Eliana Gavioli
AOS PEQUENOS
PERSONAGENS DE SONHO
A MINHA REALIDADE
ELIANA GAVIOLI
Era uma vez um planeta. Nesse planeta havia um país. Nesse país havia uma cidade.
Nessa cidade havia uma rua. Nessa rua havia uma casa. Nessa casa havia um quarto e é
nesse quarto que começa a nossa estória.
Acontece que esse quarto era muito sozinho e não podia entender como, numa casa
tão bonita e tão bem cuidadinha como aquela podia haver um quarto tão esquecido como ele.
Conseguia perceber na casa um movimento, uma coisa boa, da qual gostaria de fazer parte,
mas não sabia como, não dependia dele.
Havia naquele quarto um bom armário. Tinha quatro portas, gavetas, prateleiras,
cabideiros, enfim, tudo o que um bom armário deve ter. Mas para que? Estava absolutamente
vazio e neste caso totalmente inútil. Para que um armário então?
Havia naquele quarto uma boa janela. Era ampla, bem protegida da chuva e permitia,
durante algumas horas do dia, a entrada do sol benfazejo. Através daquela janela se
descortinava uma paisagem bem urbana e, no entanto, muito agradável. Nela, disputavam o
campo de pouso da aeronáutica, com um discreto movimento de pequenas aeronaves; o
quartel com suas belas palmeiras; a biblioteca municipal, instalada num castelo em miniatura;
a vila ferroviária do início do seculo, toda construída em tijolinhos à vista; e uma grande
variedade de sobrados de tamanhos, cores e formas variadas. Mas para quê? Nunca
ninguém se debruçava naquela janela para contemplar o quer que fosse. Para que uma
janela então? Havia naquele quarto quatro paredes. Eram construídas com bons tijolos
duplos, daqueles antigos. Havia sido dado um acabamento com massa corrida e aplicada
uma tinta clara, cor de pétala de rosa. Mas para quê? Nunca ninguém instalou prateleiras que
pudessem ser entulhadas de objetos, ou pendurou quadros que pudessem fazer viajar a um
observador qualquer. Para que paredes então?
Havia naquele quarto um teto. Sem rachaduras, sem goteiras, um bom teto para se
estar em baixo. Mas para quê? Nunca ninguém se esqueceu da vida, perdido, olhando para
aquele teto, pois nunca havia ninguém ali. Para que um teto então?
Havia naquele quarto um piso. Um belo piso de ardósia verde, rústica, com desenhos
em relevo. Não era daqueles pisos lisos, sem graça. Não. Era um piso em que se pode ficar
um tempão observando as formas e descobrindo figuras de tudo quanto há. Estava sempre
muito limpo e brilhoso. Mas para quê? Nunca ninguém colocou ali uma cama que fosse, uma
cômoda, um criado mudo. Para que um piso então?
Uma vez por semana entrava ali uma mulher que, muito rapidamente, fazia uma
faxina. Aquele quarto nem sujar sujava. Era bom, dava uma arejada. A porta ficava aberta por
um pouco e a mulher por calada que fosse, sempre era alguma companhia.
Incomparavelmente melhor que nada. Nessas ocasiões, ele também aproveitava para bater
um papinho com o outro quarto lá do fundo do corredor. Nesses rápidos encontros é que o
nosso quartinho percebia o quanto era injusta a sua condição.
O QUARTÃO
O quarto maior, o que ficava na frente da casa, tinha tudo o que um quarto deseja
para ser feliz. Uma cama de casal, uma poltrona confortável, um armário (semelhante ao do
quarto menor, só que entulhado de roupas e objetos pessoais), uma sapateira, prateleiras
presas à parede (com alguns livros e fitas de vídeo) e suporte para televisão e vídeo cassete.
O que dava ao quarto um ar muito aconchegante era a estampa floral que aparecia nas
cortinas, na colcha da cama e no revestimento da poltrona, uma poltrona daquelas meio
fofas, que só de olhar dá vontade de afundar-se e esquecer-se do mundo. O toque final era
dado por dois bonitos quadros, na verdade gravuras de Mucha e um abajur de cada lado da
cama. Pegado ao quarto havia um banheiro muito espaçoso, que dava ao quarto o status de
suíte. Mas muito mais importante do que todo o resto é um detalhe ainda não mencionado:
pessoas moravam nele.
O quarto da frente não podia saber o que era tédio. Jogava conversa fora o dia inteiro
com o banheiro, que tinha a sua porta aberta constantemente. Quando não estava a fim de
papo, ficava olhando o movimento da rua. À noite tinha a companhia dos seus moradores,
que segundo o nosso quartinho, pelo pouco que conhecia, considerava como pessoas muito
O QUINTAL
O verão estava chegando. O Quartinho estava com a porta fechada e, portanto, não
podia ficar conversando com o Quartão. Pensava em como o Pai do Céu tinha feito tudo tão
certinho. Quando estava todo mundo que não agüentava mais de calor, vinha aquele friozinho
gostoso. Quando estava todo mundo que não agüentava mais de frio, vinha aquele calor
delicioso. E foi justamente num dia desses que aconteceu uma coisa marcante na vida do
nosso amiguinho. Os dias já vinham sendo bem quentes, mas à noite ainda fazia um friozinho
chamando para dormir. Estava entardecendo. O quartinho olhava para o quintal lá fora. Era
um belo quintal. Não muito grande, não muito pequeno. Era grande o suficiente para ter um
gramado bem verde, uma árvore frondosa, uma área (toda revestida em ardósia onde eram
colocadas mesas e cadeiras para um almoço ao ar livre) e ao fundo uma edícula. Esta era
composta pelo salão de festas no andar térreo e por um quarto e banheiro no andar superior,
onde morava a mãe do Kim, uma senhora com um nome difícil, que ele nunca conseguia
lembrar. Apesar de morar ali desde que ficara viúva, nunca era vista. Tinha também uma
churrasqueira que, aliás, raramente era usada, pois Kim e Lili não comiam carne vermelha e
raramente carne branca. No entanto, era pequeno o bastante para ser bem cuidado.
Realmente estava impecável. A grama bem aparadinha, tudo muito limpo e arrumado. De
repente o Quartinho se viu com dó do quintal. Percebeu que aquele quintal era tão ou mais
solitário que ele mesmo. Acontece que a casa era cercada por muros muito altos, dos dois
lados, de forma que o pobre não podia conversar com os quintais vizinhos. Foi nesse
momento que algo mágico aconteceu.
O SONHO DA LILI
----Já que você falou em sonho, eu me lembrei de uma coisa que a Lili falou certo dia.
Ela disse que esta casa era a fotografia dos seus sonhos. Durante a vida toda, ela foi
recolhendo elementos para o seu sonho. Um dia foi com seus pais visitar uns amigos.
Quando entrou na casa, reparou que as janelas eram de vitrais. Ela achou aquilo a coisa mais
linda! Conforme foi passando o dia, a intensidade da luz foi se alterando, as cores também.
Uma janela com uma determinada combinação de cores se mostrava totalmente diferente de
outra janela com a mesma combinação, só pelo fato de se encontrarem em posições
diferentes em relação à luz do sol. Ficou fascinada e pensou consigo mesma: um dia eu
ainda vou ter uma casa com vitrais.
----Que interessante! Esta casa também tem vitrais.
----Deixe-me continuar. Um dia o Kim e a Lili foram viajar lá para Rio das Ostras, no
litoral do Rio de Janeiro. Um casal amigo havia se mudado para lá, e como a região é muito
bonita, resolveram passar ali alguns dias hospedados num hotel. Quando chegaram na casa
dos amigos, a Lili logo notou a beleza do contraste das pedras de ardósia com as paredes de
tijolinho à vista. Lili não conseguia tirar os olhos do chão. Imagine, o Kim até deu uma
cotovelada nela. Ficou fascinada e pensou consigo mesma: um dia eu ainda vou ter uma
casa de ardósia, tijolinho à vista e vitrais.
----Que interessante! Esta casa também é toda de ardósia e tem algumas paredes de
tijolinho à vista.
----Posso continuar? Pois é, um dos grandes sonhos do Kim era comprar uma casa.
Os seus pais infelizmente nunca puderam comprar uma, de forma que estavam sempre
mudando, de aluguel em aluguel. Kim sentia que devia ser bom não mudar tanto. Saber que o
chão onde pisava era propriedade sua, devia trazer segurança. Saber que fosse o que fosse,
aquele pedaço de chão lhe pertencia e ninguém poderia tirá-lo dele. Por menor que fosse,
nada mais justo a um homem possuir o seu pedacinho de chão, onde pudesse ter uma casa,
modesta que fosse, mas sua, construir uma família, criar raízes. Por isso, apesar de contar
com poucos recursos, antes de casar, Kim e Lili, vira e mexe estavam xeretando um imóvel
qualquer, em alguma imobiliária, em geral muito além de suas posses. Era só algum deles ver
uma casa interessante, que lá iam os dois com a maior cara-de-pau procurar o corretor para
uma visita descompromissada. Foi numa dessas visitas que a Lili conheceu uma casa de que
gostou muito. Era em estilo colonial. Tinha floreiras nas janelas e estavam todas floridas!
Tinha o mesmo azulejo na cozinha, nos banheiros e na área de serviço. Todos os armários
eram confeccionados na mesma madeira: cerejeira. As portas também. A casa era pintada
toda de uma só cor: cor de pétala de rosa. Era de uma uniformidade muito agradável. Ficou
fascinada e pensou consigo mesma: um dia eu ainda vou ter uma casa em estilo colonial,
com floreiras nas janelas, um só azulejo, uma só madeira, toda pintada de cor de pétala de
rosa, toda em ardósia, tijolinhos à vista e vitrais.
----Que interessante! Esta casa é em estilo colonial, tem floreiras nas janelas, com um
só azulejo, uma só madeira e toda pintada de cor de pétala de rosa.
----Quartinho! Você precisa mesmo ficar me interrompendo todo o tempo? Ô, trem...
Isso chega a irritar! Onde é mesmo que eu parei? Ah, já sei. Quando a Lili era pequena foi
brincar na casa de uma amiga da rua de cima. Ela nunca tinha entrado na casa daquela
AS DUAS NOTÍCIAS
----Quartinho! Eu tenho duas notícias para te dar.
----Nossa Quartão! Você está com um ar tão solene. O que foi?
----É que são duas notícias que vão com certeza influenciar toda a nossa existência.
----Você está conseguindo me deixar curioso. Fale logo.
----Vamos à primeira. Esta é mais amena. O Kim e a Lili vão viajar.
----Para sempre? - perguntou o Quartinho.
----Não tolinho. Só por um mês. É férias. Só que sem eles aqui, deve ficar tudo
fechado, num isolamento total. Só espero não embolorar.
----Ah... Isso não é nada. Eu já estou acostumado. Vai ser sopa. E a outra notícia,
Quartão? Manda que eu traço.
----Eu estou até sem jeito de te contar, Quartinho.
----Não pode ser tão ruim assim. Vamos, coragem.
----Coragem vai ter que ter você de agora em diante. Para mim foi uma grande
decepção.
----Quartão, agora você está conseguindo me assustar. Fale logo, quarto!
CONFIDÊNCIAS DA LILI
Passados uns dias, Lili entrou correndo no Quartão, fechou a porta e se jogou na
cama aos prantos. Chorou, chorou, chorou até não poder mais. O Quartão não se agüentava
de vontade de consolá-la, mas não podia, não havia o que fazer. Por que será que ela
chorava assim daquele jeito? Justo ela que era uma pessoa tão alegre.
Depois de um tempo, Lili se levantou, foi até o banheiro e lavou o rosto. É bom lavar o
rosto quando se está chorando, ajuda a parar. Chorar pode ser saudável de vez em quando,
mas não sempre e não muito. Lili pegou o telefone e discou para alguém.
----Aninha? Tudo bem? Estava... Estou me sentindo muito infeliz. Precisava tanto falar
com alguém. Pensei em você. Eu sei, eu sei... Afinal você é a minha melhor amiga. Espera
um pouco. Vou pegar um lenço.
Lili foi até o banheiro pegou um pedaço de papel higiênico, deu uma rápida olhada no
espelho e voltou para o telefone.
----Ana, não tem ninguém no mundo que fique tão feia como eu quando chora. Até eu
me assusto quando passo pelo espelho. Acho que é por isso que eu não choro muito
freqüentemente. Hoje a Cecila levou a filhinha dela lá no serviço. Está com dois meses. É
uma boneca. Estava toda de cor de rosa. Gente: como é que em um rostinho tão minúsculo
A AUSÊNCIA
Aquele foi o mês mais comprido na existência dos dois amigos, mas muito mais para
o Quartão. Acostumado à tantas mordomias, não sabia mais o que fazer. O tempo não
passava. Aquele silêncio pesava sobre toda a casa. Parece que o mundo todo havia parado.
Algumas noites, quando o silêncio era maior, podia escutar ao longe o som da televisão
daquela senhora que nunca ninguém lembrava o nome. E era só. Ficava imaginando o que o
seu pobre amigo tinha passado durante tantos meses de isolamento e percebia o quanto
tinha sido injusto ao julgá-lo. No início do relacionamento chegara a pensar que o Quartinho
só sabia se queixar e se lamentar. Um chato! No entanto, que grande sujeito era aquele e que
saudade sentia dele. Não via a hora de reencontrá-lo.
EM MEIO ÀS DUNAS
Ficaram em Natal alguns dias, na praia de Genipabu. Não podiam deixar de fazer o
famoso passeio de buggy pelas dunas. Lili gritava muito todas as vezes que parecia que o
buggy ia virar e Kim ficava morrendo de vergonha, mas não conseguia fazê-la parar.
Chegaram a um lugar no meio das dunas, onde havia um lago de águas cristalinas, cercado
de arbustos. Eles estavam com roupa de banho e não resistiram à tentação de se refrescar
um pouco. Deram umas poucas braçadas e saíram para continuar o passeio, pois o motorista
do buggy estava aguardando.
Quando voltaram, Lili inventou de descer pela duna com uma espécie de skate de
duna que os garotos alugam por ali. Kim não teve dúvida. Ficou com a câmera prontinha para
registrar o tombo fenomenal que a Lili levou. Ela terminou de descer a duna, rindo feito uma
doida e cuspindo areia, pois havia mergulhado com tudo de cabeça.
----Lili, você parece que não tem juízo.! Onde já se viu uma coisa dessas? Qualquer
dia você se mata.
----Ah, meu querido...Foi tão divertido! Se eu não fosse, nunca iria saber como era. E
depois, não foi tão ruim assim... Vamos comigo? A gente desce junto.
----Sua doida! Não. Vamos tomar uma água de coco, antes que você se arrebente
toda...
LILI ADOECE
Recife parecia ser uma cidade muito bonita, mas os dois nem puderam conhecê-la
direito. Lili adoeceu. Deu-lhe uma desenteria daquelas. Vinham se alimentando muito mal
desde que saíram de São Paulo. É interessante notar que no Nordeste, em geral, encontra-se
uma grande variedade de verduras e legumes nos supermercados, mas nos restaurantes é
só peixe.
----Peixe no café da manhã, peixe no almoço, peixe no lanche da tarde, peixe no
jantar... Kim: eu não agüento mais. Parece que eu já estou cheirando peixe. Dá uma fuçada
no guia e vê se acha um restaurante descente, com uma grande variedade de saladas.
Kim fuçou, fuçou e acabou achando uma delícia de restaurante. Encheram a cara de
saladas e mais saladas. Fazia tempo que não comiam tão bem! Ficaram alguns dias ali só
para se recompor um pouco e tocaram viagem rumo a Maceió.
A POUSADA
Conforme indicação de alguns amigos, hospedaram-se em uma pousada muito
gostosa, propriedade de paulistas. A pousada tinha dois pavimentos, sendo que a área social
ficava no andar térreo, com restaurante, sala de jogos e sala de televisão e no andar superior
ficavam as acomodações de hóspedes, suítes com varandas, os da frente com vista
belíssima para o mar e os do fundo com vista para a piscina, uma ilha azul no meio do
gramado.
----Olha, Bem. Ardósia com tijolinho à vista. Que nem lá em casa.
----Lili, se você não dissesse exatamente isso neste exato momento, eu ia pensar que
não era você!
----Chato!
PASSEIO DE JANGADA
Logo no dia seguinte foram fazer o tão badalado passeio de jangada na principal praia
de Maceió. Esta praia tem recifes de corais, depois do quebra mar. Os turistas embarcam em
jangadas que os levam aos recifes. Aquela faixa de mar fica coalhada de jangadas. Kim e Lili
colocaram nadadeiras, máscara, snorkel, uma faca presa à perna e...tchibum. Divertiram-se
bastante, mas não era exatamente o que esperavam. A região estava muito pobre em vida
marinha e os recifes muito depredados. Mais interessante estava a jangada restaurante com
sucos deliciosos e espetinho de camarão frito alí mesmo.
A EXPECTATIVA DE KIM
Voltaram para o hotel exaustos. Tomaram um gostoso banho, almoçaram e foram tirar
uma soneca, que ninguém é de ferro.
Lili ainda dormia, quando Kim saiu. Ele nunca conseguia dormir tanto quanto ela.
Desceu as escadas. Não havia ninguém no saguão. Resolveu ir até a praia, andar um pouco.
Aquela praia era afastada do centro da cidade e estava deserta. Exatamente do jeito que Kim
apreciava. O céu havia se acinzentado, mas o mar continuava com aquele verde profundo. E
interessante: no limite entre o céu e o mar havia uma faixa azul, de um azul real, como se
alguém tivesse feito um traço usando régua e caneta de ponta porosa. Ao contemplar aquele
cenário, Kim foi invadido por uma estranha sensação. Um arrepio percorreu-lhe a espinha e
inundou todo o seu ser. Naquele momento teve consciência da magnificência da criação e
como ele como indivíduo, fazia parte de tudo aquilo. Sentiu a presença suprema do Criador.
Kim lembrou-se da sua infância e de como se sentia na véspera do seu aniversário. Sabia
que no dia seguinte ganharia um belo presente. Era exatamente assim que se sentia naquele
momento: na expectativa de que algo grande ia acontecer.
A DECISÃO
MERGULHANDO
Ficaram mais alguns dias em Maceió e aproveitaram para fazer um passeio de barco
muito conhecido em Barra de São Miguel. Mas o período de férias já estava chegando ao fim
e precisavam se apressar. Passariam apenas mais um dia em Búzios para matar as
saudades e fechar com chave de ouro essas férias que com certeza seriam inesquecíveis.
A água do mar em Búzios sempre era mais fria do que em outras regiões, talvez pelas
correntes marítimas, mas em compensação era claríssima. A areia muito branca, a ausência
de ondas e a grande profusão de vida marinha faziam destas praias as preferidas do casal.
----Olha querido, a nossa Ferradurinha! Exatamente como a deixamos na ultima vez
que estivemos aqui.
----Não é uma beleza?
----Nunca me esquecerei da primeira vez que estivemos aqui. Esse lugar vai ser
sempre muito querido. Foi aqui que eu mergulhei pela primeira vez.
----Nós mergulhamos, Lili.
----E depois disso nunca mais paramos. É o lugar mais bonito que existe.
----De qualquer forma Recife de Fora, em Porto Seguro, é um lugar muito especial para
mim e foi uma pena não termos passado por lá. Mas realmente ficaria muito cansativo.
O REENCONTRO
----Quartão!
----Quartinho! Ah... Que grande alegria, amiguinho! Não via a hora de chegar esse
momento. Sabia que senti muito a sua falta? Preciso lhe dizer que aprecio muito a sua
amizade.
----É claro que eu também senti muito a sua falta, mas como eu havia dito antes, para
mim foi moleza.
----Tenho certeza que aprendi muitas coisas durante essas férias e sei que daqui por
diante serei um quarto muito mais compreensivo.
O SEGRÊDO DE LILI
Lili entrou no quartinho de um jeito estranho. Parece até que estava fazendo coisa
errada. Fechou a porta e começou a abrir um pacote que tinha nas mãos. Tirou de lá uma
manta, dois macacões de recém-nascido, duas caixas de fraldas, duas calças plásticas, dois
conjuntos de pagões, dois mijões e um par de meias minúsculo. Arrumou tudo numa gaveta,
fechou o armário, e assim como entrou, saiu.
----Quartão. Que é que está havendo com ela, afinal? Está com uma atitude suspeita -
e contou o que Lili guardara no armário.
O GRANDE DIA
Como havia trabalhado até muito tarde no dia anterior e fazia dois dias que estava
com uma tosse seca, Lili viera do serviço mais cedo aquele dia. Não era gripe ou resfriado,
era só uma tosse enjoada que não queria parar. Pensou que já começava a esfriar aquela
época do ano e talvez por isso a razão daquela tosse chata. Tomou um banho, vestiu um
camisetão, que é como gostava de ficar em casa, dobrou cuidadosamente a colcha da cama,
tirou as capas dos travesseiros, deitou-se puxando as cobertas para cobrir-se. Ajeitou-se no
travesseiro e pensou na falta que fazia Kim nesta hora. Havia muitas coisas que Lili gostava
no casamento, e uma delas era dormir juntinho. Como apreciava o calor do corpo do
companheiro! Aquele aconchego chamava o sono rapidamente. Mas não se sabe se a falta
do Kim ou a tosse que não dava sossego, Lili revirava de um lado para o outro e nada de
conseguir dormir. Foi quando o telefone tocou.
Pronto! Só faltava esta.
Como nunca estava em casa a esta hora imaginou que não fosse para ela, deixou
tocar algumas vezes, esperando que a sogra ou a Nina, que fazia faxina naquele dia,
atendessem. Nada.
----Alô... Oi, Telma, é você... Não estava muito bem... Por que?... Sério?... Claro...
Espera, deixa eu pegar papel e lápis... Me passa o telefone... Confirme... Está certo. Com
quem é que eu falo? Ah, Telma, obrigada! Depois eu te ligo. Tchau.
Desligou e ligou imediatamente para o número que havia anotado.
----Alô... Eu quero falar com a Magali.
Lili estava muito nervosa. Sentia-se trêmula, suas mãos estavam transpirando.
----Magali, oi, tudo bem? É sobre um bebê para adoção... Menino... Onze dias...
Quero. Como é que eu faço?
Consultou o relógio.
----Agora são quatro e meia. Cinco e quinze estaremos aí, meu marido e eu.
Desligou o telefone e ligou novamente.
----Benhê, ligaram do Fórum. Tem um bebê, um menino de onze dias... Combinei com
eles às cinco e quinze... Tudo bem? Eu sei. É claro que eu não vou me empolgar... Eu sei
A CAMINHO
Lili voou escada abaixo, saiu feito um furacão pelo portão da frente, despencou
ladeira abaixo, até chegar na rua principal, e mergulhou no primeiro táxi que apareceu.
----Moço, me deixa no Metrô, rápido!
Àquela hora o trânsito estava tranqüilo, de forma que em um instante, Lili estava em
frente o Metrô. Pegou o tiquet que tinha na bolsa, enquanto corria para o interior da estação.
Passou pela roleta, subiu a escada rolante correndo e voou pelo corredor entrando no vagão
bem na hora em que a porta estava se fechando. Sentou-se.
Lili sentia que todo mundo estava olhando para ela e perguntava-se por quê. Os
quinze minutos que separavam uma estação da outra foram intermináveis. Mil indagações
vinham à sua mente. Ficou em pé muito antes de chegar à estação em que haveria de
descer.
Kim esperava por ela. Abraçou-se a ele.
----Está tudo bem com você? Está calma?
----Estou. Muito calma.
----Então vamos.
Atravessaram a estação. Passaram pela roleta e saíram finalmente à rua.
----Não dá para a gente andar mais depressa, Kim?
----Calma. Vai dar para chegar na hora.
----Está um vento frio. Será que a manta que eu trouxe vai ser suficiente para
agasalha-lo?
----Querida... Você sabe que talvez não dê certo... Ou que muito provavelmente nós
não fiquemos com o bebê hoje. Essas coisas são demoradas. Você sabe, existe toda uma
burocracia...
----Claro que eu sei... Eu só trouxe essas coisas no caso de precisar. Se de repente a
gente já puder ficar com o bebê hoje...
----Acho muito difícil. Por isso se acalme.
----Eu estou calma.
O BEBÊ
Lili não se continha. Entraram pelo fórum adentro e se encaminharam diretamente
para o gabinete do juiz. Procuraram pela tal de Magali.
----Oi, tudo bem? Viemos por causa do bebê.
----Ah, sim. Aguardem um minuto.
Vinte intermináveis minutos se passaram. Lili controlava o relógio nervosamente. De
dois em dois minutos esticava o pescoço, procurando ver se vinha alguém pelo corredor.
----Quer ficar quieta, por favor. Você chega a me incomodar.
E O NOME?
Kim e Lili estavam radiantes.
----Como vai ser o nome? - perguntou o juiz.
----Nome?
----Sim. O bebê precisa de um nome.
----Mas, agora?
----Já. Para que a Magali providencie a papelada e vocês possam sair com o bebê.
----Vocês nos dão cinco minutos?
----Sim, mas só cinco. Nem um minuto a mais.
O casal se sentou num banco que havia por ali e começaram a árdua tarefa.
----Mas Kim, assim, de estalo. Os outros pais tem pelo menos nove meses. Se pelo
menos já tivéssemos uma lista...
----Façamos uma. Fica mais fácil. Pega papel e lapiseira na sua bolsa. Nos queremos
um nome bíblico, certo?
----Sim. Mas não quero desses muito comuns.
----Mas também não queremos um nome esquisito, certo?
----Certo. Que tal João Lucas?
----Não, Lili. Não quero nome composto.
----Então, vamos ver: Jairo.
----Vou anotar.
----Natan...Israel...Tinha um filme. O filho do Daniel Boone era Israel.
----Tem Heber. Também é bonito e não é comum.
----Adoro Thiago, Mateus, Lucas, Davi, Daniel...Mas são tão comuns...
----Benhê, vamos logo. Lembra de mais algum?
----Tem Jonathan.
----Vamos votar? Qual você mais gostou?
----Ah, Kim... Eu não sei...
----Eu gostei de Heber.
----Então vai ser esse.
Levantaram e dirigiram-se à mesa de Magali que solicitou que lhe entregassem
alguns documentos.
----E então, como é o nome do bebê?
----Heber. Heber com H - informou o pai.
A PRIMEIRA TROCA
----Você por um acaso trouxe alguma coisa para vestir o bebê? - perguntou Magali.
EM CASA
----Vovó, cheguei!
----Gente, mas o que é isso? Deixe que eu olhe para você, meu querido... Mas é a
cara da Vovó! Quem diria?
----Você gostou dele, Vovó? - perguntou Lili.
----E quem é que não haveria de gostar?
O SIGNIFICADO DE HEBER
----Está feliz, Mamãe?
----Sim. Muito.
----Eu pesquisei o nome do bebê, enquanto você dava o banho.
----E aí?
----Heber quer dizer companheiro.
----Que lindo! Está ouvindo meu querido?
----Muito provavelmente, desse nome é que se originou o termo hebreu, no Velho
Testamento.
----Olha, que importante!
----Mas não é só isso. Pela chave bíblica descobri o relato da vida de um homem
chamado Heber. Ele não era hebreu, mas tinha uma tão grande admiração pela cultura
hebraica, que passou a viver com eles. Vivia como eles, comia como um deles, falava como
um deles. Era ainda mais zeloso das tradições judaicas do que qualquer outro judeu poderia
ser. Enfim, era mais judeu do que qualquer judeu.
----Mas, bem... Isto é realmente extraordinário! Como é que poderíamos imaginar uma
coisa dessas hoje lá no fórum, quando escolhíamos o nome tão apressadamente? Está
ouvindo, filhinho? Você é mais nosso filho do que se realmente fosse!
ABENÇOANDO HEBER
Lili estava emocionada. Pegou numa das mãozinhas. Kim segurou a outra
cuidadosamente. A emoção quase não o permitia falar.
----Filhinho. Tua vida começa agora, neste momento. Nós rejeitamos tudo o que se
passou antes disso. Fazemos uma aliança com o Deus Eterno, que te reservou para que
fosse nosso filho. Que Ele coloque anjos ao teu redor para te guardar de todo o mal. Que dê
A PRIMEIRA NOITE
Lili dormia profundamente, quando foi acordada por um chorinho. De imediato, sentiu
uma forte fisgada no peito direito. Que estranho. Que seria aquilo? Lembrou-se de um artigo
que lera numa revista, sobre uma avó que amamentara a netinha e pensou que poderia ser
importante para o Heber estar um pouco em seu seio. Descobriu-se e aninhou o bebê em seu
colo. Ofereceu-lhe o seio como se não fizesse outra coisa na vida além disso. O pequeno não
se fez de rogado, e se pôs a sugar sofregamente.
---Kim! Olha... Eu pus o Heber no peito e ele está sugando!
Kim nem tomou conhecimento. Dormia feito uma pedra. Lili sempre ouvira falar que o
movimento de sucção era importante para o desenvolvimento do bebê. Portanto deixou que
ficasse mais um pouco. Depois foi buscar a mamadeira. Assim que saiu do quarto, o bebê
aprontou um berreiro tal, que Kim teve de acordar e acalmar o esfomeado. Quando Lili
voltou, Kim estava aflito.
----Ah, finalmente... Vai ser toda noite assim? - perguntou Kim.
----Só até acertarmos o horário, não é querido? Mas isto vai ser rapidinho.
Lili deu a mamadeira, meio dormindo, trocou a fralda molhada e finalmente desmaiou
de cansada. Quando acordou, foi novamente com um chorinho.
----Mas de novo? Ai, ai... Mas nem amanheceu!
E foi logo saindo do quarto rumo à cozinha. Voltou logo depois. Deu a mamadeira ao
menino, torcendo para que terminasse o mais rápido possível.
----Arrota, querido... Arrota...
E nada do pequeno arrotar. Resolveu trocá-lo primeiro. Terminada a operação
pegou-o novamente no colo e de imediato o bebê cumpriu a sua obrigação.
----Que bom! Agora quietinho!
Lili abraçou-se ao marido mal acreditando que podia dormir novamente. Era mais de
nove horas, quando se acordou.
----Arre, dorminhoca!
----Dorminhoca, uma pinóia! Esse pirralho não me deixou dormir. Estou um bagaço.
Será que vai sobrar alguma coisa de mim, quando esta história terminar?
----Ah... Justo você que adora dormir.
----É só que esta noite nós vamos dividir.
----Não senhora. Você vai ficar de férias e eu vou continuar trabalhando, portanto...
----Chi... É mesmo... Estou ferrada.
O ENXOVAL
Lili foi tomar uma chuveirada fria. Isso a reanimava. Quando se enxugava sentiu uma
sensacão estranha no peito direito. Lembrou-se que tinha posto o bebê no seio durante a
madrugada. Deu uma apertadinha e para seu espanto, saiu uma gotinha de aspecto leitoso.
----Benhê, corre aqui!
----Mas que foi criatura?
----Você não vai acreditar. Saiu leite do meu peito.
----Imagina... Como pode ser uma coisa dessas? Leite não aparece assim de uma
hora para outra.
----Então, veja...
----Gente, mas não é que é mesmo?
----Agora vou coloca-lo sempre no peito. Vai ser bom para ele.
Deixaram o Heber com a Vovó e foram às compras. Andaram pelas lojas todas até
que tivessem tudo o que precisavam.
----Bem, eu nem imaginava de quanta coisa um bebê precisa.
A REVOLTA DO QUARTINHO
Foi um mês movimentado naquela casa. Assim que a notícia se espalhou os amigos e
parentes começaram a chegar trazendo presentes os mais diversos. Estavam todos muito
felizes ao perceber o bem que aquela criança proporcionara aos queridos amigos.
Lili conseguira uma licença adoção, válida por dois meses, e mais um mês de férias.
Quando voltasse a trabalhar o bebê estaria com três meses. Nada mais justo ao se
considerar todos os cuidados que um recém-nascido exige.
Era um bonito dia de sol. Lili resolveu levar o bebê para tomar sol no quintal. Deixou
tudo bem aberto na parte de cima da casa, para que ventilasse.
----Arre, Quartão. Não agüentava mais ficar nesse isolamento. Que está acontecendo
nesta casa afinal? Eu pensei que quando o bebê chegasse, fosse ficar aqui comigo. Esse
mundo é injusto, mesmo. Uns com tantos e outros com tão pouco. Eu estou inconformado.
----Calma, Quartinho! Nossa, como você está azedo!
----Queria ver você no meu lugar. Você sabia que eu ainda nem vi o bebê?
----Ele é lindo!
----Além de tudo, virei quarto de despejo. Veja só a bagunça que está aqui. Cheio de
caixas e pacotes. Triste sina a minha.
----Quartinho, escuta. O bebê não vai ficar aqui para sempre. É só nos primeiros dias.
Depois ele vai ter que ir para um lugar só dele.
----É? Só quero ver se eles gostarem tanto do bebê, que não queiram se separar nem
um minuto dele? Você é espaçoso. É só colocar um bercinho aí e pronto. Eu me ferro de vez.
----Quartinho, se eles gostarem muito do bebê vão querer que ele tenha o seu próprio
espaço.
----Você acha mesmo, Quartão?
----Não só acho. Tenho certeza. Portanto paciência. Agora se acalme que eu vou
aproveitar para te colocar a par de todos os acontecimentos.
E o Quartão relatou detalhadamente tudo o que acontecera naqueles dias, desde a
chegada de Heber naquela casa.
----Eu só não sei te explicar o que é que a Lili some lá para baixo o dia todo. Só sobe
para cuidar do bebê e desaparece novamente.
----E o pobrezinho fica sozinho, Quartão?
----Ele nem percebe. Dorme o dia todo.
O Quartão sabia que Lili passava horas na máquina de costura preparando a
decoração do Quartinho, mas ficou bem quieto. Queria fazer uma surpresa ao amigo.
A HORA CERTA
Kim voltou com a criança nos braços.
----Olha, meu querido, é o seu quartinho... Veja os bichinhos que o Papai comprou
para você. Este é o cachorrinho. É aquele sujeito que faz au,au... au,au. Este aqui é o
gatinho. Quando ele conversar com você vai ser assim: miau... miau...
Lili estava largada sobre o sofa.
----Benhê...Se soubesse que ia ser tão bom, você teria adotado antes?
----Não. De jeito nenhum.
----Mas por quê?
----Porque não seria o Heber.
----É mesmo... Então adotamos na hora certa...
----Nem um minuto antes, nem um minuto depois...
----Benhê... Estou tão cansada...
----Eu também. Que tal descansarmos um pouco?
----Ótimo, mas primeiro tenho que cuidar do Heber... De novo.
Lili trouxe a mamadeira e sentou-se na cadeira de vime do Quartinho. Parecia um
sonho! Enquanto amamentava, começou a pensar no número de mamadeiras que um bebê
toma durante a vida. Vamos ver. Até os cinco meses: oito mamadeiras por dia. Cinco meses
vezes trinta dias corresponde a cento e cinqüenta dias, que vezes oito mamadeiras dá um
total de um mil e duzentas mamadeiras. Supondo que dai em diante o bebê passe a tomar
DE PORTA ABERTA
----Ei, Quartão!
----Fala.
----Sabe o que aconteceu hoje?
----Claro que sei...
----Você estava com a porta fechada o tempo inteiro... Como é que sabia?
----Eu sei de tudo o que se passa nesta casa.
----Você já sabia antes?
----Claro que já sabia.
----E por que não me contou?
----Ora, Quartinho...Queria fazer uma surpresa. Você está lindo! Está feliz?
----Muito e principalmente por saber que agora sou útil. Sinto-me realizado!
----Também estou feliz... Agora que o bebê vai ficar com você, acho que nossas
portas vão ficar abertas e poderemos voltar a ter as nossas conversas.
----Por que voce acha que as nossas portas vão ficar abertas?
----Ora, eles vão querer escutar o bebê...
----Quartão! Como você é inteligente!
----Elementar meu caro Quartinho.
----Nossa! De onde você tirou isso?
----Foi de um filme que eu assisti outro dia. Um tal de Sherlok Holmes...
----Um dia, quando o Hebinho crescer, eu também vou ter uma televisão. Vou assistir
uma porção de desenhos animados...
----É. Mas não pense que você vai ficar assistindo a esses programas bobos que
passam o tempo inteiro.
----Ai, Quartão! Eu nunca assisti televisão! Nem sei se tem programa bobo ou não. Tudo
o que sei é o que você me conta.
----Está bem. Desculpe, vou te explicar. Tem muita coisa boa por aí. Desenhos
maravilhosos, muitos dos quais eu até já te contei. Os da Disney, da Warner Bros, o Snoopy,
Asterix, os nossos brasileiros Mônica e Cebolinha... Desenhos bem produzidos, que levaram
anos para serem feitos. A televisão não passa esses normalmente.
----Por que?
----São desenhos caros. A televisão prefere passar uma produção bem mais barata. São
desenhos de má qualidade, que enchem a cabeça dessa criançada você sabe do que...
----Mas que pena!
----Tem um outro aspecto da programação infantil na televisão, que me desagrada muito.
Ela desrespeita profundamente a criança, quando não considera os aspectos psicológicos dos
baixinhos.
----Como assim? Explica.
----Tudo tem seu tempo. Veja uma árvore. Nasce uma flor. Depois se transforma em um
brotinho. Esse brotinho vai tomando a forma de uma fruta. Esta fruta é pequena e verde no
início, mas depois vai crescendo e amadurecendo, até o momento em que está pronta para ser
saboreada. Seria uma tolice querer consumir a fruta quando ainda está verde... Se você
observar a natureza, vai ter sabedoria para compreender todo o resto.
----Você quer dizer que a criança também tem seu tempo?
----Tem e é preciso haver respeito à esse tempo. Veja só. O Heber está tomando leite. E
vai tomar leite até que esteja preparado para digerir outros alimentos. Pouco a pouco, conforme
for amadurecendo, vai comendo outros alimentos até que poderá comer de tudo. Você já
imaginou se a Lili em vez de trazer a mamadeira agora, trouxesse uma bela feijoada?
----Seria o mesmo que envenená-lo. Ela com certeza mataria o coitado
----Com certeza... Todo mundo sabe disso e ninguém sai por aí oferecendo feijoada à
recém-nascidos... Mas não é apenas o corpo de uma criança que precisa ser alimentado de
NEIDE, A BABÁ
No dia seguinte, Lili veio atender a porta.
----Você que é a filha da Leonor?
----Sou.
----Teu nome é Neide, não é?
----É.
----Pode me chamar de Lili. Vamos entrando...
Subiram até o quarto.
----Este aqui é o Heber. Heber, esta é a Neide. Ela vai cuidar de você enquanto a
mamãe estiver fora. O Heber tem três meses, e é o meu maior tesouro. Tenha amor por ele e
tudo vai dar certo. A Telma disse que você cuidou dos seus irmãozinhos quando a sua mãe
precisou vir a São Paulo há dois anos atrás.
----Foi...
----Quantos irmãos você tem?
O ENCONTRO
Quando acordaram já estavam quase chegando. O céu estava muito azul e o dia
ensolarado.
----Quem diria que ia fazer um dia tão lindo?
----Realmente. Já são mais de onze horas. O fórum já fechou e agora só abre à uma
hora. Vamos almoçar e depois cuidamos do resto.
----Que bom! Estou faminta...
O RETORNO
Embarcaram exatamente às quinze horas, de forma que às oito já estavam em
Curitiba. Lili precisou trocar o bebê no banheiro da rodoviária. Enquanto isso Kim foi preparar
outra mamadeira.
----Tudo bem, Lili?
----Que sufoco trocar o bebê naquele banheiro sujo!
----Agora vamos pegar um táxi para o aeroporto.
O trânsito estava tranqüilo e chegaram rapidamente ao aeroporto. Só que tiveram de
esperar mais de uma hora pelo embarque e enquanto isso, Arnon tomou todo leite. O avião
era bastante pequeno e após a decolagem perceberam que balançava muito. Lili teve um
pouco de enjôo. Os passageiros se mostravam bastante curiosos em relação ao bebê. Muitas
vezes Lili precisou descobri-lo para que pudessem vê-lo. Ele no entanto não tomava
conhecimento de nada. Dormia feito um anjinho em seu cesto.
ABENÇOANDO ARNON
Era quase onze horas quando chegaram em casa. Estava tudo muito quieto. Todos
dormiam.
----Que ótimo estar em casa!
----Lili, eu estou moído...
----E eu? Parece que passou um caminhão em cima...Vai tomando banho primeiro.
Enquanto Kim tomava banho, Lili ia colocando cada coisa em seu lugar rapidamente.
Não queria acordar no dia seguinte com bagunça de viagem para arrumar. Em um instante
estava tudo em ordem. Assim que Kim voltou, não perdeu tempo:
----Benhê, faz a mamadeira?
----Por quê não faz você?
----Eu estou guardando as coisas...
----Você com essa mania de guardar tudo antes... Está bem, eu faço. Mas ainda não
está na hora dele mamar.
----Não. É só para adiantar.
----Está vendo? É a mania de fazer tudo antes...
----Mas, Kim...
Mas, era tarde, Kim já havia saido do quarto em direção à cozinha. Quando Lili saiu
do banho, Kim já esperava por ela. O bebê estava na cama e Kim segurava uma de suas
mãozinhas. Lili deitou-se e segurou a outra. Apesar de já terem vivido esta experiência uma
vez, a emoção não era menor.
----Filhinho, nós rejeitamos todo o teu passado. Você agora é nosso filho amado,
nascido do nosso amor. Sabemos que será uma grande bêncão nesta família. Confiamos a
O CIÚME DE HEBER
Os dias se passavam. Lili estava exausta. O Heber estava tão diferente. Chorava
muito. Estava agressivo. Aquele dia quando Kim chegou do serviço, Lili foi recebê-lo na porta.
----Oi Kim - e deu-lhe um beijo.
----Oi Lili. Que cara é essa?
PEQUENOS AJUSTES
Lili saiu do consultório, se sentindo mais leve. Via tudo com clareza agora. Sabia
exatamente o que fazer. Ao chegarem em casa, depois do jantar, Lili cuidou do Arnon,
enquanto o Papai brincava com o Heber.
----Hebinho, agora está na hora de dormir. De agora em diante, o teu irmãozinho
também vai dormir aqui no seu quartinho.
O CUIDADO DO HEBER
SACO DE RISADA
Arnon, com o passar do tempo revelou ser uma criança alegre e expansiva.
Gargalhava ao menor motivo e o Heber descobriu um enorme prazer em provocar aquelas
risadas.
Quando iam ao supermercado, levavam os dois. Cada um punha uma criança em um
carrinho de compras. Um dia o casal se distraiu por uns momentos examinando um produto.
Enquanto isso o Heber se pôs a provocar o riso do Arnon. O Arnon ria tão alto e tão
expontaneamente que começou a despertar a curiosidade das pessoas que por ali passavam.
Quando Kim e Lili deram pela coisa, os carrinhos estavam cercados de pessoas.
----Olha só aquele bebê como dá gargalhadas!
----Eu estava certa que se tratava de um saco de risadas...
----Gente eu nunca vi um bebê rir desse jeito!
Kim e Lili se sentiram até um pouco constrangidos com a situacão. A maioria das
pessoas estava rindo, mas algumas demonstravam até uma certa preocupacão.
----Será que não faz mal rir desse jeito? Se continuar por mais tempo, é capaz dele
ficar sem ar.
----Dá licenca um pouquinho - Lili tentava chegar até as crianças - Oi queridos! Agora
chega Heber. Tudo que é demais, sobra. Essas crianças são tão alegres...
----Vamos querida...
----Kim, esse supermercado ficou tão cheio de repente...
Mais tarde o casal se matava de rir contando a história para a Neide e a Vovó.
----Mais um pouco eu ia começar a cobrar ingresso daquele povo - e Lili imitava um
apresentador de circo - Venham ver o bebê gargalhante... Você nunca viu nada igual! Compre
já o seu ingresso. Não deixe de ver esta espetacular atração.
----A gente podia registrá-lo no livro dos recordes. Na categoria de bebê, eu tenho
certeza que ele seria o vencedor.
AS FÉRIAS
O mês de abril estava reservado para as férias. A família passou na praia. Neide não
foi, pois não podia perder as aulas. E a Vovó preferiu ficar em casa.
As crianças adoraram a praia. Não demonstravam o menor receio. Lili e Kim ficavam
pulando onda, cada um com uma criança, até cansar. Depois Kim levava o Heber para atirar
pedrinhas no rio enquanto o Arnon brincava na areia. Logo estavam todos bem bronzeados.
O que mais apreciavam era poder estar assim, o tempo inteiro juntos.
ARRUMANDO MALAS
Aquele ano passou voando, sem grandes novidades. Arnon completou um ano,
comemorado com uma linda festa. Lili preparou um lindo painel de onde saia um rio, que
passava em cima da mesa e acabava em uma cachoeira que ia até o chão. No painel, todo
em cartolina, também haviam três árvores que observavam o cenário, todo pontilhado de
flores vermelhas e amarelas. Foi uma linda festa e Arnon encantou a todos com a sua
simpatia. O Heber brincava com os maiores, sem exigir muita atenção dos pais.
Arnon vestido com um lindo macacão estilo marinheiro, participou do parabéns
estusiasmado, batendo palminhas com energia enquanto exibia a gengiva com os seus dois
primeiros dentinhos.
Logo em seguida veio o dia das crianças. Quando as crianças se levantaram, Kim e
Lili as levaram para o quintal. Havia sido instalado um balanço e uma escadinha de corda na
árvore. Bexigas de todas as cores enfeitavam a árvore.
Lili tinha uma semana livre no trabalho e pensou que seria interessante passar com a
irmã em Minas. Seria na semana anterior ao Natal.
----Mas, Kim. Tem o Aaron e a Sara. Eles precisam deste contato com os primos...
----Mas Lili... Que é que vai ser de mim sem vocês?
----Mas, Kim... É só uma semana... Passa rápido.
----Está bem, mas você volta para o Natal?
----Claro! Você acha que eu deixaria de passar o Natal com você?
----Não sei... De repente você não me quer mais...
----Ah... seu bobo. Eu sou louca por você! - e Lili enchia o marido de beijos.
----Que tal você ir de carro?
----Mas, Kim... São sete horas de viagem. Você acha que eu dou conta?
----Claro que dá. Que tal você chamar o Duda para ir junto e olhar as crianças.
----É... Só se for. A Neide vai estar de férias e sozinha eu não posso ir. Vou ver com
ele.
DE VOLTA
A volta foi super tranqüila. Lili estava ansiosa por estar em casa. Nem acreditava que
tinha feito uma viagem como aquela. Para ela tinha sido um grande desafio.
Kim veio correndo recebê-los. Não sabia a quem abraçar primeiro.
AS SEMENTES PRECIOSAS
Enquanto isso em casa os dois amigos começaram uma conversa bastante
interessante.
----Quartão, você não acha que se todas as pessoas adotassem pelo menos uma
criança, uma boa parte dos problemas desse mundo estariam resolvidos?
----Quartinho, não seja simplista... A coisa não é bem assim. A adoção é uma grande
coisa. Um grande benefício para a criança e para seus pais adotivos, mas não é a solução
para o problema do menor abandonado. É apenas uma boa saída para um grande problema.
----Mas, Quartão...
----A paternidade responsável é a única solução... Quartinho, deixa eu te contar um
lance de um filme que eu assisti há muito tempo atrás, e que talvez possa te ajudar a
entender esta questão. Havia um lavrador que tinha um filho adolescente. Esse filho
trabalhava com ele e estava acostumado a lidar com a terra. Sabia tudo sobre plantio e
colheita. Sabia reconhecer uma semente de qualidade. Um dia o lavrador chamou seu filho
para conversar. Perguntou-lhe:
----Filho, o que você faria se ganhasse de presente sementes especiais, sementes da
melhor qualidade?
O filho respondeu-lhe sem titubear:
----Pai, eu procuraria pela melhor terra. Prepararia cuidadosamente aquele plantio,
arando bem a terra, livrando-a de pedras, tocos e ervas daninhas. Depois eu aguardaria
pacientemente pela época adequada para o plantio. Colocaria as sementes na profundidade
correta e me certificaria de que a terra estivesse sempre úmida, a fim de que eu conseguisse
o melhor resultado possível na colheita. Finalmente, apôs a colheita, separaria novas
sementes, as melhores que houvessem, para que fossem utilizadas em um novo plantio.
TOTALMENTE APAIXONADOS
Heber e Arnon foram para uma pré-escola perto de casa. No começo estranharam
bastante, mas depois se adaptaram muito bem. As tias se encantaram com os pequenos, que
eram sempre muito elogiados.
Março chegou e lá se foi a familia de férias novamente. Não é preciso dizer que as
férias foram fantásticas.
----Kim, eu não quero ir embora. Me deixa ficar aqui para sempre. Kim, eu não
consigo mais ficar vestida. O meu corpo não aceita mais do que um biquini ou um maio. No
O CAFÉ DA MANHÃ
A viajem foi bastante tranqüila, apesar do frio intenso. Saíram de madrugada e
chegaram em Curitiba às sete horas. Estavam doidos de vontade de tomar um café bem
quente, mas não achavam uma padaria na cidade que servisse café.
----Gozado, Lili. As padarias aqui não servem café, e agora?
----Agora o jeito é comprar pão e comer no carro.
----Sem aquele café com leite bem quentinho para acompanhar?
----Fazer o que?
----Está bem. Vamos parar aqui mesmo. Essa padaria tem um jeito simpático.
A padaria era bem servida de pães, mas Kim olhava, olhava e não se sentia nem um
pouco animado a comprar os pães.
----Lili, eu estou inconformado.
Lili dirigiu-se à balconista.
----Bom dia! Nós somos de São Paulo e estamos curiosos a respeito de uma coisa.
----Pois não.
----Aqui no sul, as padarias não servem café com leite no balcão?
----Não, não existe esse hábito por aqui.
----Que pena... Com esse frio, viajamos a noite toda, e tínhamos esperança de nos
aquecer um pouco com um bom café, antes de continuarmos.
----Espera um pouco, sim?
A moça dirigiu-se a um rapaz que estava no caixa e conversou com ele durante
alguns instantes. Entrou por uma porta lateral e pouco depois estava de volta. Com um
sorriso nos lábios, convidou o casal para acompanhá-la.
----Por favor, vocês não reparem. Nós não estamos preparados para visitantes, mas
como chegamos muito cedo, tomamos café aqui mesmo. Eu deixo o café e o leite numa
garrafa térmica, de forma que ainda está tudo quentinho. Espero que vocês gostem.
----Puxa! Não poderia ser melhor. Onde podemos lavar as mãos?
----Aqui ao lado.
Kim e Lili lavaram as mãos e depois sentaram-se à mesa.
----Eu não estou nem acreditando! - disse Kim.
Enquanto comiam conversaram com a moça, que se encantou de saber que o casal
tinha vindo ao Paraná para buscar um bebê. Terminaram rapidamente, pois não podiam se
demorar muito. Despediram-se muito agradecidos.
A BONEQUINHA
Chegaram à cidade pouco depois das onze horas, como da outra vez e tudo
transcorreu da melhor maneira possível. Lili não cabia em si de felicidade. Vestiu a sua
garotinha com um lindo macacão de plush cor-de-rosa com aplicações em cetim da mesma
cor.
----Kim, eu nem acredito que estou com a minha garotinha nos braços. Ela não é
linda?
----É uma bonequinha!
ABENÇOANDO HANNA
Depois do banho, Kim chamou a esposa.
----Larga tudo e vem cá. Não existe nada mais importante do que isso que vamos
fazer agora.
----É verdade, Kim - pois Lili sabia o motivo pelo qual Kim a chamava.
Como num ritual já bem conhecido do casal, cada um pegou uma das minúsculas
mãozinhas.
----Sabe, meu querido... Eu me sinto privilegiada de viver esses momentos...
----Eu também. Saber que essa criança através desta cerimônia que é tão nossa, se
vê livre de uma maldição e se vê revestida de uma grande bênção, é uma grande alegria.
----É como se ela estivesse nascendo agora, fruto do nosso amor.
----Meu Pai Querido...Obrigado por essa criança. Nós neste momento rejeitamos todo
o passado da Hanna. Declaramos que é nossa filha, fruto do nosso amor, e fruto do teu amor
em nós. Confiamos esta vida aos teus cuidados. Pedimos sabedoria para educá-la nos teus
caminhos. Que Deus te abênçõe, Hanna. Que Deus sobre ti levante o rosto e te paz, e te
guarde para sempre. Amém.
----Amém. Em nome de Jesus, Amém.
PILIUS E XOROCAS
Desta vez não houve ciúme. Todos estavam muito felizes com a chegada da Hanna.
Os meninos se sentiam responsáveis pela irmã. Faziam questão de contar a todo mundo que
tinham uma irmã. Na hora do banho vieram correndo assistir, e ficaram muito interessados
em saber por que a Hanna não tinha piliu.
----Porque ela é menina. Menina não tem piliu. Tem xoroca.
----Que nem a Mamãe?
----É. Que nem a Mamãe. Mulher e menina não tem piliu.
----O Papai tem piliu.
----O Papai tem. Homem e menino tem piliu.
----E a Vovó tem piliu?
----Não. A Vovó tem xoroca.
----E o Tio Duda?
----O tio Duda tem.
----Mamãe, deixa eu ver direito que a Hanna não tem piliu? ----Podem ver à vontade.
E os dois treparam no berço para conferir direitinho como é que era essa história de
não ter piliu.
BETO E CLARA
À noite pediram para contar a estória do coelhinho.
----Puxa! É mesmo. Faz tempo que a Mamãe não conta essa estória.
----Então conta.
----Fiquem quietos. Era uma vez um coelhinho e uma coelhinha. O nome dele era
Beto e o dela era Clara, pois era muito branquinha. Eles se gostavam muito. Se gostavam
tanto que resolveram que era tempo de deixar a casa de seus pais e formar uma família.
Então o Beto se pôs a procurar uma árvore oca, onde pudesse fazer a sua casa. E tanto
procurou que acabou achando.
Chamou os seus amigos e os amigos da Clara e fizeram um mutirão.
O JUIZ
----Mamãe, a Hanna não nasceu da sua barriga?
----Não, meu querido. Nem a Hanna, nem o Arnon e nem você.
----A Beatriz nasceu da barriga da mamãe dela, não foi?
----Foi.
----Um barrigão, Mamãe. Deste tamanho...- e Arnon esticava a barriguinha para frente
tentando demonstrar o tamanho da barriga da mãe da amiguinha.
----Foi sim, Arnon. Todos os bebês nascem da barriga.
----Nós também?
----Também meu querido. Eu vou contar uma outra estória esta noite. Vocês querem
ouvir?
----Quereeemos...- gritaram os dois.
----Então silêncio. Era uma vez uma moça. Esta moça estava muito, muito triste. Ela
tinha um bebê crescendo dentro da sua barriga e não sabia o que fazer quando ele nascesse.
----Por que?
----Porque bebês precisam de muito cuidado. Eles precisam de um lugar muito limpo e
arejado. Precisam de roupas sempre muito limpas. As mamadeiras precisam ser fervidas.
Precisam de alguém que possa cuidar deles o tempo inteiro. Então essa moça pensava:
----Eu não tenho uma casa, não tenho berço, não tenho roupas, não tenho nem um
papai para esse nenê. O que é que eu vou fazer? - então alguém falou para essa moça procurar
um homem a quem chamam de juiz, pois ele poderia ajudá-la.
----Ô, seu Juiz. Será que você pode me ajudar?
----Pode falar. Estou aqui para isso mesmo.
----Eu estou muito triste. Estou esperando um bebê e sei que não posso cuidar dele.
Logo, logo está na hora dele nascer e eu não sei o que fazer.
----Então, pode ficar sossegada. Eu tenho um papai e uma mamãe para o seu bebê.
Eles estão querendo muito um bebê e vão ficar muito felizes quando souberem. Tenho certeza
de que eles serão pais maravilhosos para esse bebê.
----Ah, seu Juiz. Eu estou muito contente. Então faz assim, quando o bebê nascer eu
trago ele aqui, combinado?
----Combinado. Até breve.
Heber e Arnon não falavam nada, mas prestavam muita atenção. Lili continuou.
----Passado um tempo, a moça voltou ao juiz com um pacotinho nos braços.
----Pronto, seu Juiz, aqui está o bebê. Você pode entrega-lo para o papai e a mamãe
dele?
----Claro, com o maior prazer - então o juiz pegou o telefone e ligou para a casa de
alguém - Seu Kim, Dona Lili? Oi! Aqui quem está falando é o Juiz. Tudo bem? Eu estou
ligando porque o bebê que vocês estavam esperando acabou de chegar. Podem vir buscá-lo.
----Mamãe, esta é a minha história?
----Sim, é a história de cada um de vocês. Do Heber, do Arnon e da Hanna.
----Mas, Mamãe, porque você não tem bebê na barriga?
----A barriga da Mamãe tem um defeito e não consegue fazer bebês.
Heber veio examinar a barriga da Lili. Levantou a camiseta. Arnon veio atrás.
----Mamãe, eu não consigo achar nada de errado.
Lili caiu na risada. Heber estava um pouco preocupado.
----A sua barriga doi, por causa do defeito?
----Não meu querido, só não consegue fazer bebês.
----Você gostaria que ela pudesse fazer bebês?
PLANTANDO FEIJÕES
No dia seguinte Lili e as crianças plantaram dez feijões. Cinco para cada uma das
crianças.
----Só que todo dia é preciso olhar e ver se estão precisando de água. Vamos fazer
isso toda manhã antes do café, combinado?
Secretamente Lili mergulhou por um instante dois dos feijões em água fervendo.
----Mamãe...Um dos meus feijõezinhos não quer crescer. O Arnon também tem um
assim.
----Vamos aguardar um pouco. Quem sabe eles resolvem brotar?
No dia sequinte correram logo de manhã para verificar os feijões.
----É, Mamãe...Não tem jeito. Esses feijõezinhos estão que nem a sua barriga. Estão
com defeito.
----É verdade querido. A natureza tem dessas coisas. Nem sempre as coisas
funcionam conforme o esperado.
A DOENÇA DA VOVÓ
Vovó não vinha passando muito bem e estavam todos preocupados com o seu estado
de saúde. Era uma pessoa muito querida, sempre tão atenciosa com as crianças e todos
queriam tê-la por perto durante muito tempo ainda.
Naquele tarde de sábado estavam todos sentados à mesa fazendo um lanchinho.
Heber e Arnon já se sentavam à mesa e tinham um desempenho bastante razoável. Hanna,
sentada no caldeirão, ainda exigia maiores atenções.
----Quer mais miolo, filhinha?
----Quero Mamãe...
----A Hanna só come miolo.
----Ela saiu à mãe. Eu também quando era pequena só comia o miolo do pão.
----Pelo menos nada é disperdiçado.
Lili ia recolhendo os miolos dos pratos espalhados pela mesa, passava manteiga em
cada um e os dava à Hanna, que ia mergulhando um à um na caneca de café com leite. Com
uma colher recolhia um por um, comendo-os gulosamente.
----Você está melhor Vovó?
----Assim...assim... De agora em diante é só canseira e enfado...
O QUEBRA-CABEÇAS SE COMPLETA
O verão vinha chegando, mas já fazia bastante calor. Fazia exatamente seis anos que
o Quartinho tinha tido aquele sonho. Lembrou-se disso e instintivamente olhou pela janela. Lá
em baixo, no quintal, estava reproduzida a cena do sonho. Só que agora era real.
----Quartão! Você nem imagina o que eu estou vendo lá no quintal.
----Não imagino mesmo!
----O Arnon está balançando a Hanna, enquanto o Heber acaba de se encarapitar no
primeiro galho da árvore, subindo pela escadinha de corda. A Vovó está sentada numa
cadeira, cerzindo meias.
----Mas, Quartinho! O que há de extraordinário nisso?
----Mas, será o Benedito? Quartão, você já se esqueceu do sonho que eu tive há seis
anos atrás, quando ainda era um pobre quartinho solitário?
----Claro que não, uai! Mas já faz seis anos?