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MST e MTST reduzem ações para evitar


07/06/2019 às 05h00
Cultura & Estilo
conflitos com o governo Últimas Lidas Comentadas Compartilhadas

"O Estado não é uma igreja", diz dom Walmor,


Por Yan Boechat | Para o Valor, de Porecatu (PR) presidente da CNBB
05h00

Rosemeire não se assustou com as folhas


secas das mangueiras a lhe tomar a casa
com o governo
05h00

MST e MTST reduzem ações para evitar conflitos

com a poeira e os galhos. Mesmo sendo


goiana, acostumou-se com o furor das
tempestades que chegam sem aviso no

Empresas ensinam como investir em obras de arte

05h00
norte do Paraná. Foi o barulho que a fez
dar um salto da cadeira e correr para a
MST e MTST reduzem atuação
05h02

varandinha improvisada de sua casa. Ela
bem que estranhou as árvores A ocupação Nova Palestina, na periferia de
Ver todas as notícias
balançando com tanta força num dia de São Paulo, que já chegou a ter quase 10 mil
sol rachado, daqueles que faz até pessoas pessoas, hoje conta com apenas 111
como ela, habituada com os dias quentes famílias instaladas de forma permanente

do cerrado, caçar sombra. Não demorou para perceber que não era chuva À mesa com o Valor
nem nada que levantava aquele muro de poeira, galhos e folhas. "Olhei para o Entrevistas
céu e vi o bichão em cima da gente, com os homens do lado de fora, olhando
para cá para baixo", conta ela. "Vi logo que era a polícia." D. WALMOR
OLIVEIRA DE
Rosemeire esqueceu de tudo, até das roupas limpas que tinha pendurado no AZEVEDO
varal naquela manhã. Correu para a casa de madeira pintada de azul piscina "O Estado não é
que construiu com o marido e se trancou no quarto. Ficou lá, esperando o uma igreja", diz
som do helicóptero sumir de vez. Não descansou até que o marido voltasse do dom Walmor,
presidente da
trabalho, já quase no fim do dia, trazendo notícias de que não havia sinal de CNBB
policial ali por perto. "A gente sabe que desde as eleições o risco de a gente
07/06/2019 às 05h00
perder tudo, de virem aqui e tirarem todo mundo cresceu", diz ela, que há
quatro anos mora no acampamento Herdeiros da Luta, em uma das várias PAULO CHAPCHAP
áreas ocupadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra no entorno da Fortalecimento
cidade de Porecatu, no norte do Paraná, na divisa com São Paulo. da saúde básica
pode diminuir
A visita da polícia não era o prenúncio de uma desocupação, como Rosemeire gargalos, diz
e as mais de cem famílias que vivem na ocupação temem desde que a ex- Paulo Chapchap,
do Sírio-Libanês
presidente Dilma Rousseff (PT) sofreu o impeachment, em 2016. Mas fez a
tensão e o medo de que o acampamento será alvo de uma ação do governo 
31/05/2019 às 05h00
federal crescer ainda mais. "A gente sabe que as coisas mudaram, que estão
mais perigosas", diz ela, uma ex-faxineira que decidiu acompanhar o marido LUIZ CARLOS
no que ela chama de "aventura de conseguir um pedaço de terra" há quase MENDONÇA DE
BARROS
cinco anos. "A gente dorme com medo. Não temos mais garantia de nada."
Para o ex-
Desde que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) venceu as eleições para o ministro Luiz
Planalto, as coisas têm sido assim não só no Herdeiros da Luta como em Carlos
quase todos os acampamentos mantidos pelo MST, as ocupações controladas Mendonça de
Barros, o
pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, a versão urbana dos Sem- pêndulo
Terra, ou em áreas irregulares sob a gestão de movimentos sociais que lutam político vai se
por terra ou moradia. Com sinalizações de que pretende criminalizar reequilibrar no
movimentos sociais, o presidente conseguiu de certa forma acuar esses centro
grupos. Todos optaram por reduzir ao máximo sua exposição e adotar a 24/05/2019 às 05h01
cautela para entender até que ponto o discurso vai se concretizar na prática.
TABATA AMARAL
Tanto o MST quanto o MTST, movimentos sociais que conseguiram "Sou ativista
nacionalizar suas atuações de forma mais efetiva, optaram por reduzir de pela educação,
forma considerável suas atuações. Ambos temem criar condições que possam não ativista
incentivar o conflito tanto com o governo quanto com agentes não estatais
política", diz
que veem os movimentos como inimigos. O MTST, por exemplo, decidiu
fazer ocupações de terrenos ou imóveis apenas em Estados governados por deputada
federal Tabata
aliados ideológicos. No início de ano, concentrou suas ações no Nordeste. Em
São Paulo, berço do movimento e onde tem a maior parte dos seus Amaral 
17/05/2019 às 05h00
integrantes, não realizou nenhuma ação concreta e reduziu de forma
considerável sua exposição. DAVID VÉLEZ

O MST optou por nem atuar em regiões onde os governadores integram Daqui a 10 ou
partidos que são aliados do movimento, como PT e PCdoB. Pela primeira vez 15 anos cartão
de crédito não
em anos, o MST não realizou grande ação para marcar o mês que considera o vai mais existir,
mais simbólico em sua militância. Neste ano, o Abril Vermelho ficou diz David Vélez,
concentrado em ações em defesa da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio do Nubank
Lula da Silva (PT). Desde as eleições, em outubro, o MST não realizou 10/05/2019 às 05h01
nenhuma ocupação de terra efetiva no país, apenas atos simbólicos, como a
ocupação temporária de uma fazenda do líder espiritual João de Deus,
acusado de estupros.

E este é um ano de simbolismo para o maior movimento de trabalhadores


rurais da América Latina. Em janeiro o MST comemorou 35 anos de criação.
Lançamentos
Livros, músicas e séries
Para celebrar, optou por eventos internos. O maior deles ocorreu a portas
fechadas, com pouco destaque, em sua sede de formação, a escola Florestan
Divulgação TV
Fernandes. "Não mudamos a nossa tática, fizemos algumas ocupações,
apenas estamos sendo mais cuidadosos", diz o principal líder do MST, João
Phoebe Waller-
Bridge retorna
Pedro Stédile. Ele afirma que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra mais dramática
não busca publicidade para suas ações. "Fizemos uma grande celebração dos em "Fleabag"
35 anos em todos os Estados", diz. AA+

Apesar da retórica, o MST não esconde Divulgação TV


que optou por atuar de forma menos "Good Omens"
ostensiva neste ano. João Paulo (1ª temporada)
Rodrigues, um dos principais integrantes BB+
da Coordenação Nacional do Movimento,
conta que os dirigentes iniciaram o ano Livros
preocupados com o efeito que a retórica "Meus Começos
do governo, que já chamou as ações dos e Meu Fim" traz
sem-terra de atos terroristas, poderia ter memórias e
sobre grandes agricultores, historicamente contrários ao movimento. relatos de
"Ficamos preocupados, são vidas humanas que estão em jogo, preferimos doença de
adotar uma estratégia de maior cautela, o movimento precisa de
Nirlando Beirão
AA+
temperança", diz ele.
Livros
O MST não registrou ataque por parte do governo ou de grupos ligados à
agricultura industrial. "Estávamos assustados no começo do governo porque "Avenida
não sabíamos o que poderia ocorrer, como o discurso iria causar impacto, por
Paulista, 22"
BBB
isso pedimos a todos que mantivessem o perfil baixo, sem chamar atenção."

No MTST a decisão foi a mesma. "Estávamos preocupados com o discurso de Livros


ódio que emergiu na campanha", diz Guilherme Boulos, o principal líder do Previsão de
Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto. No ano passado, ele concorreu à morte inspora
Presidência pelo PSol e obteve, no primeiro turno, 0,58% dos votos válidos; Nélida Piñon em
Bolsonaro, por sua vez, teve 46,03%. "Aumentamos nosso esquema de
"Uma Furtiva
segurança e procuramos mudar nosso eixo de crescimento para o Nordeste",
Lágrima"
AA+
diz.
Legenda AAA Excepcional BBB Acima da média
Em São Paulo, o MTST participou de manifestações coletivas, como a da CCC Baixa qualidade AA+ Alta Qualidade
defesa da educação, em maio, mas optou por não fazer nova ocupação. BB+ Moderado C Alto Risco

Boulos diz que o movimento tem focalizado seus esforços em criar núcleos
contra as ações de despejo que vem sofrendo em São Paulo. Assim como o
MST, os sem-teto não viram seus medos se materializarem. As ocupações do
grupo não foram atacadas e nem uma onda de despejos ocorreu.
"Percebemos um aumento da truculência policial contra os moradores, mais
hostilidade, mas não fomos vítimas de nenhum ataque concreto", diz Boulos.

Entre os ruralistas, a decisão de o MST ter optado por iniciar o governo de


maneira mais cautelosa foi vista como sinal de inteligência. "Não é o
momento para o confronto, a cautela do movimento é algo sensato", diz o
presidente da bancada ruralista do Congresso, o deputado Alceu Moreira
(MDB-RS). "Não podemos resolver o problema da terra com sectarismo, com
o discurso de uns contra os outros, o momento é de criar pontes e nosso
papel no Parlamento é esse." Moreira afirma que sua bancada não pretende
apresentar projeto de lei criminalizando os sem-terra ou os movimentos
sociais. "Entendemos que qualquer crime cometido pelo MST já está previsto
em lei, não há necessidade de criar novas", diz ele, garantindo ser essa a
posição da bancada que preside.

O secretário para Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, que no início do


governo classificava o MST como terrorista, optou por abaixar o tom. Garcia,
que também preside a União Democrática Ruralista (UDR), assumiu o
comando da reforma agrária no país defendendo que o Executivo atuasse no
Congresso para transformar as ações dos sem-terra em atos terroristas.
Passados mais de cinco meses do governo, ele agora diz acreditar que uma
nova legislação não é mais necessária.

"Alguns senadores têm projetos de lei nesse sentido, mas o Executivo não
fará propostas de nova legislação. É necessário apenas que se apliquem as
leis que já existem para punir as ações dessas organizações criminosas", diz
ele.

Ao longo dos últimos meses Garcia parece ter entendido que a melhor
maneira de combater não só o inimigo histórico de sua UDR, mas assim
como todas organizações sociais, é impedir que o Estado atenda às demandas
desses movimentos e os sufoque financeiramente. "Acabou o dinheiro que
sustentou essa gente, acabou a indústria do acampamento que o PT e FHC
tanto alimentaram", diz ele. "Queremos fazer a reforma agrária, mas de
forma correta, na lei, do jeito que era não dá, o Incra [Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária] está quebrado."

Garcia diz que, no primeiro ano do governo, a estratégia é mapear os


assentados e os assentamentos para identificar onde há fraudes e
irregularidades. Só depois disso será possível retomar os programas de
distribuição de terras. "São mais de 30 anos de desmandos, precisamos
arrumar a casa", diz ele. Segundo Nabhan Garcia, não há previsão do número
de famílias que poderão ser assentadas neste ano.

No outro lado da Esplanada, o Ministério do Desenvolvimento Regional não


é tão enfático quando Garcia, mas já deixou claro que há poucos recursos
para o Minha Casa, Minha Vida, programa habitacional que atende às
demandas dos movimentos de luta por moradia urbana há uma década. A
oferta de moradias na Faixa 1, em que os imóveis são largamente subsidiados
pelo governo e atendem em grande medida aos integrantes de movimentos
como o MTST, caíram de forma abrupta desde o início da crise política que
desembocou no impeachment de Dilma.

Em 2015, por exemplo, houve uma redução de 92% nas contratações desse
tipo de imóvel, reduzindo a oferta a patamares ínfimos. Desde então, as
contratações na Faixa 1 se mantêm perto do zero e para este ano o
contingenciamento promete ser ainda maior. Agora, o governo pretende
transformar os subsídios para a compra dos imóveis nessa faixa, que abriga
famílias com renda até R$ 1,8 mil, em aluguéis sociais.

Os barracos de lona enfileirados como se


fossem casas dispostas em uma avenida
imaginária dão a impressão de que a
ocupação Nova Palestina, na periferia de
São Paulo, guarda o clima dos dias
agitados de 2013. Em novembro daquele
ano quase 10 mil pessoas ocuparam uma
área de 1 milhão de m2 às margens do
Entrada da escola do Herdeiros da Luta: ao
parque estadual Guarapiranga, no
menos 200 mil crianças estudam em
extremo sul da capital paulista.
unidades escolares instaladas em
Organizada pelo MTST, a Nova Palestina acampamentos ou assentamentos
se transformou na maior ocupação controlados pelo MST
urbana do país. Seus moradores, logo
levantaram barracos, abriram ruas, criaram vasta rede elétrica e prometiam
só sair dali depois de terem conquistado o direito de viver em uma moradia
digna. Nas assembleias diárias no centro da ocupação, havia esperança,
organização e determinação.

Passados cinco anos, os barracos, as ruas e a rede elétrica improvisada


continuam. Mas a maior parte das pessoas se foi. As ruelas de barro estão
vazias e, volta e meia, é possível encontrar algum morador chegando ou
saindo. As crianças são raras e há um silêncio quase rural nesta que deveria
ser uma ocupação-modelo do MTST. "Muita gente não aguentou, né? Não é
fácil viver aqui", diz Ritinha Bispo dos Santos - assim mesmo, no diminutivo
-, cobradora de ônibus aposentada que chegou à Nova Palestina nos
primeiros dias de ocupação. "Você não sabe o que é dormir aqui quando bate
a ventania e a chuva, tudo treme, é um barulho que não deixa a gente
dormir", diz ela.

Ritinha já foi embora uma vez. Não aguentou os bichos que apareciam em
seu barraco e as dificuldades de viver de maneira improvisada. Tomou a
decisão de sair quando alguém jogou uma pedra contra sua janela em uma
noite de 2015. "Fiquei com medo, decidi que não era mais para mim e fui
embora morar de aluguel de novo." Dois anos depois, voltou. Dessa vez,
decidiu investir as economias para transformar seu pequeno barraco no que
fosse o mais parecido com uma casa. Montou um jardim, pintou as paredes
de azul e fez um piso de cimento para não precisar mais morar sob a terra
batida.

Desde que Bolsonaro ganhou as eleições, perdeu as esperanças de que terá


uma casa sua. "Cansei de novo, não é fácil morar aqui, mas já botei muito
dinheiro no meu barraquinho, só vou embora tirada daqui", diz ela, com o
sotaque baiano ainda forte mesmo após quase 50 anos em São Paulo.

Hoje apenas 111 famílias vivem na Nova Palestina, parte considerável delas
formadas por apenas uma pessoa, como Ritinha. Das quase 10 mil pessoas
que foram para lá em 2013 em busca de uma casa, apenas 2 mil seguem
ligadas de uma forma à ocupação. Sem perspectivas de que conseguirão sair
do aluguel, muitos desistem de morar em condições inadequadas e ainda
precisar dedicar tempo e energia para o MTST. "Não é fácil, há muitas
tarefas, obrigações, muita demanda. Conheço gente que perdeu o emprego
por ter que faltar no trabalho para participar dos protestos", afirma Ritinha.
"O temor de despejo ou da violência não impacta tanto, as pessoas estão
empoderadas pela luta", diz Jussara Basso, coordenadora do MTST na Nova
Palestina. "O que impacta mesmo é a falta de perspectiva, é isso que faz as
pessoas desistirem", diz ela.

A conjunção de falta de perspectiva e de uma escassez crescente de recursos


tem cobrado preço alto dos movimentos sociais. Após quase década e meia de
relação amistosa com os governos do PT, os últimos anos têm sido de
dificuldades crescentes tanto no campo como na cidade. "Em um primeiro
momento houve desarticulação natural por conta das políticas públicas
criadas pelo próprio PT, como o Bolsa Família, que reduziram a demanda das
camadas mais populares", diz Anthony Pahnke, professor da Universidade de
San Francisco, nos EUA. Autor do livro "Brazil's Long Revolution: Radical
Achievements of Landless Workers Movement", o pesquisador diz acreditar
que a repentina ausência dessas mesmas políticas públicas também causou
impacto de forma importante nos movimentos sociais. "No Brasil, esses
movimentos procuram trabalhar por dentro do Estado, pressionando por
ações públicas, ao contrário de muitos grupos que atuaram na América
Latina nas últimas décadas que buscavam alternativas ao Estado
estabelecido", diz.

O resultado direto nos dois casos foi uma redução da capacidade de


mobilização dos movimentos sociais. "O Bolsa Família e o pleno emprego
claramente tiveram impacto nos movimentos e, quando a situação econômica
começa a se deteriorar, o endurecimento dos governos que chegam ao poder
cria novo impacto negativo", diz o sociólogo Ivaldo Gehlen, professor do
programa de pós-graduação em desenvolvimento rural da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Gehlen estuda o MST desde o seu início, na
década de 80, e diz acreditar que houve uma espécie de acomodação do
movimento nos anos do PT no governo. "É claro que houve enfraquecimento
político, mas esses momentos também são bons. O movimento terá que se
reinventar para sobreviver, adequar sua pauta à essa nova realidade", diz.

Tanto o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra quanto o Movimento dos


Trabalhadores Sem-Teto guardam seus números de forma estratégica e, não
raro, os inflam ou os omitem, a depender da ocasião. Oficialmente os sem-
terra dizem não saber sua dimensão. "É impossível medir. Somos um
movimento popular de massas, sem o critério de filiação", diz Stédile. "Há no
país entre 80 e 100 mil famílias acampadas, nem todas com o MST. Há
outros movimentos também", diz. "Mas a paralisação da reforma agrária
desde 2016 traz impactos à base, não há como negar. Desde 2015 estimamos
que cerca de 20% das famílias que estavam acampadas desistiram e
procuraram outras formas de sobrevivência."
Apesar da pouca transparência - não há informações sobre as fontes de
financiamento dos movimentos e qual o seu volume -, o MST conseguiu se
transformar em uma organização de grande capilaridade em todo o país e
dono de indicadores superlativos. As estimativas do próprio MST são de que
o movimento tenha ao menos 400 mil famílias de agricultores assentados
que conquistaram suas terras por meio do MST.

Juntos, produzem 40 mil toneladas de


arroz convencional, outras 35 mil
toneladas de arroz orgânico e mais de 3
milhões de litros de leite e outros 3
milhões de suco de uva. A estimativa é de
que agricultores ligados ao movimento
cultivem mais de 10 milhões de hectares
em todo o país. Hoje o MST conta com
Moradora do acampamento Fidel Castro mais de cem cooperativas e quase outras
cozinha com produtos orgânicos cultivados cem agroindústrias.
em terras que até há poucos anos apenas
produziam cana-de-açúcar Esses dados, no entanto, são relativos às
conquistas passadas do MST. Os assentados, diferentemente dos acampados,
já conquistaram legalmente seus lotes de terra e não correm risco de
expulsão, como ocorre com os moradores do acampamento Herdeiros da
Luta, em Porecatu.

O Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos da Reforma Agrária da


Universidade Estadual Paulista (Nera/Unesp) tenta traduzir em números as
estimativas que dominam o debate em torno dos movimentos sociais, em
especial, aqueles ligados ao mundo rural. Os estudos dos pesquisadores
liderados por Eduardo Girardi mostram que, apesar da discrepância de
números, a tendência na última década tem sido de redução contínua na
capacidade de mobilização dos movimentos. No levantamento divulgado
nesta semana, o Banco de Dados da Luta Pela Terra (Dataluta) mostra quão
distintos são os cenários dos últimos dez anos. Em 2007, foram registradas
533 ocupações de terra em todo o país, com quase 70 mil famílias
acampadas. Em 2017, ano em que estão registrados os últimos dados, houve
181 ocupações. O número de acampados ficou abaixo das 21 mil famílias -
números gritantemente inferiores aos divulgados pelo MST.

A curva histórica dos dados, no entanto, é paradoxal. O auge das ocupações


dos acampados ocorreu entre 1998 e 1999, quando o país enfrentava uma
crise econômica no fim do governo Fernando Henrique. Naquele ano, o Nera
registrou mais de 110 mil famílias acampadas no país dispostas a pressionar
o governo por um pedaço de terra. O ponto baixo da curva ocorre pouco mais
de uma década depois, em 2010, no fim do segundo mandato do governo
Lula, quando o PIB do país crescia a uma taxa de 7,5%. Naquele ano eleitoral,
apenas 17 mil famílias seguiam nos acampamentos.

Desde então, houve pequenas oscilações nos números, apesar de grandes


mudanças nas realidades política e econômica. Foi nesse período que o país
enfrentou sua maior recessão da história, no governo Dilma, com aumento
brutal do desemprego e uma crise política. "Ainda não sabemos explicar por
que isso aconteceu", diz Girardi, o coordenador do estudo do Nera. "É fácil
entender por que houve redução tão grande no segundo mandato do ex-
presidente Lula. Havia fartura de benefícios sociais, o emprego era pleno e
havia expectativa de vida muito melhor trabalhando como assalariado do que
vivendo em um acampamento", diz. "Por outro lado, a realidade política e
econômica dos últimos anos nos faria crer que haveria retomada da luta pela
terra, mas isso não aconteceu."

Os pesquisadores da Unesp, porém, têm algumas hipóteses. Entre elas está a


desarticulação política de movimentos como os sem-terra após quase década
e meia de relações tranquilas com o Estado. "Foram anos de vinculação com
o Estado, Lula foi bem-sucedido em trazer os movimentos para dentro do
governo, em conseguir canalizar as insatisfações históricas", diz a professora
da USP Angela Alfonso, que até o mês passado presidia o Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento, o Cebrap. "Essa vinculação gera um efeito de
imobilização e amortização nos movimentos, já não há mais confronto real,
as divergências passam a ser cênicas", diz.

Girardi, porém, diz acreditar que as relações íntimas com o Estado não
servem para explicar o que ocorre nos últimos anos. Não, ao menos, de forma
isolada. Para ele, a guinada à direita dos últimos cinco anos, toda a
polarização política e o discurso de criminalização dos movimentos sociais
que veio a culminar com a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência
também podem ter papel importante nesses números. "A retomada da
mobilização nunca é tão rápida, mas é importante colocar nessa equação a
violência no campo, que foi crescente nesses últimos anos", diz.

Havia décadas que o campo não registrava tanta violência quanto nos últimos
anos. Levantamento do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino,
ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostra que o número de
assassinatos de lideranças rurais registrou picos históricos entre 2015 e 2017,
quando 182 pessoas foram assassinadas em situações envolvendo disputadas
por terra, uma média de 60 mortes ao ano. Entre 2012 e 2015 a média ficou
pouco acima de 30 homicídios. "Vimos uma redução significativa em 2018,
mas acreditamos que o ano eleitoral teve papel importante nisso", diz o padre
Paulo César Moreira, integrante da Coordenação Nacional da Comissão
Pastoral da Terra.

Ao todo, foram registrados 28 assassinatos, o menor número de mortes


desde 2009. No entanto, o volume do que a CPT classifica como conflitos no
campo registrou o maior número da década. "Houve acirramento profundo e
neste ano já vemos uma crescente pressão sobre as terras indígenas. Estamos
muito preocupados sobre o que vai acontecer no campo, em especial com o
decreto da liberação das armas", diz. Entre janeiro e abril a CPT já registrou
dez mortes no campo.

Para quem acompanha os movimentos


sociais de perto, a estratégia de alterar os
modos de atuação parece ser uma medida
acertada. O confronto, ao menos agora,
tende a ser negativo para os movimentos
sociais. "O MST é uma organização muito
sofisticada, com anos de experiência na
luta política, eles sabem quando é o
momento de enfrentamento e o momento Acampamentos do MST mantêm a tradição
de recuo", diz o pesquisador americano de homenagear líderes históricos da
Miguel Carter, que acompanha o esquerda; Chávez e Lenin decoram o
acampamento Herdeiros da Luta
Movimento dos Trabalhadores Sem-
Terra há quase duas décadas. "É uma equação simples. Quando não há
expectativa de ter terra, as pessoas não acampam, por isso o MST vai
provavelmente buscar outras formas de se fortalecer neste momento,
apostando na produção", diz ele, autor do livro "Combatendo a Desigualdade
Social: O MST e a Reforma Agrária no Brasil". "O caminho do movimento
agora é investir em uma pauta focalizada na produção orgânica, reforçar a
capacidade de seus integrantes que já estão assentados", observa o professor
da UFRGS Ivaldo Gehlen.

Apesar do clima, tanto o MTST quanto o MST afirmam que não vão cessar as
ocupações de terra ou de imóveis urbanos. Boulos diz que o Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto continuará pressionando o governo por moradia
digna. João Paulo Rodrigues, do MST, garante que neste mês novas
ocupações de terra serão feitas pelo movimento em todo o país. "Vamos
focalizar em áreas improdutivas de políticos corruptos", diz.

Distante das discussões políticas, o agricultor João Paulo Zancheta, de 40


anos, diz estar disposto a enfrentar quem quer que seja para, enfim,
conseguir ter um pedaço de terra para cultivar. Há quatro anos ele se mudou
com a mãe, a mulher e três filhas para o acampamento Fidel Castro, em
Porecatu, no norte do Paraná. Pela primeira vez passou a plantar em uma
terra que, diz acreditar, será sua em algum momento. "Já estamos aqui esse
tempo todo, construímos nossa casinha e estamos trabalhando. Aqui é nosso
lugar", diz ele, que decidiu pregar na parede de fora da casa uma foice e um
facão, ao lado da bandeira do MST. "Já deixo aí para mostrar quais são as
nossas armas que estamos dispostos a lutar."

Zancheta, como todos nos acampamentos, passou a ser mais cuidadoso. Já


não anda na cidade com o boné do MST e raramente sai do acampamento
sozinho. "Esses dias tinha um drone voando por aqui, a gente sabe que eles
querem tirar a gente, mas não vamos sair", diz.

Em Porecatu, Zancheta e as centenas de famílias acampadas nas terras que


pertecem à Usina Central do Paraná são vistos como os responsáveis pelo
desemprego causado pelo encerramento da indústria sucro-alcooleira. A
companhia enfrentava dificuldades financeiras desde o início da década e
teve parte dos seus 25 mil hectares invadidos pelos sem-terra a partir de
2008. "A empresa diz que, se a gente conseguir tirar eles daqui, ela volta a
produzir e a gerar emprego. Já fizemos vários pedidos de reintegração de
posse, mas não conseguimos", diz o prefeito da cidade, Fábio Luiz Andrade
(DEM). "O povo quer trabalhar e votou no Bolsonaro esperando que ele
tirasse esse pessoal, mas até agora, nada aconteceu", diz. "A situação não é
boa."

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