito possa ser atingido: é o que resulta do facto de nessa
definição se admitir expressamente a não vinculação de todos os interessados.

Assim, deve concluir-se que decorre do art. 28º/2, 2ª parte CPC, que, na
determinação do litisconsórcio, releva apenas a eventualidade de a sentença não
compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser afectada
pela solução dada numa outra acção entre outras partes.

45. Litisconsórcio unitário


O litisconsórcio unitário é aquele em que a decisão do Tribunal tem de ser uniforme
para todos os litisconsortes. Este litisconsórcio corresponde a situações em que o
objecto do processo é um interesse indivisível, pelo que sobre ele não podem ser
proferidas decisões divergentes.

A uniformidade do objecto, quer de uma relação de prejudicialidade entre vários


objectos.

São pensáveis situações de litisconsórcio unitário voluntário. Se, por exemplo,


vários comproprietários propuserem uma acção de reivindicação contra um
detentor, o litisconsórcio é voluntário, porque a acção podia ter sido proposta por
um único dos comproprietários (art. 1405º/2 CC), mas é igualmente unitário, porque
a causa não pode ser julgada procedente quanto a um dos comproprietários e
improcedente quanto a um qualquer outro.

O litisconsórcio unitário também pode ser necessário. Suponha-se que o


presumido pai instaura, contra o filho e a mãe, uma acção de impugnação da
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

paternidade; esse litisconsórcio é necessário (art. 1846º/1 CC) e unitário, porque


essa acção de impugnação só pode ser procedente ou improcedente
simultaneamente contra ambos os demandados.

Convém acentuar, no entanto, que nem todo o litisconsórcio necessário é unitário.


Por exemplo: se as partes estipulam que a dívida só pode ser exigida de ambos os
devedores e se, portanto, construíram uma situação de litisconsórcio necessário
convencional (art. 28º/1 CPC), isso não impede que, se um dos devedores
demandados puder invocar contra o credor a extinção da sua quota-parte da dívida,
um dos réus seja condenado e o outro seja absolvido do pedido.

O litisconsórcio unitário releva no momento do proferimento da decisão, pois que


ele implica o proferimento de uma mesma decisão para todos os litisconsortes.
Note-se que o litisconsórcio unitário não impõe, em si mesmo, a presença de
nenhum interessado em juízo, pelo que só há que garantir a uniformidade da
decisão relativamente aos litisconsortes que se encontrem na acção no momento do
seu proferimento. Esses litisconsortes podem não ser as partes iniciais da acção,
quer porque algumas delas se afastaram da acção, quer porque alguns terceiros
intervieram nela durante a sua pendência.

46. Litisconsórcio subsidiário e alternativo


Segundo o disposto no art. 31º-B CPC, é admitida a formulação subsidiária do
mesmo pedido por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a
título principal, desde que exista uma dúvida fundamentada sobre o sujeito do
objecto do processo. Isto significa que é admissível tanto um litisconsórcio em que
um dos autores só será reconhecido como titular activo de uma situação jurídica se
um outro demandante não o for, como um litisconsórcio em que se pede que um
dos réus seja condenado se a acção não for procedente quanto a um outro
demandado.

A admissibilidade do litisconsórcio subsidiário coloca o problema de saber se é


sempre exigível que um dos autores se apresente numa posição subsidiária perante
uma outra ou se é necessário que o autor defina como subsidiário um dos
demandados. Isto é, importa averiguar se o autor, em vez de se colocar numa
posição subsidiária perante um outro demandante, se pode apresentar numa
relação de alternatividade com ele ou se o autor, em vez de demandar um réu numa
posição subsidiária, pode demandar em alternativa vários réus.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

Não parece que a atribuição por um dos autores de uma posição de subsidiariedade
perante um outro demandante ou que a concessão pelo autor de uma idêntica
posição a um dos demandados corresponda a um ónus dessa parte. Na mesma
situação de dúvida sobre o titular do objecto do processo (art. 31º-B in fine CPC),
parece admissível que nenhum dos autores se coloque na posição de
subsidiariedade perante o outro e que nenhum dos réus seja qualificado como
subsidiário, podendo antes os vários autores ou réus apresentar-se ou ser
apresentados numa relação de alternatividade.

LITISCONSÓRCIO INICIAL: CONSEQUÊNCIAS

47. Constituição do litisconsórcio


O litisconsórcio voluntário encontra-se na disponibilidade da parte, que o pode
constituir ou não. Diferentemente, o litisconsórcio necessário não permite qualquer
opção da parte, pois que a acção tem de ser proposta por todos ou contra todos os
interessados. Importa assim determinar como pode uma parte ultrapassar uma
recusa dos demais interessados em proporem, conjuntamente com ela, a acção:
tem-se entendido que essa parte pode instaurar sozinha a acção e,
simultaneamente, requerer a intervenção principal, como autores dos demais
interessados.

A pluralidade de partes relativamente às quais o litisconsórcio é imposto pode ser


activa ou passiva. Normalmente, o litisconsórcio é imposto a uma pluralidade de
autores ou a um autor relativamente a uma pluralidade de réus. Mas o litisconsórcio
também pode ser imposto a uma pluralidade de réus ou a um réu quanto a uma
pluralidade de autores.

Quanto aos efeitos da sua não constituição, no caso do litisconsórcio voluntário


verifica-se apenas o desaproveitamento de certos benefícios ou vantagens, mas na
sua hipótese do litisconsórcio necessário conforma-se a ilegitimidade da parte
(activa ou passiva) que está em juízo desacompanhada dos demais interessados (art.
28º/1 CPC).

A ilegitimidade proveniente da preterição de litisconsórcio necessário é sanável,


embora haja que distinguir o litisconsórcio relativo aos cônjuges das demais
hipóteses.
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 62 de 204
Direito Processual Civil

No litisconsórcio entre os cônjuges, a ilegitimidade activa é sanável mediante a


obtenção do consentimento do outro cônjuge ou o seu suprimento (art. 28º-A/2
CPC); a ilegitimidade passiva é sanável através da intervenção principal do cônjuge
não presente, provocada quer pelo autor da acção (art. 269º/1 CPC), mesmo nos 30
dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância (art.
269º/2 CPC), quer pelo cônjuge demandado (art. 325º/1 CPC).

Nas demais situações de litisconsórcio necessário, a ilegitimidade (activa ou passiva)


é sanável mediante a intervenção principal provocada da parte cuja falta gera
ilegitimidade (art..269º/1 CPC). Essa intervenção é admissível mesmo depois do
trânsito em julgado do despacho saneador que apreciou a ilegitimidade, situações
em que a instância se renova (art. 269º/2 CPC).

48. Posição dos litisconsortes


O art. 29º estabelece a seguinte diferença entre o litisconsórcio voluntário e o
necessário: enquanto no litisconsórcio necessário as partes se apresentam
externamente como a única parte (art. 29º, 1ª parte CPC), no litisconsórcio
voluntário as partes mantêm uma posição de autonomia (art. 29º, 2ª parte CPC).
Assim, segundo este critério, as partes de um litisconsórcio necessário comungam
de um destino comum e as de um litisconsórcio voluntário mantêm uma posição de
autonomia.

A distinção estabelecida no art. 29º CPC, justifica os diferentes regimes que se


encontram na lei em matéria de falta de citação (art. 197º CPC), de separação do
pedido reconvencional que envolve a intervenção de terceiros (art. 274º/5 CPC), de
confissão, desistência ou transacção (art. 298º CPC), de aproveito do recurso
interposto por um dos litisconsortes (art. 683º/1 CPC) e de exclusão pelo recorrente
de algum dos litisconsortes vencedores (art. 684º/1 CPC). Uma outra consequência
da autonomia entre os litisconsortes voluntários encontra-se no decurso dos prazos
processuais, que correm separadamente para cada uma das partes.

A comunidade constituída pelas partes de um litisconsórcio necessário verifica-se


também quanto aos pressupostos processuais, no sentido de que esse litisconsórcio
exige que eles estejam preenchidos em relação a todos os litisconsortes. Na
verdade, se faltar um dos pressupostos que afecta um dos litisconsortes e se isso
determina a sua absolvição da instância, e os demais litisconsortes deverão ser
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

absolvidos por ilegitimidade, dado que aquela absolvição os tornou partes


ilegítimas; se o litisconsórcio se verificar na parte activa, é o réu que deverá ser
absolvido da instância, com base na ilegitimidade dos autores.

Nem sempre releva, quanto à posição recíproca das partes, a distinção entre o
litisconsórcio voluntário e necessário.

A origem do litisconsórcio também é irrelevante quanto ao aproveitamento da


contestação de um dos litisconsortes, pois que esta aproveita sempre aos demais
réus, não relevando se o litisconsórcio é necessário ou voluntário (art. 485º-a CPC).
Idêntica extensão vale, por maioria de razão, para o caso de algum dos litisconsortes
não cumprir o ónus de impugnação (art. 490º/1 CPC): também nesta hipótese o
litisconsorte que não impugnou certo facto beneficia da sua impugnação por um
outro réu.

49. Decisão da acção


O art. 29º CPC, estabelece que, no litisconsórcio necessário, as partes se apresentam
externamente como uma única parte e que, no litisconsórcio voluntário, elas
mantêm uma posição de autonomia. Esta distinção parece concretizar-se em
algumas disposições de autonomia. Esta distinção parece concretizar-se em
algumas disposições avulsas. Assim, no litisconsórcio voluntário, cada parte pode
desistir ou confessar a quota-parte do pedido ou transigir sobre essa quota-parte
(art. 298º/1 CPC), o recurso interposto por alguma das partes vencidas não
aproveita, em regra, aos não recorrentes (art. 683º/1 CPC) e o recorrente pode exclui
do recurso alguma das partes vencedoras (art. 684º/1 CPC); em contrapartida, no
litisconsórcio necessário, a confissão, desistência ou transacção só podem ser
realizadas com a intervenção de todos os litisconsortes (art. 298º/2 CPC), o recurso
interposto por qualquer dos litisconsortes aproveita sempre aos demais (art. 683º/1
CPC) e o recorrente nunca pode excluir nenhum dos litisconsortes vencedores (art.
684º/1 CPC).

Aparentemente, este regime demonstra que, no litisconsórcio voluntário, a decisão


pode ser diversa para cada um dos litisconsortes e que, no litisconsórcio necessário,
tal nunca se pode verificar.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

AS FORMAS DE COMPOSIÇÃO DA ACÇÃO

COMPOSIÇÃO PROVISÓRIA: PROVIDÊNCIAS CAUTELARES

50. Aspectos gerais


Nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar o proferimento
da decisão do Tribunal que resolve, de modo definitivo, aquele conflito. Por vezes,
torna-se necessário obter uma composição provisória da situação controvertida
antes do proferimento da decisão definitiva. Essa composição justifica-se sempre
que ela seja necessária para assegurar a utilidade e a efectividade da tutela
jurisdicional (art. 2º/2, in fine CPC) e, na medida em que contribui decisivamente
para o êxito dessa tutela, encontra o seu fundamento constitucional na garantia do
acesso ao direito e aos Tribunais (art. 20º/1 CRP).

A composição provisória realizada através das providências cautelares pode


prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de
garantir um direito, toma-se providências que garantem a utilidade da composição
definitiva; de definir uma regulação provisória, as providências definem uma
situação provisória ou transitória; ou de antecipar a tutela pretendida ou requerida,
as providências atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva.

As providências cautelares fornecem uma composição provisória. A provisoriedade


destas providências resulta quer da circunstância de elas corresponderem a uma
tutela que é qualitativamente distinta daquela que é obtida na acção principal de
que são dependentes (art. 383º/1 CPC), quer a sua necessária substituição pela
tutela que vier a ser definida nessa acção.

A tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do


direito substantivo, porque o direito processual é o meio de tutela dessas situações.
A composição provisória realizada através das providências cautelares não deixa de
se incluir nessa instrumentalidade, porque ela também serve os fins gerais de
garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional. Não, contudo, de uma forma
imediata, porque aquela composição provisória destina-se a garantir a eficácia e a
utilidade da própria tutela processual, pelo que é instrumental perante esta tutela e
só mediante as próprias situações jurídicas.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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O objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada,


mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a
antecipação da tutela que for requerida no respectivo procedimento.

Para atingir a finalidade de evitar a lesão ou a sua continuação, a composição


provisória tem de ser concedida com celeridade: as vantagens dessa composição
serão tanto maiores quanto mais cedo ela puder garantir o direito, regular
provisoriamente a situação ou antecipar a composição definitiva. Por isso, as
providências cautelares implicam necessariamente uma apreciação sumária
(summaria cognitio) da situação através de um procedimento simplificado e rápido.

A summaria cognitio justifica que certas providências cautelares possam ser


decretadas sem a prévia audição da contraparte, isto é, sem ser concedida a esta
parte o uso do contraditório. Esta possibilidade – que é coberta pelo desvio ao
princípio do contraditório admitido pelo art. 3º/2 CPC – encontra-se prevista em
dois níveis: num deles, proíbe-se a audição do requerido (arts. 394º e 408º/1 CPC;
1279º CC); no outro, permite-se (mas não se impõe) que a providência seja
decretada sem a audição do requerido (art. 385º/1 CPC).

Aos procedimentos cautelares são subsidiariamente aplicáveis as disposições gerais


sobre os incidentes da instância (art. 384º/3 CPC). Existem, todavia, algumas
especialidades, mesmo nos procedimentos onde são apreciadas as providências
comuns. Os procedimentos cautelares constituem uma das situações em, que a
citação do réu depende de prévio despacho judicial (art. 234º/4-b CPC). Por
conseguinte, o juiz, em vez de ordenar a citação, pode indeferir liminarmente o
requerimento, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de
forma evidente, excepções dilatórias insanáveis e de que o juiz deva conhecer
oficiosamente (art. 234º-A/1 CPC).

51. Pressupostos
A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora na
decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação
jurídica merece ser acautelada ou tutelada. A finalidade específica das providências
cautelares é, por isso, a de evitar a lesão grave e dificilmente reparável (art. 381º/1
CPC) proveniente da demora na tutela da situação jurídica, isto é, obviar ao
chamado periculum in mora. Esse dano é aquele que seria provocado quer por uma
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lesão iminente quer pela continuação de uma lesão em curso, ou seja, de uma lesão
não totalmente consumada.

Se faltar o periculum in mora, ou seja, se o requerente da providência não se


encontrar, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a
necessidade da composição provisória e a providência não pode ser decretada.
Quer dizer: esse periculum é um elemento constitutivo da providência requerida,
pelo que a sua inexistência obsta ao decretamento daquela.

Nas providências cautelares existem apenas a prova sumária do direito ameaçado,


ou seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do direito alegado
(arts. 403º/2, 407º/1 e 423º/ CPC), bem como do receio da lesão (arts. 381º/1,
384º/1, 387º/1, 406º/1, 407º/1, 421º/1 e 423º/1 CPC). As providências só requerem,
quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus da
prova entre o requerido e o requerente observe as regras gerais (art. 342º/1/2 CC).

Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que


a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência
desse direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.

O fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem
qualquer tradução numa discricionaridade do Tribunal quanto aos fundamentos da
providência; se isso não suceder, o Tribunal não a pode decretar, ainda que isso se
pudesse justificar por outros factores.

As providências cautelares exigem todos os pressupostos processuais gerais.


Especificamente quanto ao interesse processual, importa referir que ele falta sempre
que o requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação provisória ou a
antecipação da tutela através de um meio mais adequado que o procedimento
cautelar, ou seja, quando, em função das circunstâncias, aquele procedimento não
for meio mais célere e económico para obter a tutela dos interesses do requerente.

52. Providências especificadas


A regulamentação legal das providências cautelares assenta na seguinte dicotomia:
a lei define várias providências nominadas e admite, sempre que nenhuma delas
seja aplicável, uma providência comum de âmbito residual (art. 381º/3 CPC). As
providências nominadas são a restituição provisória da posse (arts. 393º a 395º
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CPC), a suspensão de deliberações sociais (arts. 396º a 398º CPC), os alimentos


provisórios (arts. 399º a 402º CPC), o arbitramento de reparação provisória (arts.
403º a 405º CPC), o arresto (arts. 406º a 411º CPC), o embargo de obra nova (arts.
412º a 420º CPC) e o arrolamento (arts. 421º a 427º CPC).

No grupo das providências nominadas, algumas visam garantir a realização de um


direito, outras destinam-se a regular provisoriamente uma situação e outras ainda
procuram antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter através da acção
principal.

a) Providências de garantia
· Arresto
O arresto e o arrolamento são providências cautelares cuja finalidade específica é
garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua execução. O arresto pode
ser requerido pelo credor que demonstre a probabilidade da existência do seu
crédito e tenha justo receio de perda da sua garantia patrimonial (arts. 406º/1 CPC;
601º e 619º/1 CC). O arresto consiste na apreensão judicial de bens do devedor
(arts. 406º/2 CPC; 619º/1 CC) ou de bens transmitidos pelo devedor a um terceiro
(arts. 407º/2 CPC; 619º/2 CC)

· Arrolamento
Enquanto o arresto visa assegurar a garantia patrimonial do credor, o
arrolamento destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens, móveis ou
imóveis, ou de documentos (art. 421º/1 CPC), que, para esse efeito, são descritos,
avaliados e depositados (art. 424º/1 CPC). Essa providência visa a conservação de
bens ou documentos determinados (art. 422º/1 CPC), sendo por isso que os
credores só a podem requerer quando haja necessidade de proceder à arrecadação
de herança ou dos próprios bens (arts. 422º/2 e 427º/2 CPC; 90º e 2048º/2 CC).

b) Providências de regulação
· Restituição provisória da posse
O possuidor que for esbulhado com violência, isto é, que for violentamente privado
do exercício, da retenção ou da fruição do objecto possuído, tem o direito de ser
restituído provisoriamente à sua posse, desde que alegue e prove os factos que
constituem posse, o esbulho e a violência (arts. 393º CPC; 1279º CC). A
reconstituição provisória da posse é justificada não só pela violência ou ameaças

Octávio Manuel Gomes Alberto


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contra as pessoas, mas também por aquela que é dirigida contra coisas, como
muros e vedações.

· Embargo de obra nova


O embargo de obra nova pode ser judicial ou extrajudicial. O embargo judicial pode
ser requerido por quem se sentir ofendido no seu direito de propriedade (ou de
compropriedade), num outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em
consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou ameace causar prejuízo
(art. 412º/1 CPC).

· Suspensão de deliberações sociais


Se alguma associação ou sociedade tomar, em assembleia-geral, deliberações
contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no
prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, desde que,
além de provar a sua qualidade de sócio, mostre que essa execução pode causar
dano apreciável (art. 396º/1 CPC).

O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de difícil
reparação. Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, não pode ser
requerida a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de dividendos.

c) Providências de antecipação
· Alimentos provisórios
A providência de alimentos provisórios pode ser requerida como dependência da
acção em que, principal ou acessoriamente, seja pedida uma prestação de alimentos
(arts. 399º/1 CPC; 2007º/1 CC). Essa causa pode ser, por exemplo, uma acção de
reconhecimento da maternidade ou paternidade (arts. 1821º, 1873º e 1884º/1 CC).
Os alimentos provisórios são fixados numa quantia mensal (art. 399º/1 CPC),
tomando em consideração o que for estritamente necessário para o sustento, a
habitação e o vestuário do requerente e ainda para as despesas da acção, se o autor
não puder beneficiar de apoio judiciário (art. 399º/2 CPC).

· Arbitramento de reparação
Como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão corporal,
pode o lesado, bem como aqueles que lhe podiam exigir alimentos ou aqueles a
quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, requerer o
arbitramento de uma quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação
Octávio Manuel Gomes Alberto
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provisória do dano (art. 403º/1 CPC). O mesmo pode ser requerido nos casos em
que a pretensão indemnizatória se funda em dano susceptível de pôr seriamente em
causa o sustento ou habitação do lesado (art. 403º/4 CPC).

A providência requerida é decretada se se verificar uma situação de necessidade em


consequência das lesões sofridas e se estiver indiciada a existência da obrigação de
indemnizar a cargo do requerido (art. 403º/2 CPC). O montante da reparação
provisória é fixado equitativamente e é subtraído ao quantitativo indemnizatório
que vier a ser apurado na acção principal (art. 403º/3 CPC).

53. Providências comuns


Não cabendo nenhuma das providências nominadas, a garantia da execução da
decisão final, a regulação provisória e a antecipação da tutela podem ser obtidas
através de uma providência cautelar não especificada (art. 381º/3 CPC). As
providências não especificadas só podem ser requeridas quando nenhuma
providência nominada possa ser utilizada no caso concreto: nisto consiste a
subsidiariedade dessas providências.
Esta subsidiariedade pressupõe que nenhuma providência nominada seja
abstractamente aplicável e não que a providência aplicável em abstracto deixe de o
ser por motivos respeitantes ao caso concreto.

Para que uma providência cautelar não especificada possa ser decretada são
necessários, além do preenchimento das condições relativas à referida
subsidiariedade (art. 381º/3 CPC), vários pressupostos específicos:
 O fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na
pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do
requerente (arts. 381º/1 e 387º/1 CPC);

 A adequação da providência concretamente requerida à efectividade do


direito ameaçado (art. 381º/1 CPC);

 O excesso considerável do dano que se pretende evitar com a providência


sobre o prejuízo resultante do seu decretamento (art. 387º/2 CPC).

As providências cautelares comuns destinar-se-ão primordialmente a regular


provisoriamente uma situação e a antecipar a tutela definitiva. O art. 381º/1 CPC,
refere explicitamente providências com eficácia conservatória e antecipatória do
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efeito da decisão principal, mas isso não parece revestir-se de qualquer significado
limitativo.

As providências cautelares não especificadas também podem ser utilizadas para


obter a antecipação da tutela de uma situação jurídica.

54. Características
a) Dependência
As providências cautelares têm por função obter uma composição provisória. Essas
providências são decretadas em processos especiais próprios (os procedimentos
cautelares, arts. 381º a 427º CPC) e, porque visam compor provisoriamente a
situação das partes, são dependência de uma acção cujo objecto é a própria
situação acautelada ou tutelada (arts. 383º/1, 399º/1, 403º/1 e 421º/2 CPC). Essa
acção pode ser declarativa ou executiva (art. 383º/1 in fine CPC), embora, nesta
última, não sejam frequentes as hipóteses em que está assegurado o interesse
processual no decretamento da providência. A acção principal pode decorrer
perante um Tribunal estadual ou Arbitral.

Dada esse dependência, as providências caducam se a acção principal vier a ser


julgada improcedente (art. 389º/1-c CPC) ou se o réu for nela absolvido da instância
e o autor não propuser, dentro do prazo legal, uma nova acção (art. 389º/1-d; sobre
esse prazo art. 289º/2 CPC). Se a acção principal for julgada procedente, verifica-se,
em regra a substituição da composição provisória pela definitiva resultante dessa
decisão.

As providências cautelares podem ser requeridas antes da propositura da acção


principal ou durante a pendência desta última (art. 383º/1, 2ª parte CPC), mas nunca
após o trânsito em julgado da decisão dessa acção. Como dependência da mesma
causa não pode ser requerida mais do que uma providência relativa ao mesmo
objecto, ainda que uma delas seja julgada injustificada ou tenha caducado (art.
381º/4 CPC).

As providências cautelares podem ser solicitadas mesmo quando não esteja


pendente nenhuma acção (art. 383º/1, 2ª parte CPC). Isso possibilita a situação em
que a providência é requerida, mas a acção principal nunca chega a ser proposta
pelo requerente.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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b) Celeridade
As providências cautelares são apreciadas e decretadas nos procedimentos
cautelares. Dada a celeridade indispensável a essas providências, estes
procedimentos revestem sempre carácter urgente e os respectivos actos precedem
qualquer outro serviço judicial não urgente (art. 382º/1 CPC); como consequência
desta urgência, os prazos processuais neles previstos não se suspendem sequer
durante as férias judiciais (art. 144º/1 CPC).

c) Modificação
O Tribunal não está adstrito à providência requerida (art. 392º/3, 1ª parte CPC), isto
é, pode decretar uma providência distinta daquela que foi solicitada (art. 661º/3
CPC). Esta faculdade concedida ao Tribunal decorre da não vinculação deste órgão à
indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte CPC) e
pressupõe, naturalmente, que os factos alegados pelo requerente possibilitem essa
conversão. Desse regime também decorre que uma idêntica modificação da
providência pelo próprio requerente não é condicionada pelo disposto no art.
273º/1/2 CPC.

d) Cumulação
O requerente pode solicitar o decretamento de várias providências cautelares num
mesmo procedimento cautelar, desde que a tramitação para cada uma delas não
seja absolutamente incompatível e essa cumulação corresponda a um interesse
relevante ou seja indispensável para a justa composição do litígio (art. 392º/3, 2ª
parte CPC). Isso significa que se podem cumular tanto diferentes providências
especificadas, como providências nominadas e providências comuns.
Podem cumular-se duas ou mais providências cautelares se, na acção de que
são dependentes (art. 383º/1 CPC), for admissível a cumulação dos respectivos
pedidos.

e) Proporcionalidade
A provisoriedade cautelares e a sua finalidade de garantia, de regulação ou de
antecipação justificam que as medidas tomadas ou impostas devam ser as
adequadas às situações que se pretende acautelar ou tutelar. As relações entre
aquelas medidas e estas situações devem orientar-se por uma regra de
proporcionalidade: as medidas provisórias não podem impor ao requerido um

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sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente deseja


acautelar ou tutelar provisoriamente (arts. 387º/2; 397º/2, 408º/2/3 e 419º CPC).

f) Eficácia relativa
Uma das consequências da summaria cognitio e da suficiência da mera justificação
no julgamento da providência é a insusceptibilidade de a decisão proferida na
procedimento cautelar produzir qualquer efeito de caso julgado na respectiva acção
principal: o julgamento da matéria de facto e a decisão final proferida no
procedimento cautelar não têm qualquer influência no julgamento da acção
principal (art. 383º/4 CPC). Como a providência decretada caduca se a acção vier a
ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado (art. 389º/1-c CPC),
também isso demonstra que o seu decretamento, não é vinculativo na acção
principal (que, apesar desse decretamento, vem a ser julgada improcedente).

Pela mesma razão, a desistência da providência e a confissão do pedido (art. 293º/1


CPC) realizadas no procedimento cautelar não podem condicionar a apreciação da
acção principal.

g) Substituição por caução


As providências cautelares destinam-se a obter uma composição provisória que
tutela ou acautela o interesse na efectividade da tutela jurisdicional. Isso não
impede, contudo, que esse interesse possa ser acautelado de outra forma. Uma
delas consiste na prestação de uma caução pelo requerido em substituição do
decretamento da providência: é o que é admissível nas providências cautelares não
especificadas (art. 387º/3 CPC) e no embargo de obra nova (art. 419º/1 CPC).

A substituição da providência cautelar pela prestação de caução pelo requerido


pressupõe, no entanto, que através desta se pode obter o mesmo efeito a que se
destina aquela providência. Normalmente, a providência cautelar pode ser
substituída por caução, sempre que ela vise evitar um prejuízo patrimonial.

h) Garantia e execução
De molde a assegurar a efectividade da providência cautelar decretada, é admissível
a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, se a providência impuser uma
prestação de facto infungível e esta não exigir especiais qualidades científicas ou
artísticas do requerido (arts. 384º/2 CPC; 829º-A/1 CC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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55. Caducidade
As providências cautelares fornecem, uma composição provisória, pelo que elas
caducam se a decisão que vier a ser proferida na acção principal não for compatível
com a medida provisória decretada. É o que acontece quando essa acção for
julgada improcedente por uma sentença transitada em julgado (art. 389º/1-c CPC).
A caducidade da providência cautelar decorrente da extinção do direito acautelado
(art. 389º/1-e CPC) é apenas uma das situações possíveis de inutilidade
superveniente dessa providência (art. 287º-e CPC), pelo que essa inutilidade pode
decorrer de outros fundamentos.

Normalmente a caducidade da providência abrange-a na totalidade, mas também


são pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por exemplo, a
acção for julgada parcialmente improcedente no despacho saneador (art. 510º/1-b
CPC), a providência decretada só caduca na parte respectiva (art. 389º/1-c CPC); o
mesmo sucede se o direito acautelado se extinguir apenas em parte (art. 289º/1-e
CPC).

A caducidade da providência não opera automaticamente e nem sequer é de


conhecimento oficioso. O levantamento da providência com fundamento na sua
caducidade depende de solicitação do requerido, que é apreciada após a audição
do requerente (art. 389º/4 CPC).

56. Responsabilidade do requerente


Pode suceder que a providência requerida venha a mostrar-se injustificada pela falta
quer do próprio direito acautelado ou tutelado, quer do fundamento do seu
decretamento; também pode acontecer que a providência decretada, inicialmente
justificada, venha a caducar por facto imputável ao requerente (art. 389º/1 CPC). Em
todos estes casos, o requerente, se não tiver agido com a prudência normal, é
responsável pelos danos causados ao requerido (art. 390º/1; quanto ao arresto, art.
621º CC). Essa responsabilidade está instituída na lei como uma contrapartida da
provisoriedade das providências cautelares e é garantida pela caução que o
Tribunal, mesmo sem solicitação do requerido, pode exigir ao requerente (art.
390º/2 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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A responsabilidade do requerente pressupõe que a providência é injustificada no


momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela decisão proferida
na acção principal.

COMPOSIÇÃO POR REVELIA

57. Noção
A composição da acção pode ser decisivamente influenciada pela omissão de um
acto processual: trata-se da revelia do réu, que consiste na abstenção definitiva da
contestação.

A contestação – na qual o réu pode impugnar as afirmações do autor ou deduzir


uma excepção (art. 487º/1 CPC) – constitui um ónus da parte, não existindo, assim,
qualquer dever de contestar. Daí decorre que a revelia não determina a aplicação ao
réu de qualquer sanção (pecuniária, nomeadamente), mas antes certas
desvantagens quanto à decisão da acção.

58. Modalidades
a) Revelia absoluta e relativa
A revelia é absoluta quando o réu não pratica qualquer acto na acção pendente;
é relativa se o réu não contesta, mas prática em juízo qualquer outro acto
processual, designadamente a constituição de mandatário judicial.

b) Revelia operante e inoperante


A revelia – quer a relativa, quer a absoluta – pode ser operante ou inoperante.
É operante quando produz efeitos quanto à composição da acção;
é inoperante quando esses efeitos não se realizam, isto é, quando a falta de
contestação nada implica quanto à decisão da causa (arts. 233º/1; 484º/1; 485º-b, 2ª
parte; 233º/6 e 248º; 485º-a; 485º-c CPC; art. 354º-b CC; art. 485º-d CPC; art. 364º
CC). As situações que conduzem à inoperância da revelia são comuns ao processo
ordinário, sumário e sumaríssimo, pois, na falta de uma regulamentação específica,
vale para estes últimos o que se encontra estipulado para o processo ordinário (arts.
463º/1 e 464º CPC).

59. Efeitos
A revelia operante implica uma importante consequência quanto à decisão da
acção. Essa consequência, que se produz ex lege e não ex voluntate, consiste no
Octávio Manuel Gomes Alberto
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seguinte: a revelia operante implica a confissão dos factos articulados pelo autor
(art. 484º/1 CPC; quanto à aplicação dessa regra ao processo sumário e
sumaríssimo, arts. 463º/1 e 464º CPC).

O efeito cominatório realizado pela revelia não prevalece sobre a matéria de


conhecimento oficioso, nomeadamente as excepções dilatórias de que o Tribunal
deva conhecer ex officio (art. 495º CPC) e que obstem à apreciação do mérito da
causa (art. 288º/3 CPC).

O efeito cominatório da revelia operante também não pode prevalecer sobre os


efeitos ilegais pretendidos pelo autor. Se a confissão ficta ou presumida que resulta
da revelia respeitar a factos impossíveis ou notoriamente inexistentes ou se o autor
tiver formulado um pedido ilegal ou juridicamente impossível, essa confissão não é
admissível (art. 354º-c CC) e o Tribunal não os deve considerar admitidos por um
acordo e deve abster-se de apreciar esse pedido.

COMPOSIÇÃO PELO TRIBUNAL

60. Decisão judicial


A decisão é o acto do Tribunal no qual este órgão julga qualquer matéria que lhe
compete apreciar por iniciativa própria, quer mediante solicitação das partes. A
decisão é, assim, o acto processual que exprime, por excelência, o exercício da
função jurisdicional pelo Tribunal.

Toda a decisão comporta dois elementos essenciais: os fundamentos e a conclusão


ou decisão em sentido estrito. Os fundamentos incluem a matéria de facto relevante
e o regime jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido estrito contém a
conclusão que se extrai da aplicação do direito aos factos. Para a individualizar, a
decisão inicia-se com um relatório, em que se identificam o processo a que respeita
e as questões a resolver (art. 659º/1 CPC), e, para assegurar a sua genuinidade, ela
deve ser assinada e datada (arts. 157º/1 e 2; 668º/1-a CPC).

O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo


constitucional, embora restringido aos casos e termos previstos na lei ordinária (art.
205º/1 CRP).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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61. Modalidades
A principal diferenciação nas decisões judiciais distingue-as em sentenças e
despachos (art. 156º/1 CPC). As sentenças são, em regra, as decisões sobre o mérito
da causa ou sobre um incidente com a estrutura de uma causa (art. 156º/2 CPC),
mas também podem conhecer de aspectos processuais (art. 660º/1 CPC); das
sentenças que conhecem do mérito da causa pode interpor-se recurso de apelação
(art. 691º/1 CPC). Os despachos são, em princípio, decisões sobre aspectos
processuais e, por isso, são, em regra, decisões interlocutórias, embora também
possam incidir sobre o mérito (art. 510º/1-b CPC) e, mesmo fora destes casos,
possam ser decisões finais (art. 510º/1-a CPC); dos despachos que não conhecem
do mérito da causa cabe recurso de agravo (art. 733º CPC) e daqueles que apreciam
esse mérito pode apelar-se (art. 691º CPC).

Às decisões dos Tribunais colectivos atribui-se a designação especial de acórdãos


(art. 156º/3 CPC). Quando o acórdão da Relação conhece do mérito da causa, dele
cabe revista (art. 721º/2 CPC); quando isso não sucede, cabe agravo (art. 754º/1
CPC).

Alguns despachos incidem somente sobre aspectos burocráticos do processo e da


sua tramitação e, por isso, não possuem um conteúdo característico do exercício da
função jurisdicional, nem afectam a posição processual das partes ou de terceiros.
São os chamados despachos de mero expediente, que são aqueles que se destinam
a prover ao andamento regular do processo e nada decidem quanto ao conflito de
interesses entre as partes (art. 156º/4, 1ª parte CPC)

Os despachos discricionários são aqueles cujo conteúdo é determinado pelo


prudente arbítrio do julgador (art. 156º/4, 2ª parte CPC), ou seja, por critérios de
conveniência e oportunidade. Assim, são despachos discricionários todos aqueles
que estabelecem prazos judiciais (art. 144º/1 CPC), com ou sem limites legais (arts.
24º/2; 25º/1; 33º 40º/2; 486º/4 e 5; 508º/2 e 3 CPC).

Os despachos de mero expediente e os despachos discricionários não admitem


recurso (art. 679º CPC), nem reclamação (art. 700º/3 CPC)

Octávio Manuel Gomes Alberto


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B - DA ACÇÃO DECLARATIVA Propriamente dita

DINÂMICA DA INSTÂNCIA (VICISSITUDES E FASES DO PROCESSO)

VICISSITUDES

62. Início
A instância inicia-se com a propositura da acção, entendendo-se que esta se
considera proposta, intentada ou pendente quando for recebida na secretaria (art.
150º/3 CPC) a respectiva petição inicial ou, se esta tiver sido enviada pelo correio, na
data do seu registo postal (arts. 267º/1; 150º/1 CPC). No entanto, em relação ao réu,
os efeitos decorrentes da pendência da causa só se produzem, em regra, após a sua
citação (art. 267º/2 CPC; sobre uma excepção a esta regra, art. 385º/6 CPC).

63. Suspensão
São várias as circunstâncias que determinam a suspensão da instância:
· Quando falecer ou se extinguir alguma das partes (arts. 276º/1-a; 277º/1
CPC), salvo se já tiver começado a audiência final ou se o processo já tiver
inscrito em tabela para julgamento, hipótese em que a instância só se
suspende depois de ser proferida a sentença ou o acórdão (art. 277º/1 CPC);
· Nos processos em que for obrigatória a constituição de advogado (arts. 32º/1
e 3; 276º/1-b; 278º; 284º/1-b CPC);
· Sempre que o Tribunal a ordene (arts. 276º/1-c; 279º/1; 97º/1; 284º/1-c CPC);
· Sempre que a lei o determine (arts. 276º/1-d – 12º/2 e 5; 24º/2; 25º/1; 39º/3;
356º; 549º/3; 550º/3; e 551º-A/4; no art. 1940º/3 CC; no art. 14º/3 DL 329-
A/95, de 12/12; no art. 24º/1-b, DL 387-B/87, de 29/12, e ainda no art.
3º/2, CRegP.);
· A vontade das partes também constitui uma causa de suspensão da instância:
as partes podem acordar nessa suspensão por um prazo não superior a seis
meses (art. 279º/4 CPC).

Durante a suspensão da instância só se podem praticar os actos urgentes


destinados a evitar o dano irreparável (art. 283º/1, 1ª parte CPC) e os prazos judiciais
não correm enquanto ela se mantiver (art. 283º/2, 1ª parte CPC). Mas a suspensão
não impede a desistência, confissão ou transacção, desde que estas não se tornem

Octávio Manuel Gomes Alberto


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impossíveis ou não sejam afectadas pelo fundamento da suspensão (art. 283º/3


CPC).

64. Interrupção
A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um
ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum
incidente do qual dependa o seu andamento (art. 285º CPC). A interrupção da
instância é, assim, consequência do incumprimento do ónus de impulso
subsequente das partes (art. 265º/1 CPC). A interrupção cessa se o autor requerer
algum acto do processo ou do incidente de que dependa o andamento dele (art.
286º CPC).

A interrupção da instância provoca um importante efeito substantivo – é ele, aliás,


que justifica a ressalva feita no art. 286º in fine CPC. Quando a caducidade se refere
ao exercício jurisdicional de um direito potestativo, a interrupção da instância
implica que não se conta, para efeitos dessa caducidade, o prazo decorrido entre a
propositura da acção e aquela interrupção (art. 332º/2 CC). Isto é, o prazo de
caducidade começa a correr de novo com a interrupção da instância, pelo que pode
suceder que ele se esgote antes de cessar essa interrupção.

65. Extinção
O meio normal de extinção da instância na acção declarativa é o julgamento
(art. 287º-a CPC), que, aliás, pode decorrer de uma sentença de mérito ou de
absolvição da instância (arts. 288º e 289º CPC). Mas existem outras causas de
extinção da instância.

São elas:
 A celebração de um compromisso Arbitral (arts. 287º-b; 290º CPC; art. 1º/1 e
2 LAV), ou seja, a atribuição da competência para o julgamento da acção
pendente a um Tribunal Arbitral;
 A deserção da instância (art. 287º-c CPC), isto é, a interrupção da instância
durante dois anos (art. 291º/1 CPC);
 A desistência, confissão ou transacção (art. 287º-d; 293º a 295º CPC);
 A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art. 287º-e CPC).

Com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e substantivos


da pendência da acção (art. 481º CPC; arts. 323º/1 e 2; 805º/1; e 1292º CC). A
Octávio Manuel Gomes Alberto
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desistência, absolvição e deserção da instância, bem como a caducidade do


compromisso Arbitral (art. 4º LAV), implicam que o prazo prescricional – cujo
decurso fora interrompido pela citação do réu (art. 323º/1 CC) ou passados 5 dias
depois de esta ter sido requerida (art. 323º/2 CC) – começa a correr de novo (e
desde o início) a partir desse acto interruptivo (arts. 327º/2 e 326º/1 CC).

FASES DO PROCESSO

66. Noção

A tramitação da acção comporta uma sequência de actos que pode ser decomposta
em várias fases.

A fase processual pode ser construída através de um critério cronológico ou lógico:


naquela primeira acepção, a fase engloba os actos temporalmente contíguos na
marcha do processo, mesmo que realizem finalidades distintas; em sentido lógico, a
fase abrange todos os actos, qualquer que seja o momento em que sejam
praticados, que prossigam uma mesma finalidade.

Assim, a fase do processo integra todos os actos que realizam uma mesma
função, ainda que eles sejam praticados antes do início ou depois do termo da
respectiva fase em sentido cronológico.

FASES DOS ARTICULADOS

67. Função da fase


A fase dos articulados é aquela em que as partes da acção – o autor e o réu –
apresentam as razões de facto e de direito que fundamentam as posições que
defendem em juízo e solicitam a correspondente tutela judicial. É através dos
articulados que as partes iniciam o seu diálogo na acção.

68. Articulados
São as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e
formulam os pedidos correspondentes (art. 151º/1 CPC). Essas peças recebem o
nome de articulados, porque, em princípio, nas acções, nos incidentes e nos
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procedimentos cautelares é obrigatória a dedução por artigos dos factos que


interessam à fundamentação do pedido ou da defesa (art. 151º/2 CPC), isto é, cada
facto deve ser alegado separadamente num artigo numerado. O processo ordinário
comporta, na tramitação normal, quatro articulados: a petição inicial (art. 467º CPC),
a contestação (art. 486º CPC), a réplica (art. 502º CPC) e a tréplica (art. 503º CPC);
em determinadas situações, podem ainda ser apresentados articulados
supervenientes (art. 506º CPC).

69. Apoio judiciário


O apoio judiciário é, em conjunto com a consulta jurídica, uma das modalidades da
protecção jurídica (art. 6º DL 387-B/87, de 29/12; art. 20º/2 CRP). Têm direito à
protecção jurídica as pessoas singulares e colectivas que demonstrem não dispor de
meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais da causa
(art. 7º/1 e 4, DL 387-B/87), ou seja, as pessoas para as quais esses encargos possam
constituir motivo inibitório do recurso ao Tribunal (art. 7º DL 391/88, de 26/10).

Gozam da presunção de insuficiência económica aqueles que requeiram alimentos


ou que os estejam a receber por necessidade económica, que reúnam as condições
exigidas para a atribuição de quaisquer subsídios em razão da sua carência de
rendimentos, que tenham rendimentos mensais provenientes do trabalho iguais ou
inferiores a uma vez e meia o salário mínimo nacional, bem como o filho menor
para efeitos de investigar ou impugnar a sua maternidade ou paternidade (art.
20º/1, DL 387-B/87).

A protecção jurídica – e, portanto, o apoio judiciário – é concedido para as causas


em que o requerente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos
lesados ou ameaçados de lesão (art. 8º DL 387-B/87). O apoio judiciário aplica-se
em todos os Tribunais, qualquer que seja a forma processual do requerente e da sua
concessão à parte contrária (art. 17º/1, DL387-B/87), e, se for atribuído, compreende
a dispensa, total ou parcial, de taxas de justiça e do pagamento das custas, ou o seu
diferimento, assim como a dispensa do pagamento dos serviços do advogado ou
solicitador (art. 15º/1, DL 387-B/87). Essa dispensa abrange as despesas com os
exames requeridos a organismos oficiais e as multas que condicionam o exercício de
uma faculdade processual.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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70. Petição inicial


A petição inicial é o primeiro articulado do processo, no qual o autor alega os
fundamentos de facto e de direito da situação jurídica invocada e formula o
correspondente pedido contra o réu.

A entrega da petição inicial é o resultado de uma actividade prévia do advogado do


autor e, frequentemente, de várias opções quanto à estratégia a adoptar. Aquela
actividade inclui a indagação dos factos relevantes para a fundamentação da
posição do seu mandante e a averiguação dos meios de prova susceptíveis de ser
utilizados por esta parte (art. 456º/2-a), b) CPC).

A petição inicial contém, em termos formais, quatro partes: o intróito ou cabeçalho,


a narração, a conclusão e os elementos complementares. A petição inicial começa
por um intróito ou cabeçalho, no qual é designado o Tribunal onde a acção é
proposta (art. 467º/1-a CPC), se identificam as partes através dos seus nomes,
residências, profissões e locais de trabalho (art. 467º/1-a CPC) e se indica a forma do
processo (art. 467º/1-b CPC). Se a petição inicial não contiver estes elementos,
a secretaria deve recusar o seu recebimento (art. 474º-a), b), c) CPC).

Na narração, o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de


fundamento à acção (art. 467º/1-c CPC). Esta parte da petição inicial contém a
exposição dos factos necessários à procedência da acção, isto é, a alegação dos
factos principais, bem como dos factos instrumentais para os quais seja oferecida
prova documental que deva ser junta à petição inicial (art. 523º/1 CPC). Os factos
devem ser deduzidos por artigos (art. 151º/2 CPC) e, se faltar qualquer facto
essencial, a petição é inepta por falta de causa de pedir (art. 193º/2-a CPC).

À narração dos factos e das razões de direito segue-se a conclusão. É nesta parte da
petição inicial que o autor deve formular o pedido (art. 467º/1-d CPC), isto é, definir
a forma de tutela jurídica que pretende a situação jurídica alegada. A falta de
indicação do pedido ou a contradição deste com a causa de pedir apresentada na
narração importam a ineptidão da petição inicial (art. 193º/2-a, b CPC).

A petição inicial termina com algumas indicações complementares (arts. 467º/1-


e/2; 474º-d, e; 523º/1; 255º/1; 32º/1-a, b; 40º CPC). A petição inicial deve ser
entregue ou enviada à secretaria judicial do Tribunal competente (art. 150º/1 e 3
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CPC). A acção considera-se proposta, intentada ou pendente logo que aquele


articulado seja recebido na secretaria (art. 267º/1 CPC).

O art. 234º/4 CPC, enumera as hipóteses em que a citação do réu é precedida de


despacho judicial e o art. 234º-A/1 CPC, estabelece os casos em que o juiz é
chamado a proferir aquele despacho pode indeferir liminarmente a petição. O
indeferimento limiar pode basear-se na improcedência manifesta da acção ou na
existência de uma excepção dilatória insanável e de conhecimento oficioso
(art. 234º-A/1 CPC). Esse indeferimento pode ser parcial, tanto quanto a um dos
objectos cumulados, como quanto a um dos vários autores ou réus.

O indeferimento liminar extingue a instância (art. 287º-a CPC), e produz caso


julgado quanto ao seu fundamento. Por aplicação analógica do art. 476º CPC, o
autor pode entregar, no prazo de 10 dias após a notificação do indeferimento
liminar, uma nova petição inicial.
O art. 234º-A/1 CPC, coloca o problema de saber se o único despacho admissível
nesse momento é o de indeferimento liminar. Pode perguntar-se se, perante uma
petição irregular ou deficiente, o juiz está impedido de solicitar a sanação da
irregularidade ou de convidar o autor a aperfeiçoar esse articulado.

71. Citação do réu (art. 480º - art. 233º CPC)


A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra
ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (art. 228º/1, 1ª
parte – 480º CPC). Em regra, a citação é posterior à distribuição, mas, quando aquela
não deva realizar-se editalmente (art. 233º/6 CPC), o autor pode requerer,
invocando os respectivos motivos, que a citação preceda a distribuição (art. 487º/1
CPC). A citação do réu está submetida aos princípios da oficiosidade e da celeridade
(arts. 234º/1 e 479º CPC).

A citação pode ser pessoal ou edital (art. 233º/1 CPC). A citação pessoal é aquela
que é feita através de contacto directo com o demandado ou que é efectuada em
pessoa diversa do citando, mas encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto
(art. 233º/4; sobre estas situações: arts. 233º/5, 236º/2 e 240º/2, 2ª parte CPC). A
citação pessoal pode ser realizada através da entrega ao cintando de carta registada
com aviso de recepção, nos casos de citação postal (art. 233º/2-a CPC), mas
também pode ser efectuada através de contacto pessoal do funcionário judicial (art.
233º/2-b CPC) ou do mandatário judicial do autor com o citando (art. 233º/3 CPC).
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Em regra, a citação é pessoal (art. 233º/6 CPC) e, em regra também, é realizada pela
via postal (arts. 239º/1 e 245º/2 CPC).

Modalidades de citações:
 Citação postal (art. 236º/1 CPC);
 Citação por funcionário judicial (arts. 235º; 239º/1; 240º/2, 4 – art. 348º CP –
art. 241º CPC);
 Citação por mandatário judicial (art. 245º/2 CPC)
 Citação edital (art. 233º/6 CPC)
 Citação no estrangeiro (art. 247º/1 CPC).

A citação pode ser impossível por três circunstâncias: a incapacidade de facto do


citando (art. 242º CPC), a ausência do citando em parte certa e por tempo limitado
(art. 243º CPC) e a ausência dele em parte incerta (art. 244º CPC). No primeiro caso,
se o juiz reconhecer a incapacidade do réu, é-lhe nomeado um curador provisório
(art. 242º/3 CPC); no segundo, faculta-se ao Tribunal a opção entre proceder à
citação postal ou aguardar o regresso do citando (art. 243º CPC); por fim, no
terceiro, procura-se obter, junto de quaisquer entidades, serviços ou autoridades
policiais, informações sobre paradeiro ou a ultima residência conhecida do citando
(art. 244º/1 CPC), utilizando, em seguida, se essa ausência for confirmada, a citação
edital (arts. 233º/6, e 248º CPC).

A citação pode faltar (art. 195º CPC) e ser nula (art. 198º CPC). Segundo o disposto
no art. 195º CPC, verifica-se a falta de citação quando o acto tenha sido
completamente omitido, quando tenha havido erro de identidade do citado,
quando se tenha empregado indevidamente a citação edital (arts. 233º/6 e 251º
CPC), quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da
extinção deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação deste e
ainda quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter
conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, ou seja, quando ele
tenha ilidido a presunção estabelecida no art. 238º CPC, ou quando a citação tenha
sido realizada apesar da sua incapacidade de facto (art. 242º CPC). A falta de citação
considera-se sanada se o réu ou o Ministério Público intervierem no processo e não
arguirem o vício (art. 196º CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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A citação é nula quando, na sua realização, não hajam sido observadas as


formalidades prescritas na lei (art. 198º/1 CPC) – arts. 235º e 246º/1 CPC), desde que
essa inobservância possa prejudicar a defesa do citado (art. 198º/4 CPC)

72. Contestação
A contestação é a resposta do réu à petição inicial do autor, ou seja, é a
manifestação da posição do réu perante aquele articulado do autor. Pode ser
entendida num sentido material ou formal. A contestação em sentido material é
qualquer acto praticado pelo réu, no qual essa parte mostre a sua oposição ao autor
e ao pedido formulado por esta parte (arts. 486º/2 e 487º/1 CPC).
A contestação em sentido formal é o articulado de resposta do réu à petição inicial
do autor: à contestação em sentido formal referem-se por exemplo os arts. 488º e
489º/1 CPC.

O réu pode tomar uma de duas atitudes fundamentais perante a petição inicial:
opor-se ao pedido do autor ou não se opor a ele. A opção por uma destas condutas
depende dos factos indagados pelo mandatário do réu e das provas de que esta
parte possa dispor, havendo, naturalmente, que observar o dever de verdade que
recai sobre essa parte (art. 456º/2-a, b CPC) e o dever de não advogar contra a lei
expressa e de não usar meios ou expedientes ilegais que obriga o mandatário (art.
78º-b EOA).

A contestação do réu marca a sua oposição relativamente ao pedido do autor. A


contestação pode consistir na impugnação dos factos articulados pelo autor ou na
invocação de uma ou várias excepções dilatórias ou peremptórias (art. 487º CPC). A
escolha da modalidade da defesa (por impugnação ou por excepção) é
condicionada pela posição que o réu pretende assumir na acção (arts. 487º/2 e
493º/2 e 3 CPC).

Em conjunto com a contestação ou independente dela, o réu pode formular um


pedido reconvencional contra o autor (art. 501º CPC). Sempre que o pedido
reconvencional não esteja sujeito a qualquer preclusão se não for formulado na
acção pendente, a opção pela sua formulação nessa acção só deve ser tomada
quando for possível coligir, no prazo de contestação, todos os elementos
necessários para a sua procedência.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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A reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, na qual devem


ser expostos os seus fundamentos, formulado o correspondente pedido e indicado
o seu valor (art. 501º/1 e 2 CPC).

O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da sua citação (art. 486º CPC). A
esse prazo acresce uma dilação de 5 dias quando a citação não tenha sido realizada
na própria pessoa do réu (arts. 236º/2 e 240º/2 e 3 CPC) e quando o réu tenha sido
citado fora da comarca sede do Tribunal onde pende a acção (art. 252º-A/1 CPC).
O articulado de contestação apresenta o mesmo conteúdo formal da petição inicial
(art. 488º CPC).

A contestação (em sentido material) está submetida a uma regra de concentração


ou de preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na contestação (art. 489º/1 CPC),
ou melhor, no prazo da sua apresentação (art. 486º/1 CPC), pelo que fica precludida
quer a invocação dos factos que, devendo ter sido alegados nesse momento, não o
foram, quer a impugnação, num momento posterior, dos factos invocados pelo
autor. Se aqueles factos forem invocados fora do prazo determinado para a
contestação, o Tribunal não pode considerá-los na decisão da causa; se o fizer,
incorre em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade daquela decisão (art.
668º/1-d, 2ª parte CPC).

Para determinar a incidência desta regra de concentração ou de preclusão, importa


ter presente que, na contestação, o réu tanto pode alegar factos novos que
fundamentam uma excepção dilatória ou peremptória, como limitar-se a impugnar
os factos invocados pelo autor na petição inicial (art. 487º/2 CPC).

73. Conteúdo material


A contestação pode revestir as modalidades de defesa por impugnação e por
excepção (art. 487º/1 CPC). A defesa por impugnação pode ser directa ou de facto
ou indirecta ou de direito:
 A impugnação directa ou de facto consiste na contradição pelo réu dos
factos articulados na petição inicial (art. 487º/2, 1ª parte CPC);
 A impugnação é indirecta ou de direito quando o réu afirma que os factos
alegados pelo autor não podem produzir o efeito jurídico pretendido por
essa parte (art. 487º/2, 1ª partein fine CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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A impugnação directa é um meio de defesa do réu; como o Tribunal conhece


oficiosamente a matéria de direito (art. 664º, 1ª parte CPC), este órgão, mesmo sem
essa impugnação, deve controlar se os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor
podem decorrer dos factos alegados por esta parte. A delimitação entre a
impugnação indirecta e a excepção peremptória faz-se, por isso, através do seguinte
critério:
 Se o réu se limita a negar o efeito jurídico pretendido pelo autor, isto é, a
atribuir uma diferente versão jurídica dos factos invocados pelo autor, há
impugnação indirecta;
 Se, pelo contrário, o réu opõe a esse efeito a alegação de um facto
impeditivo, modificativo ou extintivo, verifica-se a dedução de uma
excepção peremptória.

a) Defesa por excepção:


Consiste na invocação de factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou
que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado
pelo autor, importam a improcedência total ou parcial do pedido (art. 487º/2, 2ª
parte CPC). No primeiro caso, o réu alega a falta de um pressuposto processual e
invoca uma excepção dilatória (art. 493º/2 CPC); no segundo, o réu opõe uma
excepção peremptória (art. 493º/3 CPC).

b) Defesa por impugnação:


A impugnação directa deve abranger os factos principais articulados pelo autor na
petição inicial (art. 490º/1 CPC); se assim não suceder, consideram-se admitidos por
acordo os factos que não forem impugnados (art. 490º/2, 1ª parte CPC).

A contestação produz efeitos processuais, inclui-se a possibilidade, admitida em


certos casos, de réplica do autor (art. 502º/1 e 2 CPC). E substantivos, importa
referir que a contestação torna litigioso o direito afirmado ou a coisa discutida em
juízo, o que revela, por exemplo, para a proibição da cessação daquele direito (art.
579º CC) e da venda desse direito ou coisa (art. 876º CC).

74. Réplica
É a resposta do autor à contestação do réu. A réplica pode ser entendida num
sentido formal ou material: naquela primeira acepção, a réplica é o articulado que o
autor apresenta em resposta à contestação do réu; em sentido material, a réplica
consiste na contestação de uma excepção oposta pelo réu ou na dedução de uma
Octávio Manuel Gomes Alberto
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excepção contra o pedido reconvencional formulado pelo réu (art. 502º/1 e 2 CPC).
Se aquele articulado contiver aquela impugnação ou a dedução daquela excepção, a
réplica em sentido formal é-o também em sentido material.

A réplica é admissível sempre que o réu deduza alguma excepção ou formule um


pedido reconvencional (art. 502º/1 CPC): naquele primeiro caso, a réplica destina-se
a possibilitar a impugnação pelo autor da excepção invocada pelo réu ou a alegação
de uma contra-excepção; no segundo, a réplica permite a apresentação pelo autor
de qualquer contestação, por impugnação ou por excepção (art. 487º/1 CPC), do
pedido reconvencional. A réplica encontra a sua justificação nos princípios da
igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e do contraditório (art. 3º/1 e 3 CPC).

A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu implica,
em regra, a admissão por acordo dos factos não impugnados (art. 505º CPC). Esta
admissão não se verifica nas situações previstas do art. 490º/2 CPC, e, além disso, há
que conjugar o conteúdo da réplica com o da petição inicial, pelo que devem
considerar-se impugnados os factos alegados pelo réu que forem incompatíveis
com aqueles que constarem de qualquer desses articulados do autor.

Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional, a falta de réplica implica a


revelia do reconvindo quanto a esse pedido (art. 484º/1 CPC). Essa revelia é
inoperante nas condições referidas no art. 485º CPC, mas, se for operante,
determina a confissão dos factos articulados pelo réu como fundamento do seu
pedido reconvencional (art. 484º/1 CPC). Acessoriamente a estas funções, a réplica
pode ser utilizada para o autor alterar unilateralmente o pedido ou a causa de pedir
(art. 273º/1 e 2 CPC)

75. Tréplica
É a resposta do réu à réplica do autor. Também a tréplica pode ser referida numa
acepção formal ou material: em sentido formal, a tréplica é o articulado de resposta
do réu à réplica do autor; a tréplica em sentido material é a contestação pelo réu
das excepções opostas à reconvenção na réplica, a impugnação da admissibilidade
da modificação do pedido ou da causa de pedir realizada pelo autor na réplica (art.
273º/1 e 2 CPC) ou a contestação da nova causa de pedir ou do novo pedido
apresentado pelo autor na réplica (art. 503º/1 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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A tréplica só é admissível em duas situações (art. 503º/1 CPC):


 Quando o autor tiver modificado na réplica o pedido ou a causa de pedir (art.
273º/1 e 2 CPC) e o réu pretender contestar quer a admissibilidade dessa
modificação, quer o novo pedido formulado ou a nova causa de pedir
invocada;
 Quando o réu tiver deduzido um pedido reconvencional, o autor tiver
alegado contra esse pedido uma excepção e o réu desejar contestá-la por
impugnação ou pela invocação de uma contra-excepção. A tréplica destina-
se, por isso, a assegurar o contraditório do réu a essas matérias.

O ónus de impugnação também vale na tréplica. Assim, a falta da tréplica, a não


impugnação da nova causa de pedir e a não contestação da excepção alegada pelo
autor na réplica determinam, em regra, a admissibilidade por acordo desses factos e
dessa excepção (art. 505º CPC).

Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional (art. 501º/1 CPC), o autor pode
contestar na réplica esse pedido através da dedução de uma excepção, à qual o réu
pode responder na tréplica com a alegação de uma contra-excepção.

76. Articulados supervenientes


Os articulados supervenientes são utilizados para a alegação de factos que,
dada a sua superveniência, não puderam ser invocados nos articulados normais (art.
506º/1 CPC). Essa superveniência pode ser objectiva ou subjectiva:
 É objectiva quando os factos ocorrem posteriormente ao momento da
apresentação do articulado da parte (art. 506º/2, 1ª parte CPC);
 É subjectiva quando a parte só tiver conhecimento de factos ocorridos depois
de findar o prazo de apresentação do articulado (art. 506º/2, 2ª parte CPC).

A superveniência objectiva é facilmente determinável: se o facto ocorreu depois da


apresentação do articulado da parte, ele é necessariamente superveniente. Mais
complexa é a aferição da superveniência subjectiva, porque importa verificar em que
condições se pode dar relevância desconhecimento do facto pela parte. O art.
506º/4 CPC, estabelece que o articulado superveniente deve ser rejeitado quando,
por culpa da parte, ele for apresentado fora de tempo, isto é, quando a parte não
tenha tido conhecimento atempado do facto por culpa própria (art. 506º/3 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 89 de 204
Direito Processual Civil

Portanto, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo do


facto.

FASE DA CONDENSAÇÃO

77. Função da fase


Realiza duas funções primordiais: uma respeitante aos aspectos jurídico-processuais
da acção e uma outra relativa ao seu objectivo. Naquela primeira função, cabe a
verificação da regularidade do processo e, sempre que possível, a sanação das
excepções dilatórias e das nulidades processuais: é a função de saneamento. Na
segunda, inclui-se o convite à correcção e ao aperfeiçoamento dos articulados e a
determinação das questões de facto a resolver: é a função de concretização.

A função de saneamento visa resolver os impedimentos à apreciação do mérito da


acção e sanar as nulidades processuais e a função de concretização permite
delimitar as questões de facto relevantes para a decisão da causa.

78. Despacho pré-saneador


É proferido pelo juiz sempre que importe obter a sanação das excepções dilatórias
(art. 508º/1-a CPC) ou a convidar as partes ao aperfeiçoamento ou à correcção dos
articulados das partes (art. 508º/1-b CPC).

Ao Tribunal incumbe providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta


de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, quer determinando a
realização dos actos necessários à regularização da instância, quer convidando as
partes a praticá-los (art. 265º/2 CPC). Se o Tribunal ainda não tiver promovido essa
sanação (tal como permite o art. 265º/2 CPC), o momento adequado para o fazer é
o despacho pré-saneador (art. 508º/1-a CPC). O Tribunal pode utilizar o despacho
pré-saneador para convidar as partes, dentro de prazos por ele fixados (art. 508º/2 e
3 CPC), a corrigirem ou a aperfeiçoarem os seus articulados (art. 508º/1-b CPC). Este
despacho nunca é recorrível (art. 508º/6 CPC).

São de dois tipos os vícios de que podem padecer os articulados das partes: a
irregularidade e a deficiência. O articulado é irregular quando não observe os
requisitos legais ou quando não seja acompanhado de documento essencial ou de
qual a lei faça depender o prosseguimento da causa (art. 508º/2 CPC).
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 90 de 204
Direito Processual Civil

O articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou impressões na


exposição ou concretização da matéria de facto (art. 508º/3 CPC), isto é, quando
nele se encontrem todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou
obscura. A deficiência respeita, por isso, ao conteúdo do articulado e à apresentação
da matéria de facto; esse vício pode traduzir-se, por exemplo, na insuficiência dos
factos alegados ou em lacunas ou saltos na sua exposição.

Os factos alegados pela parte para o suprimento dessa deficiência não podem
implicar uma alteração da causa de pedir ou da defesa anteriormente apresentadas
(art. 508º/5 CPC) e, por isso, o réu não pode deduzir no novo articulado uma
reconvenção que anteriormente não formulara.

79. Audiência preliminar


É marcada pelo Tribunal para os 30 dias subsequentes ao termo da fase dos
articulados, ao suprimento das excepções dilatórias ou à correcção ou
aperfeiçoamento dos articulados (art. 508º-A/1 proémio CPC). O despacho que a
convoca deve indicar o seu objecto e finalidade (que é qualquer das previstas no art.
508º-A/1 CPC), mas não exclui a possibilidade de o Tribunal conhecer do mérito da
causa no despacho saneador (arts. 508º/3; 510º/1-b CPC).

Se a audiência preliminar for convocada, a falta das partes ou dos seus mandatários
não constitui motivo do seu adiamento (art. 508º-A/4 CPC). A falta do mandatário
pode reflectir-se, de modo significativo, na defesa dos interesses do seu
constituinte, pelo que é susceptível de o fazer incorrer em responsabilidade perante
a parte (art. 83º/1-d EOA).
A audiência preliminar é dispensável quando, destinando-se à fixação da base
instrutória, a simplicidade da causa não justifique a sua convocação (art. 508º-B/1-a
CPC)

A audiência preliminar também é dispensável quando a sua realização tivesse por


finalidade facultar a discussão de excepções dilatórias (art. 508º-A/1-b CPC) e estas
já tenham sido debatidas nos articulados, a sua apreciação se revista de manifesta
simplicidade (art. 508º-B/1-b CPC) ou, segundo um outro critério legal, a sua
discussão prévia seja manifestamente desnecessária (art. 3º/3 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 91 de 204
Direito Processual Civil

80. Finalidades essenciais


A audiência preliminar realiza-se com as seguintes finalidades essenciais, muitas das
quais encontram a sua justificação no princípio da cooperação recíproca entre o
Tribunal e as partes (art. 266º/1 CPC):
 Tentativa de conciliação das partes (art. 508º-A/1-a CPC);
 Discussão e produção de alegações pelas partes, se o juiz tiver de apreciar
excepções dilatórias que as partes não hajam suscitado e discutido nos
articulados ou tencionarconhecer, no todo ou em parte, do mérito da causa
no despacho saneador (art. 508º-A/1-b CPC);
 Discussão das posições das partes, com vista à delimitação do litígio, e
suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de
facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate
(art. 508º-A/1-c CPC);
 Proferimento do despacho saneador (art. 508º-A/1-d CPC);
 Finalmente, se a acção tiver sido contestada, selecção, após debate, da
matéria de facto relevante para a apreciação da causa e decisão sobre as
reclamações deduzidas pelas partes contra ela (art. 508º-A/1-e CPC).

A audiência preliminar prossegue, assim, múltiplas funções: as principais são as da


conciliação das partes, de audição prévia das partes, de saneamento do processo,
de concretização do objecto do litígio e de selecção da matéria de facto (art. 508º-
A/1-a, b, c, d, e CPC).

81. Concretização do litígio


Visa-se atingir com essa função uma dupla finalidade: por um lado, procura-se
circunscrever as divergências entre as partes, distinguindo-se aquilo que é essencial
do que é acessório nas suas posições; por outro, pretende-se evitar que as
insuficiências e imprecisões dos articulados na exposição da matéria de facto
possam criar uma realidade processual distinta da verdade das coisas.

Para a delimitação do objecto do litígio relevam elementos de direito e de facto.


Quanto àqueles primeiros, é sempre admissível uma modificação da qualificação
jurídica que seja compatível com os factos alegados pelas partes.

Relativamente aos elementos de facto, o problema que se coloca é o de saber se a


discussão realizada para a delimitação do objecto do litígio pode ser acompanhada
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

da modificação da causa de pedir. A resposta é positiva, mas não há qualquer


motivo para entender que tal modificação deva ser admitida fora das condições
legalmente previstas, isto é, para além dos casos enquadráveis na previsão do art.
272º CPC (quanto à modificação consensual) e 273º CPC (quanto à alteração
unilateral).

82. Selecção da matéria de facto


Escolher os factos que se devem considerar assentes e aqueles que devem ser
julgados controvertidos: também esta importante tarefa se cumpre na audiência
preliminar (art. 508º-A/1-e CPC). Quanto a esta selecção, a audiência visa não só
prepará-la, mas também realizá-la efectivamente.

A conjugação do disposto no art. 508º-A/1-e CPC, com o estabelecido no art.


511º/1 CPC, poderia levar a entender que a selecção da matéria de facto seria
realizada pelo juiz depois da audiência preliminar, isto é, poderia conduzir ao
entendimento de que essa audiência visaria somente a preparação da selecção a
realizar posteriormente pelo juiz.

A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto
é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer
juízo, indução ou conclusão jurídica.

83. Finalidades acessórias


Sempre que a audiência preliminar se deva realizar, ela prossegue
complementarmente as seguintes funções:
 A indicação pelas partes dos meios de prova e a decisão sobre a admissão e
preparação das diligências probatórias, salvo se alguma das partes requerer a
sua apresentação posterior (art. 508º-A/2-a CPC);
 Se o processo estiver em condições de prosseguir para julgamento (se o
processo não dever terminar no despacho saneador, art. 510º/1 CPC), a
designação da data de realização da audiência final (art. 508º-A/2-b CPC) e,
em certas acções não contestadas, a solicitação da intervenção do Tribunal
colectivo (art. 646º/2-a CPC);
 Finalmente, a apresentação do requerimento da gravação da audiência final
(art. 508º-A/2-c; arts. 522º-B e 522º-C CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

Conjuntamente com a indicação dos meios de prova (art. 508º-A/2-a CPC), as


partes, quando não pretenderem provar os próprios factos principal seleccionado na
base instrutória, têm o ónus de indicar os factos instrumentais que desejam utilizar
para a prova desse facto. Isto é, como todas as provas constituendas exigem a
preferência do facto com que se pretende provar com elas (arts. 552º/2; 577º/1;
612º e 633º CPC), a parte, se não quiser demonstrar com essas provas o próprio
facto principal seleccionado, tem o ónus de alegar os factos instrumentais que
pretende demonstrar com a prova requerida.

Uma outra finalidade acessória da audiência preliminar é o exercício do


contraditório. Se, em virtude da limitação legal do número de articulados, alguma
das partes não puder responder a uma excepção deduzida no último articulado
admissível, ela pode responder à matéria desta na audiência preliminar (art. 3º/4
CPC).

84. Despacho saneador


O despacho saneador pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais da
acção, como o mérito desta (art. 510º/1 CPC). Nestas funções atribuídas ao
despacho saneador, a apreciação daqueles aspectos constitui a sua finalidade
primária e o seu conteúdo essencial, enquanto o conhecimento do mérito é uma
finalidade eventual. O julgamento do mérito realiza-se normalmente na sentença
final (art. 658º CPC), pelo que quando o estado da causa o permitir (art. 510º/1-b
CPC), ele pode ser antecipado para o despacho saneador.

O despacho saneador destina-se, antes de mais, a verificar a admissibilidade da


apreciação do mérito e a regularidade do processo (art. 510º/1-a CPC); havendo
toda a vantagem em que o controlo dessa admissibilidade não seja relegada para
uma fase adiantada da tramitação da acção, é ela que justifica a atribuição daquela
função de saneamento àquele despacho.

O momento do proferimento do despacho saneador depende da tramitação da


causa em concreto. Se não houver que proceder à convocação da audiência
preliminar (art. 508º-B/1 CPC), o despacho saneador é proferido no prazo de 20 dias
a contar do termo da fase dos articulados (art. 510º/1 proémio CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

No despacho saneador, o Tribunal deve conhecer das excepções dilatórias e das


nulidades processuais que haja sido suscitadas pelas partes ou que, face aos
elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente (art. 510º/1-a CPC).

Quanto àquelas nulidades, o Tribunal pode apreciar oficiosamente a ineptidão da


petição inicial, a falta de citação, o erro na forma do processo e a falta de vista ou
exame ao Ministério Público como parte acessória (art. 202º CPC). Mas estas
nulidades só são apreciadas no despacho saneador se o Tribunal ainda não tiver
conhecido delas (art. 206º/1 e 2, 1ª parte CPC). Também as nulidades que não são
de conhecimento oficioso deverão ser julgadas logo que sejam reclamadas (art.
206º/3 CPC), pelo que a sua apreciação não se realizará, em regra, no despacho
saneador.

Quando o despacho saneador conheça de uma excepção dilatória ou de uma


nulidade processual, ele só adquire força de caso julgado formal quanto às questões
concretamente apreciadas (art. 510º/3 1ª parte CPC). Assim, apenas o julgamento
concreto sobre a inexistência de uma excepção ou nulidade impede que essa
matéria possa voltar a ser apreciada no processo pendente (art. 660º/1 CPC).

Pelo contrário, a referência genérica no despacho saneador à inexistência de


qualquer excepção dilatória ou nulidade processual não adquire força de caso
julgado (art. 510º/3, 1ª parte CPC) e, por isso, não impede que o Tribunal venha a
apreciar, na sentença final, uma dessas excepções ou nulidades (art. 660º/1 CPC).

A apreciação do mérito e o proferimento da decisão sobre a sua pendência ou


improcedência é realizada, em regra, na sentença final (art. 658º CPC). Mas, em
certas condições, essa apreciação pode ser antecipada para o despacho saneador:
Tribunal pode conhecer do mérito da acção nesse despacho sempre que o estado
do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido, de
algum dos pedidos cumulados, do pedido reconvencional ou ainda da procedência
ou improcedência de alguma excepção peremptória (art. 510º/1-b CPC). Neste caso,
o despacho saneador fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença (art.
510º/3, 2ª parte CPC) e dele cabe recurso de apelação (art. 691º/1 CPC).

Nas condições referidas no art. 288º/3 CPC, o Tribunal pode conhecer do mérito
ainda que verifique que falta um pressuposto processual. Esta situação será
certamente mais frequente no despacho saneador do que na sentença final, dado
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

que são raras as situações em que a falta do pressuposto se detecta apenas na fase
da sentença ou em que a sua apreciação é relegada para esse momento (art. 510º/4
CPC).

FASE DA INSTRUÇÃO

85. Função da fase


Os factos incluídos na base instrutória, porque são controvertidos ou porque nele
foram inseridos por iniciativa do Tribunal (art. 264º/2 CPC), necessitam de ser
provados (art. 513º CPC). A fase da instrução realiza uma função distinta consoante
sejam utilizadas para a demonstração desses factos provas constituendas ou provais
pré-constituídas. A produção de uma prova constituenda é realizada, em regra, na
audiência final (art. 652º/3-a, b, c, d, CPC), mas essa actividade tem de ser
previamente preparada: esta é uma das funções da fase da instrução, na qual são
praticados os actos preparatórios da produção das provas constituendas.

86. Princípios estruturantes


A fase da instrução rege-se pelo princípio da cooperação (art. 266º/1 CPC), tanto
nas relações das partes e de terceiros com o Tribunal (art. 266º/1 e 519/1 CPC),
como nas do Tribunal com as partes (art. 266º/4 CPC). Naquele primeiro aspecto, o
princípio da cooperação impõe a todas as pessoas, mesmo que não sejam partes na
causa, o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade,
respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções
necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem
determinados (art. 519º/1 CPC). A recusa de colaboração implica a condenação em
multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem admissíveis (art. 519º/2, 1ª parte
CPC; sobre essa multa, art. 102º-b CCJ).

Este dever de colaboração é independente da repartição do ónus da prova (arts.


342º a 345º CC), pelo que abrange mesmo a parte que não está onerada com a
prova do facto. A recusa de colaboração é legítima se esta implicar a violação da
integridade física ou moral das pessoas (art. 519º/3-a CPC). A actividade de
instrução também assenta na colaboração do Tribunal com as partes da acção (arts.
266º/4; 519º-A/1 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

Apesar de o objecto do processo se encontrar, em geral, submetido à


disponibilidade das partes (arts. 264º/1; e 664º in fine CPC), a instrução comporta
importantes poderes instrutórios do Tribunal. Esses poderes podem recair sobre
factos essenciais, complementares e instrumentais e justificam-se pela necessidade
de evitar que, pela falta de prova, a decisão da causa seja imposta pelo non liquet
(art. 516º CPC; art. 346º CC) e não pela realidade das coisas averiguada em juízo.
Nenhum facto relevante para a decisão da causa deve ficar por esclarecer.

A actividade de instrução comporta importantes poderes inquisitórios do Tribunal


sobre os factos instrumentais. Segundo o estipulado no art. 264º/2 CPC, o Tribunal
pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais e utilizá-los na
sentença quando resultem da instrução e julgamento da causa. Uma das
consequências destes poderes inquisitórios sobre os factos instrumentais é a
possibilidade de o Tribunal investigar factos que permitam provar os factos
principais que constam da base instrutória (arts. 508º-A/1-e e 508º-B/2 CPC) e que
constituem o objecto da instrução (art. 513º CPC).

O princípio do contraditório (art. 3º/1 a 3 CPC) também releva na instrução da


acção. Assim, as provas não são admitidas (nem produzidas) sem a audiência
contraditória da parte a quem sejam opostas (art. 517º/1 CPC). Essa contrariedade
concretiza-se de modo diferente nas provas pré-constituídas.

Relativamente às provas pré-constituídas, qualquer das partes tem a faculdade de


impugnar tanto a respectiva admissão, como a sua força probatória (art. 517º/2, 2ª
parte CPC).

Quanto às provas constituendas, a parte deve ser notificada, sempre que não seja
relevante, para todos os actos de preparação e produção da prova e é admitida a
intervir nesses mesmos actos (art. 517º/2, 1ª parte CPC).

87. Meios de prova


Os meios de prova podem ser indicados ou requeridos na petição inicial (art. 467º/2
CPC) e, por analogia, em qualquer outro articulado. Se isso não tiver acontecido,
esses meios devem ser apresentados ou requeridos na audiência preliminar, salvo se
alguma das partes requerer, com motivos justificados, a sua apresentação ulterior
(art. 508º-A/2-a CPC); se essa audiência não se realizar, os meios de prova devem
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

ser apresentados ou requeridos nos 15 dias subsequentes à notificação do


despacho saneador (art. 512º/1 CPC). Neste mesmo prazo, as partes podem alterar
os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados (art. 512º/1, 2ª parte
CPC).

Depois deste prazo, o rol de testemunhas ainda pode ser alterado ou aditado até 20
dias antes da data da realização da audiência final (art. 512º-A/1 CPC), sendo a parte
contrária notificada para usar, se quiser, de igual faculdade no prazo de 5 dias
(art. 512º-A/1 in fine CPC). A apresentação das novas testemunhas incumbe às
partes (art. 512º-A/2 CPC), isto é, o Tribunal não procede à sua notificação.

Meios de prova:
a) Prova por confissão (arts. 552º segs. CPC);
b) Prova documental (arts. 523º segs. CPC)
c) Prova pericial (arts. 568º segs. CPC);
d) Prova testemunhal (arts. 616º segs. CPC);
e) Inspecção judicial (arts. 612º segs. CPC);
f) Apresentação de coisas.

FASE DA AUDIÊNCIA FINAL

88. Função da fase


A fase da audiência final compreende as actividades de produção da prova
(constituenda), de julgamento da matéria de facto e de discussão sobre a matéria de
direito. Como resulta deste enunciado, esta fase realiza duas funções primordiais –
que são a produção da prova e o consequente julgamento da matéria de facto – e
uma função preparatória da sentença final – que é prosseguida pelas alegações de
direito.

89. Princípios estruturantes


Segundo o princípio da imediação, os meios de prova devem ser apresentados
directamente perante o Tribunal, ou seja, o Tribunal deve ter um contacto directo
com esses meios. É este princípio que orienta o disposto no art. 652º/3 CPC, quanto
à realização da prova perante o Tribunal da audiência final. Sempre que a prova seja

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

transmitida por pessoas, a imediação na produção da prova implica a oralidade


nessa realização.

a) Publicidade
As audiências dos Tribunais são públicas, salvo quando o próprio Tribunal decidir,
em despacho fundamentado, excluir essa publicidade para salvaguardar a dignidade
das pessoas e a moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento (art.
206º CRP; sobre essa publicidade, também art. 10º Declaração Universal dos Direitos
do Homem; art. 14º/1 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; art. 6º/1
Convenção Europeia dos Direitos do Homem). A audiência final deve ser, com essas
mesmas excepções, públicas (art. 656º/1 CPC).

Mesmo quando a audiência seja pública, a publicidade pode ser excluída quando se
proceda à exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos
(art. 652º/3-b, 2ª parte CPC). Dado que a lei não define os critérios para a exclusão
da publicidade neste caso, deve entender-se que valem aqueles que se encontram
enunciados no art. 206º CRP (bem como no art. 656º/1 CPC).

b) Continuidade
A audiência final é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força
maior, por absoluta necessidade ou nos casos regulados na lei (art. 656º/2, 1ª parte
CPC), como sucede naqueles que estão previstos nos arts. 650/4; 651º/3; 654º/2
CPC. Se não for possível conclui-la num dia, o presidente marcará a sua continuação
para o dia útil imediato, ainda que compreendido em férias, e assim, sucessivamente
(art. 656º/2, 2ª parte CPC).

c) Plenitude
Segundo o princípio da plenitude da assistência dos juízes, só podem intervir na
decisão da matéria de facto aqueles que tenham assistido a todos os actos de
instrução e discussão praticados na audiência final (art. 654º/1 CPC). A violação
desta regra origina uma nulidade processual (art. 201º/1 CPC).

Se durante a audiência, algum dos juízes falecer ou se impossibilitar


permanentemente, os actos já realizados são repetidos perante um Tribunal com
uma nova composição (art. 654º/2, 1ª parte CPC). Se a impossibilidade for
temporária, interrompe-se a audiência ou, se parecer mais aconselhável, repetem-se
perante um novo Tribunal os actos já praticados (art. 654º/2, 2ª parte CPC). Se o juiz
Octávio Manuel Gomes Alberto
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for transferido, promovido ou aposentado, conclui-se, em princípio, o julgamento


antes da efectivação dessa deslocação ou aposentação, excepto se esta se
fundamentar na incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo
(art. 654º/3, 1ª parte CPC).

d) Documentação
A audiência final e os depoimentos, informações e esclarecimentos nela prestados
são gravados, sempre que alguma das partes o requeira (arts. 508º-A/2-c, e 512º/1
CPC) ou o Tribunal o determine (art. 522º-B CPC). A gravação é efectuada por
sistema sonoro, excepto quando possa ser realizada por meios audiovisuais ou
semelhantes (art. 522º-C CPC), e abrange a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), a
tentativa de conciliação entre as partes (art. 652º/2 CPC), a produção da prova (art.
652/3-a, b, c, d, CPC), os debates sobre a matéria de facto (art. 652º/3-e; n.º 5 CPC),
a leitura do acórdão de julgamento da matéria de facto e as eventuais reclamações
deduzidas pelas partes (art. 653º/4 CPC) e ainda a discussão oral do aspecto jurídico
da causa (arts. 653º/5 e 657º CPC). Se algum depoimento houver de ser prestado
fora do Tribunal (art. 652º/4 CPC), também ele deverá ser gravado.

e) Efectivação
A produção da prova orienta-se por um princípio de efectividade, através do qual se
procura evitar que essa actividade se torne impossível por não ter sido realizada no
momento oportuno. Com vista a assegurar a efectividade da produção da prova,
permite-se que, se houver justo receio de vir a tronar-se impossível ou muito difícil
o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de
arbitramento ou inspecção, a produção destas provas possa ser antecipada ou
mesmo realizada antes da propositura da acção (art. 520º CPC). É o que se chama
produção antecipada da prova (ou prova ad perpetuam rei memoriam), que como
pressuposto especifico o receio da impossibilidade ou da dificuldade da realização
da prova no momento normal.

90. Tribunal da audiência


A discussão e o julgamento da causa são realizados, em regra, com a intervenção do
Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC). Esse Tribunal é um Tribunal de círculo (art.
81º/1-b LOTJ) ou uma vara cível (art. 72º LOTJ); onde não os houver, é competente
um Tribunal colectivo strictu sensu (art. 79º-b LOTJ).

Mas, em certas situações, a audiência final decorre perante um Tribunal singular.


Octávio Manuel Gomes Alberto
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Quanto às situações de revelia inoperante, há que distinguir três hipóteses:


 Se a revelia for inoperante por qualquer das circunstâncias previstas no art.
485º-b, c, d, CPC, a audiência final decorre perante o Tribunal singular
excepto se as partes requererem a intervenção do Tribunal colectivo na
audiência preliminar ou nos 15 dias subsequentes à notificação do despacho
saneador (art. 646º/2-a; art. 512º-1 CPC);
 Se a inoperância da revelia resultar da contestação de algum dos
litisconsortes (art. 485º-a CPC), a audiência final realiza-se perante o Tribunal
colectivo (art. 646º/2-a CPC);
 Se a revelia for inoperante porque a citação do réu não foi pessoal (art.
484º/1 CPC), a audiência final decorre perante o Tribunal colectivo (art.
646º/1 CPC).

Se o julgamento for realizado por um Tribunal singular quando deveria ter


intervindo um Tribunal colectivo, é aplicável – diz o art. 646º/3 CPC – o disposto no
art. 110º/4 CPC, do qual resulta que aquela incompetência do Tribunal singular
pode ser suscitada pela partes ou ser conhecida oficiosamente até ao termo da
audiência final. Note-se que, apesar desta remissão, a incompetência prevista no art.
646º/3 CPC, é, como categoria processual, totalmente distinta daquela que é
regulada pelo art. 110º/4 CPC: aquela é uma incompetência funcional, porque se
refere à distribuição de poderes dentro do Tribunal competente para a apreciação
da acção; esta última é uma incompetência jurisdicional. Assim, aquela
incompetência do Tribunal singular não conduz à consequência da incompetência
relativa (art. 111º/3 CPC), mas à nulidade do acto processual realizado pelo Tribunal
singular, isto é, do julgamento da matéria de facto (art. 201º/1 CPC).

91. Realização da audiência


A audiência inicia-se com a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), isto é, com a
apresentação por cada um dos advogados das partes os fundamentos das suas
posições quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito. Se o
objecto da acção for uma situação disponível, o presidente procurará conciliar as
partes (art. 652º/2 CPC).

Sempre que alguma das partes, em consequência da limitação legal do número de


articulados, não possa responder a uma excepção deduzida pela outra no último

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

articulado admissível, aquela parte pode exercer o contraditório no início da


audiência final, se não se realizou a audiência preliminar (art. 3º/4 CPC).

Produção de prova:
a) Depoimento de parte, a produção de prova começa pela prestação de
depoimento de parte (art. 652º/3-a CPC), quando ele tiver sido ordenado
pelo Tribunal ou requerido pela outra parte, por uma comparte (arts. 552º/1,
e 553º/3 CPC) ou pelo assistente (arts. 339º e 332º/1 CPC);

b) Prova documental, embora deva ser apresentada, em regra, antes da


audiência final (art. 523º/1 CPC), essa audiência é o momento adequado para
a exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos (art.
652º/3-b, 1ª parte; 527º CPC; arts. 206º CRP, 656º/1 CPC);

c) Prova pericial, o resultado da perícia consta de um relatório (art. 596º/1


CPC), pelo que, em regra, os peritos não são chamados a depor na audiência
final. Mas a presença dos peritos nesta audiência pode ser ordenada
oficiosamente pelo Tribunal ou requerida por qualquer das partes, para que
eles possam prestar os esclarecimentos verbais que lhes forem solicitados
(art. 652º/3-c CPC);

d) Prova testemunhal, as testemunhas são inquiridas na audiência final (arts.


621º proémio e 652º/3-d CPC), excepto se for requerida a sua inquirição
antecipada (arts. 621º-a e 520º CPC) ou por carta (art. 621º-b CPC). A parte
pode requerer a inquirição da testemunha por carta quando ela resida fora
da área do círculo judicial ou da ilha (art. 623º/1 CPC) ou da área
metropolitana da sede do Tribunal (art. 623º/4 CPC).

Contra a prova testemunhal pode reagir-se por impugnação, contradita ou


acareação:
 A impugnação questiona a admissibilidade do depoimento (arts. 636º;
637º CPC), ou seja, tem por fundamento a incapacidade natural ou a
inabilidade legal da testemunha (arts. 616º e 617º CPC);
 A contradita baseia-se na alegação de qualquer circunstância capaz de
abalar a credibilidade do depoimento, quer por efectuar a razão da ciência
invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer
(arts. 640º; 641º CPC);
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

 A acareação consiste no confronto das testemunhas, ou das testemunhas


e das partes, cujos depoimentos mostrem uma oposição directa acerca de
determinado facto (arts. 642º; 643º CPC).

e) Debates, após a produção da prova, realizam-se os debates sobre a matéria


de facto (art. 652º/3-e CPC). Estes debates definem um importante momento
na tramitação da acção. Eles marcam o termo ou encerramento da discussão,
o qual determina o limite temporal da alteração do pedido (art. 273º/2 CPC),
da apresentação dos articulados supervenientes (art. 506º/2 CPC), da junção
de documentos (art. 523º/2 CPC), da ampliação da base instrutória pelo
presidente do Tribunal colectivo (art. 650º/2-f CPC) e da consideração pelo
Tribunal dos factos constitutivos, modificativos e extintivos (art. 663º/1 CPC).

92. Princípios do julgamento


a) Aquisição processual
Segundo o princípio da aquisição processual, o Tribunal deve tomar em
consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido
apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova (art. 515º,
1ª parte CPC).

Uma das consequências deste princípio é a impossibilidade de retirar do processo


uma prova apresentada (art. 542º/3 e 4 CPC). O mesmo processo justifica a
inadmissibilidade da desistência da prova pericial pela parte requerente sem a
anuência da parte contrária (art. 576º CPC).

Exceptuam-se a submissão a este princípio da aquisição processual as situações em


que a lei declare irrelevante a alegação e a prova de um facto quando não sejam
feitas por uma certa parte (art. 515º, 2ª parte CPC). É o que sucede com a confissão,
que só pode ser feita pela parte para a qual o facto reconhecido é desfavorável (art.
352º CC), e, mais casuisticamente, com a prova da maternidade na respectiva acção
de investigação, a qual só pode ser realizada pelo filho investigante (art. 1816º/1
CC).

b) Livre apreciação da prova


Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida
e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (art. 652º/3-b, c, d,
CPC) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (art. 65º/1 CPC): é o caso da prova
Octávio Manuel Gomes Alberto
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pericial (art. 389º CC; art. 591º CPC), da inspecção judicial (art. 391º CC) e da prova
testemunhal (art. 396º CC).

A prova livre está excluída sempre que a lei conceda um valor legal a um
determinado meio de prova (arts. 358º/1 e 2, 371º/1, 376º e 377º CC), assim como
quando a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer
formalidade especial (art. 655º/2 CPC).

c) Fundamentação
Na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que
foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos
factos (art. 653º/2 CPC). Como, em geral, as provas produzidas na audiência final
estão sujeitas à livre apreciação (arts. 655º/1 e 652º/3-b, c, d, CPC), o Tribunal deve
indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica
e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o
julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da
decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção
do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.
Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.

A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para


cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu
conteúdo, determinar a sua relevância e proceder à sua valoração.

93. Procedimento do julgamento


Encerrada a discussão (art. 652º/3-e CPC), o Tribunal recolhe à sala das conferências
para ponderar e decidir (art. 653º/1, 1ª parte CPC). Se não se julgar suficientemente
esclarecido, pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que entender e
ordenar quaisquer diligências necessárias (art. 653º/1, 2ª parte CPC).

A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento


incumbir a Tribunal singular (art. 653º/2, 1ª parte CPC). A decisão do Tribunal
colectivo é tomada por maioria e o acórdão é lavrado pelo presidente, podendo
qualquer dos juízes assinar vencido quanto a qualquer ponto da decisão ou
formular declaração divergente quanto à sua fundamentação (art. 653º/4 CPC).
Aquela decisão deve declarar quais os factos que o Tribunal julga provados e quais
os que considera não provados e especificar, quanto a todos eles, os fundamentos
Octávio Manuel Gomes Alberto
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que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º/2 CPC). As partes
podem reclamar contra a falta dessa motivação (art. 653º/4, 2ª parte CPC) e ela
pode ser exigida pela Relação (art. 712º/5 CPC).

Ao Tribunal compete, no julgamento da matéria de facto, analisar criticamente as


provas (art. 653º/2 CPC). Esta análise refere-se às presunções legais e judiciais das
quais pode ser inferida a prova do facto controvertido (arts. 349º a 351º CC).

O Tribunal de audiência não pode pronunciar-se sobre matéria de direito, isto é, não
pode ocupar-se da aplicação do direito aos factos provados. Considera-se
inexistente qualquer resposta desse Tribunal sobre essa matéria (art. 646º/4, 1ª
parte CPC).

94. Discussão da matéria de direito


A fase da audiência final termina com a discussão da matéria de direito, que se
destina a discutir a interpretação e aplicação da lei aos factos julgados provados
(arts. 653º/5 in fine, e 657º in fine CPC) e que se pode realizar oralmente ou por
escrito. Em regra, a discussão do aspecto jurídico da causa realiza-se oralmente
perante o juiz a quem caiba lavrar a sentença final (arts. 653º/5, 1ª parte e 657º
CPC), isto é, no caso do Tribunal colectivo, perante o seu presidente (art. 80º-c
LOTJ). Mas se as partes não prescindirem da discussão escrita do aspecto jurídico da
causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto, faculta o
processo para exame do advogado ao autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10
dias a cada um, a fim de alegarem por escrito sobre a interpretação e aplicação da
lei aos factos que tiverem sido considerados provados e àqueles que deverem ser
tidos por assentes (art. 657º CPC).

FASE DA SENTENÇA

95. Função da fase


A fase da sentença é aquela em que é proferida a decisão final do procedimento em
1ª instância. O proferimento da sentença final depende da forma da discussão do
aspecto jurídico da causa:
 Se essa discussão se realizou por escrito (art. 657º CPC), o processo é
concluso ao juiz, para o proferimento da decisão no prazo de 30 dias (art.
658º CPC);
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

 Se essa discussão tiver sido oral (art. 653º/5 CPC), a sentença pode ser
logo lavrada por escrito ou ditada para a acta (art. 659º/4 CPC).

A sentença é proferida pelo juiz da causa ou pelo presidente do Tribunal colectivo


(art. 80º-c LOTJ) ou do Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ).

96. Conteúdo da sentença


A sentença comporta os seguintes elementos: relatório, fundamentos, decisão e
aspectos complementares. No relatório, o Tribunal identifica as partes e o objecto
do litígio e fixa as questões que lhe cumpre solucionar (art. 659º/1 CPC).

Ao relatório seguem-se os fundamentos, nos quais o Tribunal deve discriminar os


factos que considera provados e admitidos por acordo e indicar, interpretar e aplicar
as correspondentes normas jurídicas (art. 659º/2, 3 CPC). A sentença termina com a
parte decisória ou dispositiva (art. 659º/2 in fine CPC), na qual se contém a decisão
de condenação ou de absolvição, e deve ser assinada e datada (arts. 157º/1, e
668º/1-a CPC).

A sentença deve ser motivada (art. 208º/1 CRP; art. 158º/1 CPC) através da
exposição dos fundamentos de facto – respeitam aos factos relevantes para a
decisão que foram adquiridos durante o processo – e de direito – à interpretação e
aplicação das normas jurídicas aplicáveis a esses factos – (art. 659º/2 CPC).

Como fundamentos de facto devem ser utilizados todos os factos que foram
adquiridos durante a tramitação da causa. Nos termos do art. 659º/3 CPC, integram
esses fundamentos:
 Os factos admitidos por acordo, ou seja, os factos alegados por uma parte
e não impugnados pela contraparte (arts. 490º/2, e 505º CPC), mesmo que
não tenham sido considerados assentes;
 Os factos provados por documentos juntos ao processo por iniciativa das
partes (arts. 523º e 524º CPC) ou do Tribunal (arts. 514º/2, e 535º CPC);
 Os factos provados por confissão reduzida a escrito, seja ela uma confissão
judicial ou extrajudicial (arts. 356º e 358º CC; art. 563º/1 CPC);
 Os factos julgados provados pelo Tribunal singular ou colectivo na fase da
audiência final (art. 653º/2 e 3 CPC);

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

 Os factos que resultam do exame crítico das provas, isto é, aqueles que
podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos provados
(arts. 349º a 351º CC).

A estes factos acrescem ainda os factos notórios (art. 514º/1 CPC) e os de


conhecimento oficioso (art. 660º/2 in fine CPC).

O sentido da decisão depende dos factos fornecidos pelo processo (com


consideração do princípio da aquisição processual, art. 515º CPC) e da análise
do cumprimento do ónus da prova (art. 516º CPC; art. 346º, 2ª parte CC).

97. Conteúdo do julgamento


A sentença começa por conhecer das excepções dilatórias que conduzem à
absolvição da instância, segundo a ordem da sua precedência lógica (art. 660º/1
CPC). Estas excepções podem ser tanto aquelas que o Tribunal deixou de apreciar
no despacho saneador, por entender que, nesse momento, o processo ainda não
fornecia os elementos necessários (art. 510º/4 CPC), como aquelas que não foram
apreciadas concretamente nesse despacho e sobre as quais não há, por isso,
qualquer caso julgado (art. 510º/3, 1ª arte CPC). Dado que o despacho saneador
genérico não produz caso julgado quanto à existência ou inexistência de qualquer
excepção dilatória (art. 510º/3, 1ª parte CPC), o Tribunal não está impedido de a
apreciar na sentença final.

Entre o despacho saneador e o termo da discussão (art. 652º/3-e CPC) pode


verificar-se a sanação ou a cessação de uma excepção dilatória. Aquelas
eventualidades não podem deixar de ser consideradas na sentença final, podendo
invocar-se a analogia com o disposto no art. 663º/1 CPC, quanto à consideração
nessa sentença dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos ocorridos até ao
encerramento da discussão. Assim, na acção pendente na 1ª instância, é relevante
qualquer sanação ou cessação de uma excepção dilatória, desde que ocorra até ao
encerramento da discussão.

O art. 660º/1 in fine CPC, impõe o conhecimento das excepções dilatórias segundo
a ordem da sua precedência lógica. São dois os preceitos que contêm enumerações
de excepções dilatórias – os arts. 288º/1 e 494º CPC –, mas elas não se subordinam
a nenhuma ordenação lógica, porque, por exemplo, as excepções de litispendência
e de caso julgado (art. 449º-i CPC, e que cabem na enumeração residual do art.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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288º/1-e CPC) são referidas depois de outras excepções dilatórias, sendo certo que,
se algumas destas excepções merecem uma apreciação prévia perante as demais, as
excepções de litispendência e de caso julgado estão claramente entre elas.

A apreciação de qualquer excepção dilatória na sentença final cede perante a


possibilidade de um julgamento de mérito favorável à parte que seria beneficiada
com a verificação do pressuposto processual que não está preenchido (art. 288º/3
CPC).

Como consequência da disponibilidade das partes sobre o objecto da causa (arts.


264º/1 e 3, e 664º in fine CPC), o âmbito do julgamento comporta dois limites. Um
limite mínimo decorre do dever de conhecimento na sentença de todas as questões
submetidas pelas partes à apreciação do Tribunal, exceptuadas aquelas cuja decisão
esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 60º/2, 1ª parte CPC). A falta de
apreciação de qualquer dessas questões conduz à nulidade da sentença por
omissão de pronúncia (art. 668º/1-d, 1ª parte CPC).

98. Formalidades complementares


A sentença é registada num livro especial (art. 157º/4 CPC; art. 17º/1 LOSJ). Se a
parte vencida pretender interpor recurso da decisão, deve fazê-lo por meio de
requerimento dirigido ao Tribunal que a proferiu (art. 687º/1 CPC). Passados três
meses após o trânsito em julgado da sentença (art. 677º CPC), o processo é
arquivado (art. 24º/1-b LOTJ).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

C - PROCESSO SUMÁRIO E SUMARÍSSIMO

PROCESSO SUMÁRIO

99. Regime aplicável


Ao processo são aplicáveis as disposições que lhe são próprias (constam dos arts.
783º a 792º CPC) e as disposições gerais e comuns (estabelecido nos arts. 137º a
459º; 463º/1, 1ª parte CPC); em tudo quanto não estiver regulado numas e noutras,
deve observar-se o que se encontra estabelecido para o processo ordinário (ou seja,
o disposto nos arts. 467º a 782º; 463º/1, 2ª parte CPC). Dada esta aplicação
subsidiária do regime do processo ordinário, só interessa analisar as especialidades
do processo sumário.

Depois da apresentação da petição inicial, o réu é citado para contestar no prazo de


20 dias (arts. 183º, 785º, 784º - 158º/2; 786º; 484º/1 CPC).

100. Regime aplicável


Ao processo sumaríssimo são aplicáveis as disposições próprias (arts. 793º a 796º
CPC) e as gerais e comuns (arts. 137º a 459º; 464º, 1ª parte CPC). O art. 464º, 2ª
parte CPC, determina que, quando umas e outras sejam omissas ou insuficientes,
observar-se-á primeiramente o que estiver estabelecido para o processo sumário
(arts. 783º a 792º CPC) e depois o que estiver estabelecido para o processo
ordinário (arts. 467º a 782º CPC). Considerando esta subsidiariedade das
regulamentações dos processos, sumário e ordinário.

A petição inicial dispensa a forma articulada, mas conjuntamente com ela devem ser
oferecidas as provas dos factos alegado (art. 793º; 151º/2 CPC). Isto significa que, ao
contrário do que sucede no processo ordinário e sumário, o autor tem o ónus de
alegar na petição inicial os factos instrumentais que pretenda demonstrar através
dessas provas.

O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias, exigindo-se-lhe também a


apresentação ou o requerimento dos meios de prova (art. 794º/1 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

ASPECTOS COMUNS - CONSIDERAÇÕES GERAIS

101. Formas de impugnação


As decisões judiciais podem ser impugnadas mediante reclamação ou recurso. A
reclamação consiste num pedido de reapreciação de uma decisão dirigido ao
Tribunal que a proferiu, com ou sem a invocação de elementos novos pelo
reclamante. Os embargos constituem uma modalidade de reclamação e são um
meio de reacção contra medidas de carácter executivo.

Os recursos podem ser ordinários ou extraordinários (art. 676º/2, 1ª parte CPC).


O recurso ordinário é um pedido de reapreciação de uma decisão ainda não
tramitada, dirigido a um Tribunal de hierarquia superior, fundamentado na
ilegalidade da decisão e visando revogá-la ou substitui-la por uma outra mais
favorável ao recorrente. No direito português, os recursos ordinários são a apelação,
a revista e o agravo (art. 676º/2 CPC). O recurso extraordinário pode incidir sobre
uma decisão transitada em julgado e desdobra-se num pedido de anulação dessa
decisão (juízo rescindente) e numa solicitação de repetição dos actos invalidados
(juízo rescisório). No direito português, os recursos extraordinários são a revisão e a
oposição de terceiro (art. 676º/2 in fine CPC).

Assim, enquanto os recursos ordinários visam o controlo da aplicação do direito ao


caso concreto e recaem, por isso, sobre uma sententia iniusta ou iniqua, os recursos
extraordinários destinam-se a anular uma decisão com fundamento em vícios
próprios ou do respectivo procedimento, isto é, têm por objecto
uma sententia nulla. Desta forma, os recursos ordinários incidem sobre o juízo ou
julgamento realizado pelo Tribunal na decisão; os recursos extraordinários recaem
sobre a própria decisão enquanto acto processual.

A reclamação e os recursos ordinários, como meios de impugnação de decisões não


transitadas, produzem um efeito suspensivo do caso julgado da decisão impugnada,
porque este só se verificará quando a reclamação ou o recurso forem
definitivamente julgados. Mas, enquanto a reclamação não produz qualquer efeito
devolutivo, isto é, não devolve a reapreciação da questão a um Tribunal de
hierarquia superior, ao recurso ordinário é conatural, no direito português, esse
efeito devolutivo (arts. 28º/3-a; 41º/1-a LOTJ; arts. 71º/2 e 72º/2 CPC). É por isso
que, apesar de o art. 688º CPC, a qualificar como a reclamação, a impugnação do
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

indeferimento ou da retenção do recurso pelo Tribunal a quo é realmente um


recurso, porque ela é dirigida ao presidente do Tribunal superior que seria
competente para conhecer do recurso não admitido ou retido (art. 688º/1 CPC).

Diferentemente dos recursos ordinários, os recursos extraordinários não produzem


qualquer efeito devolutivo, pois que a revisão e a oposição de terceiro são dirigidas
ao próprio Tribunal que proferiu a decisão impugnada (arts. 772º/1, 778º/2 e 782º/1
CPC). Assim, no direito português, as decisões judiciais estão sujeitas a um controlo
vertical, no caso dos recursos ordinários, e a um controlo horizontal, quanto às
reclamações e aos recursos extraordinários.

O recurso ordinário é a forma normal de impugnação das decisões judiciais, como


se pode inferir do disposto no art. 670º/1 CPC. A reclamação só pode ser utilizada
quando a lei o preveja especialmente (arts. 123º/2, 511º/2, 650º/5, 653º/4, 668º/3,
700º/3 e 725º/5 CPC), havendo que considerar que, em algumas situações, essa
reclamação aparece sob a designação de oposição (art. 388º/1-b CPC). Portanto, a
reclamação é um meio de impugnação especial relativamente ao meio geral ou
comum, que é o recurso ordinário.

A caracterização da reclamação como meio de impugnação especial perante o


recurso ordinário implica duas consequências importantes:
 Quando a reclamação for admissível, não pode ser o recurso ordinário, ou
seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes;
 Se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através
dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma
decisão.

Possível é, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e, perante a


sua rejeição pelo Tribunal, a continuação da impugnação através de recurso
ordinário.

102. Finalidades da impugnação


a) Recursos ordinários e reclamações
Os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de
julgamento da acção por um Tribunal superior ou como um meio de controlo da
decisão recorrida.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Naquele primeiro caso, o objecto dos recursos coincide com o objecto da instância
recorrida, pois que o Tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a
acção: o recurso pertence então à categoria dos recursos de reexame.

No segundo caso, o objecto dos recursos é a decisão recorrida, dado que o


Tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na
instância recorrida, essa decisão foi correctamente proferida, ou seja, é conforme
com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo dos recursos
de reponderação.

b) Recursos extraordinários
Os recursos extraordinários, porque podem incidir sobre decisões transitadas em
julgado, prosseguem finalidades distintas dos demais meios de impugnação: do que
se trata é de apurar se algum fundamento justifica a anulação da decisão e, em caso
afirmativo, de refazer a decisão impugnada. Assim, enquanto visam determinar
se se verifica algum dos fundamentos taxativos que justificam a anulação da
decisão, isto é, quanto ao chamado juízo rescindente (arts. 771º e 779º/1 CPC), os
recursos extraordinários são equiparáveis a qualquer acção constitutiva (art. 4º/2-c
CPC) e os poderes do Tribunal nessa apreciação coincidem com aqueles que lhe são
reconhecidos do caso julgado e da respectiva decisão, abre-se o chamado juízo
rescisório, no qual esse Tribunal reconstitui a decisão anulada (arts. 776º e 778º/1
CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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III. RECURSOS

DIREITO À IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

103. Direito ao recurso


A impugnação das decisões judiciais satisfaz um interesse da parte prejudicada, que
assim pode obter a correcção de uma decisão que lhe é desfavorável. Aquela
impugnação também corresponde aos interesses gerais da comunidade, porque a
eliminação de decisões erradas ou viciadas não só combate os sentimentos de
insegurança e injustiça, como favorece o prestígio dos Tribunais e a uniformização
jurisprudencial. Esta faculdade de impugnação é uma consequência da possibilidade
de reacção dos particulares contra os actos públicos que ofendem os seus interesses
e o conhecimento dessa impugnação pelos próprios Tribunais é uma imposição da
sua independência (arts. 206º CRP; 4º/1, 1ª parte EMJ).

A impugnação da decisão perante um Tribunal de hierarquia superior assenta no


pressuposto de que aquele Tribunal se encontra em melhores condições de apreciar
o caso sub iudice do que o Tribunal recorrido.

104. Exclusão legal


Como a admissibilidade da reclamação depende de uma previsão legal específica,
não se pode esperar que a lei consagre explicitamente a exclusão da reclamação,
pois que esta não seja admissível, basta que não esteja prevista. Por isso, há que
considerar como uma previsão meramente enfática a sua exclusão expressa nos arts.
606º/6 e 653º/4 in fine CPC, que parece justificar-se pela necessidade de marcar a
diferença perante lugares paralelos em que tal impugnação é admissível (arts.
511º/2 e 653º/4, 2ª parte CPC). Assim, a análise subsequente recai apenas sobre a
exclusão do recurso.

O art. 679º CPC, exclui o recurso dos despachos de mero expediente e daqueles que
forem proferidos no uso de um poder discricionário. Encontram-se alguns exemplos
destes últimos no exercício dos poderes instrutórios concedidos ao Tribunal
(arts. 519º-A/1, 552º/1, 569º/1-a, 589º/2, 612º/1, 622º, 645º/1, 652º/3-c e 653º/1, 2ª
parte CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 113 de 204
Direito Processual Civil

Todavia, a circunstância de os despachos discricionários não serem recorríveis só


impede o controlo pelo Tribunal superior do conteúdo do despacho.

A ilegalidade imputada pelo recorrente ao despacho pode resultar de diversos


factores:
 Da não verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o uso
do poder discricionário (por ex. art. 519º-A/1 CPC);
 Da inobservância pelo Tribunal das opções de decisão que lhe são abertas
pela lei (por ex. art. 552º/1 CPC);
 De desvio de poder, isto é, do uso do poder pelo Tribunal para fins
distintos dos legalmente definidos ou pressupostos.

105. Renúncia à impugnação


A renúncia à impugnação é o acto ou acordo pelo qual uma ou ambas as partes
aceitam não reclamar ou não recorrer de uma decisão proferida ou das decisões
que vierem a ser preferidas num determinado processo. A lei trata apenas de uma
das modalidades possíveis desta renúncia – que é a renúncia ao recurso (art. 681º
CPC) –, mas o seu regime é facilmente extensível às demais formas de impugnação.

A renúncia à impugnação distingue-se quer da omissão de impugnação, quer da


desistência desta. Aquela renúncia não se confunde com a omissão da impugnação,
porque ela pressupõe uma manifestação de vontade de não impugnar uma decisão.
Essa renúncia é igualmente distinta da desistência da impugnação, porque aquela é
sempre anterior à impugnação e esta verifica-se sempre na pendência da
impugnação.

A renúncia à impugnação pressupõe a disponibilidade da parte tanto sobre a


própria impugnação, como sobre os seus fundamentos. Quanto àquela
disponibilidade, há que distinguir entre a reclamação e os recursos ordinários, por
um lado, e os recursos extraordinários, por outro:
 Quanto à reclamação e aos recursos ordinários, a regra é a admissibilidade
da sua renúncia (art. 681º/1 CPC);
 Quanto aos recursos extraordinários, pelo contrário, a renúncia é
inadmissível, não só porque a revisão é indisponível (art. 771º CPC), mas
também porque nenhum acordo entre as partes pode impedir a terceiros
prejudicado de interpor um recurso de oposição de terceiro (art. 778º
CPC).
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 114 de 204
Direito Processual Civil

A renúncia à impugnação só é admissível quanto a fundamentos disponíveis, ou


seja, essa renúncia nunca pode afastar a faculdade de impugnar uma decisão com
base num fundamento indisponível.

As partes podem renunciar aos recursos ordinários e às reclamações. É questão


relativa à interpretação da vontade das partes determinar o âmbito dessa renúncia,
isto é, verificar-se se elas renunciaram apenas aos recursos ou também às próprias
reclamações.

A renúncia à impugnação torna-a inadmissível. No caso da renúncia ao recurso, isso


constitui fundamento para que o Tribunal a quo o rejeite (art. 687º/3 CPC) e para
que o Tribunalad quem se recuse a conhecer do seu objecto (art. 701º/1 – arts. 726º,
749º, 762º/1 CPC). Esta inadmissibilidade é, assim, de conhecimento oficioso, o que
também parece dever valer para a renúncia à reclamação.

A renúncia à impugnação pode ser, atendendo ao momento em que é realizada,


anterior ou posterior ao proferimento da decisão. A renúncia antecipada só é eficaz
se provier de ambas as partes (art. 681º/1 CPC), isto é, se for bilateral. Esta renúncia
não exige, contudo, um encontro simultâneo de vontades das partes; ela também
pode resultar de declarações unilaterais sucessivas.

A renúncia posterior pode ser unilateral ou bilateral e, em qualquer destas


modalidades, tácita ou expressa. Em regra, não pode recorrer a parte que tiver
aceitado a decisão de ela ter sido proferida (art. 681º/2 CPC), podendo essa
aceitação resultar de uma declaração tácita ou expressa (art. 681º/3, 1ª parte CPC). A
aceitação tácita é a que deriva de qualquer facto inequivocamente incompatível
com a vontade de recorrer (art. 681º/3, 2ª parte CPC; art. 217º, ª parte CC) ocorrido
depois do proferimento da decisão.

A renúncia à impugnação pode ser total ou parcial. É total se abrange toda a


decisão, todos os possíveis fundamentos de impugnação e todos os eventuais
recorrentes e recorridos; é parcial se vale apenas numa certa medida objectiva ou
subjectiva, isto é, se atinge apenas uma parcela da decisão ou dos fundamentos da
impugnação ou somente algumas das partes da acção. A mais importante renúncia
parcial subjectiva é a que só atinge uma das partes da acção (o autor ou o réu), mas,
também é possível uma renúncia que respeita somente a alguns dos litisconsortes.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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106. Caducidade da impugnação


De modo a evitar uma permanente insegurança sobre a eficácia da decisão
proferida, todos os meios de impugnação estão submetidos a prazos peremptórios.

As regras são as seguintes:


 As reclamações devem ser deduzidas no prazo de 10 dias a contar da
notificação ou do conhecimento da decisão (art. 153º/1 CPC);
 Em geral, os recursos ordinários devem ser interpostos igualmente no
prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão (art. 685º/1, 1ª parte
CPC);
 O recurso de revisão deve ser interposto dentro de 5 anos seguintes ao
trânsito em julgado da decisão e, dentro destes, nos prazos referidos no
art. 772º/2;
 Os recursos de oposição de terceiro devem ser interposto dentro dos 3
meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão final da acção de
simulação (art. 780º/1 CPC).

Como todos estes prazos são peremptórios, o seu decurso implica a caducidade da
impugnação (art. 145º/3 CPC). A caducidade do recurso ordinário é de
conhecimento oficioso (art. 687º/3 CPC); o mesmo vale para a caducidade dos
recursos extraordinários, à qual se aplica, dada a indisponibilidade das partes sobre
esses recursos e a natureza substantiva daquele prazo, o regime estabelecido no art.
333º/1 CC.

A - RECURSOS ORDINÁRIOS

GENERALIDADES

107. Enunciado dos recursos


a) Sistematização da lei
A regulamentação dos recursos consta dos arts. 676º a 782º CPC. A ordem da
regulamentação dos recursos ordinários não acompanha completamente os graus
hierárquicos dos Tribunais recorridos, antes obedece a um critério respeitante ao
objecto da decisão impugnada.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

A ordem é a seguinte:
 Primeiro, são reguladas a apelação (arts. 691º a 720º CPC) e a revista (arts.
721º a 732º-B CPC), que são os recursos que cabem das decisões relativas ao
mérito;
 Surgem depois os regimes do agravo em 1ª instância (arts. 733º a 753º CPC)
e do agravo em 2ª instância (arts. 754º a 762º CPC), que são os recursos
admissíveis das demais decisões.

 Recursos na 1ª instância
Os recursos ordinários interpostos de decisões proferidas pela 1ª instância são a
apelação e o agravo. A apelação cabe da sentença final e do despacho saneador
que decidam do mérito da causa (art. 691º/1 CPC); também nos processos especiais
se consideram de apelação os recursos interpostos da sentença ou de quaisquer
despachos que decidam desse mérito (art. 463º/4º CPC). O âmbito do agravo em 1ª
instância delimita-se perante o da apelação: ele cabe das decisões, susceptíveis de
recurso, de que não possa apelar-se (art. 733º CPC.

b) Recursos na 2ª instância
Os recursos ordinários que cabem das decisões proferidas pela Relação são a revista
e o agravo em 2ª instância. O âmbito da revista é definido pelo seu objecto e pelo
seu fundamento específico: cabe recurso de revista do acórdão da Relação que
decide do mérito da causa e do qual se recorre com fundamento na violação da lei
substantiva (art. 721º/1 e 2 CPC). O agravo em 2ª instância possui um âmbito
residual perante a revista: ele cabe dos acórdãos da Relação dos quais não se possa
recorrer de revista (art. 754º/1 CPC), seja porque o acórdão não conheceu do mérito
da causa, seja porque dele se recorrer com um fundamento processual (art. 755º/1
CPC).

c) Recurso para o Tribunal Constitucional


O recurso para o Tribunal Constitucional é igualmente um recurso ordinário, porque
deve ser interposto antes do trânsito em julgado da decisão (arts. 70º/2, 75º/1 LTC).
Esse recurso pode ter por fundamento a inconstitucionalidade de uma norma (art.
280º/1 CRP; art. 70º/1-a, b, g, h, LTC). Para esse efeito, entende-se como norma,
segundo um conceito funcional e formal, qualquer acto de um poder normativo do
Estado (lato sensu), ainda que de conteúdo individual e concreto.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

d) Erro na espécie de recurso


O erro na espécie do recurso verifica-se sempre que o recurso interposto não seja o
apropriado à decisão recorrida ou ao fundamento invocado. Este erro constitui uma
nulidade sanável: o próprio Tribunal no qual é interposto o recurso manda seguir,
no despacho que o admite, os termos do recurso adequado (art. 687º/3, 2ª parte
CPC). O controlo da propriedade do recurso também compete ao Tribunal ad
quem: se o relator do recurso de apelação entender que o recurso apropriado é o
agravo, ouvirá, antes de decidir, as partes e julgará depois qual o recurso adequado
(arts. 701º/1-b, 702º/1 CPC). Este regime é aplicável, com as necessárias adaptações,
ao agravo em 1ª instância (art. 749º CPC), à revista (art. 726º CPC) e ao agravo em 2ª
instância (art. 762º/1 CPC).

108. Finalidades dos recursos


As decisões proferidas pelos Tribunais de recurso – e, em especial, pelos
Tribunais supremos – podem realizar uma de duas finalidades: eles podem visar
exclusivamente a decisão do caso concreto ou destinar-se a obter, além da
resolução deste, a uniformização jurisprudencial sobre a interpretação e a aplicação
da lei. Na primeira destas situações, a decisão do Tribunal superior só se torna
vinculativa no caso apreciado, pelo que o recurso onde é proferida pode ser
designado como um recurso casuístico; na segunda, a decisão do Tribunal torna-se
um critério de decisão de casos semelhantes, isto é, é aplicável sempre que os
Tribunais se devam pronunciar sobre uma questão idêntica à apreciada: o recurso
que conduz ao proferimento dessa decisão pode chamar-se recurso normativo.

No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão


proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal
recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal
de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi
alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela foram
formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não
meios de julgamento de questões novas. Excluída está, por isso, a possibilidade de
alegação de factos novos na instância de recurso, embora isso não resulte de
qualquer proibição legal, mas antes da ausência de qualquer permissão expressa.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

O julgamento de uma causa pressupõe a aplicação de uma lei a certos factos, isto é,
esse julgamento conjuga matéria de direito e de facto. A competência decisória de
recurso pode abranger ambas essas matérias ou restringir-se à matéria de facto.

A possibilidade de o Tribunal de recurso conhecer de matéria de facto pressupõe


que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas condições que estão
asseguradas ao Tribunal recorrido.

Ao Tribunal superior pode ser concedido apenas o poder de revogar a decisão


recorrida ou o poder de a revogar e de a substituir por uma outra: no primeiro caso,
o recurso pertence ao modelo de cassação e comporta somente um juízo
rescindente; no segundo, o recurso integra-se no modelo de substituição e contém
um juízo rescindente e um juízo rescisório. Estes modelos não são verdadeiramente
incompatíveis, porque todo o recurso comporta um juízo rescindente e é, portanto,
cassatório. O que pode suceder é que, além do juízo rescindente, o recurso também
contenha um juízo rescisório, ou seja, permita que o Tribunal ad quem substitua a
decisão revogada: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de substituição.
O recurso de cassação favorece a harmonização jurisprudencial sobre a
interpretação da lei, porque o Tribunal ad quem se limita a controlar o respeito da
lei pelas instâncias, mas, ao pressupor uma separação entre a interpretação e a
aplicação da lei, é dificilmente coadunável com as modernas tendências da
metodologia jurídica. Em contrapartida, o modelo dorecurso de
substituição favorece a adequação da decisão ao caso concreto, embora dificulte a
harmonização jurisprudencial sobre a interpretação da lei.

109. Instância de recurso


O recurso é interposto no Tribunal que proferiu a decisão recorrida (art. 687º/1
CPC), pelo que, por analogia com o disposto no art. 267º/1 CPC, ele deve
considerar-se interposto logo que seja recebida na secretaria desse Tribunal o
respectivo requerimento do recorrente. A esse Tribunal compete controlar a
admissibilidade do recurso (art. 687º/3 CPC); se o recurso for considerado
admissível, ele sobe posteriormente ao Tribunal ad quem (arts. 699º, 724º/1, 744º/2,
760º e 761º/1 CPC). Portanto, o procedimento do recurso reparte-se entre o
Tribunal aquo e o Tribunal ad quem.

O dever de litigância de boa-fé (art. 266º-A CPC) também vale na instância de


recurso. Assim, qualquer das partes pode ser condenada como litigante de má-fé
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

por ter actuado quer com má-fé substancial (art. 456º/2-a, b, c, CPC), quer com má-
fé instrumental (art. 456º/2-d CPC). Além disso, em sede de recursos, há que contar
com o regime especial que se encontra previsto no art. 720º CPC (aliás aplicável a
todos os demais recursos ex vi dos arts. 726º, 749º, 762º/1 CPC).

110. Efeitos de interposição


A interposição do recurso realiza efeitos no próprio processo pendente e pode
ainda produzi-los fora desse processo: na primeira hipótese, pode falar-se de efeitos
intraprocessuais; na segunda, de efeitos extraprocessuais.

a) Efeitos intraprocessuais
Comportam um efeito suspensivo, efeitos translativos e um efeito suspensivo.
O efeito suspensivo, refere-se à circunstância de a decisão recorrida não transitar
em julgado e de, por isso, não receber o valor de caso julgado antes da sua
confirmação pelo Tribunal de recurso ou de nem sequer vir a obter esse valor se for
revogada por esse Tribunal.

Os efeitos translativos, respeitam à transferência dos efeitos decorrentes da


instância recorrida para a instância de recurso e são consequência da continuação
da pendência do processo.

A interposição do recurso também produz em efeito devolutivo. Esse efeito


caracteriza-se pela atribuição do Tribunal superior do poder de confirmar ou
revogar a decisão recorrida, sendo ele que justifica a chamada expedição ou subida
do recurso (arts. 699º, 724º/1, 74º0/2, 760º e 761º/1 CPC).

c) Efeitos extraprocessuais
Traduzem-se segundo as expressões tradicionais, num efeito devolutivo ou
suspensivo, mas estes possuem um recorte completamente diferente dos
homónimos efeitos intraprocessuais. Existe, além de tudo o mais, uma distinção
fundamental entre ambos: o efeito devolutivo e o efeito suspensivo,
enquanto efeitos intraprocessuais, são essenciais aos recursos ordinários
regulados no direito português e, por isso, coexistem em qualquer recurso; pelo
contrário, o efeito devolutivo e o efeito suspensivo, enquanto efeitos
extraprocessuais, são características secundárias desses recursos, que são
escolhidas pelo legislador para cada recurso e que são necessariamente alternativas.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

O efeito (extra-processual) devolutivo significa que a interposição do recurso não


obsta à produção de efeitos da decisão recorrida fora do processo em que foi
proferida.

O efeito (extra-processual) suspensivo impede a produção de efeitos da decisão


recorrida fora do processo em que foi proferida e, nomeadamente, a sua
exequibilidade, mesmo provisória (art. 47º/1 CPC).

A instância de recursos pode suspender-se nas circunstâncias referidas no art.


276º/1 CPC, e interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um
ano por negligência de qualquer das partes (art. 285º CPC). Mas se essa parte for o
recorrente ou o autor de um incidente suscitado em recurso, verifica-se a deserção
do recurso (art. 291º/2, 3 CPC) e a consequente extinção da instância por simples
despacho do juiz ou do relator (arts. 287º-c e 291º/4 CPC).

ESTUDO ANALÍTICO

111. Fundamentos dos recursos


A. Tipologia do erro judiciário
A lei processual estabelece, a propósito do recurso de revista, que a violação de lei
(substantiva ou processual) pode consistir no erro de interpretação ou de aplicação
da norma ou no erro de determinação da norma aplicável (art. 721º/2, 1ª parte
CPC). A distinção entre estes erros não é fácil, porque muito frequentemente o erro
na determinação da norma aplicável resulta de um erro na sua interpretação.

a) Erro na previsão
O erro na determinação da norma aplicável consiste num equívoco quanto à norma
que deve ser aplicada ao caso concreto. Este erro pode ocorrer em duas
modalidades distintas: o erro na qualificação e o erro na subsunção. Aquele erro na
qualificação verifica-se quando o Tribunal selecciona mal a norma aplicável ao caso
concreto, isto é, quando esse órgão, ao procurar a lei reguladora desse caso,
escolhe a norma errada.

O erro na subsunção verifica-se quando os factos apurados são subsumidos a uma


norma errada, ou seja, quando o Tribunal integra na previsão de uma norma factos
ou situações que ela não comporta.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

c) Erro na estatuição
Diferente de qualquer dos erros sobre a previsão é o erro na aplicação da norma,
que decorre de um entendimento erróneo das consequências determinadas pela
norma aplicada.

B. Tipologia da violação da lei


A violação da lei que resulta de um erro sobre a previsão ou de um erro sobre a
estatuição respeita à própria norma que define o conteúdo da decisão proferida,
situação em que o controlo exercido pelo Tribunal ad quem se traduz em aplicar
correctamente a norma de decisão adequada. A esta violação da própria norma de
decisão pode chamar-se violação primária.

Mas também pode suceder que a violação da lei não incida sobre a norma que
define, ou devia definir, o conteúdo de decisão, mas sobre uma norma que tem por
objecto a norma de decisão ou o acto jurídico que determina aquele conteúdo.
Estas normas sobre normas de decisão ou sobre actos jurídicos que definem o
conteúdo da decisão podem designar-se por normas secundárias e à respectiva
violação pode chamar-se, por isso, violação secundária.

A distinção entre violação primária e secundária da lei traça-se, em suma, do


seguinte modo:
 Há violação primária do critério de decisão se o Tribunal recorrido aplicou
um critério distinto daquele que era o adequado ao caso concreto ou
errou na aplicação desse critério, ou seja, se o caso foi resolvido por um
critério errado ou pela aplicação errada do critério adequado;
 Há violação secundária, se o recorrente alega, não o erro sobre o critério
aplicável ou sobre a aplicação do critério adequado, mas a violação pelo
Tribunal recorrido de uma norma secundária sobre o critério decisão,
nomeadamente a violação de uma norma que determina a inexistência, a
invalidade ou a ineficácia daquele critério.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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B - RECURSOS, PROPRIAMENTE DITO

112. APELAÇÃO
Cabe apelação da sentença final e do despacho saneador que decidam do mérito da
causa (art. 691º/1 CPC). Assim, a apelação é o recurso admissível das decisões sobre
o mérito proferidas pela 1ª instância, pelo que são apeláveis todas as decisões que
nela absolvam ou condenem o réu no pedido. A decisão que conhece do mérito e
que, por isso, é apelável pode não ser uma decisão final do processo (art. 695º/1
CPC).

O recurso de apelação delimita-se exclusivamente pelo seu objecto, que é a decisão


proferida em 1ª instância sobre o mérito da causa (art. 691º/1 CPC), sendo
irrelevante o fundamento invocado pelo apelante. Isso significa que, ainda que o
recorrente pretenda alegar um fundamento processual contra a decisão recorrida, o
recurso admissível é a apelação.

113. REVISTA
O campo de aplicação do recurso de revista delimita-se duplamente pelo objecto e
pelo fundamento:
 O objecto da revista é o acórdão da Relação que decide do mérito da
causa (art. 721º/1 CPC), isto é, que prenuncia uma condenação ou
absolvição do pedido;
 O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei
substantiva (art. 721º/2, 1ª parte CPC), embora, acessoriamente, o
recorrente também possa alegar a violação da lei processual (arts.
721º/2 in fine, 722º/1 CPC). Note-se que, como a revista cabe do acórdão
da Relação sobre o mérito da causa (art. 721º/1 CPC), ela é igualmente
admissível da decisão que conhece desse mérito no agravo em 1ª instância
(art. 753º/1 CPC) e que é impugnada com fundamento na violação da lei
substantiva (art. 721º/2 CPC).

A revista é o recurso ordinário pelo qual se impugna uma decisão de mérito da 2ª


instância com fundamento na violação de lei substantiva. A revista deve ser
admissível, por isso, sempre que um Tribunal de 2ª instância se pronuncie sobre o
mérito da causa e a decisão seja recorrível. Como, em certos casos, essa decisão da

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

Relação se pode verificar depois do julgamento de um outro recurso pelo Supremo,


existem algumas situações de revista diferida e outras de segunda revista.

Encontram-se também situações em que é admissível a interposição de uma


segunda revista. Tal sucede nos casos em que, como resultado da procedência de
uma revista pendente, o supremo manda baixar o processo à Relação e esta profere
uma decisão sobre o mérito da causa: desta última decisão pode interpor-se uma
nova revista.

AGRAVOS

114. AGRAVOS EM 1ª INSTÂNCIA


O âmbito do agravo em 1ª instância delimita-se negativamente perante o do
recurso de apelação: cabe agravo das decisões susceptíveis de recurso de que não
possa apelar-se (art. 733º CPC), isto é, das decisões dos Tribunais de 1ª instância
que não conhecem do mérito da causa.

Dada a delimitação negativa do agravo perante a apelação (art. 73º CPC), pode
dizer-se que aquele recurso é aplicável sempre que uma decisão for recorrível, mas
dela não couber apelação por não ser uma decisão sobre o mérito. Cabe igualmente
agravo, das decisões secundárias sobre as custas da acção (art. 46º/1 CPC; art.
62º CCJ), sobre a condenação em multa e indemnização como consequência da
litigância de má-fé (art. 456º/1 CPC) e ainda sobre a concessão ou denegação do
apoio judiciário (art. 39º/1 DL 387-B/87, de 29/12).

115. AGRAVO EM 2ª INSTÂNCIA


O agravo em 2ª instância possui um âmbito de aplicação residual perante os
recursos de revista e de apelação (art. 754º/1 CPC). Dado que a revista cabe do
acórdão da Relação que conheça do mérito da causa (art. 721º/1 CPC) e do qual
seja interposto recurso com fundamento na violação da lei substantiva (art. 721º/2
CPC), o recurso de agravo em 2ª instância é admissível nas seguintes situações:
 Quando o acórdão da Relação não aprecie o mérito da causa (ex. art.
493º/2 CPC);
 Quando o acórdão da Relação conheça do mérito da causa, mas o
recorrente pretenda impugnar dessa decisão exclusivamente com um
fundamento processual (ex. arts. 493º/2,494º-a CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Em certos casos, a Relação funciona como Tribunal de 1ª instância: no âmbito civil,


tal sucede quanto às acções de indemnização propostas contra juízes de direito,
procuradores da República e delegados do Procurador da República e baseadas em
actos praticados durante o desempenho das suas funções (art. 41º/1-b LOTJ; art.
1083º/1 CPC). Do acórdão da Relação que conheça do objecto dessas acções cabe
recurso de apelação para o Supremo (art. 1090º/1 CPC), pelo que, dada a
delimitação negativa do agravo em 2ª instância perante a apelação (art. 754º/1
CPC), aquele agravo cabe apenas das decisões que, naquelas acções, não se
pronunciem sobre o mérito da causa.

Como o agravo em 2ª instância incide sobre decisões que não conhecem do mérito
(art. 754º/1 CPC), nem sempre é exigível assegura-lhes um controlo pelo Supremo: é
essa a justificação para a exclusão, imposta pelo art. 754º/2, 1ª parte e 3º CPC, da
admissibilidade de recurso para o Supremo do acórdão da Relação que confirme,
ainda que por diverso fundamento mas sem voto de vencido, a decisão
interlocutória proferida na 1ª instância. O regime não vale, contudo, quando, nos
termos do art. 678º/2/3 CPC, o recurso seja admissível independentemente dos
valores da causa e da sucumbência da parte.

OBJECTO DOS RECURSOS ORDINÁRIOS

116. Constituição
O objecto do recurso é constituído por um pedido e um fundamento. O pedido
consiste na solicitação de revogação da decisão impugnada e o fundamento na
invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento
(error in iudicando).

O pedido de revogação fundamenta-se num error in


procedendo ou in iudicando, mas importa salientar um aspecto especialmente
importante. Para que o recurso seja procedente não basta que o Tribunal ad
quem verifique qualquer desses erros; é ainda indispensável que a decisão
impugnada, apesar de padecer do vício invocado pelo recorrente, não possa ser
confirmada por um fundamento diferente do utilizado pelo Tribunal recorrido.

O pedido do recorrente deve ser formulado no requerimento de interposição do


recurso, no qual, em certos casos, também devem ser apresentados os respectivos
Octávio Manuel Gomes Alberto
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fundamentos (art. 687º/1 CPC). Esse pedido pode ser restringido nas conclusões das
alegações do recurso (art. 684º/3 CPC) através, por exemplo, da exclusão de um dos
recorridos ou da aceitação da decisão quanto a um dos pedidos cumulados, mas
não pode ser ampliado em relação àquele que consta do requerimento de
interposição, porque qualquer restrição realizada neste último vale como aceitação
da decisão não impugnada e, portanto, como renúncia ao recurso (art. 681º/2 e 3
CPC).

117. Âmbito
O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Antes do mais, esse âmbito é
determinado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na
instância recorrida. Dado que o direito português consagra o modelo do recurso de
reponderação, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas
questões colocadas ao Tribunal recorrido, pelo que, em regra, não é possível
solicitar ao Tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se
integra no objecto da causa tal como for apresentada na 1ª instância.

Dentro do objecto do processo e com observância dos casos julgados formados na


acção, o âmbito do recurso delimita-se objectivamente pela parte dispositiva da
sentença que for desfavorável ao recorrente (art. 684º/2, 2ª parte CPC) ou pelo
fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art. 684º-A/1 e 2 CPC). Quer
dizer: o objecto do recurso não é sequer a totalidade da decisão, mas apenas o que
nela for desfavorável ao recorrente ou recorrido, o que, aliás, implica que o Tribunal
de recurso não pode apreciar a parte da decisão que não foi impugnada.

Finalmente, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Sempre
que a parte dispositiva da sentença contenha decisões distintas sobre vários
objectos, o recorrente pode distinguir o recurso a qualquer delas (art. 684º/2, 1ª
parte CPC).

118. Limites
A função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não um novo
julgamento da causa. Dessa circunstância decorre a proibição
da reformatio in melius e in peius. A proibição da reformatio in melius tem o
seguinte enunciado: como o objecto do recurso é delimitado pela impugnação do
recorrente, esta parte não pode alcançar através do recurso mais do que a
revogação e eventual substituição da decisão recorrida. A proibição
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 126 de 204
Direito Processual Civil

da reformatio in peius (que se encontra consagrada no art. 684º/4 CPC) traduz-se


no seguinte: a decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao
recorrente que a decisão impugnada.

A violação das proibições da reformatio in melius e in peius pressupõe que o


Tribunal de recurso conhece de matéria que não podia apreciar, porque excede o
âmbito da sua competência decisória. Assim, é nulo, por excesso de pronúncia, o
acórdão do Tribunal de recurso que não observa aquelas proibições (arts. 668º/1-d,
2ª parte CPC, 716º/1, 732º, 752º/3, 762º/1 CPC).

A proibição da reformatio in melius é uma consequência da vinculação do Tribunal


superior à impugnação do recorrente: por isso, esse Tribunal não pode conceder a
essa parte mais do que ela pede no recurso interposto.
Esta proibição da reformatio in melius mantém-se mesmo quando o Tribunal de
recurso tem de apreciar matéria de conhecimento oficioso.

Não viola a proibição da reformatio in melius a circunstância de o Tribunal de


recurso confirmar a procedência da acção no quantitativo total do pedido do autor,
ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas.

A decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do


que a decisão recorrida: é nisto que consiste a proibição da reformatio in peius (art.
684º/4 CPC). A possibilidade de o Tribunal de recurso conhecer oficiosamente de
certa matéria não o isenta da sujeição à proibição da reformatio in peius.

119. DECISÃO
O âmbito da competência decisória do Tribunal depende do tipo de recurso. Se esse
recurso pertence ao modelo de cassação, o Tribunal ad quem só pode revogar a
decisão impugnada; se o recurso se integra no modelo de substituição, o
Tribunal ad quem pode não só revogar a decisão impugnada, mas também
substitui-la por outra. Esta substituição nem sempre é limitada pelo objecto do
recurso: se a Relação considera procedente o agravo interposto, esse Tribunal pode
substituir a decisão de forma impugnada por uma decisão sobre o mérito (art.
753º/1 CPC).

Se o Tribunal superior, só podendo julgar segundo o modelo de cassação e,


portanto, podendo apenas revogar a decisão recorrida, substitui essa decisão por
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 127 de 204
Direito Processual Civil

uma outra, verifica-se um excesso de pronúncia, porque esse Tribunal conhece de


uma matéria que não pode apreciar. Tal excesso determina a nulidade da sua
decisão (arts. 668º/1-d, 2ª parte, 716º/1, 732º, 752º/3, 762º/1 CPC).

A improcedência do recurso e a consequente confirmação da decisão recorrida


podem resultar da modificação pelo Tribunal ad quem do fundamento dessa
mesma decisão. Isto é, o Tribunal superior pode aceitar a procedência do recurso,
mas encontrar um outro fundamento, distinto daquele que foi utilizado pelo
Tribunal recorrido, para confirmar a decisão recorrida.
Tal hipótese sempre que a decisão possa comportar vários fundamentos. Esta
pluralidade pode resultar, quanto a uma decisão de mérito, de um concurso de
pretensões ou de excepções peremptórias e, quanto a uma decisão de forma, de um
concurso de excepções dilatórias.

No entanto, esta possibilidade depende de duas condições:


 Uma delas é que o Tribunal de recurso possa conhecer do fundamento
que justifica a confirmação da decisão recorrida;
 Uma outra é que a procedência do recurso não impeça a confirmação da
decisão com base noutro fundamento.

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

120. Enunciado
Na instância de recurso relevam três tipos de pressupostos processuais: os gerais, os
especiais e os específicos. Os pressupostos gerais são comuns à acção no seu todo:
é o caso, por exemplo, da competência do Tribunal a quo e da legitimidade das
partes; os pressupostos especiais são adaptações à instância de recurso dos
pressupostos gerais: são eles a competência do Tribunal ad quem e o patrocínio
judiciário obrigatório do recorrente; finalmente, os pressupostos específicos são
restritos à instância de recurso: esses pressupostos são a recorribilidade da decisão
e a legitimidade para recorrer.

121. Apreciação
Os pressupostos processuais específicos condicionam a admissibilidade do
conhecimento do objecto do recurso, o que significa que, se eles não se

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 128 de 204
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encontrarem preenchidos, o Tribunal ad quem não se pronuncia sobre a


procedência ou improcedência do recurso.

Os pressupostos específicos podem tornar-se, eles próprios, objecto de um recurso.


Esta solução é ditada pelo princípio da auto-suficiência do processo, segundo o qual
a aparência vale como realidade até se averiguar se efectivamente ela corresponde a
qualquer realidade.

Os pressupostos específicos da instância de recurso beneficiam, embora não


exclusivamente, a parte recorrida, dado que definem as condições em que o recurso
é admissível e em que pode ser impugnada uma decisão favorável a essa parte. Isso
significa que lhes é aplicável a dispensa, estabelecida no art. 288º/3, 2ª parte CPC,
da necessidade da sua apreciaçãoprévia relativamente ao conhecimento do mérito
do recurso.

Os pressupostos específicos devem ser controlados oficiosamente pelo próprio


Tribunal a quo (art. 687º/3, 1ª parte CPC). Mas a decisão desse Tribunal não vincula
o Tribunal ad quem (art. 687º/4 CPC), pois que lhe incumbe controlar aqueles
pressupostos (arts. 701º/1, 704º/1 CPC, aplicáveis à revista – art. 726º CPC – e aos
agravos – arts. 749 e 762º/1 CPC). Esta duplicidade de momentos de apreciação dos
pressupostos específicos implica que há que considerar eventuais alterações entre o
momento da apreciação no Tribunal a quo e o julgamento no Tribunal ad quem.

Além dos pressupostos processuais específicos, na instância de recuso também


devem estar preenchidos os pressupostos gerais. Quanto ao seu controlo pelo
Tribunal de recurso, há que considerar duas situações. Esses pressupostos podem
constituir o próprio objecto do recurso, isto é, a impugnação pode incidir sobre uma
decisão relativa a esses pressupostos. Mas, ainda que esses pressupostos não
constituam o objecto de recurso, o Tribunal ad quem pode sempre apreciar aqueles
que forem de conhecimento oficioso (art. 495º CPC) e absolver o réu da instância
com base na falta de qualquer deles (art. 493º/2 CPC). Pode assim dizer-se que os
pressupostos de conhecimento oficioso constituem um objecto implícito do recurso,
porque o Tribunal ad quem pode apreciá-los em qualquer recurso.

Em qualquer destes casos, ou seja, tanto na hipótese em que o objecto do recurso é


um pressuposto processual geral, como na eventualidade em que o Tribunal
superior pode controlar um pressuposto de conhecimento oficioso, este Tribunal
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

não deve ocupar-se desse pressuposto se a decisão sobre o mérito puder ser
favorável à parte que beneficiaria com o seu preenchimento: é a solução imposta
pelo art. 288º/3, 2ª parte CPC. É por isso que, se estiverem
simultaneamente pendentes uma apelação relativa à decisão de mérito desfavorável
ao autor e um agravo relativo à decisão sobre os pressupostos processuais
interposto pelo réu, o art. 710º/1 CPC (aplicável à revista ex vi do art. 726º CPC),
determina que este agravo só deva ser apreciado se a decisão sobre o mérito não
for confirmada.

Os pressupostos especiais dos recursos são a competência do Tribunal ad quem


(arts. 71º e 72º CPC; arts. 27º-a, 28º/1-a, 41º/1-a LOTJ) e o patrocínio judiciário
obrigatório do recorrente (art. 32º/1-c CPC). Quanto à possibilidade de o Tribunal
superior conhecer do mérito do recurso numa situação em que esses pressupostos
não se encontram preenchidos, há que verificar, segundo o critério subjacente à
desnecessidade da apreciação prévia dos pressupostos processuais estabelecida o
art. 288º/3, 2ª parte CPC, se aqueles pressupostos são disponíveis e, em caso
afirmativo, se a sua falta não prejudica a parte que seria beneficiada com a sua
verificação.

122. Recorribilidade da decisão


A recorribilidade da decisão pressupõe o esgotamento de outras eventuais formas
de impugnação, como é o caso da reclamação (arts. 123º/2, 511º/2, 650º/5, 653º/4,
668º/3, 700º/3, 725º/5 CPC). É nisto que consiste a subsidiariedade do recurso
perante a reclamação (art. 700º/3 e 5 CPC). Se a parte recorrer em vez de reclamar,
há falta de interesse processual, porque a parte não utilizou o meio mais célere e
menos dispendioso para a impugnação da decisão. Mas o art. 688º/5 CPC, permite a
conversão do recuso indevidamente interposto na reclamação dirigida ao
presidente do Tribunal superior e, mediante aplicação analógica do disposto no art.
687º/3, 2ª parte CPC, quanto ao erro na espécie de recurso, pode entender-se que o
Tribunal perante o qual foi interposto o recurso indevido deve mandar seguir os
termos da reclamação apropriada: obtém-se desta forma a sanação dessa falta de
interesse processual.

A decisão recorrida pode ser tanto uma decisão final, como uma decisão
interlocutória. A recorribilidade das decisões interlocutórias apresenta vantagens e
inconvenientes: ela revela-se útil, se o Tribunal de recurso vier a revogar a decisão
recorrida, porque, nesse caso, a impugnação permite evitar as repercussões da
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 130 de 204
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decisão impugnada na acção pendente; mas se o Tribunal de recurso confirmar a


decisão recorrida, o recurso pode contribuir para atrasar o andamento e decisão do
processo.

123. Legitimidade para recorrer


A legitimidade para recorrer pode ser aferida segundo um critério formal ou
material. Segundo o critério formal, tem legitimidade para recorrer a parte que não
obteve o que pediu ou requereu; portanto, não pode recorrer a parte que consegui
na acção aquilo que solicitou ou que está de acordo com a sua conduta na acção.
Diferentemente, segundo o critério material,tem legitimidade para recorrer a parte
para a qual a decisão for desfavorável, qualquer que tenha sido o seu
comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela
formulados no Tribunal a quo.

A legitimidade ad recursum é, apesar da sua designação, uma modalidade do


interesse processual e não uma concretização, no âmbito dos recursos, da
legitimidade processual.

Também na legitimidade para recorrer se observa a correlatividade que caracteriza


o interesse processual. Se a uma das partes for reconhecido um interesse a recorrer,
isto é, um interesse em obter a tutela decorrente da procedência do recurso, à
contraparte é automaticamente atribuído um interesse em contradizer, ou seja, um
interesse em evitar o prejuízo relevante daquela procedência.

O art. 68º/3 CPC (aplicável às decisões proferidas na 2ª instância ex vi dos arts.


716º/1, 752º/3 CPC) estabelece que, quando for admissível interpor recurso
ordinário da decisão, a nulidade desta pode constituir um dos fundamentos desse
recurso; o recurso interposto pode mesmo ter como único fundamento aquela
nulidade (arts. 722º/3, 1ª parte, 755º/1-a CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

IV. ACÇÃO EXECUTIVA

INTRODUÇÃO

124. Tutela executiva

a) Execução singular
As acções condenatórias visam um duplo objectivo: o reconhecimento de um direito
a uma prestação e a condenação do réu no cumprimento dessa prestação (art. 4º/2-
a) b) CPC).

Perante a falta de cooperação e a indiferença deste perante eventuais meios


compulsórios (ex. art. 829º-A CC), a ordem jurídica, paralelamente à proibição de
justiça privada (art. 1º CPC), concede ao credor a possibilidade de obter a satisfação
efectiva do seu direito através de uma acção executiva (art. 4º/3 CPC). Esta acção
enquadra-se na garantia do acesso aos tribunais para a defesa dos direitos e
interesses legítimos (art. 20º/1 CRP).

A execução pode ser entendida num sentido próprio, a execução é a realização


coactiva de uma prestação; e numa acepção ampla ou imprópria, a execução é a
actividade correspondente à produção de quaisquer efeitos jurídicos.
A acção executiva refere-se apenas à execução em sentido próprio. A sua finalidade
é a realização coactiva de uma prestação que não foi voluntariamente cumprida
pelo devedor (art. 4º/3 CPC).

b) Tutela universal
Na acção executiva promove-se em geral a realização coactiva de uma única
prestação contra um único devedor, e apenas são penhorados e executidos os bens
do executado que seja suficiente para liquidar a dívida exequenda (arts. 828º/5,
833º/1, 836º/2-a CPC). Esta execução singular distingue-se do processo de falência,
que é uma execução universal, tanto porque nela intervêm todos os credores
falidos, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património deste
devedor.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

125. Realização coactiva da prestação


Em regra, as partes da acção executiva são o credor, que assume a posição de
exequente, e o devedor, que é o executado. O credor só se pode tornar exequente e
o devedor executado se constarem como tal no título executivo (art. 55º/1 CPC, de
entre as excepções à regra de legitimidade enunciada no art. 55º/1 CPC, tenham-se
presentes as constantes dos arts. 56º/1 e 2, 57º, 811º e 864º CPC).

A acção executiva é normalmente proposta contra o devedor; no entanto, há casos


em que determinados sujeitos, apesar de não serem devedores, podem ser
requeridos como executados: é o que acontece quando o objecto da execução for
uma dívida provinda de garantia real, que onere bens ou direitos que pertençam ou
estejam, na posse de um terceiro (art. 56º/2 e 4 CPC).

O art. 56º/2 CPC, veio pôr termo ao complexo e controverso problema da


legitimidade das partes na acção executiva, quando o objecto desta seja uma dívida
provida de garantia real, tomando-se posição clara sobre a questão da legitimação
do terceiro possuidor ou proprietário dos bens onerados com tal garantia. Assim
concede-se, tanto a um como a outro, legitimidade passiva para a execução,
quando o exequente pretenda efectivar tal garantia, incidente sobre bens
pertencentes ou na posse de terceiro.

A acção executiva visa assegurar ao credor a satisfação da prestação não cumprida


(art. 4º/3 CPC). O objecto da acção executiva é, por isso, sempre (e apenas) um
direito a uma pretensão, isto é, uma pretensão, porque só esse direito impõem um
dever de prestar e só esse dever deve ser realizado coactivamente. Importa referir
que, para a aplicação da acção executiva, é irrelevante a origem obrigacional, real,
familiar, sucessória ou outra da pretensão: o que revela é apenas a existência de um
dever de prestar.
O objecto da acção executiva é uma pretensão e a correspondente causa debendi
que constitui a causa de pedir dessa acção.

a) Exequibilidade intrínseca
Refere-se à obrigação exequenda e às suas características materiais. Essa obrigação
tem de subsistir no momento da execução, pelo que qualquer facto impeditivo,
modificativo ou extintivo que possa ser alegado pelo executado (arts. 813º-e) g) 1ª
parte, 814º e 815º CPC) exclui essa exequibilidade. Alem disso, a obrigação
Octávio Manuel Gomes Alberto
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exequenda tem de apresentar características que justificam a execução pelo que


deve ser exigível (art. 802º CPC), e que possibilitam a sua realização coactiva, pelo
que deve ser certa e líquida (art. 802º CPC). A inexigibilidade, a incerteza e a
iliquidez da obrigação constituem fundamentos de oposição à execução (arts. 813º-
e, 814º/1, 815º CPC).

b) Exequibilidade extrínseca
É atribuída pela incorporação da pretensão num título executivo, isto é, documento
que formaliza, por disposição na lei. A faculdade de realização coactiva da prestação
não cumprida (art. 45º/1 CPC). O título executivo cumpre no processo executivo
uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual
para a acção executiva (arts. 55º/1 e 69º/1 CPC) e, salvo oposição do executado ou
vício do conhecimento oficioso, é suficiente para iniciar e efectivar a execução. A
inexequibilidade extrínseca da pretensão, ou seja, a falta do título executivo,
constitui um dos fundamentos de indeferimento liminar e de rejeição oficiosa da
execução (arts. 811º-A/1-a, 820º CPC) bem como de oposição à execução por
embargos de executado (arts. 813º-a, 814º/1, 815º/1 CPC).

126. Execução específica e não específica


É específica, quando visa a realização da própria prestação não cumprida; é não
específica, quando tem por finalidade a obtenção de um valor patrimonial
sucedâneo da prestação não realizada.

A execução específica visa obter a própria prestação a que o devedor executado se


encontra vinculado. Mas há que considerar que, enquanto na execução para entrega
de coisa certa, só há que a apreender e entregá-la ao credor (art. 827º CPC), na
execução para a prestação de facto é necessário obter a sua realização por um
terceiro à custa do devedor (art. 828º CPC) ou, se se tratar de um facto negativo,
proceder à denominação da obra a expensas do devedor (art. 829º/1 CPC).

Na execução específica, o património do devedor actua como garantia real das


obrigações do seu titular (art. 601º CC). Neste caso, a realização coactiva da
prestação desenvolve-se normalmente em três fases:
 Num primeiro momento, são penhorados bens do devedor (art. 821º/1 CPC)
ou de um terceiro (arts. 818º CC, 821º CPC);
 Posteriormente, procede-se à venda executiva desses bens (art. 872º/1, 886º
CPC);
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 134 de 204
Direito Processual Civil

 Finalmente, o exequente, que obtém com a penhora uma preferência no


pagamento pela quantia liquidada naquela venda (art. 822º CC), é pago pelo
produto dessa alienação (art. 827º/1 CPC).

127. Tipologia da acção executiva


Atendendo à prestação que se executa, a acção executiva classifica-se em execução
para pagamento de quantia certa, para entrega de coisas certa e para prestação de
facto (art. 45º/2 CPC). Apesar de essa classificação estar indiciada ao fim da
execução, ela atende mais à prestação constante do título executivo do que a esse
fim, porque a modalidade da execução não é alterada pelo facto de a prestação
documentada não poder vir a ser efectivada através da execução e ser necessário
obter nesta um sucedâneo pecuniário.

A execução para pagamento de quantia certa aplica-se às prestações pecuniárias


(art. 811º/1 CPC). Mas não a todas; são três as modalidades das obrigações
pecuniárias:
 Obrigação de quantidade (art. 550º CC): que são aquelas cujo objecto é um
valor expresso em moeda com curso legal;
 Obrigações de moeda específica (art. 552º CC): que são aquelas cujo objecto
é o pagamento através de certa espécie de moeda metálica;
 Finalmente, obrigações em moeda estrangeira (art. 558º CC): que são aquelas
cujo pagamento deve ser realizado em moeda estrangeira.

A execução para entrega de coisa certa, além de ser residualmente aplicável, nos
termos descritos, à execução das obrigações em moeda estrangeira, é utilizável para
efectivar o direito à prestação de uma coisa (arts. 827º CC; 928º/1 CPC). A execução
para a prestação de facto serve para a execução de uma prestação de facere (arts.
828º CC; 933º/1 CPC) ou de non facere (arts. 829º CC; 941º CPC).

A execução para a entrega de coisa certa é compatível com qualquer origem


negocial ou legal dessa prestação.
O valor da acção executiva é aferido em, termos gerais, isto é, pela quantia certa
requerida pelo exequente ou pelo quantitativo pecuniário correspondente à coisa
ou ao facto devido (art. 306º/1 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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128. Forma do processo


O processo pode ser comum ou especial (art. 460º/1 CPC). O processo executivo
comum é subsidiário, pois que só é aplicável à pretensão exequenda não
corresponda qualquer processo executivo especial (art. 460º/2 CPC).
A forma da acção executiva comum pode ser ordinária ou sumária[1] (art. 465º CPC).

A distinção assenta, acima de tudo, no título executivo, mas atende a outros


factores; assim seguem a forma ordinária:
 As execuções baseadas num título executivo que não sejam sentença
condenatória (art. 465º/1-a CPC; Decreto-lei 274/97);
 As execuções fundadas numa decisão judicial que condene no cumprimento
de uma obrigação, quando a liquidação não possa ser realizada pelo
exequente (art. 465º/1-b CPC);
 As execuções para a entrega de coisa certa, e para prestação de facto podem
converter-se em execuções para a obtenção de uma quantia sucedânea (arts.
931º e 934º CPC).

PROCESSO EXECUTIVO

129. Função jurídico-económica


O processo executivo faculta ao exequente a satisfação da prestação que o devedor
não cumpriu voluntariamente (art. 4º/3 CPC). Este processo procura atribuir ao
exequente a satisfação do seu interesse patrimonial, utilizando meios coactivos
contra o património do devedor[2].

O processo executivo visa obter a realização coactiva de uma prestação não


cumprida. Como o dever de prestar está corporizado num título executivo (art. 45º/1
CPC), a tramitação do processo executivo orienta-se primordialmente para a
satisfação efectiva do direito do exequente e só admite a discussão da existência ou
validade da pretensão exequenda num processo declarativo incidental da execução
– os chamados embargos de executado (arts. 812º a 819º CPC).

130. Posição do ordenamento jurídico


O processo executivo visa a realização coactiva de uma prestação que é atribuída
pelo direito material e que, em alguns casos, foi reconhecida numa anterior acção
Octávio Manuel Gomes Alberto
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declarativa condenatória. Este processo é instrumental tanto perante a acção


declarativa e as decisões nela proferida, sempre que estas imponham um dever de
prestar.

O direito à execução não é um direito do credor contra o Estado, mas um direito


que não pode ser exercido sem o emprego dos meios coactivos do Estado.
O exercício do direito de execução está sujeito a limites, quer nas relações entre o
exequente e o executado, quer nas relações entre o exequente e terceiro. Expressão
daqueles primeiros limites é a exclusão, quanto aos bens penhoráveis, daqueles que
apesar de pertencerem ao executado, não devam responder pela dívida, porque, por
exemplo, eles são impenhoráveis (art. 822º CPC) ou porque as partes limitaram a
responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens (art. 602º CC).

O direito de execução não dispensa o interesse processual do exequente. Na acção


executiva, este interesse configura-se mais como um pressuposto dos actos
processuais do que como um pressuposto processual, isto é, surge mais
frequentemente como uma condição de eficácia de um acto processual do que
como uma condição para a realização coactiva da prestação.
Ao Estado compete o exercício, através dos tribunais, da função jurisdicional (art.
202º/1 CRP).

Sem recurso ao ius imperi do tribunal, o credor não poderia promover a penhora
dos bens do executado e não poderia realizar a venda desses mesmos bens, porque
isso constituiria uma violação de um direito de propriedade constitucional (art.
62º/1 CRP).

131. Princípios constitucionais


 Cooperação intersubjectiva (art. 266º/1 CPC)
Na área da acção executiva, este princípio tem uma importante consagração na
possibilidade de o tribunal, perante a dificuldade séria do exequente na
identificação ou localização de bens penhoráveis do executado, determinar a
realização das diligências adequadas (art. 837º-A/1 CPC – ex. art. 519º-A/1 CPC).

Este dever[3] desdobra-se, para esse órgão, em deveres essenciais: um é o dever de


esclarecimento ou de consulta, isto é, o dever de o tribunal esclarecer junto das
partes as eventuais dúvidas que tenha sobre as suas alegações ou posições em
juízo, de molde a evitar que a sua decisão tenha por base a falta de esclarecimento
Octávio Manuel Gomes Alberto
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de uma situação e não a verdade sobre ela apurada; ou outro é o dever de


prevenção ou de informação, ou seja, o dever de o tribunal prevenir as partes sobre
eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos e de as
informar sobre aspectos de direito ou de facto que por elas não foram
considerados.

O dever de prevenção, que também decorre daquele dever de colaboração do


tribunal com as partes, fundamenta o convite ao exequente para que supra as
irregularidades de que enferma o requerimento executivo (art. 811º-B/1 CPC).
A acção executiva está submetida ao princípio do dispositivo (art. 3º/1 CPC). O
impulso processual recai nessa acção em medida importante, sobre as partes e,
numa situação especial, sobre o Ministério Público (arts. 97º CPC; 116º CCJ). Na
acção executiva também incumbe ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso das
partes, providenciar pelo seu andamento regular e célere, quer promovendo as
diligências necessárias ao seu normal prosseguimento, quer recusando o que se
mostrar impertinente ou meramente dilatório (art. 265º/1 CPC).

Na acção executiva, a disponibilidade das partes não se estende às modalidades da


execução, que são exclusivamente determinadas pelo título executivo (art. 45º/1
CPC). A mesma indisponibilidade vale quanto aos seus pressupostos específicos.

132. Características especiais


A especialização da acção executiva favorece a sua celeridade. Enquanto no
processo declarativo a celeridade é procurada através da sua concentração na
audiência preliminar e de discussão, não acção executiva a celeridade é favorecida
através da sua especialização, isto é, através da remissão das questões
controvertidas para os processos declarativos incidentais.

O processo executivo baseia-se num título executivo (art. 45º/1 CPC). A


apresentação deste título é suficiente para iniciar a acção executiva e justificar a
agressão do património do devedor através da penhora: mesmo na execução
baseada num título negocial, se não for manifesto, face aos elementos constantes
dos outros, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos
impeditivos ou extintivos de conhecimento oficioso (arts. 811º-A/1-c; 820º CPC) e
se, nessa e em qualquer outra execução, não houver oposição do executado, o
tribunal não averigua sequer se a prestação exequenda realmente existe.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

O processo executivo português é um processo centralizado no tribunal. A este


órgão compete toda a actividade de natureza executiva, bem como, em regra, a de
preparação e julgamento dos respectivos processos incidentais. O funcionário
judicial que efectiva a penhora (arts. 832º/1; 840º; 848º/2; 849º/2; 850º/3 CPC) ou a
entrega judicial da coisa (art. 930º CPC) não goza de suficiente autonomia
organizacional e funcional perante o tribunal para poder ser considerado um órgão
de execução.

PONDERAÇÃO DE INTERESSES

133. Generalidades
Na acção executiva confrontam-se, com particular intensidade os interesses do
exequente e do executado, dado que a efectivação da pretensão do exequente se
verifica à custa do património do executado. Embora a finalidade da acção executiva
exija que os interesses do exequente prevaleçam sobre os do executado,
compreende-se onde o sacrifício imposto a este último não deve exceder o
estritamente indispensável à satisfação da pretensão do exequente e não possa
deixar de considerar as suas necessidades básicas.
Quer dizer: a natural prevalência dos interesses do exequente não dispensa o
respeito dos interesses atendíveis do executado.

134. Exequente versus executado


A execução visa a satisfação da prestação exequenda, pelo que não pode admirar
que, para atingir essa finalidade, a lei conceda uma especial importância à posição
do exequente e dos outros credores que venham a interferir na execução (arts.
864º/1-b, 865º/1 CPC). A acção executiva está incumbida de um favor creditoris.

A penhora de bens orienta-se por um princípio de proporcionalidade, pois que não


devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da
pretensão exequenda. A agressão do património do executado só é permitida numa
medida que seja adequada e necessária para a satisfação do exequente.

O princípio da proporcionalidade não pode pôr em causa a realização da prestação


que consta do título executivo, isto é, não pode fundamentar a não realização
coactiva dessa prestação. Este princípio influencia as medidas coactivas que podem
ser tomadas na acção executiva: destas devem ser escolhidas aquelas que, pelas
Octávio Manuel Gomes Alberto
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suas características ou medida, melhor se compatibilizem com a realização da


prestação exequenda. O princípio é, afinal, um reflexo da configuração específica
que o interesse processual assume na acção executiva: este interesse falta sempre
que o exequente use um meio desproporcionado para obter a satisfação da sua
pretensão.

De acordo com o princípio da proporcionalidade devem ser penhorados apenas os


bens suficientes para satisfazer a prestação exequenda (arts. 828º/5, 833º/1, 836º/2-
a CPC). O tribunal também deve observar o princípio da proporcionalidade na
fixação da parte penhorável dos rendimentos e pensões entre um terço e um sexto
(art. 824º/2 CPC).

A violação do princípio da proporcionalidade na penhora justifica a oposição do


executado (art. 863º-A-a CPC). Além disso, essa violação, quando resultante de dolo
ou negligência grave do exequente, constitui uma situação de má-fé processual,
dado que essa parte faz da acção executiva um caso manifestamente reprovável (art.
456º/2-d CPC). Pelo cumprimento das obrigações respondem todos os bens do
devedor, susceptíveis de penhora (art. 601º CC). Como regra, todos os bens do
devedor, isto é, todos os que constituem o seu património, respondem pelo
cumprimento da obrigação, é esta uma garantia geral, a qual se torna efectiva por
meio de execução (art. 817º CC). Apenas as obrigações naturais são inexequíveis
(art. 401º CC).

No art. 601º CC prevêem-se duas limitações à regra da exequibilidade de todo o


património do devedor:
 A de os bens serem insusceptíveis de penhora; e
 A da autonomia resultante da separação de património.

A impenhorabilidade pode ser absoluta, se os bens nunca podem ser penhoráveis


(art. 82º CC); é relativa (art. 823º CPC), se os bens só são penhoráveis em certas
condições; é parcial (art. 824º CPC), se os bens podem em parte ser penhorados.

135. Exequente versus terceiro


São três as soluções para a conjugação da posição do exequente com a dos demais
credores do executado:
 Uma primeira solução dominada pelo princípio da igualdade entre todos os
credores (a chamada par conditio creditorum) permite que todos eles
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concorram em plano de igualdade, ao produto da venda dos bens


penhorados;
 Uma outra solução baseia-se num princípio de prevalência da penhora e
exclui a intervenção na execução de quaisquer outros credores do executado;
 Finalmente, uma solução intermédia admite a intervenção na execução dos
credores com garantias reais sobre os bens penhorados.

Quanto à harmonização entre os interesses do executado e dos demais credores do


executado, o direito português optou por um sistema de intervenção restrita na
execução pendente. Caracteriza-se este pela possibilidade de os credores com
garantia real sobre os bens penhorados (e só eles) reclamarem os seus créditos
(arts. 864º/1-b, 865º/1 CPC). Portanto, não se admite que todo e qualquer credor
possam reclamar o seu crédito, mas só aqueles cujos créditos estejam garantidos
por uma garantia real sobre os bens penhorados (arts. 864º/1-b, 865º/1 CPC).

O princípio da prioridade da penhora vale igualmente na hipótese de haver mais de


uma execução sobre os mesmos bens. Neste caso, susta-se a execução em que a
penhora seja posterior e faculta-se ao exequente a possibilidade de reclamar o
respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga (art. 871º/1 CPC).

Os credores que possuem garantias reais sobre os bens penhorados podem


reclamar os respectivos créditos na execução (arts. 864º/1-b, 865º CPC), mas, ainda
que o devedor seja solvente, não obtêm necessariamente a sua satisfação naquela
acção.

EXEQUIBILIDADE EXTRÍNSECA

136. Título executivo


É o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a
possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através de uma
acção executiva. Esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do
credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a
satisfação efectiva do seu direito à prestação (arts. 817º e 818º CPC).

O título executivo cumpre uma função constitutiva: ele abriu a exequibilidade a uma
pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal. Esta exequibilidade implica


não só um efeito positivo – aquele que respeita à concessão ao credor do direito de
execução – mas também um efeito negativo, o qual se traduz na inadmissibilidade,
por falta de interesse processual, de uma acção declarativa relativa à pretensão
exequível (art. 449º/2-c CPC).

O título executivo é, em princípio, o documento original, mas também pode ser


translado de uma sentença condenatória, quando este seja objecto de recurso com
efeito devolutivo (art. 693º/1 CPC) e, por isso, possa fundamentar uma execução
provisória (art. 47º/1 CPC).

A exequibilidade de um título é aferida pela lei vigente à data da propositura da


acção executiva. Portanto, ainda que o documento não possua força executiva no
momento em que é elaborado, a execução torna-se admissível se essa eficácia lhe
for atribuída por lei posterior.

Quanto aos reflexos das modificações relativas à eficácia executiva de um


documento nas execuções pendentes, vale um princípio de aplicação imediata da lei
nova, sempre que esta venha conceder exequibilidade a um documento que
anteriormente a não possuía.

É pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da acção executiva (art.
45º/1 CPC). Esta é a sua função delimitadora.
O fim da execução pode consistir no pagamento de uma quantia, na entrega de
uma coisa ou na prestação de um facto, positivo ou negativo (art. 45º/2 CPC). Este
fim determina diferentes medidas coactivas destinadas à satisfação efectiva dos
interesses do credor, pois que elas não podem ser idênticas quando se visa obter o
pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto.

Os limites da acção executiva definidos pelo título são simultaneamente subjectivos


e objectivos. Aqueles primeiros respeitam às partes da acção executiva: em regra só
podem ser partes dessa acção, o sujeito que figura no título como credor e aquele
que nele tem a posição de devedor (art. 55º/1 CPC) ou aos seus respectivos
sucessores (art. 56º/1 CPC).

A inobservância dos limites subjectivos origina a ilegitimidade da parte que


requerem a execução ou contra a qual ela for requerida (arts. 55º/1, 56º/1 CPC).
Octávio Manuel Gomes Alberto
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Direito Processual Civil

Os limites objectivos respeitam ao objecto da acção executiva; este objecto deve ser
a pretensão que consta no título executivo, mesmo que ela em si mesmo, não possa
ser executada e a execução deva incidir, após conversão, sobre uma prestação
sucedânea.

O título executivo é um documento: dai que esse título cumpra uma função
probatória. A eficácia probatória do título é aquela que corresponder ao respectivo
documento.

137. Características gerais

a) Tipicidade
As partes podem atribuir força executiva a um documento ao qual não concede
eficácia do título executivo e também não podem retirar essa força a um documento
que a lei qualifica como título executivo. Isso significa que os títulos executivos são,
sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, aqueles que são
indicados como tal pela lei (art. 46º CPC) e que, por isso, a sua enumeração legal
está submetida a uma regra da tipicidade.

b) Suficiência
Sempre que a obrigação que consta do título seja certa, exigível e líquida, isto é
quanto basta, relativamente às características dessa obrigação, para possibilitar a
execução. O título executivo só não é suficiente se a obrigação nele referida não for
certa, exigível e líquida, casos em que a execução se deve iniciar pelas diligências
destinadas a satisfazer esses requisitos (art. 802º CPC).

Quanto às obrigações causais, o exequente deve indicar o respectivo facto


constitutivo não deve levar a entender que esse facto se destina a ser provado por
essa parte e que a execução só poderá prosseguir depois de essa prova ter sido
realizada. Efectivamente, a causa de pedir não preenche a mesma função no
processo declarativo e no processo executivo. Na acção declarativa, a causa de pedir
cumpre uma dupla função como elemento de individualização da situação alegada
pelo autor e de delimitação dos factos que vão servir de base à apreciação da
procedência da acção; na acção executiva, pelo contrário, não está em discussão a
existência da obrigação exequenda, pelo que a causa de pedir só serve para
individualizar essa mesma obrigação.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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c) Autonomia
A exequibilidade do título é independente da exequibilidade da pretensão ou, numa
formulação negativa, a inexequibilidade do título é autónoma da inexequibilidade
da pretensão. A inexequibilidade do título executivo (art. 813º-a CPC), decorre do
não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar
essa função específica; a inexequibilidade da pretensão (art. 813º-g, 1ª parte CPC)
baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de
prestar.

138. Situação de concurso


Pode acontecer que dois ou mais títulos executivos se refiram a uma mesma
obrigação exequenda (art. 449º/1 e 2-c CPC).
Nas hipóteses de concurso de títulos executivos, o credor pode basear a acção
executiva em qualquer deles. Mas a pendência simultânea de duas execuções sobre
a mesma obrigação, embora baseadas em títulos distintos, origina a excepção de
litispendência (arts. 497º, 498º, 494º-i CPC). Verifica-se o concurso de pretensões
quando duas ou mais pretensões se referem a uma mesma pretensão. Se as
pretensões concorrentes se encontrarem documentadas em diferentes títulos
executivos, o credor pode escolher não só a obrigação que pretende executar, mas
também o título que quer utilizar.

ESPÉCIES DE TÍTULOS EXECUTIVOS

a) Sentenças condenatórias

139. Delimitação
As sentenças condenatórias que o art. 46º-a CPC qualifica como título executivo são
aquelas que impõem ao réu um dever de cumprimento de uma prestação. Este
comando corresponde ao pedido formulado numa acção condenatória (art. 4º/2
CPC), mas às sentenças condenatórias são equiparadas quanto à sua força executiva,
os despachos e quaisquer outras decisões ou actos de autoridade judicial que
condenem no cumprimento de uma obrigação.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

Porque não impõem qualquer comando de cumprimento de uma obrigação, as


sentenças proferidas nas acções de simples apreciação (art. 4º/2-a CPC) não podem
ser qualificadas como título executivo.

A diferença entre a acção de simples apreciação e a acção condenatória assenta no


comando de cumprimento de uma prestação que se obtém na acção condenatória
e que não se pode conter na sentença de mera apreciação. É por isso que a
procedência de uma acção de mera apreciação – quando seja admissível – não
dispensa uma posterior acção condenatória destinada a obter comando de
cumprimento da obrigação.

140. Requisitos
As sentenças provenientes de tribunais estaduais não levantam qualquer problema
quanto à determinação da sua nacionalidade: são sentenças portuguesas, aquelas
que são proferidas por um tribunal português/são-tomense, ou seja, por um
tribunal pertencente à jurisdição portuguesa/são-tomense.
As sentenças nacionais – estaduais ou arbitrais – são automaticamente exequíveis,
isto é, não necessitam de qualquer certificação de, que são título executivo, nem da
aposição de qualquer formula executória.
As sentenças estrangeiras, só podem servir de base à execução depois de revistas e
confirmadas (art. 49º/1 CPC) ou após a obtenção do exequatur [4].
Estabelece-se assim um controlo prévio da exequibilidade das sentenças
estrangeiras, o que se compreende atendendo a que a atribuição de exequibilidade
a uma decisão constitui, em princípio, uma reserva de competência de cada Estado.

No direito interno português/são-tomense, a revisão e confirmação de sentenças


estrangeiras consta dos arts. 1904º a 1102º CPC. Este regime é aplicável, quer a
decisões estaduais, quer a sentenças arbitrais (arts. 1094º, 1097 CPC).
Os arts. 1094º e 49º/1 CPC, abrangem tanto as arbitragens necessárias, ou impostas
pela lei do pais aonde se realizem, como as voluntárias, que no regime anterior
geralmente se consideravam dispensadas de revisão e confirmação, por terem
aspecto contratual.

141. Exequibilidade provisória


A exequibilidade provisória é aquela que respeita a uma decisão ainda não
definitiva, ou seja, a uma decisão que ainda não possui o valor de caso julgado, por
ser passível de impugnação através de um recurso ordinário ou de reclamação (art.
Octávio Manuel Gomes Alberto
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677º CPC). Esta exequibilidade visa proteger os interesses do credor (que não tem
de aguardar pelo trânsito em julgado da decisão para iniciar a execução) e pretende
evitar a interposição de um recurso pelo demandado com a única finalidade de
obviar à execução da decisão que o condenou a cumprir uma obrigação.

b) Documentos negociais

142. Documentos nacionais


São títulos executivos os documentos exarados ou autenticados por notário desde
que importem a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação (art. 46º-
b CPC; arts. 363º/2, 50º CPC; 2205 CC).

Os documentos exarados por notário (art. 46º-b CPC) são documentos definidos no
art. 35º/2 CN, e aí designados por documentos “autênticos”, ou seja, “os
documentos exarados pelo notário nos respectivos livros, ou em instrumentos
avulsos, e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele
expedidos”. Por seu turno, os documentos autenticados (art. 46º-b CPC), são os
documentos particulares confirmados pelas partes perante o notário (art. 35º/1 e 3
Código do Notariado (CN)), excluídos, portanto, os que tenham simples
reconhecimento notarial de letra assinatura ou só assinatura. Os documentos
autênticos ou autenticados apenas são título executivo quando importem a
constituição ou contenham o reconhecimento de uma obrigação (art. 46º-b CPC).

Os documentos particulares que se encontrem assinados pelo devedor são título


executivo quando importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação
pecuniária cujo montante esteja determinado ou seja, determinável mediante
simples cálculo aritmético, de uma obrigação de entrega de coisas móveis ou de
uma prestação de facto (art. 46º-c CPC)

143. Documentos estrangeiros


Os documentos exarados em pais estrangeiros não carecem, para serem
considerados título executivo nos tribunais portugueses, de revisão e confirmação
(art. 49º/2 CPC). Esta dispensa justifica-se, além de razões atinentes à diferença
entre as sentenças judiciais e os documentos negociais, pelo facto de a eficácia
executiva desses documentos ser aferida pela lex fori, isto é, pela lei do tribunal da
execução. É por essa lei que se determina se o documento estrangeiro é título

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

executivo, pelo que não há qualquer reconhecimento de eficácia executiva


concedida ao documento pela lei do Estado de origem.

c) Outros títulos executivos

144. Aposição de fórmula executiva


Além das sentenças condenatórias e dos documentos negociais o art. 46º-d CPC
qualifica como títulos executivos todos os documentos a que, por disposição legal,
seja atribuída força executiva. Em relação às obrigações pecuniárias emergentes de
contratos de valor não superior à alçada do tribunal de primeira instância, pode
obter-se um título executivo através da aposição da fórmula executória quer na
petição inicial de uma acção declarativa (art. 2º RPOP), quer no requerimento de
injunção (art. 14º/1 RPOP). O processo de injunção visa conferir força executiva ao
requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias
emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª Instância
(art. 7º RPOP). O requerimento de injunção deve ser apresentado na secretaria do
tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou na do tribunal do domicílio do
devedor (art. 8º/1 RPOP). O requerimento pode ser entregue directamente na
secretaria judicial ou ser remetido a esta pelo correio (art. 9º RPOP).

EXEQUIBILIDADE INTRÍNSECA

145. Requisitos necessários


A obrigação exequenda deve ser exigível, certa e líquida (art. 802º CPC). A
exigibilidade da obrigação é uma condição relativa à justificação da execução, pois
que, se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização
coactiva da prestação; a certeza e liquidação são condições respeitantes à
possibilidade da execução, dado que, sem se determinar e quantificar a prestação
devida, não é possível proceder à sua realização coactiva.

Admite-se, no entanto, uma execução sobre uma obrigação que é parcialmente


líquida e exigível (arts. 810º/1 e 3 CPC). A inexigibilidade, incerteza e iliquidez da
obrigação exequenda conduzem ao proferimento de um despacho de
aperfeiçoamento do requerimento executivo (art. 811º-B/1 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Exigibilidade da obrigação

146. Noção
A exigibilidade da obrigação tem um sentido específico na acção executiva, algo
distinto daquele que tem no plano substantivo. A obrigação exigível é aquela que
está vencida ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o
credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização
de uma contraprestação. Assim, o vencimento da obrigação é sempre indispensável
à sua exigibilidade, mas esta pode precisar de algo mais do que esse vencimento.

147. Condições gerais


A falta de decurso do prazo de uma obrigação de prazo certo que tenha sido, ou
que se presuma, fixado em benefício do devedor impede o vencimento da
obrigação (art. 779º CC), pelo que o devedor não se encontra em mora antes de
findar esse prazo (art. 805º/2-a CC).
O título executivo pode referir-se a uma obrigação ainda não vencida (obrigações
vicendas). Este título pode ser um título negocial (art. 46º-b) c) CPC), quer uma
sentença judicial (art. 46º-a CPC).

148. Condições específicas


A exigibilidade de uma obrigação depende de uma prestação do credor requerer
prova por este exequente de que aquela foi cumprida ou oferecida ao executado
(art. 804º/1 CPC):
 Se o cumprimento da contra prestação do exequente não necessita da
colaboração do executado, o exequente deve provar a realização dela antes
da propositura da acção executiva (art. 804º/1 CPC);
 Se a prova do cumprimento ou oferecimento da contra prestação puder ser
realizada por documentos, o exequente deverá juntá-lo ao requerimento
executivo (arts. 804º/2, 523º/1 CPC). Se assim não suceder, o credor, ao
requerer a execução deve oferecer as respectivas provas, que são logo
produzidas (art. 804º CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Certeza da obrigação

149. Noção
A obrigação exequenda é certa, quando a respectiva prestação se encontra
determinada ou individualizada.
Do título executivo deve constar uma obrigação de prestar determinada ou, pelo
menos, determinável através dos elementos por ele fornecidos. A impossibilidade
de determinar o conteúdo da prestação exequenda, porque ela é referida na
decisão judicial ou no documento negocial de forma que não é possível concretizar
o seu objectivo, invalida o eventual negócio (art. 280º/1 CC) e impede qualquer
execução.

Liquidez da obrigação

150. Noção
As obrigações ilíquidas são aquelas cuja quantidade não está determinada. A
iliquidez recai, normalmente, sobre obrigações pecuniárias (como por exemplo, a
indemnização devida por um facto ilícito), mas também pode referir-se a uma
prestação de dare (como por exemplo, a entrega de uma quantidade, ainda
indeterminada de cereal).

151. Condições gerais


As obrigações ilíquidas podem ser realizadas de forma coactiva (art. 802º CPC),
porque não se pode executar o património antes de determinar a quantia devida ou
solicitar a entrega de uma coisa antes de saber a quantidade que deve ser prestada.
Assim, tem de ser liquidada a condenação em quantia ilíquida (arts. 471º/1-b) e 2,
661º/2 CPC) bem como a obrigação em quantia ilíquida que se encontra constituída
ou reconhecida num título executivo negocial (art. 46º-b) c) CPC). A liquidação tem
por base os elementos fornecidos pelo título, não sendo possível quantificar aquilo
que, por exemplo, não se tiver apurado na anterior acção declarativa.

Exceptuam-se, dois casos em que é admissível a execução de obrigações ilíquidas:


 As obrigações de juros (art. 805º/2 CPC);
 As obrigações para entrega de uma universalidade de facto ou de direito.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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152. Condições específicas


Quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético – ou seja, quando a
prestação possa ser quantificada através de uma mera operação aritmética –, ela
deve ser realizada pelo próprio exequente no requerimento inicial (art. 805º/1 CPC).
Se a liquidação não puder ser realizada por simples cálculo aritmético – ou seja, se
houver que apurar determinados factos indispensáveis à quantificação da obrigação
exequenda –, ela deve ser efectuada, em princípio, num incidente que decorre
perante o tribunal da execução (art. 806º/1 CPC).

Para obter a liquidação, o exequente deve especificar no requerimento inicial os


valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir por um
pedido líquido (art. 806º CPC). O executado – estipula o art. 806º/2 CPC – é citado
para contestar, dentro do prazo fixado para a dedução de embargos (arts. 816º/1 e
926º/1 CPC), com a explícita advertência da cominação relativa à falta de
contestação (art. 807º/1 CPC) e dos ónus de cumular a oposição à liquidação com a
eventual dedução de embargos (art. 808º/1 CPC).

153. Pressupostos processuais especiais


Na acção executiva, os pressupostos processuais condicionam a admissibilidade da
realização da prestação. Diferentemente do que sucede na acção declarativa – na
qual os pressupostos processuais asseguram o proferimento de uma decisão de
mérito –, na acção executiva esses pressupostos não se destinam a tornar admissível
qualquer decisão sobre o mérito, antes condicionam a admissibilidade das medidas
coactivas necessárias à realização da prestação (pressupostos positivos).

A acção executiva é inadmissível se se verificar algum dos pressupostos negativos,


que são as excepções nas quais se pretende obter a realização coactiva da mesma
prestação, ainda que nelas sejam, penhorados bens distintos (contra exigindo dos
mesmos bens como requisito da litispendência).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Competência do Tribunal

154. Competência interna

a) Competência material
A competência material determina se a acção executiva pode ser instaurada num
tribunal comum (ou civil). Em caso afirmativo, pode ainda ser necessário aferir qual
o tribunal de competência especializada que é competente.
Quanto à competência material para a execução das decisões dos Tribunais
Comuns, a regra é a coincidência entre a competência para a acção declarativa e a
executiva. Assim, quando a competência para a acção declarativa coube a um
Tribunal de 1ª Instância de competência especializada, esse mesmo tribunal é
competente para a execução das respectivas decisões; o mesmo vale para os
tribunais de competência genérica de competência específica.

b) Competência hierárquica
Apenas os Tribunais de 1ª Instância possuem competência executiva em função da
hierarquia, isto é, nenhum Tribunal superior tem competência para promover
qualquer execução. Assim, para as execuções baseadas nas decisões proferidas por
esses Tribunais nos recursos para que eles são interpostos (arts. 71º/1; 72º/1 CPC)
são competentes os Tribunais onde a causa foi julgada em 1ª Instância (art. 90º/1
CPC).

Para as execuções que têm como título executivo as decisões proferidas em 1ª


Instância pelos tribunais Superiores (arts. 71º/1; 72º/1 CPC) são competentes os
Tribunais de Comarca do domicílio do executado (art. 91º/1; 1091º CPC). Por fim,
para as execuções baseadas em sentenças estrangeiras às quais tenha sido
conhecido o exequatur por uma das Relações (art. 1095º CPC) são igualmente
competentes os Tribunais de 1ª Instância (art. 95º CPC).

c) Competência segundo o valor


A competência em função do valor da causa determina no âmbito do processo civil,
se a acção executiva pertence à competência do Tribunal de Círculo ou do Tribunal
Singular (arts. 20º; 62º; 64º Lei 3/99; art. 68º CPC), incluindo neste último o Tribunal
de Comarca (art. 62º Lei 3/99), o Juízos Cíveis (arts. 93º, 94º Lei 3/99) e os Tribunais
de Pequena Instância (arts. 96º/1-e, 101º lei 3/99) a repartição da competência
Octávio Manuel Gomes Alberto
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executiva por estes Tribunais depende, antes do mais, do título executivo que for
utilizado pelo exequente.

Se o título executivo for uma decisão de um Tribunal Comum, há que distinguir


consoante se trate do caso normal em que a acção declarativa foi instaurada num
tribunal de primeira instância ou da hipótese excepcional em que a acção foi
proposta num Tribunal superior.

Naquela situação normal vale, quanto à determinação da competência executiva,


uma regra de coincidência:
 Se essa decisão foi proferida em 1ª Instância por um Tribunal de Círculo, este
tribunal possui competência para a respectiva acção executiva;
 Se o título executivo for uma decisão de um Tribunal singular, também ele
possui competência para a executar.

Se o título executivo for uma sentença estrangeira que recebeu o exequatur dos
Tribunais portugueses – seja quando o direito português (arts. 1094º a 1102º CPC)
seja quando o regime das Convenções de Bruxelas e de Lugano (arts. 31º a 45º) –, a
competência executiva em razão do valor determina-se nos termos gerais (art. 95º
CPC). Isso implica o recurso à competência residual em função do valor, que
pertence ao Tribunal Singular, isto é, ao Tribunal de Comarca.

d) Competência segundo a forma


A forma do processo determina a competência dos Tribunais de competência
específica (art. 96º Lei 3/99, art. 69º CPC), isto é, das varas cíveis (art. 97º Lei 3/99,
arts. 7º e 8º RLOTJ), dos juízos cíveis (art. 99º LOTJ), todos estes Tribunais possuem
competência para executar as respectivas decisões (art. 103º Lei 3/99).

Em São Tomé e Príncipe, a Lei Base do sistema Judiciário, faz a divisão judicial
e determina a competência dos tribunais.

Além disso, os juízos cíveis têm, como Tribunais de competência específica residual,
a mesma competência dos Tribunais de Comarca (art. 74º Lei 3/99). Portanto, são da
competência dos juízos cíveis as execuções que não pertencem às varas cíveis, nem
aos Tribunais de pequena instância.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

e) Competência territorial
A aferição da competência territorial depende do título executivo que for utilizado
pelo exequente. Para a determinação daquela competência importa distinguir, antes
do mais consoante o título seja uma sentença condenatória ou qualquer outro
título. Quanto às decisões condenatórias, há ainda que diferenciar consoante se
trate de sentenças nacionais ou estrangeiras.

A determinação da competência territorial para a acção executiva orienta-se pelas


seguintes linhas:
 Para as sentenças nacionais, a regra é a coincidência entre a competência
declarativa e a executiva, pelo que é territorialmente competente o Tribunal
de primeira instância que proferiu a decisão ou em que a acção declarativa
foi proposta;
 Para os demais títulos há que recorrer à competência residual em função do
território.

155. Competência internacional


A competência executiva internacional dos Tribunais portugueses pressupõe uma
conexão relevante da acção executiva com a ordem jurídica portuguesa, porque os
Tribunais nacionais não podem (nem devem) ser competentes para toda e qualquer
execução. A necessidade desta conexão é uma consequência do princípio da
territorialidade ao qual estão submetidas as medidas através das quais se obtém a
realização coactiva da prestação exequenda: segundo esse princípio, cada Estado
possui o monopólio das medidas coactivas efectuadas no seu território.

Por este motivo, o factor de conexão relevante para a aferição da competência


executiva internacional dos Tribunais portugueses não pode deixar de ser
circunstância de as medidas necessárias à realização coactiva da prestação podem
ocorrer em território português.

156. Competência convencional


Os pactos de jurisdição de jurisdição regulam a competência internacional dos
Tribunais portugueses (art. 99º/1 CPC). A coincidência entre a competência
territorial e a internacional, bem como a aferição da competência internacional
pelos critérios do domicilio do executado e da situação dos bens penhoráveis não
deixam muito espaço para os pactos atributivos de jurisdição, pois que dificilmente
Octávio Manuel Gomes Alberto
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se concebe uma situação em que os Tribunais portugueses não sejam legalmente


competentes, mas em que a execução apresente uma conexão com a ordem jurídica
portuguesa que justifique, tal como o art. 99º/3-c CPC, exige, o interesse de, pelo
menos, uma das partes em que ela decorra em território português.

O pacto ao mesmo tempo privativo da jurisdição dos Tribunais portugueses e


atributivo de competência a um Tribunal estrangeiro vale, neste último para efeitos
de revisão e confirmação, não para desaforamento da questão proposta
directamente nos nossos Tribunais.

O “interesse sério” a que se refere o art. 99º/3-c CPC, deve ser entendido em termos
semelhantes ao “interesse digno de protecção legal” no art. 398º/2 CC, ou seja,
como interesse atendível, embora sem conteúdo económico, que não corresponda a
um mero capricho ou seja estranho ao direito, nem atinja a equidade, a boa-fé
contratual ou os bons costumes.

Os pactos de competência, destinam-se a regular a competência territorial para a


acção executiva (art. 100º/1 CPC). Dada a excepção constante no art. 100º/1 CPC in
fine, esse pacto, ainda que restritos à competência territorial, não são admissíveis:
 Quando a execuções baseadas em decisões proferidas pelos Tribunais
portugueses (arts. 110º/1-a e 90º/1 CPC);
 Quanto a execuções que correm por apenso a outros processos (arts. 110º/1-
c; 90º/3; 91º/2; 92º/1-b, 95º; 53º/2 e 3; 58º/3 CPC);
 Quando a execução se baseia num título extrajudicial e visa a entrega de
coisa certa ou o pagamento de uma quantia certa assegurada por uma
garantia real (arts. 110º/1-a, 94º/2 CPC).

157. Modalidades de incompetência


Dado que os Tribunais Arbitrais não possuem competência executória (art. 30º LAV,
art. 90º/2 CPC), as únicas modalidades de incompetência que são possíveis na acção
executiva são a incompetência absoluta (art. 101º CPC) e a relativa (art. 108º CPC).

a) Incompetência absoluta
A incompetência absoluta resulta da violação das regras da competência material,
hierárquica e internacional legal (art. 101º CPC).
Essa incompetência é uma excepção dilatória (arts. 493º/2; 494º-a CPC) de
conhecimento oficioso (arts. 102º/1; 495º CPC) mas insusceptível de sanação, o que
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justifica que o Tribunal deva indeferir liminarmente o requerimento executivo (arts.


105º/1; 811º-A/1-b CPC) ou rejeitar oficiosamente a execução (art. 820º CPC). Se
esse indeferimento ou essa rejeição não se verificar, o executado pode deduzir
embargos com fundamento naquela incompetência (arts. 813º-c; 814º/1; 815º/1
CPC).

b) Incompetência relativa
A incompetência relativa decorre da violação da competência que é aferida pelo
valor da causa, pela forma do processo aplicável ou pela divisão judicial do
território, bem como da violação da competência convencional (art. 108º CPC).
Quanto à sua apreciação, importa distinguir os acasos em que a incompetência
relativa é de conhecimento oficioso daqueles em que isso não é admissível.

TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO EXECUTIVA

158. Generalidades
A acção executiva visa a realização coactiva de uma prestação. Nela não se procura
uma decisão sobre um direito controvertido, mas a efectivação de uma prestação
que está documentada num título executivo (arts. 4º/3 e 45º/1 CPC).

A diferença entre a execução para entrega de coisa certa – execução específica


directa – e as demais (execução para pagamento de quantia certa e execução para
prestação de facto) reside no seguinte: enquanto naquela se pode proceder à
tradição da posse sobre a coisa, estas últimas visam a liquidação de um
determinado montante pecuniário através da alienação de bens do devedor. Isto
conduz a profundas diferenças na respectiva tramitação.

Ao processo de execução são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias


adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem
compatíveis com a natureza da acção executiva (art. 466º/1 CPC). Quanto à
regulamentação própria do processo executivo, há que considerar, antes do mais, as
suas disposições gerais (art. 801º a 810º CPC).

159. Execução ordinária para pagamento de quantia certa [5]


O objecto da execução para pagamento é uma prestação pecuniária de quantidade
(art. 550º CC) ou de moeda específica (art. 552º CC).
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Consagra-se no art. 550º CC, as obrigações chamadas de soma ou de quantidade,


que são as mais frequentes e importantes das obrigações pecuniárias, é o princípio
chamado nominalista. O pagamento das obrigações pecuniárias deve fazer-se, em
regra, atendendo ao valor nominal da moeda na data do cumprimento. O devedor
desonera-se desde que entregue o número de moedas, necessárias para, atento o
seu valor facial ou nominal, perfazer o montante ou a quantia em dívida.

Os dois tipos de obrigações de moeda específica previstos genericamente no art.


552º CC, são o pagamento em moeda metálica e o pagamento em valor dessa
moeda.

160. Fase inicial


A acção executiva inicia-se com a apresentação do requerimento executivo
(requerimento inicial) no Tribunal competente (art. 267º/1 CPC), a cujo conteúdo se
aplica, com as devidas adaptações o estabelecido no art. 467º/1 CPC, quanto à
petição inicial. Nesse requerimento, o exequente deve formular o pedido de que o
executado seja citado parta, no prazo de 20 dias, pagar a dívida ou nomear bens à
penhora (art. 811º/1 CPC).
Se a obrigação exequenda não for certa, exigível e líquida em face do título
executivo, a execução principia pelas diligências destinadas a satisfazer essas
condições (art. 802º CPC). O respectivo procedimento encontra-se previsto nos arts.
803º a 810º CPC.

Se, pertencendo a escolha ao devedor, ele não a tiver feito, a respectiva declaração
de escolha antes do começo da execução, deve o credor, no próprio processo
executivo, requerer a notificação do executado para escolher a prestação, pedindo
ao mesmo tempo que se fixe prazo para a resposta (art. 543º/2 CPC); se o não fizer
tempestivamente, a execução prossegue quanto à prestação que o credor escolher
(arts. 803º/2 CPC; 548º CC).

Se a secretaria não recusar o recebimento inicial, o juiz da execução deve proferir


um despacho liminar de indeferimento (art. 811º-A CPC), de aperfeiçoamento (art.
811º-B CPC) ou de citação (art. 811º/1 CPC).

a) Indeferimento liminar – art. 811º-A CPC (total ou parcial): do requerimento


executivo, quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título, ocorram
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excepções dilatórias insupríveis que ao juiz cumpra oficiosamente conhecer ou,


fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta a sua improcedência, em
consequência de, face aos elementos dos autos, ser evidente a existências de factos
impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda que ao juiz cumpra conhecer
oficiosamente.

b) Despacho de aperfeiçoamento (art. 811º-B CPC): a ampla possibilidade de o juiz


convidar o exequente a aperfeiçoar o requerimento executivo, antes de ordenada a
citação do executado, constitui um meio de actuar, também neste campo, a regra da
sanabilidade da falta de pressupostos processuais e do aproveitamento, na medida
do possível, da actividade processual já realizada.

c) Despacho de citação (art. 811º/1 CPC): o juiz determina a citação do executado


para que este, no prazo de 20 dias, pague a dívida ou nomeie bens à penhora (art.
811º/1, 234º/4-e CPC). Esta citação é substituída por uma notificação, se o
executado já tiver sido no âmbito das diligências destinadas a tornar a obrigação
certa, exigível e líquida (art. 811º/2, 1ª parte, arts. 802º a 810º CPC).

O executado citado pode opor-se à execução através de embargos (art. 812º CPC),
que devem ser deduzidos no prazo de 20 dias a contar da sua citação (art. 816º/1
CPC). Estes embargos têm fundamentos diversos consoante o título executivo que
seja utilizado pelo exequente (arts. 813º a 815º CPC) e são um processo declarativo
incidental que corre por apenso à própria execução (art. 817º/1 CPC). Este regime
demonstra que a acção executiva não comporta qualquer articulado de resposta do
executado e que a eventual oposição desta parte não se insere na tramitação
normal daquela acção.

Nos embargos, o executado pode defender-se invocando não apenas os vícios ou


irregularidades de carácter processual que haja ocorrido, mas ainda os meios
substantivos oponíveis ao crédito do exequente em termos que variam consoante a
natureza e a força probatória do título exequendo (arts. 813º-h, 815º/1 CPC).

161. Fase da penhora


Se a execução houver a prosseguir, segue-se a apreensão de bens do executado,
dado que o património deste constitui a garantia real das suas obrigações (art. 601º
CC). Este desapossamento decorre de um acto de penhora (arts. 821º e 835º CPC),
que, em ‘princípio, pode recair sobre quaisquer bens do executado (art. 821º CPC). A
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nomeação de bens à penhora pertence, em regra, ao executado (arts. 811º/1, 833º/1


CPC) e a efectivação da penhora é distinta consoante o seu objecto sejam bens
imóveis (arts. 838º a 847º CPC), bens móveis (arts. 848º a 855º CPC) ou direitos do
executado (arts. 856º a 863º CPC).

A penhora atribui ao exequente uma preferência no pagamento através do produto


da venda dos bens penhorados sobre qualquer outro credor que não tenha garantia
real anterior sobre esses bens (arts. 822º/1 CC). Tratando-se de dívida com garantia
real que onere bens pertencentes ao devedor executado, a penhora começa,
independentemente de nomeação, por esses bens (art. 835º CPC), porque o
exequente faz valer, na execução pendente a preferência resultante dessa garantia
(art. 604º/2 CC).

O executado pode-se opor à penhora (art. 863º-A CPC). Também se pode opor a ela
qualquer terceiro que seja titular de um direito incompatível com esse acto: esta
oposição pode ser realizada através de embargos de terceiro (art. 351º/1 CPC) ou de
uma acção de reivindicação dos bens penhorados (arts. 1311º/1 e 1315º CC).
A penhora atribui ao exequente uma preferência no pagamento em relação aos
credores que não tenham garantia real anterior sobre os bens penhorados (art.
822/1 CC).

162. Fase da venda e do pagamento


Após a penhora dos bens do executado, procede-se normalmente à sua venda (art.
886º-A/1 CPC), pois que, em regra, é através do produto obtido com essa alienação
que são satisfeitos os créditos do exequente (art. 872º/1 CPC) e dos credores
reclamantes (art. 873º/2 CPC).

A acção executiva termina com as operações destinadas ao pagamento do


exequente e dos demais credores graduados através do produto obtido com a
venda dos bens penhorados (arts. 827º/1; 873º/2 CPC). Os créditos são satisfeitos
segundo a ordem da sua graduação (art. 873º/2 CPC).
A execução é julgada extinta logo que o crédito do exequente se mostre satisfeito
(art. 919º/1 CPC), mas os credores reclamantes podem requerer a continuação da
execução com vista à verificação, graduação e pagamento dos seus créditos.

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163. Execução sumária para pagamento [6]


À execução sumária para pagamento aplicam-se supletivamente as disposições do
processo ordinário, com as necessárias adaptações (art. 466º/3 CPC).
Na execução sumária para pagamento de quantia certa, o direito de nomeação de
bens à penhora pertence exclusivamente ao exequente, que os deve nomear logo
no requerimento executivo (art. 924º CPC). Exceptua-se o caso em que essa parte
requerer a colaboração do Tribunal ou do executado para identificar ou localizar os
bens penhoráveis (art. 924º; 837º-A CPC).

Se o requerimento executivo não for indeferido e não necessitar de ser


aperfeiçoado, o Tribunal ordena a penhora dos bens nomeados pelo exequente (art.
925º CPC). Efectuada esta, é o executado notificado simultaneamente do
requerimento executivo, do despacho ordenatório da penhora e da realização desta,
podendo deduzir, no prazo de 10 dias, embargos de executado ou oposição à
penhora (art. 926º/1 CPC) e, se a sentença executada não tiver transitado em
julgado, requerer a substituição dos bens penhorados por outros de valor
suficientes (art. 926º/2 CPC). Se o executado deduzir embargos, deve cumular neles
a eventual oposição à penhora (art. 926º/3 CPC. [7]

164. Execução ordinária para entrega de coisa certa (arts. 928º segs. CPC)
À execução ordinária para a entrega de coisa certa são supletivamente aplicáveis, na
parte em que o puderem ser, as disposições relativas à execução para pagamento
(art. 466º/2 CPC).
Quando a prestação devida consiste na entrega de uma coisa, o credor tem a
faculdade de requerer através da respectiva acção executiva, a sua entrega judicial
(art. 827º CC). O objecto desta execução específica é, assim, a entrega da coisa [8]
ao titular do ius possidendi sobre ela.

No requerimento executivo, deve o exequente requerer que o executado seja citado


para fazer a entrega da coisa devida no prazo de 20 dias (art. 928º/1 CPC). O
Tribunal pode indeferir esse requerimento (arts. 811º-A, 466º/2 CPC) ou mandar
aperfeiçoá-lo (arts. 811º-B/1; 466º/2 CPC); se o requerimento estiver em condições
de ser recebido, o Tribunal deve mandar citar o executado (art. 811º/1; 466º/2 CPC).

O executado citado pode proceder voluntariamente à entrega da coisa ou opor-se à


execução através de embargos (art. 929º/1 CPC). Os embargos devem, ser
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deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação (arts. 816º/1, 466º/2 CPC e, além
dos fundamentos gerais (arts. 813º a 815º CPC), podem basear-se no direito ao
pagamento das benfeitorias realizadas na coisa (art. 929º/2 CPC).

Se o executado não realizar voluntariamente a entrega da coisa, o tribunal procede


às buscas e demais diligências para efectivar essa entrega (art. 930º/1 CPC – arts.
848º a 850º CPC bens móveis; arts. 838º a 842º e 843º a 845º CPC, bens imóveis).
Depois de apreendidas, as coisas móveis são entregues ao exequente (art. 930º/1 e
848º/1 CPC). Os imóveis são entregues através da investidura, realizada pelo
funcionário judicial, do exequente na sua posse, mediante a entrega dos
documentos e das chaves (art. 930º/3, 1ª parte CPC).

165. Execução convertida


A execução específica para a entrega de coisa converte-se numa execução para
pagamento quando a coisa devida não for encontrada: neste caso, o exequente
pode fazer liquidar, no processo pendente, o valor da coisa e o prejuízo resultante
da falta de entrega (art. 931º/1 CPC).

A execução convertida inicia-se com a liquidação do montante que deve ser pago
pelo executado, que, sempre que o exequente tenha a direito à própria coisa
corresponde ao valor desta e ao prejuízo proveniente da falta de entrega (art.
931º/1 CPC). A esta liquidação aplicam-se as regras gerais sobre a matéria (art.
931º/1; arts. 805º a 809º CPC) embora, dado que o executado já foi citado para a
execução (art. 928º/1-m CPC) a citação desta parte para a contestação do incidente
seja substituída por uma notificação (art. 931º/1 CPC).
Depois de realizada a liquidação, procede-se, por nomeação do exequente, à
penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada (arts. 931º/2;
863º-A; 351º CPC; arts. 1311º e 1315º CC).

166. Execução sumária para a entrega de coisa certa


À execução sumária para entrega de coisa certa aplica-se supletivamente o regime
do respectivo processo ordinário (art. 466º/3 CPC). Na falta deste, é aplicável o
estipulado para a execução sumária para pagamento (art. 466º/2 CPC).
Na forma sumária da execução específica para entrega de coisa, a apreensão desta
procede a citação do executado (art. 925º; 466º/2 CPC), se o executado deduzir
embargos, nestes deverá apresentar a eventual oposição à apreensão (arts. 926º/3 e

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466º/3 CPC).

Se a execução sumária para entrega de coisa certa se converte numa execução para
pagamento (art. 931º/1 CPC), deve-se-lhe aplicar, na medida do possível, o regime
da execução sumária para pagamento (arts. 926º/2 e 3; 466º/2; 47º/1 CPC).

167. Execução ordinária para a prestação de facto (art. 933º segs. CPC)
A execução ordinária para a prestação de facto é supletivamente regulada pelas
disposições respeitantes à execução para pagamento de quantia certa (art. 466º/2
CPC).

O objecto da execução para a prestação de facto pode ser um facto positivo ou


negativo (art. 45º/2 CPC), ou seja, uma obrigação de facere ou non facere. O facto
positivo pode ser fungível (art. 828º CC; art. 933º/1, 1ª parte CPC) ou infungível (art.
933º/1, 2ª parte CPC):
 O facto é fungível, quando para o credor, é jurídica e economicamente
irrelevante se ele é realizado pelo devedor ou por um terceiro;
 O facto é infungível, quando por razões jurídicas ou económicas, o interesse
do credor impõe a sua realização pelo devedor.
 O facto negativo pode corresponder a uma obrigação de non facere em
sentido estrito ou a uma obrigação de pati:
 Na obrigação de non facere em sentido estrito, o devedor está vinculado a
uma mera omissão de actuação;
 Na obrigação de pati, o devedor está obrigado a tutelar uma actividade do
credor.

168. Execução sumária para a prestação de facto


A execução sumária para a prestação de facto segue, na parte aplicável, o regime
estabelecido para a execução ordinária (art. 466º/3 CPC). Na insuficiência deste,
aplica-se-lhe o regime de execução sumária para pagamento (art. 466º/2 CPC).

Na execução sumária para a prestação de facto, o prazo para a dedução de


embargos [9] é de 10 dias (arts. 926º e 466º/2 CPC). Se a execução se converter
numa execução para pagamento (arts. 942º/2 e 934º CPC), são-lhe aplicáveis as
especificidades previstas no art. 926º/2 e 3 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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EMBARGOS DO EXECUTADO

169. Generalidades
Os embargos de executado são o meio de oposição à execução (arts. 812º; 926º/1;
929º/1; 933º/2; 940º/2 e 941º/2 CPC). Estes embargos são um processo declarativo
instaurado pelo executado (ou executados) contra o exequente (exequentes), que
corre por apenso à execução (art. 817º/1 CPC), e que constitui um incidente desta.
Isto significa que a acção executiva não comporta, na sua própria tramitação,
qualquer articulado de resposta ao requerimento inicial do exequente, o que é uma
consequência da sua função: a realização coactiva da prestação exequenda e não a
discussão sobre o dever de a prestar.

Os embargos de executado fundamentam-se num vício que afecta a execução. Se


eles forem julgados procedentes, a acção executiva deve ser julgada extinta, no
todo ou em parte (art. 919º/1 CPC).

Os embargos baseiam-se em fundamentos respeitantes à inexequibilidade do título


utilizado pelo exequente, à falta de pressupostos processuais da acção executiva e
ainda à inexequibilidade da obrigação que aquela parte pretende realizar
coactivamente (arts. 813º a 815º; 929º/1; 40º/2; 941º/2 CPC).

Os embargos de executado podem fundamentar-se em qualquer circunstância


susceptível de afectar a exequibilidade do título executivo ou da obrigação
exequenda. Mas eles não são os únicos meios processuais que podem basear-se
nessas mesmas circunstâncias.

Os embargos de executado podem basear-se em fundamentos que também


justificam o indeferimento limiar do requerimento executivo (arts. 811º-A/1; 813º-a)
c); 814º/1; 815º/1 CPC). Mas, como o executado não pode recorrer do despacho de
citação alegando qualquer desses fundamentos de indeferimento (art. 234º/5 CPC),
essa parte só pode invocá-los em embargos e, por isso, não é possível qualquer
situação de concurso.

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170. Oposição a sentença judicial


Se a execução se funda numa sentença de um Tribunal estadual, os embargos
podem fundamentar-se na sua inexistência ou inexequibilidade (art. 813º-a CPC). A
sentença é inexistente quando, por exemplo, tiver sido proferida por quem não tem
poder jurisdicional; é inexequível a sentença que tenha sido revogada por um
Tribunal de recurso ou tenha sido anulada no decurso extraordinário de revisão ou
de oposição de terceiro, a sentença da qual foi interposto recurso com efeito
suspensivo (art. 47º/1 CPC), a sentença não condenatória (art. 46º-a CPC), a
sentença que não esteja assinada pelo juiz (art. 668º/1-a CPC) e ainda a sentença
estrangeira que não esteja revista e confirmada ou que não tenha obtido o
exequatur (art. 49º/1 CPC; art. 31º C.Brux/CLug).

A possibilidade do exercício de defesa na acção declarativa em que se formou o


título executivo constitui uma garantia do (agora) executado. Por isso, sempre que
esta parte tenha permanecido em situação de revelia absoluta nessa acção, ela pode
opor-se à execução baseada na sentença nela proferida com fundamento na falta
ou nulidade da sua citação (art. 813º-d CPC).

A falta de qualquer pressuposto processual da acção executiva constitui um dos


fundamentos possíveis dos embargos de executado (art. 813º-c CPC). A invocação
da excepção dilatória nos embargos não obsta à sua sanação (art. 265º/2 CPC), pelo
que, se esta se verificar entretanto, estes extinguem-se por inutilidade superveniente
(art. 287º-e CPC).

A obrigação só pode ser objecto de execução se for certa, exigível e líquida (art.
802º CPC). Por esta razão, a incerteza, a inexequibilidade ou a iliquidez da obrigação
exequenda, quando não supridas na fase introdutória (arts. 803º a 810º CPC),
constituem fundamentos de oposição à execução (art. 813º-e CPC).

Constitui igualmente fundamento de oposição à execução baseada numa sentença


judicial qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda, desde que
seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (art. 813º-g,
1ª parte CPC). Dado que o título executivo é uma sentença judicial, é indispensável
que o facto extintivo ou modificativo seja posterior ao encerramento do processo
especial –, porque é até ele que nessa acção podem ser alegados os factos
supervenientes (art. 506º/1 CPC).
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 163 de 204
Direito Processual Civil

A redacção do art. 813º-g, 1ª parte CPC, refere-se apenas à superveniência


objectiva, pelo que importa analisar se a esta deve ser equiparada a superveniência
subjectiva, ou seja, o conhecimento pelo executado do facto extintivo ou
modificativo após o encerramento da discussão (art. 506º/2 CPC). Verificados certos
parâmetros, a resposta parece ser afirmativa.

A superveniência subjectiva é admitida, sem qualquer restrição, como fundamento


dos embargos supervenientes (art. 816º/2 CPC), pelo que, se ela é relevante quando
o conhecimento da parte ocorre depois do prazo normal de dedução dos
embargos, o mesmo deve suceder quando o executado toma conhecimento do
facto ainda antes de se encontrar esgotado aquele prazo.

171. Oposição a sentença homologatória


A sentença homologatória de conciliação, confissão ou transacção é um título
judicial (art. 46º-a CPC), pelo que aos embargos deduzidos contra uma execução
nela baseada aplicam-se, em princípio, os fundamentos previstos no art. 813º CPC.
Desses executa-se o previsto no art. 813º-d CPC, porque sem a intervenção do réu
no processo declarativo esses negócios não são possíveis e, pelo menos non plano
prático, o estabelecido no art. 813º-f CPC, porque dificilmente se concebe que, se
houver um caso julgado anterior, algum daqueles negócios venha a ser concluído.

A lei exige que o facto extintivo ou modificativo seja posterior ao encerramento da


discussão, porquanto, nos termos do art. 663º CPC, o julgador deve na sentença
“tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do
direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a
decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da
discussão”.

Portanto, tudo o que ocorrer desde o momento do encerramento da discussão até à


data da sentença o julgador não pode levar em conta, não o pode tornar em
consideração na decisão.

É por isso “que o facto extintivo ou modificativo que ocorrer antes do encerramento
da discussão, mas que o réu não teve conhecimento dele ou não dispôs do
documento necessário para o provar”, não pode servir de fundamento de oposição

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 164 de 204
Direito Processual Civil

à execução, porque não ocorreu posteriormente ao encerramento. Esse facto


apenas pode fundamentar o recurso da revisão, nos termos do art. 771º-c CPC.

Quando a execução se baseia numa sentença homologatória de conciliação,


confissão ou transacção, os embargos de executado podem fundamentar-se numa
qualquer causa de invalidade dos negócios homologatórios (art. 815º/2 CPC).

172. Oposição a sentença arbitral


Como a sentença arbitral é um título judicial (arts. 46º-a, 48º/2 CPC), aos
fundamentos da oposição à execução nela baseada aplica-se o disposto no arts.
813º; 814º/1, 1ª parte CPC).

173. Oposição a documentos executórios


Se a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes
de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal de primeira instância não
for contestada, o Tribunal limita-se a conferir a força executiva à petição inicial (art.
2º RPOP); o mesmo sucede se o requerimento de injunção não for contestado pelo
requerido (art. 14º/1 RPOP).
Aos embargos deduzidos nas execuções baseadas nesses documentos executórios
deve aplicar-se, na medida do possível, o regime estabelecido para a oposição a
sentença judicial (art. 813º CPC).

174. Oposição a título extrajudicial


Aos embargos de execução deduzidos em execução baseada em título extrajudicial,
são aplicáveis na medida do possível, os fundamentos previstos no art. 813º; art.
815º/1, 1ª parte CPC.

Na oposição à execução baseada num título extrajudicial podem ser invocados


todos os fundamentos que é possível deduzir como defesa no processo de
declaração (art. 815º/1 CPC), ou seja, nessa oposição pode utilizar-se quer a defesa
por impugnação, quer a defesa por excepção (art. 487º CPC). Dado que o título
extrajudicial não se baseia em nenhum processo declarativo, a oposição do
executado não está condicionada por nenhuma regra de preclusão por esse motivo,
não existe qualquer restrição quanto à invocação de factos impeditivos,
modificativos ou extintivos nos embargos deduzidos contra um título extrajudicial.

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 165 de 204
Direito Processual Civil

Dedução e efeitos
175. Valor dos embargos
Os embargos de executado têm um valor próprio, correspondente à sua utilidade
económica (art. 305º/1 CPC). Esta coincide com o valor da execução ou, se os
embargos não abrangem na totalidade, com o valor da parte a que eles se referem.
Toda a causa tem dois valores: um fixado nos termos do Código de Processo Civil,
relevante para os efeitos no disposto no art. 305º/2 CPC, e quanto à intervenção do
colectivo; outro, fixado segundo os preceitos do Código das Custas Judiciais (art. 5º
segs.) para efeitos de custas e demais encargos.

176. Pressupostos processuais


Os embargos de executado – que são processos declarativos incidentais da acção
executiva (art. 817º/1 proémio e 2 CPC) – exigem os pressupostos processuais
comuns à generalidade das acções declarativas.
Os embargos de executado correm por apenso à execução pendente (art. 817º/1
CPC), pelo que deve ser dirigido ao próprio Tribunal da execução. Trata-se de uma
hipótese de extensão da competência deste Tribunal.

A legitimidade activa para os embargos pertence ao executado, seja ele o devedor


(art. 55º/1 CPC), o sucessor do devedor (art. 56º/1 CPC) ou o proprietário dos bens
onerados (art. 56º/2 CPC). Os embargos devem ser deduzidos contra o exequente,
que pode ser o credor (art. 55º/1 CPC), o sucessor do credor (art. 56º/1 CPC) ou o
portador do título (art. 55º/2 CPC).

O regime da legitimidade plural nos embargos de executado é distinto para a parte


activa (pluralidade de embargantes) e a parte passiva (pluralidade de embargados).
Ainda que a execução tenha sido proposta contra vários executados, nunca se
verifica entre eles qualquer litisconsórcio necessário, ou seja, o litisconsórcio entre
os embargantes é sempre voluntário. Esta asserção é confirmada pelo disposto no
art. 816º/3 CPC, quanto ao prazo de dedução dos embargos: havendo vários
executados e, por isso, vários possíveis embargantes, o prazo para a oposição corre
autonomamente para cada um deles, ou seja, cada um dos executados tem um
prazo próprio, contado a partir da sua citação ou notificação (art. 816º/1, 926º/1
CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 166 de 204
Direito Processual Civil

Se a execução tiver sido instaurada por vários exequentes, os embargos devem ser
deduzidos contra todos eles sempre que o fundamento invocado pelo embargante
seja comum a todas essas partes, ou seja, que entre os embargados se deva verificar
um litisconsórcio unitário.
Se os embargos forem deduzidos depois da reclamação de créditos (art. 864º/1-b)
c) d) CPC) também devem ser demandados os credores reclamantes.

Nos embargos deduzidos na execução para entrega de coisa certa pode ser
necessária a participação do cônjuge do embargante ou do embargado: para tal
basta que essas partes não possam dispor sozinhas da coisa a entregar (arts. 1682º
e 1682º-A CC) e, por isso, não possam discutir, sem a participação do seu cônjuge, o
dever de entrega. Nesta situação, o embargante deve prometer, no momento da
dedução dos embargos, a intervenção do seu cônjuge ou do cônjuge do
embargado (art. 320º-a CPC).

Os embargos de executado são processos declarativos (art. 817º/2 CPC). A escolha


desta forma processual para os embargos é uma consequência dos fundamentos
que neles podem ser alegados (arts. 813º a 815º CPC), nomeadamente porque estes
requerem o aperfeiçoamento de matéria de facto e isto só num processo declarativo
pode ser realizado com as devidas garantias. São aqueles fundamentos, que
impõem esse processo como a forma adequada ao julgamento dos embargos de
executado.

177. Prazo de dedução


Na execução ordinária, os embargos devem ser deduzidos no prazo de 20 dias a
contar da citação do executado: é o regime estabelecido para a execução para
pagamento de quantia certa (art. 816º/1 CPC) e que é extensível à execução para
entrega de coisa (arts. 466º/2 e 816º/1 CPC); idêntico regime vale para a execução
para a prestação de facto positivo (art. 933º/2 CPC) e negativo (art. 941º/2, 1ª parte
CPC). Se o executado tiver sido citado para as diligências destinadas a tornar a
obrigação exequenda certa, exigível e líquida, o prazo para a dedução dos
embargos conta-se a partir da notificação que substitui a normal citação para a
execução (art. 811º/2, 1ª parte CPC).

Na execução sumária para pagamento de quantia certa, o prazo de dedução dos


embargos é de 10 dias a contar da notificação do executado (art. 926º/1 CPC). O

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 167 de 204
Direito Processual Civil

mesmo vale para as execuções sumárias para a entrega de coisa (arts. 928º/2 e
926º/1 CPC) e para a prestação de facto (arts. 466º/2 e 926º/1 CPC).

Se a execução tiver sido proposta contra vários executados, na determinação do


prazo de dedução dos embargos não é aplicável o benefício que é concedido no
caso da pluralidade de réus na acção declarativa (art. 816º/3 CPC). Isto significa que
o prazo para a dedução de embargos corre autonomamente para cada um dos
executados a partir da respectiva citação ou notificação.

178. Tramitação dos embargos


A tramitação dos embargos de executado inicia-se com a entrega da respectiva
petição inicial da execução (art. 27º/1 CPC). Esta petição deve ser articulada (art.
151º/2 CPC).
Após a entrega da petição e do seu reconhecimento pela secretaria (art. 474º CPC),
o Tribunal deve proferir um despacho liminar (art. 817º/1 CPC). Se os embargos
forem recebidos, o Tribunal manda notificar o exequente para contestar dentro de
20 dias (art. 817º/2, 1ª parte CPC).

Se o embargado não contestar e esta revelia for operante, consideram-se


confessados os factos articulados pelo executado embargante (arts. 817º/3, 1º parte,
484º/1 CPC), excepto se eles estiverem em oposição com os expressamente
alegados por aquela parte no requerimento executivo (art. 817º/3 2ª parte CPC). A
revelia do exequente embargado é inoperante nos termos gerais (art. 817º/3, 1ª
parte CPC).

Se o embargado contestar os embargos ou se a revelia desta parte for inoperante,


sem mais articulados, os termos do processo ordinário ou sumário de declaração,
consoante o valor dos embargos (art. 817º/2, 2ª parte CPC). A forma ordinária é
utilizada quando esse valor exceder a alçada da Relação (art. 462º/1, 1ª parte CPC) e
a sumária em todas as demais situações.

179. Efeitos dos embargos


Se os embargos forem recebidos – se o Tribunal entender que o exequente
embargado dever ser notificado para os contestar (art. 817º/2 CPC) – isso não
produz, em princípio, a suspensão da execução pendente (art. 818º/1, 1ª parte CPC).
Mas esta regra comporta algumas excepções importantes.

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 168 de 204
Direito Processual Civil

O executado embargante pode obter a suspensão da execução se prestar caução a


favor do exequente embargado (art. 818º/1, 2ª parte CPC). Esta caução pode
cumprir funções distintas. Se a suspensão não for requerida pelo embargante antes
da penhora e se o exequente não for titular de qualquer garantia real, a caução visa
não só garantir o pagamento do crédito exequendo, mas também assegurar o
ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo exequente com o atraso na satisfação da
obrigação exequenda ou com a impossibilidade dessa satisfação, o mesmo sucede,
mutatis mutandis, nas execuções para a entrega de coisa ou para a prestação de
facto.

Se a suspensão da execução for requerida depois da penhora ou se o exequente for


titular de uma garantia real, a caução destina-se apenas a assegurar a reparação dos
danos causados por aquele atraso ou impossibilidade, pois que o pagamento do
crédito exequendo é garantido por aquela penhora ou garantia.

A suspensão da execução pode ser total ou parcial. Se os embargos não


compreendem toda a execução – ou seja, se eles não respeitarem a todo o objecto
ou não envolvem todos os executados ou exequente – a execução prossegue na
parte não embargada (art. 818º/4 CPC). Se a suspensão da execução for decretada
após a citação dos credores para reclamação de créditos (art. 864º/1-b), c), d) CPC)
ela não abrange o apenso destinado à sua verificação e graduação (art. 818º/3 CPC).

Ainda que a execução tenha sido suspensa pela prestação de caução pelo
embargante (art. 818º/1 CPC), ela prossegue se o processo de embargos estiver
parado durante mais de 30 dias, por negligência deste em promover os seus termos
(art. 818º/5 CPC). Trata-se de evitar que o embargante possa prolongar
indefinidamente a suspensão da execução, pelo que, apesar de o preceito se referir
apenas à suspensão decorrente da prestação de caução, o mesmo deve valer para a
suspensão decretada pelo juiz com base na impugnação da genuinidade da
assinatura que consta do título executivo (art. 818º/2 CPC).

A decisão de procedência dos embargos determina a extinção da execução bem


como a caducidade de todos os efeitos nela produzidos (por ex. art. 909º/1-a,
818º/1 CPC).

Se a decisão for de improcedência, fica assente que não há qualquer impedimento


material ou processual à execução.
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 169 de 204
Direito Processual Civil

O caso julgado da decisão proferida nos embargos abrange todas as partes do


processo, ou seja, todos os embargantes e todos os embargados que nele
participaram. Além disso, como os embargos de executado são um meio de
oposição à execução, parece possível aplicar à respectiva decisão, com as
necessárias adaptações, o regime estabelecido sobre a extensão subjectiva da
decisão de recurso (art. 683º/1 e 2 CPC).

Penhora de bens ou direitos

180. Responsabilidade patrimonial


De acordo com o princípio segundo o qual o património do devedor é a garantia
ge-ral do credor, pelo cumprimento de uma obrigação respondem em regra, todos
os bens do devedor susceptíveis de penhora (art. 610º CC).

A responsabilidade patrimonial do devedor não atribui ao credor a direito de se


apropriar dos bens daquele ou de se substituir a ele na cobrança dos seus créditos
sobre terceiras, isto é, não lhe concede faculdade de se satisfazer directamente à
custa do património do devedor mediante a apropriação dos bens ou a exigência da
satisfaço dos créditos que pertencem a este sujeito. O que essa responsabilidade
patrimonial concede ao credor é (art. 817º CC) a faculdade de executar o património
do devedor, ou seja, de fazer penhorar bens e direitos deste titular passivo com vista
à sua posterior venda ou cobrança.

Em regra, os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos
bens, casos estes, não cheguem para integral satisfação de todos os débitos (art.
604º/1 CC).

A garantia real é exercida na execução de dois modos distintos:


 Se a garantia beneficiar o exequente, é sobre os bens onerados que passa a
incidir a penhora (art. 835º CPC);
 Se a garantia beneficiar um outro credor, este pode reclamar o seu crédito na
execução em que o bem onerado for penhorado (arts. 864º/1-b e 865º/1
CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 170 de 204
Direito Processual Civil

181. Justificação da penhora


A penhora é a actividade prévia àquela venda ou à realização dessa prestação, que
consiste na apreensão pelo Tribunal de bens do executado ou na colocação à sua
ordem de créditos deste valor sobre terceiros e na sua afectação ao pagamento do
exequente.
A penhora destina-se a individualizar os bens e direitos que respondem pelo
cumprimento da obrigação pecuniária através da acção executiva. Isto significa que
a penhora só se justifica enquanto a obrigação exequenda substituir e a execução
estiver pen-dente

182. Âmbito da penhora


A penhora pode recair sobre bens imóveis (arts. 838º a 847º CPC) ou móveis (art.
848º a 850º CPC) e sobre direitos (arts. 856º a 863º CPC).
Esta tripartição legal corresponde, grosso modo, a uma distinção entre a penhora
que é acompanhada da apreensão do bem e a penhora que recai sobre direitos que
não implicam essa apreensão.

i) Bens imóveis
São coisas imóveis, entre outras, os prédios rústicos e urbanos (art. 204º/1 -a/2 CC)
e as respectivas partes integrantes (art. 204º/1-e/3 CC), bem como os direitos
inerentes àqueles prédios (art. 204º/1-d CC).

Desde que não sejam expressamente excluídas e nenhum privilégio exista sobre
elas, a penhora de um prédio abrange as respectivas partes integrantes (art. 842º/1
CPC), ou seja, as coisas móveis ligadas materialmente a ele com carácter de
permanência (art. 204º/3 CC).

O mesmo não pode ser dito das coisas acessórias (ou pertenças: art. 210º/1 CC) do
imóvel penhorado, porque, salvo declaração em contrário, os negócios jurídicos que
tem por objecto a coisa principal não abrangem as coisas acessórias (art. 210º/2 CC).

Desde que não sejam expressamente excluídos e não exista sobre eles qualquer
garantia, vale, quanto à extensão da penhora, o mesmo regime para os frutos do
prédio (art. 842º/1 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 171 de 204
Direito Processual Civil

ii) Bens móveis


As coisas móveis delimitam-se pela negativa perante os imóveis (art. 205º/1 CC). A
penhora incide sobre a coisa móvel considerada na sua função ou utilidade
económica típica. As universalidades de facto, ou coisas compostas (art. 206º/1 CC),
podem ser o objecto de uma única penhora.

iii) Direitos
A penhora de direitos (arts. 856º a 863º CPC) abrange igualmente, em regra os
res-pectivos frutos civis (arts. 863º e 842º/1 CPC).

iv) Redução
Quando a penhora tenha recaído sobre um imóvel divisível e o seu valor exceda
ma-nifestamente o da dívida exequenda e dos créditos reclamados pelos credores
com ga-rantia real sobre o prédio (arts. 864º/l-b; 865º/1 CPC), o executado pode
requerer autorização para proceder ao seu fraccionamento (art. 842º-A/1 CPC) se a
autorização for concedida, a penhora mantém-se sobre todo o prédio, excepto se, a
requerimento do executado e depois de ouvido, o exequente e os credores
reclamantes, o juiz autorizar o levantamento da penhora sobre algum dos imóveis
resultantes da divisão, com funda-mento na manifesta suficiência do valor dos
restantes para a satisfação dos créditos (art. 842º-A/2 CPC).

v) Convolação
A convolação da penhora verifica-se quando ela incide sobre um objecto que
substi-tui o seu objecto inicial. Assim, se a coisa penhorada se perder, for
expropriada ou sofrer diminuição do valor e houver lugar a indemnização de
terceiro, o exequente conser-va sobre os créditos respectivos ou as quantias pagas a
título de indemnização o direito que tinha sobre a coisa (art. 823º CC). A penhora
convola-se numa penhora sobre esses créditos ou sobre aquelas garantias.
A penhora também convola o móvel sobre o qual incidia, foi antecipadamente
vendido (art. 851º CPC): a penhora transfere-se para o quantitativo obtido com essa
venda.

183. Pressupostos processuais


A penhora é ordenada pelo Tribunal de execução (arts. 838º/1; 855º; 863º CPC), que
possui igualmente competência para converter o arresto em penhora (art. 846º
CPC). A esse tribunal compete ainda ordenar o levantamento da penhora, seja por
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 172 de 204
Direito Processual Civil

falta de im-pulso do exequente no andamento da execução (art. 874º CPC), seja


pela procedência de oposição à penhora pelo executado (art. 863º-B/4 CPC) ou por
terceiro (art. 351º/1 CPC).

Compete ao tribunal da execução resolver se a penhora deve ser mantida quando


no acto da sua efectivação, o executado, ou alguém em seu nome, declarar que os
bens vi-sados pertencem a terceiro (art. 832º CPC), nomear, remover e substituir o
depositário dos bens penhorados (arts. 839º/1, 1ª parte; 845º/1 e 848º/4 CPC) e
ordenar o arresto de bens do depositário que não apresente os bens depositados
(art. 854º/2 CPC).

A penhora rege-se pelo princípio da proporcionalidade, pelo que não devem ser
pe-nhorados mais bens do que aqueles que forem suficientes para a satisfação do
exequente (arts. 828º/5; 833º/1; 836º/2-a; 842º-A CPC). A nomeação excessiva dos
bens pelo exequente implica a falta do interesse processual desta parte, dado que
ela utiliza um meio desproporcionado para obter a tutela dos seus interesses.

Perante uma nomeação excessiva de bens, o tribunal, ao ordenar a penhora (arts.


838º/1; 855º e 863º CPC), deve restringi-la aos bens suficientes para assegurar a
satisfação do crédito do exequente. Se o não fizer, o executado pode opor-se à
penhora com fundamento nesse excesso (art. 863º-A-a CPC).

184. Levantamento da penhora


A penhora termina normalmente com a venda ou adjudicação do bem penhorado,
mas, verificadas certas condições pode ser levantada antes de ocorrer essa
alienação; como causas do levantamento da penhora, antes dessa alienação:
a) O não andamento da execução durante mais de seis meses por negligencia
do requerente (art. 8470/1 CPC);
b) A desistência da penhora pelo exequente;
c) A substituição da penhora por iniciativa do exequente (arts. 836º/2-b), c),
d)/3; 871º/3 CPC); ou do executado (arts. 827º/2 e 3; 926º/2 CPC);
d) A procedência de oposição à penhora deduzida pelo executado (art. 863º-A
CPC) ou por terceiro (art. 351º/1 CPC);
e) A não atribuição, em processo de inventário, do bem penhorado ao cônjuge
exe-cutado (art. 825º/3 CPC);
f) O perecimento da coisa penhorada, se não houver convolação da penhora
para a indemnização para ou devida por terceiro (art. 823º CPC);
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g) A atribuição ao exequente da consignação judicial de rendimentos sobre


outros bens (art. 881º/1 CPC).

O levantamento da penhora é realizado por despacho do juiz da execução, porque


foi por despacho que ela foi ordenada (arts. 838º/1; 855º; 863º CPC). Se a penhora
estiver registada, o respectivo registo deve ser cancelado.

Limites objectivos

185. Limites intrínsecos


O património abrange todas as coisas e direitos susceptíveis de avaliação pecuniária,
ou seja, coisas móveis e imóveis, direitos de crédito, direitos de participação social e
outras situações jurídicas. Podem ser penhorados todos os direitos com um valor
patrimonial próprio.

O património também é constituído por direitos sobre bens materiais, quando eles
possam participar no comércio jurídico.
Dado que, em regra, os bens penhorados se destinariam a ser vendidos (art., 889º/1
CPC), não podem ser penhorados bens que estejam fora do comércio (art. 202º/2
CC).
Certos bens ou direitos só podem ser alienados ou onerados pelo seu titular com o
consentimento de terceiros. É o que sucede em relação a certos bens próprios de
um dos cônjuges (art. 1682º-A CC).

No caso dos bens próprios do cônjuge executado que só podem ser alienados com
o consentimento de outro cônjuge, a solução é a seguinte: nada impede a penhora
do bem próprio do cônjuge executado (art. 1696º/1 CC), mas o seu cônjuge deve
ser citado para a execução (art. 864º/1-a, 1ª parte CPC).
Também a disposição de certos direitos respeitantes a participações sociais requer o
consentimento de terceiros, nomeadamente da própria sociedade (art. 995º CC; arts.
182º/1; 496º/1 CSC).

Determinados direitos são inseparáveis de outros direitos e, por isso, não têm
autonomia perante estes. Consequentemente, eles só podem ser alienados (e
portanto, pe-nhorados) em conjunto com estes últimos direitos.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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186. Limites extrínsecos


Os limites extrínsecos à penhora são aqueles que são impostos por motivos
estra-nhos ao bem e à sua disponibilidade pelo titular. Estes limites podem ser
estabelecidos pela lei ou pela vontade das partes.

A lei considera três limitações à penhorabilidade dos bens:


1) Bens absolutamente impenhoráveis (art. 822º CPC);
2) Bens relativamente penhoráveis (art. 823º CPC);
3) Bens parcialmente penhoráveis (art. 824º CPC).

Salvo quando se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes, é possível,


por convenção entre elas, limitar a responsabilidade patrimonial do devedor a
alguns dos seus bens (art. 602º CC). Isto significa que as partes podem limitar a
responsabili-dade patrimonial do devedor, excepto quando esta sirva de garantia a
uma obrigação indisponível.
A cessão de bens aos credores verifica-se quando estes, ou alguns deles são
encar-regados pelo devedor de liquidar o património deste, ou parte dele, e repartir
entre si o respectivo produto, para satisfação dos seus créditos (art. 831º CC).

A cessão não impe-de que os bens cedidos sejam executados pelos credores que
dela não participaram, enquanto aqueles não tiverem sido alienados pelos credores
cessionários (art. 833º, 1ª par-te CC).
a) Impenhorabilidade absoluta: são impenhoráveis os bens cuja apreensão
careça de justificação económica, dado o seu diminuto valor venal (art. 822º-
c CPC);
b) Penhorabilidade relativa: é aquela que só é admitida em certas circunstâncias.

Esta penhorabilidade pode classificar-se, atendendo ao motivo que a justifica, em


penhorabilidade adstrita, voluntária e subsidiária:
 Penhorabilidade relativa adstrita: é aquela que permite a penhora de um bem
que só responde pelo pagamento de certas dívidas, ou seja, de bens que
estão adstritos ao pagamento de certas dividas, abrange dois casos:
a) Aquele em que os bens são em regra, impenhoráveis e se tornam
penhoráveis pela sua afectação a uma determinada execução;
b) Aquele em que a uma execução ficam apenas adstritos determinados bens.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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 Penhorabilidade relativa conjunta: é aquela em que o bem ou o direito só é


penhorável em conjunto com outros bens ou direitos;
 Penhorabilidade relativa voluntária: alguns bens impenhoráveis podem ser
penhorados se forem nomeados à penhora pelo executado (ex. art. 823º/2-a
CPC);
 Penhorabilidade relativa subsidiária: é aquela que só é admissível na falta ou
insuficiência de outros bens penhoráveis (art. 828º/5 CPC)

Dívidas conjugais podem ser próprias ou comuns:


· As próprias, são aquelas que apenas responsabilizam o cônjuge que as contraiu
(art. 1692º e 1696º/1 CC);
· As comuns, são aquelas que, mesmo quando contraídas por um único dos
cônjuges, responsabilizam ambos (art. 1691º/1 e 1695º/1 CC).

Dívidas próprias, podem ser nomeados à penhora bens próprios do cônjuge


executado e, se estes não forem suficientes, a sua meação nos bens comuns (art.
1696º/1 CC).

Note-se que o regime definido no art. 825º CC, não é aplicável quando, como é
permitido no disposto no art. 1696º/1 CC, o exequente nomeia à penhora a meação
dos bens comuns, porque ela é um bem próprio do cônjuge executado. A penhora
incide, nesse caso, sobre um direito a bens indivisos (art. 862º/1 CPC), cujo titular é
o cônjuge executado.

Dívidas comuns
Se a divida for comum e se ambos os cônjuges tiverem sido demandados na acção
executiva por existir título executivo contra ambos (art. 55º/1 CPC), a penhora
acompa-nha, o regime estabelecido para a responsabilidade patrimonial. Assim,
pela divida comum, respondem, em primeira linha, os bens comuns do casal e, na
insuficiência deles, os bens próprios de qualquer dos cônjuges (art. 1695º/1 CC)

c) Penhorabilidade parcial: é aquela que é admitida apenas sobre uma parte ou


parcela de um bem (art. 824º/1-a) b) CPC).

187. Princípio geral


A penhora não pode incidir sobre bens ou direitos de alguém que não é
demandado na acção executiva (art. 821º/2 in fine CPC). Ninguém pode ser afectado
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nos seus direi-tos ou interesses sem que seja demandado nessa acção, pois que a
presença na execução é sempre uma condição de penhorabilidade do respectivo
património.

Se forem penhorados bens de sujeitos que não serão demandados na acção


executi-va, estes podem reagir contra a penhora. Podem-no fazer através de um
meio especial que são os embargos de terceiro (art. 351º/1 CPC), mas também
podem utilizar a acção de reivindicação (arts. 1311º/1 e 1315º CC), como se prevê
expressamente nos arts. 910º e 911º CPC.

188. Bens do devedor


Em regra a execução é instaurada contra o devedor e, por isso, igualmente em
regra, são penhorados bens do devedor. Nesta situação, na falta de qualquer
garantia real sobre os bens do devedor, o património deste cumpre a sua função de
garantia real das suas obrigações (art. 601º CC).

189. Bens de terceiro


A execução pode incidir sobre bens de terceiro (art. 821º/2 CPC), isto é, de alguém
que não é devedor da obrigação exequenda. São dois os casos em que a penhora
pode recair sobre bens de terceiro: quando estes estejam vinculados à garantia do
crédito ou quando sejam objecto do acto praticado em juízo do credor, que este
tenha impugnado (art. 818º CC). A afectação dos bens de terceiro àquela garantia
verifica-se por seu turno, em duas situações: a constituição de uma garantia real
sobre esses bens (arts. 657º/2, 666º/1 e 686º/1 CC) e a prestação de fiança (art.
627º/1 CC) caso em que o fiador responde com o seu património pela satisfação do
crédito exequendo.

a) Penhorabilidade irrestrita
Se a divida exequenda estiver assegurada por bens de um terceiro onerado com
uma garantia real, aquele pode ser demandado na acção executiva (art. 56º/2 CPC).
A demanda do terceiro permite a penhora, sem quaisquer restrições, desses
mesmos bens.

A impugnação pauliana é o meio de impugnação dos credores contra actos de


natu-reza não pessoal do devedor que afectem a garantia patrimonial. A sua
finalidade é a de assegurar a conservação da garantia patrimonial através da

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Direito Processual Civil

impugnação de qualquer alienatário in fraudem creditorun e o seu fundamento


último é o próprio direito de execução (art. 817º CC).

A impugnação pauliana pode recair sobre quaisquer actos praticados pelo devedor,
desde que não tenham carácter pessoal.
A procedência da acção pauliana depende da verificação das condições
estabelecidas nos arts. 610º e 612º/1 CC.

b) Penhorabilidade subsidiária
Pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando se verifica entre bens ou
direi-tos do mesmo sujeito; é subjectiva quando se verifica entre bens ou direitos
pertencentes a sujeitos distintos.

A penhorabilidade subsidiária subjectiva pressupõe um devedor principal e um


devedor subsidiário e implica que os bens deste último só podem ser executados na
falta ou insuficiência de bens do devedor principal.

Esta penhorabilidade assenta, em concreto, nas seguintes regras:


a) O exequente só pode promover a penhora de bens que respondem
subsidiariamente pela dívida se demonstrar a insuficiência manifesta que por
ela deviam responder prioritariamente (art. 828º/5 CPC);
b) Na execução movida contra o devedor subsidiário não podem penhorar-se
os bens deste, enquanto não estiverem executidos todos os bens do devedor
principal, desde que aquele invoque fundadamente o benefício da excussão
prévia (art. 828º/1 CPC).

190. Limites temporais


a) Bens actuais: a penhora recai, salvo havendo alguma causa de
impenhorabilida-de, sobre todos os bens que integram o património do
executado no momento em que a penhora é ordenada. A generalidade das
penhoras incide sobre estes bens.

b) Bens passados: a penhora pode incidir sobre bens que, embora já tivessem
deixa-do de pertencer ao património do devedor, respondem pela divida: é a
caso por ex., do imóvel hipotecado que o devedor transmitiu a um terceiro;
este adquirente pode ser demandado na acção executiva (art. 56º/2 CPC) e o
imóvel pode se penhorado nela.
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c) Bens futuros: sobre bens que no momento em que a penhora é ordenada


ainda não pertencem ao executado (art. 211º CC). É o que sucede quando se
penhoram salários ou vencimentos do executado (arts. 824º/1-a, 861º/1 CPC).

FUNÇÃO DA PENHORA

Função individualizadora

191. Generalidades
A penhora não incide globalmente sobre bens ou direitos do executado, mas sobre
bens ou direitos determinados desta parte a nomeação de bens à penhora pelo
executa-do ou exequente deve incidir sobre certos bens ou direitos (art. 833º/1
CPC), não podendo recair indistintamente sobre o património do devedor ou de
uma fracção deste. Isto significa que a penhora se destina a individualizar os bens
ou direitos que vão res-ponder pelo pagamento da dívida.

192. Execução ordinária

a) Nomeação pelo executado


Na execução ordinária para pagamento de quantia certa, a nomeação à penhora
dos bens e direitos pertencem em regra ao executado, que tem a faculdade de
nomear, por requerimento ou termo, aqueles que sejam suficientes para o
pagamento do crédito exequente e das custas da execução (arts. 833º/1 e 837º/2, 1ª
parte CPC). Nesta execução, o prazo concedido ao executado para proceder a essa
nomeação é de vinte dias após a sua citação (art. 811º/1 CPC).

b) Nomeação pelo exequente


A faculdade de nomeação dos bens devolve-se ao exequente quando o executado
não os nomeie e dentro do prazo legal (art. 836º/1-a CPC), quando esta parte não
respeite a gradus executionis, não apresente os títulos dos bens imóveis ou não
indique a sua pro-veniência (art. 836º/1-b CPC) e ainda quando não sejam
encontrados alguns dos bens nomeados pelo executado (art. 836º/1-c CPC).

O direito do exequente a nomear bens à penhora não está sujeito a qualquer prazo
(art. 874º/1 CPC), mas ele não deve demorar mais de seis meses a requerer essa
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nomeação. Independentemente do levantamento de penhora decretada pelo


tribunal por inércia do exequente (art. 847º/1 CPC), a inactividade dessa parte pode
ainda originar a in-terrupção da instância executiva (art. 285º CPC) e,
posteriormente, a sua extinção por deserção (arts. 287º-c; 291º CPC).

193. Execução sumária


Na execução sumária para pagamento de quantia certa (art. 465º/2 CPC, art. 1º DL
274/97), o direito de nomear bens à penhora pertence exclusivamente ao
exequente, que as deve nomear no requerimento executivo, salvo se necessitar, para
tal fim, da colaboração do tribunal (art. 924º - art. 837º-A CPC), se a decisão
executada ainda não tiver transitado em julgado ou seja, se o título executivo for
uma sentença contra a qual foi interposto recurso com efeito meramente devolutivo
(art. 470º/1 CPC) o executado pode requerer a substituição dos bens penhorados
por outros de valor suficiente (art. 926º/2 CPC).

194. Dispensa de nomeação


a) Garantia Real
Se a dívida estiver assegurada par uma garantia real quo onere bens pertencentes
ao devedor, a penhora começa, independentemente de qualquer nomeação, pelos
bens one-rados e só pode recair noutros quando se reconheça a sua insuficiência
para satisfazer o crédito exequente (art. 835º CPC).

b) Arresto
É o meio conservatório da garantia patrimonial do credor (art. 619º/1 CC; art. 406º
CPC), que só através da sua conversão em penhora (art. 846º CPC) atribui ao
exequente o direito de preferência sobre os outros credores do arresto (arts. 622º/2,
82º CC). Isso não impede, todavia, a aplicação dos bens arrestados do disposto do
art. 835º CPC, que ao referir-se à garantia real, está realmente a aludir a qualquer
situação que pode atribuir uma preferência do credor exequente sobre o produto
da venda dos bens.

195. Segunda penhora


Os bens ou direitos penhorados podem voltar a ser penhorados numa outra acção
executiva (art. 871º CPC). O exequente da acção onde é ordenada a segunda
penhora pode ser o mesmo da execução onde é efectuada a primeira, mas a
segunda penhora dos mesmos bens ou direitos deve referir-se a uma divida distinta,

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

pois que só nessa hipótese aquela admissibilidade não colide com o regime da
excepção de litispendência (arts. 497º 498º, e 494º-i CPC).

Função conservatória

196. Generalidades
Além de determinar os bens ou direitos que correspondem pelo cumprimento da
obrigação, a penhora também realiza uma função conservatória. Como esses bens
ou direitos se destinam a ser vendidos ou adjudicados ou a ser exercidos ou
cumpridos a favor da execução, a penhora deve assegurar a sua subsistência até
essa venda, adjudi-cação, exercício ou cumprimento: é nisto que consiste a função
conservatória.

197. Conservação material


1) Bens
Os imóveis penhorados são entregues a um depositário (art. 838º/3, 1ª parte CPC).
Os bens móveis penhorados são apreendidos e entregues a um depositário, salvo se
pu-derem ser removidos, sem prejuízo, para a secretaria judicial ou para qualquer
depósito público (art. 848º/1 CPC); o dinheiro, papéis de crédito e metais preciosos
são deposita-dos à ordem do tribunal na Caixa Geral de Depósitos (arts. 848º/3 e
857º/1, 3 e 4 CPC).

2) Créditos
Relativamente aos créditos penhorados, não pode haver qualquer acto de
apreensão, mas logo que a divida se vença, o terceiro devedor é obrigado a
depositar a respectiva importância na conta do Tribunal (Caixa Geral de Depósitos,
até a Independência) (art. 860º/1 CPC) ou, se o crédito já estiver vencido ou
adjudicado, a realizar a prestação ao respectivo adquirente (art. 860º/2 CPC).

198. Conservação jurídica


Durante a pendência de uma acção declarativa, é admissível a transmissão, por
qualquer das partes, da coisa ou direito litigioso: esta circunstância opera uma
transformação na legitimidade do transmitente ou cedente — que passa a actuar
como substituto proces-sual do adquirente ou cessionária (art. 271º/1 CPC) — e
permite a habilitação deste ultimo na acção pendente (arts. 271º/1 e 376º CPC).
Quer isto dizer que, na acção declarativa, não há qualquer obstáculo à transmissão
ou cessão da res litgiosa, a qual só implica a alteração da legitimidade processual do
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Direito Processual Civil

transmitente ou cedente e a eventual inter-venção na acção do adquirente ou


cessionário.

Segundo o disposto no art. 819º CC, são ineficazes em relação ao exequente os


actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, e, de acordo com o
estabelecido no art. 820º CC, é igualmente ineficaz a extinção do crédito penhorada
por causa dependente da vontade do executado ou do terceiro devedor.
Esta inoponibilidade relativa pode mesmo atingir actos realizados antes da penhora.
É o que sucede quanto A liberação ou cessão, efectuada antes da penhora de
rendas e alugueres respeitantes a períodos de tempo posteriores a esta (art. 821º
CC).

A inoponibilidade relativa dos actos praticados pelo executado sobre os bens


penhorados justifica-se apenas na exacta medida em que ela seja necessária à
prossecução dos fins da execução, isto é, à satisfação do crédito do exequente.
Desta verificação resulta uma consequência importante: a inoponibilidade dos actos
de disposição ou oneração praticados pelo executado só vale quanta aos efeitos
incompatíveis com a realização do interesse do exequente e não se estende a outros
efeitos que não contendem com a satisfação desse interesse.

A inoponibilidade relativa dos actos de disposição ou oneração de bens penhorados


que foram realizados pelo executado restringem-se ao âmbito da responsabilidade
patrimonial desta parte e só legítima o exequente a manter a penhora sobre esses
bens.

A oponibilidade à execução dos actos praticados pelo executado não se coloca


quanto àqueles que podem beneficiar o exequente ou os credores reclamantes. O
art. 856º/5 CPC, permite expressamente que o executado pratique os actos que se
afigurem neces-sários à conservação do crédito penhorado.

Função de garantia

199. Regra da prioridade


O património do devedor responde pelo cumprimento das suas obrigações (art.
601º CC), mas certos credores possuem causas legítimas de preferência na
satisfação dos seus créditos.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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A penhora não é um direito real de garantia, mas é fonte de uma preferência sobre
o produto da venda dos bens penhorados, dado que o exequente adquire por ela o
direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia
real anterior (art. 822º/1 CC).
O art. 822º/1 CC, utiliza, na hierarquização dos vários credores concorrentes, um
princípio da prioridade ou da preferência: a penhora prevalece quer sobre as
garantias reais posteriores, quer sobre a segunda penhora.

200. Aferição da prioridade


A penhora prevalece sobre as garantias reais posteriores e sobre a segunda penhora
dos mesmos bens (art. 822º/1 CPC). A prioridade da penhora assenta num critério
temporal. Para determinar a data da penhora, há que distinguir entre aquela que
está sujeita a registo e aquela que deve ser registada.

Se a penhora deve ser registada, a sua eficácia em relação a terceiros coincide com a
data desse registo (arts. 838º/4, 1ª parte, 855º e 863º CPC). Assim, a penhora
registada prevalece sobre as garantias reais com registo posterior e é considerada
como segunda penhora aquela que for registada depois da primeira (art. 871º/1 fine
CPC).

Se a penhora resultar da conversão do arresto (art. 846º CPC), a sua anterioridade


reporta-se à data do arresto (art. 822º/2 CC). Se o arresto recair sobre bens imóveis
ou sobre bens móveis sujeitos a registo e, por isso, deve ser registado, a
retroactividade da penhora depende desse registo.

EFECTIVAÇÃO DA PENHORA

Penhora de bens

201. Generalidades
A lei distingue entre a penhora de bens imóveis (arts. 838º a 847º CPC), de bens
móveis (arts. 848º a 855º CPC) e de direitos (arts. 856º a 863º CPC). Pretende-se
definir não tanto o objecto da penhora, como o modo da sua efectivação, ou seja, o
procedi-mento subsequente à nomeação dos bens ou direitos.

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202. Bens imóveis


Após a apresentação do requerimento de nomeação de bens à penhora pelo
executado ou pelo exequente ou a nomeação por termo realizada pelo executado
(arts. 837º/1, 924º CPC), a penhora dos bens imóveis é ordenada por despacho do
tribunal (art. 838º/1 1ª parte CPC). É também por despacho que é determinada a
penhora dos bens do devedor onerados com uma garantia real (art. 835º CPC) e
convertido a arresto em penhora (art. 846º CPC).

O despacho que ordena a penhora deve ser notificado ao executado e esta


notificação deve ser acompanhada de cópia do requerimento de nomeação de bens
à penhora (art. 838º/1, 2ª parte CPC), embora apenas quando o requerimento não
tenha sido apresentado por esta parte.

A penhora de imóveis é feita mediante termo no processo pelo qual os bens se


consideram entregues ao depositário (art. 838º/3, 1ª parte CPC). O termo é assinado
pelo depositário, devendo identificar o exequente e o executado e indicar todos os
elementos necessários para a efectivação do registo (art. 838º/3, 2ª parte CPC).

A penhora de bens imóveis deve ser registada (art. 838º/4, 1ª parte CPC). Ao
processo deve ser junto o certificado de registo e a certidão dos ónus que incidam
sobre os bens abrangidos pela penhora (art. 838º/4, 2ª parte CPC). Esta junção
destina-se a citação dos credores com garantia real sobre os bens penhorados (art.
864º/1-b CPC), para que estes possam reclamar o respectivo crédito na execução
(art. 865º/1 CPC).

203. Bens móveis


A esta é subsidiariamente aplicável o regime definido para a penhora de imóveis
(art. 855º CPC).
A penhora dos bens móveis cuja nomeação foi requerida pelo executado ou pelo
exequente ou realizada através de termo do executado (art. 837º/2 CPC) é ordenada
por despacho do Tribunal, em termos idênticos àqueles que valem para os bens
imóveis (arts. 838º/1 e 855º CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Penhora de direitos

204. Direitos de crédito


A penhora de direitos — e de créditos – é subsidiariamente aplicável o disposto
para a penhora dos imóveis e móveis (art. 863º CPC).
A penhora do um crédito do executado sobre um terceiro efectiva-se através da sua
colocação à ordem do tribunal (arts. 856º/1 e 861º/1 CPC). Além do executado, à
assim que considerar o devedor desta parte, isto é, o devedor ou terceiro devedor.

A penhora do crédito visa adstringi-lo a uma execução e é utilizada porque o


terceiro não pode ser demandado na execução. Na verdade, não constando este
devedor do título executivo, ele não possui, segundo a regra geral, legitimidade
para assumir a posição do executado (art. 550º/1 CPC), a que, entre outras razões,
impossibilita que a credor exequente se possa sub-rogar ao seu devedor e exercer
contra o terceiro o direito de crédito deste devedor.

A penhora de crédito incide normalmente sobre créditos respeitantes a prestações


pecuniárias ou a entrega de coisas (art. 860º/1 CPC). Também se pode admitir a
penhora de créditos relativos a uma prestação de facere, pelo menos quando seja
respeitante a um facto fungível.

A penhora do crédito abrange os juros vencidos depois da penhora, desde que não
sejam expressamente excluídos e sobre eles não recai qualquer garantia (art. 842º/1.
aplicável ex vi do art. 863º CPC).

O terceiro notificado deve declarar se o crédito existe, quais as garantias que a


acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam
interessar à execução (art. 856º/2, 1ª parte CPC). Se essas declarações não puderem
ser feitas no acto da notificação, elas deverão ser prestadas posteriormente por
meio de termo ou simples requerimento (art. 856º/2, 2ª parte CPC).

O terceiro devedor não se pode opor à penhora invocando a sua ilegalidade, isto é,
alegando por ex., que se encontram excedidos os 2/3 do salário do executado (art.
824º/1-a CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Mas o terceiro devedor pode opor-se à penhora com fundamento na preterição de


uma formalidade essencial, como por ex., a falta de notificação da penhora (art.
856º/1 e 860º/1 CPC). Essa omissão constitui uma nulidade processual (art. 201º/1
CPC) e º terceira devedor, porque é o interessado na observância da formalidade,
tem legitimidade para arguir (art. 203º/1 CPC).

Se o crédito penhorado estiver garantido por penhor — quer dizer, se o terceiro


deve-dor tiver constituído um penhor a favor do credor executado — procede-se à
apreensão do seu objecto ou faz-se a transferência do direito para a execução (art.
856º/6 CPC). Este regime decorre da circunstância do penhor poder recair sobre
coisa móvel ou sobre créditos ou outros direitos (art. 666º/1 CC). Assim, se a penhor
incidir sobre coisa móvel, esta deve ser apreendida, se ele recair sobre direitos (art.
680º CC), estes são transferidos para a execução.

205. Outros direitos


Além da penhora de créditos e de abonos ou vencimentos (arts. 856º e 861º/1 CPC)
a lei prevê a penhora de títulos de crédito (art. 857º CPC), de direitos ou
expectativas de aquisição (art. 860º-A CPC), de depósitos bancários (arts. 861º/2 e
861º-A CPC), de di-reitos o bens indivisos (art. 862º/1 a 4 CPC), de direitos sociais
(art. 862º/5 CPC) e de estabelecimento comercial (art. 862º-A CPC). Este enunciado
demonstra que se procura definir não tanto o objecto da execução, como modo da
sua efectivação. É isso que justifica a autonomização da penhora de direitos e bens
indivisos (art. 862º/1 a 4 CPC) e do estabelecimento comercial (art. 862º-A CPC)
perante a penhora de bens (arts. 838º a 855º CPC), embora naquelas seja atingido o
mesmo direito de propriedade (ou outro direito real) que é afectado nesta última.

IMPUGNAÇÃO DA PENHORA

Violação dos limites objectivos

206. Generalidades
Se a penhora excede as seus limites objectivos — isto é, se incidir sobre bens ou
direitos que, embora pertencentes ao executado, não deviam responder pela divida
— os possíveis meios de reacção contra essa penhora ilegal são a impugnação do

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despacho ordenatório da penhora, a incidente de oposição à penhora e o


requerimento avulso do exequente.

207. Impugnação do despacho


A penhora é ordenada por despacho (arts. 838º/1, 1ª parte, também, arts. 845º;
846º; 85º o 863º CPC) que, como qualquer decisão judicial, pode ser impugnada
com fundamento na sua ilegalidade. As formas de impugnação deste despacho, são
o recurso ordinário (art. 676º/1 CPC), e quando a lei o preveja expressamente a
reclamação.

a) Agravo
O recurso ordinário é o meio geral de impugnação de qualquer decisão judicial (art.
678º/1 CPC). O despacho que ordena a penhora pode ser impugnado mediante
agravo em primeira instância (art. 733º CPC), dado que, como não pode ser
considerado uma decisão sobre o mérito, dele não pode apelar-se (art. 691º/1 CPC).

No entanto, a admissibilidade desse recurso está dependente, em princípio do valor


dos bens penhorados:
Em regra, ele só é admissível se o valor exceder a alçada do tribunal de primeira
instância (art. 678º/1 CPC). Mas esse valor é irrelevante se o despacho ordenatório
ofender o caso julgado (art. 678º/2 CPC) ou a jurisprudência uniformizada (art.
678º/6 CPC).

b) Reclamação
A violação dos limites objectivos da penhora pode recorrer do não conhecimento
pelo tribunal de uma questão relevante para aferir a penhorabilidade do bem ou do
direito. Esta omissão de pronúncia determina a nulidade do despacho ordenatório
(arts. 668º/1-d, 1ª parte, 666º/3 CC). Se esta decisão não admitir recurso
ordenatório, aquela nulidade pode ser invocada através da reclamação apresentada
perante o tribunal de execução (arts. 668º/3 e 666º/3 CPC), caso em que este
tribunal pode suprir a nulidade invocada (arts. 668º/4 e 666º/3 CPC).
A legitimidade para reclamar deve ser aferida pelo disposto no art. 680º/1 CPC, a
que significa que só pode reclamar quem tiver ficado vencido pela decisão.

208. Incidente de oposição


O executado pode opor-se à penhora em incidente deduzido na própria execução,
quando não tenham sido respeitados os limites objectivos (arts. 863º-A e 863º-B[10]
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 187 de 204
Direito Processual Civil

CPC). O incidente só pode ser deduzido se nele puderem ser suscitadas questões
que não hajam sido expressamente apreciadas e decididas no despacho que
ordenou a penhora (art. 863º-A CPC). Se a executado pretender discutir questões
julgadas naquele despacho, deve interpor — quando admissível — o respectivo
recurso de agravo (art. 733º CPC).

209. Requerimento do exequente


A impugnação do despacho ordenatório da penhora através do agravo ou da
reclamação não pode ser utilizada para invocar factos novos, ou seja, factos que o
tribunal não podia ter considerado, e o incidente de oposição à penhora não pode
ser usada pelo exequente.

Fundamento desta oposição pode ser quer, por interpretação extensiva do art.
836º/1-a CPC, a nomeação pelo executado de bens impenhoráveis, quer segundo o
estabelecido no art. 836º/1-h CPC, o desrespeito do gradus executionis pelo
executado.
Aplicam-se as regras constantes nos arts. 303º e 304º CPC.

Violação dos limites subjectivos

210. Generalidades
Os limites subjectivos da penhora são violados se forem penhoradas bens ou
direitos que não são do executado. Os meios de oposição à penhora
subjectivamente ilegal são o protesto imediato, a impugnação do despacho
ordenatório da penhora, os embargos de terceiro e a acção de reivindicação.

211. Protesto imediato


No acto da realização da penhora pelo fundamento pode a executada ou alguém
em seu nome declarar que os bens visados pela diligência pertencem a um terceiro
ou que eles não lhe pertencem exclusivamente (arts. 832º/1 CPC).
Cabe recurso de agravo (art. 733º CPC), que pode ser interposto pelo terceiro (art.
680º/2 CPC).

212. Impugnação do despacho


O terceiro que é titular do bem penhorado pode recorrer do despacho ordenatório
da penhora (art. 838º/1, 1ª parte CPC, vide também arts. 8350º e 846º CPC), porque
é directa e efectivamente prejudicado com essa decisão (art. 680º/2 CPC).
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 188 de 204
Direito Processual Civil

O recurso admissível é o agravo (art. 733º CPC).

213. Embargos de terceiro


Os embargos de terceiro são um meio de reacção contra um acto judicialmente
orde-nado de apreensão ou entrega de bens (art. 351º/1 CPC). Como a penhora é
ordenada pelo tribunal (arts. 838º/1, 835º, 846º, 863º CPC) e em regra, implica a
apreensão dos bens penhoradas (arts. 838º/3, 848º/1, 856º e 857º/1 CPC), os
embargos de terceiro são um dos meios de aposição à penhora. O terceiro pode
opor-se à penhora, quer depois da sua realização (art. 353º/2 CPC), quer,
independentemente do protesto imediato, antes da sua efectivação (art. 359º/1
CPC): no primeiro caso, os embargos têm uma finalidade repressiva; no segundo,
uma final idade preventiva.

Os embargos de terceiro fundamentam-se numa posse ou num direito incompatível


do terceiro sobre o bem penhorado (art. 351º/1 CPC) e visam impugnar a legalidade
da penhora e obter o seu levantamento. Os embargos repressivos podem assumir
acessoriamente uma função cautelar, pois que o embargante pode requerer a
restituição provisória da posse dos bens penhorados (art. 356º CPC).

A admissibilidade dos embargos de terceiro é independentemente da validade ou


nulidade da penhora.

Os embargos de terceiro fundamentam-se numa posse ou num direito que é


incompatível com a realização ou o âmbito da penhora (art. 351º/1 CPC).

Assim, em termos analíticos, esses embargos podem ser deduzidos com um dos
seguintes fundamentos:
a) Posse de um terceiro sobre os bens penhorados, ainda que ela não exclua a
propriedade do executado sobre eles;
b) O direito de um terceiro sobre os bens penhorados que é incompatível com o
direito do executado em que se baseia a penhora.

214. Acção de revindicação


Também pode ser usada como meio de oposição de um terceiro à penhora. O
fundamento desta acção pode ser a propriedade do terceiro (art. 1311º CC) ou o
direito real desse sujeito sobre o bem penhorado (art. 1315º CC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 189 de 204
Direito Processual Civil

A legitimidade activa afere-se nos termos gerais (art. 26º/1 CPC), incluindo as
possíveis situações de substituição processual (art. 1405º/2 CC). Deve ser proposta
contra o exequente e o executado: trata-se de litisconsórcio necessário natural (art.
28º/2 CPC).

PARTICIPAÇÃO DOS INTERESSADOS

Citação do cônjuge do executado

215. Citação requerida


Se uma execução instaurada contra um dos cônjuges para pagamento de uma
divida própria, forem penhorados bens comuns, deve o exequente ao nomeá-los à
penhora, pedir a citação do cônjuge do executado, para que este requeira a
separação de bens (art. 825º/1 CPC). Se o pedido do exequente for atendido, o
tribunal deve ordenar a citação do cônjuge do executado (art. 864º/1-a, 2ª parte
CPC).

O cônjuge que é citado para requerer a separação de bens não se torna parte na
execução pendente. Ele é citado apenas para requerer, em processo autónomo, a
separação de bens (art. 825º/1 CPC), sob pena de a execução continuar sobre os
bens penhoradas (art. 825º/2 in fine CPC).

216. Citação oficiosa


Se o citado for casado e a penhora tiver recaído sobre bens imóveis que ele não
possa alienar livremente, deve proceder-se à citação do seu cônjuge (art. 864º/1-a,
1ª parte CPC). Salvo se entre os cônjuges vigorar o regime de separação de bens, o
cônjuge exe-cutado não pode alienar, por si só, os imóveis próprios ou comuns (art.
1682º-A/1-a CC).

O cônjuge executado, que é citado com fundamento na indisponibilidade dos bens


penhoradas pelo cônjuge executado (art. 864º/1-a, 1ª parte CPC), assume a posição
de parte processual na execução pendente. É isso que justifica que ele possa deduzir
oposição à penhora (art. 863º-A CPC) e exercer nas fases posteriores à sua citação,
todos os direitos que são conferidos ao executado (art. 864º-B CPC), embora se
deva entender que esses poderes se restringem à actuação relativa ao bem que
justifica a sua citação.
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 190 de 204
Direito Processual Civil

217. Falta de citação


A falta de citação do cônjuge do executado tem a mesmo efeito da falta do citação
do réu (art. 864º/3,1ª parte CPC), ou seja, produz os efeitos correspondentes àqueles
que o art. 194º CPC, estabelece para a falta de citação do demandado. Do disposto
no art. 194º CPC resulta, adaptando a sua estatuição à situação que é nulo tudo o
que na execução pendente se processe, depois do momento em que essa citação
deveria ter sido ordenada.
Esta nulidade deve reportar-se apenas aos actos relativos aos bens cuja penhora
justifica a citação do cônjuge.

INTERVENÇÃO DOS CREDORES DO EXECUTADO

218. Necessidade de intervenção


Permite-se somente a intervenção dos credores que sejam titulares de um direito
real de garantia sobre os bens penhorados e do exequente que tenha obtido uma
segunda penhora sobre esses bens numa outra execução (arts. 864º/1-b, 8650º/1 e
871º/1 CPC). Os credores reclamantes só podem ser pagos pelos bens que tenham
garantia e conforme a graduação dos seus créditos (art. 873º/2 CPC).

A justificação da intervenção na execução pendente dos credores que são titulares


de garantias reais sobre os bens penhorados encontra-se na extinção destas
garantias através da venda executiva (art. 824º/2 CC). Por essa razão, é indispensável
permitir que os respectivos credores possam reclamar os seus créditos na execução
pendente.

A venda executiva dos bens penhorados extingue a garantia real e a respectiva


direito de sequela (art. 824º/2 CC), peio que o seu titular deixa do poder exercer
este direito contra o adquirente dos bens naquela venda.

219. Dispensa de intervenção

a) Dispensa sistemática
Quando o credor exequente obtém a satisfação do seu crédito sem necessidade de
se proceder à venda dos bens penhorados, a intervenção dos credores com
garantias reais, não é necessária.
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 191 de 204
Direito Processual Civil

São três as situações nas quais o exequente pode obter a satisfação do seu crédito
sem recorrer à venda dos bens penhorados:
 Quando tenha sido penhorada uma quantia em dinheiro ou em crédito que já
tenha sitia paga pelo terceiro devedor, arts. 872º/1 e 874º CPC;
 Quando a penhora recaia sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo ou
sobre títulos de crédito nominativos e o exequente requeira a consignação
dos rendimentos daqueles bens, arts. 879º/1, 881º/4, 873º/1, 2ª parte CPC;
 Quando o exequente e o executado tenham acordado, antes da convocação
dos credores, no pagamento em prestações da divida exequenda e, por isso,
te-nham provocado a suspensão da instância executiva antes daquela
citação, art. 882º CPC.

b) Dispensa legal
O art. 20/1 DL 274/97, exclui a reclamação de créditos nas execuções cujo valor não
exceda a alçada do tribunal de 1ª Instância em que a penhora recaia sobre bens
imóveis ou direitos que não tenham sido dotados de penhor, com excepção do
estabelecimento comercial.

c) Dispensa judicial
O juiz da execução pode dispensar a convocação dos credores quando a penhora
in-cida apenas sobre vencimentos, abonos ou pensões ou quando, tendo sido
penhorados bens imóveis não sujeitos a registo e de reduzido valor, não conste dos
autos que sobre eles incidam direitos reais de garantia (art. 864º-A/1 CPC).
A justificação da dispensa da reclamação de créditos é distinta em cada um destes
casos.

220. Processo de reclamação [11]


a) Certidão de ónus
Se a penhora dever ser registada (art. 838º/4, 1ª parte CPC), deve ser junta à
execução certidão dos direitos, ónus ou encargos que incidam sobre bens
penhorados (art. 838º/4, 2ª parte CPC). É por esta certidão que se verifica se há
credores que, por possuírem garantias reais sobre os bens penhorados, podem
reclamar os seus créditos na exe-cução pendente e que, por isso, devem ser citados
(art. 864º/1-b CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 192 de 204
Direito Processual Civil

b) Citação dos credores


Pode ser pessoal ou edital (arts. 233º/2 – 864º/1-b, n.º 2, 2ª parte, 864º/1-d, n.º 2, ª
parte CPC).

A falta de citação dos credores produz as mesmas consequências da falta de citação


do réu (art. 864º/3, 1ª parte CPC). Adaptando a consequência estabelecida no art.
194º-a CPC, essa falta implica a anulação de tudo o que se tenha processado depois
do momento em que aquela citação devia ter sido ordenada.

c) Apenso de verificação e graduação


A reclamação, verificação e graduação dos créditos realiza-se numa acção
declarativa de carácter incidental, pois que todas as reclamações que forem
deduzidas pelos vários credores são autuadas num único apenso ao processo de
execução (art. 865º/4 CPC).
Da sentença de verificação e graduação de créditos reclamados cabe apelação (art.
922º/1 CPC). Este regime não contém qualquer excepção: a apelação é o recurso
admissível da decisão sobre o mérito proferido em primeira instância (art. 691º/1
CPC).
Se no despacho saneador tiverem sido reconhecidos alguns dos créditos
reclamados (art. 868º/1, 2ª parte CPC), dele cabe igualmente a apelação (art. 691º/1
CPC). Este re-curso só sobre a final (art. 695º/1 CPC).

221. Posição do interveniente


O credor reclamante cujo crédito tenha sido admitida (art. 866º/1 CPC) adquire a
posição de parte na execução. No entanto, não assume a qualidade de exequente,
porque, como só pode ser paga pelos bens sobre que tiver garantia e conforme a
graduação do seu crédito (art. 873º/2 CPC), não pode nomear outros bens à
penhora.

Na execução pendente, o credor reclamante assume uma posição simultaneamente


oposta quer ao exequente quer ao executado. E esta dupla oposição que justifica
que as reclamações de créditos possam ser impugnadas pelo exequente e pelo
executado (art. 866º/2 CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

SATISFAÇÃO DO CRÉDITO

Dispensa de venda executiva

222. Generalidades
A satisfação do crédito do exequente pode ser feito pela entrega de dinheiro, pela
adjudicação de bens penhorados, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo
produto da respectiva venda (art. 872º/1 CPC); admite-se ainda o pagamento em
prestações da divida exequenda (art. 872º/2 CPC). Os créditos reclamados podem
ser satisfeitos pela entrega de dinheiro, a consignação de rendimentos e o
pagamento em prestações dispensam a venda executiva dos bens penhoradas, ou
seja, são obtidos sem a alienação desses bens.

223. Graduação de créditos


A graduação de créditos “não é global e unitário, mas fazer-se separadamente nas
diversas espécies de bens”, dado que as preferências têm de ser ordenadas
“segundo a sua classe e a espécie de bens”.
Assim, tem de ser feita uma graduação de créditos para cada espécie de bens
penhorados e vendidos (móveis e, imóveis) e para cada um desses bens, se sobre
eles concorre créditos com diversas garantias.

Em relação aos móveis, os créditos devem ser, em princípio, graduados pela


seguinte ordem:
a) Créditos por despesas de justiça feitas no interesse comum dos credores
(arts. 738º/1 e 746º CC);
b) Créditos graduados por penhor ou direito de retenção, incidentes sobre os
respectivos móveis (arts. 666º/1 e 2; 749º e 758º CC);
c) Créditos por impostos sobre sucessões e doações referentes a transmissão de
móveis, sobre as quais gozem de privilégio especial (arts. 738º/2, 747º/1-a,
750º CC);
d) Créditos por impostos directos ou indirectos que gozem de privilégio
mobiliário geral, (art. 736º CC) bem como os créditos de IRS e IRC;
e) Créditos por impostos das autarquias que gozem de privilégio mobiliário
geral (arts. 736º, 747º/1-a CC; arts. 4º-a, 5º Lei 1/87), neles se incluindo os
créditos pelo imposto sobre veículos;
f) Créditos pelas contribuições do regime geral de previdência;
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 194 de 204
Direito Processual Civil

g) Créditos particulares com privilégio mobiliário especial pela ordem indicada


no art. 747º-b), c) d), e); arts. 739º e 742º CC, se se constituírem
anteriormente ao registo das garantias indicadas e à data da penhora;
h) Créditos garantidos por hipoteca ou consignação de rendimentos incidente
sobre imóveis sujeitos a registo (arts. 656º/1 e 86º CC);
i) Crédito exequendo ou outros apenas garantidos pela penhora (art. 822º CC).

Em relação aos imóveis devem, em princípio ser graduados pela seguinte ordem:
a) Créditos por despesas de justiça feitas no interesse comum dos credores
(arts. 743º e 746º CC);
b) Créditos pela SISA e imposto sobre sucessões e doações (arts. 744º/2, 748º-a
CC), bem como pelo IRS e IRC;
c) Créditos pela contribuição predial (arts. 744º/1 e 748º CC);
d) Créditos por contribuições do regime geral de previdência, quando os
imóveis penhorados existirem no património do executado à data da
instauração do processo executivo.
e) Créditos garantidos por consignação de rendimentos, preferindo o do registo
mais antigo (arts. 656º e 751º CC).
f) Crédito exequendo ou outros apenas garantidos pela penhora (art. 822º CC).

224. Entrega do dinheiro


Consiste na satisfação do crédito exequendo ou do crédito de um credor reclamante
através da colocação à disposição do exequente ou deste credor de uma quantia
monetária ou de um título de crédito dela representativa.

225. Consignação de rendimentos


Consiste na satisfação do crédito através dos rendimentos de certos bens (art.
656º/1 CC). Ela pode ser voluntária ou judicial (art. 658º/1 CC):
a) A voluntária é aquela que é constituída mediante negócio entre vivos ou por
meio de testamento (art. 658º/2 CC[12]).
b) A judicial é a que resulta de uma decisão do tribunal (art. 658º/2 CC[13]).

226. Pagamento em prestações


Consiste na liquidação da obrigação exequenda através de pagamentos parcelares e
periódicos.
É admissível, sempre que o exequente e o executado o solicitem ao tribunal em
requerimento subscrito por ambos (art. 882º/1 e 2, 2ª parte CPC).
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 195 de 204
Direito Processual Civil

Na falta de convenção em contrário, vale como garantia do crédito exequendo, até


integral pagamento deste, a penhora ordenada na execução (art. 883º/1 CPC). As
partes podem substituir esta garantia ou convencionar outras garantias adicionais
(art. 883º/2 CPC).

Necessidade da venda executiva

227. Generalidades
Quando a pagamento do credor exequente ou dos credores reclamantes não puder
ser conseguido através da entrega de dinheiro, ou através da consignação de
rendimen-tos ou do pagamento a prestações, há que proceder há venda dos bens
penhorados. Esta alienação permite que o exequente ou qualquer credor graduado
obtenha a satisfação do seu crédito através do produto da venda desses bens ou da
adjudicação deles (art. 872º/1 CPC).

228. Modalidades de venda


A venda de bens penhorados pode ser judicial ou extrajudicial (art. 886º/1 CPC). A
venda judicial é realizada perante o tribunal e é feita por meio de propostas em
carta fechada (arts. 886º/2, 889º a 901º CPC). A venda extrajudicial é realizada fora
do tribunal e pode revestir as formas de venda em bolsa de capitais ou do
mercadorias (art. 886º/3-a, 902º CPC), venda directa a entidades que tenham direito
a adquirir determinados bens (art. 886º/3-b e 903º CPC), venda por negociação
particular (arts. 886º/3-e, 904º e 905º CPC) e venda em estabelecimento de leilões
(arts. 886º/3-d, 906º e 907º CPC).

229. Realização da venda


Ao juiz da execução compete, depois de ouvidos o exequente, o executado e os
credores com garantias sobre os bens a vender, determinar a modalidade de venda,
relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados (art. 886º-A/1-a
CPC), o valor base a vender (art. 886º-A/1-b CPC) e a eventual formação de lotes
dos bens penhorados (art. 886º-A/1-c CPC). A escolha da modalidade da venda
deve orientar-se pela necessidade de obter o maior preço possível dos bens a
alienar.

Das decisões sobre a fixação do valor dos bens a vender nunca cabe recurso (art.
886º-A/5 CPC). Trata-se de uma hipótese de exclusão legal da recorribilidade.
Octávio Manuel Gomes Alberto
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 196 de 204
Direito Processual Civil

230. Adjudicação de bens


É a aquisição pelo exequente ou por um credor reclamante dos bens penhoradas
com a finalidade de obter, por meio dela, a satisfação do respectivo crédito (art.
875º segs. CPC[14]).
Atendendo à sua finalidade específica, a adjudicação de bens pode ser solutória ou
aquisitiva. A distinção assenta na posição do crédito do adjudicatário — que pode
ser o exequente ou qualquer credor reclamante (art. 875º/1 e 2 CPC) — em relação
aos créditos dos demais credores do executado.

a) Adjudicação solutória
O adjudicatário que não tem credores graduados antes dele pode receber os bens
em pagamento do seu crédito e não tem que pagar à execução o preço oferecido,
dado que nenhum credor tem de ser pago pelo produto dessa aquisição. Neste
caso, a adjudicação produz um efeito translativo da propriedade do bem e um
correlativo efeito extensivo do crédito do adjudicatário. Esta adjudicação aproxima-
se assim, de uma dação em cumprimento (art. 837º CC) e pode ser designada por
adjudicação solutória.

b) Adjudicação aquisitiva
O adjudicatário que não tem credores graduados antes dele só pode receber os
bens se pagar o seu preço, dado que esta quantia é necessária para proceder ao
pagamento daqueles credores. Nesta hipótese, a adjudicação também produz o
efeito translativo da propriedade dos bens adquiridos, mas o adjudicatário fica
devedor do preço desses bens.

231. Exercício de preferências[15]


A venda executiva não é incompatível com os direitos de preferência que podem ser
exercidos na aquisição dos bens penhorados o cede perante um direito de
preferência especial, que é o direito de remissão (art. 912º/1 CPC).
A venda executiva não afasta o exercido dos direitos de preferência de terceiros
sobre os bens penhorados. No entanto, nem todas as preferências são reconhecidas
na acção executiva: nesta só procedem os direitos legais de preferência e os direitos
convencionais de preferência que sejam dotados de eficácia real (art. 422º CC), pelo
que não são reconhecidas as preferências meramente obrigacionais[16]

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 197 de 204
Direito Processual Civil

EFICÁCIA DA VENDA EXECUTIVA

232. Efeitos da venda


A venda executiva produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um
negócio jurídico: as obrigações de entrega da coisa e de pagar o preço (art. 879º-b),
c) CC) e a transmissão da propriedade da coisa (art. 879º-a CC). Além daqueles
efeitos obrigacionais e deste efeito translativo comum a qualquer venda, a venda
executiva produz ainda outros efeitos: um efeito extintivo, um efeito registral, um
efeito repristinatório e um efeito sub-rogatório.

Segundo o art. 824º/2 CC, os bens alienados através da venda executiva são
transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como os demais
direitos reais que não tenham registo anterior ao do qualquer arresto, penhora ou
garantia, com Excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos
em relação a terceiros independentemente do registo.

O efeito extintivo dos direitos de terceiros provocado pela venda executiva


determina que a inoponibilidade relativa dos actos de disposição ou oneração dos
bens penhorados (art. 819º CC) ou de extinção do crédito penhorado por causa
dependente da vontade do executado ou do seu devedor (art. 820º CC) se
transforma numa inoponibilidade absoluta.
Chama-se efeito repristinatório da venda executiva ao efeito que consiste no
renascimento de direito que se tenham anteriormente extinguido por confusão.

A repristinação do direito só é admissível se for compatível com as regras relativas à


venda executiva (art. 724º/1 in fine CC). Isto significa que só renascem os direitos
que não hajam de se extinguir por força do regime do art. 824º/2 CC.

233. Invalidade da venda


A venda executiva pode ser inválida por motivos substanciais ou formais. A
invalidade substancial respeita aspectos relacionados com a vontade de adquirir o
bem ou com a titularidade deste; a invalidade formal decorre de fundamentos
processuais.

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 198 de 204
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a) Invalidade substancial
A formação da vontade do adquirente na venda executiva pode ser afectada por
coacção moral (art. 255º CC) ou por erro sobre os motivos (art. 252º/1 CC) ou sobre
o objecto (art. 251º CC e art. 908º CPC).

O erro sobre o objecto da venda permite que o comprador peça no próprio


processo de execução a anulação dessa alienação e a correspondente indemnização
(art. 908º/1 in fine CPC), excepto se a anulabilidade houver do se considerar sanada
pelo desaparecimento, por qualquer modo, do ónus ou limitação a que a bem
adquirido estava sujeito (art. 908º/1 in fine CPC; art. 906º/1 CC). A anulação deve ser
pedida no prazo de um ano após o conhecimento pelo comprador do ónus ou
limitação que desvaloriza o bem (art. 287º/1 CC).

Não é devida a indemnização atribuída pelo art. 908º/ 1 CPC, ao comprador quando
a venda foi anulada oficiosamente pelo tribunal com fundamento em nulidade
processual.

b) Invalidade formal
A venda executiva é inválida quando for anulada ou revogada a sentença que serviu
de título executivo ou forem julgados procedentes os embargos de execução, salvo
se, sondo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for
compatível com a decisão tomada (art. 909º/1-a CPC).

A venda executiva também é inválida se for anulado o acto da venda, seja pela
prática de um acto que a lei não admite, seja pela omissão de um acto ou de uma
formalidade imposta por lei (art. 909º/1-c CPC).

Finalmente, a venda executiva é inválida, quando toda a execução for anulada por
falta ou nulidade da citação do executado, desde que ele tenha permanecido revel,
salvo se, a partir da venda tiver decorrido o tempo necessário para a usucapião a
favor do adquirente (arts. 909º/1-b; 921º/3 CPC). Esta invalidade da venda é uma
consequência da regra segundo a qual, quando a um acto processual for anulado,
são igualmente anulados os termos subsequentes que dele dependam
absolutamente (art. 201º/2, 1ª parte CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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234. Ineficácia da venda


A venda executiva torna-se ineficaz se, posteriormente a ela, for julgada procedente
qualquer acção de preferência ou for decidida a remissão de bens (art. 909º/2, 1ª
parte CPC). Neste caso, o preferente ou a remidor substituem-se ao comprador,
pagando o preço e as despesas de compra (art. 909º/2, 2ª parte CPC). O mesmo vale
para a adjudicação de bens (art. 878º CPC).

EXTINÇÃO DOS CRÉDITOS E DA EXECUÇÃO

Extinção da obrigação exequenda

235. Pagamento voluntário


Em qualquer estado do processo executivo pode o executado ou um terceiro fazer
cessar a execução mediante o pagamento das custas e da divida exequenda (art.
916º/1, 1ª parte CPC); se já tiverem sido vendidas ou adjudicados bens, o
pagamento voluntário deve abranger ainda os créditos reclamados para serem
pagos pelo produto desses bens (art. 917º/2 CPC). Ao pagamento voluntário das
dívidas do executado perante o exequente e os credores reclamantes e das custas
do processo executivo chama-se remissão da execução.

236. Pagamento coercivo


O pagamento coercivo é aquele que é realizado através de meios próprios da
execução. Ele pode ser efectuado pela entrega de dinheiro depositado (arts. 872º/1,
874º e 861º-A CPC), pela adjudicação dos bens penhorados (arts. 872º/1 e 875º/2
CPC), pela consignação dos rendimentos desses bens (arts. 872º/1, 879º/1 e 881º/4
CPC), pelo produto de venda dos mesmos bens (arts. 872º/1 e 886º CPC) e ainda
pelo pagamento em prestações (arts. 872º/2 o 882º/1 CPC).

A execução extingue-se logo que se mostre satisfeita a obrigação exequenda (art.


919º/1 CPC). Desta regra resultam duas consequências:
a) A execução não se extingue enquanto o crédito do exequente não se
mostrar satisfeito;
b) A execução extingue-se logo que a obrigação exequenda se mostre
satisfeita, ainda que o não estejam os créditos reclamados.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

Se o produto obtido com a venda dos bens penhorados exceder o montante


necessário para pagar o crédito dos bens exequendo e os créditos reclamados, o
montante que sobrar é restituído ao executado.

Vicissitudes da obrigação executiva

237. Suspensão
A instância executiva suspende-se através de algumas das causas gerais de
suspensão da instância. É o caso do falecimento ou extinção de alguma das partes
(arts. 276º, 277º e 284º/1-a CPC) e do falecimento do mandatário judicial numa
execução em que o patrocínio seja obrigatório (arts. 276º/1-b, 278º e 284º/1-b
CPC).

238. Interrupção
A instância executiva interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais
de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum
incidente do qual dependa o seu andamento (art. 285º CPC).

239. Anulação
Se a execução correr à revelia do executado — isto é, se o executado não praticar
qualquer acto na execução — e esta parte não estiver sido citada quando o deva
ser, ou houver fundamento para declarar nula a sua citação (arts. 195º, 197º e 198º
CPC), pode o executado requer a todo o tempo, no processo de execução, que seja
anulada (art. 921º/1 CPC).
O mesmo regime deve valer nos casos em que a executado, em vez de ser citado,
deve ser notificado (art. 926º/1 e 4 CPC).

240. Extinção
A instância executiva extingue-se com a extinção da obrigação exequenda por
remissão da execução, por pagamento coercivo ou por causa extintiva (art. 919º/1
CPC). Enquanto não se verificar o pagamento integral do crédito exequendo, a
execução não pode ser julgada extinta e o exequente pode nomear novos bens à
penhora (art. 836º/2-a CPC).

Octávio Manuel Gomes Alberto


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ÍNDICE REMISSIVO (Acção Executiva):


[1] Nunca é sumaríssima.
[2] Como a penhora e a venda de bens.
[3] Trata-se na realidade, de um poder dever ou dever funcional – art. 266º CPC.
[4] Exequatur: “que seja executado”; manifestação de reconhecimento de um cônsul;
atribuição de força executória a uma sentença estrangeira ou a uma sentença
arbitral.
[5] Arts. 811º a 921 do CPC
[6] Arts. 924º a 927 do CPC.
[7] Vide DL 274/97, de 8 de Outubro, Acção executiva simplificada para pagamento
de quantia certa.
[8] Ainda que simbólica: art. 930º/3 e 4 do CPC
[9] Arts. 933º/2; 940º/2; 941º/2 do CPC
[10] Vide também arts. 303º e 304º do CPC.
[11] Vide arts. 865º, 866º e 868º do CPC.
[12] Arts. 835º, 864º/1-b, 865º/1 do CPC.
[13] Arts. 879º/1 e 881º/4 do CPC.
[14] Vide arts. 824º a 826º do CC.
[15] Art. 896º do CC.
[16] Vide arts. 1380º/1, 1409º/1, 1555º/1, 2130º/1, 116º/1, 183º/5, e 421.º do CC.

Octávio Manuel Gomes Alberto


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Direito Processual Civil

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MENDES, João de Castro – Direito processual civil, vol. III (Recursos e acção
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MESQUITA, Miguel – Apreensão de bens em processo executivo e oposição de
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PAIVA, Eduardo/ CABRITA, Maria Helena – O processo executivo e o agente de
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PINTO, Rui (coord.) – As recentes reformas na acção executiva e nos recursos. 1.º
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Octávio Manuel Gomes Alberto


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executiva: o agente de execução como órgão da execução, Cadernos de Direito
Privado, número especial 01/Dezembro 2010.
Acção executiva singular, Lex 1998.
Estudos sobre o novo processo civil, Lex 1997 (pp. 601 ss).
Edições especiais de revistas: Sub Judice n.º 29 (2004) – Reforma da acção executiva:
da esperança à realidade.
Themis n.º 9 (2004) – A reforma da acção executiva (vol. II).

Octávio Manuel Gomes Alberto


Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) - Delegação das Caldas da Rainha …………Pág. 204 de 204

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