Quando a imensa sombra alcança a terra e delineia sobre sua atmosfera uma
trajetória fortemente enegrecida, cortante e inextinguível, aos alicerces de uma
sombra incorpórea que atravessa o tempo e vagueia até os limites da atmosfera.
Sobre a longa superfície restringe-se apenas a obscurecer aquilo que outrora se
podia observar diretamente. De outra forma, tentar entender a sua natureza ardilosa
é um desafio intricado, por outras vezes, vê-la-íamos má por seus mistérios e
profundez. Todo este fato significa que ela é necessária à vida quando sua volúvel
serenidade toma conta da alma, num ato que lhe é particular e, por outro, em feitio a
apresentar sua integralidade exímia, plena e hermética. Aquela figura mitológica
advém de uma natureza primitiva e acolhe em seu seio o homem natural.
1
Entretanto, apesar de darmos essa qualidade que avulta entre o branco e
o Albedo (em estudos alquímicos refere-se à cor branca), em outras ocasiões, esta
imagem figura-se numa tonalidade mais escura (FRANZ, 1995). A lua participa
desse mistério celeste com efeito de sua natureza primária. Porém, além dessas
cores citadas, destacamos ainda a cor vermelha-escura, a intensificar sua incidência
sobre o aspecto feminino e de sua relação com a imagem lunar (ESTES, 1999).
Lilith é à sombra do feminino, numa ceifa ímpar de sua marca sobre a terra,
assim como o eclipse lunar que acontece independente de nossa vontade ou de
nossa percepção direta sobre seus efeitos nos oceanos. A mulher, primeira, que se
opõe a Adão, no registro da Genesis, particularmente, ao jardim no Éden; ela é a
que evidentemente se sobressai desse pequeno ambiente sobre as demandas
negativas de um discurso tradicional, que elança o comportamento feminino no julgo
daqueles que de certa forma a temem (SICUTERI, 2015).
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direitos sociais, que reside na escuridão do paraíso com a bravura de quem suporta
aos mais incólumes açoites do patriarcado social. A figura dessa mulher esquecida é
espírito e natureza, tendo essa dualidade como averbação máxima de sua trajetória
sobre a terra (SICUTERI, 2015).
O mito de Lilith pertence à grande tradição dos testemunhos orais que estão
reunidos nos textos da sabedoria rabínica definida na versão jeovística, que se
coloca lado a lado, precedendo-a de alguns séculos, da versão bíblica dos
sacerdotes. Sabemos que tais versões do Gênesis — e particularmente o mito do
nascimento da mulher — são ricas de contradições e enigmas que se anulam. Nós
deduzimos que a lenda de Lilith, primeira companheira de Adão, foi perdida ou
removida durante a época de transposição da versão jeovística para aquela
sacerdotal, que logo após sofre as modificações dos pais da Igreja (SICUTERI,
2015, p.12).
Contudo, de certa forma, é reconhecida como uma obra que pouco fora
alterada no decorrer dos séculos e é por essa que procuro referenciar as descrições
que virão a seguir, diante do estudo dessa figura feminina.
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Necessário se faz compreender esse paralelo que existe entre a primeira
mulher, Lillith e Eva (a segunda mulher de Adão), assim como também abordaremos
paralelos ligados à trajetória mitológica dessas figuras femininas no Éden, além dos
seguintes acordos entre os deuses e os contos infantis.
Entende-se que essa primeira fêmea, certamente, tem a ver com a Gênesis I
(Blíbia Sagrada), esquivada da sua natureza real, mas que é precisa quando
dissertadas nos versos decisivos da trajetória humana sobre a terra:
É perceber que essa primeira mulher agita as velhas letras dos livros
sagrados, pois ela é destruída para renasce nos contos. Por vezes, identificamos
nos contos infantis com sua fantasia amistosa, mas possuidora de todo o poder.
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Os registros de sua história passaram a ter plena contradição e geraram ao
longo dos séculos os enigmas que ficaram unicamente pelo sentido da curiosidade
que são características de nossa natureza (SICUTERI, 2015).
O arquétipo é natureza pura, não deturpada e é a natureza que faz com que o
homem pronuncie palavras e execute ações de cujo sentido ele não tem
consciência, e tanto não tem, que ele já nem pensa mais nelas (JUNG, 2017, p.75).
Sem dúvida, Lilith fora excluída dos textos bíblicos, com o pleno interesse de
mantê-la no crepúsculo da consciência das civilizações, e isso se deu durante a
época de transição das versões jeovística para as versões patriarcais que
predominam nos dias mais recentes (SICUTERI, 2015). E diante dessa atmosfera
movediça, amarga, aos caprichos da reprimenda masculina, Lilith surge sempre aos
sonhos. Lilith reserva-nos a natureza pura, assim, o mais próximo que podemos
chegar da natureza feminina autêntica.
Tais textos foram condicionados a agradar certo público, aquele que domina a
ordem do comportamento e reserva parte dessa força para controlar as estruturas
predominantes na natureza desse mesmo feminino que assusta.
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enegrecido pelos passos ardentes e fétidos da primeira mulher que ousou quebrar a
devidas regras da conduta.
Suas ações são pré-julgadas antes mesmo de qualquer ato, sobre o jus da
forma com que a natureza a fez em princípio (Lilith, o feminino, o seu estado natural
de comportamento ou de sua natureza “arredia”) como mulher e agente de si-
mesma.
Além, dos movimentos que agem para reprimi-la, estar à consciência dos
homens as velhas “pegadas” da fêmea intolerável que preconiza a anti-vida; os
passos tornam-se ávidos na medida em que se reconhece sua força natural e,
apesar disso, são prontamente apagadas pelo assombro que estas provocavam na
natureza instintivas dos seres, já que Lilith representa a força do feminino como as
aves-mãe que colhem ao longe o fruto que vivifica os sentimentos e as tornam
amadas pelos que dela dependem (KERR, 1997).
Aliás, pelo trilhar dos ventos parece que não há caminhos para serem
atravessados de maneira pronta, uma vez que as pegadas de Lilith vão ressurgindo
das entranhas úmidas da velha terra encoberta pela mais fina grama, pois é dessa
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estrutura úmida que renasce a mulher natural. Assim, esse Spiritus rector invisível
que sobrepõe a qualquer “correção” (no sentido de reprimenda), estruturas psíquicas
enraizadas pelo agreste calor de seu manto, a refletir o brilho ofuscante que outrora
a fez mulher desejada e amada. Sendo guia espiritual e conselheira de qualquer
homem (JUNG, 2017, p. 101).
Podemos dizer que sua sucessora (Eva) aquiesceria sobre essas pegadas os
seus próprios pés, como se aquecesse do tenso frio. Como num jogo inconsciente a
fim de quebrar as débeis atitudes subjugadoras que tentam reduzir a posição
feminina. Atrás de sua derrota segue a inflamada flâmula da injúria perversa que,
somada à insígnia do poder patriarcal extremamente vil, pretende subjugar a sua
elevação psíquica em todos os sentidos. Porém, tais ações se tornam pueril ao
enfrentar às sombras mais obscuras das florestas abissais por onde a natureza
feminina mais se dinamiza e que é por esse caminho que ela mais sabe percorrer.
Por tudo, Eva veio conservar-se inicialmente como uma figura apática e que
veementemente assegura a este homem, Adão, um agradecimento quase que
deísta pelo seu surgimento no mundo, uma vez que deste se abrolhar a plena ideia
de dependência e de obrigações; o desabrochar de Eva é medido por regras
advindas do demiurgo que oprimir a sua sequência divina (SICUTERI, 2015).
Ela nasce condicionada a uma circunstância elementar que agrega a sua vida
a um pequeno pedaço de osso advindo do homem, que lhe é totalmente
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desconhecido até aquele instante em que nasce dele, pois Deus não o faz Uno e
depois Duo, assim como ocorre nos discursos das gênesis de todos os povos
(redigidos pela mesma natureza originária de Lilith); Eva é apenas proveniente do
próprio homem e desse descende diretamente, sem que a pura natureza incida de
algum registro biogenético do feminino “mãe”, ou seja, Eva nasce de “partes”
femininas de Adão e de Deus, já que é mulher advinda dessas estruturas de
simbólica masculina (SICUTERI, 2015).
Assim sendo, por ocasião de um destino fatídico que lhe cabe apenas
obedecer, Eva exclusivamente satisfaz por conta de sua ocasião naquele jardim, seu
aparecimento no mundo depende das duas estruturas masculinas presentes (Adão e
Deus).
E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma
ajudadora idônea para ele (Genesis 2:18).
Então, o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este
adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar
(Genesis 2:21).
E disse Adão:
Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será
chamada mulher, porquanto do homem foi tomada (Genesis 2:23).
Vamos, porém encontrar aqui duas mulheres no mundo e dois seres não
demandados de sua natureza original.
Podemos perguntar: como Adão sabia que Eva advinha de seu ser?
Mas ele disse: Desta vez, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!
(Gênesis II, 22-25).
Mas algo que aparenta ser servil e demandada a débitos para com o homem,
tornar-se-á responsável por um crime que lhe condenará para sempre.
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A construção da sua consciência e do poder que lhe é atribuído ao ego, na
observação desse princípio feminino que, por permear aos julgamentos do Si-
mesmo, origina-se numa busca incansável do ser enquanto ao agir frente aos meios
interpolantes. E assim Eva sentiria seus impulsos advindos de sua natureza.
Posso perguntar:
Podemos pensar então que Eva é a mulher mais ornada aos desejos
masculinos, com suas potências devidamente anuladas, administrada pelo terror de
enfrentar a sombra inevitável do próprio feminino, seus inextricáveis sentidos que
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“petrificados” permanecem obscuros a ela mesma, por imposição exterior e por um
controle de seus instintos interiores impostos pela lei.
Eva aqui pode representar as mulheres arrastadas pelo negro torpor que
aniquila sua força interior, que tornar-se-á escuridão na psique e pode-se considerar
sombra sobre sombra, em plena escuridão.
De certo, não é fácil viver assim sobre outras demandas, e que muitas Eva´s
atualmente ficam emperradas no meio do processo de iniciação e que tais fatores
psíquicos de descobertas (individuação) encontram-se na sombra, mantendo a
travessia impossível, difícil, árdua (ESTES, 1999).
A mulher é dirigida em sua conduta para ser adequada à vivência social. Ela
põe de lado o Insight penetrante que a faz correr para o “deserto”, assim com Lilith,
e do mesmo local bíblico que traz a solidão amarga. Também dirigir-se a “floresta”
dos contos de fadas e que nessa sóbria mata se descubra com esse poder interior
de transformação que sobrepõe todas as estruturas internas do arcaico espiritual,
como um xamã que domina e conduz. E que assim possa geri no seu interior, de
forma mais consensual, os meios para atingir o reconhecimento do Si-mesmo, pois
com a mutação psíquica do Si-mesmo, do reconhecimento da dinâmica de sua face
obscurecida pelas imposições sociais atuantes, o ser caminha para a
sua individuação (ESTES, 1999).
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resistência do seu mito pela escala histórica dessa trajetória que lhe é, de certo
modo, ímpar.
Entendamos aqui que “verdade” termina por ser definidas como o consenso
filosófico, nas palavras explicadas por Roberto Machado, quando este define as
ideias de Friedrich Nietzsche:
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Todavia, se insensibilizam os talentos femininos que se recuam abruptos
quando vividos nas construções sociais. Ele é abstruso aos avanços da psique e a
mulher definha sobre suas próprias circunstâncias, acreditada nos elos da postura
que lhe é habitual; nos regimes da solidez mordaz da ordem.
Não se poderia cometer o mesmo erro duas vezes! Lilith era a fêmea-
sombra (estabeleço esse termo partindo da ideia de que a dualidade que divide o
ser no seu oposto quando observadas por Jung através das características do
inconsciente do inconsciente ou sombra da sombra no inconsciente).
Eva surgia como a segunda chance de Adão. E ele, Adão, o cândido, vigiaria
seus passos como outrora não houvera feito com Lilith (será que não? Ou Adão era
vítima de um mecanismo de defesa que lhe conduzia a agir contra o seu próprio
ser?).
A segunda oportunidade dada por Deus, sobre seus critérios de sua eterna
perfeição e Onisciência, o Criador também não poderia errar “desta vez”.
Ora, Javé não tinha origem, nem passado atrás de si, com exceção de seu
título de Criador com o qual teve início à história em geral, e de sua relação
com aquela parte da humanidade cujo primeiro pai, Adão, ele criara à sua
imagem e semelhança, como o anthropos, o homem primordial puro e
simples, num ato criador manifestamente especial (JUNG, 2013, p.25).
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Ou seja, todos ali envolvidos estavam sobre uma responsabilidade de evitar
erros. E a mulher, no caso, Eva, era o centro das atenções, o objeto a ser controlado
e atentado ao devoto cuidado para não atravessar outra vez as regras impostas.
Observa-se que é Lilith (no interior de Eva) que se sobressair aos “cuidados”
de Deus e de Adão. Lilith sempre existiu no interior de Eva, apenas não se deu
conta desse fato.
Seu objetivo é chegar ao mar, sendo mais preciso ir até o golfo localizado no
oceano Índico, local que fica entre a África e a Ásia. A jovem Lilith estava agora bem
diante do imenso Mar Vermelho que representava o novo lugar para a sua natureza.
Reconhece-se que o feminino ali não escaparia dos desastres, pois, como
que diante de lampejos de uma autonomia que, de repente, emerge sobressaltado
da alma, as mulheres não conseguem evitar os desejos do Si-mesmo.
Aliás, somente muito mais tarde se fala de uma relação escabrosa entre
Adão e Lilith. É totalmente impossível saber se Eva foi uma esposa
incômoda para Adão, como o era para Javé o povo que vivia, por assim
dizer, “flertando” com a infidelidade. De qualquer maneira, a vida de família
dos primeiros pais não é feita somente de alegria: seus dois primeiros filhos
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representam o par de irmãos inimigos, pois nessa época ainda se
realizavam os temas mitológicos (JUNG, 2013, p. 44).
Todavia, a jovem Eva terminá-la-ia de qualquer forma a desobedecer a Deus
e, no caso, a condução do destino de Adão junto do seu poder sedutor, persuadi-lo-
ia ao erro, como é a determinação da trajetória feminina sobre a terra. Citada nos
textos bíblicos e nos temas religiosos mais tradicionais a mulher é culpada em
absoluto. Tal demanda sombria do feminino provocaria, sem dúvida, a destruição do
homem, do paraíso e de todas as perfeições regidas naquele bucólico jardim.
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Elado a esse inconsciente interior, Adão permanece alheio aos seus desejos
ou, então, ao que perceberá só quando o fato acontecer de verdade para depois
tomar ciência de algo que poderia ter sido evitado. Ás vezes, até se aceita a
condição de homem que nada sabe e nada o fez para o pior acontecer, pois a figura
masculina parece nunca ser julgada.
E, a Eva associa-se a figura feminina de Pandora (em grego, "a que tudo dá",
"a que possui tudo", "a que tudo tira"), dentro dessa tríade que é projetiva ao
feminino, percebemos o seu poder. A deusa que é indicada no mito como a que:
“fora um presente de Deus ao homem” (BULFINCH, 2002, p. 20). Então, Eva, no
caso, tornar-se-ia o símbolo da mulher que é portadora de alguma “propriedade”
interior, um conteúdo que domina de certa forma algo místico. A portadora da caixa
ou do destino do homem é símbolo base da mãe-mulher.
No mito, Pandora, por exemplo, adentra ao mundo com uma caixa que
simboliza conteúdos internos; enquanto Eva tem no jardim a árvore proibida que
contenha o mesmo “domínio”, algo que representa o “bem e o mal” (GÊNESIS I), ao
mesmo tempo, eleita nas polaridades do saber.
Tal situação expõe as duas figuras femininas como sendo elas as portadoras
desse “pecado” habitual: “Leva a caixa, mas não abra”, palavras ditas a Pandora
quando esta se dirigia ao mundo (BULFINCH, 2002) .
Porém, se não é para ser aberta, então por que é enviada em suas mãos?
Por outra: o homem é identificado com o mal, e disso resulta que em primeiro
lugar ele se opõe ao bem e em segundo lugar se esforça por ser perfeito com o Pai
que está no céu (JUNG, 2013, p. 107).
Além das explicações bem atípicas de algo que se deveria buscar com certa
coerência, encontraríamos esse fator de curiosidade inato no ser já que nos é um
estado natural do espírito. Podemos até citar essa demanda interior nas figuras
científicas, de: Giordano Bruno, Copérnico e Galileu Galilei, assim como em outras
personalidades que buscaram as descobertas científicas; são homens que não
deixaram de enfrentar as leis por conta dos descobrimentos e avanços científicos
conquistados através dessa evidenciação contínua que advém do nosso interior
inquieto. Mesmo sobre as rígidas regras religiosas que tentam por freio e controle a
essa característica natural.
Ora, Deus não tinha origem, nem passado atrás de si, com exceção de seu
título de Criador com o qual teve início a história em geral, e de sua relação com
aquela parte da humanidade cujo primeiro pai, Adão, ele criara à sua imagem e
semelhança, como o anthropos, o homem primordial puro e simples, num ato criador
manifestamente especial (JUNG, 2013, p. 25).
E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, deixando-se seduzir,
incorreu na transgressão (PAULO, 1Tm 2:14).
Nesse meio-fim, identifica-se que Lilith dar ares de ser diferente quanto ao
seu surgimento ou quanto as suas responsabilidades diante de seu nascimento que
vem paralelo ao do seu companheiro. Porém, emerge sobre as impetrações
características dessas projeções, acercamo-nos de um desejo de mantê-la sobre as
correntes do tempo, num olhar petrificado de seu nascimento. Ela também tem
censurada a sua vontade de se manter em equidade com aquele homem, do qual
nascera junto e lhe era de alguma forma irmã.
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Nos mitos sumérios escritos acerca de 3000 a.C. descreve-se com deferência
a figura feminina que brota através da entranha efervescente da terra. Surge como
um demônio advindo do tártaro. A mesma imagem simbólica permutava do tempo e
era identificada como um “sopro divino” que, eventualmente, destrói tudo que tenta
enfrentá-lo ou de encontrá-lo onde fosse (SICUTERI, 2015).
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encosta das pedras marinhas, mas arrosta às ameaças com a firme certeza de que
sairá vencedora.
Esse símbolo forte vem através do inconsciente que permanece como arca a
submergir nesse oceano hermético que resiste as mais duras tempestades (JUNG,
2017).
[...] uma mulher que é como a própria Lua: tão linda que só espalha
sofrimento, tão cheia de pudor que vive nua (MORAIS, 1957, p.80).
Lilith é a parte inferior da chama de uma vela, aquela que fica presa ao
pavio (a parte que é mais enraizada a terra), enquanto Adão é a parte
branca da chama. Assim completa a chama esta emana luz. Esta é uma
meditação que define a ordem vertical dos graus da expressão vital
(SICUTERI, 2015, p.12).
Lilith é esse feminino misterioso e que resiste aos mais elevados ataques.
Uma estrutura forjada com o aço mais pesado e coberto por tal fino ouro, para
agradar aos olhares e não para ser reconhecido como a estrutura real que a define
pelo interior.
O que engloba o seu centro, o que lhe complementa a psique? Essas atitudes
são reprimidas e contidas. O demônio assusta e corre na escuridão, a natureza
instintiva selvagem permite a criação do monstro feminino, do erro da natureza, a
21
sua bestialidade promove a desordem social, promove o mal em si, ela não pode
ganhar vida, pois é o ser que traz o declínio de toda humanidade. São tantos os
elementos obscuros que vêm à luz, que a personalidade é como que radiografada,
ao mesmo tempo em que a consciência ganha infalivelmente em amplidão e
percepção (JUNG, 2013, p. 120).
Porém, quem ousa dizer que o lado sombrio não demanda certa curiosidade?
22
tempo) que para descontinuar o percurso do tempo, controla a natureza da vida e da
morte com os seus poderes (BULFINCH, 2002).
[...] A relação com a anima é outro teste de coragem, uma prova de fogo
para as forças espirituais e morais do homem. Jamais devemos esquecer
que, em se tratando da anima, estamos lidando com realidades psíquicas,
as quais até então nunca foram apropriadas pelo homem, uma vez que se
mantinham fora de seu âmbito psíquico, sob a forma de projeções. (JUNG,
2000, p. 39).
Submergir nos ideais de um conto de fadas. Por ali, caminha a pequena
menina, partindo na direção da floresta escura, sem deixar que seu medo tome
conta ou de temer o enfrentamento de tão terrível ambiente inóspito. É o que a faz
decidir por si. Ela sabe que a escuridão lhe trará coisas que desagradam ao primeiro
toque, o instante dessa natureza primitiva original que abarca a alma.
Esse breu que convida a duras caminhadas, ávido e sem água para saciar a
eterna sede. Para mim, é local inabitável, pois não há alimentos para o suporte de
se manter consciente e firme até o início do fim.
Entende-se que esses são as demandas psíquicas que convida o ser para a
sua conquista pessoal. A busca de conteúdos no interior à custa de um esforço
pessoal incomum.
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A feiticeira perversa que mexe o líquido com a colher no velho caldeirão. Gira
em círculos mágicos com o gesto que comporta os destinos da vida e da morte ou
da morte e da vida, e, ao mesmo tempo, sangra as vestes com seu calor, tornando
os círculos intensos e adversos dos destinos dos homens. Ela é a rainha da floresta
e dos mares (ESTES, 1999).
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A mulher-má tomará conta da escuridão sobre a guarda do Si-mesmo, ou
seja, ela não temerá a escuridão. Ela aparece como a Bruxa, uma pessoa que
encanta e que torna o círculo dos movimentos sobre a túnica de sua sabedoria como
algo que lhe é absolutamente natural (ESTES, 1999).
Assim como ela deseja ou como necessária ao seu uso. A bruxa usa as mãos
unidas, seguras ao instrumento, fazendo-o condutor de sua força interior; por vezes,
sendo feitas no sentido horário ou, outras vezes, assim como desejar no sentido
anti-horário: o futuro e o passado; Marte e Vênus (planetas), movimentos que são
devidamente opostos, mas necessários assim como determina sua experiência e o
destino de seu jogo por entre as elipses dos movimentos incorretos (AZEVEDO,
1982).
Os tipos de mulheres que não se deve ver e nem procurá-las onde for.
Então, Lilith obedece a esse paradigma de seguir seus instintos naturais, ela
caminha na sequência natural da lua; a cratera lunar, que se abre ao olhar (palavra
cratera escrita por Galileu, significa “vaso”, no grego) (HAWKING, 2002), uma
palavra simbólica aos mitos femininos, de lua (feminino) e vaso (caldeirão).
Teve sua divulgação proibida por ter essa proposta contestatória, onde a
mulher reclama um lugar junto ao homem, uma posição de igualdade, de não
submissão. A sua divulgação é proibida oficialmente, e ficou conservada apenas nos
textos cabalísticos. Mas tornou-se popular na Idade Média, no período de caça as
bruxas. Lilith converte-se num exemplo moral de punição para a rebeldia, a
independência e a autossuficiência da mulher são tidos como o mal do mundo
(CAVALCANTI Apud BOMFIM, 2009, p. 72).
Ela foge para penetrar as trevas, como que procurando a penumbra da Lua. À
noite, rodopia com suas vestes e adentra a floresta ou, então, vai ao encontro de
uma caverna longínqua para assim percorrer a imensa escuridão interior, um
ambiente que a define muito bem, já que é ali que a anima reside (JUNG, 2017).
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atitude de se estabelecer diante de um retrocesso dos instintos em direção ao que
lhe é mais primitivo. Por isso Lilith tornar-se-á uma serpente, um demônio, um ser
das trevas, com um exílio solitário; ela está ligada com a morte e conectada ao
mundo dos mortos.
Esse símbolo que se eternizou sobre as vestes dessa quase medusa, Lilith,
que passou agora a ser o feminino nas formas físicas animalizadas. É produtora dos
princípios criativos de sua natureza volúvel, ou seja, ela é geradora de vida, por ser
mãe e de morte por ser o demônio. São aspectos do sagrado feminino que gera a
partir de si mesma, os seres demoníacos advindos dos oceanos mais profundos,
assim como também aos anjos da terra (SICUTERI, 2015).
Pois o que se refere à morte também indica vida, no caso, ao que simboliza
esse mito é a dualidade que o permeia. O ressurgimento de Si-mesma na solidão é
fator preponderante para o surgimento de grandes verdades interiores, pois estas
são reveladas nas sombras. Ela é a “artífice”: realiza o pensamento de Deus, dando-
lhe uma forma material, o que é uma prerrogativa da essência feminina (JUNG,
2013, p. 48).
Voltar às costas para o mal sem mais, a fim de poder assim evitá-lo,
pertence ao vasto arsenal de ingenuidades antiquadas. [...] O mal é o
oposto necessário do bem; sem ele não existiria o bem. Nem mesmo
podemos prescindir do primeiro. O estar fora da serpente negra exprime a
posição crítica do mal em nossa visão tradicional do mundo (JUNG, 2017, p.
317).
Entende-se essa divisão como que empreendidas por nossa projeção as
figuras exteriores, realizadas ao longo dos séculos e que vem se solidificando com
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os mitos, contos, ou o formar de nossas ideias acerca dessa natureza peculiar que
se segue, sem termos certa noção de sua profundidade em nós.
Lilith como Medusa (ser mitológico que petrifica ao olhar), monstro feminino
ctônico; assim como a jovem Perséfone (filha de Deméter) nos mitos gregos, que
adentra ao mundo de Hades e torna-se rainha (JUNG, 2013).
Seu conteúdo emerge daquilo que é consciente, mas que, portanto, sua
estrutura advinda do líquido-mãe, advém de uma existência não física (ESTES,
1999).
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comparada ao sistema axial de um cristal, que pré-forma, de certo modo, sua
estrutura no líquido-mãe, apesar de ele próprio não possuir uma existência material.
Esta última só aparece através da maneira específica pela qual os íons e depois as
moléculas se agregam. O arquétipo é um elemento vazio e formal em si, nada mais
sendo do que uma facultas praeformandi, uma possibilidade dada a priori da forma
da sua representação. O que é herdado não são as ideias, mas as formas, as quais
sob esse aspecto particular correspondem aos instintos igualmente determinados
por sua forma (JUNG, 2017, p. 91).
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são mediados pelo discurso institucional, político-social e se absorve na vida em
família (BORGES, 2013).
Volta-se ao jardim do Éden, vamos dar conta dessa vazão histórica que
assegurou o destino mais vil do primeiro ser feminino. Os relatos bíblicos de que
Lilith seria classificada como o demônio da luxúria.
Na escrita dos Hebreus, ela tomou o poder que recai sobre os homens, sobre
os sonhos, ela rasteja sobre os pesadelos doentios; ela age nos desaparecimentos
de crianças; e, é responsável pela escuridão da lua, seus aspectos animalizado
mancha de vermelho o satélite durante o eclipse, já que é a cor da chama e do
desejo incandescente que a envolve; é o ser que tange as lágrimas na direção do
mar, junto aos trajetos dos rios, das nascentes e da lama dos pântanos (BONFIM,
2009).
Então, Deus disse à serpente: “Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que
toda a fera, e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó
comerás todos os dias da tua vida” (Gênesis 3:14).
Ela já estava condenada por Deus, então, recebia uma segunda sentença: a
dor, a sensação humilhante de rastejar eternamente pela terra.
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seu vago sentimento de destruição e tormentos. Má o era, e deus repete e a
condena a ser animal.
Por outro lado, a mulher ali, Eva, é a culpada absoluta pelo infortúnio humano
(vamos entender dessa forma): ela é o centro, pois Lilith não permanece mais como
figura feminina humana e sim como serpente (ser antropomórfo), na forma mais
animalizada do que humana; então, deixa de ser vista como mulher. Passa a ser a
condenada por Deus.
A mulher estereotipada como uma figura que dá sentido ao Diabo, por que ela
é classificada como um demônio que afugenta e conduz em direções opostas, a
importância feminina é secundaria (JUNG, 2013).
Quem poderia dar ouvido a esta figura maligna? Quem ouvirá uma serpente?
Nossa Lilith, também migra para o norte da Europa, onde a figura sombria
escreverá símbolos que amedrontam e que agitam as civilizações; ela é o próprio
caos que descontrola a natureza; a sexualidade que vagueia por entre sentidos
desconexos e a magia que perambula pelas mãos e corrompe a alma:
Freyja, deusa dos povos nórdicos, que toma a forma de um pássaro para
viajar ao mundo dos mortos. Vamos encontrar uma imagem relacionada à deusa
Inanna, na mitologia suméria, irmã do deus-sol, Utu, onde abriremos para a leitura
de seus símbolos ligados a essa figura feminina (ELIADE, 1979).
33
Nos sumérios, por exemplo, a Inanna, tem os pés de uma ave, que pode ser
de um abutre ou de uma águia, porém reconhecemos que o abutre é exclusivamente
um símbolo feminino que, normalmente, está ligado à figura da mãe (KERR, 1995).
Freyja vem com um colar de ouro caído sobre o colo que, por esse símbolo,
encontraremos elementos ligados aos opostos, sol e noite (lua), masculino e
feminino; Mut, a egípcia, é ainda reforçada por seu símbolo em hieroglífico que é um
abutre, essa deusa é casada com o Deus sol, Amon (egípcio: Yamānu, seu nome
significa o “oculto”), a personificação dos ventos (DOBERSTEIN, 2010, p.130). Mut
tem alguns aspectos também que a liga a imagem de Inanna (Essa “Lilith” dos
babilônicos), que usa acima de sua cabeça uma serpente (Ureus) adjunta a sua
coroa de rainha. Em Inanna, iremos encontrar na sua imagem os cabelos de
serpentes, assim semelhantes à Medusa (grega) e Ixchel (Maia). E Lilith torna-se
humana/serpente, uma característica de animalização do feminino e os seus
sistemas interiores, e assim por diante.
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das deidades terrestres, pois já era conhecida mesmo antes do levante de Zeus á
Cronos (ELIADE, 1979). Assim considera-se Hécate como uma antiguíssima deusa
desse panteão. Entretanto pode-se deduzir que essa figura mística tinha uma
característica de uma divindade da fertilidade que, provavelmente, fora se perdendo
ao longo do tempo, ou seja, ela volta-se para o contexto do feminino que impera por
entre os versos dissonantes que caracteriza os discursos sociais a respeito do
feminino, já que o seu poder está relacionado à geração da vida e do conhecimento.
Hécate por aí se apaga na história.
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As três estações do ano em que Perséfone estava com sua mãe Deméter e
os três meses com o marido. A chuva do inverno era o símbolo dos lamentos,
tristeza e choro de sua mãe e do seu descuido com a natureza, o lado obscuro de
Deméter aparece no inverno.
Sobretudo, essas ocorrências são menos acessíveis nos dias atuais, já que a
vivência e o contato com os mitos, nas civilizações modernas são bem menores do
que ocorriam outrora.
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"poderosas". Isso mostra que nesses casos o “elemento-Mãe-Terra", no
consciente, é anormalmente fraco, necessitando, portanto ser fortalecido
(JUNG, 2017, p. 186).
Entretanto, podemos nos apropriar das construções intuitivas dessas deusas,
pois são as características da Grande-mãe ou da Mãe diretamente ligada as suas
raízes ctônicas; sobre seus aspectos descritivos e suas relações com o mundo e
com a origem dos seres. Os símbolos são determinantes para executarmos tais
leituras; atinge-se o reconhecimento frente a esses avanços psíquicos que nos deixa
próximos desse universo simbólico a priori (JUNG, 2017).
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caixa de Pandora. Do envolve-se nos mistérios das serpentes, no despertar das
devidas ilusões.
É verdade, não vou mentir para vocês. É mais fácil jogar fora a luz e ir
dormir. É verdade que é bem difícil segurar a luz da caveira à nossa frente
em algumas ocasiões. Pois, com ela, vemos nitidamente todos aspectos de
nós mesmas e dos outros, tanto os deformados quanto os divinos, além de
todas as condições intermediárias (ESTES, 1999, p. 82).
O oculto no Feminino
Lilith transpassa seu corpo pela árvore do fruto do pecado naquele acessível
jardim, o corpo disforme, é a cobra tão cheia de solidão, mas aberto aos perigos do
desastre humano. Atos que são tão habituais e perenes. Mas que agora é o seu
sentido, sua estrutura física.
O que é descrito como divisão do que era outrora Uno, como uma separação
material homem/mulher que, originalmente, em seu princípio são universalmente
Unas, tais as estruturas deístas, ganham dimensões distintas e tornam-se Dual, em
uma divisão onisciente de suas estruturas, porém distintas uma da outra, mas
contendo os princípios da natureza inicial.
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Estes também surgem como uma força geradora dos movimentos e das
características multicelulares da psique.
Voltando aos deuses em questão, veremos que essa vertente principal que
estrutura as “partes” em divisão pertencia outrora ao conteúdo Uno do Caos (o
primeiro deus primordial, assim como Javé) que, por ventura, está relacionado à
figura paterna de Érebo e Nix, de origem diretamente divina, provindas direta desse
criador onisciente; ou seja, ambos eram partes de uma mesma estrutura escura e
desconhecida. Essa estrutura não é observável, não vem à consciência. Mas que
agora se tornam um princípio masculino e feminino (anima e animus), advindas do
Deus primordial (JUNG, 2017).
Faça-se a tríade com as figuras de: Deus, Adão e Lilith, que se absorvem
dentro da estrutura Uno do Criador e dos descendentes desse Ser Uno, universal,
torna-se também, os símbolos união e, ao mesmo tempo, separados.
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tártaro, o inferno, o submundo, a terra e o céu. É uma potência multiforme, assim
como Lilith, Inanna, Mut, Freyja, Ixchel e entre outras deusas já citadas.
A ninfa Dafne transforma-se em árvore quando vai ser alcançada por Apolo, e
a partir daí a natureza feminina da vida ou aparece a sua realidade interior através
do contato com o Animus. No jardim do Éden, figura-se a árvore do bem e do mal,
não que diretamente esteja ligado à árvore unicamente, mas ao conjunto. Daí vem:
Lilith, Eva e o fruto, pois necessário verificar os detalhes que ligam o mito e sua
relação simbólico/inconsciente com essa Anima extremamente estruturada em
vários símbolos (JUNG, 2017).
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longevidade. Ambas advindas da natureza e que regem sobre a construção da
imagem da mãe-terra (JUNG, 2012).
REFERENCIAS
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