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João Paulo S. da Costa, 2016.

Estudante de Psicologia. 6º Semestre, Faculdade Pitágoras.

O MITO LILITH, A REPRESSÃO DO FEMININO

A repulsão histórica de Lilith

Quando a imensa sombra alcança a terra e delineia sobre sua atmosfera uma
trajetória fortemente enegrecida, cortante e inextinguível, aos alicerces de uma
sombra incorpórea que atravessa o tempo e vagueia até os limites da atmosfera.
Sobre a longa superfície restringe-se apenas a obscurecer aquilo que outrora se
podia observar diretamente. De outra forma, tentar entender a sua natureza ardilosa
é um desafio intricado, por outras vezes, vê-la-íamos má por seus mistérios e
profundez. Todo este fato significa que ela é necessária à vida quando sua volúvel
serenidade toma conta da alma, num ato que lhe é particular e, por outro, em feitio a
apresentar sua integralidade exímia, plena e hermética. Aquela figura mitológica
advém de uma natureza primitiva e acolhe em seu seio o homem natural.

A penumbra torna-se noite e apresenta-se resoluta, mesmo que diante do


imperioso astro solar que, no céu rajando sua magnitude estrelar, torna-se humilde
diante da pequena esfera feminina misteriosa chamada Lua.

De certo, ao observamos esse fenômeno astronômico interessante podemos


descrevê-lo diretamente de duas maneiras específicas, como: primeiro, trata-se de
uma projeção do satélite sobre a imagem solar, no caso algo que assemelha-se a
uma “devoração solar” (eclipse solar). Ou então, uma segunda observação que é a
sombra da terra que permanece sobreposta à lua, ou seja, a sombra da terra atinge
nosso satélite natural de forma a escurecê-lo, ou em outras oportunidades, age de
forma parcial. No entanto, já nesse segundo fenômeno pode-se identificar, por
exemplo, as cores que passam a sobrevoar a lua como uma sombra mística que a
toma como participe desse poder, pois sobre o satélite natural firma-se uma
vermelhidão que parece emergir de seu solo pálido-cinza (OLIVEIRA; SARAIVA,
2014).

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Entretanto, apesar de darmos essa qualidade que avulta entre o branco e
o Albedo (em estudos alquímicos refere-se à cor branca), em outras ocasiões, esta
imagem figura-se numa tonalidade mais escura (FRANZ, 1995). A lua participa
desse mistério celeste com efeito de sua natureza primária. Porém, além dessas
cores citadas, destacamos ainda a cor vermelha-escura, a intensificar sua incidência
sobre o aspecto feminino e de sua relação com a imagem lunar (ESTES, 1999).

O eclipse é o “assombro” místico, principalmente, nas civilizações mais


antigas. Tudo que, por algum instante, determinava caos a ordem natural das
coisas, produzia no homem a sensação de isolamento dos fatos e do medo desse
desconhecido ser que agia na escuridão da alma (ELIADE, 1979).

Esse poder misterioso da lua foi transferido às características do princípio


feminino e de suas fases, expondo significados simbólicos através do simbólico que
a imagem no céu representava. Nesse contexto podemos também nos direcionar
aos contos de fadas ou/e as histórias infantis. As transcrições antigas dadas aos
mistérios propostos por nosso satélite são veementes a identificação dessa
exterioridade psicológica, além de tudo, já marcada pelo conhecimento humano.

De certo modo, são as referências aos segredos incultos na personalidade


feminina que dão referências ao inconsciente coletivo, esta figura o símbolo
mitológico que percorre o tempo (ESTES, 1999).

É mencionado o eclipse no início desse texto com o propósito de introduzir os


compostos hoje entendidos cientificamente sobre o fenômeno natural e, identificá-lo
também, como algo que trouxe à concepção racional do homem antigo, a magnitude
da ocorrência natural acerca de nossa aproximação com este antecipado efeito
noturno que, logo, tornou-se um fato consciente projetado no traçado das
civilizações de um modo geral.

Expondo aqui, por outro lado, a natureza desse enfrentamento interior, ou


seja, os nossos desejos iluminados e a sombra interior que persiste no que podemos
chamar de duelo universal, assentando-os na medida em que possamos verificar
essa proximidade entre a lua e o sol; identificando-os como elementos distintos,
mas Uno (Plotino, além de todas as categorias do ser e do não-ser) em si, porém,
(BRANDÃO, 2007), ao mesmo tempo, quando analisados de forma simbólica se
definem num sentido cabível aos preceitos advindo desse inconsciente:
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[...] a carta de amor do sol à lua crescente, onde o sol diz: Em grande e
definitiva debilidade, darei desde minha beleza a luz mediante a qual
alcança uma perfeição. De um ponto de vista puramente astronômico, o sol
tem luz, enquanto que a lua se limita a recebê-la dele; isto é, o sol dá luz à
lua, e para isto há uma base bem natural. O sol, em sua forma radiante,
imanente, tenta repartir parte de sua luz à lua para que esta possa alcançar
a perfeição (FRANZ, 1995, p.115).
Ou então, pode-se lembrar de que a lua é lambida, por vezes: pela sombra de
Gaia (Γαία, a mãe-terra grega); a sombra de Nerthus, a mãe-terra nórdica (mitologia
celta); a mulher mutante dos Navajos, Estsanatlehi; a sombra de Pachamama,
indicada esta aos Incas; Haumea, a mãe havaina e entre outros povos as grandes
mulheres criadoras que existiram e dominaram o conteúdo inconsciente dessas
civilizações (ELIADE, 1979). Essa sombra hermética e intencionalmente guardada a
humanidade como símbolo das marcas que permanecem para sempre, tornam-se
parte integrante da natureza arquetípica que se transborda ao feminino.

O símbolo percorre o tempo, permanecendo num oceano invisível ao olhar


humano, está perene aos registros do que é dito, no conto, na mitologia, numa
lenda, na transformação do ser e que demanda-se hábil as novas maneiras de
vivenciar o contato com essa magnífica natureza psíquica, tornando-se parte dessa
coletividade (SICUTERI, 2015).

Todavia, encontraremos os mistérios entorno dessa figura feminina chamada


de Lilith (em hebraico: ed oãsnetni litus an ,opmet o assevarta euq rehlum a ,(‫לילית‬
tornar-se parte do homem (SICUTERI, 2015). No entanto, seu símbolo contorna-se
como sendo infinito, como o ouroboros, inesgotável aos recortes das imagens
inconscientes que, por sua vez, emergem da psique feminina e desta provem suas
sensações instintivas (JUNG, 2017).

Lilith é à sombra do feminino, numa ceifa ímpar de sua marca sobre a terra,
assim como o eclipse lunar que acontece independente de nossa vontade ou de
nossa percepção direta sobre seus efeitos nos oceanos. A mulher, primeira, que se
opõe a Adão, no registro da Genesis, particularmente, ao jardim no Éden; ela é a
que evidentemente se sobressai desse pequeno ambiente sobre as demandas
negativas de um discurso tradicional, que elança o comportamento feminino no julgo
daqueles que de certa forma a temem (SICUTERI, 2015).

Traduz por assim, a forte marca patriarcal-religiosa que domina o discurso


febril das mentes mais ortódoxias. Lilith é emancipada, é a mulher que incita seus

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direitos sociais, que reside na escuridão do paraíso com a bravura de quem suporta
aos mais incólumes açoites do patriarcado social. A figura dessa mulher esquecida é
espírito e natureza, tendo essa dualidade como averbação máxima de sua trajetória
sobre a terra (SICUTERI, 2015).

A primeira mulher resistiu aos entraves da ação religiosa dominante, até o


eclodir de sua subsistência instintiva, com sua felina natureza; torna-se a mulher e o
animal, por que Lilith é mulher e é parte da lama e se estende a árvore; assim é raiz,
tronco, galhos, folhas e fruto, que jazem no Éden como estrutura amórfica.

Lilith é selvagem e seu habitat é a nascente dos rios; é a sombra nas


cavernas; é o eco nas grutas mais submersas (SICUTERI, 2015), ela também habita
no homem interior e percorre o dorso de sua alma, sendo a Anima, e a
integralidade (JUNG, 2017).

O mito de Lilith pertence à grande tradição dos testemunhos orais que estão
reunidos nos textos da sabedoria rabínica definida na versão jeovística, que se
coloca lado a lado, precedendo-a de alguns séculos, da versão bíblica dos
sacerdotes. Sabemos que tais versões do Gênesis — e particularmente o mito do
nascimento da mulher — são ricas de contradições e enigmas que se anulam. Nós
deduzimos que a lenda de Lilith, primeira companheira de Adão, foi perdida ou
removida durante a época de transposição da versão jeovística para aquela
sacerdotal, que logo após sofre as modificações dos pais da Igreja (SICUTERI,
2015, p.12).

Porém, a fervorosa dama, é escrita no Zohar, uma parte escrita dentro do


agrupamento de livros canônicos do judaísmo, a palavra no hebraico (Zohar)
significa “esplendor”, e pertence à Cabala. O Zohar é a arqueologia dos ossos dos
homens, o mover da terra, a lama encandecente do sagrado, já que nessa
concepção reveladora das circunstâncias, o grupo de livros transcreve a natureza
dessa gênesis (início) e explica a natureza original do homem com a sólida índole do
existir mitológico/religioso (ZOHAR, 2011).

Contudo, de certa forma, é reconhecida como uma obra que pouco fora
alterada no decorrer dos séculos e é por essa que procuro referenciar as descrições
que virão a seguir, diante do estudo dessa figura feminina.

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Necessário se faz compreender esse paralelo que existe entre a primeira
mulher, Lillith e Eva (a segunda mulher de Adão), assim como também abordaremos
paralelos ligados à trajetória mitológica dessas figuras femininas no Éden, além dos
seguintes acordos entre os deuses e os contos infantis.

Nossa Lilith parece emergir de um manancial logo indigesto ao patriarcado


austero que foi reprimindo e suplantando a cultura popular. A vida de Lilith resiste as
mais vis tentativas de sufocá-la a escuridão para sempre. Apesar disso, entendemos
que é a própria escuridão que a fortalece e a fez permanecer viva no interior dos
ambientes mais submersos do mundo. Lilith dura na lama obscura do si-mesmo
(SICUTERI, 2015).

Na gruta tártara, surgirá do seu interior os ossos e a sua carne ainda em


sangue.

É o sangue vermelho do feminino que desce aos rios de águas escuras. Lá


emergirá das correntes adversas à tez mais encantadora já vista em todo mundo,
pois ela tem o encanto do femíneo pleno e é a mais bela dos seres viventes. Lilith
vem dos lugares mais enoitecidos da terra, resiste à chama efervescente
de Hades (deus grego do submundo, do inferno, da escuridão), sem esmorecer e se
revigora na sombra e na escuridão da lua (BOMFIM, 2009).

Entende-se que essa primeira fêmea, certamente, tem a ver com a Gênesis I
(Blíbia Sagrada), esquivada da sua natureza real, mas que é precisa quando
dissertadas nos versos decisivos da trajetória humana sobre a terra:

E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e


fêmea os criou (Genesis 1:27).

Macho e fêmea é a imagem do ser onisciente, atributos eternos da alma. E,


no entanto, compreender essa “fêmea” ao lado do primeiro homem, o Adão, é
procurar entender o mito que nasceu adjacente à história da criação humana e os
símbolos que os envolvem sua progressão na cultura/religiosa.

É perceber que essa primeira mulher agita as velhas letras dos livros
sagrados, pois ela é destruída para renasce nos contos. Por vezes, identificamos
nos contos infantis com sua fantasia amistosa, mas possuidora de todo o poder.

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Os registros de sua história passaram a ter plena contradição e geraram ao
longo dos séculos os enigmas que ficaram unicamente pelo sentido da curiosidade
que são características de nossa natureza (SICUTERI, 2015).

O arquétipo é natureza pura, não deturpada e é a natureza que faz com que o
homem pronuncie palavras e execute ações de cujo sentido ele não tem
consciência, e tanto não tem, que ele já nem pensa mais nelas (JUNG, 2017, p.75).

O sexo feminino parece provocar o torpor dos sentidos, ao sentir-se atraído


por seus encantos tortuosos. O ato de bisbilhotar os segredos, compor a mais bela
magia e elevar o sentido da busca pela verdade.

Sem dúvida, Lilith fora excluída dos textos bíblicos, com o pleno interesse de
mantê-la no crepúsculo da consciência das civilizações, e isso se deu durante a
época de transição das versões jeovística para as versões patriarcais que
predominam nos dias mais recentes (SICUTERI, 2015). E diante dessa atmosfera
movediça, amarga, aos caprichos da reprimenda masculina, Lilith surge sempre aos
sonhos. Lilith reserva-nos a natureza pura, assim, o mais próximo que podemos
chegar da natureza feminina autêntica.

Porquanto, ela é a psique no princípio da Gênesis.

Tais textos foram condicionados a agradar certo público, aquele que domina a
ordem do comportamento e reserva parte dessa força para controlar as estruturas
predominantes na natureza desse mesmo feminino que assusta.

Enfim, basta apenas obedecer a certas regras de conduta e será a mulher


“ideal” para o convívio ordenado.

A segunda mulher advinda direta do homem (suposta costela) é a jovem Eva


que se define como sendo a outra mulher de Adão; vem como uma amante, a que
brota pelo alcance de um litígio extremamente masculino. Uma vez que sê-las ao
plural (duas mulheres que devem pertencer ao homem) com ordem preestabelecida
e a mais vivida no contexto social.

Todavia, Eva tornar-se-á a segunda mulher a pisar no Éden, com a reserva


de ser a fêmea ideal para desfrutá-lo como lugar reservadamente puro. Aliás, por
entre os versos antigos (Genesis I), podemos ainda perceber que as pegadas
deixadas por Lilith, naquele abstêmio jardim, ainda marcam o solo eventualmente

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enegrecido pelos passos ardentes e fétidos da primeira mulher que ousou quebrar a
devidas regras da conduta.

Ser-la-ia aos cumprimentos da ordem, diante de uma vida representativa, com


o preço de um interminável prazer feliz por toda a eternidade.

Entretanto, para a decepção de Adão e de Deus, não fora do modo como


supunham.

Porém, antes do advento feminino, Eva é a mulher escolhida a fim de trazer à


correção dos gestos axiomáticos, incontestáveis, a redução ao máximo dos atos
desenfreados dos impulsos. Todavia, ela está ali para refazer a trajetória do homem
advindo do próprio Deus, por quem deve seguir e obedecer, assim como que
circunscrevendo os aspectos inconscientes naturais que transborda as formas mais
elogiáveis do comportamento feminino: Eva firma suas pegadas nos campos sociais,
vivendo advertida pela lógica das leis.

Suas ações são pré-julgadas antes mesmo de qualquer ato, sobre o jus da
forma com que a natureza a fez em princípio (Lilith, o feminino, o seu estado natural
de comportamento ou de sua natureza “arredia”) como mulher e agente de si-
mesma.

Esse cuidado a rigor é evidenciado no comportamento da mulher por que Eva


de alguma forma seguirá seus instintos femininos e se inclinará a seguir as formas
interiores de Lilith, já que esta última é a mais forte sombra no interior feminino
(JUNG, 2017).

Além, dos movimentos que agem para reprimi-la, estar à consciência dos
homens as velhas “pegadas” da fêmea intolerável que preconiza a anti-vida; os
passos tornam-se ávidos na medida em que se reconhece sua força natural e,
apesar disso, são prontamente apagadas pelo assombro que estas provocavam na
natureza instintivas dos seres, já que Lilith representa a força do feminino como as
aves-mãe que colhem ao longe o fruto que vivifica os sentimentos e as tornam
amadas pelos que dela dependem (KERR, 1997).

Aliás, pelo trilhar dos ventos parece que não há caminhos para serem
atravessados de maneira pronta, uma vez que as pegadas de Lilith vão ressurgindo
das entranhas úmidas da velha terra encoberta pela mais fina grama, pois é dessa

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estrutura úmida que renasce a mulher natural. Assim, esse Spiritus rector invisível
que sobrepõe a qualquer “correção” (no sentido de reprimenda), estruturas psíquicas
enraizadas pelo agreste calor de seu manto, a refletir o brilho ofuscante que outrora
a fez mulher desejada e amada. Sendo guia espiritual e conselheira de qualquer
homem (JUNG, 2017, p. 101).

Podemos dizer que sua sucessora (Eva) aquiesceria sobre essas pegadas os
seus próprios pés, como se aquecesse do tenso frio. Como num jogo inconsciente a
fim de quebrar as débeis atitudes subjugadoras que tentam reduzir a posição
feminina. Atrás de sua derrota segue a inflamada flâmula da injúria perversa que,
somada à insígnia do poder patriarcal extremamente vil, pretende subjugar a sua
elevação psíquica em todos os sentidos. Porém, tais ações se tornam pueril ao
enfrentar às sombras mais obscuras das florestas abissais por onde a natureza
feminina mais se dinamiza e que é por esse caminho que ela mais sabe percorrer.

Por entre as sombras da intensa natureza, seus instintos sobreviveram à


caçada intensa destes homens e de suas leis. Lá, naquele ambiente paradisíaco,
eternizou o amadurecimento, o encontro com a vida e com a morte. O acolhimento
primitivo a fez sobrevoar o pântano das montanhas abissais, a morte que reina,
revive num círculo de Samsara (roda da vida), na cultura vérdica, é um incessante
renascimento através dos mundos (VEDAS, 2002).

O material da sombra pode ser muito positivo, já que muitas vezes os


talentos da mulher são também empurrados para as trevas. No entanto, o
material sombrio negativo também pode ser útil, como veremos, pois
quando ele irrompe e nós finalmente identificamos esses aspectos e suas
fontes, tornamo-nos mais fortes e mais sábias (ESTES, 1999, p.65).
E Lilith é essa mulher que resiste e que nasce e morre muitas vezes se for
preciso, mo caso, para manter-se fiel ao que lhe surge do interior. É ser o que
pretende ser, ela o é e sempre o será, pois é a anima no cálido vento da noite.

Por tudo, Eva veio conservar-se inicialmente como uma figura apática e que
veementemente assegura a este homem, Adão, um agradecimento quase que
deísta pelo seu surgimento no mundo, uma vez que deste se abrolhar a plena ideia
de dependência e de obrigações; o desabrochar de Eva é medido por regras
advindas do demiurgo que oprimir a sua sequência divina (SICUTERI, 2015).

Ela nasce condicionada a uma circunstância elementar que agrega a sua vida
a um pequeno pedaço de osso advindo do homem, que lhe é totalmente
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desconhecido até aquele instante em que nasce dele, pois Deus não o faz Uno e
depois Duo, assim como ocorre nos discursos das gênesis de todos os povos
(redigidos pela mesma natureza originária de Lilith); Eva é apenas proveniente do
próprio homem e desse descende diretamente, sem que a pura natureza incida de
algum registro biogenético do feminino “mãe”, ou seja, Eva nasce de “partes”
femininas de Adão e de Deus, já que é mulher advinda dessas estruturas de
simbólica masculina (SICUTERI, 2015).

Assim sendo, por ocasião de um destino fatídico que lhe cabe apenas
obedecer, Eva exclusivamente satisfaz por conta de sua ocasião naquele jardim, seu
aparecimento no mundo depende das duas estruturas masculinas presentes (Adão e
Deus).

Já Adão favorece-se no compromisso para com o criador de que a mulher


seguinte serviria aos seus desejos e ser-lhe-ia a sua propriedade:

E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma
ajudadora idônea para ele (Genesis 2:18).

Então, o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este
adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar
(Genesis 2:21).

E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e


trouxe-a a Adão (Genesis 2:22).

E disse Adão:

Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será
chamada mulher, porquanto do homem foi tomada (Genesis 2:23).

O homem fora eclipsado outra vez pelo surgimento do feminino no mundo


(coincidência?), ou seja, a primeira mulher (Lilith) não fora tomada por conta, pois
ambos se fizeram-se ao mesmo tempo e, assim, o mesmo depois ocorre com o
surgimento da segunda mulher, Eva, que é descrito como algo para além da
compreensão exata de Adão. Isto é, Adão, não registra em ambos os instantes o
nascimento da mulher (SICUTERI, 2015).

O símbolo feminino sempre nasce sobre o aspecto do desconhecido, do ser,


por assim torna-se misterioso e por isso é definida como um ser ainda a ser
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descoberto. Vemos isso na literatura, na ciência, nos contos, lendas e etc. O ser
misterioso, o sexo que gera mistérios infinitos. Porém, a mulher poderá ser o lobo
que devora o interior, o lobo que caça e que sobrevive (ESTES, 1999).

Portanto, o lobo é o demónio da mais absoluta destruição. Uma sentença


popular diz que se alguém fala do demónio ele aparece. Para se evitar mencionar o
lobo pelo nome, ele era chamado de Isengrimm, que significa ira de ferro, aquele
estado de raiva ou fúria que se transformou em fria determinação. (FRANZ, 2002,
p.272).

Vamos, porém encontrar aqui duas mulheres no mundo e dois seres não
demandados de sua natureza original.

Podemos perguntar: como Adão sabia que Eva advinha de seu ser?

Mas ele disse: Desta vez, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!
(Gênesis II, 22-25).

Como Adão teria a certeza do fato em si se estava em profundo torpor?

Via-a nos seus sonhos? Ou em sua projeção?

Porém, podemos pensar sobre a submissão de seus desejos e vontades para


que aquela mulher dever-lhe-ia a vida para sempre. Porquanto esta nascia da
criação de Deus por intermédio do corpo de Adão. Uma mulher que, por exemplo,
agora deveria agradar unicamente ao homem e de ser apenas dele. No estigma do
seu destino, a palavra: “esta é agora” (do livro Genesis que fora alterada, ou seja, os
escritos mais recentes) ou a que podemos encontrar nas palavras jeovísticas no seu
original: “desta vez”, que já pressupõe uma segunda tentativa de Deus para lidar
com o feminino (SICUTERI, 2015).

Agora Eva entra numa condição de obediência capaz de acorrentá-la aos


critérios estabelecidos por um homem a qual esta não o toma como uma vontade
própria, ou seja, Eva não escolhe, é escolhida apenas para obedecer. Ela segue um
princípio estabelecido antes de seu surgimento, ou seja, numa “reunião” entre Deus
e Adão, sem a sua presença. Um julgamento de leis sem a presença do ser que
seria a única a sofrer suas determinações.

Mas algo que aparenta ser servil e demandada a débitos para com o homem,
tornar-se-á responsável por um crime que lhe condenará para sempre.
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A construção da sua consciência e do poder que lhe é atribuído ao ego, na
observação desse princípio feminino que, por permear aos julgamentos do Si-
mesmo, origina-se numa busca incansável do ser enquanto ao agir frente aos meios
interpolantes. E assim Eva sentiria seus impulsos advindos de sua natureza.

O gênio de Lilith se eleva a posição de estar “primeiro no mundo”, surge como


figura primária nativa direta de Deus. Todavia, o mesmo não ocorre com Eva, a
segunda mulher, que não estava sobre esse patamar e fica na condição de ser a
geradora desse complexo ativo interior que, por assim, garante o poder de Adão
sobre ela (No entanto, essa seria a direção do pensamento que relaciona Adão o ser
que gera a mulher). Indica um direito de domínio sobre o outro e de imposição, ou
seja, Eva não teria direito a equidade naquele jardim.

Posso perguntar:

O que amedrontou Adão? Ou o que estava amedrontando o primeiro homem?


Por que suas inclinações ao controle do sexo oposto eram-lhes a primeira condição?

Voltaremos a encontrar a jovem Lilith com esse aspecto de ser a primeira e


advinda direta de Deus, ela é a mulher nascida do Ser que é absolutamente
onisciente e onipresente; então, ela é descrita de maneira a provocar sensações de
terríveis desgostos em Adão, pois é a fêmea que entorpece e que busca ser o que é
em sua sombra. Lilith é o feminino divino e um spiritus natural. A imagem dessa
mulher aterroriza a condição de igualdade entre homens e mulheres sobre a terra e
esclarece a fragilidade daquele que a evita de todas as formas o homem.

Observaremos que: Adão existe sobre a condição de filho de Deus e de Eva


advinda dele, e ela, Eva, existe sobre uma condição de extrema subordinação dupla,
pois no caso serão duas demandas sobrepostas as suas deliberações pessoais; ou
seja, obedece a Deus e a ao Homem, que entornam a condição de petrificar a sua
psique, isto é, de governar a sua natureza de modo geral, não havendo
possibilidades de escolha.

Eva teria que enfrentá-los para conseguir fugir as regras.

Podemos pensar então que Eva é a mulher mais ornada aos desejos
masculinos, com suas potências devidamente anuladas, administrada pelo terror de
enfrentar a sombra inevitável do próprio feminino, seus inextricáveis sentidos que

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“petrificados” permanecem obscuros a ela mesma, por imposição exterior e por um
controle de seus instintos interiores impostos pela lei.

Eva aqui pode representar as mulheres arrastadas pelo negro torpor que
aniquila sua força interior, que tornar-se-á escuridão na psique e pode-se considerar
sombra sobre sombra, em plena escuridão.

De certo, não é fácil viver assim sobre outras demandas, e que muitas Eva´s
atualmente ficam emperradas no meio do processo de iniciação e que tais fatores
psíquicos de descobertas (individuação) encontram-se na sombra, mantendo a
travessia impossível, difícil, árdua (ESTES, 1999).

A mulher é dirigida em sua conduta para ser adequada à vivência social. Ela
põe de lado o Insight penetrante que a faz correr para o “deserto”, assim com Lilith,
e do mesmo local bíblico que traz a solidão amarga. Também dirigir-se a “floresta”
dos contos de fadas e que nessa sóbria mata se descubra com esse poder interior
de transformação que sobrepõe todas as estruturas internas do arcaico espiritual,
como um xamã que domina e conduz. E que assim possa geri no seu interior, de
forma mais consensual, os meios para atingir o reconhecimento do Si-mesmo, pois
com a mutação psíquica do Si-mesmo, do reconhecimento da dinâmica de sua face
obscurecida pelas imposições sociais atuantes, o ser caminha para a
sua individuação (ESTES, 1999).

Entretanto, desbaste-se os alicerces que nos segura a terra. Salientar que as


duas mulheres citadas representam as duas primeiras figuras femininas da
humanidade são símbolos concreto dessa estrutura psíquica, ou seja, as duas
referências históricas que produziram uma dualidade sobre os aspectos psíquicos
da personalidade feminina que, ao grosso modo, pode ser levada a compreensão
dessa infinita busca para a ascensão de sua própria psique ou do encontro desses
opostos no interior do feminino. O encontro com o que lhe é mais natural e a
compreensão dos aspectos instintivos mais primitivos serão a razão do seu encontro
diante do espelho.

Certamente, entende-se que o ser encontrará barreiras que bloquearam as


estruturas psíquicas que lhe serão úteis para essa emancipação interior, assim
como uma representação simbólica desse feminino, nas exterioridades da

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resistência do seu mito pela escala histórica dessa trajetória que lhe é, de certo
modo, ímpar.

Justamente, o penetrar nessa sombra da consciência coletiva que vagueia


nesse universo de ideias aplicadas a consciência individual, esse ser agirá na
escuridão que sobrepuja e que comanda a natureza do seguir adiante sem nada
observar (JUNG, 2017).

Tornar-se-á mais fácil o evitar o si-mesmo, pois robustecerá a sua petrificação


num estado de comodidade que é mais desejável. Assim nos recolhemos a fingida
moradia segura que dá a “placidez” do repouso e ficar na mais das comodidades
dos ensinamentos que nos agradam a escolher o encontro com partes ocultas. O
fato mais propício ao não enfrentamento e/ou o caminhar lento e profundo no interior
da árdua morada de Lilith, não será uma opção convidativa e nem um local que
logre um prazer.

Os longínquos oceanos perambulam “verdades”, assim como, pedaços


esquecidos de nós mesmos. Como verdadeiros iceberg´s atraídos pelos gélidos
continentes polares que os solidificam na medida em que estes se aproximam uns
dos outros, sem reconhecer a profundo os estados naturais que os constituem.

Entendamos aqui que “verdade” termina por ser definidas como o consenso
filosófico, nas palavras explicadas por Roberto Machado, quando este define as
ideias de Friedrich Nietzsche:

Um dos grandes paradoxos da filosofia de Nietzsche é denunciar o que é


tido como verdade como sendo falsidade, sem com isso assumir um
conceito de verdade como norma, mas, ao contrário, afirmar que tudo é
falso. Afirmar que a vida é aparência, reivindicar a positividade do falso é se
insurgir contra a possibilidade de um julgamento da vida a partir de um
critério de verdade; é ressaltar como a vontade absoluta de saber é um
ultraje à vida. Mas é evidente que a força desta argumentação reside em
seu caráter estratégico de denúncia: a criação dos valores superiores, como
bem e verdade, é uma impostura moral. Se não houvesse moral não
haveria sentido em valorizar urna perspectiva imoral ou falsa (MACHADO,
1999, p. 106).
Por isso entender esse universo interior e o conceito de “verdade” como algo
assaz subjetivo e eternamente complexo; entender a verdade interior é desafio que
cabe aos “semi-deuses” que compõe nossa estrutura a priori, por isso a definição
não pode ser dita ou citada aqui como algo único, mas que é a penas as verdades
ocultas em cada um de nós e que pertence ao todo coletivo.

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Todavia, se insensibilizam os talentos femininos que se recuam abruptos
quando vividos nas construções sociais. Ele é abstruso aos avanços da psique e a
mulher definha sobre suas próprias circunstâncias, acreditada nos elos da postura
que lhe é habitual; nos regimes da solidez mordaz da ordem.

Aos poucos mergulham se nos oceanos frios e congelantes da natureza para


evitar o julgamento que comporta o regime social da não ascensão do feminino.

O encontro com esse feminino, para o homem já parecia enigmático,


temeroso, obscuro, ambíguo, pondo-o as encruzilhadas infinitas e aos mistérios do
oposto. À vista disso a desconfiança de vê-la assente; de sentir sua anima no
interior; de vivenciar os símbolos dos sonhos que indicam o Spiritus, a elegância da
sensibilidade que atrai e fascina.

Entretanto, entenderemos que a própria Eva tornava-se a partir dali uma


estrutura extremamente ajustada ao molde de mármore lisonjeiro, acorrentada os
códigos para ter a posse da permissão de estar ali. Ao final de tudo, nunca
compreendida e absolutamente avisada de seus atos, principalmente, aqueles que
correspondem à atitude de ser livre, pois o acumés a responsabilidade de servir ao
homem.

Não se poderia cometer o mesmo erro duas vezes! Lilith era a fêmea-
sombra (estabeleço esse termo partindo da ideia de que a dualidade que divide o
ser no seu oposto quando observadas por Jung através das características do
inconsciente do inconsciente ou sombra da sombra no inconsciente).

Eva surgia como a segunda chance de Adão. E ele, Adão, o cândido, vigiaria
seus passos como outrora não houvera feito com Lilith (será que não? Ou Adão era
vítima de um mecanismo de defesa que lhe conduzia a agir contra o seu próprio
ser?).

A segunda oportunidade dada por Deus, sobre seus critérios de sua eterna
perfeição e Onisciência, o Criador também não poderia errar “desta vez”.

Ora, Javé não tinha origem, nem passado atrás de si, com exceção de seu
título de Criador com o qual teve início à história em geral, e de sua relação
com aquela parte da humanidade cujo primeiro pai, Adão, ele criara à sua
imagem e semelhança, como o anthropos, o homem primordial puro e
simples, num ato criador manifestamente especial (JUNG, 2013, p.25).

14
Ou seja, todos ali envolvidos estavam sobre uma responsabilidade de evitar
erros. E a mulher, no caso, Eva, era o centro das atenções, o objeto a ser controlado
e atentado ao devoto cuidado para não atravessar outra vez as regras impostas.

Observa-se que é Lilith (no interior de Eva) que se sobressair aos “cuidados”
de Deus e de Adão. Lilith sempre existiu no interior de Eva, apenas não se deu
conta desse fato.

Longe do paraíso, a primeira mulher do Éden que segue rumo ao deserto


para uma solidão mister e que é capaz de superar os longos dias de caminhada pelo
desabitado lugar que assola sua trajetória. Na confiança de Si-mesma, na busca da
verdade inteiriça, Lilith está pronta para ser esquecida.

Seu objetivo é chegar ao mar, sendo mais preciso ir até o golfo localizado no
oceano Índico, local que fica entre a África e a Ásia. A jovem Lilith estava agora bem
diante do imenso Mar Vermelho que representava o novo lugar para a sua natureza.

Uma saga surgida posteriormente afirmava que a serpente do paraíso era


Lilith, a primeira mulher de Adão, com a qual ele gerou o exército dos demônios.
Esta saga admitia também uma trapaça, que dificilmente estaria nos planos do
Criador do mundo, pois a Sagrada Escritura só atribui uma mulher legítima a Adão.
Estranho, porém, é o fato de que na tradição primitiva o homem, que constitui a
imagem de Deus, também tenha duas mulheres, como o seu protótipo celeste
(JUNG, 2013, p.44).

Contudo, parece-nos improvável que o destino de Lilith terminasse bem,


assim como o destino de sua sucessora, Eva, que por ocasião oportuna, ficará
diante de seus impulsos primitivos e cometerá “erros” subsequentes.

Reconhece-se que o feminino ali não escaparia dos desastres, pois, como
que diante de lampejos de uma autonomia que, de repente, emerge sobressaltado
da alma, as mulheres não conseguem evitar os desejos do Si-mesmo.

Se caminharmos nesse retilíneo pensamento, podemos até supor que as


mulheres vão sendo impulsionadas por sua “Lilith” interior.

Aliás, somente muito mais tarde se fala de uma relação escabrosa entre
Adão e Lilith. É totalmente impossível saber se Eva foi uma esposa
incômoda para Adão, como o era para Javé o povo que vivia, por assim
dizer, “flertando” com a infidelidade. De qualquer maneira, a vida de família
dos primeiros pais não é feita somente de alegria: seus dois primeiros filhos

15
representam o par de irmãos inimigos, pois nessa época ainda se
realizavam os temas mitológicos (JUNG, 2013, p. 44).
Todavia, a jovem Eva terminá-la-ia de qualquer forma a desobedecer a Deus
e, no caso, a condução do destino de Adão junto do seu poder sedutor, persuadi-lo-
ia ao erro, como é a determinação da trajetória feminina sobre a terra. Citada nos
textos bíblicos e nos temas religiosos mais tradicionais a mulher é culpada em
absoluto. Tal demanda sombria do feminino provocaria, sem dúvida, a destruição do
homem, do paraíso e de todas as perfeições regidas naquele bucólico jardim.

Adão deve lembrar-se unicamente de sua princesa demoníaca, e Eva não


deve esquecer-se de que foi a primeira a ceder à tentação da serpente. O
intermezzo Caim-Abel, do mesmo modo que a queda, quase não foi registrado na
lista dos objetos perfeitos da criação. É lícito tirar esta conclusão, pois parece que o
próprio Javé não foi informado previamente dos incidentes acima referidos. Disto se
depreende, como ocorrerá mais tarde, a suspeita de que a onisciência de Javé não
era concludente, ou seja, que Javé não se lembrara de seu saber universal e por
isso fora surpreendido pelos resultados de sua obra (JUNG, 2013, p. 45).

Podemos ver que é lei, no contexto histórico/cultural, a mulher arruinar o


destino dos homens. Assolada a um fadário inexorável, mesmo que se ponha a mais
fina obediência e o mais perfeito cuidado para manter o comportamento atilado ao
dever dar ordem social. Ela é culpada! Hirta aos caprichos dos homens,
impulsionada a um destino ébrio, insolúvel e ominoso. A mulher é definitivamente a
portadora do grande mal, no que tange esse discurso assolado: “Pelo contrário,
Deus sabe que, no dia em que comerdes da árvore, vossos olhos se abrirão”
(GÊNESIS I), e que atravanca pelos séculos nesse círculo que pleita uma ideia
sobre um determinado gênero e que é definitivamente escolhida para esse fim. A
rígida alegação que perdura sobre a existência feminina que é submetida às
proporções projetivas daqueles que se atormentam com seu poder interior.

Logo, chegar-se-á a um Adão que se assemelha a Epimeteu, um titã grego,


irmão de Prometheus, ou simplesmente aquele que “pensa depois” determinação
dada a sua característica psíquica, já que Epimeteu, o irmão, não temporiza os fatos
de forma breve e é sempre surpreendido (BULFINCH, 2002). Então, sabemos que
Adão perde-se no mesmo contexto por que não se entrepõe aos “presentes” dados
por Deus.

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Elado a esse inconsciente interior, Adão permanece alheio aos seus desejos
ou, então, ao que perceberá só quando o fato acontecer de verdade para depois
tomar ciência de algo que poderia ter sido evitado. Ás vezes, até se aceita a
condição de homem que nada sabe e nada o fez para o pior acontecer, pois a figura
masculina parece nunca ser julgada.

Esse deus grego, Epimeteu, sabe que é a espontaneidade que o determina, a


imprudência e a impetuosidade, ou seja, é o oposto do seu irmão,
Prometeus (BULFINCH, 2002). Chega-se à conclusão de que o deus Epimeteu é o
próprio Adão simbolizado, averiguado por sua condição de homem no mundo. Assim
reconhecemos que as estruturas advindas dos mitos são pedaços da natureza
humana, interagindo com possibilidades ilusórias de que é portador do livre-arbítrio e
não, mas sendo vítima dos acontecimentos que não antecipa-os, de nenhuma
forma, no caso desses dois deuses citados (JUNG, 2017).

E, a Eva associa-se a figura feminina de Pandora (em grego, "a que tudo dá",
"a que possui tudo", "a que tudo tira"), dentro dessa tríade que é projetiva ao
feminino, percebemos o seu poder. A deusa que é indicada no mito como a que:
“fora um presente de Deus ao homem” (BULFINCH, 2002, p. 20). Então, Eva, no
caso, tornar-se-ia o símbolo da mulher que é portadora de alguma “propriedade”
interior, um conteúdo que domina de certa forma algo místico. A portadora da caixa
ou do destino do homem é símbolo base da mãe-mulher.

No mito, Pandora, por exemplo, adentra ao mundo com uma caixa que
simboliza conteúdos internos; enquanto Eva tem no jardim a árvore proibida que
contenha o mesmo “domínio”, algo que representa o “bem e o mal” (GÊNESIS I), ao
mesmo tempo, eleita nas polaridades do saber.

As figuras apesar de distintas no modo de chegar ao mundo vão ter a mesma


determinação simbólica com o aspecto de se descobrir algo através destas, dos
segredos ocultos em sua natureza instintiva.

Ambas são expostas a uma condição humana inevitável ao espírito, ou seja,


estão eladas ao desejo infinito do “descobrir” o mundo a sua volta; o conhecimento;
algo que nasce das entranhas de nossa psique e se faz ao mundo (com a audácia
de Prometeus que rouba o fogo dos deuses). Essa é à condição de sempre manter
seu espírito de descobertas acerca do que nos move o interior. Fato que é
17
condicional a espécie humana e que se fará para sempre aos conteúdos do próprio
ser. Tal posição é, sem dúvida, uma característica humana clássica e que de fato
podemos identificar que fora a mulher o gênero escolhido nas histórias para ser a
portadora dessa “mácula” coletiva (JUNG, 2017).

Tal situação expõe as duas figuras femininas como sendo elas as portadoras
desse “pecado” habitual: “Leva a caixa, mas não abra”, palavras ditas a Pandora
quando esta se dirigia ao mundo (BULFINCH, 2002) .

Porém, se não é para ser aberta, então por que é enviada em suas mãos?

O mesmo se dá ao “fruto” ou a árvore no jardim. Encontram-se na mesma


vertente da caixa: por que está ali disposta ao Éden se não ao acesso de ambos?

Na dualidade, parece que o mal é colocado na intenção do “mal”.

Por outra: o homem é identificado com o mal, e disso resulta que em primeiro
lugar ele se opõe ao bem e em segundo lugar se esforça por ser perfeito com o Pai
que está no céu (JUNG, 2013, p. 107).

Além das explicações bem atípicas de algo que se deveria buscar com certa
coerência, encontraríamos esse fator de curiosidade inato no ser já que nos é um
estado natural do espírito. Podemos até citar essa demanda interior nas figuras
científicas, de: Giordano Bruno, Copérnico e Galileu Galilei, assim como em outras
personalidades que buscaram as descobertas científicas; são homens que não
deixaram de enfrentar as leis por conta dos descobrimentos e avanços científicos
conquistados através dessa evidenciação contínua que advém do nosso interior
inquieto. Mesmo sobre as rígidas regras religiosas que tentam por freio e controle a
essa característica natural.

As mulheres, no caso, também passaram pelos mesmos desafios, só que


com regras intensificadas por esse inconsciente coletivo.

A mesma representação encontra-se em outros pontos da história, em outros


discursos e na forma de pensamento que vão se modificando conforme os séculos.

Porém, naquele drama mitológico, parece-nos que a queda humana é uma


condição inflexível. Encontraremos assim, o bem e o mal, que se duelam e que são
condições primordiais para a busca da individuação (JUNG, 2017). Tais
precipitações são observadas nas sensações primordiais que nos levam a busca do
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conhecimento, como na intenção sincera de seguir por onde a trajetória é fadária:
proibida!

O homem e a mulher pertencentes das mesmas condições psíquicas, com os


mesmos propósitos de vida, e sempre parece que ficamos sobrepostos aos jocosos
jogos dos deuses, pois esses são os modos mais dinâmicos para lidar com a
natureza oculta que reside nas profundezas da alma.

No entanto, a diferença se faz apenas nas lapidações da imagem feminina,


nos escritos históricos que atravessaram a humanidade ao longo dos séculos e que
massacraram o feminino como o sexo portador do “pecado” absoluto.

Ora, Deus não tinha origem, nem passado atrás de si, com exceção de seu
título de Criador com o qual teve início a história em geral, e de sua relação com
aquela parte da humanidade cujo primeiro pai, Adão, ele criara à sua imagem e
semelhança, como o anthropos, o homem primordial puro e simples, num ato criador
manifestamente especial (JUNG, 2013, p. 25).

E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, deixando-se seduzir,
incorreu na transgressão (PAULO, 1Tm 2:14).

No entanto, fora Eva a culpada pela transgressão, assim


como Pandora também o fora por abrir a caixa. Quando em outrora havia
tranquilidade e paz reinando no mundo dos homens.

Nesse meio-fim, identifica-se que Lilith dar ares de ser diferente quanto ao
seu surgimento ou quanto as suas responsabilidades diante de seu nascimento que
vem paralelo ao do seu companheiro. Porém, emerge sobre as impetrações
características dessas projeções, acercamo-nos de um desejo de mantê-la sobre as
correntes do tempo, num olhar petrificado de seu nascimento. Ela também tem
censurada a sua vontade de se manter em equidade com aquele homem, do qual
nascera junto e lhe era de alguma forma irmã.

Há resistência do próprio homem em assumir tal equilíbrio (de Adão e de


Deus). Por assim, eleva-se aos mais baixos pensamentos, as mais surdinas
possibilidades de se impor ao outro, ou seja, naquele existir, resistiu e manteve-se
sincera consigo, já que Lilith desafia a Deus e ao homem e se submete aos passos
de seus desejos para enfim tornar-se um demônio perigoso.

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Nos mitos sumérios escritos acerca de 3000 a.C. descreve-se com deferência
a figura feminina que brota através da entranha efervescente da terra. Surge como
um demônio advindo do tártaro. A mesma imagem simbólica permutava do tempo e
era identificada como um “sopro divino” que, eventualmente, destrói tudo que tenta
enfrentá-lo ou de encontrá-lo onde fosse (SICUTERI, 2015).

Seus eixos naturais irrompem qualquer resistência e devasta homens,


mulheres e crianças. Esse ser feminino atormenta, submerge os seres aos prazeres
vis. Lilith leva-nos ao pesadelo, as torturas das sensações interiores incontroláveis,
amordaça os instintos no “eu” e derrota a sociedade.

A potência no oposto, a força enigmática de sua livre decisão cabia-lhe ao


desejo interior desse feminino; aquela que suporta a solidão e que caminha no
deserto, sem desistir de rompê-lo, de conquistá-lo por si mesma. No caso, a mulher
que busca a liberdade e que encontra-se de frente com sua sombra; ela está no
interior obscuro das florestas mais úmidas, essa é a forma oculta que sobrevoa os
vales, os pântanos, mas que é de mais verdadeiro, sincero e real ao espírito de
Lilith.

Assim, encontramos a mesma representação na Judeia; nos Hebreus: Lilith


era à noite negra, o abismo do universo. Yahvé (Jeová) fez Lilith e Adão, no
anoitecer do sexto dia, por onde o sol abandonava o céu e vinha de encontro com as
trevas noturnas. A mulher que habita a sombra e que é a própria escuridão, produzia
o próprio reflexo escuro na noite plena, ou seja, a silhueta feminina mais escura que
a própria escuridão, algo existia naquele ambiente inóspito, ébrio (SICUTERI, 2015).

Quantas Lilith´s apareceram na história da humanidade? Quantas mulheres


são comparáveis a Lilith no contexto social da atualidade?

A imagem arquetípica de Lilith mesmo que abstrusa a sombra da deusa Gaia,


que condiz com a natureza da grande-mãe (JUNG, 2017). O
próprio Poseidon (senhor dos mares) aprisionou esse feminino (junto ao mar
vermelho), a jovem que mesmo acorrentada junto à encosta do mar, a
deusa Andrômeda (Andrômeda era filha de Cefeu e Cassiopéia, rei e rainha da
Etiópia), muito bela e equipara-se a beleza da deusa Afrodite (BULFINCH, 2002, p.
146). A jovem deusa suporta e resiste aos mais inverossímeis ataques, fere-se na

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encosta das pedras marinhas, mas arrosta às ameaças com a firme certeza de que
sairá vencedora.

Tornar-se-ia aquela mulher uma representação arquetípica feminina que pode


ser encontrada nos mitos de vários países e retrai-se sobre as vestes de uma deusa
clássica grega ou como as deusas dos índios Navaho, dos Apaches, Sioux e etc.

Nos locais mais extremos desse mundo existe registros de Lilith.

Ela faz parte do inconsciente coletivo e supera o tempo, o arcaico resistente


na alma. Lilith é essa imagem feminina nos contos infantis, nas telas de pintura e
nas representações sociais atuais, ao contexto, de que o “sopro divino” prevalece no
interior do homem. Para não se estabelecer como estátua hirta, sem vida, mas com
a natureza ativa e presente.

Esse símbolo forte vem através do inconsciente que permanece como arca a
submergir nesse oceano hermético que resiste as mais duras tempestades (JUNG,
2017).

[...] uma mulher que é como a própria Lua: tão linda que só espalha
sofrimento, tão cheia de pudor que vive nua (MORAIS, 1957, p.80).

Encontra naquele deserto o Mar Vermelho, depois de haver profanado as


ordens do Deus-Pai, depois de reagir aos desejos de seu companheiro.

Lilith controla as grandes pragas, rege o pecado, conscientiza a transgressão


social e, assim tornando-se sombra, ela ganha poderes demoníacos e torna-se o
terror dos homens, dos crimes religiosos (SICUTERI, 2015).

Lilith é a parte inferior da chama de uma vela, aquela que fica presa ao
pavio (a parte que é mais enraizada a terra), enquanto Adão é a parte
branca da chama. Assim completa a chama esta emana luz. Esta é uma
meditação que define a ordem vertical dos graus da expressão vital
(SICUTERI, 2015, p.12).
Lilith é esse feminino misterioso e que resiste aos mais elevados ataques.
Uma estrutura forjada com o aço mais pesado e coberto por tal fino ouro, para
agradar aos olhares e não para ser reconhecido como a estrutura real que a define
pelo interior.

O que engloba o seu centro, o que lhe complementa a psique? Essas atitudes
são reprimidas e contidas. O demônio assusta e corre na escuridão, a natureza
instintiva selvagem permite a criação do monstro feminino, do erro da natureza, a
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sua bestialidade promove a desordem social, promove o mal em si, ela não pode
ganhar vida, pois é o ser que traz o declínio de toda humanidade. São tantos os
elementos obscuros que vêm à luz, que a personalidade é como que radiografada,
ao mesmo tempo em que a consciência ganha infalivelmente em amplidão e
percepção (JUNG, 2013, p. 120).

Porém, quem ousa dizer que o lado sombrio não demanda certa curiosidade?

O homem como o Doutor Fausto, de Goethe, parece sentisse seguido por um


cão negro, que se transformará brevemente num demônio sedutor e que lhe trará
descobertas sorrateiras; traz-lhes experiências e conhecimentos, e é na “cozinha da
Bruxa”, que este é capaz de conhecer a arte de prolongar a vida, ou seja, tornar-se
mais jovem, ter o poder do Puer, pois esse conhecimento só o “cão negro” é capaz
de mostrar ao homem (GOETHE, 2003).

É interessante ao homem esses poderes místicos e é somente ao demônio


que se beneficia dessa intensa sensação, o ser da escuridão rompe o que deve ser
natureza tranquila e provoca o caos.

Vemos Goethe dá leveza e paciência ao feminino, na voz de Mefistófeles:

Eu preferia gastar o tempo em construir mil pontes. Para arranjar os filtros


desta casta quer-se, além do saber, paciência e muita, e atenção de anos
largos; só com o tempo é que se alcança o fermentar completo do líquido
eficaz. Pois a quantia de ingredientes raríssimos! É certo que o diabo é
quem os sabe, e ensina tudo; mas lá para os estar manipulando é que não
tem pachorra (GOETHE, 2003, p. 187).
No entanto, exigem-se anos de experiência para aperfeiçoar-se na mágica, e
reconhece-se que só a anima é capaz de realizar as demandas necessárias para
fertilizar os conteúdos simbólicos da psique, mediante suas incomensuráveis
possibilidades de agir sobre essa natureza individual, uma maneira de interconectar
com as demandas psíquicas (JUNG, 2018).

A mulher que é abominável pela sociedade é a mesma mulher que tem


conhecimentos acerca da vida e da morte, onde os ponteiros do relógio estacionam
em seus segundos, pois ela interrompe os círculos de vida e destrói a ordem do
tempo (ESTES, 1999).

Podemos concluir que ela, assim sendo deliberada, tornar-se-á a figura


arquetípica que se impõe ao próprio deus Cronos (no grego: o grande deus do

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tempo) que para descontinuar o percurso do tempo, controla a natureza da vida e da
morte com os seus poderes (BULFINCH, 2002).

O sopro divino de Lilith é assustador e benéfico, pois este é o símbolo que


provém de sua capacidade de criar e de destruir, a ação dupla da personalidade.

O feminino como a Bruxa, aquela figura bruta feminina que atravessa os


sonhos, como pesadelo. Quando acorda-se no sopro do medo, ainda somos
capazes de vê-la como um vulto a sair sorrateiro pelo quarto. Ela provoca a insônia;
o rubor da ventania. A bruxa sairá como um vento divino, mesmo que se recorra à
velocidade do olhar envolta do quarto, ela nunca se deixará ser vista, já que
a anima é mágica, é sagaz, atinada, age como um vapor que se perde ao leve vento
(ESTES, 1999).

[...] A relação com a anima é outro teste de coragem, uma prova de fogo
para as forças espirituais e morais do homem. Jamais devemos esquecer
que, em se tratando da anima, estamos lidando com realidades psíquicas,
as quais até então nunca foram apropriadas pelo homem, uma vez que se
mantinham fora de seu âmbito psíquico, sob a forma de projeções. (JUNG,
2000, p. 39).
Submergir nos ideais de um conto de fadas. Por ali, caminha a pequena
menina, partindo na direção da floresta escura, sem deixar que seu medo tome
conta ou de temer o enfrentamento de tão terrível ambiente inóspito. É o que a faz
decidir por si. Ela sabe que a escuridão lhe trará coisas que desagradam ao primeiro
toque, o instante dessa natureza primitiva original que abarca a alma.

A sombra agora passa a ter um nome “mitológico”. É um eclipse faraônico,


repleto de mitos e histórias.

Esse breu que convida a duras caminhadas, ávido e sem água para saciar a
eterna sede. Para mim, é local inabitável, pois não há alimentos para o suporte de
se manter consciente e firme até o início do fim.

Entende-se que esses são as demandas psíquicas que convida o ser para a
sua conquista pessoal. A busca de conteúdos no interior à custa de um esforço
pessoal incomum.

Olhar para a bruxa perversa que cobra sacrifícios eternos, se difere


intensamente da mãe-boa que cria hábitos confortáveis, que apenas aconselha a
evitar riscos (ESTES, 1999).

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A feiticeira perversa que mexe o líquido com a colher no velho caldeirão. Gira
em círculos mágicos com o gesto que comporta os destinos da vida e da morte ou
da morte e da vida, e, ao mesmo tempo, sangra as vestes com seu calor, tornando
os círculos intensos e adversos dos destinos dos homens. Ela é a rainha da floresta
e dos mares (ESTES, 1999).

A origem do nome “Bruxa”, como entende-se hoje, a palavra à imagem da


mulher: feminina, velha, feia, nariguda, com vestes escuras, o chapéu pontiagudo,
sapatos negros, pele verde, está muitas vezes com vassouras ou levam nas mãos
colheres. Ás vezes está com barba e verrugas; encontra-se sempre de mau humor e
preparada para agir quando incomodadas com algo. O termo em
inglês Witch (Bruxa) refere-se a esta imagem de bruxa (mulher). Esta palavra deriva
explicitamente da palavra wit, que traduzida é definida como: “sábio”, ou seja, a
definição da palavra que discorre de sua origem demanda uma atitude positiva ao
termo empregado as mulheres de modo geral (ESTES, 1999).

As mulheres no fundo da alma são bruxas, as velhas mulheres sábias do


tempo, ou seja, o poder feminino de serem sábias, místicas, indecifráveis, secretas e
misteriosas. Sendo esse conteúdo interior algo que traz a certificação de que suas
estruturas psíquicas estão repletas de sabedoria e, é através desse poder que
exteriorizam as respostas para esse encontro com a mulher primitiva (NATRELLA,
2010).

No entanto, é evidente que essas estruturas femininas descritas estão


devidamente relacionadas à figura mitológica e, evidentemente, descrita sobre a
nossa personagem Lilith, que é, sobretudo, um demônio que aterroriza vidas.

Lilith é também a mulher sobre a túnica da bruxa (wicca), a terrível mulher a


ser evitada. A bruxa é alheia à beleza, ela é perpetrada para resistir no interior da
terra, no interior inóspito da selva, logo ali, encontraremos o seu local adaptativo, a
região que a faz sentisse bem ou mal, sobre a alcunha de ser a figura insensível,
oposta a figura da mãe (ESTES, 1999).

Se desmiudarmos os simbolismos encontrados nessa figura arquetípica,


seguindo a trajetória da imagem da Bruxa dada ao feminino, encontraremos
significativos limiares da sua construção psíquica, ao longo do tempo:

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A mulher-má tomará conta da escuridão sobre a guarda do Si-mesmo, ou
seja, ela não temerá a escuridão. Ela aparece como a Bruxa, uma pessoa que
encanta e que torna o círculo dos movimentos sobre a túnica de sua sabedoria como
algo que lhe é absolutamente natural (ESTES, 1999).

No caldeirão é feito tanto os venenos para o desfiladeiro da morte, como


também os remédios contra os males que afetam a saúde.

Assim, percebemos as polaridades envolvidas no seu interior, na tomada de


conhecimentos variáveis, no conhecer: o bem e o mal; opostos que se prevalecem;
que orbitam a sua natureza como que opostos controláveis. O bem e o mal são
compostos no côncavo do ferro lapidado, como um poder alquímico que o
transforma em ferro curvo. De suas mãos saem às misturas exatas para o preparo
do líquido; medidas que são feitas num proporcional movimento circular da colher
sobre o conteúdo líquido do caldeirão; a massa homogênea que é efervescente, por
vezes, borbulha no fogo, ao alcance de sua determinação, dos seus gestos
repetidos, onde inúmeras vezes são permutadas ao tempo, ao momento, ao
conteúdo que lhe é colhido e que por este já previsto ao seu cunho formador.

Assim como ela deseja ou como necessária ao seu uso. A bruxa usa as mãos
unidas, seguras ao instrumento, fazendo-o condutor de sua força interior; por vezes,
sendo feitas no sentido horário ou, outras vezes, assim como desejar no sentido
anti-horário: o futuro e o passado; Marte e Vênus (planetas), movimentos que são
devidamente opostos, mas necessários assim como determina sua experiência e o
destino de seu jogo por entre as elipses dos movimentos incorretos (AZEVEDO,
1982).

Predominantemente, esse entendimento acerca dos domínios sobre os


elementos naturais que compõe o universo, torna-se uma característica do feminino
sobre o que é divino. O que alicerça a natureza nos recônditos das probabilidades
universais dos elementos bons e maus. Termos ligados às energias circulantes e
que são decisivas para a vida. O vai e volta, e em certos instantes o que não nos é
conhecidos ou que, de algum modo, não podem ser determinados por uma razão
fixa, retilínea. É a relatividade dos movimentos da vida.

A bruxa é simbolizada por esse material reconhecido, o gesto de movimentar


o líquido no caldeirão, muitas vezes, equiparado ao nascedouro do círculo lunar; das
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quatro fases da lua, que segue na sua mágica invisível. O giro do planeta terra sobre
seu próprio eixo que se faz transformar a sombra da lua em sua estrutura física. A
ordem é mantida na desordem. Realizados em tempos exatos. São necessários os
fenômenos naturais alheios à observação direta. Não poderá haver erros, pois ela
controla e conhece o tempo certo, a medida da alma.

O caldeirão pode ser considerado, dentro dessa dualidade, as duas faces do


arquétipo feminino da grande-mãe, ou seja: a mãe-má e a mãe-boa; instrumento
com a dualidade da vida; ambas ao mesmo tempo distintas, mas que se comportam
ou se mantem em plena harmonia com os círculos cósmicos originários (ESTES,
1999).

A bruxa é segregada da sociedade, pois ela é marginalizada em sua forma e,


a todo custo, a figura a ser evitada. Ela é a grande-mãe-má (ESTES, 1999), ela é
essa figura mitológica que adquire poder por sua realidade natural, pela
impregnação do trabalho interior, pela busca do conhecimento infinito (JUNG, 2017).
A mulher velha e feia, assim como Lilith, serpente e insurgente, a mulher felina, o
urso, o lobo (ESTES, 1999).

Os tipos de mulheres que não se deve ver e nem procurá-las onde for.

Encontraremos também na linguagem Celta, a palavra “Bruxa”, que remaneje


o termo: “Wicca”, que se refere-se a tudo que está ligado diretamente à natureza, ou
o que domina a natureza. O instinto selvagem que reside na natureza é feito e
desfeito pela bruxa-má. É essa mulher assombrosa que se faz presente nos sonhos,
nos pesadelos, nos desejos ocultos dos homens, num simples pensar. O aspecto
original de todo ser, a significação arquetípica da natureza, dos símbolos dos
instintos que também dão determinações aos caminhos a se seguir, principalmente,
quando não se tem mais como razão absoluta aquilo que lhe foi aderido por
iniciativa indireta (TRINDADE, 2008).

Então, Lilith obedece a esse paradigma de seguir seus instintos naturais, ela
caminha na sequência natural da lua; a cratera lunar, que se abre ao olhar (palavra
cratera escrita por Galileu, significa “vaso”, no grego) (HAWKING, 2002), uma
palavra simbólica aos mitos femininos, de lua (feminino) e vaso (caldeirão).

Sabe-se dos gestos medidos da bruxa; compreende-se a vontade feminina de


caminhar pela floresta adentro. Ela segue seus instintos, ela segue sua natureza
26
assim como os lobos mantêm a ordem diante das adversidades e que sabe
prosseguir no seu caminho (ESTES, 1999).

Esse feminino torna-se a ogra, a bruxa, o demônio.

Teve sua divulgação proibida por ter essa proposta contestatória, onde a
mulher reclama um lugar junto ao homem, uma posição de igualdade, de não
submissão. A sua divulgação é proibida oficialmente, e ficou conservada apenas nos
textos cabalísticos. Mas tornou-se popular na Idade Média, no período de caça as
bruxas. Lilith converte-se num exemplo moral de punição para a rebeldia, a
independência e a autossuficiência da mulher são tidos como o mal do mundo
(CAVALCANTI Apud BOMFIM, 2009, p. 72).

Ela foge para penetrar as trevas, como que procurando a penumbra da Lua. À
noite, rodopia com suas vestes e adentra a floresta ou, então, vai ao encontro de
uma caverna longínqua para assim percorrer a imensa escuridão interior, um
ambiente que a define muito bem, já que é ali que a anima reside (JUNG, 2017).

O contato com as Deusas

Podemos identificar as deusas que representam os seus aspectos sombrios e


que caracterizam esses círculos inconstantes de sua natureza. As mulheres que se
revoltam com os comportamentos que lhes são dados ou a maneira correta de agir.

Vejamos as seguintes figuras femininas: Gaia, a “mãe-terra”, de uma


potencialidade geradora incrível, assim em dado instante se opôs a Urano (Em
grego: a personificação do céu, ”aquele que cobre”); seu marido/filho, o deus grego
dos céus, o divino superior. Vemos Lilith, como a deusa Réia (a Magna Mater),
esposa de Cronos, que decidiu enganá-lo dando-lhe uma pedra no lugar do filho,
pois escolheu defender sua prole e reagiu aos impropérios do marido (BULFINCH,
2002). São deusas que decidiram o próprio destino. De algum modo se rebelaram
contra o desejo e a ordem da obediência, assolada pelos poderes exteriores que
exigem ordem e obediência (BULFINCH, 2002).

No mito ou, então, nas histórias, encontraremos de modo prático certas


determinações para o feminino que se rebela sobre uma maneira de por na
sociedade. Porém, se ficar exposta, a mulher é castigada, seja por ter de suportar
esta redução da sua capacidade interior (transformações interiores), ou, então a

27
atitude de se estabelecer diante de um retrocesso dos instintos em direção ao que
lhe é mais primitivo. Por isso Lilith tornar-se-á uma serpente, um demônio, um ser
das trevas, com um exílio solitário; ela está ligada com a morte e conectada ao
mundo dos mortos.

Ela é Lilith transformada agora numa serpente marinha que devora


(SICUTERI, 2015).

Em pleno Mar Vermelho Lilith sofre o julgamento de Deus, e é condenada ao


suplício por conta dos seus atos arbitrários.

O local ali é extremamente isolado e desértico, que por ocasião é também


afastado do Éden. À vista disso seria o ambiente definitivo daquela mulher-serpente
e, agora, mãe de filhos que também se chamam demônios, isto é, os provocadores
da desordem social e que trazem consigo elementos da morte.

Esse símbolo que se eternizou sobre as vestes dessa quase medusa, Lilith,
que passou agora a ser o feminino nas formas físicas animalizadas. É produtora dos
princípios criativos de sua natureza volúvel, ou seja, ela é geradora de vida, por ser
mãe e de morte por ser o demônio. São aspectos do sagrado feminino que gera a
partir de si mesma, os seres demoníacos advindos dos oceanos mais profundos,
assim como também aos anjos da terra (SICUTERI, 2015).

Pois o que se refere à morte também indica vida, no caso, ao que simboliza
esse mito é a dualidade que o permeia. O ressurgimento de Si-mesma na solidão é
fator preponderante para o surgimento de grandes verdades interiores, pois estas
são reveladas nas sombras. Ela é a “artífice”: realiza o pensamento de Deus, dando-
lhe uma forma material, o que é uma prerrogativa da essência feminina (JUNG,
2013, p. 48).

Tornam-se assim os opostos, o bem e o mal, caminhando lado a lado, um


acontecendo no princípio necessário do outro, assim como expôs Jung:

Voltar às costas para o mal sem mais, a fim de poder assim evitá-lo,
pertence ao vasto arsenal de ingenuidades antiquadas. [...] O mal é o
oposto necessário do bem; sem ele não existiria o bem. Nem mesmo
podemos prescindir do primeiro. O estar fora da serpente negra exprime a
posição crítica do mal em nossa visão tradicional do mundo (JUNG, 2017, p.
317).
Entende-se essa divisão como que empreendidas por nossa projeção as
figuras exteriores, realizadas ao longo dos séculos e que vem se solidificando com
28
os mitos, contos, ou o formar de nossas ideias acerca dessa natureza peculiar que
se segue, sem termos certa noção de sua profundidade em nós.

Como explica Marie-Louise Von Franz:

Existe a Vénus Ourania (Vénus celeste) e a Vénus Pandemos (Vénus


profana), a divina e a vulgar. O símbolo de uma é a pomba e o da outra é o pardal. A
anima, que contém esta dualidade, não é nem intelectual e nem física, mas por sua
própria essência, algo entre os opostos. O homem fica dividido entre os dois
aspectos, entre a bem conhecida e comum atração pelo sexo oposto e todos os
seus mecanismos emocionais, e a experiência interior de ordem mais elevada.
(2002, p.108).

Sabemos que esse contexto de opostos que identificamos na dualidade da


figura da Grande-mãe, distende-se como uma conceitualização dessa figura
feminina, assim é transferida a figura feminina de Lilith e de sua associação aos
arquétipos do oposto que são de natureza má, assim como: a bruxa, a medusa, o
lobo, a serpente e etc. (JUNG, 2017).

Lilith como Medusa (ser mitológico que petrifica ao olhar), monstro feminino
ctônico; assim como a jovem Perséfone (filha de Deméter) nos mitos gregos, que
adentra ao mundo de Hades e torna-se rainha (JUNG, 2013).

A primeira mulher de Adão se tornou uma demanda permissiva, pois criou a


centelha do que é consorte ao amor carnal, a mulher que comete os pecados, a
figura materna nos seus aspectos destrutivos, perversos, pois ela é a saliva e o
sangue sobre a terra. Ela é a representatividade do sexual feminino na forma
profana, ardilosa, o ser ctônico, do corpo que seduz e sensualiza. Assim, no
desenvolver de sua imagem a descrição concretiza a figura feminina típica, sinônimo
da feiticeira, do demônio em plena forma.

Seu conteúdo emerge daquilo que é consciente, mas que, portanto, sua
estrutura advinda do líquido-mãe, advém de uma existência não física (ESTES,
1999).

Uma imagem primordial só pode ser determinada quanto ao seu conteúdo, no


caso de tornar-se consciente e portanto preenchida com o material da experiência
consciente. Sua forma, por outro lado, como já expliquei antes, poderia ser

29
comparada ao sistema axial de um cristal, que pré-forma, de certo modo, sua
estrutura no líquido-mãe, apesar de ele próprio não possuir uma existência material.
Esta última só aparece através da maneira específica pela qual os íons e depois as
moléculas se agregam. O arquétipo é um elemento vazio e formal em si, nada mais
sendo do que uma facultas praeformandi, uma possibilidade dada a priori da forma
da sua representação. O que é herdado não são as ideias, mas as formas, as quais
sob esse aspecto particular correspondem aos instintos igualmente determinados
por sua forma (JUNG, 2017, p. 91).

Entra em vigor o símbolo da serpente, pois Lilith agora torna-se astuta, e a


serpente está inteiramente ligada a característica de ser sagaz, de ser impetuosa e
acima do conhecimento humano. ela torna-se réptil agiu, ela ameaça o homem, tem
peçonha mortal e cura ao mesmo tempo. A sua sabedoria sendo a de um demônio,
por isso feminino. Logo, Lilith tornar-se-á uma figura mística, meio mulher e meio
serpente. De alguma forma podemos compreender que Deus criou essa serpente,
pois a maldição é o gesto de transformar. Ela se converte repetidamente no símbolo
mais popular do νοῦς (espírito, mente, inteligência), tornando-se objeto de
veneração e podendo simbolizar inclusive o segundo Filho de Deus (JUNG, 2013, p.
44).

Contamos sua travessia solitária pelo deserto como uma porção do


conhecimento do qual precisa ter do Si-mesmo.

O que Lilith poderia ter meditado no deserto?

Alcançar o conhecimento do Si-mesmo não seria tarefa fácil, já que o saber é


custoso, o descobrir tende a provocar dissipação de abandono dos velhos conceitos.
São conquistas duras e intrínsecas, mas que logo se fazem necessárias. Viver a
solidão é fator que lhe dará a ciência do interior.

A emoção demoníaca de Lilith é para nós agora um nome determinado por


um pensamento religioso clássico, que solidamente rotula e marca a trajetória
feminina sobre uma concepção histórica.

Lilith é a primeira mulher, um gênero segregado e radicalmente mantido sobre


uma condição de extrema subjugação. O medo de Adão é o mesmo complexo
advindo do homem. As normas e as práticas sociais esclarecem bem esses anseios,

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são mediados pelo discurso institucional, político-social e se absorve na vida em
família (BORGES, 2013).

No machismo existe grande ansiedade e desejo de poder sobre o universo


feminino, no que refere-se ao controle da instintividade, denotando o temor do
homem em relação à força instintiva e a criatividade femininas, expressadas
principalmente através da sexualidade (RODRIGUES, 2007, p 12).

Lilith/serpente rasteja sobre o ventre.

Será ela o próprio demônio? Ou a esposa do demônio?

Quem sabe a “rainha do tártaro” que sopra ventos abissais advindos do


submundo, em tempos de dor e de loucura.

Volta-se ao jardim do Éden, vamos dar conta dessa vazão histórica que
assegurou o destino mais vil do primeiro ser feminino. Os relatos bíblicos de que
Lilith seria classificada como o demônio da luxúria.

Sabe-se que a serpente veio do Mar Vermelho, agora, torna-se por


transformação interior a mais astuta das figuras, ela é mais do que outrora fora, é
réptil raso que volta para o jardim para tentar Eva (SICUTERI, 2015).

Na escrita dos Hebreus, ela tomou o poder que recai sobre os homens, sobre
os sonhos, ela rasteja sobre os pesadelos doentios; ela age nos desaparecimentos
de crianças; e, é responsável pela escuridão da lua, seus aspectos animalizado
mancha de vermelho o satélite durante o eclipse, já que é a cor da chama e do
desejo incandescente que a envolve; é o ser que tange as lágrimas na direção do
mar, junto aos trajetos dos rios, das nascentes e da lama dos pântanos (BONFIM,
2009).

Então, Deus disse à serpente: “Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que
toda a fera, e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó
comerás todos os dias da tua vida” (Gênesis 3:14).

Ela já estava condenada por Deus, então, recebia uma segunda sentença: a
dor, a sensação humilhante de rastejar eternamente pela terra.

Todavia, repete-se a condenação para a figura já outrora condenada, logo


pois, o que viria a mudar era a sua forma física, pois Lilith ainda era a mesma em

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seu vago sentimento de destruição e tormentos. Má o era, e deus repete e a
condena a ser animal.

O homem culpava a mulher por esses desvios constantes, e Eva culparia a


serpente pelo pecado consumado. Numa ideia mais ampla sobre a culpabilidade, o
homem no final culparia as duas figuras femininas pela tragédia do “paraíso”, por
questões evidenciadas no discurso que ainda permeia por séculos, como algo que
se repete e que se torna veementemente aceito por uma construção psíquica
fragilizada e que verbera na escrita histórica (MIRANDA, 2010).

Assim, em meio à tríade, identificamos uma sequência de vida entre duas


mulheres e um homem, por onde apenas as duas figuras femininas acabam sendo
as culpadas de um erro que, subsequentemente, Adão também os cometera de
maneira mais intensa, mas que não se dar direcionamentos para essas conclusões,
já que Adão é o homem da história e o homem não erra.

Por outro lado, a mulher ali, Eva, é a culpada absoluta pelo infortúnio humano
(vamos entender dessa forma): ela é o centro, pois Lilith não permanece mais como
figura feminina humana e sim como serpente (ser antropomórfo), na forma mais
animalizada do que humana; então, deixa de ser vista como mulher. Passa a ser a
condenada por Deus.

A mulher estereotipada como uma figura que dá sentido ao Diabo, por que ela
é classificada como um demônio que afugenta e conduz em direções opostas, a
importância feminina é secundaria (JUNG, 2013).

De tal modo, entende-se que Eva é à extensão dessa figura diabólica, ou


seja, por seus passos encontram-se aspectos do feminino Lilith.

Quem poderia dar ouvido a esta figura maligna? Quem ouvirá uma serpente?

Eva! É a resposta para o crime do pecado, ela é impura assim como a


serpente o é.

É determinada ao fardo, aos critérios cristãos das civilizações que seguiam


essa ideia simbólica e fatalista da mulher.

Este estereótipo segue as mulheres, principalmente, durante a inquisição, no


intenso combate a heresia, um terror de caçada cruel e sangrenta. A natureza
demoníaca das mulheres era combatida de todas as formas, ditas na misoginia
32
eclesiástica medieval que, sobremaneira, é classificada como o gênero que originou
o pecado. Período esse onde nascer mulher era tido como um castigo, uma
desventura para a família (FOUCAULT, 2013); a paixão por essas mulheres
acabava sendo um pressuposto para uma acusação de pactos demoníacos sob a
forma de bruxarias ou que elas eram bruxas apenas por que homens eram levados
aos desejos, mas sem que isso tivesse uma resposta direta dessas mulheres,
principalmente, às inclinações ilusórias destes.

No Talmud (coleção de escritos no livro sagrado dos judeus), desde o período


babilônico, esse grupo de manuscritos canônicos hebraicos, torna a citar Lilith de
igual forma como as demais escrituras e a classificam com os discursos já citados:
um espírito sorrateiro, lúgubre, soturno, de elevado apetite sexual, ardente em sua
natureza mais perversa, pois domina os instintos e a morte, mulher-serpente que
atrai o pesadelo e o sofrimento (TALMUD, 2001).

Tais formas, símbolos e imagens são encontrados nos gregos, romanos,


egípcios, maias e etc. todas essas culturas transmitiram uma comunhão com os
resultados incultos na figura que evidenciavam a mulher obscura.

Seguindo os exemplos, fala-se de Ixchel, deusa maia, sua face obscura,


trazia uma mulher com cabelos de serpentes que se agitavam quando sentia-se
ameaçada (ELIADE, 1979).

Nossa Lilith, também migra para o norte da Europa, onde a figura sombria
escreverá símbolos que amedrontam e que agitam as civilizações; ela é o próprio
caos que descontrola a natureza; a sexualidade que vagueia por entre sentidos
desconexos e a magia que perambula pelas mãos e corrompe a alma:

Freyja, deusa dos povos nórdicos, que toma a forma de um pássaro para
viajar ao mundo dos mortos. Vamos encontrar uma imagem relacionada à deusa
Inanna, na mitologia suméria, irmã do deus-sol, Utu, onde abriremos para a leitura
de seus símbolos ligados a essa figura feminina (ELIADE, 1979).

Todavia, encontraremos na mitologia essa soma de acontecimentos que


sempre vagueiam sobre o princípio feminino de Lilith, sobre outras vestes físicas.

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Nos sumérios, por exemplo, a Inanna, tem os pés de uma ave, que pode ser
de um abutre ou de uma águia, porém reconhecemos que o abutre é exclusivamente
um símbolo feminino que, normalmente, está ligado à figura da mãe (KERR, 1995).

Assim como confirma Jung:

Ele cita com razão, como fonte do símbolo, a Hierogfyphica de Horapollo,


livro muito divulgado naquela época. Lê-se aí que os abutres são
exclusivamente femininos e significam simbolicamente a mãe; eles
concebiam através do vento (πνεύμα). Esta palavra pneuma recebeu o
significado de "espírito", principalmente por influência do Cristianismo
(JUNG, 2017, p. 56).
Igualmente citado, o vento como natureza corpórea ou como um “sopro
divino”, como já falamos anteriormente.

Inanna também se forma na mesma linguagem arquetípica da figura do


feminino, pois esta também é o “surgir” como um “sopro” ou como um vento que
atravessa as regiões mais longínquas do mundo e cria a vida e traz a morte
(ELIADE, 1979).

A Deusa Mut, deusa-mãe egípcia, está assim também ligada à imagem do


abutre, o mesmo dado a Inanna.

Freyja vem com um colar de ouro caído sobre o colo que, por esse símbolo,
encontraremos elementos ligados aos opostos, sol e noite (lua), masculino e
feminino; Mut, a egípcia, é ainda reforçada por seu símbolo em hieroglífico que é um
abutre, essa deusa é casada com o Deus sol, Amon (egípcio: Yamānu, seu nome
significa o “oculto”), a personificação dos ventos (DOBERSTEIN, 2010, p.130). Mut
tem alguns aspectos também que a liga a imagem de Inanna (Essa “Lilith” dos
babilônicos), que usa acima de sua cabeça uma serpente (Ureus) adjunta a sua
coroa de rainha. Em Inanna, iremos encontrar na sua imagem os cabelos de
serpentes, assim semelhantes à Medusa (grega) e Ixchel (Maia). E Lilith torna-se
humana/serpente, uma característica de animalização do feminino e os seus
sistemas interiores, e assim por diante.

A serpente (ouroboros) aparecerá com uma indicação da fertilidade e da


eternidade, característica desse feminino, o ser que nutri a vida na terra. A medusa
aparecerá como uma representação arquetípica do materno devorador, a mãe
terrível (JUNG, 2017), estado de regressão, os mesmos atributos encontrados em
Lilith que tem a regressão de ser serpente ou dragão.
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Na sombra dos gregos encontraremos também a deusa Hécate, esta é uma
figura feminina esquecida por Homero ou, podemos dizer que fora evitada por ele,
nos seus livros. Hécate é “esquecida” pelo escritor como quem busca se distanciar
de suas características sombrias e más, já que se reconhece que a “sombria deusa”
era popular na época. Somente em Hesíodo, outro poeta grego, é que vamos vê-la
em suas descrições sendo esta ligada a lua, a fertilidade, ao eclipse. Ela é uma
divindade que também deve ser associada à terra e, assim, como também aos
oceanos, as marés. Hécate é a rainha do submundo (SICUTERI, 2015).

Essa deusa (Hécate), a grande deusa (HESÍODO, 2010), também se


encontra ligada a magia, a bruxaria e aos papeis de guardiã da noite e da escuridão
lunar, pois é na sombra da lua que ela demanda força e sabedoria. Filha do titã
Perses e da ninfa Astéria, que esta última sendo uma deusa grega da destruição;
porquanto, seu mito promulga que Astéria deve joga-se ao mar para fugir de Zeus e
nesse lançar-se sobre as águas para em seguida transformar-se num pássaro e
que, a partir dali, seguiria uma nova forma antropomórfica; Astéria é a deusa das
estrelas, do aspecto acolhedor da noite, a ave que voa no desconhecido
(BULFINCH, 2002).

Hécate, porém, é identificada com os três aspectos lunares, ou seja, era


representada por uma imagem de três figuras femininas juntas, em diferentes
idades, demonstrando uma estrutura evolutiva do feminino. À noite e a lua
completava o contexto mitológico do seu ciclo feminino e o símbolo do que poderia
ser visível ao homem. Ou então, em outros instantes, estava representada por uma
figura de três cabeças, tricéfala, que vigiava as encruzilhadas, principalmente as
ligadas a três caminhos distintos, habitualmente na escuridão (HESÍODO, 2010).
Sua imagem se ligava aos cães, corujas, serpentes e etc. Como o “cão negro” em
Fausto, de Goethe. Contudo, podemos perceber sua ligação com os aspectos da
deusa na Suméria, Inanna, assim como outros aspectos passados a Mut, no Egito,
aos de Freyja, aos de Ixchel, como também aos mitos das bruxas, dos dragões e
dos lobos.

A deusa grega possui tanto os poderes ctônicos como também os olímpicos,


em sua característica, dada ao valor da deusa na história; a sua colocação frente à
cronologia grega (HESÌODO, 2010). Hécate está na posição de ser a mais antiga

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das deidades terrestres, pois já era conhecida mesmo antes do levante de Zeus á
Cronos (ELIADE, 1979). Assim considera-se Hécate como uma antiguíssima deusa
desse panteão. Entretanto pode-se deduzir que essa figura mística tinha uma
característica de uma divindade da fertilidade que, provavelmente, fora se perdendo
ao longo do tempo, ou seja, ela volta-se para o contexto do feminino que impera por
entre os versos dissonantes que caracteriza os discursos sociais a respeito do
feminino, já que o seu poder está relacionado à geração da vida e do conhecimento.
Hécate por aí se apaga na história.

A sexualidade aparece como um deus da fertilidade, como um demônio


feminino ferozmente sensual, como o próprio diabo, com pernas caprinas
dionisíacas e gestos obscenos, ou como uma serpente terrificante que
procura sufocar suas vítimas até a morte (JUNG, 2017, p.47).
Nessa estrutura iremos encontrar também a deusa Ártemis, filha de Zeus e da
deusa Leto, ou seja, a filha do poder somada a fertilidade e os aspectos sombrios do
feminino, já escrito nesse artigo, ou seja, os mesmos se repetem; Leto, no caso,
considerada uma figura mitológica que não conseguia dar á luz onde brilhasse a luz
do sol, ou seja, seus poderes dependiam da escuridão para brota-lhes do ser
(BULFINCH, 2002).

Veremos também em Ártemis poderes que serão somados com a união de


seus pais.

Estabeleceremos um acordo entre esses dois aspectos distintos que, por


conta da sua origem deísta produziu uma unicidade na origem, mas que logo fora se
tornando não mais Unas (semelhante ao nascimento de Adão e Lilith), entendidas
como dois potenciais ao poder do pai que é o sol e a escuridão que é uma
característica materna (no caso, Zeus e Leto) (POUZADOUX, 2001).

As referências de Artémis se integram a imagem da lua revelando uma


estrutura psíquica de associação ao satélite natural, um encadeamento já descrito.
Artémis é irmã gêmea do deus Apolo (o deus sol), que representa a parte masculina
que integra as estruturas psíquicas do ser, esse entendimento direto nos leva a
entender o valor simbólico que liga os irmãos, a imagem descritas dos opostos que
por ventura são ligados em sentimentos e emoções, a parte masculina e feminina, o
sol e a lua, assegurando as perspectivas que se transborda na consciência em
forma de símbolos opostos, o animus e anima, levados as concepções da psicologia
analítica (POUZADOUX, 2001).
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Com estas identificações entramos no terreno das sizígias, ou
seja, na união dos opostos quando um deles jamais está
separado do outro. Trata-se daquela esfera de vivência que
conduz diretamente à experiência da individuação, ao tomar-se
Si-mesmo (JUNG, 2017, p. 113).
No entanto, Ártemis apresenta-se como uma fase feminina da donzela
virgem, onde seu habitat são as regiões mais selvagens, as florestas ainda não
exploradas, espaço que dar a concepção natural com o símbolo que traduz a solidão
naquele espaço. Assim como exemplificado nos contos de fadas quando as figuras
infantis se perdem na floresta: lá encontram-se o mistério e os segredos da
natureza.

Ártemis rege o inconsciente, as regiões obscuras da psique, os aspectos


instintivos.

O feminino segura essas determinações sobre o que pode ser julgado, ou


seja, ela demanda o que lhe é permitido saber sobre o universo feminino. Parece
que sempre retornamos para os mesmos contextos e os prejulgamentos anteriores.

Analiso a deusa Perséfone, reconhecida ou simbolizada pelas flores da


primavera; a senhora do mundo obscuro, uma das ramificações dessa deusa que
compõe o panteão hermético, ou seja, a jovem bela que é raptada tem as suas fases
sombrias nas raízes da natureza (BULFINCH, 2002). Quando ela colher flores, seu
destino é sentar ao trono do submundo como rainha; será a esposa de Hades, com
a dualidade de produzir flores intensas com aromas encantadores e, em outros
tempos, suas ações serão dirigidas a escuridão, nos locais irascíveis (POUZADOUX,
2001). A filha de Deméter, depois do sequestro de Hades, entra em acordo com o
deus dos infernos e Perséfone entra num acordo para permanecer as três estações
com a sua mãe no Olimpo e três meses no mundo inferior com Hades: primavera,
verão e outono com a mãe e Inverno com seu marido (HESÍODO, 2010). Percebe-se
aqui a referência ao número três, assim como descritos outrora sobre as fases
lunares ligadas a Hécate, que correspondem também ao número inteiro bem
mencionado aos conteúdos históricos. Por assim, esse número corresponde os
períodos dos quais a lua mostra sua face e/ou parte desta, no caso aqui
representando a lua Nova (a parte totalmente obscura), ou seja, a fase de número
quarto da lua é sombria.

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As três estações do ano em que Perséfone estava com sua mãe Deméter e
os três meses com o marido. A chuva do inverno era o símbolo dos lamentos,
tristeza e choro de sua mãe e do seu descuido com a natureza, o lado obscuro de
Deméter aparece no inverno.

O que, porém, segundo a simbólica, faz de um quarto uma tríade?

Neste ponto o simbolismo da história não nos esclarece e somos obrigados a


recorrer aos fatos da psicologia. Como expresso no paragrafo anterior, três funções
podem ser diferenciadas, e apenas uma permanece no exílio do inconsciente
(JUNG, 2017, p. 223).

No entanto, encontraremos uma estreita relação entre Deméter e Hécate,


quando a deusa ainda está à procura de Perséfone, depois do sequestro de Hades,
porquanto sua mãe só toma ciência do que houve com a filha por meio da ajuda da
deusa da noite, a própria Hécate é que a leva ao submundo (BULFINCH, 2010).
Hécate vem como parte da deusa Deméter, o lado sombrio ou a duplicidade da
personalidade.

Segundo Jung, afirma que a natureza ctônica da Hécate, ligada a Deméter e


o destino de Perséfone apontam para o lado escuro da alma humana, ainda que
numa medida menor do que hoje em dia é tomada (2017, p. 178). Isto é, essas
características são profundamente encontradas na psique feminina, assim, bem
específico, encontrá-la-íamos aos conteúdos da sombra; entretanto, essas vertentes
submergem nas características femininas e que, são devidamente aceitas como
referências para os destinos, ou as medidas tomadas como necessárias a vida.

Sobretudo, essas ocorrências são menos acessíveis nos dias atuais, já que a
vivência e o contato com os mitos, nas civilizações modernas são bem menores do
que ocorriam outrora.

Entendemos que essas três figuras femininas são em si um todo de um tipo


de arquétipo que, estando aparte da dinâmica dos sentidos humanos. Elas figuram o
significado completo da ascensão para a individuação. Perfilhando suas ideias e
acolhendo todos os fatores que são determinantes para a compreensão do feminino,
vemos no Dr. Carl G. Jung, que reforça:

A Mãe-Terra desempenha um papel importante no inconsciente da mulher,


pois todas as suas manifestações são caracterizadas como sendo

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"poderosas". Isso mostra que nesses casos o “elemento-Mãe-Terra", no
consciente, é anormalmente fraco, necessitando, portanto ser fortalecido
(JUNG, 2017, p. 186).
Entretanto, podemos nos apropriar das construções intuitivas dessas deusas,
pois são as características da Grande-mãe ou da Mãe diretamente ligada as suas
raízes ctônicas; sobre seus aspectos descritivos e suas relações com o mundo e
com a origem dos seres. Os símbolos são determinantes para executarmos tais
leituras; atinge-se o reconhecimento frente a esses avanços psíquicos que nos deixa
próximos desse universo simbólico a priori (JUNG, 2017).

Quando Deméter encontra-se com Hécate, por exemplo, juntaremos num só


momento a deusa da noite e a mãe-da-natureza. Hécate tem em suas mãos um
archote e nesse objeto refletia-se uma chama cáustica que clareava a absoluta
escuridão do submundo. O instrumento ali revela que pode existir intensa luz em
plena escuridão, e que revela a força de quem a conduz ou das possibilidades de
um ser interior de manejar tais ensinamentos ao Si-mesmo (Luz interior); a chama
acessa da consciência nesse mundo sombrio é alavancada pelas sensações de
coragem e de perseverança. Tal símbolo indica iluminação e conhecimentos típicos
da natureza psíquica do ser, mas que necessariamente não esteja tão disposta para
uma iluminação tão direcionada.

Aquela que carrega a luz num gesto de descobrir ou de encontrar algo é


sempre a “Bruxa” na psique. Essa grande-mãe-má vem ao encontro do Si-mesmo,
num conflito com “verdades” sobrepostas a consciência (ESTES,1999). A anima
caminha sem ser vista ou identificada, é o feminino obscuro, a lâmina que se faz
merecer para o corte com as relações já cansadas e envelhecidas.

Posso, porém ser oportuno ao citar nesse momento um conto da pequena


menina chamada Vasalisa, a sabida (conto de origem Russa) que ao percorrer de
suas páginas, já bem ao final, é descrito que a menina vai recebe da bruxa Baba-
Yaga uma espécie de cajado composto de uma vara de madeira e logo ao seu topo
é fincada um crânio humano, assentado pela própria bruxa. Do crânio, advinda de
sua cavidade ocular refletir-se-á duas chamas incandescentes que logo vão iluminar
o trajeto de volta para casa. Entende-se que seu cajado e junto o crânio vão
tomando comando autônomo e ilumina aleatoriamente pontos específicos da
floresta. Segundo Estes, já que previne as surpresas e delineia um melhor caminho
para a menina (1999).
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Assim, lá vai Vasalisa pela floresta escura adentro com a caveira na vara.
Ela perambulou um pouco para chegar até a Yaga, mas agora volta para
casa com maior segurança, maior certeza, com a postura ereta, voltada
para a frente. Essa é a subida a partir da iniciação da intuição profunda
(ESTES, 1999, p. 80).
Por conseguinte, essa iluminação provém desse posterior contato com a
grande-mãe-má, pois é a detentora de poderes que vão além da consciência.
Entenderemos que esses significativos processos de autoconhecimento levam o
indivíduo a infinitas possibilidades de surpreender-se com as demandas interiores
que, outrora, eram-lhes adversas ou desconhecidas.

Tal relação descrita entre o cajado e a menina, mesmo que aconteça de


forma breve, pode gerir rejeições de imediato ou podem imolar verdades que lhe
eram desconhecidas e/ou vinham sendo evitadas em outros tempos. Estas atitudes
podem assim causar descontroles emocionais capazes de levar ao desvio psíquico,
forçando assim a soltura do cajado e o abandono do processo de descobrimento
interior. A simbólica aqui indica a entropia nas acessões interiores (ESTES,1999).

A luz em si é a descoberta, a iluminação interior, ela é esse avanço do Si-


mesmo, é o símbolo do “fugir” para o deserto de nossa Lilith interior.

Vasalisa agora leva a chama do conhecimento. Ela possui aqueles sentidos


aterradores. Ela pode usar à vontade sua visão, audição, olfato e gosto, e ela é dona
do seu próprio Self. Ela tem a boneca, a capacidade sensorial da Yaga e agora tem
também a caveira incandescente. (ESTES, 1999, p. 81).

Porém, até que instantes se pode suportar o cajado com o crânio


incandescente?

Até quando suportar-se o archote iluminado de Hécate?

O fazer a luz na escuridão da deusa Leto, terá o mesmo sentido da menina


Vasalisa, pois o arquétipo feminino produz esse efeito “aterrador” dos sentidos que
em outrora era desacreditado por uma condição social imposta (FOUCAULT, 2013).

Cobre-se de silêncio os nossos sentidos, abandonar a vara com o crânio é


mais fácil do que permanecer elado ao que nos pode causar medo. Olhar para
Baba-Yaga, a Bruxa, a enfiar o crânio incandescente talvez não seja uma visão tão
fácil de ser vista, pois é na sombra de nossa psique que ela reside com toda a sua
imagem de mulher-má, de ser horrendo e transformador. É o mesmo gesto de abrir a

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caixa de Pandora. Do envolve-se nos mistérios das serpentes, no despertar das
devidas ilusões.

É verdade, não vou mentir para vocês. É mais fácil jogar fora a luz e ir
dormir. É verdade que é bem difícil segurar a luz da caveira à nossa frente
em algumas ocasiões. Pois, com ela, vemos nitidamente todos aspectos de
nós mesmas e dos outros, tanto os deformados quanto os divinos, além de
todas as condições intermediárias (ESTES, 1999, p. 82).
O oculto no Feminino

Lilith transpassa seu corpo pela árvore do fruto do pecado naquele acessível
jardim, o corpo disforme, é a cobra tão cheia de solidão, mas aberto aos perigos do
desastre humano. Atos que são tão habituais e perenes. Mas que agora é o seu
sentido, sua estrutura física.

Lilith e a Adão, são semelhantes também as figuras mitológicas de Érebo e


Nix, na mitologia grega, ambos são irmãos, nasceram da cisão de uma estrutura
cósmica que caracteriza a escuridão absoluta, ou seja, aquele ambiente ainda não
desbravado pela consciência humana, o que chamamos de o nada. Nesse período,
o céu ainda encontra-se sem estrelas e sem vida. Os dois irmãos, são definidos
como uma estrutura Uno, deísta, assim como os deuses Shakti e Shiva, no sistema
das divindades Hindu (VEDAS, 2010). São figuras eternas, num abraço divino,
completo; compreendendo-se como uma representação das possibilidades das
manifestações do universo do todo absoluto, assim como Érebo e Nix, que por
conseguinte dividem-se para dar-lhes a vida aos dois deuses, como o fenômeno que
ocorre numa divisão celular (HESÍODO, 2010).

Os comentários cabalísticos sobre o Pentateuco reunidos pelo Rabi Reuben


ben Hoshke Cohen, citam uma nítida lenda do nascimento de Lilith. Reproduziremos
o resumo que nos dá Graves em seu texto: Deus então criou Lilith, a primeira
mulher, assim como havia criado Adão, mas usando fezes e imundície ao invés de
pó puro (SICUTERI, 2015, p.15).

O que é descrito como divisão do que era outrora Uno, como uma separação
material homem/mulher que, originalmente, em seu princípio são universalmente
Unas, tais as estruturas deístas, ganham dimensões distintas e tornam-se Dual, em
uma divisão onisciente de suas estruturas, porém distintas uma da outra, mas
contendo os princípios da natureza inicial.

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Estes também surgem como uma força geradora dos movimentos e das
características multicelulares da psique.

Voltando aos deuses em questão, veremos que essa vertente principal que
estrutura as “partes” em divisão pertencia outrora ao conteúdo Uno do Caos (o
primeiro deus primordial, assim como Javé) que, por ventura, está relacionado à
figura paterna de Érebo e Nix, de origem diretamente divina, provindas direta desse
criador onisciente; ou seja, ambos eram partes de uma mesma estrutura escura e
desconhecida. Essa estrutura não é observável, não vem à consciência. Mas que
agora se tornam um princípio masculino e feminino (anima e animus), advindas do
Deus primordial (JUNG, 2017).

Faça-se a tríade com as figuras de: Deus, Adão e Lilith, que se absorvem
dentro da estrutura Uno do Criador e dos descendentes desse Ser Uno, universal,
torna-se também, os símbolos união e, ao mesmo tempo, separados.

Pode-se observar que Nix, por exemplo, é a personificação da noite. Porém,


veremos que da união entre escuridão e a personificação da noite (Érebo e Nix),
nascem dois deuses distintos, sendo um a luz celestial e o outro o dia, ou seja, do
vácuo e da escuridão surge à luz, (Éter e Hemera), que são filhos desses seres
divinos nascidos diretamente do Deus Onisciente (BULFINCH, 2002).

Da noite, Nix, veio à escuridão da própria escuridão, e surgiram também


outros deuses, no entanto, apreendemos que a noite desempenhou um papel
importante para o surgimento e o nascimento dos grandes deuses que, logo em
seguida, dariam formas as gerações olímpicas (HESÍODO, 2010). Do escuro
absoluto que, por muitas explicações, parece ser o “nada” ou o que se desconhece
completamente (matéria escura), gera-se a luz de tudo que existe (HAWKING,
2002).

Nix é a forma feminina, ela é o segredo, é o mistério noturno, ela é o místico


feminino, a sombra de uma floresta nas noites frias por onde é caro a sua travessia.
A deusa da vida e da morte, ao mesmo tempo, surge como significação desse
complemento. Dessa expansão de tempo, como que se um estivesse para o outro,
numa duplicidade que lhe é característica, principalmente, quando se refere às
estruturas femininas primordiais. Nix, a deusa, é o princípio feminino criador, como o

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tártaro, o inferno, o submundo, a terra e o céu. É uma potência multiforme, assim
como Lilith, Inanna, Mut, Freyja, Ixchel e entre outras deusas já citadas.

A maioria da progênie noturna é composta por abstrações, símbolos terríveis


que nos intimidam talvez para ordenar os ciclos da vida e da morte. Tal como a
linhagem da Terra, Nix foi pródiga em sua fecundidade de criaturas do bem e do
mal. Em sua Teogonia, Hesíodo afirma que são seus filhos: Moiro, de quem pouco
se ocupou a mitologia; a negra Kera e Tânatos, todos os três vinculados à morte
(ROBLES, 2006, p. 36).

Lilith é, ao mesmo tempo, a figura simbólica representada no mito da Gênesis


bíblica: a árvore e o seu fruto, diretamente ligados, são aspectos da fertilidade, pois
seus valores são remetidos ao símbolo da árvore universal, que possui essa
identidade que se liga a terra, as entranhas da terra, a estrutura natural que se
verticaliza no horizonte (SICUTERI, 2015). Lembremos que na suméria Lilith fica
mistificada na imagem de uma árvore.

A ninfa Dafne transforma-se em árvore quando vai ser alcançada por Apolo, e
a partir daí a natureza feminina da vida ou aparece a sua realidade interior através
do contato com o Animus. No jardim do Éden, figura-se a árvore do bem e do mal,
não que diretamente esteja ligado à árvore unicamente, mas ao conjunto. Daí vem:
Lilith, Eva e o fruto, pois necessário verificar os detalhes que ligam o mito e sua
relação simbólico/inconsciente com essa Anima extremamente estruturada em
vários símbolos (JUNG, 2017).

Porém, a árvore, bem centrada ao jardim, provém desse símbolo de sentido


oposto (bem e mal). Com um fruto que gera cobiça; fato ligado aos instintos de Eva.

Nasce daí a mãe-terra, que dispõe de possibilidades acerca de seu poder e


de suas sensações íntimas, ou, assim as figuras podem representar parte da
estrutura feminina que estruturam a própria Lilith que, no caso, é serpente e árvore
ao mesmo tempo, passando a ser uma estrutura única, assim como Eva também faz
parte do todo.

A árvore passa a ter muitos aspectos em comum com o feminino.


Caracterizada num ato sagrado que, desde as construções mitológicas ou desde a
origem da vida, a une com a nutrição e com a geração de frutos, de sementes e da

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longevidade. Ambas advindas da natureza e que regem sobre a construção da
imagem da mãe-terra (JUNG, 2012).

O fruto, no detalhe, é direcionado a imagem de uma maçã que indica a


sedução. O fruto em questão apresenta-se mais na cor vermelha que, na maioria
das vezes, aparece nos contos, nos mitos e etc. O fruto está nas velhas árvores ou
nas mãos das bruxas, com aspecto de fecundidade e da descoberta, do prazer, da
traição, do pecado, da culpa e do poder.

O vermelho do fruto atraiu Eva aos desejos intensificados de sua coragem, ao


descobrir muito mais do que as pegadas sujas de lama de sua antecessora, Lilith,
que ainda resistia em suas marcas; assim como as velhas-mães-más que são tão
desventurosas ao mundo, mas que, de repente, transformam-se no poder interior
que produzir luz onde não há a menor esperança.

A “caveira de olhos iluminados”, de Vasalisa, não tem a fonte generosa que


todos aguardam; sua função é a de ter plena visão daquilo que é necessário a
psique. Portanto, Lilith gera vida das fezes, da lama ou da escuridão; ela emitirá
estruturas de sua origem advinda do Criador e Dele advém sua fertilidade e sua
destreza, assim como a mulher abrindo-se aos prelúdios de suas fases, firmando-se
no inconsciente.

Cabe ao ser feminino compreender esse arquétipo que predomina na raiz da


alma, assim como aves que voam para além do tempo conhecido evencem as
distâncias do mundo, como a deusa Artémis desfaçada de ave-mulher. Por isso,
essa estrutura psíquica vai se revelando com o tempo, a veste negra da mulher-má
que exterioriza sua alma. Algo que vem da sensitividade, à mulher encontrará os
mais variados caminhos para a busca da individuação, pois é de sua parte oculta
que estamos aqui a descrever; nas entrelinhas peremptórias e confiantes no instinto
feminino. Compreender essa natureza é lei que parte inicialmente das próprias
mulheres, pois essa natureza contida é, sem dúvida, parte dessas sensações.

A vida está no submundo de Hades, ou na gruta, esperando a oportunidade


de se encontra com a deusa Hécate e seu archote. É nesse local onde vivem as
Bruxas e o seu caldeirão efervescente, aguardando a próxima mulher a desafiá-la.

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