05h00
norte do Paraná. Foi o barulho que a fez
dar um salto da cadeira e correr para a
MST e MTST reduzem atuação
05h02
varandinha improvisada de sua casa. Ela
bem que estranhou as árvores A ocupação Nova Palestina, na periferia de
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balançando com tanta força num dia de São Paulo, que já chegou a ter quase 10 mil
sol rachado, daqueles que faz até pessoas pessoas, hoje conta com apenas 111
como ela, habituada com os dias quentes famílias instaladas de forma permanente
do cerrado, caçar sombra. Não demorou para perceber que não era chuva À mesa com o Valor
nem nada que levantava aquele muro de poeira, galhos e folhas. "Olhei para o Entrevistas
céu e vi o bichão em cima da gente, com os homens do lado de fora, olhando
para cá para baixo", conta ela. "Vi logo que era a polícia." D. WALMOR
OLIVEIRA DE
Rosemeire esqueceu de tudo, até das roupas limpas que tinha pendurado no AZEVEDO
varal naquela manhã. Correu para a casa de madeira pintada de azul piscina "O Estado não é
que construiu com o marido e se trancou no quarto. Ficou lá, esperando o uma igreja", diz
som do helicóptero sumir de vez. Não descansou até que o marido voltasse do dom Walmor,
presidente da
trabalho, já quase no fim do dia, trazendo notícias de que não havia sinal de CNBB
policial ali por perto. "A gente sabe que desde as eleições o risco de a gente
07/06/2019 às 05h00
perder tudo, de virem aqui e tirarem todo mundo cresceu", diz ela, que há
quatro anos mora no acampamento Herdeiros da Luta, em uma das várias PAULO CHAPCHAP
áreas ocupadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra no entorno da Fortalecimento
cidade de Porecatu, no norte do Paraná, na divisa com São Paulo. da saúde básica
pode diminuir
A visita da polícia não era o prenúncio de uma desocupação, como Rosemeire gargalos, diz
e as mais de cem famílias que vivem na ocupação temem desde que a ex- Paulo Chapchap,
do Sírio-Libanês
presidente Dilma Rousseff (PT) sofreu o impeachment, em 2016. Mas fez a
tensão e o medo de que o acampamento será alvo de uma ação do governo
31/05/2019 às 05h00
federal crescer ainda mais. "A gente sabe que as coisas mudaram, que estão
mais perigosas", diz ela, uma ex-faxineira que decidiu acompanhar o marido LUIZ CARLOS
no que ela chama de "aventura de conseguir um pedaço de terra" há quase MENDONÇA DE
BARROS
cinco anos. "A gente dorme com medo. Não temos mais garantia de nada."
Para o ex-
Desde que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) venceu as eleições para o ministro Luiz
Planalto, as coisas têm sido assim não só no Herdeiros da Luta como em Carlos
quase todos os acampamentos mantidos pelo MST, as ocupações controladas Mendonça de
Barros, o
pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, a versão urbana dos Sem- pêndulo
Terra, ou em áreas irregulares sob a gestão de movimentos sociais que lutam político vai se
por terra ou moradia. Com sinalizações de que pretende criminalizar reequilibrar no
movimentos sociais, o presidente conseguiu de certa forma acuar esses centro
grupos. Todos optaram por reduzir ao máximo sua exposição e adotar a 24/05/2019 às 05h01
cautela para entender até que ponto o discurso vai se concretizar na prática.
TABATA AMARAL
Tanto o MST quanto o MTST, movimentos sociais que conseguiram "Sou ativista
nacionalizar suas atuações de forma mais efetiva, optaram por reduzir de pela educação,
forma considerável suas atuações. Ambos temem criar condições que possam não ativista
incentivar o conflito tanto com o governo quanto com agentes não estatais
política", diz
que veem os movimentos como inimigos. O MTST, por exemplo, decidiu
fazer ocupações de terrenos ou imóveis apenas em Estados governados por deputada
federal Tabata
aliados ideológicos. No início de ano, concentrou suas ações no Nordeste. Em
São Paulo, berço do movimento e onde tem a maior parte dos seus Amaral
17/05/2019 às 05h00
integrantes, não realizou nenhuma ação concreta e reduziu de forma
considerável sua exposição. DAVID VÉLEZ
O MST optou por nem atuar em regiões onde os governadores integram Daqui a 10 ou
partidos que são aliados do movimento, como PT e PCdoB. Pela primeira vez 15 anos cartão
de crédito não
em anos, o MST não realizou grande ação para marcar o mês que considera o vai mais existir,
mais simbólico em sua militância. Neste ano, o Abril Vermelho ficou diz David Vélez,
concentrado em ações em defesa da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio do Nubank
Lula da Silva (PT). Desde as eleições, em outubro, o MST não realizou 10/05/2019 às 05h01
nenhuma ocupação de terra efetiva no país, apenas atos simbólicos, como a
ocupação temporária de uma fazenda do líder espiritual João de Deus,
acusado de estupros.
Boulos diz que o movimento tem focalizado seus esforços em criar núcleos
contra as ações de despejo que vem sofrendo em São Paulo. Assim como o
MST, os sem-teto não viram seus medos se materializarem. As ocupações do
grupo não foram atacadas e nem uma onda de despejos ocorreu.
"Percebemos um aumento da truculência policial contra os moradores, mais
hostilidade, mas não fomos vítimas de nenhum ataque concreto", diz Boulos.
"Alguns senadores têm projetos de lei nesse sentido, mas o Executivo não
fará propostas de nova legislação. É necessário apenas que se apliquem as
leis que já existem para punir as ações dessas organizações criminosas", diz
ele.
Ao longo dos últimos meses Garcia parece ter entendido que a melhor
maneira de combater não só o inimigo histórico de sua UDR, mas assim
como todas organizações sociais, é impedir que o Estado atenda às demandas
desses movimentos e os sufoque financeiramente. "Acabou o dinheiro que
sustentou essa gente, acabou a indústria do acampamento que o PT e FHC
tanto alimentaram", diz ele. "Queremos fazer a reforma agrária, mas de
forma correta, na lei, do jeito que era não dá, o Incra [Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária] está quebrado."
Em 2015, por exemplo, houve uma redução de 92% nas contratações desse
tipo de imóvel, reduzindo a oferta a patamares ínfimos. Desde então, as
contratações na Faixa 1 se mantêm perto do zero e para este ano o
contingenciamento promete ser ainda maior. Agora, o governo pretende
transformar os subsídios para a compra dos imóveis nessa faixa, que abriga
famílias com renda até R$ 1,8 mil, em aluguéis sociais.
Ritinha já foi embora uma vez. Não aguentou os bichos que apareciam em
seu barraco e as dificuldades de viver de maneira improvisada. Tomou a
decisão de sair quando alguém jogou uma pedra contra sua janela em uma
noite de 2015. "Fiquei com medo, decidi que não era mais para mim e fui
embora morar de aluguel de novo." Dois anos depois, voltou. Dessa vez,
decidiu investir as economias para transformar seu pequeno barraco no que
fosse o mais parecido com uma casa. Montou um jardim, pintou as paredes
de azul e fez um piso de cimento para não precisar mais morar sob a terra
batida.
Hoje apenas 111 famílias vivem na Nova Palestina, parte considerável delas
formadas por apenas uma pessoa, como Ritinha. Das quase 10 mil pessoas
que foram para lá em 2013 em busca de uma casa, apenas 2 mil seguem
ligadas de uma forma à ocupação. Sem perspectivas de que conseguirão sair
do aluguel, muitos desistem de morar em condições inadequadas e ainda
precisar dedicar tempo e energia para o MTST. "Não é fácil, há muitas
tarefas, obrigações, muita demanda. Conheço gente que perdeu o emprego
por ter que faltar no trabalho para participar dos protestos", afirma Ritinha.
"O temor de despejo ou da violência não impacta tanto, as pessoas estão
empoderadas pela luta", diz Jussara Basso, coordenadora do MTST na Nova
Palestina. "O que impacta mesmo é a falta de perspectiva, é isso que faz as
pessoas desistirem", diz ela.
Girardi, porém, diz acreditar que as relações íntimas com o Estado não
servem para explicar o que ocorre nos últimos anos. Não, ao menos, de forma
isolada. Para ele, a guinada à direita dos últimos cinco anos, toda a
polarização política e o discurso de criminalização dos movimentos sociais
que veio a culminar com a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência
também podem ter papel importante nesses números. "A retomada da
mobilização nunca é tão rápida, mas é importante colocar nessa equação a
violência no campo, que foi crescente nesses últimos anos", diz.
Havia décadas que o campo não registrava tanta violência quanto nos últimos
anos. Levantamento do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino,
ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostra que o número de
assassinatos de lideranças rurais registrou picos históricos entre 2015 e 2017,
quando 182 pessoas foram assassinadas em situações envolvendo disputadas
por terra, uma média de 60 mortes ao ano. Entre 2012 e 2015 a média ficou
pouco acima de 30 homicídios. "Vimos uma redução significativa em 2018,
mas acreditamos que o ano eleitoral teve papel importante nisso", diz o padre
Paulo César Moreira, integrante da Coordenação Nacional da Comissão
Pastoral da Terra.
Apesar do clima, tanto o MTST quanto o MST afirmam que não vão cessar as
ocupações de terra ou de imóveis urbanos. Boulos diz que o Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto continuará pressionando o governo por moradia
digna. João Paulo Rodrigues, do MST, garante que neste mês novas
ocupações de terra serão feitas pelo movimento em todo o país. "Vamos
focalizar em áreas improdutivas de políticos corruptos", diz.
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Globo Notícias